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DESPLUGADO/PLUGADO: O QUE DESLIGAR E O QUE LIGAR

EM TERMOS DE EDUCAÇÃO

ROBERTO SILVESTRIN
Mestrando em Educação em Ciências e Matemática da PUC-RS

INTRODUÇÃO

O debate que se estabelece em torno da conveniência de se utilizar os recursos


originados pelas atuais tecnologias da informação e comunicação como instrumento
facilitador da construção do conhecimento em sala de aula, em que pese a diversidade de
opiniões e posicionamentos, traz consigo o inquietante desafio colocado pela velocidade de
sua disseminação e utilização cada vez mais crescente por parte dos alunos.
O artigo procura abordar o assunto sob a ótica da necessidade de nós professores
definirmos nossa posição de forma refletida, epistemologicamente engajada, porém acima
de tudo, alicerçada em experiências e relatos de caso documentados nas inúmeras pesquisas
qualitativas realizadas no campo da educação. Trata-se, no presente caso, de parte das
conclusões da pesquisa realizada com uma turma de alunos da disciplina de Instalações
Elétricas de um curso de Arquitetura, a partir dos dados coletados para dar suporte à
dissertação de mestrado, focalizando a impressão dos estudantes a respeito de sua
experiência na realização de atividades mediadas pelo recurso de informática denominado
user’s group (grupo de usuários) ou grupo na internet.
Nossa intenção é a de contribuir para o debate chamando a atenção para a
necessidade de se tratar da questão relativa à utilização dos recursos de informática e, por
conseqüência, do acesso ao universo virtual, não de uma forma teórica, abstrata,
distanciada, mas sim alicerçada no seu insofismável caráter de presença cada vez mais real
em nossas vidas.
As opiniões dos próprios alunos, participantes e protagonistas dessa unidade de
aprendizagem, são o ponto que elegemos para ancoragem nessa gritante realidade. Assim
procedendo, nossa proposta aponta para a necessidade de tomarmos o aluno como ponto de
partida, do seu ponto de vista, tendo o seu universo e a sua linguagem como pontos
significativos de referência. Como bem aconselha Demo, “corresponde às escolas, por sua
vez, trabalharem adequadamente a alfabetização pela mídia, entendendo-se não só o uso da
mídia como suporte educativo, mas sobretudo a necessária educação para manejá-la
pedagogicamente.” (Demo, 2000).

DESPLUGADO/PLUGADO

Os alunos vivenciam as constantes inovações tecnológicas no mesmo compasso em


que elas ocorrem. Crescem referenciados a ela como elementos de sua paisagem cotidiana:
eles estão plugados, “tá ligado”? Esse ligado tem mais o sentido de atento, integrado,
exercendo algum tipo de ação competente sobre ele. É uma conexão vital, oxigenada, ativa.
O professor desplugado, muitas vezes, utiliza-se do computador em suas tarefas,
usa o pendrive, fala ao celular, ouve CD’s, gosta de DVD’s. Paradoxalmente, faz restrições
a pesquisas feitas pelos alunos utilizando a Internet, ignora as salas de bate-papo como
espaço de crítica e discussão, coloca textos para serem reproduzidos no setor de fotocópias
ao invés de disponibilizar links numa página sua na Web.
Dessa forma, o professor que “não tá ligado” não se mostra capaz de fazer a
conexão entre seu modo de agir no dia-a-dia e o seu modo de propor a integração aluno-
professor-conhecimento em sala de aula. Sem falar dos casos em que o professor encontra-
se completamente alheio a uma possível relação entre qualquer tipo de tecnologia e a sua
atividade educacional. Esse, realmente, está desligado.
A educação é a aposta em possíveis encontros: do trivial com o formal, do
cotidiano com o científico, do senso comum com o conhecimento, do professor com o
aluno. Pressupõe também o encontro de concepções, linguagens, referenciais, papéis.
Acima de tudo, a educação é o espaço da mediação, da modificação, da tradução, da
construção conjunta de significado, tendo a linguagem como elemento aglutinador. Através
de suas operações interpretativas, os envolvidos no ato dialógico contrapõem o mundo
objetivo e o mundo social que compartilham, frente ao mundo subjetivo de cada um, bem
como frente a outros coletivos (Habermas, 1989).
No espaço de ação comunicativa da sala de aula, a eleição das formas de
disseminação e apropriação das informações pelos participantes do processo, mais do que
uma questão menor de preferências, revela-se como o próprio meio pelo qual, à semelhança
da linguagem comum utilizada, a possibilidade de um entendimento se constrói.

