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30/09/2014

revista Ensino Superior nº 14 (julho-setembro)

Institutos Federais lutam para criar cultura institucional


de pesquisa e pós-graduação
IFs terão de enfrentar enormes dificuldades para a consolidação da pesquisa qualificada e para
tornar possível a oferta de pós.
Daniel de Magalhães Araujo
Doutor em Zootecnia pela Universidade Estadual Paulista (FMVZ/Unesp). Atualmente é professor do Instituto
Federal de Alagoas, campus Satuba, onde realiza pesquisas sobre aquicultura.

Luana Tieko Omena Tamano


Mestre em História pela Universidade de São Paulo. Atualmente é doutoranda em História da Ciência pela
USP, onde desenvolve pesquisa sobre Arthur Ramos.

Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), criados por meio da lei 11.892, de
29 de dezembro de 2008, constituem uma das maiores iniciativas na área da educação no Brasil.
Eles derivam da transformação e/ou integração das antigas Escolas Técnicas Federais ou
Centros Federais de Educação Tecnológica com as Escolas Agrotécnicas Federais.

Pertencentes à Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Rede), da qual


também fazem parte a Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UFTPR), os Centros
Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, que
aguardam obter o mesmo patamar de universidade tecnológica, e o Colégio Pedro II, os IFs foram
caracterizados em sua lei de criação como:

[...] instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi,


especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de
ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas
pedagógicas [...]

Com referência à formação superior, é necessário destacar que os institutos são equiparados às
universidades, sendo regidos, regulados e avaliados da mesma forma, com autonomia para criar
e extinguir cursos. A principal limitação existente consiste na obrigatoriedade em resguardar 50%
das vagas para cursos técnicos e 20% para licenciaturas. Desta forma, é possível perceber que
os IFs são, por efeito de sua lei de criação, híbridos que devem atuar em todos os níveis e
modalidades, inclusive pós-graduação.

Em sua atual constituição, os IFs pretendem atingir mais de 500 campi em diferentes municípios
ao final de 2014. Essa atuação em tantas frentes e vertentes ainda não finda seus compromissos,
pois, constam entre suas atribuições a realização de pesquisa e extensão, como sendo partes
integrantes e indissociáveis do ensino em todas as suas modalidades. Diante dos imensos
desafios da educação, ciência, tecnologia e inovação no país, os institutos ainda buscam a sua
identidade e procuram superar as dificuldades para consolidação integral da sua atuação em
pesquisa e pós-graduação (P&PG).

Nos IFs, com uma história bem mais recente e a pesquisa sendo algo tão novo em sua

agenda, essa ainda não se tornou arraigada dentre as atribuições do docente. Assim, são

poucos os que pesquisam e menos ainda são os que se aventuram na escrita e submissão

de projetos visando obter fundos. Pesquisa e pós-graduação nos IFs: a necessária


mudança de paradigmas
Em certa medida ainda é corrente entre os próprios docentes e gestores dos IFs a ideia de que
pesquisa não é tarefa de sua competência, embora a legislação atual pregue a sua realização.
Arraigados no princípio de sua funação, qual seja o de ensinar um ofício técnico ambicionando
colocações no mercado de trabalho, boa parte dos institutos não oferece as condições
necessárias para se fazer pesquisa, ainda que atualmente esse cenário venha, lentamente,
sendo alterado.

Para Carlos Henrique Almeida Alves, pró-reitor de Pesquisa e Inovação do Instituto Federal de
Alagoas (IFAL), desde a transformação das Escolas Técnicas Federais em CEFETs tem se
percebido uma embrionária mudança de comportamento com relação à pesquisa. Para ele,
entretanto, ações individuais e voltadas para a qualificação do servidor se destacavam,
inexistindo ações sistêmicas. Em sua análise, os baixos salários e a carência de bolsas de estudo
dificultavam o afastamento dos professores para cursar mestrados e doutorados, enquanto hoje
nos IFs há o esforço nacional e local para ações que possibilitem a qualificação, a pesquisa e até
mesmo oferta de pós-graduação.

Semelhante opinião é compartilhada por Cristhianny Bento Barreiro, docente do Instituto Federal
Sul-Riograndense (IFSUL), ao afirmar que a mudança para CEFET e a possibilidade de oferta de
ensino superior fortaleceu o discurso relacionado à pesquisa, enquanto a transformação em
Instituto Federal proporcionou a sua institucionalização. Para ela, no entanto, houve um grande
problema com relação à capacitação dos professores ao longo dos anos, que não foi assumida
como política institucional. Hoje, afirma que “há um grupo grande de professores com doutorado,
mas em áreas e com produções dispersas, o que dificulta a criação de uma pesquisa formalizada
institucional forte”.

