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MARKETING CULTURAL: OS

PATROCINADORES E A MÍDIA
Luiz Felipe d’Avila

A história do nascimento de Bravo! é muito ilustrativa para debatermos


Luiz Felipe d’Avila formou-se em a relação entre patrocinadores e mídia. Quando nós resolvemos fazer a
Bravo!, há 3 anos, as pessoas diziam que éramos loucos, que faríamos uma
Ciências Políticas pela Universidade
Americana em Paris em 1987 e
vem atuando na área de mídia revista de um único número, porque não havia mercado, leitores e anunciantes
desde 1990. para uma revista mensal de cultura. O índice de mortalidade dos projetos
editorias no Brasil é altíssimo: 80% das revistas lançadas no mercado editorial
não completam um ano de vida. Esta média deve saltar para 99% quando
Como escritor, publicou vários livros
sobre temas políticos. Trabalhou
como editorialista do Estado de se trata de uma revista cultural.
S. Paulo e da Gazeta Mercantil,
como comentarista político na
Em vez de nos desanimar, o desafio nos estimulava a buscar as alternativas
Radio Trianon, na TV Manchete
e na Rede Record. Também foi financeiras para realizar o nosso projeto editorial. Para lançar a revista,
apresentador do Programa de precisávamos descobrir um meio de diminuir o risco do negócio. Foi então
Negócios na TV Record. que descobrimos a Lei Rouanet. Apresentamos o projeto editorial da
Em junho de 1996 fundou a
Bravo! ao Ministério da Cultura (MinC) e, em alguns meses, obtivemos a
Editora D’Avila, da qual é diretor aprovação do Minc. Mesmo com a Lei Rouanet, tive de peregrinar durante
e presidente. A Editora D’Avila 6 meses por várias empresas para conseguir fechar as cinco cotas de
publica as revistas República,
patrocínio que havíamos estabelecido como meta. As cotas não seriam
Bravo! e Sabor Pão de Açúcar.
suficientes para cobrir todas as despesas da revista, mas eram fundamentais
Esta palestra foi proferida em para diminuir o risco de um projeto tão arriscado, do ponto de vista financeiro.
26/10/2000

A compra antecipada de cotas numa revista de cultura que iria ser lançada
era, para mim, uma prova importante para testar a viabilidade comercial do
projeto Bravo! Quando empresas dos mais diferentes setores fecharam as
cotas de patrocínio da revista, cheguei a conclusão de que uma publicação
cultural bem feita e original, atrelada à Lei Rouanet, era comercialmente
viável. Os cinco cotistas da revista – Banco BBA, Banco Real, Volkswagen,
Shopping Iguatemi e Pão de Açúcar – eram tradicionais patrocinadores de
projetos culturais, por isso, quando resolveram apoiar a Bravo!, nós sabíamos
que tínhamos as condições financeiras para fazer a melhor e mais importante
revista de cultura do país.
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A Bravo! teve de enfrentar 3 grandes desafios. O primeiro foi limitar o
enfoque editorial nos temas genuinamente culturais. A revista foi dividida
em cinco editorias: artes plásticas; cinema; música; teatro; literatura; teatro
O desafio de uma revista
e dança que formavam uma única editoria. É verdade que alguns jornais e
cultural é separar o joio do
revistas tratam de outros temas, como novelas, nos seus cadernos de cultura.
trigo.
Para a Bravo!, novela é entretenimento, mas não é cultura. Este é, de fato,
um dos diferenciais da Bravo!:

O desafio de uma revista cultural é separar o joio do trigo, a cultura do


entretenimento e formar uma redação que fosse capaz de fazer uma revista
mensal de cultura sem a fobia dos “furos” e a enxurrada de notícias
pausterizadas preparadas pelas assessorias de imprensa que inundam
redações com seus “press-releases”. As pautas da Bravo! precisavam durar
pelo menos 40 dias numa revista mensal. Esta periodicidade ajuda os
jornalistas e colaboradores da Bravo! a se distanciarem da pressão dos
lançamentos e estréias que atormentam os editores dos cadernos
culturais nos jornais e revistas e os fazem pensar em pautas que discutam
a cultura de forma mais profunda e analítica. Nós já tínhamos adquirido
este know-how de discussões profundas e análises com a República, o
primeiro produto editorial da Editora D’Avila, revista que se propunha discutir
os temas políticos com a qualidade reflexiva que o assunto merece,
longe do sensacionalismo e superficialidade do debate político na
imprensa brasileira.

O terceiro desafio era viabilizá-la comercialmente. A lei Rouanet foi um


incentivo importante, mas a revista precisava de outras fontes de receita e
se preparar para enfrentar a concorrência. A primeira providência foi criar
uma revista sofisticada – projeto gráfico ousado, impressão impecável, fotos
e textos de grande qualidade – para inibir a transformação das diversas
“Vejinhas” em revistas culturais e para determinar um padrão editorial de
altíssima nível para os concorrentes que quisessem disputar este mercado
com a Bravo! Mas a beleza gráfica, a qualidade editorial e a reputação da
revista não ajudaram a Bravo! conquistar muitos anunciantes. Descobrimos
que o mercado publicitário não foi educado para comprar mídia segmentada
e de qualidade. É muito mais fácil comprar quantidade do que qualidade
para as agências de publicidade. A equipe comercial da revista teve de
trabalhar muito para conquistas novos anunciantes e, mesmo assim, nós
ainda somos as primeiras vítimas dos cortes de verba das campanhas
publicitárias.

