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SUMÁRIO

PARTE I
PARTE II
PARTE III
PARTE IV
Ficha Catalográfica
PARTE I

É um grande acontecimento para um rapaz quando consegue a independência de morar sozinho
pela primeira vez. Não acho que eu já tenha ficado tão satisfeito e orgulhoso em minha vida, desde que,
aos dezessete anos, sentei-me num pequeno quarto angular sobre uma confeitaria no condado de Eltham.
Meu pai me deixara naquela tarde, depois de recomendar alguns preceitos simplórios, expressos
vigorosamente, para minha orientação no novo curso de vida que eu iniciava.
Eu seria o escrivão, abaixo do engenheiro que realizaria a construção do pequeno ramal
ferroviário que faria o trajeto de Eltham a Hornby. Meu pai conseguiu-me essa posição, que estava acima
da que ele mesmo exercia em sua própria vida; ou talvez eu devesse dizer, acima da condição em que ele
nascera e fora criado, pois ele foi se erguendo na consideração e respeito dos homens a cada ano que se
passava. Ele era um mecânico comercial, mas tinha algum gênio inventivo, e uma boa quantidade de
perseverança e, assim, desenvolveu várias melhorias para as máquinas ferroviárias. Ele não fez isso em
proveito próprio, embora, logicamente, o que viera do curso natural das coisas fosse aceitável. E
desenvolveu suas ideias, pois, como ele dizia, ‘até que eu pudesse dar forma a elas, elas me
atormentavam noite e dia’. Mas isso já é o suficiente sobre meu querido pai; é uma coisa boa para um
país que existam muitos homens como ele. Ele era um robusto independente que prezava pela decência e
convicção; e foi isso, eu acredito, que fez com que ele me colocasse no alojamento da confeitaria. A loja
era gerenciada pelas duas irmãs de nosso clérigo, e isso era considerado como uma proteção à minha
moral, quando eu caísse nas tentações do condado, comuns a um salário de trinta libras por ano.
Meu pai havia desistido de dois dias preciosos, e colocado suas roupas de domingo, para me
trazer a Eltham e me acompanhar, primeiro ao escritório, para me apresentar ao meu novo chefe (que
devia alguns favores ao meu pai, por assim dizer), e depois à pequena congregação de Eltham para que
me anunciasse ao clérigo independente. Depois me deixou; e, embora estivesse triste por me separar
dele, eu agora começava a saborear com prazer a experiência de ser dono de mim mesmo.
Eu desempacotei o cesto que minha mãe havia preparado para mim, e senti o cheiro dos potes de
conserva com toda a satisfação de um possuidor, que poderia se deleitar com o conteúdo deles a qualquer
hora que quisesse. Eu manipulei e pesei, em meu capricho, o presunto feito em casa, que parecia
prometer banquetes infinitos; e, acima de tudo, o maravilhoso fato de saber que eu poderia comer essas
delícias quando bem me aprouvesse, de acordo com minha própria vontade, não tendo que agradar
ninguém mais e nem ser indulgente. Guardei meus alimentos no pequeno armário de canto – aquele quarto
era cheio de cantos, e tudo ficava localizado num canto: a lareira, a janela e o armário. Eu mesmo
parecia ser a única coisa no meio do quarto, e dificilmente havia espaço para mim. A mesa era feita com
uma folha dobrável abaixo da janela, e a janela dava vista para o mercado.
Depois, com os estudos para o processo em que meu pai havia se envolvido, lhe deram a
oportunidade de pagar para que eu tivesse uma sala de estar e, assim, ter a oportunidade de me afastar
dos livros para homens e mulheres. Eu comeria minhas refeições - pelo menos, meu desjejum e jantar -
com as duas senhoras Dawsons no pequeno salão atrás da loja angular do andar de baixo; e já que minhas
tardes eram incertas, meu chá e ceia seriam refeições independentes.
Então, depois de todo orgulho e satisfação, veio uma sensação de desolação. Eu nunca estivera
fora de casa antes, e era filho único. E, apesar de a máxima de meu pai ser ‘poupe a vara, e estragará o
menino’, ainda assim, inconscientemente, seu coração ansiava por mim e suas maneiras para comigo
eram mais carinhosas do que ele sabia, ou teriam precisado de sua aprovação, caso ele soubesse. Minha
mãe, que nunca se declarou austera, era muito mais severa que meu pai. Talvez minhas travessuras
infantis perturbassem mais a ela, pelo que me lembro; agora que escrevi as palavras acima, ela me
defendeu apenas uma vez quando era mais jovem, quando realmente ofendi os sensos de certo e errado de
meu pai.
Mas isso não importa agora. É sobre a prima Phillis que vou escrever e, até agora, estou muito
longe de sequer dizer quem é a prima Phillis.
Por alguns meses, depois que eu estava instalado em Eltham, o novo empreendimento no qual eu
estava engajado – a nova independência de minha vida – ocupava todos os meus pensamentos. Eu estava
em minha mesa por volta das oito da manhã, em casa para almoçara a uma, de volta ao trabalho às duas.
O que eu faria de tarde era mais incerto do que o que fazia de manhã. Poderia ser o mesmo que já fizera
de manhã, ou poderia ser que eu tivesse que acompanhar Mr. Holdsworth, o engenheiro-chefe, até algum
ponto do ramal ferroviário entre Eltham e Hornby. Eu sempre gostava disso, por causa da variedade, por
causa do território que atravessávamos (que era bastante selvagem e bonito), e porque eu ficava na
companhia de Mr. Holdsworth, que detinha a posição de herói da minha infância. Ele era um homem de
vinte e cinco anos ou algo assim, e estava numa posição acima da minha, tanto por nascimento quanto por
educação. Ele havia viajado pelo continente, usava bigodes e suíças num estilo estrangeiro. Eu sentia
orgulho de ser visto com ele. Ele era realmente um ótimo companheiro, de várias maneiras, e eu poderia
ter caído em mãos muito piores.
Todo sábado eu escrevia para casa, contando sobre o que havia feito durante a semana – meu pai
insistiu nisso. Mas havia tão pouca variedade em minha vida que, com frequência, eu encontrava
dificuldade em preencher uma carta. Aos domingos eu ia duas vezes à capela, num lugar estreito e escuro,
para escutar hinos barulhentos, longas orações, e um sermão maior ainda, pregado para uma pequena
congregação, da qual eu era, por pelo menos há alguns anos, o membro mais jovem. Ocasionalmente, Mr.
Peters, o clérigo, me convidava para um chá em sua casa depois do segundo serviço religioso. Muitas
vezes eu temia essa honra, pois geralmente eu sentava na beira de uma cadeira durante toda a tarde e
respondia perguntas solenes, feitas numa voz grave e baixa, até chegar a hora das orações domésticas, às
oito, quando Mrs. Peters entrava, alisando seu avental, sendo seguida pelas criadas. Primeiro, elas liam
um sermão, depois um capítulo, e em seguida uma oração longa e improvisada, até que algum instinto
avisava Mr. Peters que era a hora do jantar e nós que estávamos de joelhos, ficávamos de pé, pensando
apenas na comida. Depois do jantar, o clérigo se tornava um pouco mais flexível e contava uma ou duas
piadas de mau gosto, como que para mostrar que, apesar de ser um clérigo, ainda era um homem. E
depois, às dez, eu ia para casa, e me divertia soltando longos bocejos reprimidos, no quarto angular,
antes de ir para a cama. Dinah e Hannah Dawson, como seus nomes estavam escritos sobre a porta da
loja – eu sempre as chamei de Miss Dawson e Miss Hannah – consideravam essas visitas à casa de Mr.
Peters como a maior honra que um rapaz poderia ter; e, evidentemente, pensavam que, se depois desses
privilégios, eu não trabalhasse em minha salvação, eu era uma espécie de Judas Iscariotes. Porém, ao
contrário disso, elas sacudiam suas cabeças à minha relação com Mr. Holdsworth. Ele fora tão bom
comigo, de tantas maneiras, que quando cortei meu presunto ponderei sobre a ideia de convidá-lo para
um chá em meu quarto, especialmente porque a feira anual estava sendo realizada no mercado de Eltham,
e a visão das botas, dos carrosséis, dos shows de bestas selvagens eram (como eu pensava aos dezessete
anos) muito atrativas. Mas quando ousei aludir ao meu desejo, mesmo em termos distantes, Miss Hannah
me repreendeu, e falou do pecado que essas visões carregavam, e algo sobre chafurdar na lama, e estar
abobadado na França, e falar mal da nação e de tudo o que ela representa. Então, vendo que a raiva dela
se concentrava apenas num ponto, e que esse ponto era Mr. Holdsworth, achei que seria melhor terminar
meu desjejum e me apressar para o mais longe possível de sua voz. Depois fiquei bastante admirado ao
ouvir ela e Miss Dawson contando alegremente o lucro da semana e dizendo que uma confeitaria ao lado
do mercado, na semana de feira de Eltham, não era algo tão ruim. Nunca me aventurei a chamar Mr.
Holdsworth para meus aposentos.
Não há muito para contar sobre meu primeiro ano em Eltham. Mas quando eu estava perto dos
dezenove anos, e começava a pensar em meu próprio bigode, vim a conhecer a prima Phillis, cuja mera
existência me era desconhecida até então. Mr. Holdsworth e eu tínhamos ido a Heathbridge por um dia, a
trabalho. Heathbridge era perto de Hornby, já que nosso ramal ferroviário estava terminado pela metade.
É claro que um dia era uma grande coisa para contar nas minhas cartas semanais; e descrevi o território –
uma falta da qual poucas vezes fui culpado. Contei ao meu pai sobre os pântanos, tudo sobre murtas
selvagens e o musgo macio, o solo vibrante sobre o qual colocávamos nosso ramal; como Mr.
Holdsworth e eu fizemos nossas refeições – pois tivemos que ficar ali por dois dias e uma noite – numa
bela vila, um pouco afastada, propriedade de Heathbridge; e como eu esperava que tivéssemos que ir lá
sempre, pois o solo vibrante e incerto estava sendo um desafio para nossos engenheiros – um lado do
ramal levantava, tão logo o outro lado baixava. Eu não pensava nos interesses dos acionistas, como
podem ver. Precisávamos fazer um novo ramal num solo mais firme antes da junção dos ramais ficar
completa. Contei tudo isso de forma extensa, agradecido por preencher todo o papel. Em resposta à carta,
fiquei sabendo que uma prima em segundo grau de minha mãe havia casado com o clérigo independente
de Hornby, cujo nome era Ebenezer Holman, e que vivia em uma propriedade em Heathbridge. A própria
Heathbridge que eu descrevera, ou assim minha mãe acreditava, pois ela nunca tinha visto sua prima
Phillis Green, que era algo como uma herdeira (meu pai acreditava), sendo a única filha de seu pai. O
velho Thomas Green possuía uma propriedade de quase cinquenta acres, que deve ter ficado para sua
filha. Os sentimentos familiares de minha mãe pareceram ficar mais fortemente agitados à menção de
Heathbridge; e meu pai disse que ela queria que eu, se fosse lá novamente, perguntasse sobre o reverendo
Ebenezer Holman; e se ele, de fato, vivesse lá, eu deveria perguntar se ele não se casara com uma tal de
Phillis Green; e se essas duas perguntas tivessem uma resposta afirmativa, eu deveria me apresentar
como o único filho de Margaret Manning, nascida Moneypenny. Fiquei com raiva de mim mesmo por ter
mencionado Heathbridge quando descobri o que isso traria a mim. Um clérigo independente, como dizia
a mim mesmo, era o suficiente para qualquer homem; e aqui eu conhecia, quer dizer, eu havia sido
catequizado nas manhãs de sábado por Mr. Dawson, nosso clérigo local; e tinha que ser educado com o
velho Petersen de Eltham, e me comportar por cinco horas, correndo sempre que ele me pedia para tomar
o chá na casa dele; e agora, justo quando eu sentia o ar livre soprando sobre mim em Heathbridge, eu
devia me intrometer com outro clérigo, e deveria, talvez, ser catequizado por ele, ou pelo menos ser
convidado para beber chá na casa dele. Além do mais, não gosto de impor minha presença a estranhos,
que talvez nunca tenham ouvido falar do nome da minha mãe, e logo um nome tão estranho como esse –
Moneypenny; e se ouviram, nunca deram a mínima para ela, assim como ela, aparentemente, não se
importava com eles, até essa infeliz menção à Heathbridge. Enfim, eu não desobedeceria meus pais numa
bagatela dessas, não importava quão incômodo pudesse ser. Então da próxima vez que nossos negócios
me levaram a Heathbridge, e estávamos almoçando no pequeno salão da hospedaria, aproveitei uma
oportunidade em que Mr. Holdsworth estava fora do salão, e fiz as perguntas de que fui incumbido à
empregada de bochechas coradas. Ou me expressei de forma ininteligível ou ela era estúpida, pois ela
disse que não sabia, mas perguntaria ao seu patrão; e é claro que o senhorio veio inquirir sobre o que eu
queria saber; e tive que fazer minhas perguntas, gaguejando na frente de Mr. Holdsworth, que nunca as
teria presenciado, eu ouso dizer, se eu não tivesse me envergonhado, cometido erros, e feito um papel de
idiota.
‘Sim’, disse o senhorio, ‘a Fazenda Hope é propriedade de Heathbridge, e o nome do dono é
Holman, e ele é um clérigo independente’, e, até onde o senhorio podia informar, o nome de batismo de
sua esposa era Phillis, assim como seu nome de solteira era Green.
‘Parente sua?’, perguntou Mr. Holdsworth.
‘Não, senhor – apenas uma prima em segundo grau de minha mãe. Sim, suponho que somos
parentes. Mas nunca os vi em minha vida.’
‘A Fazenda Hope não é muito longe daqui’, o importuno senhorio falou, andando até a janela. ‘Se
você olhar para além das malvas-rosa e das árvores nos jardins, pode vislumbrar parte de algumas
chaminés feitas de pedra. Essas são as chaminés da Fazenda Hope. É um lugar antigo, embora Holman o
mantenha em boa ordem.’
Mr. Holdsworth levantou-se da mesa mais animado do que eu, e eu estava de pé perto da janela,
observando. Às últimas palavras do senhorio, ele se voltou para nós sorrindo: ‘Não é muito comum os
vigários saberem como manter suas terras em ordem, não é?’
‘Desculpe-me, senhor, mas devo falar o que acho, e o clérigo Holman – aqui nós chamamos os
ministros da Igreja de “vigários”, senhor; ele ficaria um pouco enciumado se ouvisse um dissidente o
chamando de vigário – sabe o que está fazendo tão bem quanto qualquer fazendeiro da vizinhança. Ele
dedica cinco dias da semana ao seu trabalho, e dois ao trabalho do Senhor; e é difícil dizer qual dos dois
é mais desgastante. Ele passa seus sábados e domingos escrevendo sermões e visitando seu rebanho em
Hornby; e às cinco da manhã, às segundas-feiras, ele estará guiando seu arado nos campos da Fazenda
Hope, e tão bem como se não soubesse ler ou escrever. Mas seu almoço está ficando frio, cavalheiros.’
Então, voltamos à mesa. Depois de um tempo, Mr. Holdsworth quebrou o silêncio: ‘Se eu fosse
você, Manning, eu procuraria esses seus parentes. Você pode ir ver como eles são, enquanto esperamos
pelas estimativas de Dobson, e eu vou fumar um charuto no jardim enquanto isso.’
‘Obrigado, senhor. Mas eu não os conheço, e não acho que queira conhecê-los.’
‘Então, por que fez todas aquelas perguntas?’, ele disse, olhando para mim rapidamente. Ele não
acreditava na ideia de fazer ou dizer algo sem um propósito. Não respondi, então ele continuou:
‘Recomponha-se, e vá ver como é esse fazendeiro-clérigo, e volte para me contar – eu gostaria de ouvir.’
Eu estava tão acostumado a obedecer a sua autoridade, ou influência, que nunca pensei em
resistir, e assim fui para minha jornada, embora eu me lembre de sentir como se preferisse que minha
cabeça fosse cortada. O senhorio, que, evidentemente, se interessou pelo assunto de nossa discussão, de
uma maneira que apenas senhorios de vilarejos se interessam, me acompanhou até a porta da casa, e
repetiu as direções para mim, como se eu pudesse me perder em um campo de duzentos metros. Mas eu o
escutei, pois estava grato pelo adiamento de minha tarefa, para reunir minha coragem, no esforço de
encontrar pessoas desconhecidas e me apresentar. Segui a alameda, recordando, alternando o caminho
entre as ervas daninhas do acostamento, até que, depois de uma volta ou duas, me encontrei bem perto da
entrada da Fazenda Hope. Havia um jardim entre a casa e a alameda sombria coberta de grama. Depois
descobri que esse jardim era chamado de quintal, talvez porque havia um pequeno muro ao redor dele,
com uma balaustrada de aço sobre o muro, e dois grandes portões entre dois pilares coroados com bolas
de pedra que estabeleciam uma entrada para o caminho marcado que levava à porta principal. Não era
um hábito do lugar que entrassem pelos grandes portões ou pela porta da frente; de fato, os portões
estavam fechados, como descobri, embora a porta estivesse escancarada. Tive de dar a volta pelo
caminho lateral, onde a grama estava um pouco desgastada, e passei por um muro de plantas,
equipamentos de montaria, cobertos por uma plantação de pedras e algumas ervas daninhas amarelas e
selvagens; para outra porta ‘o coadjutor’, como fiquei sabendo. Assim chamavam essa porta, que era
designada ao dono da casa, enquanto a porta da frente, 'bonita e para chamar a atenção', era chamada de
‘o reitor’. Bati com minha mão na porta do ‘coadjutor’; uma garota alta, que imaginei ter mais ou menos a
minha idade, veio, abriu a porta, e ficou parada em silêncio, esperando para saber meu propósito. Eu a
vejo agora – prima Phillis. O sol poente caía todo sobre ela, e fazia uma sombra de luz inclinada pela
sala. Ela estava vestida com algum vestido de algodão azul escuro, que ia até seu pescoço e abaixo de
sua cintura, com um pequeno babado feito da mesma coisa que tocava sua pele branca. Ela tinha cabelos
claros, mais perto do amarelo do que de qualquer outra cor. E olhou fixamente para meu rosto, com olhos
grandes e quietos, admirada, porém imperturbável com a visão de um estranho. Eu achei esquisito que,
sendo tão velha, tão crescida quanto era, que usasse um avental sobre seu vestido.
Antes que eu decidisse o que dizer em resposta ao inquérito silencioso que ela fazia sobre o que
eu queria ali, a voz de uma mulher a chamou: ‘Quem é, Phillis? Se for alguém com alguma encomenda de
manteiga ou leite, mande vir pela porta de trás.’
Eu pensei que era melhor falar com a dona dessa voz do que com a garota à minha frente. Então
passei por ela, e fiquei na entrada de uma sala com o chapéu na mão, pois essa porta lateral dava entrada
para o vestíbulo ou, melhor dizendo, o lugar da casa onde a família se reunia quando o trabalho já estava
feito. Havia uma pequena senhora enérgica, que estava por volta dos quarenta anos, passando a ferro
alguns lenços grandes de musselina sob a luz de uma longa janela de caixilho, sombreada por uma
videira. Ela olhou para mim desconfiada, até eu começar a falar. ‘Meu nome é Paul Manning’, eu disse,
mas notei que ela não reconhecia meu nome. ‘O nome de minha mãe era Moneypenny’, continuei:
‘Margaret Moneypenny.’
‘E ela se casou com um John Manning, de Birmingham’, disse Mrs. Holman, avidamente.
‘E você seria o filho dela. Sente-se! Estou muito contente em vê-lo. E pensar que você é o filho
de Margaret! Ora, ela era apenas uma criança, não muito tempo atrás. Bom, para ser mais exata, vinte e
cinco anos atrás. E o que o traz a esses lados?’
Ela sentou-se, como se estivesse sendo oprimida pela curiosidade sobre o que aconteceu nesses
vinte e cinco anos que se passaram, desde que ela viu minha mãe. Sua filha, Phillis, pegou seu tricô –
uma longa meia cinza masculina de lã, eu me lembro – e começou a tricotar sem olhar seu trabalho. Eu
senti que o olhar fixo daqueles olhos cinzentos estava sobre mim, embora uma vez, quando eu
furtivamente ergui os meus para encará-la, ela estivesse examinando algo na parede, sobre a minha
cabeça.
Depois que respondi a todas as perguntas de minha prima Holman, ela respirou fundo, e disse: ‘E
pensar que o filho de Margaret Moneypenny está em nossa casa! Eu gostaria que o vigário estivesse aqui.
Phillis, em que campo seu pai está hoje?’
‘No quinto acre. Eles estão começando a cortar o milho.’
‘Ele não vai gostar se for buscá-lo, embora eu quisesse que você o conhecesse. Mas o quinto acre
é bem extenso. Pelo menos, você deve beber uma taça de vinho e comer um pedaço de bolo antes de sair
desta casa. Você tem que ir embora, pelo que entendi, se não poderia esperar o vigário, ele e seus homens
sempre vêm beber chá às quatro.’
‘Preciso ir – já deveria ter ido.’
‘Tudo bem, então, Phillis, pegue as chaves.’ Ela sussurrou algumas instruções à filha e Phillis
deixou a sala.
‘Ela é minha prima, não é?’, perguntei. Eu sabia que ela era, mas, de alguma forma, eu queria
falar sobre ela, e não sabia como começar.
‘Sim – Phillis Holman. Ela é nossa única filha – agora.’
Algo naquele ‘agora’, ou por uma estranha melancolia nos olhos dela, me fez entender que um dia
houve mais crianças e que agora estavam mortas.
‘Quantos anos tem a prima Phillis?’, eu perguntei, me aventurando aos poucos com o novo nome,
que parecia agradavelmente familiar a mim chamá-la desse jeito. Mas prima Holman não notou isso,
respondendo à pergunta de forma franca.
‘Fez 17 no último dia do trabalhador, mas o vigário não gosta de me ouvir chamando esse dia de
‘dia do trabalhador’, ela respondeu, verificando os arredores com um leve temor. ‘Phillis fez 17 no
primeiro dia do mês de maio’, ela repetiu se corrigindo.
E eu vou fazer dezenove no mês que vem, pensei comigo mesmo. Não sei por quê. Depois Phillis
entrou, carregando uma bandeja com vinho e bolo sobre ela.
‘Nós temos uma empregada’, disse a prima Holman, ‘mas está sendo um dia agitado, e ela está
ocupada.’ Era uma desculpa orgulhosa, pelo fato de a filha dela estar servindo de empregada.
‘Eu gosto de fazer isso, mamãe’, disse Phillis, com sua voz satisfeita e solene.
Senti como se eu fosse alguém do Velho Testamento – quem eu não podia recordar – sendo
servido e esperado pela filha do anfitrião. Eu era como o servo de Abraão, quando Rebeca lhe deu de
beber no poço? Acho que Isaac não escolheu o jeito mais prazeroso para conseguir uma esposa. Mas
Phillis nunca pensou nessas coisas. Ela era uma jovem mulher majestosa e graciosa, com o vestido e a
simplicidade de uma criança.
Como fui instruído, bebi à saúde de meu recém-descoberto primo e marido dela; e depois me
aventurei a cumprimentar minha prima Phillis com uma leve reverência em sua direção. Entretanto, eu
estava muito envergonhado para olhar e ver como ela recebeu meu cumprimento. ‘Devo ir agora’, falei
enquanto me levantava.
Nenhuma das duas pensou em dividir o vinho comigo e a prima Holman cortou um pedaço de
bolo da forma.
‘Eu gostaria que o vigário estivesse aqui’, repetiu a prima Holman, levantando-se também.
Secretamente, eu estava feliz que ele não estivesse. Eu não era tão benevolente com vigários naqueles
dias, e achava que ele devia ser um tipo de homem diferente, por sua objeção ao termo ‘Dia do
Trabalhador’. Mas antes que eu saísse, prima Holman me fez prometer que eu voltaria no próximo
sábado e que passaria o domingo com eles, ocasião em que eu deveria conhecer ‘o vigário’.
‘Venha na sexta, se puder’, foram as últimas palavras dela, parada na porta do ‘coadjutor’,
escondendo seus olhos do sol com a mão. Dentro da casa estava sentada a prima Phillis, seus cabelos
dourados, sua compleição deslumbrante, brilhando no canto da sala sombreada pela videira. Ela não se
levantou quando me despedi, mas olhou diretamente para mim, como se dissesse suas palavras de
despedida tranquilamente.
Encontrei Mr. Holdsworth no fim do caminho supervisionando os trabalhadores. Assim que teve
uma pausa, ele disse: ‘Bem, Manning, como são seus novos primos? Como lhe parece um pregador e um
fazendeiro ao serem colocados juntos? Se o vigário for tão prático quanto é reverenciado, devo começar
a respeitá-lo.’
Mas ele dificilmente prestou atenção à minha resposta: estava muito ocupado direcionando as
pessoas em seus trabalhos. Na verdade, minha resposta não veio de imediato; e a parte mais distinta
desta, foi a menção ao convite que me fizeram.
‘Oh, claro que você pode ir – e na sexta-feira também, se quiser; não há razão para não fazer isso
esta semana; e você fez um extenso trabalho dessa vez, meu velho.’ Eu pensei que não queria ir na sexta,
mas quando o dia chegou, descobri que preferia ir a ficar, então me vali da permissão de Mr. Holdsworth
e fui para a Fazenda Hope em algum momento da tarde, um pouco mais tarde do que o horário de minha
última visita. Encontrei a porta do ‘coadjutor’ aberta, para admitir a brisa suave de setembro, moderada
pelo calor do sol.
Estava mais quente do lado de fora do que lá dentro, onde as toras de madeira queimavam em
frente a uma pilha de cinzas no chão. As folhas da videira sobre a janela tinham um toque amarelado, e
suas pontas estavam um pouco queimadas e amarronzadas. Não havia roupas a passar dessa vez, e prima
Holman sentou-se do lado de fora da casa remendando uma camisa. Phillis estava tricotando lá dentro:
parecia que ela ficara fazendo isso a semana toda. Várias espécies de galinhas estavam bicando o chão
do jardim acima, e as latas de leite reluziam, brilhantes, penduradas para abrandar. O pátio estava tão
cheio de flores que rastejavam sobre o muro de plantas e sobre o equipamento de montaria, e também as
encontrávamos semeadas sobre a relva que margeava o caminho até os fundos da casa. Fantasiei que dias
depois meu casaco de domingo ainda estaria perfumado com o cheiro das flores que se espalhava pelo ar.
De tempos em tempos prima Holman colocava a mão dentro de uma cesta que estava aos seus pés, e
atirava uma porção de milho para os pombos que arrulhavam e voavam ao redor, esperando este
presente.
Recebi boas-vindas efusivas assim que ela me viu. ‘Isso é amável – isso é muito amigável’, disse
ela apertando a minha mão calorosamente. ‘Phillis, seu primo Manning chegou!’
‘Chame-me de Paul, sim?’, eu pedi; ‘me chamam assim em casa, e de Manning no trabalho.’
‘Bem, Paul, então. Seu quarto está pronto para você, Paul, pois, como eu disse ao vigário, “vou
deixar o quarto pronto, quer ele venha na sexta ou não.” E o vigário disse que precisava ir para Ashfield
quer você viesse ou não, mas ele viria para casa de madrugada para ver se você estava aqui. Vou lhe
mostrar o seu quarto e você pode tirar um pouco da poeira.’
Depois que desci, acho que ela não sabia exatamente o que fazer comigo; ou talvez ela pensasse
que eu era chato; ou talvez ela tivesse coisas para fazer, e eu estivesse atrapalhando, pois ela chamou
Phillis e ordenou que ela colocasse a touca e fosse comigo a Ashfield para encontrar o pai dela. Então
saímos. Eu estava um pouco agitado com o desejo de me fazer agradável, mas desejando que minha
companheira não fosse tão alta, pois ela era mais alta que eu. Enquanto eu pensava em como iniciar nossa
conversa, ela tomou a palavra.
‘Suponho, primo Paul, que geralmente seus dias são muito ocupados no trabalho.’
