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Capítulo 76

A casa do rio estava tão silenciosa. Como uma tumba.

“Ela começou a sangrar horas atrás,” Mor disse enquanto os guiava através da casa.

“Mas ela está a meses de dar à luz,” Nestha protestou, seguindo-a de perto.

O cheiro de sangue encheu o quarto que eles entraram. Tanto sangue, por toda a cama,
manchado sobre as coxas espalhadas de Feyre. Nenhum bebê – e o rosto de Feyre... Era
branco como a morte. Seus olhos estavam fechados, sua respiração muito superficial.

Rhys se agachou a seu lado, segurando sua mão. Pânico, terror e dor guerrearam em seu rosto.

Madja, ajoelhada na cama entre as pernas de Feyre, ensanguentada até seus cotovelos, disse
sem olhar para eles, “Eu virei o bebê, mas ele não está descendo. Ele está preso no canal do
parto.”

Uma pequena inspiração de ar no canto da sala revelou Amren sentada lá, seu rosto pálido
drenado de cor.

“Ela está perdendo muito sangue, e eu posso sentir o coração do bebê em perigo,” anunciou
Madja.

“O que nós fazemos?”, Mor perguntou enquanto Cassian e Azriel foram ficar atrás de Rhys,
com as mãos em seu ombro.

“Não tem nada que podemos fazer”, Madja disse, “Cortar o bebê para fora dela vai matá-la.”

“Cortar fora?”, Nestha exigiu, ganhando um olhar irritado de Rhys.

Madja ignorou o seu tom. “Uma incisão ao longo de seu abdômen, mesmo uma
cuidadosamente feita, é um enorme risco. Nunca foi bem-sucedido. E mesmo com as
habilidades de cura de Feyre, a perda de sangue a enfraqueceu—“

“Faça,” Feyre conseguiu dizer, as palavras carregadas de dor.

“Feyre,” Rhys se opôs.

“O bebê provavelmente não sobreviverá,” disse Madja, sua voz gentil, mas sensata. “Ainda é
muito pequeno. Nós arriscamos vocês dois.”

“Todos vocês,” Cassain respirou, de olho em Rhys.

“Faça,” Feyre disse, e sua voz era a da Grã-Senhora. Sem medo. Apenas determinação para a
vida do bebê dentro dela. Feyre olhou para Rhys. “Nós temos que fazer.”

O Grão-Senhor lentamente concordou, os olhos marcados de prata.

Uma mão escorregou para a de Nestha, e ela encontrou Elain lá, tremendo e de olhos
arregalados. Nestha apertou os dedos da irmã. Juntas, elas se aproximaram do outro lado da
cama. E quando Elain começou a orar aos deuses Feéricos, à Mãe deles, Nestha também
inclinou a cabeça.
*

Feyre estava morrendo. O bebê estava morrendo.

E Rhys iria morrer com eles.

Mas Cassian sabia que não era o medo da sua própria morte que fazia seu irmão tremer. A
mão de Cassian apertou no ombro de Rhys. O poder manchado da noite vazou de seu Grão-
Senhor, tentando curar Feyre, assim como o de Madja, mas o sangue continuou derramando,
mais rápido do que qualquer poder poderia conter.

Como chegou a isso? Um acordo feito através do amor de dois parceiros agora terminaria na
perda de três vidas.

O corpo de Cassian foi levado para um lugar longe quando Madja saiu da cama, depois voltou
com um conjunto de facas e ferramentas, cobertores e toalhas.

"Entre em sua mente para tirar a dor", disse Madja a Rhys, que piscou em confirmação, depois
xingou, como se repreendesse a si mesmo por não pensar nisso mais cedo. Cassian olhou do
outro lado da cama, para onde Elain estava segurando a outra mão de Feyre, e Nestha
segurava a de Elain.

“Feyre, querida—“

“Sem despedidas,” Feyre cantou. “Sem despedidas, Rhys.”

O que quer que Rhys fez pela dor fez seus olhos se fecharem. E a mente de Cassian ficou
totalmente em silêncio e em branco quando Madja puxou a roupa de Feyre, suas facas
piscando.

Não havia som quando o bebê minúsculo e alado surgiu. Quando Mor ficou lá, cobertores na
mão e pegou o garoto imóvel das mãos sangrentas de Madja.

Mas Rhys estava chorando, e lágrimas começaram a se derramar pelo rosto de Mor enquanto
ela olhava para o bebê silencioso em seus braços.