PLUGANDO A EDUCAÇÃO

O discurso sobre a necessidade de mudanças, muitas vezes, é mais exercitado do


que a prática de algum tipo de ação que ponha em marcha o necessário desacomodamento,
que nos tire de nossa tão acalentada “zona de conforto”. Como bem conclui Moran:
“Ensinar com as novas mídias será uma revolução, se mudarmos simultaneamente os
paradigmas convencionais do ensino, que mantém distantes professores e alunos. Caso
contrário conseguiremos dar um verniz de modernidade, sem mexer no essencial.” (Moran,
2003, p. 65).
O essencial, no contexto descrito, é o brado de reconhecimento e conquista do seu
lugar no horizonte educacional delimitado pelo professor, que nos é lançado pelas novas
tecnologias da informação, assim como pelos alunos que com elas convivem de forma
intensa e amigável. Sob esse aspecto, concordamos com Lévy (grifo nosso) quando afirma
que “Não se trata aqui, portanto, de uma nova ‘crítica filosófica da técnica’, mas antes, de
colocar em dia a possibilidade prática de uma tecnodemocracia, que somente pode ser
inventada na prática.” (Lévy, 1993, p. 9)
A concepção de que o conhecimento não é transmitido, mas sim construído no
empreendimento a ser levado a efeito num dado espaço educacional, tem na negociação de
objetivos, definição de ações, organização de estratégias, enfim, no estabelecimento de um
contrato democraticamente negociado, com cláusulas acertadas de comum acordo entre as
partes, um aliado importante para assegurar que a motivação para o aprendizado esteja
ligada a situações que mais se aproximem da realidade do aluno. Zabala (2002) recomenda
que, nessa fase, as atividades partam de suas vivências, de seus interesses ou de suas
experiências mais gratificantes, relacionando-as a proposições que provoquem a
necessidade de ir além dessa motivação inicial.
A tecnologia, entre tantas funções possíveis, pode ser tomada também sob o mesmo
prisma de elemento significativo a ser reivindicado pelas partes do celebrado contrato.
Consideremos aqui o conceito de meio didático, que se refere a todo o material elaborado
com a intenção de facilitar os processos de ensino e aprendizagem, como, por exemplo, um
livro de texto ou uma página na internet. O computador, o vídeo-cassete, o DVD player,
constituem o que se denomina plataforma tecnológica (hardware), servindo de suporte e
instrumento de mediação para acessar ao material.
Atualmente, mais do que em qualquer outra época, devemos ter presente que os
meios não somente transmitem informação, mas também assumem a função de mediadores
entre a realidade e os estudantes, possibilitando o desenvolvimento de habilidades
cognitivas, mediante seus sistemas simbólicos.

EXPERIÊNCIAS PESSOAIS DE APRENDIZAGEM APOIADA POR COMPUTADOR

Tenho realizado experiências diversas em sala de aula, no sentido de incentivar a


que os alunos expressem mais o seu pensamento e compreensão do assunto, que se utilizem
de argumentos com base nas informações trabalhadas nas atividades desenvolvidas em sala
de aula. Trabalho com disciplinas voltadas ao ensino de Instalações Elétricas para
estudantes de Arquitetura, cujo enfoque tradicional costuma centrar-se mais no seu aspecto
instrumental do que reflexivo e conceitual. No primeiro semestre do ano de 2006, como
parte do meu trabalho de dissertação de mestrado em Educação em Ciências e Matemática
na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, desenvolvi com os alunos uma
Unidade de Aprendizagem sobre o Choque Elétrico, tendo o recurso user’s group (grupo de
usuários) como importante elemento mediador e organizador dos trabalhos.
As unidades de aprendizagem são uma forma de planejamento das atividades do
processo de ensino-aprendizagem ao redor de um elemento de conteúdo que se converte em
eixo integrador do processo, favorecendo o aprendizado significativo e, conseqüentemente,
o pensamento crítico, constituindo-se numa abordagem que aproxima a prática pedagógica
dos pressupostos do educar pela pesquisa.
No caso proposto, partindo da discussão de situações vividas pelos alunos no seu
dia-a-dia, relativas aos riscos e cuidados percebidos na utilização da eletricidade, torna-se
possível desenvolver o estudo de alguns conceitos importantes sobre o assunto, bem como
das ações a serem implementadas pelos futuros profissionais na elaboração dos projetos
elétricos com vistas a garantir condições de segurança aos usuários. A elaboração de um
texto final, como fechamento das atividades propostas aos alunos, é um convite à reflexão,
desafiando-os a estabelecerem relações com o assunto tratado, bem como a construírem
argumentos que os ajudem a ampliar sua visão do problema, constituindo-se em
ferramental importante para a investigação na qual estão engajados.
Nesse sentido, o recurso user’s group (grupo de usuários) ou grupo na internet,
como passamos a nos referir em sala de aula, constituiu-se no meio didático eleito e
adotado como plataforma tecnológica, servindo de suporte e instrumento de mediação dessa
socialização, em função de uma série de ferramentas colocadas à disposição dos usuários.
Necessita-se algum software especial para montar um grupo? A página destinada à
ajuda do Yahoo! Grupos nos esclarece que basta ter acesso à Internet e um programa de e-
mail comum. Informa também que para acessar o Web site, recomenda-se o uso do
Netscape Navigator 3.0 ou versão posterior ou o Microsoft Internet Explorer, versão 3.0 ou
posterior além de ser possível acessar o Yahoo! Grupos pelo AOL, WebTV e outros
serviços de Internet. Os recursos disponibilizados pelo Yahoo! Grupos são: Mensagens,
Associados, Bate-papo, Arquivos, Fotos, Favoritos, Enquetes, Agenda, Configurações,
Convidar, Promover, Banco de dados, Atividade, conforme detalhado na página de ajuda.