‘Sim, temos que estar no trabalho às oito e meia da manhã; e temos uma hora de almoço, depois
voltamos ao trabalho e ficamos até oito ou nove da noite.’
‘Então você não tem muito tempo para ler.’
‘Não’, eu disse, com uma repentina consciência de que eu não usava meu tempo de lazer
sabiamente.
‘Eu também não. Meu pai sempre acorda uma hora mais cedo do que precisa para ir para os
campos, mas minha mãe não gosta que eu levante tão cedo.’
‘Minha mãe sempre espera que eu acorde cedo quando estou em casa.’
‘Que horas você acorda?’
‘Oh! – ah! – Algumas vezes seis e meia, embora não seja sempre’, e eu só lembrava de ter feito
isso duas vezes durante o verão passado.
Ela virou a cabeça e me encarou.
‘Meu pai acorda às três, e minha mãe também acordava a esta hora, até que ficou doente. Eu
gostaria de acordar às quatro.’
‘Seu pai acorda às três! Por quê? O que ele tem que fazer a essa hora?’
‘O que ele tem que fazer? Ele tem exercícios particulares em seu próprio quarto, sempre bate o
grande sino que chama os homens para a ordenha, acorda Betty, nossa empregada, e, muitas vezes,
alimenta os cavalos antes que os homens acordem – pois, Jem, que cuida dos cavalos, é um homem idoso;
e papai sempre reluta em perturbá-lo; ele checa as panturrilhas, os ombros, as ferraduras, o rastro, a
palha, e os calos antes de deixar os cavalos irem para o campo; muitas vezes ele tem que chicotear os
bois para arar a terra; ele alimenta os porcos; olha os tubos de lavagem, e escreve as ordens para o que é
necessário comprar para alimentar os homens e os animais; sim, e para o combustível também. E depois,
se tem um pouco de tempo livre, ele entra e lê comigo – mas apenas inglês; deixamos o latim para as
tardes, quando talvez tenhamos tempo para aproveitá-lo; e depois ele chama os homens para o desjejum,
e corta o pão e o queijo para os rapazes; e verifica se suas garrafas de madeira estão cheias, e os manda
para o trabalho; e então já é seis e meia, e temos o nosso desjejum. Ali está papai’, ela falou, e o apontou
para mim, um homem com camisa de manga, pelo menos uma cabeça mais alto que os outros dois com
quem ele trabalhava. Nós apenas podíamos vê-lo através das folhas de um freixo, que crescia próximo à
cerca, e pensei que eu devia estar confundindo as imagens, ou cometendo um engano: aquele homem
parecia um trabalhador muito poderoso, e não tinha nada da precisão da aparência de falsa modéstia
característica dos clérigos. Entretanto, era o Reverendo Ebenezer Holman. Ele nos cumprimentou com a
cabeça quando entramos no campo; e acho que teria vindo nos encontrar, mas estava no meio de uma
explicação a seus homens. Eu pude notar que Phillis parecia mais com ele do que com sua mãe. Ele,
como sua filha, era alto, e de uma compleição bonita e corada, enquanto ela é brilhante e delicada. Seu
cabelo era amarelo ou cor de areia, mas agora estava grisalho. E ainda assim os cabelos grisalhos não
denotavam falha em sua força. Eu nunca tinha visto um homem tão poderoso – peito profundo, magro,
cabeça centrada. Nesse momento já estávamos perto dele, ele parou o que fazia e andou até nós; esticou
sua mão para mim, mas se dirigiu a Phillis.
‘Bem, minha jovem, este é o primo Manning, imagino. Aguarde um momento, meu jovem, vou
colocar meu casaco e lhe dar boas-vindas formalmente e decorosamente. Mas – Ned Hall, devia haver
um sulco de água cortando esta terra: é uma terra desagradável, dura, argilosa, e vocês e eu devemos
mergulhar nela na próxima segunda-feira – peço desculpas, primo Manning – e o chalé da senhora Jem
precisa de um pouco de palha; você pode fazer isso amanhã enquanto estou ocupado.’ Depois, mudando
de tom repentinamente de sua voz baixa e profunda para uma estranha sugestão de capela e pregação, ele
adicionou: ‘agora, vou distribuir o salmo. “Venham todas as línguas harmoniosas” para serem cantadas na
sintonia do Monte Efraim.
Ele ergueu sua pá com as mãos, e começou a bater o tempo com ela; os dois trabalhadores
pareciam conhecer a música e a letra, embora eu não soubesse; e Phillis também sabia: sua voz rica
seguia a voz de seu pai enquanto ele criava a sintonia; e a voz dos homens vinha com mais incerteza, mas
ainda assim de forma harmônica. Phillis olhou para mim uma ou duas vezes, um pouco surpresa com meu
silêncio, mas eu não sabia a letra. Lá ficamos, nós cinco, com a cabeça descoberta, exceto Phillis, no
campo de trigo e palha, de onde ainda não haviam retirado a carga de milho – uma lenha escura de um
lado, onde os pássaros estavam arrulhando; azul, até onde os olhos podiam ver, por entre as folhas dos
freixos, do outro lado. De alguma maneira, acho que se eu soubesse a letra, e pudesse cantar, minha
garganta se fecharia, chocada diante do que senti perante essa cena incomum.
O hino terminou, e os homens se retiraram antes que eu pudesse me mover. Vi o vigário começar a
colocar o seu casaco, e me observar, fazendo uma inspeção amigável com os olhos, antes que eu
despertasse.
‘Me atrevo a dizer que vocês, cavalheiros ferroviários, não passam o dia cantando um salmo
juntos’, disse ele, ‘mas não é uma prática ruim – não é uma prática ruim’, repetiu ele, devagar. ‘Nós
acabamos de fazer isso mais cedo hoje por questões hospitaleiras – e só.’
Eu não tinha particularmente nada a dizer sobre isso, embora estivesse pensando muitas coisas.
De tempos em tempos roubo um olhar de meu companheiro. Seu casaco era preto, assim como seu colete;
não usava gravata, sua garganta totalmente descoberta, exposta acima da camisa branca como a neve. Ele
usava joelheiras pardas, meias de lã cinza (pensei que provavelmente eu conhecia a pessoa que as fez), e
sapatos firmemente pregados. Ele carregava seu chapéu na mão, como se gostasse de sentir a brisa
levantar seus cabelos. Depois de algum tempo, notei que o pai segurava a mão da filha e, assim, se
apoiando, seguiam para a casa. Tínhamos que atravessar uma pequena via. Lá havia duas crianças
pequenas, uma estava de bruços e chorava aos berros, a outra parada, com seus dedos tapando a boca, e
as lágrimas grossas descendo por seu rosto em simpatia à outra. A causa da angústia delas era evidente:
havia um jarro marrom quebrado e uma pequena poça de leite derramado na estrada.
‘Ora, ora! O que é tudo isso?’, perguntou o clérigo. ‘Por que… O que você andou fazendo,
Tommy?’, levantando a pequena criança de avental, que estava soluçando no chão, com um braço
vigoroso. Tommy olhou para ele com surpresa em seus olhos redondos, mas sem medo – evidentemente,
eles eram velhos conhecidos.
‘O jarro da mamãe!’, disse ele, por fim, voltando a chorar.
‘Ora! E chorar vai fazer com que o jarro se conserte, ou recolher o leite derramado? Como vocês
fizeram isso, Tommy?’
‘Ele’ (apontando com a cabeça para o outro) ‘e eu estávamos apostando corrida.’
‘Tommy disse que poderia me vencer’, disse o outro.
‘Agora, estou pensando no que poderia obrigar vocês dois, pequenos tolos, a lembrarem de não
correr com um jarro de leite entre vocês’, disse o clérigo, meditativo. ‘Eu poderia açoitar vocês, e assim
poupar sua mãe do trabalho, pois me atrevo a dizer que ela fará isso, se eu não fizer.’ A nova explosão de
choro mostrou que isso era algo provável de acontecer.
‘Ou eu poderia levá-los à Fazenda Hope e lhes dar um pouco de leite, mas aí vocês apostariam
corrida de novo e meu leite teria o mesmo destino deste, e iria parar no chão, formando outra poça
branca. Acho que o açoite seria melhor – não concordam?’
‘Nunca mais vamos apostar corrida’, disse o mais velho dos dois.
‘Então vocês não seriam garotos, seriam anjos.’
‘Não, não seríamos.’
‘Por que, não?’
Eles olharam um para o outro, tentando encontrar uma resposta para esse enigma. Por fim, um
deles disse: ‘Anjos são pessoas mortas.’
‘Vamos. Não vamos ir muito a fundo na teologia. O que vocês acham se eu emprestar uma caneca
de lata com uma tampa para carregarem o leite para casa? Ela não quebraria, de maneira alguma, embora
eu não possa afirmar que o leite não vá cair se vocês apostarem corridas. É isso!’
Ele havia soltado a mão de sua filha, e agora segurava uma mão de cada criança com as suas.
Phillis e eu os seguíamos, e ouvíamos o tagarelar dos companheiros do vigário, que agora praticamente
se jogavam sobre ele, o que ele claramente gostava. Num certo ponto, havia uma explosão do vermelho
alaranjado do entardecer. O vigário se virou e citou uma ou duas linhas em latim.
‘É fantástico’, disse ele, ‘quão exatos eram os epítetos duradouros de Virgílio,[1] escritos há quase
dois mil anos, e na Itália; e que ainda assim descrevem algo que está diante de nós, na paróquia de
Heathbridge, condado — Inglaterra.’
‘Atrevo-me a dizer que é verdade’, eu falei, incandescente de vergonha, pois havia esquecido o
pouco latim que eu aprendera.
O vigário deslocou seus olhos para o rosto de Phillis, que, em silêncio, devolveu a ele uma
simpática apreciação que eu, em minha ignorância, não podia dar.
Oh! Isso é pior que o catecismo, pensei. Eram apenas palavras para recordação.
‘Phillis, querida, você deve acompanhar esses dois rapazes até sua casa e contar à mãe deles tudo
sobre a corrida e o leite. As mães sempre devem saber a verdade’, agora falava com as crianças. ‘E
contem a ela também sobre mim, que eu tenho a melhor mão da paróquia para bater com vara e que se
ela, em qualquer momento, achar que seus filhos precisam ser açoitados, ela deve trazê-los a mim, e, se
eu achar que eles merecem isso, eu vou fazer isso melhor do que ela poderia fazer.’ Então Phillis guiou as
crianças até a leiteria, em algum lugar no quintal da casa, e eu segui o vigário pela porta do ‘coadjutor’
para dentro da casa. ‘A mãe deles’, disse ele, ‘é um pouco megera e está sempre disposta a punir as
crianças sem causa ou razão. Tento segurar a vara da paróquia assim como o touro da paróquia.’
Ele sentou numa cadeira que estava num canto, ao lado da lareira, e olhou ao redor da sala vazia.
‘Onde está a senhora?’, ele perguntou a si mesmo. Mas ela estaria lá em um minuto; era seu plano
dar a ele as boas-vindas à casa – com um olhar, um toque, nada mais – assim que pudesse, ao vê-lo
chegar, e ele sentia falta dela agora. Apesar da minha presença, ele contou a ela o que fizera durante o
dia; e depois, levantando-se, ele disse que precisava ir e se transformar num ‘reverendo’, e que depois
beberíamos uma xícara de chá na sala de visitas.
A sala de visitas era uma sala grande, com duas janelas de caixilhos do outro lado da larga
passagem que levava da porta do reitor à extensa escada, com seus degraus baixos, de carvalho polido,
onde nenhum tapete jamais fora colocado. O meio do chão da sala de visitas estava coberto com um
tapete costurado em casa. Um ou dois retratos excêntricos da família Holman estavam pendurados nas
paredes; a grade e atiçadores da lareira eram muito ornamentados com bronze; e numa mesa, que estava
contra a parede, entre as janelas, colocaram um grande e bonito jarro de flores sobre os volumes de
fólios da Bíblia de Matthew Henry.[2] Era um elogio a mim usarem esta sala, e tentei ser grato por isso.
Entretanto, nunca mais tivemos refeições nesta sala depois daquele primeiro dia, e fiquei agradecido por
isso, pois o amplo salão, vestíbulo, sala de jantar, como queira chamá-la, era duas vezes mais
confortável e alegre. Havia um tapete em frente à grande lareira, e um fogão ao lado da grade, e um
gancho, com uma chaleira pendurada nele, sobre o fogo brilhante. Tudo que deveria ser preto e polido
naquela sala, era preto e polido; e as bandeiras, e cortinas das janelas, e as coisas que deveriam ser
brancas e limpas, jaziam impecáveis em sua pureza. Do lado oposto à lareira, se estendendo por toda a
sala, havia um tabuleiro de carvalho, com a inclinação certa para que um jogador hábil jogasse os pesos
no espaço previsto. Havia cesta de trabalho caseiro, e uma pequena prateleira de livros suspensa na
parede, livros usados para leitura, e não para suspender um belo jarro de flores. Eu peguei um ou dois
desses livros uma vez, quando fiquei sozinho na casa, na primeira tarde – Virgílio, César, um dicionário
grego – oh, céus! Ai de mim! E o nome de Phillis Holman em cada um deles! Eu os fechei, coloquei-os de
volta no lugar, e andei para o mais longe possível que consegui da prateleira. Sim, e eu dei à minha prima
um espaço amplo, embora ela estivesse trabalhando sentada, quieta o bastante, e seu cabelo parecia mais
dourado, seus cílios mais longos, o pilar redondo, que era seu pescoço, mais branco do que nunca.
Bebemos o chá e voltamos para o vestíbulo para que o vigário pudesse fumar seu cachimbo sem receios
de contaminar as cortinas cor de damasco da sala de visitas.
Ele se fez ‘reverendo’ com uma volumosa gravata branca de musselina, que eu vira prima Holman
passando a ferro em minha primeira visita, e também fazendo uma ou duas alterações sem importância em
suas vestimentas. Ele sentou e ficou olhando para mim, mas se ele estava me vendo ou não, eu não
poderia dizer. No momento eu fantasiava que ele estava, e que me avaliava de alguma maneira estranha
em sua mente secreta. De momentos em momentos, ele tirava o cachimbo da boca, tirava as cinzas, e me
fazia alguma pergunta nova. Quando as perguntas se referiam a meus conhecimentos e leituras, eu me
embaralhava e não sabia o que responder. Aos poucos, ele se voltou para assuntos mais práticos, como a
ferrovia, e esse era um assunto no qual eu era mais familiarizado. Eu realmente me interessava por meu
trabalho, e Mr. Holdsworth, certamente, não me manteria no emprego se eu não dedicasse minha mente e
meu tempo a ele; e eu estava, apesar de tudo, ciente de todas as dificuldades que nos perturbavam no
momento, e que nos impediam de encontrar um local firme no meio do musgo de Heathbridge, por sobre
onde queríamos conduzir nossa linha. Em meio a toda a minha ansiedade em falar sobre isso, não pude
deixar de me sentir atingido com a extrema pertinência das perguntas dele. Não quero dizer com isso que
ele não se mostrava ignorante em muitos detalhes sobre engenharia: isso era esperado, mas sobre as
premissas a que ele se apegava, ele pensava claramente e raciocinava de maneira lógica. Phillis – tão
parecida com ele, como era, tanto de corpo como de mente – sempre parava seu trabalho e olhava para
mim, tentando entender completamente tudo o que eu dizia. Eu senti que ela conseguia; e talvez isso tenha
feito com que eu me esforçasse mais em usar expressões claras, e organizar melhor as minhas palavras,
do que eu faria normalmente.
‘Ela vai ver que eu sei algo que vale a pena saber, embora não tenha a ver com suas línguas
mortas e esquecidas’, pensei eu.
‘Entendo’, disse o clérigo, por fim. ‘Eu entendi tudo. Você tem uma cabeça boa e esclarecida por
você mesmo, meu rapaz – de quem você a puxou?’
‘De meu pai’, respondi com orgulho. ‘Você não ouviu falar da descoberta dele de um novo
método de desvio? Estava nos jornais. Foi patenteada. Pensei que todos haviam ouvido falar da manivela
patenteada Manning.’
‘Nós não sabemos quem inventou o alfabeto’, disse ele, com um meio sorriso, e pegando o seu
cachimbo.
‘Não, me atrevo a dizer que não, senhor’, repliquei, um pouco ofendido. ‘Isso foi há muito
tempo.’
‘Mas seu pai deve ser um homem notável. Ouvi falar dele anteriormente; e não são muitos que
vivem há mais de cinquenta milhas, cuja fama alcance Heathbridge.’
‘Meu pai é um homem notável, senhor. E não sou eu quem diz isso, é Mr. Holdsworth e... e todo
mundo.’
‘Ele está certo em ficar ao lado do pai’, disse a prima Holman, como se suplicasse por mim.
Eu me irritei internamente, pensando que meu pai não precisava que ninguém o defendesse. Ele
era homem o suficiente por si mesmo.
‘Sim – ele está certo’, disse o clérigo, placidamente. ‘Certo, porque isso veio do coração dele –
certo, também, por apontar um fato. Por aí há muitos frangotes que se juntariam sobre estrume e iriam
grasnar sobre os próprios pais com a intenção de brilhar com base nos ganhos de outro. Eu gostaria de
conhecer seu pai’, ele continuou, virando-se diretamente para mim, com uma expressão gentil e franca em
seus olhos.
Porém, eu estava muito envergonhado. Logo, tendo terminado seu cachimbo, ele levantou e deixou
a sala. Phillis baixou seu trabalho e foi atrás dele. Em um minuto ou dois, ela retornou e sentou-se
novamente. Não muito depois, e antes que eu pudesse recuperar meu temperamento, ele abriu a porta pela
qual saíra e me chamou para que eu me juntasse a ele. Passei por uma estranha e estreita passagem de
pedra, uma sala cheia de cantos, que não chegava a dez pés de largura, em parte local de estudos, em
parte local para contabilidade, que dava vista para o quintal. Tinha uma mesa onde podia sentar e
trabalhar, um cavalete, uma cuspideira, algumas prateleiras cheias de antigos livros divinos; outra
prateleira menor, repleta de livros sobre agricultura, lavouras, adubo e assuntos desse tipo. Com pedaços
de papéis contendo memorandos presos nas paredes lavadas brancas, com alfinetes, pregos ou qualquer
coisa que estivesse à mão; uma caixa com ferramentas de carpinteiro estava no chão e alguns manuscritos
sobre a mesa.
Ele se virou, rindo um pouco. ‘Aquela minha garota tola acha que eu envergonhei você’ –
colocando sua mão larga e poderosa sobre o meu ombro. ‘“Não”, eu disse a ela, “o que é dito de forma
gentil é recebido de forma gentil” – não é assim?’
‘Não exatamente, senhor’, repliquei, subjugado pelas maneiras dele, ‘mas será no futuro.’
‘Vamos, está certo. Você e eu devemos ser amigos. De fato, não são muitos que eu traria aqui.
Mas eu estava lendo um livro esta manhã e não pude terminá-lo. É um livro que foi deixado aqui por
engano um dia desses. Eu me inscrevi para os sermões do Irmão Robinson e fiquei grato por receber isso
em vez deles, pois embora sejam sermões, eles são... Bem, esqueça! Eu peguei os dois, e deixei meu
velho casaco um pouco mais pesado; mas tudo o que cai na rede é peixe. Tenho mais livros do que tempo
livre para lê-los e tenho um grande apetite. Aqui está ele.’
Era um volume sobre mecânica rígida, envolvendo vários termos técnicos, alguns termos de
matemática muito difíceis. Esses últimos, que teriam me causado dificuldade, pareciam fáceis o
suficiente para ele; tudo que ele queria eram explicações sobre os termos técnicos, o que eu poderia dar
com facilidade.
Enquanto ele olhava o livro, procurando as partes que lhe causaram dificuldades, meu olhar que
divagava parou sobre alguns dos papéis nas paredes, e não pude deixar de ler um que me prendeu desde
então. Primeiro, pareceu ser uma espécie de diário semanal, mas depois eu vi que os sete dias estavam,
em parte, divididos por orações especiais e intercessões: segunda para a família dele, terça para
inimigos, quarta para igrejas independentes, quinta para todas as outras igrejas, sexta para pessoas
aflitas, sábado para sua própria alma, domingo para os vagabundos e pecadores, pois eles podem ser
trazidos para casa, para a pregação.
Nós fomos chamados de volta para a sala de estar para o jantar. Uma porta que dava para a
cozinha estava aberta e todos estavam de pé nas duas salas, enquanto o vigário, alto, grande, uma mão
descansando sobre a extensa mesa, a outra erguida, disse, com uma voz profunda, que seria alta se não
fosse tão cheia e rica, mas sem a ênfase ou a agudez que é considerada devoção por algumas pessoas:
‘Quer estejamos comendo ou bebendo, ou seja lá o que fizermos, que façamos tudo pela glória de Deus.’
O jantar era uma enorme torta de carne. Nós que estávamos no vestíbulo fomos servidos primeiro.
Depois o vigário bateu o cabo de sua faca na mesa uma vez, e disse:
‘Agora ou nunca’, o que significava que deveríamos dizer se algum de nós queria mais comida; e
quando todos declinamos a oferta, ou em silêncio ou com palavras, ele bateu na mesa com sua faca duas
vezes e Betty veio pela porta aberta e carregou os pratos para a cozinha, onde um senhor, um jovem e
uma ajudante aguardavam sua refeição.
‘Feche a porta, se puder’, disse o clérigo para Betty.
‘Isso é em homenagem a você’, disse-me a prima Holman num tom de satisfação enquanto a porta
era fechada. ‘Quando não temos estranhos entre nós, o vigário é tão afetuoso em manter a porta aberta,
falar com os homens e criadas, tanto quanto fala comigo e com Phillis.’
‘Isso nos torna unidos como uma família, antes de nos encontrarmos como uma família em
oração’, ele disse, como explicação. ‘Mas, voltando ao que estávamos falando – você pode me indicar
um livro simples sobre dinâmicas que eu possa carregar em meu bolso e estudar um pouco quando tiver
um tempo livre durante o dia?’
‘Tempo livre, pai?’, perguntou Phillis, com a leve menção de um sorriso que eu ainda não vira em
seu rosto.
‘Sim, tempo livre, filha. Há vários minutos que perco, aguardando outras pessoas. E agora aquela
ferrovia já está tão perto de nós, que é necessário que saibamos algo sobre ela.’
Pensei na descrição que ele fizera desse ‘grande apetite’ pelo aprendizado. E ele também tinha
um bom apetite pelo alimento, que era algo mais concreto à frente dele. Mas vi, ou pensei ter visto, que
ele mantinha algumas regras para si mesmo no que se tratava de comida e bebida.
Assim que o jantar acabou toda a casa se reuniu para a oração. Era uma longa oração noturna feita
de improviso. Teria parecido muito incoerente se eu não tivesse vislumbrado os eventos do dia, e não
fosse capaz de identificar a ideia dos pensamentos que precederam o deslocado discurso; ele se manteve
lá, ajoelhado no meio do círculo, seus olhos fechados, suas mãos estendidas pressionadas uma contra a
outra – algumas vezes com uma longa pausa de silêncio, não havia mais nada que ele desejasse além de
‘se colocar diante do Senhor!’(para usar as próprias palavras dele) – antes de concluir a benção. Ele
orou pelo gado e pelas criaturas vivas, muito para a minha surpresa. Entretanto, minha atenção começou a
divagar, até que foi retomada pelas palavras familiares.
E aqui não devo esquecer-me de mencionar um estranho incidente que ocorreu na conclusão da
oração: antes que nos erguêssemos de nossos joelhos, Betty, que estava acordada antes da oração e tinha
o hábito de tirar uns cochilos barulhentos, com sua cabeça cansada deitada sobre seus braços robustos,
fez o estranho barulho chamando a atenção de todos. Mas ninguém riu, embora eu tenha ficado tentado a
fazê-lo.
O vigário, ainda de joelhos no meio do círculo, mas com seus olhos abertos, e seus braços caídos
ao lado do corpo, falou com o homem mais velho, que se voltou ainda de joelhos para responder. ‘John,
não se esqueça de verificar se Daisy recebeu seu purê quente esta noite, pois não devemos negligenciar
os que são medíocres; John, – dois quartos de mingau, uma colher cheia de gengibre e um pouco de
cerveja – o pobre animal precisa disso, e receio que tenha fugido de minha mente avisá-los. E aqui
estava eu pedindo bênçãos e negligenciando os medíocres, o que é uma zombaria’, ele disse baixando a
voz.
Antes que fôssemos para a cama, ele disse que veria muito pouco ou nada de mim durante o resto
de minha visita, que deveria terminar na tarde de domingo, e ele sempre desistia dos sábados e domingos
para se dedicar a seu trabalho clerical. Eu lembrei que o senhorio da estalagem me dissera isso no
primeiro dia em que perguntei sobre esses meus novos parentes. Não desgostei da oportunidade que eu
via e que iria permitir que me familiarizasse mais com as primas Holman e Phillis, embora eu
sinceramente esperasse que a última não fosse me atacar com o assunto de línguas esquecidas.
Fui para a cama e sonhei que eu era tão alto quanto a prima Phillis, e tive um crescimento
repentino e milagroso de meus bigodes e, ainda mais milagrosamente, adquiri conhecimentos de latim e
grego. Ai de mim! Acordei e ainda era baixo, imberbe e a única coisa que me lembrava do pouco latim
que eu aprendera era a expressão 'tempus fugit'[3]. Enquanto me vestia, um pensamento brilhante veio a
mim: eu poderia questionar a prima Phillis, ao invés de ser questionado por ela, e assim manter a escolha
do assunto de nossas conversas em meu poder.
Cedo como era, todos haviam tomado o desjejum, e minha bandeja com pão e leite fora deixada
de lado, esperando que eu descesse. Todos haviam partido para suas tarefas. A primeira a aparecer na
sala de estar foi Phillis com uma cesta de ovos. Com esperança em minha decisão, perguntei:
‘O que é isso?’
Ela olhou para mim por um momento e depois disse gravemente:
‘Batatas!’
‘Não! Não são’, eu disse. ‘São ovos. O que você quis dizer ao chamá-los de batatas?’
‘O que você quis dizer ao me perguntar o que eram, quando estava claro para qualquer um ver?’,
retorquiu ela.
Nós estávamos ficando um pouco zangados um com o outro.
‘Eu não sei. Eu queria puxar assunto com você, e estava com receio que você começasse a falar
comigo sobre livros, como fez ontem. Eu não li muito e você e o vigário leram tanto.’
‘Eu não’, ela falou. ‘Mas você é nosso convidado e mamãe disse que devo agradá-lo. Não
falaremos sobre livros. Sobre o que devemos falar?’
‘Não sei. Quantos anos você tem?’
‘Fiz dezessete em maio. Quantos anos você tem?’
‘Tenho dezenove. Quase dois anos mais velho que você’, respondi, me esticando, para atingir o
máximo de minha altura.
‘Eu não pensaria que você fosse mais velho do que dezesseis anos’, ela replicou, tão calmamente
como se não estivesse dizendo a coisa mais provocadora que poderia dizer. Depois fez uma pausa.
‘O que você vai fazer agora?’, perguntei.
‘Eu deveria estar tirando a poeira dos quartos, mas mamãe disse que eu deveria ficar e agradá-
lo’, ela disse, num tom de lamento, como se tirar a poeira dos quartos fosse uma tarefa mais fácil.
‘Você vai me levar para ver a criação de gado? Gosto de animais, embora não saiba muito sobre
eles.’
‘Oh, você gosta? Fico grata! Tive receio de que você não fosse gostar de animais, assim como
não gosta de livros.’
Imaginei porque ela dissera isso. Pensei que era porque ela começara a fantasiar que nossos
gostos deviam ser completamente diferentes. Andamos juntos pelo jardim da fazenda, alimentamos as
aves, ela se ajoelhando com seu avental cheio de milho e comida, e tentando que os pintinhos tímidos e
felpudos viessem até ela, para confusão da galinha inquieta, mãe deles. Ela chamou os pombos, que
planaram para baixo ao som da voz dela. Ela e eu examinamos a lustrosa charrete; simpatizamos em
nossa aversão aos porcos; demos de comer aos bezerros e adulamos a vaca doente, Daisy; e admiramos
as outras que estavam pastando. Voltamos, na hora do almoço, cansados, famintos e completamente sujos,
sem nos lembrar de coisas como línguas esquecidas, e consequentemente, melhores amigos.
PARTE II

