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CINEMA E TEATRO

Hayao Miyazaki, o mestre oriental


Gordeeff
Animadora e mestre em Artes Visuais (UFRJ)
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Não é de hoje que os desenhos animados japoneses fazem sucesso no Brasil. Desde a
década de 1960, séries como Astroboy, Speedy Racer e A princesa e o cavaleiro abriram
caminho para essa invasão oriental, que se espalhou pelos principais canais de televisão
do mundo.

Isso se deu não somente por fatores econômicos – a indústria de mangá (quadrinhos
japoneses) e de animação foram as indústrias que tiveram seus desenvolvimentos
estimulados no pós-guerra – mas também pelas histórias e pelo visual característico, mas
diferenciado, do sistema norte-americano de produção, com suas piadinhas e gags. No
geral, apresentam heróis carismáticos, comprometidos com uma moral, com uma ética de
conduta, com senso de responsabilidade admiráveis – talvez isso explique parte do
sucesso. Sempre com olhos grandes, expressivos, estilo influenciado pelos desenhos de
mangá de Osamo Tezuka (criador de Astroboy), os personagens japoneses são sempre
rodeados por acontecimentos muitas vezes sobrenaturais, como maldições, espíritos,
fadas e bruxarias – influência de questões culturais e religiosas.

Astroboy, série animada da década de 1960.

Como uma indústria que deu certo, a animação japonesa criou um estilo de apresentação
de movimento das cenas que economiza no tempo de produção dos desenhos, esbanjando
cortes de cenas, indicações de movimentos – raios, explosões, saltos, resultado da
influência da linguagem dos mangás – e dramaticidade, além do colorido e da habilidade
oriental em desenhar e pintar os cenários.

Hayao Miyazaki é fruto direto desse ambiente. Ele nasceu em 1941, no meio da Segunda
Guerra Mundial. Seu pai tinha uma fábrica de aviões, que eram usados pelos pilotos
camicazes. Formado em Economia, não exerceu a profissão. Em 1963 foi contratado pelos
estúdios Toei (produtores dos Cavaleiros do Zodíaco e de Dragon Ball Z) como animador
aprendiz. Ali se desenvolveu na profissão, trabalhando até 1971, quando mudou para o
escritório de animação A-Pro com mais dois amigos, Isao Takahata e Yoichi Otabe. Dois
anos depois, a trinca foi para o estúdio Zuiyo Pictures, onde Miyazaki teve a oportunidade
de viajar à Europa para se inspirar e conhecer os ambientes europeus que serviram de
modelo para o longa-metragem Heidi: a Garota dos Alpes (no Brasil foi exibida uma série
de TV com a personagem). Em 1978, dirigiu seu primeiro seriado de TV, O Garoto do
Futuro Conan; no ano seguinte, dirigiu seu primeiro longa-metragem, Lupin III: o Castelo
de Cagliostro, para a Tokyo Movie. Esse filme já apresenta algumas características que

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acompanharão a obra de Miyazaki: o romance com cenários inspirados em cidades


europeias.

Lupin III: o Castelo de Cagliostro

Mas o que mais se destaca nos seus filmes é a valorização do feminino, o respeito à
natureza, a presença de cenas com água e de voo (influência de seu pai) – vão aparecer
com força no seu filme de 1984, Nausicaä do Vale do Vento, produzido pela Topcraft e
baseado no mangá de sua autoria. No filme, após “sete dias de fogo”, o mundo se tornou
um lugar inóspito com locais completamente tóxicos. Nausicaä é uma princesa de uma
aldeia que se vê forçada pelas circunstâncias a entrar numa disputa pela sobrevivência de
seu povo e da floresta que lhes cerca – para os cinéfilos, é impossível não lembrar de
Duna (de David Lynch, 1984). O sucesso do filme foi tão grande que lhe permitiu abrir o
próprio negócio, o Studio Ghibli.

Nausicaä do Vale do Vento

Daí se seguiram:

Laputa: o castelo no céu (1986) – a primeira produção oficial do Studio Ghibli. Nela
a menina Sheeta é perseguida por piratas e agentes por causa de um amuleto que
indica o caminho para uma ilha voadora – que lembra Avatar (de James Cameron.
2009).

Laputa: o castelo no céu

Meu vizinho Totoro (1988) – a mais infantil obra de Miyazaki. Totoro é um ser da
floresta - o que os psicólogos chamariam de “amigo invisível”. Ele ajuda duas
pequenas irmãs que vão viver no campo com o pai durante a internação da mãe.
Miyazaki se baseou em sua própria experiência, no período em que sua mãe foi
internada por causa de uma tuberculose.

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Meu vizinho Totoro

Serviço de entregas da Kiki (1989) - baseado no livro infantil de Eiko Kadono. Conta
a história de uma simpática bruxinha de 13 anos que precisa conquistar seu próprio
lugar, mudando de cidade e se afastando da família. Um estímulo a lidar com a
adversidade, a fazer amigos, a valorização das tradições (quem disse que isso é
algo negativo?).

