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JOSÉ ARISTIDES DA SILVA GAMITO

CHRISTIANITATES:
TÓPICOS DE LITERATURA CRISTÃ PRIMITIVA

VITÓRIA - ES

2017
GAMITO, José Aristides da Silva. Christianitates: Tópicos de
Literatura Cristã Primitiva. Vitória: Edição digital, 2017.
2

A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA DO CRISTIANISMO PRIMITIVO


THE IMPORTANCE OF EARLY CHRISTIAN LITERATURE

1. A necessidade de conhecer as ideias cristãs primitivas

O cristianismo marcou profundamente a história da civilização ocidental. E a


compreensão de um movimento pressupõe o conhecimento das origens. Para o
conhecimento das grandes doutrinas cristãs, precisamos compreender que ideias
estavam na origem de tudo. A literatura cristã é uma importante fonte para conhecermos
como as doutrinas de hoje foram formadas.[1]
A mensagem cristã não estava preocupando somente com questões
soteriológicas, mas também morais, antropológicas e cosmológicas. Como os estóicos
os pregadores cristãos condenavam os vícios e exortavam as pessoas às virtudes. Os
novos convertidos experimentavam novas formas comportamento social dentro das
comunidades.
O cristianismo enfrentou a concorrência de muitos cultos mistérios que estavam
em alta nos primeiros séculos. A doutrina da imortalidade da alma fez com o
cristianismo ganhasse muitos adeptos.[2] Os textos apócrifos e dos padres apostólicos
são as fontes necessárias para conhecer a diversidade de ideias e de posturas que
formaram o cristianismo primitivo. Nas palavras de Martin Dibelius:

Os livros do NT e outros escritos da época cristã primitiva dos primeiros


séculos representam a confirmação da mensagem cristã. Mas a influência
daquela mensagem depende de sua penetração em determinadas formas
temporalmente consagradas, vem por anunciada por personalidades históricas
e expressa em acontecimentos históricos. Quem pretende expor o surgimento
do cristianismo primitivo tem de examinar como o cristianismo primitivo
adquiriu assim sua configuração.[3]

2. A literatura cristã além do NT

Além dos textos do Novo Testamento, uma vasta literatura foi desenvolvida no
cristianismo primitivo. Orígenes, Ireneu e Clemente de Alexandria falam de muitos
evangelhos que foram escritos. Muitos textos concorreram com aqueles do NT até a
fixação do cânone do século IV. Estes textos que são considerados apócrifos
neotestamentários somam por volta de 200.[4]
Porém, muitos textos estão além dessa classificação de apócrifos como
apologias, homilias, tratados, cartas, hinos. Há uma variedade gênero que nos informa
as doutrinas, ideias e modo de vida dos primeiros cristãos. A descoberta de bibliotecas
em Qumram e em Nag Hammadi ampliou consideravelmente nossa noção da
diversidade e quantidade de textos cristãos.
O que chamaremos de literatura do cristianismo primitivo será aquela produção
literária cristã do século I ao século IV. E estamos falando de textos além do
NT.[5]Phillip Vielhauer classifica os textos da literatura cristã em apócrifos e padres
apostólicos. São de autoria dos padres apostólicos os textos das Cartas de Barnabé,
Pastor de Hermas e Didaquê. Dentro os textos apócrifos estão os textos de Nag
3

Hammadi estão o Evangelho de Tomé, da Verdade, de Filipe e o Livro de Tomé


“Contendor”.[6]
Dentre estes textos temos evangelhos, atos e apocalipses diversos. Dos
evangelhos podemos falar do Protoevangelho de Tiago (séc. II ao IV). Este texto conta a
história do nascimento, crescimento e casamento de Maria, mãe de Jesus.[7] Os textos
sob o nome de Evangelho são muitos. O Evangelho dos Hebreus[8], Evangelhos dos
Egípcios, Evangelho de Pedro (séc. II) fala da paixão de Jesus[9].
Epifânio de Salamina por volta de 374 e 377 escreveu a obra Panarion. A obra
foi composta em três volumes[10]. Na seção 26 da obra Panarion há algumas
referências a textos gnósticos. Dentre eles, aparecem menções a alguns evangelhos. Há
uma passagem curta do Evangelho de Eva (26, 3.1). Uma referência ao Evangelho de
Filipe (26, 13.2). Aparece no 26.2,5 uma menção ao Evangelho da Perfeição, mas sem
nenhuma citação. E o Evangelho de Judas (38. 1,5). Em uma única obra temos
conhecimento da existência de vários evangelhos não-canônicos[11].
Um evangelho apócrifo que muito tem despertado o interesse dos estudiosos é o
de Tomé. O Evangelho de Tomé foi escrito entre os anos 70 e 90 d. C e sua teologia
aponta para a conclusão de que todo homem pode se assemelhar a Jesus através da
revelação e da iluminação.[12]
Portanto, muitos evangelhos, atos, apocalipses, cartas e tratados diversos foram
escritos nos primeiros séculos do cristianismo. Muitos textos foram propostos como
autoridade para ensinar a verdadeira doutrina cristã. Mas apenas um número limitado
foi aceito como canônico.
Os escritos dos padres apostólicos representam comentários e ensinamentos
sobre o que se entendia como doutrina cristã naquele período. Até o século IV, muitos
textos foram escritos e auxiliam a entender muitos aspectos que não tratados ou são
ampliados nos textos do Novo Testamento.