Prima Holman me deu o jornal semanal do condado para ler em voz alta para ela, enquanto
remendava meias que estavam empilhadas num cesto. Phillis ajudava sua mãe. Eu li e li, sem prestar
atenção às palavras que proferia, pensando de todas as maneiras em outras coisas: na cor brilhante do
cabelo de Phillis, como a luz do sol da tarde caía sobre a curva da cabeça dela; no silêncio da casa, que
me permitia ouvir o tique duplo do velho relógio que ficava no meio das escadas; na variedade de sons
inarticulados que a prima Holman fazia enquanto eu lia para mostrar sua simpatia, maravilha, ou horror à
inteligência contida no jornal. Uma tranquila monotonia àquela hora me fazia sentir como se eu tivesse
vivido para sempre e para sempre devesse viver lendo parágrafos naquela sala aquecida pelo sol, com
minhas silenciosas ouvintes e o gato de pelo enrolado dormindo no tapete e o relógio na escada da casa
perpetuamente tiquetaqueando à passagem dos momentos.
Depois de algum tempo, Betty, a empregada, entrou na sala pela cozinha e fez um sinal para
Phillis, que baixou sua meia costurada pela metade e foi para a cozinha sem dizer uma palavra. Olhando
para a prima Holman, um minuto ou dois depois, vi que ela havia baixado seu queixo até o peito e havia
caído no sono rapidamente. Eu baixei o jornal e estava quase seguindo o exemplo dela, quando uma
corrente de vento de alguma fonte desconhecida abriu levemente a porta de comunicação com a cozinha
que Phillis devia ter deixado entreaberta; e vi parte da silhueta dela sentada perto da cômoda,
descascando maçãs com dedos ágeis, mas repetidamente voltando sua cabeça para um livro que jazia
sobre a cômoda ao lado dela. Eu levantei suavemente e, suavemente, entrei na cozinha e olhei por sobre o
ombro dela. Antes que ela tomasse ciência da minha presença, vi que o livro era em uma língua que eu
não conhecia e o título centralizado era L'Inferno.[4] E logo quando eu estava fazendo a conexão da
palavra com ‘infernal’, ela começou a se virar, e, como se continuasse um pensamento, ela falou
suspirando:
‘Oh! É tão difícil! Você pode me ajudar?’, colocando o dedo abaixo de uma linha.
‘Eu? Eu? Eu nem sei que língua é essa!'
‘Você não vê que isso é Dante?’, ela replicou, quase petulante; e mesmo assim queria ajuda.
‘Italiano, então?’, eu disse, em dúvida, pois não estava totalmente certo.
‘Sim. E eu realmente quero fazer isso. Papai pode me ajudar, pois ele sabe latim, mas tem tão
pouco tempo.’
‘Você também não tem muito, devo pensar, já que muitas vezes você tem que tentar fazer duas
coisas ao mesmo tempo, como está fazendo agora.’
‘Oh! Isso não é nada! Papai comprou barato um monte de livros velhos. E eu já sabia alguma
coisa sobre Dante, e sempre gostei muito de Virgílio. Descascar maçãs é fácil, se ao menos eu pudesse
aprender esse italiano antigo. Eu gostaria que você soubesse.’
‘Gostaria de saber’, disse eu, movido pelo tom impetuoso dela. ‘Se Mr. Holdsworth estivesse
aqui agora, ele poderia falar italiano como qualquer outra língua, eu creio.’
‘Quem é Mr. Holdsworth?’, perguntou Phillis, olhando para mim.
‘Oh, ele é nosso engenheiro-chefe. Ele é um companheiro regular de primeira! Pode fazer
qualquer coisa’, minha heroica admiração e meu orgulho por meu chefe vieram à tona. Além disso, se eu
não era inteligente e instruído, era algo que eu deveria dizer de alguém que fosse.
‘Como ele sabe italiano?’, perguntou Phillis.
'Ele teve que fazer uma ferrovia através de Piedmont, que é na Itália, eu creio; e ele tinha que
falar com todos os trabalhadores na Itália; e eu ouvi ele dizer que por durante dois anos tinha apenas
livros em italiano para ler nos lugares estranhos e estrangeiros em que ficou.’
‘Oh, céus!’, disse Phillis. ‘Eu desejo...’ e depois ela parou. Eu não tinha certeza se devia dizer a
próxima coisa que veio à minha mente, mas eu disse.
‘Eu poderia perguntar a ele sobre seus livros ou suas dificuldades?’
Ela ficou em silêncio por cerca de um minuto, e então respondeu:
‘Não! Acho que não. No entanto, muito obrigada. Posso ter um desafio de vez em quando. E
também, talvez, eu lembre melhor das coisas assim do que lembraria se alguém me ajudasse. Vou deixar
de lado por enquanto e você se afaste, pois tenho que fazer massa para as tortas. Nós sempre temos um
jantar frio aos domingos.’
‘Mas eu posso ficar e te ajudar, não posso?’
‘Oh, sim. Não que você possa ajudar em alguma coisa, mas gosto de ter você comigo.’ Eu estava
tanto lisonjeado quanto incomodado com essa constatação direta. Eu estava satisfeito por ela gostar de
mim, mas eu era jovem e arrogante o suficiente para desejar bancar o amante, e era muito perceptivo de
que se ela tivesse ideia de como soavam inocentes seus pensamentos, nunca teria falado tão abertamente.
Entretanto, confortei-me imediatamente, encontrando as uvas que estavam azedas. Uma garota alta num
avental, mais alta que eu a metade de uma cabeça, lendo livros de que nunca ouvi falar e falando sobre
eles também, com muito mais interesse do que se fossem assuntos pessoais. Esse foi o último dia em que
pensei em minha querida prima Phillis como a possível dona de meu coração e de minha vida, pois
éramos tão amigos que a ideia foi totalmente afastada e enterrada fora de nossas vistas.
Ao anoitecer o vigário veio de Hornby para casa. Ele esteve chamando os diferentes membros de
seu rebanho e pareceu, pelos fragmentos que saíam de seus pensamentos para a fala, que isso provou ser
um trabalho insatisfatório para ele.
‘Não vejo os homens; estão todos cuidando de seus negócios, suas lojas ou seus armazéns; eles
deviam estar lá. Não posso culpá-los; apenas sei que se um pastor ensinando ou se palavras de
advertência são boas para alguma coisa, elas são necessárias tanto para homens quanto para mulheres.’
‘Você não pode ir ao local de trabalho deles lembrá-los de seus privilégios e deveres cristãos,
vigário?’, perguntou a prima Holman que, evidentemente, pensava que as palavras do marido nunca
poderiam estar fora de lugar.
‘Não!’, disse ele, sacudindo a cabeça. ‘Eu os julgo por mim mesmo. Se há nuvens no céu, eu vou
pegar o carregamento de feno, e a chuva vem à noite, eu pareceria doente ao irmão Robinson se ele
viesse ao campo para falar sobre coisas sérias.’
‘Mas, de qualquer forma, papai, você faz bem às mulheres e, talvez, elas repitam o que você disse
a seus maridos e filhos!’
‘Esperemos que sim, pois não posso alcançar os homens diretamente, mas as mulheres, antes de
virem a mim, estão aptas a se atrasar ao colocarem suas fitas e bugigangas, como se pudessem ouvir
melhor a mensagem que passo para elas em suas melhores roupas. Mrs. Dobson hoje... – Phillis, sou
agradecido por você não se importar com as vaidades de vestimentas!’, Phillis enrubesceu um pouco,
enquanto respondia em voz baixa e humilde:
‘Mas receio que eu me importe, pai. Frequentemente desejo poder usar bonitas fitas coloridas em
volta do meu pescoço como as filhas dos fidalgos.’
‘Isso é natural, vigário!’, disse a esposa dele. ‘Eu mesma não estou acima de achar um avental de
seda melhor do que um de algodão!’
‘O amor às roupas é uma tentação e uma teia’, ele disse, gravemente. ‘O verdadeiro adorno é um
espírito delicado e calmo. E, esposa’, ele falou, como se um pensamento repentino cruzasse a sua mente,
‘nesse sentido, eu também tenho pecado. Eu gostaria de lhe perguntar, nós não podemos dormir no quarto
cinza em vez de dormir no nosso?’
‘Dormir no quarto cinza? – mudar de quarto a essa hora do dia?’, prima Holman perguntou
horrorizada.
‘Sim’, disse ele. ‘Isso me salvaria de uma tentação para a raiva que tive durante o dia. Olhe para
o meu queixo!’, ele continuou: ‘Cortei-o hoje de manhã, cortei-o na quarta-feira quando estava me
barbeando. Não sei quantas vezes o cortei ultimamente e tudo por impaciência de ver Timothy Cooper em
seu trabalho no jardim.’
‘Ele é em absoluto um bárbaro preguiçoso!’, disse a prima Holman. ‘Ele não vale o dinheiro que
ganha. Há muito pouco para ele fazer e o que tem para fazer faz mal.’
‘Verdade’, disse o vigário. ‘Ele é, por assim dizer, pouco inteligente. E ainda assim tem esposa e
filhos.’
‘Mais vergonhoso para ele!’
‘Mas isso é passado. E se eu o demitir ninguém mais vai dar trabalho a ele. E, ainda assim, não
posso evitar observá-lo passear de manhã, em vez de trabalhar no jardim. E eu observo, e observo, até
que o velho Adão levanta forte dentro de mim, como resultado das maneiras preguiçosas dele e, algum
dia, receio que, eu deva descer e mandá-lo cuidar de seus assuntos – sem falar da maneira com que ele
faz eu me cortar ao fazer a barba – e então sua esposa e filhos morrerão de fome. Eu gostaria que nos
mudássemos para o quarto cinza.’
Não lembro muito mais da minha primeira visita à Fazenda Hope. Fomos à capela em
Heathbridge, andando lenta e decorosamente pela alameda avermelhada e amarronzada com a cor do
outono. O vigário andou um pouco à nossa frente, suas mãos atrás das costas, sua cabeça abaixada,
pensando no sermão que seria pronunciado a seu povo, disse-me a prima Holman. Falamos baixo e
calmamente para não interromper os pensamentos dele. Mas, não pude deixar de notar os cumprimentos
respeitosos que ele recebia, tanto dos ricos quanto dos pobres, enquanto andávamos. Cumprimentos que
ele recebia com um aperto de mão gentil, mas sem palavras em retribuição. Quanto mais nos
aproximávamos da cidade, eu pude notar que alguns dos jovens que encontrávamos no caminho lançavam
olhares de admiração para Phillis; e isso fez com que eu olhasse também. Ela usava um vestido branco e
uma capa de seda que estava de acordo com a moda vigente. Um chapéu de palha com laços marrons
presos a ele. Isso era tudo. Mas, o que faltava de cor no seu vestido, seu rosto formoso tinha. A
caminhada fizera com que suas bochechas florescessem como as rosas. O branco de seus olhos tinha um
toque de azul neles, e seus cílios escuros traziam à tona o azul-escuro de seus olhos. Seus cabelos
dourados foram tão afastados quanto seus cachos naturais permitiam. Se ela não percebia a admiração
que causava, tenho certeza de que a prima Holman notava, pois ela parecia tão feroz e orgulhosa quanto
seu rosto tranquilo poderia parecer guardando seu tesouro, e, ao mesmo tempo, agradecida que outros
pudessem notar que era, de fato, um tesouro.
Naquela tarde tive que retornar para Eltham para me preparar para o próximo dia de trabalho.
Descobri depois que o vigário e sua família estavam todos ‘exercitados em espírito’, como se fizessem o
bem ao me convidar a repetir minha visita à Fazenda Hope, visto que eu precisava retornar a Eltham no
dia de domingo. Entretanto, eles continuaram insistindo e eu ia visitá-los sempre que meus outros
compromissos permitiam. Mr. Holdsworth sendo neste caso, como em todos os outros, uma amigo gentil
e indulgente. Meus novos conhecidos não o expulsaram do meu grande respeito e admiração. Havia
espaço em meu coração para todos, eu estava feliz em dizer, e tanto quanto eu podia lembrar, continuei
elogiando um para o outro de maneira que, se eu fosse um homem mais velho, vivendo entre mais pessoas
do mundo, eu teria achado imprudente e um pouco ridículo. Era imprudente, com certeza, assim como era
quase certo que causasse desapontamento se eles se conhecessem em algum momento e, talvez, seja um
pouco ridículo, embora eu pense que nenhum de nós acharia isso na hora. O vigário costumava ouvir,
com verdadeiro interesse e gentil confiança, muitos elogios de minha parte para Mr. Holdsworth e suas
várias aventuras em viagens. Mr. Holdsworth em retorno gostava de ouvir sobre minhas visitas à fazenda
e a descrição da vida de meus primos lá – gostava disso, eu quero dizer, tanto quanto gostava de qualquer
coisa que era puramente narrativa e que não conduzia à ação.
Então fui à fazenda, certamente, em média, uma vez por mês durante aquele outono. O curso da
vida lá era tão pacífico e calmo que só posso recordar um pequeno evento, e era algo que acho que me
chamou mais a atenção do que qualquer outro: Phillis, que antes usava um avental que sempre foi odioso
para mim, o baniu. Não sei por quê. Em uma de minhas visitas, notei que foi substituído por belos
aventais de linho pela manhã e um preto de seda para as tardes. E o vestido azul se transformou em algo
marrom, enquanto o inverno chegava. Isso soava como um livro que li uma vez, no qual uma migração da
roupa de cama azul para a marrom era tida como um grande evento familiar.
Perto do Natal, meu querido pai veio me ver e consultar Mr. Holdsworth sobre o aperfeiçoamento
que ficou conhecido desde então como ‘manivela a motor Manning’. Mr. Holdsworth, como acho que já
disse, tinha muita consideração por meu pai, que havia sido um empregado na mesma grande loja de
máquinas em que Mr. Holdsworth cumpriu seu aprendizado. E ele e meu pai tinham muitas piadas
internas sobre um desses cavalheiros-aprendizes que costumavam arrumar o trabalho de ferreiro com
luvas brancas de couro lavado por medo de estragar suas mãos. Mr. Holdsworth falava com frequência
comigo sobre como meu pai tinha o mesmo tipo de gênio que George Stephenson,[5] e meu pai agora vinha
para consultá-lo sobre várias melhorias, assim como uma oferta de parceria. Era um grande prazer para
mim ver a grande consideração mútua entre esses dois homens. Mr. Holdsworth, jovem, bonito, arguto,
bem-vestido e objeto de admiração de todos os jovens de Eltham. Meu pai, em sua roupa decente, mas
fora de moda, seu rosto simples e sensível cheio de linhas duras, as marcas do trabalho duro e do
raciocínio, suas mãos enegrecidas, além do poder da água e do sabão, devido aos anos de trabalho na
fundição, falando num forte dialeto do norte, enquanto Mr. Holdsworth tinha um tom longo, suave e
arrastado em sua voz, assim como muitos dos sulistas, e que era cotado em Eltham por lhe dar um certo
ar estrangeiro.
Embora a maior parte do tempo de lazer de meu pai fosse ocupado com conversas sobre os
negócios que já mencionei, ele sentia que não devia deixar Eltham sem ir prestar seus respeitos aos
parentes que foram tão gentis com seu filho. Então, ele e eu fomos em um mecanismo pela ferrovia
incompleta, que só ia até Heathbridge, e fomos, a convite, passar o dia na fazenda.
Era estranho e, ao mesmo tempo prazeroso, perceber como esses dois homens, ambos levando
vidas tão diferentes, pareciam se unir por instinto, após um olhar silencioso e direto para os rostos um do
outro. Meu pai era um homem magro e rijo de 1,70 metro; o vigário era um homem de ombros largos, de
pele bronzeada e cerca de 1,80 metro; nenhum dos dois era de conversar muito no geral – talvez o vigário
mais do que meu pai – mas eles conversavam muito entre si. Meu pai foi para o campo com o vigário;
acho que consigo vê-lo agora, com as mãos atrás das costas, ouvindo com atenção a todas as explicações
sobre o preparo do solo e os diferentes processos de agricultura. Ocasionalmente chamando atenção para
algum utensílio, meio que inconscientemente, e examinando-o com olhar crítico, e de vez em quando
fazendo algumas perguntas, que eu podia notar, eram consideradas pertinentes por seu companheiro.
Depois voltamos para olhar o gado, abrigado e em repouso, no aguardo da tempestade de neve, que
formava uma nuvem escura no horizonte a oeste, e meu pai aprendeu as características das vacas com
tanta atenção como se pretendesse virar fazendeiro. Ele tinha esse pequeno livro em seu bolso, que usava
para memorandos de mecânica e medidas, e ele o pegou para escrever ‘dorso estreito’, ‘focinho
pequeno’, barril profundo', e sabe-se lá mais o que, abaixo do título ‘vaca’. Ele estava muito cético a
respeito da máquina de cortar nabos, a forma desajeitada, o que chamou sua atenção em primeiro lugar, o
incitou a falar; e quando voltamos para a casa, ele sentou pensativo e quieto por um momento, enquanto
Phillis e sua mãe faziam os últimos preparativos para o chá, com um pequeno e quase imperceptível
pedido de desculpas da prima Holman por não estarmos sentados na melhor sala, que ela achava que
poderia ser fria numa noite tão gelada. Eu não queria nada melhor do que a lareira crepitante e flamejante
que enviava um brilho incandescente por toda a sala, e esquentava a neve sob nossos pés até que eles
parecessem mais quentes do que o tapete púrpura em frente à lareira. Depois do chá, enquanto Phillis e
eu conversávamos alegremente, ouvi uma exclamação irreprimível de prima Holman:
‘O que está fazendo, homem?!’
E, ao olhar em volta, vi meu pai pegando uma vareta reta do fogo, e, depois de esperar um minuto,
e examinar a ponta queimada para ver se serviria a seu propósito, ele seguiu para o roupeiro de madeira,
limpo de toda sujeira, no ultimo estágio de alvura e limpeza, e começou a desenhar com a vareta. O
melhor substituto para giz ou carvão que estava a seu alcance, pois seu lápis do livro de mão não era
forte ou preto o suficiente para seus propósitos. Quando ele terminou, começou a explicar seu novo
modelo de máquina para cortar nabos para o vigário, que ficou observando-o em silêncio durante todo o
tempo. Prima Holman, nesse meio tempo, havia pegado um espanador em uma gaveta, e, fingindo estar
tão interessada no desenho quanto seu marido, estava secretamente testando numa marca fora do desenho
o quão facilmente conseguiria tirá-la, e se conseguiria deixar seu roupeiro tão branco quanto era. Depois
pediram para Phillis buscar o livro de dinâmicas sobre o qual eu havia sido consultado durante minha
primeira visita, e meu pai teve que explicar muitas dificuldades, o que ele fez em uma linguagem tão
clara quanto sua mente permitia, fazendo desenhos com sua vareta sempre que ilustrações eram
necessárias. O vigário sentado com sua cabeça imensa descansando sobre a mão, seus cotovelos sobre a
mesa, quase inconsciente da presença de Phillis, que se debruçava sobre ele ouvindo com avidez, com
sua mão no ombro dele, sugando as informações como uma verdadeira filha de seu pai.
Eu estava muito triste pela prima Holman. Eu já sentira isso antes, uma ou duas vezes, pois o que
quer que fizesse, ela era completamente incapaz de entender o prazer que seu marido e sua filha sentiam
em suas buscas intelectuais, muito menos se importava com esses propósitos em si, e por isso era,
inevitavelmente, expulsa de alguns dos interesses deles. Eu pensei uma ou duas vezes que ela tinha um
pouco de ciúmes de sua própria filha, que era uma companheira melhor para seu marido do que ela
mesma; e eu achava que o vigário estava ciente desse sentimento, pois notei uma ocasional mudança de
assunto repentina, e um sensível apelo em sua voz enquanto falava com ela, o que sempre fazia que ela
voltasse a ficar contente e em paz. Não acho que Phillis alguma vez tenha notado essas pequenas
sombras; em primeiro lugar, ela tinha completa reverência por seus pais, tanto que ela escutava os dois
como se fossem São Pedro e São Paulo e, além disso, ela sempre estava muito absorvida em qualquer
problema que estivesse em suas mãos para pensar nos assuntos e olhares de outras pessoas.
Esta noite, todavia, pude notar, embora ela não pudesse, o quanto estava ganhando meu pai. Ela
fez algumas perguntas que mostravam que estava acompanhando as explicações dele até aquele momento;
possivelmente, sua beleza incomum também tivesse algo a ver com a impressão favorável que ele formou
dela, mas ele não teve escrúpulos ao expressar sua admiração por ela a seus pais quando a jovem se
ausentou da sala; e desde aquela tarde aguardei por um projeto dele, que me foi exposto um dia ou dois
depois, enquanto estávamos sentados em meu pequeno quarto em Eltham. ‘Paul’, ele começou: ‘Nunca
pensei em ser um homem rico, mas acho que isso talvez aconteça. Algumas pessoas estão fazendo um
acordo acerca de meu novo aparelho (chamando o aparelho pelo nome técnico), e Ellison, do Município
de Trabalhos Naturais, foi longe o bastante a ponto de me oferecer uma parceria.’
‘Mr. Ellison, o juiz! – que vive na Rua King? Ora, ele conduz sua própria carruagem!’, eu disse,
duvidando, embora exultante.
‘Sim, rapaz, John Ellison. Mas isso não significa que eu vá conduzir minha carruagem. Embora eu
fosse gostar de poupar sua mãe de ficar andando por aí, pois ela já não é mais tão jovem. Mas ainda há
um longo caminho, de qualquer forma. Creio que eu deva começar com um terceiro financiador. Pode ser
setecentos, ou pode ser mais. Eu gostaria de ter o poder para trabalhar em algumas fantasias minhas. Eu
me importo muito mais com isso do que com a administração. E Ellison não tem filhos homens; e o
negócio chegaria a eles naturalmente com o correr do tempo. As jovens de Ellison são muito jovens, e
não creio que arrumarão maridos logo; e quando arrumarem, talvez não estejam no ramo da mecânica.
Seria uma boa entrada para elas, rapaz, se eles fossem constantes. Você não tem grandes abalos na área
inventiva, eu sei, mas muitos se saíram melhor sem imaginar coisas que não viram e que nunca vão ver.
Estou grato por ver que os primos de sua mãe são pessoas tão incomuns em razão e bondade. Tomei o
vigário como um irmão em meu coração, e ela é uma mulher do tipo quieta. E vou lhe dizer de maneira
franca, Paul, será um dia feliz para mim, se algum dia você vier a mim e disser que Phillis Holman será
como uma filha para mim. Acho que se aquela jovem não tivesse um vintém, ela seria a causa da fortuna
de um homem; e ela terá uma casa própria, e você pode ser o par dela na fortuna se tudo correr bem.’
Eu estava ficando tão vermelho quanto o fogo. Eu não sabia o que dizer, embora quisesse dizer
algo. Mas a ideia de ter uma esposa minha, algum dia no futuro, embora tivesse passado por minha
cabeça, soava muito estranha, quando era sugerida por meu próprio pai. Ele viu minha confusão e com
um meio sorriso disse:
‘Bom, rapaz, o que você diz aos planos de seu velho pai? Embora você seja jovem; mas quando
eu tinha sua idade, eu teria dado a minha mão direita se tivesse pensado em casar com a garota de quem
eu gostava’.
‘Minha mãe?’, perguntei, um pouco atordoado pela mudança em seu tom de voz.
‘Não! Não era a sua mãe. Sua mãe é uma mulher muito boa – não há nenhuma melhor. Não! A
garota de quem eu gostava aos dezenove anos nunca soube o quanto eu a amava, e um ano ou dois depois
ela estava morta, e nunca soube. Acho que ela teria ficado grata de saber isso, pobre Molly, mas eu tive
que deixar o lugar em que morávamos para tentar ganhar o meu sustento e planejava voltar, mas antes que
eu fizesse isso, ela estava morta e enterrada. Nunca mais fui lá depois disso. Mas se você gosta de Phillis
Holman, e pode fazer com que ela goste de você, meu rapaz, pode ser que aconteça diferente com você,
Paul, do que aconteceu com seu pai.’
Eu me aconselhei comigo mesmo rapidamente, e cheguei a uma clara conclusão: ‘Pai’, eu disse,
‘se eu gostasse tanto de Phillis, ela nunca gostaria de mim. Eu gosto dela tanto quanto gostaria de uma
irmã, e ela gosta de mim como se fosse seu irmão – seu irmão mais novo.’
Eu pude notar o semblante de meu pai decaindo um pouco.
‘Você vê que ela é tão inteligente, mais como um homem do que uma mulher – ela sabe latim e
grego.’
‘Ela esqueceria isso, se ela tivesse uma casa cheia de crianças’, foi o comentário de meu pai
sobre isso.
‘Mas ela sabe muitas coisas além disso e é tão inteligente quanto instruída. Ela fica muito tempo
com seu pai. Ela nunca pensaria muito em mim e eu gostaria que minha esposa pensasse bastante em seu
marido.’
‘Não é só o aprendizado em livros ou o desejo de que seja assim que fazem uma esposa pensar
muito ou pouco em seu marido’, respondeu meu pai, evidentemente relutante em desistir de um projeto
que se enraizou em sua mente. ‘É algo que não sei exatamente como chamar – se ele é viril, sensível e
íntegro; e eu reconheço isso em você, meu garoto.’
‘Não acho que gostaria de ter uma esposa mais alta que eu, pai’, eu disse, sorrindo. Ele sorriu
também, mas não de coração.
‘Bem’, disse ele, depois de uma pausa. ‘Faz poucos dias que penso nisso, mas sou afeiçoado à
minha ideia como se fosse um novo motor que estivesse planejando. Aqui está nosso Paul, pensei comigo
mesmo, um rapaz sensível e de boa casta, que nunca envergonhou ou causou problemas à sua mãe ou a
mim; com uma boa entrada no mundo dos negócios se abrindo diante dele, com dezenove anos, não tem
um aspecto ruim, embora talvez não possa ser chamado de bonito. E aqui está sua prima, não é uma prima
tão próxima, mas agradável, podemos assim dizer; dezessete anos, boa e verdadeira e muito bem
desenvolvida no trabalho manual tanto quanto de raciocínio; uma estudiosa, mas não se pode fazer nada
quanto a isso, e é mais um infortúnio do que culpa dela, vendo que ela é a única filha de um estudioso – e
como eu disse antes, uma vez que ela seja uma esposa e esqueça tudo isso, eu estarei vinculado – com
uma boa fortuna em terras e casas quando o Senhor resolver chamar os pais dela para junto de si; com
olhos bonitos iguais aos da pobre Molly, com uma cor que vai e volta, numa pele branca como o leite e
uma boca tão bonita...’
‘Ora, Mr. Manning, que bela jovem o senhor está descrevendo?’, perguntou Mr. Holdsworth, que
veio rápida e repentinamente participar de nossa conversa, e ouviu as últimas palavras de meu pai
quando entrou na sala. Ambos, meu pai e eu, nos sentimos um pouco envergonhados; era um assunto tão
estranho para estarmos conversando, mas meu pai, como o homem simplório e sincero que era, falou a
verdade.
‘Eu estava falando a Paul da oferta de Ellison, e dizendo como isso foi uma boa entrada para
ele...’
‘Eu gostaria que fosse tão bom assim’, disse Mr. Holdsworth. ‘Mas o trabalho tem “uma boca
bonita”?’
‘Você é sempre tão brincalhão, Mr. Holdsworth’, disse meu pai. ‘Eu ia dizer que se ele e sua
prima Phillis Holman quisessem se entender entre si, eu não poria empecilhos no caminho.’
‘Phillis Holman!’, disse Mr. Holdsworth. ‘Ela é a filha do vigário-fazendeiro de Heathbridge? Eu
estive ajudando no curso do amor verdadeiro ao deixar que você fosse lá com tanta frequência? Eu não
sabia nada disso.’
‘Não há nada para saber’, eu disse, mais incomodado do que escolhi demonstrar. ‘Não há mais
amor verdadeiro nesse caso do que poderia haver entre o primeiro irmão e irmã que você pudesse
escolher conhecer. Eu estive dizendo a meu pai que ela nunca pensaria em mim: ela é mais alta e mais
instruída e eu gostaria de ser mais alto e mais inteligente que minha esposa, quando tiver uma.’
‘E é ela, então, que tem a boca bonita que seu pai falava? Eu pensaria que há um antídoto para a
inteligência e o aprendizado. Mas, devo me desculpar por me intrometer na história da noite passada de
vocês. Eu vim falar de negócios com seu pai.’
E então ele e meu pai começaram a falar sobre muitas coisas que não me interessavam naquele
momento e, eu comecei a recordar da conversa com meu pai. Quanto mais pensava nisso, mais eu
pensava que tinha falado verdadeiramente sobre meus sentimentos acerca de Phillis Holman. Eu a amava
como a uma irmã que me era muito cara, mas nunca poderia gostar dela como minha esposa. E podia
pensar nela menos ainda – sim, condescendentemente, essa é a palavra – condescendentemente para casar
comigo. Fui despertado de um devaneio de sobre como eu gostaria que minha mulher fosse, ao ouvir o
elogio caloroso de meu pai sobre o vigário, como um personagem bastante incomum. Como eles foram de
diâmetro de eixos de motor para o assunto sobre os Holmans eu jamais poderia dizer, mas notei que o
peso dos elogios de meu pai estava excitando um pouco de curiosidade na mente de Mr. Holdsworth; de
fato, ele disse, quase em um tom de censura:
‘Ora, Paul, você nunca me disse que tipo de pessoa esse seu primo vigário era!’
‘Eu não sabia o que havia encontrado, senhor’, disse eu. ‘Mas se soubesse, não acho que você
teria me escutado como escutou meu pai.’
‘Não! Provavelmente não, velho amigo’, replicou Mr. Holdsworth, rindo. E novamente eu vi
como ele tinha um rosto agradável e claro; e pensar que esta tarde eu estivera um pouco confuso sobre
ele – embora com sua vinda repentina, e o fato de ouvir a confissão a peito aberto de meu pai – meu herói
retomou todo seu império sobre mim com sua risada alegre e brilhante.
E se ele não tivesse retomado seu lugar naquela noite, ele o teria feito no dia seguinte, quando,
depois da partida de meu pai, Mr. Holdsworth falou sobre ele com tanto respeito por sua personalidade,