Há um desconhecimento dos órgãos de fomento sobre os institutos, o que se reflete em

dificuldades de aprovação de projetos. Só o aumento da participação dos docentes fará com

que, lentamente, os IFs consigam melhorar seu posicionamento nos editais. O professor
Stoécio Malta Ferreira Maia, que ocupou o cargo de diretor do Departamento de Pesquisa e
Inovação do IFAL, ressalta que a falta de infraestrutura (laboratorial e administrativa) e de apoio
por parte dos gestores – notadamente os diretores dos campi – e o excesso de carga horária dos
docentes são as principais dificuldades para o desenvolvimento de P&PG. Givaldo Oliveira dos
Santos, docente do IFAL e credenciado no mestrado em Ensino de Ciências da UFAL, ratifica as
dificuldades apontadas por Malta e acrescenta que a atuação em pesquisa não é contabilizada
dentre as horas de trabalho do docente, ainda que haja regulamentação. Dessa forma, a atuação
dos docentes pesquisadores fica destinada apenas à sala de aula, como afiança Barreiro. A
professora ainda destaca a vagarosidade dos institutos em considerar outras atividades de
ensino, como os acompanhamentos dos projetos ou trabalhos de extensão, bem como a
burocracia administrativa – que, quando não impedem, dificultam atuação mais profícua nas
pesquisas.

Essa visão vai ao encontro com a de Alves quando afirma ser necessária uma mudança de
paradigma que está arraigado em muitos dos servidores, de que pesquisa qualificada e geração
de stricto sensu não é atribuição dos IFs; e que, dessa forma, apenas basta o cumprimento
integral das atividades do ensino técnico e tecnológico. Segundo ele, tais dificuldades são
enfrentadas por praticamente todos os pró-reitores da Rede.

O papel dos órgãos de fomento


A pesquisa científica e tecnológica no Brasil sempre foi realizada, em sua ampla maioria, nas
universidades públicas e centros de pesquisa específicos, como no caso da Embrapa, Inpa etc.
Essas instituições contam com recursos específicos dos governos, federal ou estaduais, para a
manutenção de sua estrutura e, muitas vezes, específicos para o suporte à investigação
científica. Outra forma comum de captar verbas são as iniciativas de seus pesquisadores que,
tradicionalmente, submetem e aprovam projetos em editais das instituições de fomento à
pesquisa. Esse modus operandi já está consolidado na lista de atribuições e afazeres desses
profissionais, que já possuem suficiente know how e trânsito nas principais entidades
financiadoras do país.

Nos IFs, com uma história bem mais recente e a pesquisa sendo algo tão novo em sua agenda,
essa ainda não se tornou arraigada dentre as atribuições do docente. Assim, são poucos os que
pesquisam e menos ainda são os que se aventuram na escrita e submissão de projetos visando
obter fundos. Barreiro ressalta a importância dos órgãos de financiamento na oferta de bolsas de
Iniciação Científica e Iniciação Tecnológica, porém considera desigual a disputa dos IFs com as
universidades por recursos. Diante da dificuldade de concorrência com as universidades, a
professora destaca a importância do financiamento próprio dos IFs e afirma que tem sido
definitivo para se conseguir fazer pesquisa.

Ao ser indagado sobre o papel dos órgãos de fomento para a consolidação das investigações
realizadas pelos IFs, Maia afirma que existe, por parte desses órgãos, um certo desconhecimento
sobre os institutos, o que se reflete em dificuldades de aprovação de projetos. Porém, ele crê que
o aumento da participação dos docentes, que já se iniciou, fará com que, lentamente, os IFs
consigam melhorar seu posicionamento nos editais. Sua opinião é de que o maior problema é
interno, pois falta apoio dos próprios IFs para que aqueles com potencial e vontade de pesquisar
possam fazê-lo.

Alves assevera que foi o CNPq que mais avançou no entendimento das demandas e desafios a
serem encarados pelos IFs e afirma que a Capes começa a tentar parcerias com a Secretaria de
Educação Profissional e Tecnológica (Setec), principalmente no sentido da qualificação dos
servidores. Segundo ele, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) já contemplou alguns
institutos, com a aprovação de projetos no edital CT-Infra, porém afirma que seus editais são
muito voltados aos aspectos símiles às universidades.