Referências

DAVIES, Stevan. The Gospel of Thomas and Christian Wisdom. New York: The
Seabury Press, 1983.

EPIPHANIUS, Saint. The Panarion of Epiphanius of Salamina. Book I. Translated by


Frank Williams. Boston: Brill, 2009.

HATCH, William Harry Paine. The Primitive Christian Message. Journal of Biblical
Literature, Vol. 58, No.1, mar., 1939.

MORESCHINI, Claudio e NORELLI, Enrico. Manual de Letteratura Antica Greca e


Latina. Brescia: Editrice Morcelliana, 1999.

ROMANUS, Hippolytus. The Refutation of All Heresies. III, 55.


SEN, Felipe. Apócrifos del Nuevo Testamento y La Literatura Cristiana Primitiva.
Asociacion Española de Orientalistas, XXXIX (2003), p. 206-207.

VIELHAUER, Phillip. Introducción al Nuevo Testamento y los padres


apostólicos.Salamanca: Sígueme, 1991.
4

[1] HATCH, William Harry Paine. The Primitive Christian Message. Journal of Biblical Literature, Vol.
58, No. 1 (Mar., 1939), pp. 1-3.
[2] HATCH, 1939, pp. 12-13.
[3]VIELHAUER, Phillip. Introducción al Nuevo Testamento y los padres apostólicos. Salamanca:
Sígueme, 1991.
[4] SEN, Felipe. Apócrifos del Nuevo Testamento y La Literatura Cristiana Primitiva. Asociación
Española de Orientalistas, XXXIX (2003), p. 206-207.
[5] SEN, p. 209.
[6] VIELHAUER,1991.
[7] SEN, 2003, p. 209.
[8] SEN, 2003, p. 212.
[9] SEN, 2003, p. 213.
[10] MORESCHINI, Claudio e NORELLI, Enrico. Manual de Letteratura Antica Greca e Latina.
Brescia: Editrice Morcelliana, 1999, pp. 234-235.
[11] EPIPHANIUS, Saint. The Panarion of Epiphanius of Salamina. Book I. Translated by Frank
Williams. Boston: Brill, 2009, p. 26.
[12] DAVIES, Stevan. The Gospel of Thomas and Christian Wisdom. New York: The Seabury Press,
1983, p.4.
5