tal relutante admiração de seu grande gênio mecânico, que eu fiquei compelido a dizer, quase
inconscientemente:
‘Obrigado, senhor. Estou em dívida com o senhor.’
‘Oh, você não está, de maneira alguma. Estou apenas falando a verdade. Aqui está um homem de
negócios de Birmingham, educado por ninguém além si mesmo, alguns poderiam dizer – nunca tendo se
associado a mentes estimulantes, ou tendo as vantagens de viagens e contatos com o mundo, que
supostamente permitiriam isso – trabalhando seus pensamentos em aço e ferro, fazendo um nome
científico para si mesmo – uma fortuna, se lhe agrada trabalhar por dinheiro – e mantendo seu coração
único, sua perfeita simplicidade de modos. Tira-me a paciência pensar em minha escola tão cara, minhas
viagens de lá para cá, minhas pilhas de livros científicos, e não fiz nada de que se possa falar. Mas,
evidentemente, tenho um sangue bom; há aquele Mr. Holman, aquele seu primo, feito do mesmo material’.
‘Mas ele é meu primo apenas porque se casou com a prima em segundo grau de minha mãe’, disse
eu.
‘Isso é um golpe na cabeça em uma bela teoria, e duas vezes acima também. Eu gostaria de me
familiarizar com esse Holman.’
‘Tenho certeza de que eles ficariam agradecidos de vê-lo na fazenda Hope’, eu disse, impulsivo.
‘De fato, eles me pediram para convidar você várias vezes: eu apenas pensei que você acharia
monótono.’
‘De maneira alguma. Não posso ir ainda, entretanto, mesmo que você me consiga um convite, pois
a companhia quer que eu vá para Valley e analise o solo para eles, para ver se ele daria para uma nova
linha. É um trabalho que pode me manter longe por algum tempo, mas devo ficar indo e voltando, e você
é bem capaz de fazer o que for necessário na minha ausência. O único trabalho que pode estar além da
sua capacidade é impedir o velho Jevons de beber.’ Ele continuou me dando indicações sobre o
gerenciamento dos empregados na ferrovia e nada mais foi dito então, ou por vários meses, sobre sua ida
à fazenda Hope. Ele foi para Valley, um vale obscuro, onde o sol parecia se pôr atrás das colinas antes
das quarto da tarde durante o solstício de verão. Talvez tenha sido isso que trouxe o ataque de febre que
ele teve depois do início do novo ano. Ele esteve muito doente por várias semanas, quase vários meses e
uma irmã casada – sua única parente, eu acho – veio de Londres para cuidar dele, e eu fui até ele quando
pude, para vê-los, e dar a ele ‘notícias masculinas’, como ele chamou: relatórios do progresso da linha
ferroviária, que, fico grato em dizer, eu fui capaz de dar continuidade em sua ausência, da maneira
demorada e gradual que se adequava melhor à companhia, enquanto o comércio estava num estado
lânguido, e o dinheiro era precioso no mercado. É claro que, com essa ocupação, em meu escasso lazer
eu não fui com frequência à fazenda Hope. Quando eu ia, recebia boas-vindas completas; e muitas
perguntas eram feitas a respeito da doença de Mr. Holdsworth e o progresso de sua recuperação.
Por fim, acho que foi em junho, ele estava recuperado o suficiente para voltar a seus alojamentos
em Eltham e retomar parte de seu trabalho. Sua irmã, Mrs. Robinson, foi obrigada a deixá-lo algumas
semanas antes, devido a alguma epidemia entre seus próprios filhos. O tanto quanto vi Mr. Holdsworth
nas dependências da pequena hospedagem em Hensleydale, onde estava acostumado a vê-lo como um
inválido, não estive consciente do visível abalo que a febre tinha causado à sua saúde. Mas, uma vez de
volta aos seus velhos aposentos, onde sempre o vi tão dinâmico, eloquente, decidido e vigoroso em dias
passados, meu espírito desabou com a mudança naquele por quem sempre nutri sentimentos de admirável
afeição. Ele desabou em silêncio e desânimo depois do mínimo esforço. Era como se ele não pudesse
pensar em fazer nenhuma ação, ou mais como se, após se decidir a fazer algo, lhe faltasse forças para dar
continuidade a esse propósito. É claro, esse era o estado natural de uma lenta convalescência, após uma
doença aguda. Todavia, no momento, eu não sabia disso, e talvez eu tenha descrito seu estado de forma
mais grave do que era para meus parentes na fazenda Hope, que, com seu jeito grave, simples e ansioso,
imediatamente pensaram no único tipo de ajuda que poderiam dar.
‘Traga-o aqui’, disse o vigário. ‘Nosso ar aqui é bom para uma conversa; os dias de junho são
bons; ele pode gastar seu tempo no campo de feno e os cheiros adocicados serão um bálsamo – melhor
que algo físico.’
‘E’, disse a prima Holman, mal podendo esperar que seu marido terminasse de falar, ‘diga a ele
que tem leite e ovos frescos ao seu dispor; é uma sorte que Daisy tenha acabado de parir, pois seu leite
está sempre bom, tanto quanto a nata das outras vacas; e tem a sala de xadrez onde bate o sol da manhã.’
Phillis não disse nada, mas pareceu estar mais interessada no projeto do que os outros. Achei que
isso era mérito meu. Eu queria que eles o vissem; e que ele os conhecesse. Propus isso a ele quando
voltei pra casa. Ele estava muito lânguido depois do dia fatigante para fazer o pequeno esforço de se ver
em meio a estranhos; e me desapontou ao quase declinar em aceitar o convite que eu trouxera. Na manhã
seguinte estava diferente: se desculpou por sua indelicadeza na noite anterior e me disse que colocaria
todas as suas coisas num comboio para estar pronto para ir comigo à fazenda Hope no próximo sábado.
‘Pois você deve ir comigo, Manning’, ele disse. ‘Eu costumo ser um companheiro mais
imprudente do que o necessário, ainda mais quando estou entre estranhos, e seguindo meu caminho; mas
desde a minha doença sou quase como uma garota, e fico quente e gelado de vergonha, como elas fazem,
eu imagino.’
Então estava decidido. Devíamos ir para a fazenda Hope no sábado à tarde; e também estava
entendido que se o ar e a vida servisse a Mr. Holdsworth, ele deveria permanecer lá por uma semana ou
dez dias, fazendo o trabalho que pudesse de lá, enquanto eu ocuparia seu lugar em Eltham o melhor
possível. Fiquei um pouco nervoso, conforme a data se aproximava, e imaginava como o brilhante
Holdsworth combinaria com a família tranquila e singular do vigário; se gostariam dele e de suas
maneiras um pouco estrangeiras. Tentei prepará-lo, contando pouco a pouco pequenas coisas sobre o dia-
a-dia da fazenda Hope.
‘Manning’, ele disse: ‘Vejo que você não acha que sou bom o suficiente para seus amigos, nem
pela metade. Fale, homem.’
‘Não’, repliquei audacioso. ‘Acho que você é bom, mas não sei se você se encaixa no tipo de
bondade deles.’
‘E você já descobriu que há uma grande chance de haver discordância entre os dois “tipos de
bondade”, cada um tendo sua própria ideia do que é certo, do que seria uma bondade gratuita ou um grau
moderado de malandragem – e que o último muitas vezes nasce de uma indiferença ao que é correto?’
‘Não sei. Acho que você está falando de metafísica[6] e tenho certeza de que isso é ruim para
você.’
‘“Quando um homem fala com você de uma maneira que você não entende, algo que ele não
entende, eles estão sendo metafísicos.” Você se lembra da definição dos palhaços, não se lembra,
Manning?’
‘Não, não me lembro’, eu disse. ‘Mas o que eu entendo é que devo ir para a cama; e me diga a
que horas devemos começar amanhã, pois devo ir a Hepworth e escrever aquelas cartas que estávamos
comentando hoje de manhã.’
‘Espere até amanhã e vamos ver como será o dia’, ele respondeu, com tal lânguida indecisão que
me mostrava que ele estava fatigado. Então segui meu caminho. A manhã estava azul e ensolarada, linda!
A própria perfeição do começo de um dia de verão. Mr. Holdsworth era todo impaciência para ir para o
campo; a manhã trouxera de volta seu frescor e força para fazer isso. Eu tinha receio que estivéssemos
indo para a fazenda de meus primos muito cedo, antes do que eles esperavam, mas o que eu poderia fazer
contra esse homem inquieto e veemente, como Mr. Holdsworth era nesta manhã? Fomos para a fazenda
Hope antes que o orvalho saísse da grama do lado escuro da via.
A ótima casa de cachorro estava exposta ao sol, perto da porta lateral fechada. Eu estava surpreso
por essa porta estar fechada, pois durante todo o verão ela ficara aberta, da manhã à noite. Mas ela só
estava com uma trava. Eu a abri, com Rover me observando. O cômodo estava vazio.
‘Não sei onde podem estar’, disse eu. ‘Mas entre e sente-se enquanto eu vou procurá-los. Você
deve estar cansado.’
‘Eu não. Este ar doce e balsâmico age como milhares de tônicos. Além disso, este cômodo está
quente e cheira àquelas pungentes cinzas de madeira. O que faremos?’
‘Dar a volta pela cozinha. Betty nos dirá onde eles estão.’
Então demos a volta pelo jardim da fazenda, Rover nos acompanhava com um grave senso de
dever. Betty estava lavando suas panelas de leite na água gelada e borbulhante da primavera, que escoava
constantemente para dentro e para fora de um canal de pedra. Com um tempo como este, a maioria do
trabalho da cozinha era feito fora da casa.
‘Olá, rapaz!’, disse ela, ‘o vigário e a senhora estão em Hornby! Eles num pensaram que viessem
tão cedo! Minha senhora tinha alguns recados a entregar, e pensou que seria melhor ir caminhando com o
vigário e voltar na hora do almoço.’
‘Eles não nos esperavam para o almoço?’, perguntei.
‘Bom, como posso dizer, eles esperavam e não esperavam. A senhora disse que o cordeiro frio
seria o suficiente se vocês não viessem; e se viessem eu deveria servir um frango e cozinhar um pouco de
bacon; e vou fazer isso agora, pois dá trabalho cozinhar bacon o suficiente.’
‘E Phillis também foi?’, eu perguntei enquanto Mr. Holdsworth estava criando amizade com
Rover.
‘Não! Ela está por aí! Creio que vocês irão encontrá-la na horta colhendo ervilhas.’
‘Vamos até lá’, disse Mr. Holdsworth, repentinamente, parando de brincar com o cachorro. Então
liderei o caminho até a horta.
Era a primeira promessa de um verão abundante em vegetais e frutas. Talvez não se importassem
tanto com essa parte quanto com outras partes da propriedade, mas era mais frequentada que a maioria
das hortas pertencentes a casas de fazendas. Havia divisas de flores por toda extensão, de cada lado do
caminho de cascalho, e havia um velho muro protegido no lado norte coberto com uma escolha tolerável
de árvores frutíferas. Havia uma inclinação para baixo que terminava num lago de peixes, onde havia um
grande canteiro de morangos, arbustos de framboesa e canteiros de rosas cresciam onde quer que
houvesse espaço. Parecia que uma oportunidade havia sido semeada. Longas fileiras de ervilhas
esticadas nos ângulos certos a partir do caminho principal, e avistei Phillis abaixada próxima a elas,
antes que ela nos visse. Logo que ouviu nossos passos barulhentos no caminho, ela se ergueu, e
protegendo seus olhos do sol, nos reconheceu. Ela ficou rígida por um momento, e depois se aproximou
de nós, devagar, corando um pouco de timidez. Eu nunca tinha visto Phillis tímida antes.
‘Este é Mr. Holdsworth, Phillis’, eu disse, assim que apertei a sua mão. Ela o olhou de relance, e
depois olhou para baixo, mais corada do que nunca diante da grande formalidade dele ao tirar o chapéu e
se curvar. Tais costumes nunca foram vistos na fazenda Hope antes.
‘Papai e mamãe saíram. Eles ficarão sentidos; você não escreveu, Paul, como disse que faria.’
‘Foi minha culpa’, disse Mr. Holdsworth, entendendo o que ela dissera, como se ela tivesse dito
aquilo com todas as palavras. ‘Eu ainda não tinha desistido de todos os privilégios de um inválido; um
dos quais é a indecisão. Noite passada, quando seu primo me perguntou que horas deveríamos partir, eu
realmente não pude me decidir.’
Phillis parecia não conseguir decidir o que fazer conosco. Tentei ajudá-la…
‘Você terminou de colher as ervilhas?’, perguntei ao pegar a cesta cheia pela metade que ela
segurava inconscientemente. ‘Podemos ficar e ajudá-la?’
‘Se vocês quiserem. Mas, talvez, isso vá cansá-lo, senhor’, incluiu ela, falando agora com Mr.
Holdsworth.
‘Nem um pouco’, disse ele. ‘Isso vai me levar de volta vinte anos em minha vida, quando eu
costumava colher ervilhas no jardim de meus avós. Suponho que eu possa comer algumas enquanto faço
isso...’
‘Certamente, senhor. Mas se você for até os canteiros de morangos vai encontrar alguns já
maduros, e Paul pode lhe mostrar onde estão.’
‘Temo que você não acredita em mim. Posso lhe garantir que sei exatamente que ervilhas devem
ser colhidas. Tomo muito cuidado para não colhê-las quando estão verdes. Não vou ser afastado, como
se não servisse para o trabalho.’
Esse era um tipo de meia-piada a qual Phillis não estava acostumada. Ela pareceu, por um
momento, como se quisesse se defender da acusação brincalhona feita contra ela, mas terminou por não
dizer nada. Nós todos colhemos nossas ervilhas num silêncio ocupado, pelos próximos cinco minutos.
Depois Mr. Holdsworth se ergueu por entre as fileiras e disse, um pouco exausto:
‘Receio que eu deva fazer uma greve do trabalho. Não estou tão forte quanto pensei.’ Phillis ficou
penalizada imediatamente. Ele, de fato, parecia mais pálido, e ela se culpou por deixá-lo ajudar na tarefa.
‘Foi muita negligência da minha parte. Eu não sabia – eu pensei que, talvez, você realmente fosse
gostar disso. Eu deveria ter lhe oferecido algo para comer, senhor! Oh, Paul, nós já colhemos o
suficiente. Quão estúpida eu fui por esquecer que Mr. Holdsworth estava doente!’ E numa pressa
envergonhada ela seguiu para a casa. Nós entramos e ela moveu uma cadeira com almofada para frente,
na qual Mr. Holdsworth estava muito grato por afundar. Depois, com uma velocidade calma e hábil, ela
trouxe uma pequena bandeja com vinho, água, bolo, pão caseiro e uma manteiga misturada recentemente.
Ela esperou com certa ansiedade até que, depois de uma mordida e um gole, a cor retornasse ao rosto de
Mr. Holdsworth, que ele estava disposto a nos pedir desculpas sorridentes pelo susto que nos dera. Mas,
depois Phillis se retirou de sua inocente demonstração de cuidado e interesse, e teve uma recaída à fria
timidez, habitual a ela, quando apresentada a estranhos. Ela trouxe o jornal do condado da última semana
(o qual Mr. Holdsworth havia lido cinco dias atrás), e depois se retirou em silêncio. Então ele afundou
em letargia, se recostando e fechando os olhos como se fosse dormir. Eu fui para a cozinha atrás de
Phillis, mas ela havia feito a dobra na lateral da casa do lado de fora, e eu a encontrei sentada na
montaria dos cavalos, com sua cesta de ervilhas, e uma bacia na qual as tirava da casca. Rover estava
deitado aos pés dela, observando, de vez em quando, as moscas. Fui até ela e tentei ajudá-la, mas de
alguma forma as ervilhas frescas e doces encontravam mais frequentemente o caminho para minha boca,
do que o da cesta, enquanto conversávamos num tom de voz baixo, com medo de sermos ouvidos através
dos caixilhos abertos da sala onde Mr. Holdsworth estava descansando.
‘Você não o acha bonito?’, perguntei.
‘Talvez... Sim... Eu mal olhei para ele’, ela replicou. ‘Mas ele não parece muito com um
estrangeiro?’
‘Sim, ele corta o cabelo num estilo estrangeiro’, eu disse.
‘Gosto que um cavalheiro inglês pareça um cavalheiro inglês.’
‘Não acho que ele pense nisso. Ele disse que começou a fazer isso quando estava na Itália,
porque todos usavam o cabelo assim, e é natural que mantenha isso na Inglaterra.’
‘Não se ele começou isso na Itália porque todos usavam o cabelo assim lá. Todos aqui usam um
corte diferente.’
Eu estava um pouco ofendido com a falha lógica que Phillis encontrou em meu amigo, e decidi
mudar o assunto.
‘Quando sua mãe vai chegar?’
‘Creio que ela deve chegar a qualquer momento agora, mas ela foi ver Mrs. Morton que estava
doente e ela pode ficar lá e não vir para casa até a hora do jantar. Você não acha que deve ir ver como
está Mr. Holdsworth, Paul? Ele pode estar fraco de novo.’
Segui seu pedido, mas não havia necessidade disso. Mr. Holdsworth estava de pé, ao lado da
janela, suas mãos nos bolsos. Ele evidentemente estivera nos observando. Virou-se assim que eu entrei.
‘Então esta é a garota que encontrei seu bom pai planejando que fosse sua esposa, Paul, naquela
tarde em que os interrompi! Você continua com o mesmo pensamento dengoso? Não parecia um minuto
atrás.’
‘Phillis e eu nos entendemos’, repliquei, firmemente. ‘Somos como irmão e irmã. Ela não me
tomaria como marido se não houvesse outro homem no mundo, e seria necessário um acordo para que eu
pensasse nela – como meu pai deseja’ (de alguma maneira eu não gostava de dizer ‘como uma esposa’),
‘mas amamos um ao outro carinhosamente.’
‘Bom, estou mais surpreso com isso – não com o fato de vocês se amarem como irmãos – mas que
você ache tão impossível se apaixonar por uma mulher tão bonita.’ Mulher! Mulher bonita! Eu havia
pensado em Phillis como uma garota bem-apessoada, mas estranha; e não poderia banir o avental de
minha cabeça quando tentava visualizá-la. Agora me virei, como Mr. Holdsworth havia feito, para olhar
para ela de novo pela janela: ela havia acabado de terminar sua tarefa e estava de pé, de costas para nós,
segurando a cesta, com sua bacia, no alto, fora do alcance de Rover, que expressava encanto pela
probabilidade de mudar de lugar com saltos e latidos alegres, e tentando abocanhar o que ele imaginava
ser um prêmio que lhe fora negado. Por fim, ela ficou cansada dessa brincadeira, e fingindo um ataque a
ele, e um ‘Para baixo, Rover! Faça silêncio!’, ela olhou na direção da janela onde estávamos parados,
como que se assegurando de que ninguém havia sido incomodado pelo barulho, e vendo-nos, ficou
vermelha, e saiu correndo com Rover circundando-a em linhas sinuosas ao pular sobre ela enquanto
caminhava.
‘Eu gostaria de ter feito um rascunho dela’, disse Mr. Holdsworth enquanto se virava. Ele voltou
para sua cadeira e repousou em silêncio por um ou dois minutos. Em seguida estava de pé novamente.
‘Eu daria qualquer coisa por um livro’, ele disse. ‘Isso me manteria quieto.’ Ele começou a olhar
ao redor; havia alguns volumes num canto do quarto. ‘Quinto volume de Comentários de Matthew
Henry[7]’, falou ele, lendo os títulos em voz alta. ‘O Manual Completo das Donas de Casa; Berridge em
Oração; O Inferno – Dante!’, com grande surpresa. ‘Ora, quem leu isso?’
‘Eu lhe disse que Phillis havia lido este. Não se lembra? Ela sabe grego e latim também.’
‘Com certeza! Eu lembro! Mas de alguma forma nunca somei dois mais dois. Aquela garota
tranquila, cheia de trabalhos caseiros, é a maravilhosa estudante que te deixou confuso com as perguntas
dela quando você começou a vir aqui. Para ter certeza, “Prima Phillis!” O que se encontra aqui? Um
papel com palavras rígidas e obsoletas escritas nele. Pergunto-me que tipo de dicionário ela tinha.
Baretti não lhe daria todas essas palavras. Fique! Tenho um lápis aqui. Vou escrever os significados mais
aceitáveis e poupar um pouco de problemas a ela.’
Então ele levou o livro dela e a brochura para a pequena mesa redonda e se empregou em
escrever explicações e definições para as palavras que causavam problemas a ela. Eu não tinha certeza
se ele não estava tomando uma liberdade: isso não me agradava, e ainda assim, eu não sabia por quê. Ele
havia acabado de terminar, recolocou o papel dentro do livro, e colocou este último de volta no lugar,
quando ouvi o barulho de rodas parando na viela. Ao olhar para fora, vi a prima Holman sair do cabriolé
de um vizinho, lhe fazer uma pequena reverência de reconhecimento, e depois vir até a casa. Eu fui ao seu
encontro.
‘Oh, Paul!’, disse ela. ‘Sinto muito, fui retida; e depois Thomas Dobson disse que se eu esperasse
quinze minutes, ele iria... Mas onde está seu amigo, Mr. Holdsworth? Espero que ele tenha vindo.’
Logo em seguida ele apareceu, e com suas maneiras cordiais e agradáveis segurou a mão dela, e
agradeceu-a por tê-lo convidado a ir até lá para se fortalecer.
‘Estou grata por vê-lo, senhor. Foi ideia do vigário. Fiquei com a impressão de que você acharia
nossa casa silenciosa e monótona, pois Paul disse que você é um viajante extraordinário. Mas o vigário
disse que a monotonia lhe cairia bem enquanto está enfermo, e tive que pedir a Paul para que ficasse aqui
o máximo que pudesse. Espero que se sinta feliz aqui conosco, senhor. Phillis lhe deu algo para comer e
beber, imagino? Há algo de bom em comer com frequência, se precisamos ficar fortes após uma doença.’
E então ela começou a questioná-lo sobre os detalhes de sua indisposição à sua maneira simples e
materna. Ele pareceu entendê-la imediatamente, e iniciou um relacionamento amigável com ela. Não foi
exatamente o mesmo que aconteceu à tarde, quando o vigário chegou a casa. Homens sempre têm uma
antipatia natural a superar quando se encontram com estranhos pela primeira vez. Mas neste caso ambos
estavam dispostos a fazer um esforço para gostar um do outro; só que um era para o outro um espécime
de uma classe desconhecida. Tive que deixar a fazenda Hope na tarde de domingo, pois eu tinha o
trabalho de Mr. Holdsworth, assim como o meu para cuidar em Eltham; e eu não tinha certeza de como as
coisas correriam durante a semana já que Mr. Holdsworth deveria permanecer em sua visita.
Já estive em águas turbulentas por uma ou duas vezes ao me encontrar no meio das opiniões
divergentes entre o vigário e meu muito alardeado amigo. Na quarta-feira recebi um pequeno bilhete de
Mr. Holdsworth; ele ficaria por lá, e retornaria comigo no próximo domingo, e ele queria que eu lhe
enviasse uma lista de livros, seu teodolito[8], e outros instrumentos de sobrevivência, coisas que
poderiam facilmente ser conduzidas pela linha que ia até Heathbridge. Fui até seus alojamentos e juntei
os livros. Italiano, latim, trigonometria. Deram um pacote considerável, além dos implementos. Comecei
a ficar curioso com o progresso geral nos assuntos na fazenda Hope, mas eu não poderia ir até o sábado.
Mr. Holdsworth veio até Heathbridge me encontrar. Ele parecia ser um homem bem diferente do que eu
havia deixado, mais moreno, com faíscas nos olhos, que antes eram tão lânguidos. Eu lhe disse como ele
parecia mais forte.
‘Sim!’, disse ele. ‘Estou inquieto com minha vontade de voltar a trabalhar. Semana passada eu
tinha receio dos pensamentos que me levavam a meu ofício: agora estou cheio de desejo de começar.
Essa semana no campo fez maravilhas a mim.’
‘Você gostou, então?’
‘Oh! Foi perfeito à sua maneira. Uma vida no campo tão minuciosa! E ainda me afastei do tédio
que eu sempre achei que acompanhava a vida no campo, graças à extraordinária inteligência do vigário.
Acabei me acostumando a chamá-lo de “Vigário”, como os demais.’
‘Vocês se deram bem, então?’, perguntei. ‘Estava um pouco receoso.’
‘Eu estive à beira de desgostar dele uma ou duas vezes, receio, por culpa de afirmações
aleatórias e expressões exageradas, do tipo que usamos com todos, e as quais não pensamos a respeito;
mas tentei me policiar quando notei como isso chocava o bom homem; e realmente isso é um exercício
sadio, tentar fazer com que as palavras de uma pessoa representem seus pensamentos, em vez de
simplesmente observar o efeito que essas palavras causam a outras pessoas.’
‘Então agora vocês são bons amigos?’, perguntei.
‘Sim, completamente; a qualquer preço em minha opinião. Nunca havia encontrado um homem
com tanto desejo pelo aprendizado. Em informação, o tanto que se pode adquirir de livros, ele me
ultrapassa na maioria dos assuntos; mas por outro lado eu viajei e vi... Você não ficou surpreso com a
lista de coisas que lhe mandei?’
‘Sim. Pensei que essa lista não prometia muito descanso.’
‘Oh! Alguns dos livros eram para o vigário, e alguns para sua filha. Eu a chamava de Phillis para
mim mesmo, mas usava eufuísmo[9] ao falar sobre ela com outras pessoas. Não gosto de parecer muito
familiar, e Miss Holman também é um termo que nunca ouvi ser usado.’
‘Imaginei que os livros em italiano fossem para ela.’
‘Sim! Imagine ela tentando usar Dante como o primeiro livro que estudava em italiano! Eu tinha
um romance capital de Manzoni[10], Os Noivos, a coisa exata para um iniciante; e se ela precisa continuar
decifrando Dante, meu dicionário é muito melhor que o dela.’
‘Então ela descobriu que você escreveu aquelas definições em sua lista de palavras?’
‘Oh! Sim’ – com um sorriso de divertimento e prazer. Ele ia me contar como a situação
acontecera, mas se policiou.
‘Mas não acho que o vigário tenha gostado do fato de você ter dado um romance para ela ler,
gostou?’
‘Ora! O que poderia ser mais inofensivo? Por que se perturbar com palavras? É um conto tão
bonito e inocente quanto se poderia encontrar. Você não acha que eles fizeram de Virgílio o Evangelho?’
No momento em que chegamos à fazenda, achei que Phillis me recebeu de forma mais calorosa
que a usual, e a prima Holman era a bondade em pessoa. Mas, de certa forma senti como se tivesse
perdido meu lugar, e que Mr. Holdsworth havia me substituído. Ele sabia todas as maneiras da casa; ele
estava cheio de pequenas atenções filiais para com a prima Holman; ele tratava Phillis com a afeição
condescendente de um irmão mais velho; nem um pouco mais que isso; de nenhuma maneira diferente. Ele
me questionou sobre o progresso nos assuntos em Eltham com grande interesse.
‘Ah!’, disse a prima Holman, ‘você vai passar o tempo de forma diferente do que passou esta
semana, na próxima! Posso ver o quão ocupado você é! Mas se você não tomar cuidado pode ficar doente
novamente e ter que voltar para essa calmaria em que vivemos.’
‘Você acha que preciso ficar doente para desejar voltar para cá?’, ele perguntou, calorosamente.
‘Só tenho receio de que você tenham me tratado tão bem que eu deva sempre voltar para suas mãos.’
‘Está certo’, ela replicou. ‘Só não vá ficar doente por excesso de trabalho. Espero que você beba
um copo de leite fresco todas as manhãs, pois tenho certeza de que esse é o melhor remédio; e ponha uma
colher de chá de rum nele, se quiser. Muitos falam bem disso, mas não temos rum aqui em casa.’
Eu trouxe comigo um pouco da atmosfera de uma vida ativa, que acho que ele começava a sentir
falta; e era natural que ele buscasse minha companhia, depois dessa semana de retiro. Uma vez notei que
Phillis nos observava com uma curiosidade melancólica, enquanto falávamos, mas tão logo seus olhos se
encontraram com os meus, ela ficou profundamente vermelha.
Naquela tarde conversei um pouco com o vigário. Eu caminhei pela Estrada até Hornby para
encontrá-lo, pois Mr. Holdsworth havia dado uma lição de italiano para Phillis e a prima Holman caiu no
sono sobre seu trabalho. De alguma maneira, e não por má vontade de minha parte, nossa conversa caiu
no assunto sobre o amigo que eu havia introduzido na fazenda Hope.
‘Sim! Gosto dele!’, disse o vigário, pesando um pouco suas palavras antes de pronunciá-las.
‘Gosto dele. Espero que eu tenha justificativas para fazer isso, mas ele me manteve, assim como era; e
quase tive medo de que me carregasse para longe, apesar de meu juízo.’
‘Ele é um bom companheiro, de fato ele é’, eu disse. ‘Meu pai pensa bem dele, e o conheci o
suficiente. Eu não o traria aqui se não soubesse que o senhor o aprovaria.’
‘Sim’– mais uma vez hesitante –, ‘gosto dele, e acho que ele é um homem íntegro. Às vezes há o
desejo de seriedade em suas conversas, mas, ao mesmo tempo, é maravilhoso ouvi-lo! Ele traz Horácio e
Virgílio de volta à vida por meio das histórias que me conta sobre sua permanência nos mesmos países
onde eles viveram, e de volta aos dias atuais... Mas é como beber uma dose de bebida alcoólica. Escutei-
o até que eu esquecesse meus deveres e saísse de meus pés. Na tarde do último domingo ele nos levou a
conversas sobre assuntos profanos, não condizentes com o dia.’ Nesse momento já estávamos em casa, e
nossa conversa terminou. Mas, antes que o dia terminasse, vi a marca inconsciente que meu amigo
deixara sobre toda a família. E não era surpresa. Ele viera e fizera tanto em comparação a eles, e ele
falou sobre isso tão fácil e naturalmente, e de forma como eu nunca vira alguém fazer; e seu lápis estava
em suas mãos num instante para fazer rascunhos de todo tipo de ilustrações num papel – formas de
desenho sobre a água no norte da Itália, cartões de vinho, búfalos, pedra-pinheiros, e não sei mais o quê.
Depois que todos olhamos esses desenhos, Phillis reuniu todos eles, e os levou.
Faz muitos anos desde que o vi, Edward Holdsworth, mas ele era um companheiro agradável!
Sim, e bom também; embora muita tristeza tenha sido causada por ele!
PARTE III