Serviço de entregas da Kiki

Porco rosso (1992) – o mais autoral dos filmes de Miyazaki. É uma declaração de
amor à aviação. A história se passa no Mar Adriático nos anos 1920. Marco é um
piloto italiano que, por um tipo de maldição, carrega a face de um porco. Apresenta
também uma jovem de 17 anos como engenheira de aviões, além de uma crítica aos
galãs americanos.

Porco rosso

Princesa Mononoke (1997) – ficou no topo de bilheteria japonesa até a estreia de


Titanic (de James Cameron, 2000). Conta a história da luta de Mononoke, uma
jovem adotada por uma matilha de lobos (lembra Mogli) que defende a preservação
do espírito da floresta. É um dos filmes mais mitológicos de Miyazaki. Nele os
elementos da natureza fazem parte da história como personagens. O que, apesar de
ser um filme dito não infantil – não há cenas de sexo ou coisa parecida, mas sim de
morte e sangue, é uma guerra – torna a narrativa lúdica e poética. Primeiro filme
em que Miyazaki trabalhou com efeitos computadorizados na edição final.

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Princesa Mononoke

A viagem de Chihiro (2001) – ganhador do Oscar de longa-metragem de animação


em 2003, foi feito para a filha de um amigo de Miyazaki, preocupado com as
crianças japonesas, atualmente tão alienadas e fúteis com as facilidades da vida
contemporânea. Chihiro é uma menina de 10 anos que, ao se mudar com a família,
se vê forçada a trabalhar numa casa de banhos para livrar seus pais de uma
maldição que os transformou em porcos. Estimula a solidariedade, a compreensão
com as diferenças e a responsabilidade.

O castelo animado (2004) – candidato ao Oscar de 2006. Conta a saga da jovem


Sophie, que, amaldiçoada por uma bruxa, passa a viver como uma anciã de 90
anos. Seus caminhos a levam a um mago que mora num castelo mágico e que luta
contra a guerra iminente. Novamente o universo de Miyazaki se apresenta:
personagens fantásticos, poderosos (mas sem maniqueísmos), a luta por um bem
maior, com a valorização da vida e da emoção.

O castelo animado

Ponyo, uma amizade que veio do mar, 2009 – o mais lúdico dos filmes de Miyazaki,
talvez porque o personagem principal seja uma peixinha, Ponyo, e seu par, Sosuke,
um menino de cinco anos. Lembra a história da Pequena Sereia, mas com o enfoque
“Miyazaki”. Há amor entre os personagens – independente de suas naturezas –,
todo um conjunto de seres mágicos vindos do mar que surpreendem o público por
sua beleza e por seus movimentos. Apesar de totalmente absurdo em termos de
realidade material, é um desenho animado que conquista o público com as ricas
cenas de tempestade – todas feitas à mão – e pela a luta dos dois personagens para
se manterem unidos apesar da discordância do pai de Ponyo. Apresenta uma
situação de tsunami.

Ponyo, uma amizade que veio do mar

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Sempre preocupado com a qualidade da produção, Miyazaki não se deixou levar pela febre
da informatização dos meios de produção; ao contrário, é avesso a elas. Suas produções
são resultado de um trabalho manual, de animação tradicional (desenho sobre acetato),
praticamente sem o auxílio de artifícios da computação gráfica – há uma valorização do
que é “natural” inclusive no processo de produção de Miyazaki.

Seus filmes são obras japonesas feitas para japoneses – palavras do próprio. A presença
de figuras mágicas, da violência e da morte como coisas naturais são características
japonesas e permeiam outras obras produzidas no país. Mas Goethe já não disse que
quanto mais falamos da nossa aldeia mais falamos do mundo inteiro?

O discurso de Miyazaki é o discurso do “bem”, do que é natural – há algo mais natural


que a morte? O que ele defende e prega, com sua obra de sucesso, é o que as pessoas
querem ver e com que se identificam. Para nós, ocidentais, algumas cenas podem parecer
exageradas, um pouco piegas mesmo, mas de forma alguma isso nos distancia
emocionalmente de suas histórias ou nos torna imunes ao sofrimento de seus
personagens – mesmo sendo sabedores de que são apenas desenhos...

A beleza de suas cenas seduz o público e torna cada um de seus filmes um verdadeiro
celeiro de incontáveis possibilidades para trabalhar na formação do ser humano. Desde o
estímulo à tolerância, à responsabilidade e o amor à natureza até o desenvolvimento do
desprendimento e a lidar com a perda. A preocupação verdadeira e consciente de Miyazaki
com a formação da criança valoriza o seu trabalho e o diferencia dos demais cineastas de
animação.

Walt Disney era Walt Disney. Miyazaki é Miyazaki.

Referências

BRUZZO, Cristina. Renda-de ao japonês. In: Coletânea Lições de Cinema. São Paulo: FDE,
1996.

SMIRKOFF, Marcos. Anime: a animação no Japão. In: Coletânea Lições de Cinema. São
Paulo: FDE, 1996.

Catálogo da mostra O universo de Miyazaki | Otomo | Kon. Caixa Cultural Rio de Janeiro,
junho-julho de 2011.

Publicado em 26/07/2011

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