QUANTOS EVANGELHOS FORAM ESCRITOS? AS DIFERENTES VISÕES


SOBRE JESUS

José Aristides da Silva Gamito

Introdução

As instituições cristãs reconhecem como autorizados quatro evangelhos, a saber,


Mateus, Marcos, Lucas e João. Eles são chamados de evangelhos canônicos. São textos
que foram aceitos como inspirados pelo Espírito Santo pela igreja primitiva e que
contêm o ensinamento verdadeiro de Jesus. Porém, foram escritos dezenas de
evangelhos. Alguns mais antigos e mais próximos aos apóstolos e outros mais tardios e
distantes de quem foi discípulo de Jesus. Para o cientista da religião, todos esses textos
têm valor histórico porque nos permite hoje compreender como o cristianismo se
desenvolveu.
Os evangelhos que não foram recebidos no Novo Testamento são chamados de
“apócrifos”, para fins de estudos é um termo bastante genérico. A decisão sobre uma
lista de quais textos que comporiam o Novo Testamento foi um processo lento. E antes
e durante este processo, dezenas de escritores procuraram escrever a história e os
ensinamentos de Jesus. Esses textos sobre Jesus foram chamados de “evangelhos”.
Porém, temos evangelhos de diferentes gêneros literários e que nem se parecem com os
quatro do Novo Testamento.
É importante salientar que o esforço dos autores cristãos antigos em preservar a
memória de Jesus fez com que surgissem muitos textos com ditos de Jesus além do
Novo Testamento. Verificar a historicidade de todos esses ensinamentos atribuídos a
Jesus é uma tarefa quase impossível. Mas todos eles têm seu valor histórico e literário.
Se eles não representam o pensamento de Jesus pelo menos representam o que alguns
seguidores de Jesus pensavam sobre ele.
O leitor que está entrando em contato pela primeira vez com a história dos textos
apócrifos precisa considerar que o cristianismo primitivo era muito plural. Havia muitos
grupos com interpretações diferentes sobre os ensinamentos de Jesus. Alguns eram até
mesmo rivais. Portanto, os defensores dos evangelhos canônicos, ou seja, a versão do
cristianismo que prevaleceu como ortodoxa a partir do consenso dos concílios
ecumênicos não levou em consideração esses textos apócrifos porque os tinha como
heréticos.
Muitos desses textos foram perdidos porque perderam proteção e tiveram sua
transmissão interrompida. Outros foram preservados e uma grande maioria foi
redescoberta nos achados arqueológicos do século passado, no Egito. Depois da
Segunda Guerra Mundial cresceu o interesse acadêmico por esses textos. Atualmente,
vencido o preconceito contra o rótulo de “apócrifos”, eles são objetos de estudo das
ciências da religião, da história e da literatura.

Apresentação dos evangelhos apócrifos


6

Afinal, quantos são esses evangelhos e quais são? Foram muitos e não sabemos
quantos, só sabemos que sobreviveram dezenas deles. Estes evangelhos são gêneros de
narrativos, de sentenças, de homilias. Os evangelhos mais estudados são: Evangelhos
dos Nazarenos, dos Ebionitas, dos Hebreus, Evangelho Desconhecido de Egerton, dos
Egípcios, de Tomé, de Pedro, de Maria, de Filipe, da Verdade, do Salvador, da Infância
de Tomé e Proto-Evangelho de Tiago e muitos outros textos na íntegra ou em
fragmentos que são também evangelhos.
De que tratam esses evangelhos? O Evangelho dos Nazarenos contava aspectos
sobre o ensinamento e a vida pública de Jesus e foi utilizado por judeus-cristãos de
língua aramaica. O Evangelho dos Ebionitas foi utilizado por um grupo de cristãos
chamados de ebionitas que viveram em vários pontos da região mediterrânea. O
Evangelho dos Hebreus foi escrito e provavelmente utilizado no Egito.
O Evangelho Desconhecido de Egerton é um texto fragmentário vindo do Egito
e datado de 157 d. C. Ele possui quatro histórias presentes nos evangelhos canônicos. O
Evangelho dos Egípcios era conhecido do escritor Clemente de Alexandria no século II.
Destacam-se neste texto umas conversas entre Jesus e Salomé. Foi um evangelho
também utilizado no Egito.
O Evangelho de Tomé é o evangelho mais próximo dos evangelhos canônicos.
Muitos o chamam de quinto evangelho. Trata-se de um texto de 114 ditos de Jesus a
seus discípulos. Ele era conhecido dos escritores cristãos antigos, mas foi descoberta na
íntegra apenas no século passado. É uma obra escrita na Síria entre 40 e 140 d. C.
O Evangelho de Pedro trata exclusivamente da história da paixão e da
ressurreição de Jesus. Segundo Bart Ehrman, ele foi utilizado como escrituras em
algumas igrejas no século II. O Evangelho de Maria apresenta Jesus conversando com
seus discípulos e Maria Madalena tem um papel de liderança entre eles. Os fragmentos
gregos deste evangelho são do século II.
O Evangelho de Filipe é uma coleção de homilias utilizadas como instrução para
batismo. O manuscrito copta deste texto é do século IV. O autor se concentra no sentido
dos sacramentos. O Evangelho da Verdade é um tratado da biblioteca de Nag Hammadi
e tem este título porque fala da boa nova da revelação de Deus através do conhecimento
que salva através de Jesus Cristo. Ele deve ter sido escrito antes de 180 d. C.
O Evangelho do Salvador é uma narrativa sobre as últimas horas de Jesus, ou
seja, sobre sua paixão. Ele foi escrito provavelmente no século II utilizando antigos
escritos cristãos. O Evangelho da Infância de Tomé procura preencher as lacunas
deixadas pelos canônicos sobre a infância de Jesus. Ele conta vários episódios da
infância de Jesus, inclusive, travessuras. O texto circulou na primeira metade do século
II. E por fim, o Proto-Evangelho de Tiago se concentra na vida de Maria até o
nascimento de Jesus. Ele traz informações sobre os nomes dos avós de Jesus e o nome
de seus irmãos. Esse texto circulou por volta de 150 d. C.