Logo depois disso fui passar um feriado em casa. Tudo prosperava lá. A nova parceria de meu
pai dava evidente satisfação a ambos os lados. Não havia ainda sinais da melhora financeira em nossa
modesta casa. Entretanto, minha mãe tinha alguns confortos extras, os quais foram providenciados por seu
marido. Eu conheci Mr. e Mrs. Ellison e vi, pela primeira vez, a bela Margaret Ellison, que é agora
minha esposa. Quando retornei a Eltham, contudo, logo descobri que um sonho que eu estivera por algum
tempo em contemplação já fora tomado: Mr. Holdsworth e eu deveríamos nos mudar para Hornby, pois
nossa presença diária – e tanto quanto pudéssemos dispor de nosso tempo –, estava sendo solicitada para
a conclusão da linha ferroviária naquele ponto.
É óbvio que isso facilitou nossas relações com as pessoas da fazenda Hope. Podíamos facilmente
caminhar até lá depois de concluir nossas horas de trabalho, passar uma ou duas horas de uma tarde
agradável lá, e ainda retornar antes que o pôr do sol do verão terminasse. De fato, muitas vezes,
estaríamos dispostos a ficar até mais tarde – o ar livre, o campo fresco e encantador, que fazia um
contraste tão agradável, com os tão próximos e quentes alojamentos que eu dividia com Mr. Holdsworth;
mas as horas vespertinas eram uma necessidade imperativa para o vigário, e ele não tinha escrúpulos em
mandar cada um de nós ou os dois para casa logo depois da oração da noite, ou ‘exercício’ como ele
chamava. A lembrança de vários dias felizes, e de inúmeras pequenas cenas, vem a mim enquanto penso
naquele verão. Elas surgem como fotos em minha memória e, dessa maneira, posso precisar sua sucessão,
pois eu sei que a colheita do milho deve vir depois da preparação do feno; a colheita de maçãs depois da
ceifa do milho.
A mudança para Hornby levou algum tempo, durante o qual nenhum de nós dois teve tempo livre
para ir à fazenda Hope. Mr. Holdsworth havia ido lá uma vez durante o período que passei em casa. Em
uma tarde abafada, quando o trabalho já estava feito, ele propôs que fôssemos caminhar e fazer uma
visita aos Holman. Acontece que eu havia deixado de escrever minha usual carta semanal para casa
devido à correria no trabalho, e desejava terminar isso antes do jantar. Então ele disse que iria, e que se
eu quisesse poderia segui-lo depois. Fiz isso cerca de uma hora depois; o clima estava tão opressivo,
lembro-me que tirei meu agasalho enquanto caminhava e pendurei-o em meu braço.
Todas as portas e janelas estavam abertas na fazenda quando cheguei, e cada pequena folha em
cada árvore estava parada. O silêncio no local era profundo; a princípio pensei que estava
completamente deserto, mas assim que me aproximei da porta, ouvi uma voz fraca e doce começar a
cantar. Era prima Holman, sozinha na sala, sussurrando um hino, enquanto tricotava na luz enevoada. Ela
me deu boas-vindas gentis e derramou sobre mim todas as pequenas novidades domésticas da quinzena
que se passara, e, em retorno, eu lhe contei sobre minha família e minha visita a eles.
‘Onde estão os outros?’, perguntei, por fim.
Betty e os homens estavam no campo ajudando com o último carregamento de feno, pois o vigário
dissera que iria chover antes do amanhecer. Sim, e o próprio vigário, Phillis e Mr. Holdsworth estavam
lá ajudando. Ela, a prima de minha mãe, achava que poderia ter feito algo, mas talvez ela fosse a última
pessoa indicada para participar da fabricação do feno; e alguém precisava ficar em casa para tomar conta
de tudo, havia muitos mendigos rondando os arredores; se eu não tivesse algo a ver com a ferrovia, ela os
chamaria de escavadores. Eu perguntei se ela se importava em ficar sozinha, pois gostaria de ir ajudar; e
tendo a total e grata aprovação dela para deixá-la sozinha, eu fui, seguindo as direções que ela me dera:
através do jardim da fazenda, passei pelo reservatório do gado, até o campo de freixo, indo além, até o
campo mais alto com dois arbustos de azevinho no meio. Cheguei. Lá estava Betty com todos os homens
da fazenda em um campo limpo, e uma carroça carregada e pesada; um homem sobre a grande pilha,
preparado para pegar o feno perfumado que os outros jogavam para ele, com seus forcados. Uma pequena
pilha de roupas descartadas num canto do campo, pois o calor, mesmo às sete da noite, era insuportável.
Algumas latas, cestas e, ao lado delas, Rover parado, ofegante e observando. Cheio de conversas altas,
calorosas e alegres, mas nada do vigário, Phillis ou Mr. Holdsworth. Betty me avistou primeiro e,
entendendo quem eu buscava, veio até mim.
‘Eles estão lá fora – juntando as coisas do Mestre Holdsworth.’
Então ‘para fora’ eu fui. Lá fora, numa planície ampla e comum, cheia de bancos de areia, buracos
e varreduras; cercada de abetos, tornados púrpura pelas sombras que chegavam; mas próximo à mão
floresciam carquejas luminosas, ou, como as chamamos no sul, arbustos, que, contra o cinturão de
árvores distante pareciam ter um brilho dourado. Nesta charneca, um pouco distante da barreira do
campo, vi os três. Contei suas cabeças, unidas em um grupo ansioso, sobre o teodolito[11] de Mr.
Holdsworth. Ele estava ensinando ao vigário a prática técnica de topografia e levantamento topográfico.
Fui solicitado a ajudar e, rapidamente, fiz o trabalho de segurar a corrente. Phillis estava tão interessada
quanto seu pai; ela mal teve tempo de me cumprimentar de tão desejosa que estava em ouvir alguma
resposta às perguntas de seu pai. E assim continuamos, as nuvens escuras continuavam a se recolher, por
talvez uns cinco minutos depois de minha chegada. Depois veio um relâmpago cegante e um estrondo
logo seguido por um trovão bem acima de nossas cabeças. Veio mais rápido do que eu esperava, mais
rápido do que eles previam: a chuva não se atrasava; ela veio se derramando; e o que poderíamos usar
como abrigo? Phillis não tinha nada além de suas roupas caseiras – sem touca e sem xale. Rápido como
um dardo ao nosso redor, Mr. Holdsworth tirou seu agasalho e o prendeu ao redor do pescoço e dos
ombros dela, e, quase sem dizer nada, nos apressou para um abrigo tão simples quanto as saliências em
meio à areia poderiam nos fornecer. Ali estávamos, agachados e próximos. Phillis no meio, quase tão
espremida que não podia mover seus braços o suficiente para se libertar do casaco, que ela, em retorno,
tentava colocar levemente sobre os ombros de Mr. Holdsworth. Ao fazer isso, ela tocou na camisa dele.
‘Oh, como você está molhado!’, ela gritou, com compaixão desesperada. ‘E você acabou de
melhorar de sua febre! Oh, Mr. Holdsworth, eu sinto muito!’
Ele virou um pouco sua cabeça, sorrindo para ela.
‘Se eu pegar um resfriado será por minha culpa por enganar vocês para ficar aqui!’
Mas ela apenas murmurou novamente: ‘Sinto muito’.
O vigário tomou a palavra: ‘É um aguaceiro comum. Graças a Deus que o feno está em segurança!
Mas, não é provável que pare, é melhor que eu vá para casa de uma vez e mande alguns cobertores para
vocês. Guarda-chuvas não serão seguros com trovões e relâmpagos ao redor’.
Tanto Mr. Holdsworth quanto eu nos oferecemos para ir no lugar dele, mas ele estava decidido,
embora talvez fosse mais sábio que Mr. Holdsworth, que já estava molhado, exercesse a função.
Enquanto ele saía, Phillis deslizou para fora e pôde ver como a tempestade varria a charneca. Parte dos
aparelhos de Mr. Holdsworth permanecia exposta à chuva. Antes que pudéssemos alertá-la, ela correu
para fora do abrigo e pegou todas as coisas e as trouxe de volta em triunfo até onde nos agachávamos.
Mr. Holdsworth se levantou, incerto se devia ajudá-la ou não. Ela voltou correndo, seu cabelo longo e
adorável flutuando e pingando, seus olhos agradecidos e brilhantes, e sua cor refrescada, num brilho
saudável graças ao exercício e à chuva.
‘Agora, Miss Holman, isso é o que chamo de deliberação’, disse Mr. Holdsworth, enquanto ela
entregava os aparelhos a ele. ‘Não, não vou lhe agradecer’ (seu olhar estava agradecendo a ela o tempo
todo). ‘O fato de eu estar um pouco úmido incomodou você, porque pensou que eu havia me molhado a
seu serviço; então você estava determinada a me deixar tão incomodado quanto você estava. Este é um
tipo de vingança muito anticristã!’
Seu tom de badinage[12] (como chamam os franceses) seria palpável a qualquer um que estivesse
acostumado ao mundo, mas Phillis não estava, e isso a deixou angustiada, ou melhor, a deixou perplexa.
‘Anticristão’ tinha um significado muito sério para ela. Não era uma palavra para ser usada levianamente
e, embora ela não entendesse de que mal estava sendo acusada, tinha o desejo de se livrar da atribuição.
A princípio, a sinceridade dela ao negar que tivesse motivos grosseiros divertiu Mr. Holdsworth.
Enquanto que a leve continuidade que ele dava à brincadeira deixava-a mais perplexa. Mas, por fim, ele
disse algo sério, e num tom muito baixo para que eu não pudesse ouvir, o que fez com que ela silenciasse
na mesma hora e ficasse corada. Depois de um tempo, o vigário voltou, ele era um conjunto móvel de
xales, capas e guarda-chuvas.
Phillis ficou bem próxima a seu pai durante a nossa volta à fazenda. A mim, ela parecia retraída
com relação a Mr. Holdsworth. Entretanto, ele não mostrava qualquer variação em suas maneiras usuais
quando estava numa disposição mais severa. Estava gentil, protetor e atencioso com ela. É claro que
houve uma grande comoção a respeito de nossas roupas molhadas, mas falo sobre os pequenos eventos
daquela noite, porque me perguntei na época o que ele teria dito naquela voz baixa para silenciar Phillis
tão efetivamente, e por que, ao pensar no relacionamento dos dois à luz dos eventos futuros, aquela tarde
se destaca com alguma importância. Eu havia dito que após nossa mudança para Hornby nossas
comunicações com a fazenda haviam se tornado quase que uma ocorrência diária. Prima Holman e eu
éramos os que menos tínhamos a ver com essa intimidade. Depois que Mr. Holdsworth recuperou sua
saúde, ele, frequentemente, falava com ela sobre assuntos intelectuais e em seu tom de gracejo para que
ela se sentisse bastante sossegada com ele. Realmente acredito que ele adotava esse tom ao falar com ela
porque não sabia o que falar a uma mulher pura e maternal, cujo intelecto nunca havia sido cultivado e,
cujo coração amoroso era inteiramente ocupado por seu marido, sua filha, seus afazeres domésticos e,
talvez, um pouco com os problemas dos membros da congregação de seu marido, pois eles, à sua
maneira, pertenciam a seu marido.
Notei antes que ela tinha sombras passageiras de ciúme até de Phillis, quando sua filha e seu
marido pareciam ter fortes interesses e simpatias em coisas que estavam bem além da compreensão dela.
Eu havia notado isso em meu primeiro contato com eles, eu diria, e havia admirado o tato delicado que o
vigário tinha, em algumas ocasiões, ao trazer a conversa de volta a assuntos em que sua esposa, com sua
experiência prática da vida do dia a dia era uma autoridade. Enquanto Phillis, devotada que era ao pai,
inconscientemente seguia a liderança dele, totalmente ignorante em sua reverência filial dos motivos dele
para tanto.
Voltando a Mr. Holdsworth. O vigário havia, mais de uma vez, falado comigo sobre ele, com uma
leve desconfiança, principalmente ocasionada pela suspeita de que suas palavras descuidadas não eram
sempre verdadeiras e sóbrias. Mas, era mais um tipo de protesto contra a fascinação que o jovem
cavalheiro exercia sobre o cavalheiro mais velho, como que para se fortalecer contra a vontade de se
render à sua fascinação – isso o vigário me disse sobre essa falha de Mr. Holdsworth, como parecia a
ele. Em retorno, Mr. Holdsworth era subjugado pela retidão e bondade do vigário, e encantado com seu
intelecto transparente – seu desejo forte e saudável em conhecimentos adicionais. Nunca conheci dois
homens que sentissem tanta alegria e prazer no meio social um do outro. Para Phillis sua relação
continuava a ser a de um irmão mais velho: ele a direcionava em seus estudos a novos caminhos,
pacientemente colocava em desenho muitos dos pensamentos, perplexidades e teorias malformadas –
dificilmente cedendo à sua disposição para gracejos, que ela quase não entendia.
Um dia – época de colheita – ele esteve desenhando, num pedaço de papel para desenho, espigas
de milho, esboços de carroças puxadas por novilhos e carregados de uvas – o tempo todo conversando
com Phillis e comigo, com prima Holman fazendo seus usuais comentários que não eram pertinentes,
quando, de repente, ele disse para Phillis:
‘Mantenha sua cabeça parada. Vejo um esboço! Frequentemente tenho tentado desenhar sua
cabeça de memória, e falhado. Mas, acho que posso fazer isso agora. Se eu conseguir darei o desenho
para sua mãe. A senhora gostaria de um retrato de sua filha como Ceres,[13] não gostaria, madame?’
‘Sim. Eu gostaria de um desenho dela. Gostaria muito, obrigada, Mr. Holdsworth, mas se você
colocar essa palha no cabelo dela’, (ele estava segurando alguns ramos de trigo sobre a cabeça passiva
dela, observando o efeito com olhos artísticos), ‘vai bagunçar seu cabelo. Phillis, minha querida, se você
vai ser desenhada, suba, e escove os cabelos para que fiquem macios.’
‘De maneira alguma. Peço que me desculpe, mas eu quero o cabelo voando livremente’. Ele
começou a desenhar, olhando intensamente para Phillis. Eu pude notar como esse olhar a descompunha –
a cor dela ia e voltava, sua respiração acelerava com a consciência da atenção dele; por fim, quando ele
disse: ‘Por favor, olhe para mim por um ou dois minutos, quero pegar seus olhos’, ela olhou para ele,
estremecendo e, repentinamente, levantou-se e deixou a sala. Ele não disse uma palavra, mas continuou
com alguma outra parte do desenho. Seu silêncio era anormal e suas bochechas morenas perderam um
pouco da cor. Prima Holman olhou por cima de seu trabalho e baixou seus óculos.
‘Qual o problema? Aonde ela foi?’
Mr. Holdsworth não disse uma palavra sequer e continuou desenhando. Eu me senti na obrigação
de dizer algo; era estúpido o bastante, mas estupidez era melhor que aquele silêncio.
‘Eu vou chamá-la’, eu disse. Então fui até o vestíbulo e ao pé das escadas, mas justo quando ia
chamar Phillis, ela desceu rapidamente com sua touca colocada e dizendo: ‘Vou até meu pai, no quinto
acre’, passou pela porta do ‘coadjutor’, bem em frente à janela da sala e saiu pelo pequeno portão lateral
branco. Ela foi vista por sua mãe e por Mr. Holdsworth quando passou; então não havia necessidade de
explicações, apenas prima Holman e eu tivemos uma discussão sobre o fato de, talvez, ela ter achado a
sala muito quente, o que poderia ter ocasionado sua partida repentina. Mr. Holdsworth ficou muito quieto
pelo resto do dia; nem mostrou o desenho feito pela vontade dele; apenas o mostrou, a pedido de prima
Holman, na próxima vez que veio. Então ele disse que não devia solicitar nenhum quadro formal para um
rascunho tão modesto, quanto ele se achava capaz de fazer. Phillis estava do mesmo jeito na próxima vez
em que a vi, depois de passar por mim no vestíbulo em sua saída abrupta. Ela nunca deu nenhuma
explicação para sua fuga da sala.
E assim as coisas caminharam, pelo menos no que pude observar naquele momento, ou que minha
memória pode recordar agora, até a grande colheita de maçãs daquele ano. As noites eram congelantes,
as manhãs e as tardes eram nebulosas, mas o meio do dia era ensolarado e brilhante; e esta foi uma tarde
em que eu e Mr. Holdsworth estávamos na linha de Heathbridge e, sabendo que eles estavam colhendo
maçãs na fazenda, resolvemos passar lá, na hora do almoço dos homens. Nós encontramos a grande cesta
de roupas cheia de maçãs, perfumando a casa, e atrapalhando o caminho; e um ar universal de alegre
contentamento com esta última produção do ano. As folhas amarelas penduradas nas árvores, prestes a
cair no chão ao menor sopro do vento; os arbustos de margaridas de São Miguel na horta fazendo sua
última apresentação floral. Tínhamos necessidade de experimentar as frutas de várias árvores e divulgar
nosso julgamento de seus sabores. Fomos embora com os bolsos cheios daquelas que mais gostamos.
Conforme passamos pelo pomar, Mr. Holdsworth admirou e falou sobre algumas flores que ele vira;
acontecia que ele nunca mais vira aquela variedade desde os dias de sua infância. Eu não sabia se ele
pensara anteriormente sobre esse discurso ocasional, mas sei que eu não pensara – quando Phillis, que
havia perdido nossa visita apressada apenas por um momento, ressurgiu com um pequeno buquê desse
mesmo tipo de flor, que ela estava prendendo com uma folha de capim. Ela o ofereceu a Mr. Holdsworth
enquanto ele estava de pé junto ao pai dela, no ponto de partida. Eu observei seus rostos. Vi pela
primeira vez um inconfundível olhar de amor nos olhos negros dele; era mais do que gratidão pela
pequena atenção; foi terno e suplicante – apaixonado. Ela se encolheu, confusa, seu olhar caiu sobre mim
e, em parte para esconder sua emoção, em parte por gentileza, pelo que poderia parecer uma negligência
ingrata com um velho amigo, ela correu para juntar algumas rosas chinesas, que floresceram tardiamente,
para me oferecer. Mas esta foi a primeira vez que ela fez algo desse tipo de natureza para mim.
Tivemos que andar rápido para voltar a tempo antes que os homens voltassem, e falamos pouco
um com o outro e, é claro que a tarde foi muito ocupada para que pudéssemos conversar. No fim da tarde
voltamos para nosso alojamento conjunto em Hornby. Chegando lá, sobre a mesa, jazia uma carta para
Mr. Holdsworth, que havia sido reencaminhada de Eltham para ele. Eu não tinha comido nada desde a
manhã, enquanto nosso chá ficava pronto, sentei-me sem dar muita atenção a meu companheiro enquanto
ele abria e lia sua carta. Ele ficou em silêncio por alguns minutos, por fim falou:
‘Velho amigo! Vou deixá-lo!’
‘Deixar-me!’, eu perguntei. ‘Como? Quando?’
‘Esta carta deveria ter chegado a mim logo. Veio de Greathed, o engenheiro’, (Greathed era bem
conhecido naqueles dias; ele está morto agora, e seu nome meio esquecido). ‘Ele quer me ver para tratar
de alguns assuntos; de fato, devo lhe dizer, Paul, que esta carta contém uma proposta muito vantajosa para
mim, para que eu vá ao Canadá e supervisione a confecção de uma linha ferroviária lá.’
Eu fiquei completamente desanimado.
‘Mas o que a companhia dirá sobre isso?’
‘Oh, Greathed está supervisionando esta linha, você sabe; e ele vai ser o engenheiro-chefe dessa
linha canadense. Muitos dos acionistas dessa companhia irão para a outra, então creio que não vão criar
muitas dificuldades em me deixar seguir a liderança de Greathed. Ele diz que tem um jovem pronto para
colocar no meu lugar.’
‘Eu o odeio’, eu disse.
‘Obrigado’, respondeu Mr. Holdsworth, rindo.
‘Mas você não deveria’, ele recomeçou, ‘pois isso é uma coisa muito boa para mim, e, é claro,
que se não encontrarem ninguém para me substituir, não posso ser promovido. Apenas desejaria ter
recebido esta carta um dia mais cedo. Cada hora é crucial, pois Greathed diz que eles estão ameaçando
uma linha rival. Sabe, Paul, imagino se não devo ir hoje. Eu posso usar um mecanismo para voltar a
Eltham e pegar o trem noturno. Não gostaria que Greathed pensasse que não estou interessado.’
‘Mas você vai voltar?’, perguntei, perturbado pela ideia dessa partida repentina.
‘Oh, sim! Pelo menos espero que sim. Eles devem querer que eu vá no próximo navio que sairá
no sábado.’ Ele começou a comer e beber de pé, mas creio que não tinha consciência de qual era a
comida ou bebida.
‘Vou hoje à noite. Atividade e prontidão são importantes na nossa profissão. Lembre-se disso,
meu garoto! Espero poder voltar, mas se não puder, esteja seguro e recorde de todas as palavras de
sabedoria que saíram da minha boca. Agora, onde está minha mala? Se eu puder ganhar meia hora para
juntar minhas coisas em Eltham, será muito melhor. Estou livre de débitos, de qualquer maneira; e o que
devo nos alojamentos você pode pagar para mim com meu salário trimestral; vence no dia 4 de
novembro’.
‘Então você acha que não vai voltar?’, eu disse, desanimado.
‘Vou voltar algumas vezes, nada tema’, ele falou, com gentileza. ‘Devo estar de volta em alguns
dias, ao descobrirem que não sirvo para o trabalho no Canadá; ou podem não querer que eu parta com
tanta antecedência quanto imagino. De qualquer forma você não acha que vou esquecê-lo, não é Paul?
Este trabalho não deve demorar mais do que dois anos, e, talvez, depois disso, possamos trabalhar juntos
de novo’.
Talvez! Eu tinha poucas esperanças. Os mesmos dias felizes não voltam. Entretanto, fiz tudo que
pude para ajudá-lo: roupas, papéis, livros, instrumentos; como empurramos e lutamos – como eu
empilhei. Tudo estava pronto num espaço de tempo menor do que havíamos calculado, quando tive que
descer até o galpão para organizar o mecanismo. Eu iria levá-lo a Eltham. Sentamo-nos, preparados para
uma comoção. Mr. Holdsworth pegou o pequeno buquê que trouxera da fazenda Hope, e que tinha
deixado acima da lareira quando chegamos à sala. Ele sentiu seu perfume e o acariciou com seus lábios.
‘O que me entristece é que eu não sabia – que não poderia me despedir de... deles.’
Ele disse num tom sério, a sombra da separação tão próxima caindo finalmente sobre ele.
‘Eu direi a eles’, falei. ‘Tenho certeza que ficarão sentidos’.
Então, ficamos em silêncio.
‘Nunca gostei tanto de uma família’.
‘Eu sabia que você gostaria deles’.
‘Como o pensamento de alguém pode mudar – esta manhã eu estava cheio de esperança, Paul.’
Ele parou, e depois disse:
‘Você guardou aquele rascunho com cuidado?’
‘Aquele contorno de uma cabeça?’, perguntei. Mas eu sabia que ele se referia ao rascunho de
Phillis, o qual ele não obteve sucesso para concluir com sombreados e cores.
‘Sim. Que rosto inocente este! E ainda assim tão – Oh, precioso!’, ele suspirou e se levantou, com
as mãos nos bolsos, para andar de um lado para o outro no quarto, em evidente perturbação mental. De
repente ele parou do lado oposto a mim.
‘Você lhes dirá como tudo aconteceu. Não se esqueça de dizer ao vigário como sinto muito por
não me despedir dele e de agradecê-lo e à sua esposa por toda sua gentileza. E quanto a Phillis… por
Deus, em dois anos vou voltar e dizer a ela tudo que está em meu coração.’
‘Então, você ama Phillis?’, perguntei.
‘Amá-la! Sim, eu a amo. Quem poderia evitar isso, vendo-a como eu a vejo? Sua personalidade
tão diferente e rara quanto sua beleza! Deus a abençoe! Que Deus a mantenha em tranquilidade, sua pura
inocência. – Dois anos! É muito tempo. – Mas ela vive em tal isolamento, quase como a Bela
Adormecida, Paul’, – (ele estava sorrindo agora, embora um minuto antes eu achasse que ele estava à
beira das lágrimas), – ‘mas devo voltar como um príncipe do Canadá e despertá-la para o meu amor. Não
posso evitar em esperar que não seja muito difícil, hein, Paul?’
Esse toque de afetação me desagradou um pouco, e não respondi. Ele continuou, meio que se
desculpando:
‘Entende, o salário que eles ofereceram é maior, além disso, essa experiência me dará um nome
que vai me possibilitar a expectativa de um salário maior em qualquer empreendimento futuro.’
‘Isso não vai influenciar Phillis’.
‘Não! Mas isso me fará mais qualificado aos olhos dos pais dela’.
Não respondi.
‘Deseje-me sorte, Paul’, ele falou, quase em contestação. ‘Você gostaria de me ter como primo?’
Ouvi o barulho e o apito do mecanismo, pronto no galpão.
‘Sim, isso eu devo dizer’, respondi, subitamente sensibilizado com relação a meu amigo, agora
que ele estava de partida. ‘Eu gostaria que vocês se casassem amanhã e eu seria o padrinho’.
‘Obrigado, rapaz. Agora vamos à amaldiçoada valise (como o vigário ficaria chocado), mas está
pesada!’, e aceleramos em direção à escuridão. Ele pegou o trem noturno em Eltham e eu dormi,
desolado o suficiente, em meus aposentos que alugara das senhoritas Dawson por aquela noite. É claro
que nos próximos dias eu estaria mais ocupado que nunca, fazendo o trabalho dele e o meu. Depois
chegou uma carta dele, muito pequena e afetuosa. Ele partiria no navio de sábado, como esperava; e na
próxima segunda-feira o homem que o substituiria iria para Eltham. Havia um adendo na carta, com
apenas estas palavras: ‘Meu buquê vai comigo para o Canadá, mas não preciso dele para lembrar-me da
fazenda Hope.’
O sábado chegou e já era tarde antes que eu pudesse ir à fazenda. Era uma noite gelada, as
estrelas brilhavam claras sobre mim, e a estrada crepitava sob meus pés. Eles devem ter ouvido meus
passos antes que eu chegasse à casa. Eles estavam sentados na sala de estar, em seu lugar usual, quando
entrei. Os olhos de Phillis correram para além de mim, numa expressão de boas-vindas, e depois
voltaram desapontados para seu trabalho.
‘E onde está Mr. Holdsworth?’, perguntou prima Holman, depois de um minuto ou dois. ‘Espero
que o resfriado dele não tenha piorado... Não gostei da tosse dele.’
Eu ri desajeitadamente, pois senti que era o portador de novidades desagradáveis.
‘Seu resfriado deve ter melhorado – pois ele se foi – se foi para o Canadá!’
Propositalmente olhei para Phillis, enquanto contava minhas novidades dessa maneira.
‘Para o Canadá!’, exclamou o vigário.
‘Se foi?!’, perguntou sua esposa. Mas não houve palavra da parte de Phillis.
‘Sim!’, eu respondi. ‘Ele encontrou uma carta em Hornby quando voltamos na outra noite –
quando fomos para casa, depois de passar aqui. Ele deveria tê-la recebido mais cedo; ordenaram que ele
fosse diretamente a Londres para ver algumas pessoas sobre uma nova linha ferroviária no Canadá, e ele
deveria supervisioná-la. Partiu no navio de hoje. Ele estava em triste sofrimento por não ter tempo para
vir se despedir de todos vocês, mas partiu para Londres duas horas depois de receber a carta. Ele
ordenou que eu lhes mandasse sua eterna gratidão por toda sua gentileza. Estava muito sentido por não
poder voltar aqui’. Phillis levantou e deixou a sala com passos silenciosos.
‘Estou muito sentido’, disse o vigário.
‘Certamente que também estou!’, falou a prima Holman. ‘Eu senti um verdadeiro carinho por
aquele jovem desde que fui sua enfermeira em junho passado, depois daquela febre terrível’.
O vigário continuou me fazendo perguntas a respeito dos planos futuros de Mr. Holdsworth; e
trouxe um atlas antigo, para que ele pudesse encontrar os pontos exatos onde a nova linha ferroviária
passaria. E então o jantar ficou pronto; estava sempre na mesa assim que o relógio na escada batia oito
horas em ponto, e Phillis desceu – seu rosto estava branco e fixo, seus olhos secos fitavam-me em
desafio, pois temo ter ferido seu orgulho de donzela com meu olhar de simpatia quando ela entrou na
sala. Ela não disse palavra alguma – nem fez nenhuma pergunta a respeito de nosso amigo ausente, e
mesmo assim ela se forçou a falar.
E assim foi no dia seguinte. Ela estava tão pálida quanto poderia estar, como alguém que tivesse
recebido um choque, mas ela não deixaria que eu falasse com ela, e tentou com todas as forças agir
normalmente. Duas ou três vezes, li para eles, as várias mensagens carinhosas que Mr. Holdsworth me
incumbia de dar, mas ela se importava tanto com estas mensagens como se minhas palavras estivessem
perdidas no ar. E foi com esse humor que a deixei na tarde de domingo.
Meu novo patrão não era nem a metade tão indulgente quanto o anterior. Ele mantinha uma
disciplina estrita com as horas, então se passou algum tempo antes que eu pudesse sair novamente,
mesmo para fazer uma visita à fazenda Hope.
Era uma noite enevoada de novembro. O ar, mesmo a portas fechadas, parecia cheio de neblina;
mesmo que houvesse uma tora queimando na lareira, o que deveria ter animado o ambiente. Prima
Holman e Phillis estavam sentadas na pequena mesa redonda em frente ao fogo, trabalhavam em silêncio.
O vigário tinha seus livros na cômoda, e parecia estar concentrado em seus estudos, à luz de sua vela
solitária. Talvez o medo de perturbá-lo tenha causado a estranha tranquilidade na sala. Mas uma
recepção estava preparada para mim apesar de tudo, não foi barulhenta ou demonstrativa – mas nunca era
mesmo; meu sobretudo úmido foi retirado; a próxima refeição foi adiantada e uma cadeira foi posta para
mim, ao lado da lareira, de onde eu tinha plena visão da sala. Meus olhos pararam em Phillis, que
parecia tão pálida e cansada e, com um certo tom de dor (se posso chamar assim) em sua voz. Ela estava
fazendo todas as coisas costumeiras – cumprindo pequenos deveres caseiros, mas de alguma forma
estava diferente – Não posso dizer de que maneira, pois ela estava tão hábil e ágil em seus movimentos
como sempre, apenas a doce alegria havia deixado seus movimentos.
Prima Holman começou a me questionar; até o vigário deixou seu livro de lado e veio ficar do
lado oposto à lareira para ouvir que sopro de inteligência eu trouxera. Primeiro tive que lhes dizer o
motivo de não ter aparecido por lá há tanto tempo – mais de cinco semanas. A resposta era bem simples;
trabalho e a necessidade de atender estritamente às ordens de um novo superintendente, que ainda não
tinha aprendido a confiar, e muito menos a ser indulgente. O vigário assentiu, aprovando minha conduta, e
disse: ‘Está certo, Paul! “Empregados obedecem seus patrões em todas as coisas que estejam de acordo
com sua capacidade.” Eu tive receios de que você tivesse muita liberdade sob o comando de Edward
Holdsworth.’
‘Ah’, disse a prima Holman, ‘pobre Mr. Holdsworth, ele já deve estar nos oceanos salgados a
essa altura!’
‘Na verdade não’, falei. ‘Ele está em terra firme. Recebi uma carta dele vinda de Halifax’.
Imediatamente uma chuva de perguntas caiu sobre mim. Quando? Como? O que ele está fazendo?
Ele gostou de lá? Como foi a viagem? etc.
‘Muitas são as vezes em que pensamos nele quando o vento está soprando forte; a velha árvore de
marmelo veio abaixo, Paul, àquela à direita da grande pereira. Caiu na segunda-feira da última semana e
foi naquela noite que pedi ao vigário para fazer uma prece especial a todos àqueles que seguiam em
navios pela escuridão, e ele disse então, que Mr. Holdsworth já poderia estar em terra firme, mas eu
disse que mesmo que a prece não servisse a ele, com certeza serviria a alguém que estivesse no mar e
que precisaria do cuidado de Nosso Senhor. Tanto eu quanto Phillis pensamos que ele passaria meses no
mar.’ Phillis começou a falar, mas sua voz não saiu direito no começo. Estava um pouco mais aguda que o
normal, quando ela disse:
‘Pensamos que ele levaria um mês se fosse de navio, ou talvez mais. Suponho que ele tenha ido
num barco a vapor.’
‘O velho Obadiah Grimshaw demorou mais de seis semanas para chegar à América’, observou
prima Holman.
‘Presumo que ele não possa dizer ainda o que acha do novo trabalho’, disse o vigário.
‘Não! Ele acabou de chegar; não mandou mais que uma folha. Vou ler para vocês, posso?’
‘“Caro Paul, depois de uma viagem áspera estamos a salvo em terra firme. Pensei que gostaria de
saber que o barco a motor está mantendo a conexão com nosso país por meio de cartas. Vou escrever de
novo logo. Parece que faz um ano que deixei Hornby. E mais tempo ainda desde que estive na fazenda.
Mantive meu buquê a salvo. Dê lembranças minhas aos Holman. Seu amigo, E. H.”’
‘Não é muito, certamente’, disse o vigário. ‘Mas é reconfortante saber que ele está em terra
nessas noites cheias de ventanias’.
Phillis não disse nada. Ela manteve sua cabeça abaixada sobre seu trabalho, mas não creio que
desse um ponto sequer enquanto eu lia a carta. Perguntei-me se ela entendera o significado da palavra
buquê, mas não soube dizer. Na próxima vez que ela ergueu o rosto, havia dois pontos coloridos e
brilhantes nas bochechas que antes estavam tão pálidas. Depois de passar uma ou duas horas lá, fui
obrigado a voltar a Hornby. Disse a eles que não sabia quando poderia voltar, já que nós – eu me referia
à companhia – havíamos nos encarregado da linha ferroviária de Hensleydale; a seção que o pobre Mr.
Holdsworth estava supervisionando quando pegou a febre.
‘Mas você não vai ter folga no Natal?’, disse minha prima. ‘Certamente eles não serão pagãos a
ponto de fazê-lo trabalhar nesse dia, serão?’
‘Talvez o rapaz vá para casa’, disse o vigário, como que para mitigar a urgência de sua esposa.
Mas, apesar de tudo, creio que ele queria que eu viesse. Phillis fixou seus olhos em mim, com uma
expressão saudosa, difícil de resistir. Mas, de fato, eu não tinha intenção de resistir. Sob o comando de
meu novo patrão, eu não tinha esperança de ter uma folga longa o suficiente para visitar Birmingham e
visitar meus pais com algum conforto; e então, nada me daria mais prazer do que me encontrar em casa
com meus primos por um dia ou dois. Então, ficou decidido que deveríamos nos encontrar na capela de
Hornby no dia de Natal, e eu deveria acompanhá-los para casa depois do serviço religioso, e, se
possível, ficar até o dia seguinte.
Não foi possível que eu fosse à capela até bem tarde, no dia combinado, então peguei um lugar
próximo à porta em considerável vergonha, embora isso realmente não fosse culpa minha. Quando o
serviço terminou, fui aguardar a vinda de meus primos no pátio. Algumas pessoas de aparência digna que
pertenciam à congregação se agruparam bem próximos a mim, e trocaram os cumprimentos e felicitações
próprios do período do ano. Começou a nevar e, como isso ocasionou um pequeno atraso, eles caíram
numa conversação mais longa. Eu não estava prestando atenção ao que ouvia, até que pesquei o nome de
Phillis Holman. E, então, passei a prestar atenção. Que mal havia?
‘Nunca vi alguém mudar tanto!’
‘Perguntei à Mrs. Holman’, disse outro. ‘“Phillis está bem?”, e ela apenas disse que ela tinha
pegado um resfriado, o que a deixara pra baixo; ela não parece achar nada estranho.’
‘Eles deveriam cuidar melhor dela’, disse uma das senhoras mais velhas. ‘Phillis veio de uma
família que não vive muito. A irmã da mãe dela, Lydia Green, a própria tia dela, morreu de uma recaída
de um resfriado, justo quando estava perto da mocidade’.
A conversa de mau presságio parou com a chegada do vigário, sua esposa e sua filha, e a
consequente troca de cumprimentos natalinos. Eu fiquei chocado, senti meu coração pesado e ansioso, e
mal pude dar as respostas adequadas às gentis felicitações de meus parentes. Olhei para Phillis em
dúvida. Ela estava mais alta e mais rígida, e também mais magra, mas havia um sopro de cor em seu rosto
que me enganou por um momento e me fez achar que ela estava tão bem quanto sempre esteve. Só notei
sua palidez depois que voltamos para a fazenda e ela ficou quieta e em silêncio. Seus olhos cinzentos
pareciam vazios e tristes; seu aspecto estava mortalmente branco. Mas ela agia normalmente; pelo menos
da maneira que agiu da última vez em que estive lá, e parecia não estar doente. Eu estava inclinado a
pensar que minha prima estava certa em responder às perguntas dos fofoqueiros, ao dizer-lhes que Phillis
estava sofrendo das consequências de um resfriado, e nada mais. Eu dissera que ficaria até o próximo
dia; nevou bastante, mas não era tudo, eles disseram, embora o chão estivesse profundamente coberto de
branco. O vigário estava ansioso recolhendo o gado e preparando tudo para os próximos dias que,
provavelmente, seriam tão frios quanto àquele.
Os homens estavam cortando lenha, mandando trigo para o moinho antes que o caminho ficasse
bloqueado para que um cavalo e uma charrete passassem. Minha prima e Phillis haviam subido para o
quarto das maçãs, para protegerem-nas da neve. Estive fora durante boa parte da manhã, e voltei cerca de
uma hora antes do almoço. Para minha surpresa, pois eu sabia de que maneira ela devia estar ocupada,
encontrei Phillis sentada à cômoda, descansando a cabeça sobre as mãos e lendo, ou parecendo ler. Ela
não olhou para cima quando entrei, mas murmurou algo sobre sua mãe tê-la mandado para baixo, para
que ficasse longe do frio. Repentinamente notei que ela estivera chorando, mas achei que fosse por algum
motivo temperamental. Eu devia ter pensado melhor a respeito da gentil e serena Phillis do que imaginá-
la simplesmente irritadiça, pobre garota! Eu me agachei e comecei a me erguer enquanto alimentava o
fogo, que parecia ter sido negligenciado. Enquanto minha cabeça estava abaixada, ouvi um barulho, que
me fez parar e prestar atenção – um soluço, um inconfundível e irreprimível soluço. Precipitei-me.
‘Phillis!’, exclamei, indo até ela, com minha mão erguida para segurar a dela, em simpatia à sua
tristeza, seja lá qual fosse. Mas ela foi mais rápida e tirou sua mão de meu alcance, por medo de que eu a
detivesse; enquanto saía rapidamente da casa, ela disse:
‘Não, Paul! Não posso suportar isso!’, passou por mim, ainda soluçando, e saiu para o ar livre.
Fiquei parado e ponderando. O que poderia ter acontecido a Phillis? A mais perfeita harmonia
prevalecia em sua família e especialmente para com a boa e gentil Phillis, que era tão amada que se
descobrissem que seu dedo estava doendo, isso lançaria uma sombra em seus corações. Eu havia feito
algo para atormentá-la? Não! Ela estava chorando antes de eu entrar. Fui ver seu livro – um daqueles
livros ininteligíveis em italiano. Não pude compreender nada. Vi algumas notas escritas a lápis na
margem, com a letra de Edward Holdsworth.
Como poderia ser isso? Como isso poderia ser a causa de sua palidez, de seus olhos cansados, de
sua figura gasta, da força de seus soluços? Essa ideia veio a mim como um lampejo numa noite escura,
tornando as coisas tão claras, de maneira que não poderia esquecer mesmo quando a obscuridade
sombria retornasse. Eu estava de pé com o livro nas mãos quando ouvi os passos de prima Holman nas
escadas, e como não queria falar com ela naquele momento, segui o exemplo de Phillis, e corri para fora
de casa. A neve jazia no chão; eu podia seguir seus passos pelas marcas que deixaram; pude ver em que
ponto Rover se juntou a ela. Fui seguindo até chegar a uma grande pilha de lenha no pomar – ela havia
sido erguida atrás da parede das dependências da casa – e lembro-me agora que Phillis me contara, no
primeiro dia em que caminhamos juntos, que embaixo dessa pilha era seu porto seguro, seu santuário
quando era criança; como ela costumava trazer seus livros para estudar ali, ou seu trabalho, quando não
era requerida na casa; e nesse momento ela, obviamente, voltara a esse hábito de recolhimento da sua
infância, esquecida das pistas que me dera com as marcas de seus passos na neve recém-caída. A pilha
era bem alta, mas pelas intercessões da madeira pude vê-la, embora não percebesse como poderia chegar
a ela. Ela estava sentada numa tora com Rover sobre si. Sua bochecha estava encostada na cabeça de
Rover, e seu braço envolvia o pescoço dele, em parte para usá-lo como travesseiro, e em parte por um
instinto de se aquecer naquele dia incrivelmente frio. Ela gemia baixo, como um animal sentindo dor, ou
talvez mais como o choro do vento. Rover, muito lisonjeado pelas carícias dela e, talvez, também
sensibilizado em simpatia a ela, batia sua cauda pesada contra o chão, mas não movia mais nenhum pelo,
até que ouviu minha aproximação com suas orelhas ficando rapidamente de pé. Então, com um latido
curto e abrupto de desconfiança, ele saltou, como se fosse deixar sua dona. Ambos, ele e eu, ficamos
imóveis por um momento. Eu não estava certo se o que eu planejava fazer era sábio; e ainda assim eu não
suportava ver a doce serenidade da vida de minha querida prima perturbada por um sofrimento que eu
achava poder aplacar. Mas as orelhas de Rover eram mais afiadas do que eu era silencioso: ele me
ouviu, e fugiu das mãos restritivas de Phillis.
‘Oh, Rover, não me deixe também’, ela disse de maneira clara.
‘Phillis!’, disse eu, notando pela saída de Rover que ela devia estar sentada do outro lado da
pilha. Phillis, saia daí! Você já está resfriada; e não é saudável que você sente aí num dia como este. Você
sabe como vai deixar todos descontentes e ansiosos’.
Ela suspirou, mas obedeceu; abaixando-se um pouco, ela saiu e levantou, do lado oposto ao meu
no pomar solitário e desfolhado. Seu rosto parecia tão meigo e triste que senti como se devesse pedir
perdão por minha necessidade de usar palavras autoritárias.
‘Às vezes acho a casa tão pequena’, ela disse; ‘e eu costumava sentar debaixo da pilha de lenha
quando era criança. Foi muito gentil de sua parte, mas não havia necessidade de vir atrás de mim. Não
fico doente facilmente’.
‘Venha para o abrigo das vacas comigo, Phillis. Tenho algo a dizer a você; e não posso ficar na
friagem, mesmo que você possa’.
Pensei que ela fosse desatar a correr novamente, mas toda sua energia se fora. Ela me seguiu com
má vontade o suficiente para que eu notasse. O lugar para o qual a levei estava carregado com o cheiro
das vacas e estava um pouco mais quente do que lá fora. Coloquei-a lá dentro e fiquei na entrada,
pensando em como seria melhor começar. Por fim fui direto ao assunto.
‘Devo me certificar, por muitas razões, de que você não fique doente; se você adoecer, Mr.
Holdsworth ficará muito ansioso e miserável do lado de lá’, (com isso quis dizer no Canadá).
Ela me lançou um olhar penetrante e depois desviou os olhos num movimento levemente
impaciente. Se ela pudesse correr naquele momento, o teria feito, mas eu mantinha a saída em meu poder.
‘É tudo ou nada’, pensei, e continuei rápido, de qualquer forma.
‘Ele falou muito de você, logo antes de partir – aquela noite depois que esteve aqui, você sabe –
e que você lhe deu aquelas flores’. Ela cobriu o rosto com as mãos, mas estava ouvindo agora – ouvindo
com toda a atenção. ‘Ele nunca havia falado tanto sobre você, mas a súbita partida abriu seu coração, e
ele me disse como amava você e como esperava que ao seu retorno você se tornasse esposa dele.’
‘Não’, ela disse, quase tossindo a palavra, o que ela fez uma ou duas vezes antes de falar, mas sua
voz estava chocada. Agora ela colocou as mãos atrás das costas; ela havia se afastado bastante de mim,
quando sentiu minhas mãos nas dela. Ela deu um leve apertão e depois abaixou seus braços sobre a
divisão de madeira, abaixou sua cabeça sobre eles e chorou silenciosamente. Não entendi a princípio, e
temi ter entendido mal toda a situação, tendo apenas a perturbado mais. Fui até ela. ‘Oh, Phillis! Eu sinto
muito – pensei que você, talvez, fosse gostar de ouvir isso. Ele disse isso tão emocionado, como se
amasse tanto você, e, de alguma forma, pensei que isso fosse lhe agradar’.
Ela ergueu a cabeça e olhou para mim. Que olhar! Seus olhos brilhantes, como estavam pelas
lágrimas, mostravam uma felicidade quase divina; sua boca macia estava curvada em arrebatamento e sua
cor, vívida e corada. Mas como se temesse que seu rosto expressasse muito mais do que o agradecimento
que se preparava para dizer a mim, ela escondeu sua alegria quase que imediatamente. Então estava tudo
certo, minha conjectura fora bem feita! Tentei lembrar-me de algo mais que ele dissera para contar a ela,
mas novamente ela me impediu.
‘Não’, ela disse. Ainda mantinha o rosto coberto e escondido. Em menos de um minuto ela
acrescentou, numa voz muito baixa: ‘Por favor, Paul, acho que é melhor não ouvir mais nada além do que
já ouvi – estou muito agradecida – Só... Só acho que prefiro ouvir o resto dito por ele mesmo, quando
voltar.’
E, então, ela chorou um pouco mais, de um jeito diferente. Eu não disse mais nada, esperei por
ela. Aos poucos ela se virou para mim – sem encontrar meus olhos, entretanto; e colocando sua mão na
minha, como se fôssemos duas crianças, ela disse:
‘É melhor voltarmos agora – não parece que estive chorando, parece?’
‘Parece que você está muito resfriada’, foi toda a resposta que dei.
‘Oh! Mas eu estou muito bem; e uma boa corrida vai me aquecer. Venha, Paul.’
E, então, corremos, de mãos dadas, até que, justo quando estávamos na porta de casa, ela parou:
‘Paul, por favor, não vamos falar sobre isso novamente’.
PARTE IV