O futuro da pesquisa e pós-graduação nos IFs


Todo o cenário relatado acima demonstra as enormes dificuldades que os IFs têm e terão de
enfrentar para a consolidação da pesquisa qualificada e para tornar possível a oferta de pós-
graduação. Todavia, talvez seja surpreendente uma constatação: o número de cursos de pós-
graduação stricto sensu tem aumentado.

Elaborada utilizando como base os dados disponibilizados pela própria Capes referentes à última
avaliação trienal dos programas de pós-graduação (PPG), na Tabela 1 podem ser vistos os
cursos ofertados pela Rede, excetuando-se a UFTPR. Considerando o ciclo da avaliação trienal
que se encerrou em 2007, quando os IFs ainda não haviam sido criados, eram apenas seis
oferecidos pelos CEFETs. Em 2010, apenas dois anos após sua criação, o número saltou para 17
e para 30 em 2013.

A maior parte dos PPG recebeu conceito 3; porém tem havido um aumento do percentual dos
classificados em 4, ainda que nenhum deles tenha recebido nota 5, máxima dentre os que
somente ofertam mestrados. Pela primeira vez ocorreu a avaliação de dois cursos de doutorado -
Modelagem Matemática e Computacional e Ciência, Tecnologia e Educação, mas ambos
ofertados por CEFETs (Minas e Rio, respectivamente. Lembrando que estes não aceitaram a
transformação em IFs almejando, no futuro, tornarem-se Universidades Tecnológicas, tal qual a
UFTPR.

Tabela 1. Cursos de pós-graduação stricto sensu ofertados pelos Centros Federais de Educação
Tecnológica (CEFETs) em 2007 e CEFETs e Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia (IFs) em 2010 e 2013

2007 2010 2013


Total de Cursos 6 17 30
Mestrado Profissional 2 5 11
Mestrado Acadêmico 4 12 17
Doutorado 0 0 0
Mestrado + Doutorado 0 0 2
1 2 3
Engenharias e Engenharias e Engenharias e
Área de Avaliação Predominante Ensino de Ciências e Ensino de Ciências e Ensino
Matemática Matemática
Conceito 3 100% 94,12% 80,00%
Conceito 4 0,00% 5,88% 20,00%

1
Consta um curso em cada Área das Engenharias (I, II e II), dois em Ensino de Ciências e
Matemática e um Multidisciplinar (Modelagem Matemática e Computacional).
2
Constam três, dois, cinco e um curso nas Engenharias I, II, III e IV, respectivamente. Além
destes, mais três em Ensino de Ciências e Matemática, um em Ciências Agrárias I, um
Interdisciplinar e outro em Letras/Linguística.
3
São três, quatro, cinco e dois cursos nas Engenharias I, II, III e IV, respectivamente e cinco em
Ensino. Além desses, mais três na Área Interdisciplinar, dois em Educação, um em
Letras/Linguística e, pela primeira vez, um curso em Zootecnia/Recursos Pesqueiros e quatro em
Ciência dos Alimentos.

Perguntados se entendem e acreditam que P&PG são um caminho natural que os institutos
devem seguir, todos os professores aqui citados foram unânimes, afirmando que sim. Santos
considera que a pesquisa e, consequentemente, a pós-graduação fazem com que as instituições
possam buscar mais verbas e profissionais qualificados para desenvolver suas aptidões e
crescerem; e que isso é essencial para a chamada verticalização do ensino, por completo. Alves
entende que o rumo dos IFs nessas áreas possui pontos semelhantes a alguns modelos de
universidades, porém enfatiza a necessidade de estreitar os vínculos com o setor produtivo
(empresas). Segundo Barreiro, P&PG como atividades formais começaram há pouco tempo nos
IFs e quando se fala de tempo histórico é necessário ter um pouco de paciência para que os
resultados possam aparecer de uma forma contundente. Ela completa que se as pesquisas
realizadas nos IFs ainda não geraram resultados tão inovadores quanto se pretende, o certo é
que são imprescindíveis na formação de recursos humanos, uma vez que formar gerações de
pessoas capazes de construir mais do que reproduzir é uma aposta para o desenvolvimento
social e econômico que o Brasil precisa.

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