E então Madja xingou, e Rhys —

Rhys começou a gritar.

Cassian sabia, enquando Rhys se lançou por Feyre na cama, o que estava prestes a acontecer.

No entanto, nenhuma força no mundo seria capaz de deter.

O mundo desacelerou. Ficou frio.

Havia o silêncio, o bebê muito pequeno nos braços de Mor.


Havia Feyre, cortada e sangrando na cama. Havia Rhysand gritando, como se sua alma
estivesse sendo cortada, mas Cassian e Azriel estavam lá, puxando-o para longe da cama
enquanto Madja tentava salvar Feyre —

Mas a Morte pairava perto. Nestha sentiu e viu, uma sombra mais grossa e permanente do
que qualquer uma de Azriel. Elain soluçou, apertando a mão de Feyre, implorando a ela para
segurar, e Nestha ficou no meio de tudo, a Morte girando ao seu redor, e não havia nada,
nada, nada a ser feito quando a respiração de Feyre diminuiu, quando Madja começou a gritar
com ela para lutar —

Feyre.

Feyre, que tinha entrado na floresta por elas. Que as tinha salvado tantas vezes.

Feyre. Sua irmã.

A morte espreitava perto de Feyre e seu parceiro, uma besta esperando para atacar, para
devorar os dois. Nestha puxou a mão livre da de Elain. Recuou.

Ela fechou os olhos e abriu aquele lugar em sua alma que havia se libertado em Ramiel
(provavelmente um lugar).

Cassian mal conseguia conter Rhys, mesmo com todos os sete Sifões explodindo junto com os
de Azriel. Ele deveria deixar Rhys ir até ela. Se ambos estivessem prestes a morrer, ele deveria
deixar Rhys ir até sua parceira. Para estar com ela nestes últimos momentos, nas últimas
respirações—

Uma luz dourada piscou do outro lado da cama e Amren ofegou. O coração de Cassian se
encheu de horror.

Nestha não pairava mais ao lado da cama. Ela agora estava a poucos metros de distância.

Ela usava a Máscara. Ela colocou a Coroa em cima da cabeça. E ela embalou a Harpa em seus
braços.

Ninguém nunca tinha empunhado todos os três e vivido. Ninguém podia conter seu poder,
controlá-los—

Os olhos de Nestha brilhavam com fogo prateado atrás da Máscara. E Cassian sabia que o ser
que olhava não era nem Feérico, nem humano, nem nada que andava pelas terras deste
mundo.

Ela começou a se mover em direção à cama, e Rhys se aproximou dela. Nestha levantou uma
mão, e Rhys ficou paralisado. Do mesmo jeito que Cassian ficou sob o controle da Coroa.

O peito de Feyre se levantou, um suspiro de morte de seus lábios brancos, e Cassian não podia
fazer nada além de ver enquanto os dedos de Nestha, ainda sangrentos e imundos do Rito de
Sangue, se desviaram para a corda final da Harpa. A vigésima sexta corda. E puxou.
*

Capítulo 77

Era o Tempo.

A vigésima sexta corda na Harpa era o próprio Tempo, e Nestha o parou quando Feyre
respirou pela última vez.

Lanthys tinha dito isso. Que até a Morte se curvava à corda final. Que tempo não tinha
nenhuma consequência para a Harpa. A corda não fez som quando Nestha a puxou. Só roubou
o mundo disso.

E a morte que Nestha sentiu em torno de sua irmã, em torno de Rhysand, ao redor do bebê
nos braços de Mor — ela pediu à Máscara que parasse isso também. Segure-a à distância.

No começo

E no final

Havia a Escuridão

E nada mais

Uma voz suave e familiar sussurrou as palavras. Como elas haviam sido sussurrados para ela há
muito tempo. Como a havia avisado na escuridão de Oorid. Uma voz feminina adorável e
gentil, sábia e calorosa, que a esperava por todo esse tempo.

A sala era um tabuleiro de movimento congelado, de rostos chocados e horrorizados virados


em direção a ela, em direção a Feyre e a todo aquele sangue. Nestha passou por isso. Passou
por Rhys gritando, corpo tensionado, seu rosto o retrato de desespero, terror e dor; passou
pelo rosto em luto de Azriel, passou por Cassian, rangendo os dentes enquanto segurava Rhys
para trás. Passou por Amren, cujos olhos cinzentos estavam fixos em onde Nestha estava, puro
pavor e algo como temor em seu rosto. Passou por Mor e aquele pacote muito pequeno em
seus braços, Elain ao seu lado, congelada em seu choro.