Quando fui até lá na Páscoa, ouvi os fofoqueiros da capela cumprimentando a prima Holman
sobre a aparência exuberante de sua filha, bem esquecidos de suas profecias sinistras de três meses atrás.
Olhei para Phillis, e não me surpreendi com as palavras deles. Eu não a via desde o dia depois do Natal.
Deixei a fazenda Hope logo depois de lhe contar as notícias que fizeram seu coração acelerar para uma
vida renovada e vigorosa. A lembrança da conversa no abrigo das vacas estava vívida em minha mente
enquanto eu olhava para ela, e observava como sua aparência saudável e luminosa era notável.
Seus olhos cruzaram com os meus, nossas recordações comuns reluziram inteligentemente de um
para o outro. Ela se virou, ficando mais vermelha enquanto fazia isso. Ela parecia estar com vergonha de
mim pela primeira vez nessas últimas horas desde que nos reencontramos, e me senti bastante irritado
com o fato de ela estar me evitando de forma tão consciente depois de minha longa ausência. Eu fugira
um pouco de meu comportamento normal ao lhe contar o que contara; não que eu tivesse recebido
qualquer pedido para manter segredo; ou que eu tivesse feito qualquer promessa a Mr. Holdsworth de
que não repetiria suas palavras. Mas tenho uma sensação ruim, às vezes, quando penso no que fiz no
calor da emoção, mas, na ocasião, ver Phillis tão doente e tão perturbada... não tive alternativa. Eu
pretendia contar a Mr. Holdsworth na próxima vez que escrevesse para ele, mas quando estava com
minha carta pela metade na minha frente, sentei com a pena na mão e hesitei. Eu tinha mais escrúpulos em
revelar o que eu descobrira ou adivinhara sobre os segredos de Phillis do que em repetir para ela o que
ele dissera. Não achava que eu tinha o direito de contar a ele o que eu acreditava – ou seja, que ela o
amava carinhosamente e que sentira tanto sua ausência que isso prejudicara sua saúde. E para explicar o
que eu fizera ao contar a ela o que ele falara naquela noite, seria necessário dizer minhas razões, então
decidi esquecer o assunto.
Como ela gostaria de ouvir todos os detalhes, os pormenores e declarações mais explícitas
diretamente dele, ele teria o prazer de extrair o doce e saboroso segredo dos lábios da donzela. Eu não
trairia minhas suposições, minhas suspeitas, todos os meus conhecimentos certeiros sobre o coração dela.
Eu recebera duas cartas dele depois que ele se estabelecera em seus negócios; elas estavam cheias de
vida e energia, mas em cada uma delas havia uma mensagem para a família da fazenda Hope, com mais
do que respeito comum; e uma leve, mas distinta, menção à própria Phillis, mostrando que ela
permanecia única e sozinha na memória dele.
Essas cartas eu enviei ao vigário, pois ele certamente se importava com elas, mesmo que
supostamente não estivesse familiarizado com a escrita delas, por causa da inteligência e das palavras
pitorescas que elas traziam; assim como eram um sopro de atmosfera estrangeira em sua vida
circunspecta. Eu costumava me perguntar qual seria o negócio ou trabalho no qual o vigário não
prosperaria, mentalmente falando, se acontecesse de ele ser chamado para esse tipo de situação. Ele teria
sido um engenheiro de capital, pelo que eu sei; ele sempre tivera um fascínio pelo mar, assim como
muitos homens que vivem em terra; para quem as grandes profundezas são um mistério e fascinação. Ele
lia livros sobre leis com prazer; e uma vez aconteceu de pegar emprestado a Constituição Britânica de
De Lolme[14] (ou algum título desse tipo), ele falou sobre jurisprudência até que isso estivesse entranhado
em mim. Mas voltando às cartas de Mr. Holdsworth: quando o vigário as mandou de volta, ele também
escreveu uma lista de questões sugeridas por suas leituras, que eu deveria enviar junto com minha
resposta a Mr. Holdsworth, até que pensei em sugerir que os dois se correspondessem diretamente. Esse
era o estado das coisas no que constava a esse amigo ausente quando fui à fazenda Hope para minha
visita de Páscoa e quando encontrei Phillis naquele estado de reserva envergonhada no que tangia a mim,
que já mencionei. Considerei-a ingrata, pois eu não tinha certeza se fora sábio ao lhe contar o que eu
contara. Cometera um erro, ou uma tolice, talvez, e tudo para o bem dela; e aqui estava ela, menos minha
amiga do que já fora. Esse pequeno estranhamento durou apenas algumas horas. Creio que assim que ela
notou que não houve repercussões, nem por palavras, olhares, ou alusões àquele que era predominante na
mente dela, ela voltou a suas maneiras fraternais para comigo. Havia muito a me contar sobre os
interesses de sua própria família; como Rover estivera doente, e como todos eles ficaram ansiosos, e
como, depois de uma pequena discussão entre seu pai e ela, ambos lamentaram igualmente pelos
sofrimentos do velho cão, e ele era sempre lembrado nas orações da casa, e como ele começou a
melhorar no dia seguinte. E então, ela me levaria para uma conversa sobre os verdadeiros fins da oração,
e providências especiais, e não sei mais o quê. Mas eu ‘empaquei’ como o velho cavalo da charrete
deles e me recusei a dar mais um passo nessa direção. Depois falamos sobre os diferentes tipos de
ninhadas de galinhas e ela me mostrou as galinhas que eram boas mães e me contou todas as
características das aves com o máximo de boa fé; e de toda boa fé escutei, pois acreditava haver uma boa
parte de verdade em tudo que ela dizia. Depois caminhamos para dentro da floresta atrás da casa e
Ashfield, e ambos procuramos por prímulas precoces, e por folhas verdes frescas e amassadas.
Ela não estava com medo de ficar sozinha comigo depois do primeiro dia. Eu nunca a vi tão
amorosa, ou tão feliz. Acho que ela mal sabia por que estava tão feliz todo o tempo. Posso vê-la agora,
parada sob os galhos florescentes das árvores cinzentas, sobre os quais um tom de verde, que parecia
escurecer dia após dia, surgia. Sua touca de verão caía atrás de seu pescoço, suas mãos cheias de flores
da floresta, inconsciente do meu olhar, pois pretendia zombar docemente de algum pássaro em algum
galho ou árvore vizinha. Ela tinha a arte de gorjear, e responder às notas de diferentes pássaros, e saber
suas canções com mais precisão do que qualquer pessoa que já conheci. Ela frequentemente fizera isso a
meu pedido na primavera anterior, mas esse ano ela realmente gorgolejou, assobiou e gorjeou igual a
eles, com a mais profunda alegria de seu coração.
Mais do que nunca ela era a menina dos olhos de seu pai; sua mãe lhe dera tanto a sua parte de
amor, quanto a parte da criança que morrera na infância. Ouvi a prima Holman murmurar, após um longo
olhar sonhador direcionado a Phillis, e dizer a si mesma como ela crescia parecida com Johnnie, e se
tranquilizava com sons inarticulados, queixosos e muitas sacudidelas de cabeça gentis, pelo doloroso
senso de perda que ela nunca superaria neste mundo.
As velhas serventes do lugar tinham uma ligação leal e tola à criança daquela terra, comum à
maioria dos trabalhadores de agricultura; não muitas vezes agitados com atividades e expressões. Minha
prima Phillis era como uma rosa que floresceu totalmente no lado ensolarado de uma casa solitária,
protegida contra tempestades. Li em algum livro de poesia:
“Uma donzela que não tinha ninguém para elogiar, e poucos para amar.”
E, de alguma maneira, essa frase sempre me faz lembrar de Phillis, embora elas não fossem
verdadeiras a respeito dela também. Nunca a ouvi elogiando alguém; e fora da casa dela havia poucos
para amá-la; mas mesmo que ninguém falasse sobre sua aprovação, ela sempre fazia o certo de acordo
com a visão de seus pais, com sua natural e simples bondade e sabedoria. O nome de Mr. Holdsworth
nunca era mencionado entre nós quando estávamos sozinhos, mas eu enviei as cartas dele para o vigário,
como já disse; e mais de uma vez ele começara a falar de nosso amigo ausente quando estava fumando
seu cachimbo depois que o dia de trabalho havia terminado. Então Phillis levantava um pouco sua cabeça
de sobre seu trabalho e prestava atenção em silêncio.
‘Eu sinto mais falta dele do que pensei que sentiria; sem ofensa a você, Paul. Uma vez eu disse
que a companhia dele era como se embebedar; isso foi antes de eu conhecê-lo; e talvez eu tenha falado
num espírito julgador. Para as mentes de alguns homens, tudo se apresenta firmemente, e eles falam de
acordo com isso; ele é assim. E pensei em minha vaidade de censura que as palavras dele não eram
verdadeiras e sóbrias; elas não seriam verdadeiras se eu as dissesse, mas o são para um homem da classe
de percepções dele. Pensei na maneira com que estive me encontrando com ele quando Irmão Robinson
esteve aqui na última quinta-feira, e me disse quão pouca estima eu fazia dos que tinham gostos
georgianos, de vaidades fofoqueiras e paganismos profanos. Ele foi longe a ponto de dizer que ao
aprender novas línguas, além da nossa, estamos indo contra o propósito de Nosso Senhor quando Ele
disse, ao criar a Torre de Babel, que Ele confundiria as línguas deles porque assim não entenderiam as
conversas uns dos outros. Assim como Irmão Robinson agiu comigo, eu agi contra a sagacidade ágil, o
senso brilhante e as palavras prontas de Holdsworth.’
A primeira pequena nuvem que surgiu sobre minha paz, veio na forma de uma carta do Canadá, na
qual havia duas ou três frases que me perturbaram mais do que deveriam, a julgar pelas palavras usadas.
Era assim: - ‘Eu deveria me sentir abominável o suficiente nesse lugar ‘fora de lugar’ se não fosse uma
amizade que iniciei com um canadense francês de nome Ventadour. Ele e sua família são um ótimo
recurso para mim nas longas tardes. Nunca ouvi vozes tão doces e musicais quanto às vozes desses
meninos e meninas Ventadour em suas canções partilhadas; e o elemento estrangeiro mantido em suas
personalidades e maneiras de viver me lembra de alguns dos dias mais felizes da minha vida. Lucille, a
segunda filha, é curiosamente parecida com Phillis Holman’. Em vão disse a mim mesmo que
provavelmente essa familiaridade fez com que ele sentisse prazer em socializar com a família Ventadour.
Em vão disse a minha ansiedade que nada poderia ser mais natural que essa intimidade, e que não havia
sinal de que isso levaria a nenhuma consequência que poderia me perturbar. Tive um pressentimento e
estava perturbado; e a razão não podia afastar isso. Atrevo-me a dizer que meu pressentimento ficou mais
persistente e perspicaz pelas dúvidas que se formaram em minha mente, se eu fizera bem em repetir as
palavras de Mr. Holdsworth para Phillis. O estado dela de felicidade vívida neste verão era
notavelmente diferente da serenidade pacífica de dias anteriores. Se em minha consideração ao notar
isso, eu capturasse seu olhar, ela ruborizaria e ficaria toda cintilante, imaginando que eu estava
relembrando nosso segredo compartilhado. Os olhos dela se desviavam antes dos meus, como se ela mal
pudesse suportar que eu visse as revelações de seus olhos brilhantes. E ainda assim, considerei
novamente o assunto, e confortei a mim mesmo com a reflexão disso, se essa mudança fosse nada mais
que minha boba imaginação, seu pai ou sua mãe teriam percebido isso. Mas eles continuaram
tranquilamente inconscientes e com sua paz imperturbada.
Uma mudança em minha própria vida se aproximava rapidamente. Em julho daquele ano minha
ocupação na ferrovia, e em seus ramos, chegou a um fim. As linhas estavam concluídas e eu deveria
deixar o condado para retornar a Birmingham, onde havia um nicho já providenciado para mim no
próspero negócio de meu pai. Mas antes que eu deixasse o Norte, era algo subentendido entre nós que eu
deveria prestar uma visita de algumas semanas na fazenda Hope. Meu pai estava muito satisfeito com
esse plano; e a querida família de primos com frequência falava de coisas a serem feitas e vistas que
deveriam ser mostradas a mim durante essa visita. Meu desejo de sabedoria em ter contado ‘aquela
coisa’ (sob palavras tão ambíguas eu ocultava a confissão pouco judiciosa que eu fizera a Phillis) era a
única desvantagem em minha antecipação de satisfação.
Os meios de vida eram muito simples na fazenda Hope para que minha vinda causasse a eles a
menor perturbação. Eu conhecia meu quarto, como um filho da casa. Eu conhecia o curso regular dos dias
e sabia que deveria me encaixar como alguém da família. A profunda paz do verão caiu sobre o lugar; o
ar morno e dourado foi preenchido com o murmurar dos insetos tão próximos, o som das vozes distantes
nos campos e o som claro do barulho das charretes sobre os caminhos pavimentados com pedras a milhas
de distância. O calor era muito grande para que os pássaros ficassem cantando; apenas de vez em quando
alguém podia ouvir os pombos-torcaz nas árvores atrás de Ashfield.
O gado estava afundado até os joelhos no charco, balançando suas caudas para manter as moscas
afastadas. O vigário estava no campo de feno, sem um chapéu ou lenço, agasalho ou capa, pintando e
sorrindo. Phillis estava liderando o grupo de criados da fazenda, virando as faixas do feno aromático
com movimentos calculados. Ela foi até o final – até o canto, e então, jogou seu ancinho para longe, e
veio a mim com sua acolhida fraternal e de boa vontade. ‘Vá, Paul!’, disse o vigário. ‘Precisamos de
todas as mãos em uso hoje enquanto tivermos luz do dia. Qualquer mão sua encontrará o que fazer, faça
isso com todas as suas forças. Será uma mudança de trabalho saudável para você, rapaz; e encontre o
melhor descanso ao mudar de trabalho.’ Então eu fui, um trabalhador bem disposto, seguindo a liderança
de Phillis; era uma mudança de função primitiva; o garoto que temia que os pardais arrancassem as frutas,
era o último em nossa fila.
Não fomos embora até que o sol vermelho tivesse se escondido atrás dos abetos que margeavam
o terreno. Então fomos para casa, jantar – orar – e dormir. Alguns pássaros cantaram pela noite adentro,
pois ouvi pela minha janela, e as aves começaram a sua algazarra e cacarejo bem cedo pela manhã. Eu
trouxe a bagagem que precisaria imediatamente em meus aposentos e o resto deveria ser enviado por um
mensageiro. Ele a trouxe para a fazenda de manhã bem cedo, e junto com a bagagem trouxe uma carta ou
duas que chegaram desde minha partida. Eu estava falando com prima Holman – sobre a maneira que
minha mãe fazia pão, pelo que me lembro; prima Holman estava me questionando e a conversa foi longe
– no vestíbulo, quando um dos homens trouxe as cartas, e tive que pagar o carregador pelo trabalho dele
antes de prestar atenção nelas. Uma conta – uma carta do Canadá! Que instinto me deixou agradecido por
estar sozinho com minha distraída prima? O que me fez guardá-las apressadamente no bolso do casaco?
Não sei. Senti-me estranho e doente e creio que fiz perguntas irrelevantes. Depois fui para meu quarto,
aparentemente para guardar minhas caixas. Sentei na beira da cama e abri minha carta vinda de Edward
Holdsworth. A mim parecia como se eu já tivesse lido o conteúdo bem antes, e soubesse exatamente o
que ele diria. Eu sabia que ele iria se casar com; não, que ele estava casado, pois já estávamos em 5 de
julho, e ele escrevera que iria se casar no dia 29 de junho. Eu já conhecia todos os motivos que ele dera,
todo o encanto em que ele se encontrava. Eu segurei a carta em minhas mãos frouxamente, e olhei para o
nada, mas podia ver um ninho de tendilhões no tronco coberto de líquen de uma velha macieira que fica
do lado oposto à minha janela, e vi a mãe deles voltar voando para alimentar sua cria – e de alguma
forma, não vi isso, embora, apesar de tudo, parecesse a mim que eu poderia desenhar cada fibra, cada
pena. Fui forçado a me levantar pelo som alegre de vozes e o barulho dos pés rústicos voltando para casa
para a refeição do meio-dia. Eu sabia que devia descer para almoçar; sabia também, que eu devia contar
a Phillis, pois em sua felicidade egoísta, sua modernidade idiota, Mr. Holdsworth havia incluído uma
observação, dizendo que mandaria cartões do casamento para mim e alguns para os conhecidos em
Hornby e Eltham, e ‘para seus gentis amigos da fazenda Hope’. Phillis havia caído na categoria dos
‘gentis amigos’.
Não sei como passei pelo almoço nesse dia. Lembro-me de que me forcei a comer e a conversar,
mas também me lembro do olhar questionador do vigário. Ele não era de pensar mal sem um motivo, mas
muitos me tomariam por um bêbado. Assim que pude, deixei a mesa dizendo que iria fazer uma
caminhada. A princípio tentei afastar os pensamentos caminhando rápido, pois me perdi nos altos charcos
bem depois do terreno familiar coberto de carqueja, até que o cansaço me obrigou a diminuir o passo.
Continuei desejando – Oh! Como desejei com fervor que eu nunca tivesse cometido aquela tolice; que
aquela pequena indiscrição de meia hora pudesse ser apagada. E, alternando com esse desejo, estava a
raiva contra Mr. Holdsworth; injusta o bastante, me atrevo dizer. Suponho que fiquei naquele lugar
solitário por uma boa hora ou mais, e depois me voltei para o caminho de casa, resolvido a contar a
Phillis na primeira oportunidade que tivesse, mas me encolhendo perante o cumprimento de minha
resolução, tanto que quando entrei na casa e vi Phillis (portas e janelas completamente abertas pelo clima
abafado) sozinha na cozinha, fiquei doente de apreensão. Ela estava ao lado da cômoda, cortando um
bom pedaço de pão caseiro em fatias para os trabalhadores famintos que poderiam chegar a qualquer
minuto, pois as nuvens trovejantes estavam pairando no céu. Ela olhou em volta ao ouvir meus passos.
‘Você deveria estar no campo, ajudando com o feno’, disse ela, sua voz calma e agradável. Eu a
ouvi, suavemente cantando algum hino, e pude notar que a paz disso parecia estar se aquietando sobre ela
agora.
‘Talvez eu devesse. Parece que vai chover’.
‘Sim. Ouço barulho de trovões. Mamãe teve que ir para o quarto com uma de suas piores dores de
cabeça. Agora você entrou…’
‘Phillis’, disse eu, me apressando em direção ao assunto e interrompendo-a. ‘Fiz uma grande
caminhada para refletir sobre uma carta que recebi esta manhã – uma carta que veio do Canadá. Você não
sabe como isso me entristeceu’.
Eu a entreguei enquanto falava. A cor dela mudou um pouco, mas era mais um reflexo do meu
rosto, eu acho, do que pelo fato de ela ter formado uma ideia definitiva a partir de minhas palavras.
Mesmo assim, ela não pegou a carta. Tive que obrigá-la a ler, antes que ela pudesse entender o que eu
queria. Ela sentou muito subitamente quando segurou a carta; e, abrindo-a sobre a penteadeira à sua
frente, descansou a cabeça na palma das mãos, seus braços servindo de suporte na mesa, sua figura um
pouco prevenida e seu semblante consequentemente sombreado. Olhei pela janela aberta, meu coração
estava muito pesado.
Quão pacífico isso tudo parecera no jardim da fazenda! Paz e fartura. Quão parado e profundo era
o silêncio da casa! Tique-taque fazia o relógio que não podíamos ver nas escadas. Ouvi o ruído uma vez,
quando ela virou a página de papel fino. Ela deve ter lido até o final. Embora não tenha se mexido, ou
dito uma palavra, ou mesmo suspirado. Continuei olhando para fora da janela, minhas mãos nos bolsos.
Imagino quanto tempo realmente se passou. Pareceu ser interminável – insustentável. Por fim, olhei para
ela. Ela deve ter sentido meu olhar, pois mudou sua atitude com um movimento rápido e afiado, e
capturou meus olhos.
‘Não pareça tão sentido, Paul’, ela disse. ‘Não, por favor. Não posso suportar. Não há nada para
lamentar. Pelo menos, acho que não. Você não fez nada de errado, de maneira alguma’.
Senti que soltara um gemido, mas acho que ela não me ouviu. ‘E ele... não há nada de errado com
o casamento dele, há? Tenho certeza de que espero que ele seja feliz. Oh! Como espero isso!’
Essas últimas palavras foram como um gemido, mas acredito que ela tinha medo de desabar, pois
mudou de assunto e se apressou.
‘Lucille – essa é nossa Lucy inglesa, suponho? Lucille Holdsworth! É um nome bonito; e espero –
esqueci o que ia dizer. Oh! Era isso. Paul, acho que não precisamos falar disso nunca mais; apenas
lembre-se que você não deve lamentar. Você não fez nada de errado; você foi muito, muito gentil; e se eu
o vir parecendo triste não sei o que poderei fazer – posso desabar, você sabe’.
Acho que ela estava a ponto de fazer isso naquele momento, mas a tempestade sombria caiu e
parecia que uma nuvem de trovão quebrou bem em cima da casa. Sua mãe acordou e chamou por ela. Os
homens e mulheres do campo de feno vieram correndo em busca de abrigo, totalmente encharcados. O
vigário seguira, sorrindo, e não de forma desagradavelmente entusiasmada, para a guerra de elementos da
natureza, pois, em decorrência do trabalho duro naquele longo dia de verão, a maior parte da palha
estava a salvo no celeiro no campo.
Uma ou duas vezes na agitação que sucedeu, passei por Phillis, sempre ocupada, e, como pareceu
a mim, sempre fazendo a coisa certa. Quando eu estava sozinho em meu quarto à noite, me permiti sentir
alívio; e acreditar que o pior havia passado e que não correra tudo tão mal. Mas os dias subsequentes
foram muito miseráveis. Algumas vezes eu achava que devia ser minha imaginação que estava falsamente
apresentando Phillis estranhamente mudada, pois certamente, se essa minha ideia tivesse fundamento,
seus pais – seu pai e sua mãe – seu próprio sangue – seriam os primeiros a perceber. Entretanto, eles
continuaram com sua paz e contentamento caseiro; se tanto, um pouco mais sorridentes do que o usual,
pois a ‘colheita das primeiras frutas’, como o vigário chamou, foi mais generosa do que o normal e havia
mais do que o suficiente para que os trabalhadores humildes dividissem.
Depois da tempestade, vieram um ou dois dias serenos de verão, durante os quais o feno foi todo
carregado; que depois foram sucedidos por longas chuvas brandas que preencheram as espigas de milho
e fizeram com que a grama fosse aparada para o frescor da primavera. O vigário se permitiu mais
algumas horas para relaxar e usufruir dos confortos da casa durante esse período de chuvas: a terra
congelada e de difícil manuseio proporcionou seu feriado de inverno; e esses dias chuvosos, depois da
colheita do feno, seu feriado de verão. Sentamos com as janelas abertas, a fragrância e o frescor se
libertando e preenchendo a sala, graças à chuva que caía tranquilamente, enquanto que a incessante
conversa silenciosa entre as folhas lá fora tinha o mesmo efeito tranquilizador, assim como todos os
outros sons gentis e eternos, como as rodas de um moinho e o borbulhar das fontes têm sobre os nervos
das pessoas felizes.
Mas dois de nós não estavam felizes. Eu tinha certeza o suficiente que eu era um deles. Eu tinha
mais do que certeza – eu estava miseravelmente infeliz por Phillis. Desde aquele dia da tempestade, para
mim havia um novo tom afiado e discordante na voz dela quando falava, um tipo de ressoar em seu tom; e
seus olhos cansados não tinham tranquilidade; e sua cor ia e voltava sem motivo que eu pudesse
encontrar. O vigário, feliz em sua ignorância, que mais concernia a ele, trouxe seus livros; seus volumes
de aprendizado e os clássicos. Se ele lia, falava comigo ou Phillis, eu não sei, mas sentindo
instintivamente que ela não estava, não poderia estar, prestando atenção aos detalhes pacíficos, tão
estranhos e estrangeiros à turbulência em seu coração, me forcei a escutar, e, se possível, entender.
‘Olhe lá!’, disse o vigário, batendo no velho livro com o laço de veludo que ele segurava. ‘Na
primeira agricultura ele fala de rotação e irrigação, um pouco mais adiante, ele insiste na escolha da
melhor semente, e nos adverte a manter o dreno limpo. Novamente, nenhum fazendeiro escocês poderia
dar avisos sábios, além de cortar campos claros enquanto o orvalho está sobre ele, mesmo que isso
envolva trabalho noturno. Isso tudo é uma verdade viva nos dias de hoje’.
Ele começou a contar o tempo para algumas linhas de latim que ele lera em voz alta naquele
momento com uma régua sobre os joelhos. Suponho que o canto irritou Phillis com alguma energia
irregular, pois me lembro do nó rápido e da quebra na linha que ela estava costurando. Nunca vi aquele
exclamar se repetir até hoje, sem suspeitar que algum problema alfinetava ou apunhalava o coração de
um trabalhador. Prima Holman, pacificamente envolvida em seu tricô, notou o motivo pelo qual Phillis
constantemente interrompia o progresso de sua costura.
‘Temo que seja um canto ruim’, ela disse numa voz gentil e simpática. Mas isso foi demais para
Phillis.
‘A canção é ruim – tudo é ruim – estou tão cansada disso tudo!’
E ela baixou seu trabalho e rapidamente deixou a sala. Não suponho que em toda a sua vida
Phillis tenha alguma vez se mostrado tão temperamental antes. Em muitas famílias, o tom, as maneiras,
não teriam sido notadas, mas aqui isso caíra como uma surpresa afiada sobre a doce e calma atmosfera
do lar. O vigário baixou a régua e o livro e empurrou os óculos na direção de sua cabeça. A mãe parecia
perturbada por um momento, depois relaxou sua expressão e disse num tom explanatório: ‘É o tempo, eu
acho. Algumas pessoas sentem isso diferente de outras. Sempre traz dor de cabeça para mim.’
Ela levantou para seguir sua filha, mas a meio caminho da porta pensou melhor sobre isso e
voltou para seu lugar. Boa mãe! Ela esperava o melhor para conciliar o espírito de temperamento
insólito, ao fingir que não notara isso. ‘Continue, vigário’, ela disse, ‘é muito interessante o que você
estava lendo, e quando eu não entendo bem, pelo menos gosto do som da sua voz.’ Então, ele continuou,
mas de forma lânguida e irregular, e não contava mais o tempo com a régua em nenhuma linha de latim.
Quando o crepúsculo caiu, mais cedo naquela noite de julho por causa do céu nublado, Phillis voltou
suavemente, agindo como se nada tivesse acontecido. Ela pegou seu trabalho, mas estava muito escuro
para fazer muitos pontos, então logo ela o deixou de lado. Depois vi como a mão dela foi furtivamente
para a de sua mãe, e como a última acariciava esta com um carinho pequeno e silencioso, enquanto o
ministro, tão consciente quanto eu desta carinhosa pantomima, continuou falando num tom de voz mais
feliz sobre coisas que não interessavam a ele no momento, eu creio, assim como a mim; e isso queria
dizer muito, e mostrava quanto o que estava se passando na frente dele era importante, mesmo para um
fazendeiro que seguia os costumes de agricultura dos anciãos.
Lembro-me de mais uma coisa: um ataque que Betty, a empregada, fez contra mim um dia quando
eu entrava na cozinha onde ela estava batendo a manteiga, e parei para pedir a ela um copo de leite
desnatado.
‘Eu digo, primo Paul’, (ela adotou o hábito da família de se referir a mim, em geral, como primo
Paul, e sempre falava de mim dessa forma), ‘há algo de errado com nossa Phillis, e percebo que você
sabe o que se passa. Ela não é do tipo que absorve as coisas como você’ (não era um elogio, mas isso
não era o tipo de coisa que Betty fazia, mesmo com aqueles por quem ela sentia um grande respeito),
‘mas como o charmoso Mr. Holdsworth nunca mais veio perto de nós. Aí você tem um pouco do que se
passa em minha mente’. E uma parcela bem insatisfatória. Eu não sabia o que responder ao vislumbre do
estado real do caso implicado no arguto discurso da mulher. Então, tentei despistá-la fingindo estar
surpreso com a primeira afirmação dela.
‘Algo estranho com Phillis! Eu gostaria de saber por que você acha que algo está errado com ela.
Ela parece tão florescente quanto alguém poderia ser’.
‘Pobre rapaz! Você não passa de uma criança grande apesar de tudo; e você provavelmente nunca
ouviu falar de uma febre de rubor. Mas você sabe mais do que isso, meu caro amigo! Então, não pense
que pode me enganar com essa conversa de florescer e flores. O que faz com que ela ande por horas e
horas durante as noites, quando ela costumava estar na cama dormindo? Eu durmo no quarto ao lado do
dela, e ouço ela o mais claramente possível. O que faz com que ela chegue ofegante e pronta para cair
naquela cadeira’ – apontando para uma cadeira próxima à porta – ‘e diga “Oh! Betty, um pouco de água,
por favor?” É assim que ela chega agora, quando costumava vir tão fresca e brilhante quanto quando saía.
Se aquele seu amigo brincou com ela, ele merece uma resposta. Ela é uma moça tão doce e barulhenta
quanto uma noz, é a própria menina dos olhos de seu pai, e de sua mãe também, só que com ela, a jovem
fica em segundo, logo depois do vigário. Você vai ter que ir atrás desse seu amigo, pois eu, pois alguém,
deve proteger a nossa Phillis’. O que eu deveria fazer ou dizer? Eu queria justificar Mr. Holdsworth para
manter o segredo de Phillis, e para pacificar a mulher ao mesmo tempo. Temo não ter escolhido o melhor
curso.
‘Não acredito que Mr. Holdsworth tenha falado uma palavra sequer sobre – sobre amor com ela
em toda a sua vida. Tenho certeza de que não disse’.
‘Sim. Sim! Mas existem olhos, existem mãos, assim como línguas. E o homem tem dois de alguns,
e apenas um de outros.’
‘E ela é tão jovem. Você não acha que seus pais teriam notado isso?’
‘Bem! Se você me pergunta isso, vou dizer alto e corajosamente: “Não”. Eles a chamaram de “a
criança” por tanto tempo – “a criança”, sempre a chamam assim quando falam sobre ela entre si, como se
nunca alguém tivesse tido um carneirinho antes deles – ela cresceu para se tornar uma mulher debaixo
dos olhos deles, e eles olham para ela parados como se ela estivesse usando roupas grandes. E você
nunca ouviu falar de um homem se apaixonando por um bebê com roupas grandes!’
‘Não!’, eu disse, rindo um pouco. Mas ela continuou tão grave quanto um juiz.
‘Sim! Você vê? Você ri com o mero pensamento disso – e eu creio que o vigário, embora não seja
um homem risonho, teria sorrido com a ideia de alguém se apaixonar pela criança. Para onde Mr.
Holdsworth foi?’
‘Canadá’, eu disse, rapidamente.
‘Canadá para cá, Canadá para lá’, ela replicou impaciente. ‘Diga-me quão longe ele está, em vez
dessa tagarelice. Ele está a dois dias de viagem? Ou a três? Ou a uma semana?’
‘Ele está tão longe – três semanas, no mínimo’, disse eu, em desespero. ‘E ele também está
casado, ou está para casar. Aí está’. Eu esperava uma nova explosão de raiva. Mas não; o assunto era
muito sério. Betty sentou, e ficou em silêncio por um ou dois minutos. Ela parecia tão miserável e
abatida, que não pude me segurar, e lhe confidenciei um pouco mais.
‘É bem verdade o que eu disse. Eu sei que ele nunca disse uma palavra para ela. Creio que ele
gostasse dela, mas está tudo acabado agora. O melhor que podemos fazer – o melhor e mais gentil para
com ela – e eu sei que você a ama, Betty...’
‘Eu cuidei dela em meus braços. Eu dei ao irmão dela sua última refeição terrena’, disse Betty,
levando seu avental aos olhos.
‘Bom! Não deixe transparecer a ela que sabemos que ela está sofrendo. Ela vai superar isso logo.
Seu pai e sua mãe nem imaginam e temos que fingir que também não. Agora é muito tarde para fazer
qualquer outra coisa’.
‘Nunca passei por isso. Não sei nada. Nunca conheci o “verdadeiro amor” em meu tempo. Mas
gostaria que ele tivesse partido antes de se aproximar desta casa, com seus “Por favor, Betty” isso, e
“Por favor, Betty” aquilo, e de ter bebido nosso leite fresco como se fosse um gato. Eu odeio essas
maneiras cativantes’.
Achei que seria bom deixá-la se cansar de falar mal do ausente Mr. Holdsworth. Se tinha algo de
traiçoeiro e maltrapilho em mim, vim direto para minha punição.
‘Devemos ter precaução com um homem quando ele é muito cativante. Alguns homens fazem isso
tão fácil e inocentemente quanto os pombos arrulham. Não seja um deles, meu rapaz. Não que você não
tenha qualidades para fazer isso, também; você não é uma grande coisa para se olhar, nem uma grande
figura, nem de rosto, e seria necessário ser uma víbora surda para se deixar levar pelas suas palavras,
embora, provavelmente, elas não causem mal algum.’ Um rapaz de dezenove ou vinte anos não seria
bajulado com uma opinião tão sincera, mesmo que tenha vindo de uma mulher mais velha e mais feia; eu
estava apenas muito grato por mudarmos de assunto, de minhas repetitivas injunções para manter o
segredo de Phillis. O fim de nossa conversa foi esse discurso dela:
‘Seu grande tolo, por tudo que você se diz, primo do vigário, – muitos são amaldiçoados com
tolos por primos – ‘cê acha que não posso enxergar a razão a menos que seja por seus óculos? Vou deixar
você cortar minha língua e pregá-la sobre a porta do celeiro como precaução às charnecas, se acha que
vou deixar aquela pobre menina, à própria sorte, ou à mercê de qualquer um de seus parentes, como diz a
Bíblia. Agora que você me ouviu falar a língua das escrituras, talvez fique contente, e me deixe em paz na
minha cozinha’.
Durante todos esses dias, de 5 a 17 de julho, eu devo ter esquecido o que Mr. Holdsworth dissera
sobre cartões. E, ao mesmo tempo, acho que não poderia ter esquecido, mas, uma vez que eu contara a
Phillis sobre seu casamento, eu devo ter pensado que consequentemente os cartões não teriam
importância. De qualquer forma eles chegaram a mim como uma surpresa.
A reforma do sistema de postagem ao custo de um penny, como as pessoas chamavam, entrara em
operação pouco tempo antes, mas o fluxo sem fim de notas e cartas que parecia voar para dentro da
maioria das casas, ainda não tinha iniciado seu curso. Pelo menos naquelas partes remotas. Havia um
correio em Hornby, e um velho companheiro que armazenava algumas cartas em qualquer bolso ou em
todos eles, conforme lhe aprouvesse, era o carteiro de Heathbridge e da vizinhança. Muitas vezes
encontrei-o nas terras dos arredores, e perguntei por cartas. Algumas vezes o acompanhei, sentando no
banco da sebe; e ele me pedia para ler um endereço para ele. Muito ilegível para que seus olhos com
óculos pudessem decifrar. Quando eu costumava perguntar se ele tinha algo para mim, ou para Mr.
Holdsworth (ele não se importava com quem receberia as cartas, contanto que se livrasse delas de
alguma maneira, e pudesse ir para casa), ele dizia que achava que tinha, esse era o tipo de resposta
invariavelmente segura que ele dava; e iria se atrapalhar verificando os bolsos do peito da camisa, os
bolsos do casaco, os bolsos das calças, e, como último recurso, o bolso da sobrecasaca, e, por fim,
tentaria me confortar, se eu parecesse desapontado, dizendo: ‘Hoo, dessa vez não tem, mas com certeza
vão escrever amanhã’. ‘Hoo’, representando uma amada imaginária.
Algumas vezes vi o vigário trazer para casa alguma carta que ele encontrara esperando por ele na
pequena loja que era o correio de Heathbridge, ou no grande estabelecimento em Hornby. Uma ou duas
vezes, Josiah, o carteiro, lembrara que o velho entregador lhe confiara uma epístola para o ‘Mestre’,
como eles o conheciam nos campos. Creio que foi cerca de dez dias depois de minha chegada à fazenda,
e minha conversa com Phillis quando ela estava cortando o pão e a manteiga na cômoda da cozinha, o dia
no qual o vigário repentinamente falou à mesa do almoço e disse:
‘De mais a mais, tenho uma carta em meu bolso. Dê-me meu casaco aqui, Phillis.’
O tempo ainda está abafado e, para se refrescar e relaxar, o vigário estava sentado em mangas de
camisa. ‘Fui a Heathbridge para tratar do papel que eles me mandaram, dos despojos de todas as penas, e
fui ao correio; descobri que havia uma carta para mim, não estava paga, e eles não quiseram confiá-la ao
velho Zekiel. Sim! Aqui está! Agora devemos ter notícias de Mr. Holdsworth – pensei em esperar até que
todos estivessem juntos.’ Meu coração pareceu parar de bater, minha cabeça ficou pendurada sobre meu
prato, e eu não me atrevia a erguê-la. O que viria disso agora? O que Phillis estava fazendo? Como ela
estava? Um momento de suspense e, então, ele falou novamente: ‘O quê? O que é isso? Aqui estão dois
cartões de visita com o nome dele, nenhuma carta. Não! O nome dele não está nos dois. Mrs.
Holdsworth! O jovem rapaz partiu e se casou’.
Ergui minha cabeça ao ouvir essas palavras. Não pude evitar olhar para Phillis por um instante. A
mim parecia que ela estivera observando meu rosto e minhas maneiras. Seu rosto chegava a brilhar de
rubor; seus olhos estavam secos e brilhantes, mas ela não falou. Seus lábios estavam colados como se ela
estivesse mantendo-os apertados para evitar que alguma palavra ou som saísse. O rosto da prima Holman
expressava surpresa e interesse.
‘Bem!’, disse ela, ‘quem pensaria nisso! Ele fez um trabalho rápido entre cortejar e casar.
Certamente lhe desejo felicidades. Deixe-me ver’ – contando nos dedos – ‘outubro, novembro, dezembro,
janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho – pelo menos já estamos no dia 28 – isso dá cerca de
dez meses apesar de tudo, e isso considerando esse mês...’
‘Você já sabia dessas novidades?’, perguntou o vigário, virando-se de forma aguçada para mim;
surpreso, eu creio, pelo meu silêncio – mas dificilmente com alguma suspeita.
‘Eu sabia – ouvi algo – sobre isso. Foi com uma jovem francesa-canadense’, eu continuei, me
forçando a falar. ‘Seu nome é Ventadour.’
‘Lucille Ventadour!’, disse Phillis, numa voz afiada, fora de tom.
‘Então você também sabia!’, exclamou o vigário. Nós dois falamos ao mesmo tempo. Eu disse:
‘Ouvi falar nessa possiblidade – e comentei com Phillis.’ Ela disse: ‘Ele está casado com Lucille
Ventadour, de descendência francesa, filha de uma grande família que mora próxima a St. Maurice. Não
estou certa?’, assenti. ‘Paul me contou – isso é tudo que sabemos, não é? Você viu os Howsons, pai, em
Heathbridge?’, e ela se forçou a falar mais do que falou em muitos dias, fazendo muitas perguntas,
tentando, como pude ver, manter a conversa fora do assunto que lhe causava agonia.
Eu tinha menos controle de mim mesmo, mas segui a liderança dela. Eu não estava muito
absorvido na conversa, mas pude ver que o vigário estava intrigado e desconfortável, embora ele
estivesse endossando os esforços de Phillis para evitar que a mãe dela retornasse às novidades mais
interessantes, e continuamente pronunciava exclamações de surpresa e espanto. Mas tirando essa única
exceção, todos estávamos perturbados, fora de nossa serenidade natural, mais ou menos. Todos os dias,
todas as horas, eu estava me arrependendo mais de meu desajeitado ofício. Se ao menos eu tivesse
segurado a minha língua tola naquela meia hora; se ao menos eu não estivesse com tanta pressa em fazer
algo para aliviar a dor! Eu poderia bater minha cabeça estúpida contra a parede em remorso. Mas tudo
que eu podia fazer era ajudar a valente garota em seus esforços em conciliar seu desapontamento e
manter seu segredo de donzela. Mas eu achei que o almoço nunca, nunca chegaria a um fim. Sofri por ela,
ainda mais do que sofri por mim. Até agora tudo o que eu ouvira em conversas naquela casa feliz haviam
sido palavras simples e com significados verdadeiros. Se tivéssemos que dizer, diríamos; e se alguém
preferisse o silêncio, não que todos fizessem isso, não haveria esforços espasmódicos para que falassem,
ou para que mantivessem pensamentos intrusos ou suspeitas.
Por fim levantamos de nossos lugares e nos preparamos para nos separar, entretanto, dois ou três
de nós haviam perdido o interesse e o entusiasmo nas tarefas diárias. O vigário ficou olhando pela janela
em silêncio, e quando ele se levantou para ir aos campos onde seus empregados trabalhavam, foi com um
suspiro; e ele tentou esconder sua expressão preocupada de nós, enquanto caminhava para a porta.
Quando ele nos deixou, avistei o rosto de Phillis, e como que pensando que não era observada, sua
contenção relaxou por um momento ou dois em tristeza e num cansaço lamentável. Ela rapidamente se
recuperou quando sua mãe falou, e se apressou para dar algum pequeno recado a pedido dela. Quando
estávamos sozinhos, prima Holman retornou ao assunto do casamento de Mr. Holdsworth. Ela era uma
dessas pessoas que gostavam de ter a visão de um evento por todos os ângulos de probabilidade, ou até
mesmo possibilidade, e ela fora impedida de fazer isso durante o almoço.
‘E pensar que Mr. Holdsworth está casado! Não posso acreditar nisso, Paul! Não que ele não seja
um rapaz excelente! Entretanto, não gostei do nome dela, soa estrangeiro. Diga ele de novo, meu querido.
Espero que ela saiba cuidar dele direito, da maneira inglesa. Ele não é forte, e se ela não verificar se as
coisas dele estão bem arejadas, eu ficaria com receio da velha tosse’.
‘Ele sempre disse que ficou mais forte do que jamais fora, depois dessa febre’.
‘Ele pode pensar assim, mas tenho minhas dúvidas. Ele era um rapaz muito agradável, mas não
aguenta muito bem que cuidem dele. Cansou-se de ser mimado, como ele disse. Espero que eles voltem
logo para a Inglaterra, e então ele vai ter a chance de cuidar da saúde. Imagino se ela fala inglês, mas
com certeza ele pode falar línguas estrangeiras, como ouvi o vigário dizer.’ E assim continuamos por um
tempo, até que ela ficou sonolenta sobre seu tricô na tarde abafada de verão, e eu fugi para uma
caminhada, pois queria alguma solidão para pensar nas coisas, e, ai de mim! Culpar a mim mesmo com
agudas facadas de remorso.
Assim que cheguei ao bosque, passei o tempo preguiçosamente. Aqui e ali o riacho borbulhante
batia de encontro a uma grande pedra ou à raiz de uma velha árvore e tinha que circundá-la, e fazer uma
piscina; de outra maneira seu curso teria que seguir alegremente por sobre o cascalho e as pedras. Fiquei
ao lado de uma dessas por mais de meia hora, ou, de fato, mais ainda, jogando pedaços de madeira ou
pedrinhas na água, e imaginando o que poderia fazer para remediar o presente estado das coisas. É claro
que toda a minha meditação não levara a nada e, por fim, o som distante do corno que era usado para
avisar aos homens que estavam longe nos campos de que deviam deixar o trabalho, me avisou que eram
seis da tarde, hora de eu ir para casa.
Então senti lufadas de um canto alto de um salmo vespertino. Enquanto cruzava Ashfield, vi o
vigário a alguma distância conversando com um homem. Não pude ouvir o que diziam, mas vi um gesto
impaciente ou de divergência (não pude afirmar qual dos dois) da parte do primeiro, que rapidamente se
afastou, e, aparentemente, estava absorvido em seus pensamentos, pois apesar de passar a vinte passos de
mim, quando nossos caminhos até a casa se encontravam, ele não pareceu me notar. Passamos a tarde de
uma maneira ainda pior que a hora do almoço. O vigário estava silencioso, depressivo, até mesmo
irritável. A pobre prima Holman estava completamente perplexa pelo incomum quadro mental e
temperamental que seu marido mostrava. Ela mesma não estava bem, estava sofrendo com o calor
extremo e escaldante, o que fez com que ela fosse menos comunicativa do que o normal. Phillis,
geralmente tão respeitosa com seus pais, tão delicada, tão gentil, parecia não notar nada de errado
naquela situação tão diferente do normal, mas falou comigo – com qualquer um, sobre assuntos comuns,
indiferente à gravidade de seu pai, ou aos olhares patéticos de perplexidade de sua mãe. Mais uma vez
meu olhar caiu sobre suas mãos, escondidas sob a mesa, e pude ver a maneira compulsiva e apaixonada
com que ela entrelaçava seus dedos perpetuamente, retorcendo-os todos de vez em quando, retorcendo-os
até que a carne pressionada se tornasse perfeitamente branca. O que eu poderia fazer? Conversei com
ela, como notei que era seu desejo. Havia círculos escuros ao redor de seus olhos cinzentos e um tipo
estranho de escuridão brilhava neles; suas bochechas estavam coradas, mas seus lábios estavam brancos
e lívidos. Imaginei que os outros não tivessem notado esses sinais tão claramente quanto eu. Mas talvez
tenham; Eu penso, pelo que veio depois, que o vigário notou. Pobre prima Holman! Ela adorava seu
marido; e os sinais externos de seu desconforto eram mais patentes ao coração simples dela do que ao de
sua filha. Depois de um tempo ela não pôde mais suportar aquilo. Ela levantou, e, gentilmente, colocando
sua mão em seu ombro largo e inclinado, disse:
‘Qual o problema, vigário? Aconteceu algo de errado?’
Ele despertou como de um sonho. Phillis virou a cabeça e segurou a respiração em terror pela
resposta que temia. Mas ele, observando ao redor com um olhar avaliador, virou seu rosto inteligente e
largo para sua ansiosa esposa, forçou um sorriso e segurou a mão dela de maneira tranquilizadora.
‘Estou me culpando, querida. Fui derrotado pela raiva essa tarde. Dificilmente eu sabia o que
estava fazendo, mas mandei Timothy Cooper embora. Ele matou a macieira no canto do pomar; e foi
empilhar o cal virgem do barro para a parede do novo estábulo contra o tronco da árvore – sujeito
estúpido! Matou a árvore abertamente – e ela estava carregada de maçãs!’
‘E macieiras estão tão escassas’, disse prima Holman em simpatia.
‘Sim! Mas Timothy nada mais é do que um tolo, mas ele tem uma esposa e filhos. Ele, muitas
vezes deixou-me irritado, com suas maneiras preguiçosas, mas eu coloquei isso a cargo do Senhor, e me
esforcei para lidar com ele. Mas não vou mais suportar isso, minha paciência acabou. E ele foi avisado
de que deve encontrar outro lugar. Esposa, não falaremos mais disso.’ Ele gentilmente tirou a mão dela de
seu ombro, tocou-a com seus lábios, mas retrocedeu em um silêncio tão profundo, aparentemente tão
taciturno quando antes. Eu não poderia dizer o porquê, mas essa pequena conversa entre seus pais
pareceu tirar todo o espírito artificial de Phillis. Ela não falou, mas olhou para fora do caixilho aberto
para a lua larga, que se movia lentamente pelo céu crepuscular. Em certo momento pensei ter visto seus
olhos se enchendo de lágrimas, mas, se isso aconteceu, ela as afastou, e se levantou com entusiasmo
quando sua mãe, cansada e desanimada, propôs que fossem para a cama imediatamente após as orações.
Todos nós, à nossa maneira, demos boa noite ao vigário, que continuava sentado à mesa com a grande
Bíblia aberta à sua frente, não dando atenção a nenhuma de nossas saudações, mas respondendo-as
gentilmente. Mas quando eu, o último de todos, estava a ponto de deixar a sala, ele disse, ainda mal
olhando para cima:
‘Paul, você vai me dar forças se ficar aqui por alguns minutos. Eu gostaria de conversar um pouco
com você’.
Eu sabia o que estava por vir em um momento. Cuidadosamente, fechei a porta, retirei minha vela,
e sentei-me à espera de meu destino. Ele parecia encontrar alguma dificuldade em começar, pois, se eu
não tivesse escutado que ele queria falar comigo, eu não conseguiria adivinhar, ele parecia tão absorvido
em ler o capítulo até o fim. De repente ergueu a cabeça e disse:
‘É sobre aquele seu amigo, Holdsworth! Paul, você tem alguma razão para achar que ele brincou
com os sentimentos de Phillis?’
Notei que os olhos dele estavam brilhando com algum tipo de fogo furioso à menção dessa mera
ideia, e perdi toda minha presença mental. Apenas repeti:
‘Brincou com os sentimentos de Phillis!’
‘Sim! Você sabe o que quero dizer: falou de amor com ela, cortejou-a, fez com que ela pensasse
que ele a amava, e depois foi embora e a deixou. Coloque da maneira que quiser, apenas me dê respostas
de algum tipo – uma resposta verdadeira, eu quero dizer – e não repita minhas palavras, Paul.’
Ele estava se tremendo todo enquanto dizia isso. Eu não demorei nem um momento ao respondê-
lo:
‘Eu não acredito que Edward Holdsworth alguma vez tenha brincado com os sentimentos de
Phillis, ou falado de amor com ela. Ele nunca, até onde sei, fez com que ela acreditasse que ele a amava’.
Eu parei. Eu queria ter nervos e criar coragem para uma confissão, embora desejasse manter em
segredo o amor que Phillis sentia por Mr. Holdsworth o máximo que eu pudesse. O segredo que ela havia
se esforçado tanto para manter sagrado e a salvo, e eu precisava refletir um pouco antes de continuar com
o que tinha a dizer.
Ele começou de novo antes que eu tivesse organizado meu discurso. Era como se ele falasse
sozinho: ‘Ela é minha única criança, minha pequena filha! Ela mal saiu da infância. Eu pensei em mantê-
la sob as minhas asas pelos anos que virão, a mãe dela e eu daríamos nossas vidas para protegê-la do
mal e do sofrimento’.
Então, elevando sua voz, e olhando para mim, ele disse: ‘Algo de errado aconteceu com a
criança, e pareceu a mim que foi desde o dia que ela ouviu sobre aquele casamento. É duro pensar que
talvez você saiba sobre os amores secretos e sofrimentos dela mais do que eu — mas talvez você saiba,
Paul, talvez você saiba — só, que se isso não é um pecado, diga-me o que posso fazer para deixá-la feliz
novamente, diga-me’.
‘Não vai adiantar muito, eu temo’, falei, ‘mas devo-lhe pelo menos contar o que fiz de errado. Eu
não desejava causar mal, de maneira pecaminosa, mas cometi um mau julgamento. Mr. Holdsworth disse-
me, logo antes de partir, que amava Phillis e que esperava torná-la sua esposa; e eu contei a ela’.
Pronto! Aí estava, toda a parte em que eu estava envolvido, pelo menos. Mantive meus lábios
colados e esperei que as palavras viessem. Não vi o rosto dele, olhei diretamente para a parede do lado
oposto, mas ouvi ele começar a falar uma vez, e depois virar as folhas do livro à frente dele. Como
aquela sala estava estranhamente quieta! Como estava parado o ar lá fora! A janela aberta não dava
entrada a nenhum ruído das folhas, nem um pio ou movimento dos pássaros – nem um som que fosse. O
relógio nas escadas – a respiração pesada do vigário – isso deveria durar para sempre? Impaciente
devido ao silêncio profundo, falei novamente:
‘Fiz isso pelo melhor, pelo menos pensei que sim’.
O vigário fechou o livro apressadamente e se levantou. Então pude ver como ele estava furioso.
‘Pelo melhor, você diz? Foi o melhor, então, vir e contar a uma jovem garota algo que você nunca
mencionou a seus pais, que confiaram em você como confiariam em um filho?’
Ele começou a andar, de um lado para o outro perto da janela aberta, agitando seus pensamentos
amargos sobre mim.
‘Colocar tais pensamentos na mente de uma criança’, ele continuou; ‘arruinar a inocência dela
com conversas sobre o amor de outro homem; e que amor, também’, ele falou desdenhosamente agora —
‘um amor que está pronto para qualquer mulher jovem. Oh, o sofrimento no rosto de minha pequena filha
ao jantar esta noite – o sofrimento, Paul! Eu pensei que você fosse confiável... colocar esse tipo de
pensamento na mente de uma criança? Vocês dois falando sobre os desejos daquele homem em casar com
ela’.
Não pude evitar recordar o avental, o traje infantil que Phillis usara tanto tempo, como se seus
pais estivessem ignorantes aos progressos dela em se tornar uma mulher. Da mesma maneira que o
vigário pensava nela agora, como uma criança, cuja paz inocente eu roubara com vaidade e conversas
tolas. Eu sabia que a verdade era diferente, embora eu mal pudesse dizer isso agora, mas, de fato, eu
nunca pensei em dizer. Estava longe de minha mente adicionar algo mais ao sofrimento que eu já causara.
O vigário continuou andando, parando ocasionalmente para mover as coisas sobre a mesa, ou objetos da
mobília, de maneira cortante, impaciente e sem significado, então começou a falar novamente:
‘Tão jovem, tão pura contra o mundo! Como você pôde ir e falar a tal criança, criando
esperanças, despertando sentimentos? Tudo para terminar desse jeito... e, pelo melhor, embora eu tenha
visto o olhar patético em seu pobre rosto. Não posso perdoar você, Paul; isso foi mais que errado – foi
cruel – repetir as palavras daquele homem’.
Suas costas agora estavam voltadas para a porta, e, julgando pelo seu tom raivoso, ele não ouviu
quando esta foi aberta lentamente; ele também não viu Phillis, de pé dentro da sala, até que se virou;
então ficou parado. Ela devia estar despida pela metade, mas havia se coberto com um manto escuro de
inverno, que caía com longas dobras sobre seus pés brancos, nus e silenciosos. Seu rosto estava
estranhamente pálido: seus olhos pesados pelos círculos escuros em volta deles. Ela veio até a mesa,
bem devagar, e apoiou sua mão sobre ela, falando pesarosamente:
‘Pai, você não deve culpar Paul. Não pude evitar ouvir boa parte do que você estava dizendo. Ele
realmente me contou, e talvez fosse mais sábio não ter dito, querido Paul! Mas — oh, querido! Oh,
querido! Estou doente de vergonha! Ele me contou com seu coração gentil, porque viu que eu estava tão
infeliz com sua partida’. Ela segurou sua cabeça e se apoiou mais fortemente do que antes em sua mão.
‘Eu não entendo’, disse seu pai, mas estava começando a entender. Phillis não respondeu até que
ele perguntou novamente. Eu poderia tê-lo atingido agora por sua crueldade, mas eu já sabia de tudo.
‘Eu o amava, pai!’, ela disse por fim, erguendo seus olhos para o rosto do vigário.
‘Ele alguma vez falou de amor com você? Paul disse que não!’
‘Nunca’.
Ela baixou seus olhos, e inclinou-se mais do que nunca. Eu quase pensei que ela fosse cair.
‘Eu não poderia acreditar nisso’, ele disse com uma voz dura, embora suspirasse enquanto falava.
Um silêncio mortal por um momento. ‘Paul! Eu fui injusto com você. Você merece ser culpado, mas não
por tudo que eu disse’.
Novamente um silêncio. Pensei ter visto os lábios brancos de Phillis se movendo, mas pode ter
sido o brilho das luzes das velas – uma mariposa entrou pelo caixilho aberto, e estava voando ao redor
da chama; eu poderia tê-la salvado, mas não me importava o suficiente, meu coração estava muito cheio
de outras coisas. Nenhum som, de qualquer nível, foi ouvido por longos minutos sem fim. Depois ele
disse: — ‘Phillis! Nós não a fazemos feliz aqui? Não a amamos o suficiente?’
Ela não pareceu entender o sentido dessa pergunta; ela olhou para cima como se estivesse
perplexa, e seus belos olhos se dilataram com uma expressão dolorosa e torturada. Ele continuou, sem
notar o olhar no rosto dela; ele não viu, tenho certeza.
‘E ainda assim teria nos deixado, deixado sua casa, seu pai e sua mãe, e teria ido embora com
esse estranho, perambulando pelo mundo’.
Ele sofria também. Havia tons de dor em sua voz, com a qual ele proferia sua reprovação.
Provavelmente pai e filha nunca estiveram tão afastados em suas vidas, tão insensíveis. Mesmo assim
algum novo terror veio a ela, e foi a ele que ela se voltou procurando ajuda. Uma sombra veio ao rosto
dela, e ela cambaleou em direção a seu pai, caindo, seus braços ao redor dos joelhos dele, e gemendo:
‘Pai, minha cabeça! Minha cabeça!’, e depois escorregou pelos braços rápidos que a envolviam e
deitou no chão aos pés dele.
Eu nunca vou esquecer, enquanto viver, o repentino olhar de agonia dele. Nunca! Nós a erguemos,
sua cor havia escurecido estranhamente, ela estava insensível. Eu corri para trás da cozinha para a bomba
do quintal e trouxe água. O vigário a colocara sobre seus joelhos, sua cabeça contra o peito dele, quase
como se ela fosse uma criança adormecida. Ele estava tentando se levantar com seu pobre fardo
precioso, mas o horror momentâneo havia roubado as forças do homem, e ele afundou novamente em sua
cadeira com uma respiração soluçante.
‘Ela não está morta, Paul, está?’, ele sussurrou rouco, quando eu me aproximava. Eu também não
poderia falar, mas apontei o estremecimento dos músculos ao redor da boca dela. Logo em seguida a
prima Holman, atraída por algum som não proferido, desceu. Lembro-me de minha surpresa diante de sua
presença de espírito; ela parecia saber tão melhor do que o vigário o que fazer, em meio ao terror doentio
que havia empalecido seu semblante, e que a fez tremer da cabeça aos pés.
Penso agora que era a reminiscência do que ocorrera antes; o pensamento miserável da
possibilidade de que as palavras dele pudessem ter trazido aquele ataque à tona, seja lá o que fosse, que
deixara o vigário sem rota. Nós a carregamos para cima e, enquanto as mulheres a colocavam na cama,
ainda inconsciente, ainda convulsionando um pouco, eu saí, selei um dos cavalos, e corri o mais rápido
que a pobre besta poderia trotar, para Hornby, para encontrar o médico e trazê-lo de volta. Ele estava
fora, e talvez ficasse detido por toda a noite. Lembro-me de dizer: ‘Deus nos ajude!’, quando estava
sentado em meu cavalo, sob a janela, pela qual a cabeça do aprendiz havia aparecido para responder a
meu furioso puxão na campainha. Era um rapaz de boa natureza. Ele disse:
‘Ele pode estar em casa em meia hora, não há como saber, mas me atrevo a dizer que ele estará.
Eu o enviarei à fazenda Hope assim que chegar. É aquela mulher de boa aparência, filha de Holman, que
está doente, não é?’
‘Sim’.
‘Seria uma pena se ela se fosse. Ela é filha única, não é? Vou levantar e fumar um cachimbo na
sala de operação, pronto para a vinda do governador para casa. Posso acabar dormindo se voltar para a
cama’.
‘Obrigado, você é um bom companheiro!’, e voltei correndo, quase tão rápido quanto viera. Era
uma febre cerebral. O doutor disse isso, quando veio nas primeiras horas da manhã de verão. Creio que
descobrimos a natureza da doença nas vigílias noturnas que se seguiram. Tanto para a esperança de
recuperação total, ou até para a profecia de um provável fim, o doutor precavido não garantia nenhuma
das duas. Ele deu suas indicações e prometeu retornar logo; essa atitude apenas mostrava sua opinião
sobre a gravidade do caso.
Pela misericórdia de Deus ela se recuperou, mas primeiro se passou um período longo e
cansativo. De acordo com meus planos anteriores, eu deveria ter voltado para casa no começo de agosto.
Mas todas as ideias desse tipo foram postas de lado, sem que uma palavra fosse dita. Realmente achei
que eu fosse necessário na casa naquele momento, e em especial pelo vigário; meu pai era o último
homem no mundo, sob essas circunstâncias, que me esperaria em casa.
Digo, pensei que eu fosse necessário na casa. As pessoas – eu quase disse cada criatura, pois
todas as bestas ignorantes pareciam conhecer e amar Phillis – do lugar vieram tristes e sofrendo, como se
uma nuvem estivesse cobrindo o sol. Eles cumpriam seus trabalhos, cada um batalhando contra a tentação
de apenas fingirem que trabalhavam, para cumprirem com a confiança depositada neles pelo vigário.
Pois, no dia seguinte àquele em que Phillis caiu doente, ele chamou todos os empregados da fazenda ao
celeiro vazio; e lá ele suplicou por suas orações para sua filha; e em alguns momentos falou sobre sua
presente incapacidade de pensar em qualquer outra coisa neste mundo além de sua filha, que jazia
próxima à morte, e pediu que eles seguissem com suas funções diárias o melhor que pudessem, sem as
instruções dele.
Então, como eu disse, esses homens honestos fizeram seu trabalho o melhor que podiam, mas
começaram a desanimar e ficar com expressões tristes e cuidadosas, ao virem um por um, antes de
amanhecer, para perguntar as novidades sobre a tristeza que havia coberto a casa de sombras e,
recebendo da inteligente Betty, sempre com a mente um pouco escurecida ao lembrar do que se passava,
pequenos acenos de cabeça e uma simpatia melancólica e entorpecida. Mas, pobres companheiros, a eles
dificilmente poderia se confiar alguma mensagem apressada, e era aqui que meus pobres serviços
entravam. Uma vez tive que cavalgar rapidamente até a casa de Sir William Bentinck, e pedir gelo de seu
compartimento de gelo para colocar sobre a cabeça de Phillis. Em outra vez tive de ir a Eltham, de trem,
a cavalo, de qualquer maneira, e rogar ao médico de lá que viesse para uma consulta, pois novos
sintomas haviam surgido, os quais Mr. Brown, de Hornby, considerava pouco favoráveis. Por várias
vezes sentei à janela, na metade das escadas, perto do relógio, ouvindo, no quente marasmo da casa, os
sons que vinham do quarto da doente. O vigário e eu nos encontrávamos com frequência, mas
conversávamos raramente. Ele parecia tão velho – tão velho! Ele dividia os cuidados da enferma com
sua esposa; a força necessária pareceu ter sido dada aos dois naqueles dias. Eles não precisavam de mais
ninguém perto de sua filha. Todo trabalho acerca dela era sagrado para eles; até mesmo Betty só era
permitida no quarto para assuntos extremamente necessários. Uma vez vi Phillis pela porta aberta; seu
lindo e longo cabelo dourado havia sido cortado; sua cabeça estava coberta de panos úmidos, e ela a
movia para frente e para trás no travesseiro, com movimentos lentos e ininterruptos, seus pobres olhos
fechados, tentando, à sua maneira costumeira, cantar a melodia de um hino, mas perpetuamente
transformando-o em gemidos de dor. Sua mãe sentada a seu lado, sem lágrimas, mudando os panos sobre
a cabeça dela com uma solicitude paciente. Não vi o vigário a princípio, mas lá estava ele, no canto
escuro, de joelhos, suas mãos juntas numa oração apaixonada. Então a porta se fechou e não vi mais nada.
Um dia ele foi procurado e eu tive de chamá-lo. Irmão Robinson e outro vigário, ouvindo sobre
sua ‘provação’, tiveram de vir vê-lo. Eu lhe contei isso sobre o patamar da escada num sussurro. Ele
estava estranhamente perturbado.
‘Eles vão querer que eu exponha meu coração. Não posso fazer isso. Paul, fique comigo. A
intenção deles é boa, mas a ajuda espiritual de que preciso no momento é a de Deus apenas... somente
Deus é quem pode dá-la.’
Então entrei junto com ele. Eles eram dois vigários das redondezas; os dois mais velhos que
Ebenezer Holman, mas evidentemente inferiores a ele em educação e em posição no mundo. Achei que
eles olharam para mim como se eu fosse um intruso, mas lembrando das palavras do vigário fiquei em
meu lugar, e peguei um dos livros da pobre Phillis (do qual não pude ler uma palavra) para ter uma
ocupação ostensiva. Naquele dia fui convocado a me ‘engajar na oração’ e todos nos ajoelhamos. Irmão
Robinson ‘liderando’, e citando em grande parte, como me lembro, o livro de Jó. Ele parecia citar um
texto seu, se textos fossem usados como orações:
‘Pense bem! Mas agora que se vê em dificuldade, você desanima; quando você é atingido, fica
prostrado’.[15]Quando nós nos levantamos, o vigário continuou de joelhos por mais alguns minutos. Então,
ele também se levantou e ficou nos encarando, antes que todos nos sentássemos em conclave. Depois de
uma pausa, Mr. Robinson começou:
‘Nós lamentamos por você, irmão Holman, pois seu problema é grande. Mas viemos lembrá-lo
que você é como uma luz colocada sobre uma colina; e as congregações estão olhando para você com
olhos observadores. Estivemos conversando enquanto vínhamos, sobre os dois deveres requeridos de
você nesse estreito. Irmão Hodgon e eu. E resolvemos exortá-lo nesses dois pontos. Primeiro, Deus lhe
deu a oportunidade de mostrar adiante um exemplo de resignação’. O pobre Mr. Holman visivelmente
estremeceu diante dessas palavras. Eu podia lembrar de como ele lançava para longe esses sermões
fraternos em seus momentos alegres, mas agora todo seu sistema estava instável e ‘resignação’ parecia
um termo que pressupunha que o pavor do sofrimento de perder Phillis era inevitável. Mas o bom e
estúpido Mr. Robinson continuou: ‘Ouvimos por todos os lados que não há quase nenhuma esperança da
recuperação de sua criança; e talvez fosse bom lhe trazer à mente as lembranças de Abrahão; e como ele
estava disposto a matar sua única criança quando o Senhor ordenou. Tome-o como exemplo, irmão
Holman. Deixe-nos ouvi-lo dizer: “O Senhor o deu, o Senhor o levou, louvado seja o nome do
Senhor!”’[16]
Houve uma pausa de expectativa. Eu creio muito que o vigário tentou sentir isso, mas ele não
poderia. O coração de carne era muito forte. Ele não tinha um coração de pedra.
‘Eu direi isso ao meu Deus quando Ele me der forças – quando o dia chegar’, ele disse, por fim.
Os outros dois olharam um para o outro e sacudiram suas cabeças. Creio que a relutância em
responder como eles queriam não era tão inesperada. O vigário continuou: ‘Aí está, veteranos’, ele disse,
como que para si mesmo. ‘Deus me deu um grande coração para esperança e não vou olhar adiante antes
da hora’. Depois, voltando-se mais para o lado deles – e falando mais alto, acrescentou: ‘Irmãos, Deus
me dará forças quando a hora chegar, quando tal resignação, como vocês falam, for necessária. Até lá,
não posso senti-la; e o que não sinto, não irei expressar, usando as palavras como se fossem um encanto.’
Ele estava ficando irritado, eu podia ver. Ele preferia mandá-los embora por conta desses discursos
deles, mas depois de algum tempo e de balançar a cabeça algumas vezes, Mr. Robinson começou
novamente:
‘Em segundo lugar, faríamos com que escutasse a voz do castigo, e que perguntasse a si mesmo
por quais pecados essa provação jaz sobre você; se não se dedicou o suficiente à sua fazenda e ao gado;
se os conhecimentos deste mundo não o sopraram em direção a conceitos vãos e fez com que
negligenciasse as coisas de Deus; se você não fez de sua filha um ídolo?’
‘Eu não posso responder – eu não vou responder!’, exclamou o vigário. ‘Meus pecados eu
confesso a Deus. Mas se eles são escarlate (e eles assim são na visão Dele)’, ele adicionou
humildemente: ‘Creio em Cristo que essas aflições não foram enviadas por Deus em ira como penalidade
por pecados’.
‘Isso é ortodoxo, irmão Robinson?’, perguntou o terceiro vigário, num tom deferencial de
interrogatório.
Apesar da interdição do vigário, eu achei que o assunto estava ficando tão sério que uma pequena
interrupção doméstica faria mais do que minha presença contínua, e dei a volta na cozinha para pedir a
ajuda de Betty.
“‘Que apodreçam!’, ela disse. ‘Eles estão sempre vindo em momentos de doença ou de
inconveniência, e eles têm um apetite tão voraz, eles não farão nada que poderia servir ao patrão como
você desde que nossa jovem ficou doente. Coloquei um pouco de carne fria na casa, mas farei presunto e
ovos, e isso vai fazer com que parem de preocupar o vigário. Eles vão ficar mais quietos depois que se
alimentarem. Na última vez que o velho Mr. Robinson veio, estava muito repreensivo quanto ao
aprendizado do vigário, que ele não podia usá-lo como bússola para salvar sua vida, se era assim, então
ele não precisaria ter ficado com medo dessa tentação, e usou palavras por tempo suficiente para
nocautear um corpo. Mas depois que eu e a senhorita lhe demos de comer, e teve um pouco de cerveja e
um cachimbo, falou como qualquer outro homem, e até fez uma brincadeira comigo.’”
A visita deles foi a única pausa nos longos e cansativos dias e noites. Isso não quer dizer que
outros inquéritos não foram feitos. Creio que todos os vizinhos iam ao local diariamente até que
pudessem saber algo sobre como Phillis Holman estava, de alguém que estivesse saindo. Mas eles eram
espertos o suficiente para não irem até a casa, pois o mês de agosto estava tão quente que todas as portas
e janelas eram mantidas constantemente abertas, e o menor som do lado de fora penetrava toda a casa.
Tenho certeza de que os galos e galinhas passaram por um período triste por conta disso, pois Betty as
conduziu para um galpão vazio, e os manteve presos lá no escuro por vários dias, com bem pouco efeito
em consideração a seus cantos e estalos.
Eventualmente veio um sono que foi a crise, e da qual ela acordou com uma fraca nova vida. O
sono dela durou muitas e muitas horas. Nós mal nos atrevíamos a respirar ou nos mover durante esse
tempo. Esforçamo-nos tanto para esperar, que estávamos doentes no coração, e sedentos, por não
acreditar nos sinais favoráveis: a respiração constante, a pele umedecida, o leve retorno da cor delicada
em meio à palidez, lábios pálidos. Lembro-me do furto daquela tarde pelo crepúsculo, e perambulando
pelo caminho gramado, sob a sombra dos olmos recurvados para a pequena ponte ao pé da colina, onde o
caminho até a Fazenda Hope fazia uma junção com outra estrada para Hornby. Na balaustrada baixa
daquela ponte encontrei Timothy Cooper, o trabalhador estúpido, pouco inteligente, sentado, ociosamente
jogando pedaços de barro no riacho abaixo. Ele olhou para mim enquanto eu me aproximava, mas não me
cumprimentou nem por palavras ou por gestos. Normalmente ele me dava algum sinal de reconhecimento,
mas dessa vez achei que estava taciturno por ter sido demitido. Não obstante senti que poderia ser um
alívio falar com alguém, e sentei ao lado dele. Enquanto eu pensava em como começar, ele bocejou de
maneira cansada.
‘Você está cansado, Tim?’, perguntei.
‘Sim’, disse ele. ‘Mas suponho que posso ir para casa agora’.
‘Você esteve sentado aqui por muito tempo?’
‘Bem, o dia todo. Pelo menos desde sete da manhã’.
‘Mas, o que esteve fazendo esse tempo todo?’
‘Nada’.
‘Por que esteve sentado aqui, então?’
‘Eu mantive as carroças longe’. Ele estava de pé agora, se esticando, e sacudindo seus membros
desajeitados.
‘Carroças! Que carroças?’
‘Carroças que poderiam querer perturbar a moça! É o dia do mercado em Hornby. Reconheço que
você não é muito inteligente’, ele ergueu seus olhos para mim como se estivesse avaliando meu intelecto.
‘E você esteve sentado aqui durante o dia todo para manter a estrada silenciosa?’
‘Sim. Não tenho mais nada para fazer. O vigário me deixou à deriva. Você ouviu falar sobre como
a jovem está se sentindo hoje?’
‘Eles esperam que ela vá acordar melhor depois desse longo repouso. Boa noite para você, e
Deus o abençoe, Timothy’, eu disse.
Ele dificilmente prestou atenção em minhas palavras, enquanto se arrastava através de um degrau
que levava até seu chalé. Logo eu segui para a fazenda. Phillis se agitou, falou duas ou três palavras
fracas. Sua mãe estava com ela, soltando alimentos na boca, que estava escassamente consciente. O resto
das pessoas da casa foram convocadas para as orações vespertinas pela primeira vez em muitos dias.
Isso foi um retorno aos hábitos diários de felicidade e saúde. Mas nesses dias silenciosos nossas
próprias vidas foram uma oração silenciosa. Agora nos encontrávamos na sala, e nos olhávamos com um
estranho reconhecimento de gratidão em nossos rostos. Ajoelhamo-nos, esperamos pela voz do vigário.
Ele não começou como geralmente fazia. Ele não podia, estava engasgado de emoção. Logo ouvimos os
soluços dos homens fortes. E então o velho John se voltou sobre seus joelhos, e disse:
‘Vigário, eu considero que abençoamos o Senhor com todas as nossas almas, embora nunca
tenhamos falado disso; e talvez ele não precise de palavras ditas essa noite. Deus abençoe todos nós, e
mantenha nossa Phillis protegida do mal. Amém’.
A oração improvisada feita pelo velho John foi tudo que tivemos naquela noite.
‘Nossa Phillis’, como ele a chamara, ficou melhor a cada dia que passava depois daquele. Não
rapidamente. Às vezes eu ficava mais desesperado e temia que ela nunca voltasse a ser o que era antes; e,
de alguma maneira, ela não voltou.
Eu procurei uma oportunidade de contar ao vigário sobre a vigia não solicitada de Timothy
Cooper na ponte durante o longo dia de verão.
‘Deus que me perdoe!’, disse o vigário. ‘Estive sendo muito orgulhoso em minha própria
presunção. Os primeiros passos que eu der para fora desta casa deverão ser em direção ao chalé dos
Cooper.’
Não preciso dizer que Timothy foi reintegrado a seu posto na fazenda e desde então tenho
admirado, com frequência, a paciência com que o patrão tentou lhe ensinar como fazer o trabalho
simples, que doravante foi ajustado cuidadosamente para a capacidade dele. Phillis foi carregada para
baixo, e repousava hora após hora em silêncio no grande sofá, que fora arrastado para ficar abaixo da
janela da sala. Ela sempre parecia estar do mesmo jeito: gentil, quieta e triste. Sua energia não retornou
junto com sua força corporal. Às vezes dava pena de ver os esforços inúteis de seus pais para despertar o
interesse dela.
Um dia o vigário trouxe para ela um conjunto de fitas azuis, lembrando a ela, com um sorriso
terno, de uma conversa anterior, na qual declarou possuir amor por essas vaidades femininas. Ela falou a
ele com gratidão, mas quando ele saiu, ela deitou de lado e languidamente fechou os olhos. Outra vez vi a
mãe dela trazer os livros de latim e italiano, pelos quais ela tinha tanto carinho antes de sua doença – ou
melhor, antes que Mr. Holdsworth tivesse partido. Isso foi o pior de tudo. Ela virou o rosto para a parede
e chorou assim que sua mãe virou de costas. Betty estava estendendo a toalha na mesa adiantadamente
para o almoço. Seus olhos afiados notaram o estado da situação.
‘Agora, Phillis!’, ela disse, caminhando até o sofá. ‘Nós fizemos tudo o que podíamos por você, e
os doutores fizeram tudo o que podiam por você, e acho que Deus fez tudo o que podia por você, e mais
do que você merece também, se não fizer nada por si mesma. Se eu fosse você, levantaria e cheiraria a
lua, antes de quebrar os corações de seu pai e sua mãe, enquanto observam e esperam até que seja
conveniente a você lutar a sua própria maneira para voltar à alegria. Aí está, nunca fui a favor de longos
sermões e disse o que tinha a dizer.’
Um dia ou dois depois disso, Phillis me perguntou, quando estávamos sozinhos, se eu achava que
meus pais permitiriam que ela fosse para casa comigo e passasse uns meses por lá. Ela enrubesceu um
pouco como se fraquejasse em seu desejo por uma mudança de pensamento e de cenário.
‘Apenas por um curto período, Paul. Depois nós voltaremos à paz de antigamente. Sei que
devemos. Eu posso, e vou!’