LIGANDO A SALA DE AULA

O professor tem uma série de fatores que condicionam e limitam seu horizonte de
atuação: o programa da disciplina, os parâmetros curriculares, as atribuições profissionais,
entre tantos outros que poderiam ser citados. No entanto, a seleção dos meios didáticos é
uma decisão que está afeita a suas atribuições. Ligar ou não ligar a aula ao ciberespaço é
uma opção que está ao seu alcance.
Ao optarmos por desenvolver a Unidade de Aprendizagem de forma presencial e
também utilizando o recurso do grupo na internet, estávamos assumindo a importância da
necessidade de levarmos a pesquisa e a discussão dos assuntos a ela pertinentes para fora
dos limites da sala de aula. Buscávamos incluir as pessoas com as quais os alunos se
relacionavam no processo de construção do conhecimento: amigos, colegas, parentes,
outros professores, e, por que não, a cibercomunidade (“world wide web”).
Disponibilizamos um grupo no Yahoo! Grupos, denominado Instelet2006-1.
Utilizamos o recurso “arquivos” para a criação de pastas, cada uma delas com a
identificação e descrição de seu conteúdo, que podiam ser acessadas pelos alunos via
internet, a qualquer hora e de qualquer lugar. Algumas dessas pastas cumprem a função de
gerenciamento e organização de compromissos e tarefas, enquanto outras são reservadas a
abrigar o resultado das tarefas propostas nas diversas atividades da Unidade de
Aprendizagem.

A EDUCAÇÃO LIGADA

Como observa Bogdan, “os investigadores qualitativos em educação estão


continuamente a questionar os sujeitos de investigação, com o objetivo de perceber aquilo
que eles experimentam, o modo como eles interpretam as suas experiências e o modo como
eles próprios estruturam o mundo social em que vivem.” (Bogdan, 1994, p. 51). Na pasta
destinada às reflexões dos participantes, entre os objetivos que nortearam nosso trabalho,
fomos buscar alguns depoimentos sobre participação dos alunos nessa experiência.
• O caráter de novidade e ineditismo da experiência na vida do aluno foi um
dos aspectos destacados:
“Eu nunca havia trabalhado desta forma, com um grupo pela internet. Achei muito
interessante, pois é uma forma de compartilhar informações, que podem ser acessadas por
qualquer pessoa em qualquer lugar, bastando estar vinculado a este grupo.”
• A pouca dificuldade para movimentar-se pelo ambiente virtual e a forma de
organização das diversas pastas foram também referidas:
“Primeiramente gostaria de colocar que achei legal a idéia de criar um grupo da
disciplina por meio da internet, onde todos os colegas podem trocar informações entre si e
dúvidas com o professor, o que facilita muito. Também a forma com que as pastas foram
dispostas e principalmente a disponibilização dos materiais para aprendizado (lâminas,
arquivos, editais, textos, etc.). Em nenhum momento senti dificuldades em relação aos
arquivos dispostos no grupo do Yahoo e a interpretação e diálogo dos textos propostos.”
• A facilidade de acesso às informações disponibilizadas pela disciplina e a
interatividade entre o material, colegas e professor também mereceu
destaque:
“A possibilidade de se ter um ambiente virtual, onde são facilitadas as trocas de
arquivos e informações, críticas e comunicação entre professor e alunos, tornou o semestre
mais dinâmico. Outra vantagem desse meio, é a disponibilidade de dados e documentos em
geral (textos, editais de trabalhos, arquivos, etc), bem como o esclarecimento de dúvidas
por parte dos alunos com o professor.”
• A consciência de participar de uma metodologia de trabalho diferente da
usual, valorizando a construção do conhecimento de forma compartilhada,
não escapou à observação dos participantes:
“Acredito que essa metodologia interativa criada, nos facilitou na disponibilidade de
material, assim como na integração entre os colegas e professor, fazendo com que dúvidas
fossem solucionadas de maneira prática e rápida.”
A realidade é fruto de uma construção de cada um no transcorrer de suas vidas.
Podemos ser ativos na construção e modificação do “mundo real”, assim como por
modificações que possam afetar o comportamento dos outros.
A educação ligada é aquela que procura ligar os alunos a uma proposta de
construção de seu próprio conhecimento, a partir de uma visão crítica das informações a
que eles têm acesso, disponibilizadas pelo professor, mas ampliando-as e enriquecendo-as
através da interação com colegas, com outras pessoas de seu meio, e acima de tudo, com a
vivência de uma proposta de abertura para a crítica e aceitação da importância do coletivo
no resultado de nossas próprias conclusões.