Nestha caminhou por tudo isso, através do Tempo. Para a irmã dela.

Você vê como pode ser? Aquela voz suave e feminina sussurrou, olhando através de seus
olhos. O que você pode ser capaz de fazer?

Não sinto nada, disse Nestha silenciosamente. Apenas a visão de Feyre no limiar da Morte
impediu Nestha de esquecer por que ela estava aqui, o que ela precisava fazer.

Não era isso que você queria? Não sentir nada? Pensei que fosse isso que eu queria. Nestha
estudou as pessoas ao seu redor. As irmãs dela. Cassian, que estava disposto a mergulhar uma
adaga em seu coração em vez de machucá-la. Mas não mais.

Quando a voz feminina não a pressionou, Nestha continuou. Eu quero sentir tudo. Quero
abraçar tudo de todo o coração.
Até mesmo as coisas que te machucam e te caçam? Apenas a curiosidade amarrou a questão.

Nestha se permitiu respirar para ponderar, acalmando sua mente mais uma vez. Precisamos
dessas coisas para apreciar o bem. Alguns dias podem ser mais difíceis do que outros, mas...
Quero experimentar tudo isso, viver através de tudo isso. Com eles.

Aquela voz sussurrada e suave sussurrou. Então viva, Nestha Archeron.

Nestha não precisava de mais nada enquanto pegou a mão caída de sua irmã e se ajoelhou no
chão. Colocou a Harpa ao seu lado, sua nota de silêncio ainda reverberando, mantendo o
Tempo firme em seu alcance.

Ela não sabia o que poderia oferecer, além disso.

Acariciando a mão fria de Feyre, Nestha falou na sala atemporal e congelada. “Você me amou
quando ninguém mais me amava. Você nunca parou. Mesmo quando eu não merecia, você me
amou e lutou por mim, e...” Nestha olhou para o rosto de Feyre, a Morte a um fôlego de
reivindicá-la. Ela não parou as lágrimas que escorreram pelas bochechas enquanto apertava a
mão fina de Feyre. “Eu te amo, Feyre.”

Ela nunca disse as palavras em voz alta. Para ninguém.

“Eu te amo,” Nestha sussurrou de novo. “Eu te amo.”

E quando a corda final da Harpa vacilou, como um sussurro de trovão no ar, Nestha cobriu o
corpo de Feyre com o seu próprio. O tempo seria retomado em breve. Ela não tinha muito
mais tempo.

Ela procurou dentro de si, em direção ao poder que fez monstros imortais tremerem e reis
perversos caírem de joelhos, mas... ela não sabia como usá-lo. Morte fluiu através de suas
veias, mas ela não tinha o conhecimento para domina-la. Um movimento errado, um erro e
Feyre seria perdida.

Então Nestha segurou a irmã firmemente, com o Tempo parado em torno delas, e ela
sussurrou, “Se você me mostrar como salvá-la, poderá tê-lo de volta”.

O mundo parou. Mundos além de sua própria pausa.

Nestha enterrou o rosto no suor frio do pescoço de Feyre. Ela abriu aquele lugar dentro de si
mesma e disse à Mãe, ao Caldeirão, “Vou devolver o que tirei de você. Apenas me mostre
como salvá-los — ela, Rhysand e o bebê.” Rhysand — seu irmão. Era isso que ele era, não era?
Seu irmão, que havia oferecido sua bondade mesmo quando soube que ele queria asfixia-la. E
ela a ele. E o bebê... seu sobrinho. Sangue de seu sangue. Ela o salvaria, os salvaria, mesmo
que fosse preciso dar tudo. “Mostre-me,” ela implorou. Ninguém respondeu. A Harpa parou
seu eco.

Quando o Tempo recomeçou, barulho e movimento rugindo para a sala, Nestha sussurrou
para o Caldeirão, sua promessa subindo acima do barulho. “Vou devolver tudo”. E uma mão
macia e invisível encostou na bochecha em resposta.

*
Cassian piscou, e Nestha tinha ido de um lado da sala para a cama. Tinha tocado a Harpa, e
agora estava curvada, cobrindo Feyre, sussurrando. Nenhum fogo prateado queimava em seus
olhos. Não mesmo uma brasa fria. Nenhum sinal do ser que olhou através de seu olhar
também. Rhys pulou contra seu aperto, mas Amren passou para o lado deles e assobiou ,
“Ouça".