FIM!
Ficha Catalográfica

Copyright © 2017 by Pedrazul Editora Ltda.
Todos os direitos reservados à Pedrazul Editora.
Texto adaptado à nova ortografia da Língua Portuguesa,
Decreto n° 6.583, de 29 de setembro de 2008.

Direção geral: Chirlei Wandekoken
Direção de arte: Eduardo Barbarioli
Tradução: Aline Cristina Moreira
Revisão: Andréa Pirajá
Capa: Arthur Georg von Ramberg

Gaskell, Elizabeth.
G248n Prima Phillis / Elizabeth Gaskell ;
tradução de Aline Cristina Moreira -
Domingos Martins, ES : Pedrazul Editora, 2017
Título original: Cousin Phillis

1. Literatura inglesa. 2. Ficção. 3. Romantismo.
I. Título. II. Moreira, Aline Cristina.
CDD – 813

Reservados todos os direitos desta tradução e produção. Nenhuma parte desta obra poderá ser
reproduzida por fotocópia, microfilme, processo fotomecânico ou eletrônico sem permissão expressa da
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[1]
Públio Virgílio M aro ou M arão foi um poeta romano clássico, autor de três grandes obras da literatura latina, as Éclogas, as Geórgicas, e Eneida.
[2]
Foi um comentarista sobre a Bíblia e pastor presbiteriano inglês.
[3]
Expressão em latim que significa ‘O Tempo Voa’.
[4]
“O Inferno”, livro de Dante Alighieri, escrito originalmente em italiano.
[5]
George Stephenson (1781 – 1848) foi um engenheiro civil e engenheiro mecânico inglês. Projetou a famosa e histórica locomotiva a vapor, sendo conhecido como o pai dos
caminhos de ferro britânicos.
[6]

M etafísica é uma área do conhecimento que faz parte da Filosofia. Estuda os princípios da realidade para além das ciências tradicionais (Física, Química, Biologia,
Psicologia, etc). A metafísica busca também dar explicações sobre a essência dos seres e as razões de estarmos no mundo.
[7]
M atthew Henry foi um comentarista sobre a Bíblia e pastor presbiteriano inglês.
[8]

Instrumento de precisão para medir ângulos horizontais e ângulos verticais, muito empregado em trabalhos geodésicos e topográficos.
[9]

Estilo afetado que se usou na Inglaterra na corte de Isabel (Elizabeth I), semelhante ao gongorismo, que dominou na Espanha e em Portugal, e ao preciosismo, que teve
abrigo na França.
[10]
Alessandro Francesco Tommaso M anzoni foi um escritor e poeta italiano – um dos mais importantes nomes da literatura de seu país.
[11]
Instrumento astronômico e geodésico usado para medir diretamente as alturas zenitais e os ângulos reduzidos ao horizonte.
[12]
Tom de brincadeira.
[13]
Deusa das plantas que brotam (particularmente os grãos) e do amor maternal, na mitologia romana.
[14]
Jean-Louis de Lolme foi um filósofo e teórico pioneiro da filosofia política, que influenciou o surgimento do constitucionalismo e a elaboração de alguns dos primeiros
textos constitucionais.
[15]
Livro de Jó, capítulo 4, versículos 3 e 5.
[16]

Livro de Jó, capítulo 1, versículo 21.

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