E como a história da Bravo! se encaixa na discussão do marketing cultural?


As leis de incentivo a cultura abriram um imenso mercado cultural. Se não
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fosse a Lei Rouanet, a Bravo! não teria sido criada e sem a Bravo!, o
mercado de revistas culturais não teria surgido. Depois da Bravo!
surgiram outros títulos neste segmento, como a Cult, Caros Amigos e Palavra.
Além de ajudar a criar o mercado cultural, as empresas descobriram que o
marketing cultural é uma poderosa arma de imagem institucional. Investir
em cultura, assim como em atividades sociais, ajuda a melhorar a imagem
da empresa junto ao público. O consumidor tem mais simpatia e confiança
pelas empresas que investem em cultura e cidadania. Mas os fundamentos
das leis de incentivo precisam ser revistos.

Em primeiro lugar, sou contra a idéia de uma lei que permite uma empresa
deduzir 100% do valor incentivado do seu imposto de renda. O teto de
desconto deveria ser de 50%; os outros 50% a empresa teria de pagar com
a sua verba de marketing. Esta é uma maneira criteriosa de uma companhia
pagar por atividades culturais que darão grande visibilidade ao seu nome.
Patrocinar a Orquestra Sinfônica de Chicago ou a exposição das esculturas
de Rodin não dependem apenas das leis de incentivo. As empresas pagariam
por estes eventos mesmo se não existisse a Lei Rouanet. A companhias
investem em marketing cultural para que seu nome esteja atrelado a eventos
de prestígio e de importância para o país. Onde houver eventos culturais
que reúna público qualificado e mídia (portanto, dê visibilidade), haverá
dinheiro para patrociná-lo.

A dedução de 100% do imposto de renda deturpa o espírito da lei. Há


algumas instituições (uma minoria, é verdade) que se aproveitam da lei para
usá-la como um instrumento de operação financeira e não como um incentivo
Além de ajudar a criar o
a cultura. Nós recusamos este tipo de patrocinador, pois a aceitação de
mercado cultural, as
verba de empresas que pensam exclusivamente no desconto não estão
empresas descobriram que
incentivando a cultura, mas aproveitando uma lei para pagar menos imposto
o marketing cultural é uma
de renda.
poderosa arma de imagem
institucional.
Em segundo lugar, o dinheiro arrecadado com o resultado das leis de incentivo
deveria fazer parte de um “Fundo da Cultura” que fosse capaz de patrocinar
projetos culturais de relevância regional ou local que não conseguissem
patrocinadores na iniciativa privada. É importante dizer que o teto de desconto
determinado pela Lei Rouanet – 4% do Imposto de Renda devido – serve de
grande estímulo para os 40 maiores grupos empresarias do país que pagam
uma fortuna de imposto de renda. Mas uma empresa de pequeno ou médio
porte que gostaria de patrocinar a cultura descobre que 4% do imposto de
renda não representam mais de alguns mil reais. Minha sugestão é que o
teto de desconto do imposto de renda seja determinado de acordo com o
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faturamento da empresa. Uma companhia que fatura bilhões de reais por
ano, poderia continuar descontando 4% do imposto de renda devido, mas
uma empresa que fatura dez milhões de reais por ano deveria ter uma taxa
de desconto muito maior. Esta seria uma fórmula para estimular empresas
de pequeno e médio porte incentivarem a produção cultural. Uma companhia
que pudesse descontar 10% do imposto de renda para patrocinar um
conservatório musical de uma pequena cidade do interior ou uma companhia
teatral do bairro estará contribuindo para a cultura da mesma forma que
uma empresa que patrocina a Orquestra de Chicago.

As leis de incentivo a cultura foram responsáveis pela explosão da produção


cultural brasileira. Ajudaram a construir um mercado cultural porque criou-
se um estímulo para as empresas investirem na cultura. Todos saíram As leis de incentivo a
ganhando com esta parceria. Os artistas conseguiram os recursos que cultura foram responsáveis
precisavam para fazer filmes, montar peças teatrais, publicar livros e realizar pela explosão da produção
suas exposições. Mas é preciso rever os critérios da lei para evitar o mau cultural brasileira e
uso dos incentivos e estimular as empresas de menor porte de modo que ajudaram a construir um
possam participar do patrocínio cultural. Desta forma, estaríamos mercado cultural.
aumentando o tamanho do mercado cultural, aumento os recursos para a
cultura e democratizando o acesso a patrocinadores. Quanto maior e mais
democrático for o mercado cultural, melhor será o relacionamento entre
patrocinadores e mídia.

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