Nestha sussurrou, “Eu devolvo tudo”. Seus ombros se curvando enquanto ela chorava.

Rhys começou a balançar a cabeça, seu poder uma onda palpável e crescente que poderia
destruí-los, destruir o mundo se isso significasse que Feyre não estivesse mais nele, mesmo
que ele tivesse apenas segundos para viver além dela, mas Amren agarrou a nuca do seu
pescoço. Suas unhas vermelhas cavaram em sua pele dourada. "Olhe para a luz."

A luz iridescente começou a fluir do corpo de Nestha. Para Feyre.

Nestha continuou segurando sua irmã. “Eu devolvo tudo. Eu devolvo tudo. Eu devolvo tudo.”

Até Rhys parou de lutar. Ninguém se moveu. A luz brilhou nos braços de Feyre. Nas pernas
dela. Banhou de cor seu rosto de cinza. Começou a encher a sala. Os Sifões de Cassian
piscaram, como se sentissem um poder muito além do seu, além de qualquer um deles.
Gavinhas de luz arrastou-se entre as irmãs. E um, delicado e amoroso, flutuou em direção a
Mor. Para o pacote em seus braços, cercando o bebê silencioso lá dentro, brilhando como o
sol.

E Nestha continuou sussurrando, “Eu devolvo tudo. Eu devolvo tudo.” A iridescência a encheu,
encheu Feyre, encheu o pacote nos braços de Mor, iluminando o rosto de seu amigo para que
o choque nele fosse gravado em alívio severo.

“Eu devolvo”, Nestha disse, mais uma vez, e a Máscara e a Coroa caíram de sua cabeça. A luz
explodiu, cegante e quente, um vento varrendo por eles, como se estivesse reunindo cada
fragmento de si mesmo para fora do quarto.

E quando desapareceu, tinta escura espirrou nas costas de Nestha, visível através de sua
camisa meio rasgada, como se fosse uma onda caindo na costa.

Um acordo. Com o próprio Caldeirão.

No entanto, Cassian poderia ter jurado que uma mão luminescente e gentil impediu que a luz
deixasse seu corpo completamente.

Cassian não lutou contra Rhys desta vez quando ele correu para a cama. Para onde Feyre
deitava, corada. Sem mais derramamento de sangue entre as pernas.

Feyre abriu seus olhos.

Ela piscou para Rhys, depois se virou para Nestha. “Eu também te amo,” Feyre sussurrou para
sua irmã e sorriu. Nestha não parou seu soluço quando ela se lançou em Feyre e a abraçou.

Mas o gesto foi de curta duração, dificilmente o durou o tempo de um piscar antes que um
choro saudável subisse do outro lado da sala, e—

Mor gaguejava, chorando, e o bebê que ela trouxe para a cama não era a coisa pequena e
quieta que ela estava segurando, mas um garoto alado completo. Sua pesada touca de cabelo
escuro emoldurava sua cabeça enquanto ele choramingava por sua mãe.
Feyre começou a soluçar então, tirando seu filho de Mor, mal percebendo Madja de repente
se inclinando entre as suas pernas, inspecionando o que estava lá — a cura. “Se eu não
soubesse melhor, eu diria que você teria desenvolvido a anatomia de um Illyriano”, a
curandeira murmurou, mas ninguém estava ouvindo.

Não quando Rhys colocou os braços em torno de Feyre e juntos eles espiaram o garoto — seu
filho. Juntos, eles choraram e riram, e quando Madja disse, “Deixe-o se alimentar”, Feyre
obedeceu, maravilha brilhando em seus olhos enquanto o trazia para o peito, agora inchado
de leite.

Mas Rhys observou com admiração por um momento antes de girar para Nestha, que havia
deslizado para fora da cama e agora estava ao lado da Máscara. Atrás dela, a Coroa e a Harpa
estavam espalhadas no chão. Cassian prendeu a respiração enquanto os dois avaliavam um ao
outro.

Então Rhys caiu de joelhos e pegou as mãos de Nestha nas suas, pressionando a boca em seus
dedos. “Obrigado”, ele chorou, a cabeça curvada.

Cassian sabia que não foi em gratidão pela própria vida de Rhys que o fez se ajoelhar sobre as
tatuagens sagradas em seus joelhos.

Nestha caiu no tapete. Levantou o rosto de Rhys em suas mãos, estudou o que estava nele.
Então ela jogou os braços ao redor do Grão-Senhor da Corte Noturna e o segurou firmemente.

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