OCUPANDO O CIBERESPAÇO
A ocupação do ciberespaço é uma decorrência do acelerado desenvolvimento das
tecnologias de informação e comunicação, assim como da globalização da economia
estendendo seus tentáculos a tudo o que possa ser identificado como algum tipo de mercado
consumidor. Segundo Morin, “uma das conquistas preliminares no estudo do cérebro
humano é compreender que uma das suas superioridades sobre o computador é poder
trabalhar com o insuficiente e o vago”. (Morin, 2003, p.53).
A partir dessas reflexões, pretendemos verificar se os indicadores de pensamento
crítico, identificados por Newman, Webb e Cochrane (1995), a partir dos estágios de
pensamento crítico de Garrison (1991, apud Newman, Webb e Cochrane, 1995), avaliando
itens como relevância, importância, novidade, conhecimento/experiência, ambigüidades,
associação de idéias/ interpretação, justificativa, avaliação crítica, utilidade prática e
extensão da compreensão, manifestam-se nos textos produzidos pelos alunos, dando
continuidade ao previsto nos objetivos propostos na dissertação de mestrado.
Acredito ser necessária urgência no avanço da reflexão e do debate a respeito da
incorporação das tecnologias da informação e comunicação como meio didático, quando
menos não seja para não corrermos o risco de parecer aos alunos sermos tenazes defensores
da pena, do tinteiro e do mata-borrão.
AGRADECIMENTOS
Para finalizar, gostaria de registrar minha gratidão a algumas pessoas e organizações
pelo apoio e significação no ambiente intelectual que possibilitou a germinação das idéias
aqui trazidas para a critica e debate. São eles, sem qualquer pretensão de ordenação, os
professores do Mestrado em Educação em Ciências e Matemática da PUC-RS, a minha
orientadora, Profª. Dra. Regina Maria Rabello Borges, meus alunos da disciplina de
Instalações Elétricas do curso de arquitetura da UCS-RS e, por fim, à Fapergs pelo apoio
sob a forma de bolsa de estudo.

REFERÊNCIAS

1. BIANCHETTI, Lucídio. Dilemas do Professor Frente ao Avanço da Informática na


Escola. Boletim Técnico do SENAC. n. 232, p. 9. Disponível em
<http://www.senac.br/INFORMATIVO/BTS/232/boltec232a.htm> Acesso em 29 jul.
2006.

2. BOGDAN, Robert. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e


aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994.

3. DEMO, Pedro. Conhecer & aprender: sabedoria dos limites e desafios. Porto Alegre:
Artmed. 2000.

4. HABERMAS, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Tempo Universitário,


Rio de Janeiro, 1989.

5. LÉVY, Pierre. Tecnologias intelectuais e os modos de conhecer: nós somos texto.


Disponível em
<http://www.dhnet.org.br/direitos/direitosglobais/paradigmas/pierrelevy/levy44.html>
Acesso em 31 jul. 2006.

6. ___________. Educação e cibercultura. Disponível em


<http://www.leffa.pro.br/textos/Pierre_Levy.pdf> Acesso em 2 ago. 2006.

7. MORAN, José Manuel. Mudar a forma de ensinar e de aprender com tecnologias.


Disponível em <http://www.eca.usp.br/prof/moran/uber.htm> Acesso em 9 jul. 2006.

8. MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 4.ed. Lisboa: Instituto Piaget,


2003.

9. NEWMAN, D. R.; WEBB, B.; COCHRANE, C. A content analysis method to measure


critical thinking in face-to-face and computer supported group learning. Interpersonal
Computing and Technology. IPCT-J, v.3, n.2, p. 56-77, apr. 1995. Disponível no site
http://www.helsinki.fi/science/optek/1995/n2/newman.txt

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