Considerações finais

Neste breve relato, apresentamos os principais evangelhos apócrifos. A


importância de se estudar esses textos é conhecer a história do cristianismo primitivo e
7

o desenvolvimento do cânon. O Novo Testamento é resultado de um processo histórico


e cultural lento e não foi resolvido em um só dia. Conhecer os textos em torno de sua
formação amplia nossa visão de como surgiu a fé cristã.

Referências

EHRMAN, Bart D. Lost Scriptures: Books that Did not in to the New Testament.
Oxford/New York: Oxford University Press, 2003.

GAMITO, José Aristides da Silva. A Identidade de Jesus no Evangelho de


Tomé:Divergência ou complementaridade? Comunicação. VI Simpósio do Mestrado de
Ciências das Religiões. Faculdade Unida de Vitória, ES, 2017.

VAN OS, Lubbertus Klaas. Baptism in Bridal Chamber: the Gospel of Philip as a
Valentinian Baptismal Instruction. University of Groningen, 2007.

OS APOCALIPSES DE NAG HAMMADI

José Aristides da Silva Gamito

Introdução

Os cristãos contemporâneos comumente conhecem como apocalipse, o


Apocalipse de João. Mas ele é apenas um exemplo de vários textos do cristianismo
primitivo com este nome. São textos com visões apocalípticas dos fins dos tempos e
outras visões sobre o segredo do reino divino.
Há textos apocalípticos tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento
e também em textos apócrifos. Abaixo elencamos os apocalipses de Nag Hammadi.

Apresentação dos apocalipses

Dentre os textos descobertos em Nag Hammadi, no Egito, há cinco apocalipses.


São eles: Apocalipse de Paulo, 1º Apocalipse de Tiago, 2º Apocalipse de Tiago,
Apocalipse de Adão e Apocalipse de Pedro.
O Apocalipse de Paulo mostra o apóstolo ascendendo ao céu para receber uma
revelação sobre o destino da alma após a morte. É datado do final do século IV.
Segundo Bart Ehrman, a descrição de céu e inferno propagada no ocidente deve muito a
essas tradições.
O 1º Apocalipse de Tiago pode ser provavelmente do século III. Ele contém
revelações do Salvador antes da Paixão e depois da ressurreição. Aparece neste a
ascensão da alma depois da morte. Esta uma marca característica dos apocalipses. O 2º
Apocalipse do Tiago também tem revelações de Jesus a Tiago e uma batalha contra o
criador do mundo material e seus arcontes é a idéia central.
8

O Apocalipse de Adão pode ser situado como originário do século II ou I. O


destinatário da revelação nesta obra é Set, filho de Adão. Ele contém características
comuns com a literatura apocalíptica judaica.
A versão conhecida do Apocalipse de Pedro foi encontrada numa tradução
etíope. Ele apresenta um discurso de Jesus aos seus discípulos, descrevendo uma
jornada ao céu e ao inferno e os eventos terríveis do julgamento final. Foi texto
utilizado como Escrituras pelos antigos cristãos.

Considerações finais

Os textos canônicos não eram os únicos textos do ambiente judaico e cristão,


eles são apenas um recorte de uma vasta literatura religiosa, da qual alguns ganharam
ostatus de Escrituras Sagradas. O estudo aprofundado do Apocalipse de João pressupõe
o conhecimento da literatura apocalíptica.

Referências

CHAVES, Julio César Dias. The Nag Hammadi Apocalyptic Corpus: Delimitation and
Analysis. Québec: Université Laval, 2007.

EHRMAN, Bart D. Lost Scriptures: Books that Did not in to the New Testament.
Oxford/New York: Oxford University Press, 2003.

OS ATOS DOS APÓSTOLOS APÓCRIFOS

José Aristides da Silva Gamito

Introdução

Além dos Atos dos Apóstolos do Novo Testamento, existem muitos outros
textos antigos com o título de “atos”. Eles contam a história dos apóstolos. São vários e
alguns não recebem necessariamente o título de atos. Os atos são texto narrativo de
gênero literário similar ao romance.
A lista que apresentamos neste pequeno artigo contém apenas partes desses atos,
muitos outros são encontrados.

Apresentação dos atos apócrifos

A seguir elencamos alguns atos apostólicos: Atos de João, Atos de André, Atos
de Paulo, Atos de Pedro, Atos de Tecla e Atos de Tomé. Comentaremos um pouco
sobre cada um deles.
Os Atos de João descrevem as viagens de João na Ásia Menor e seus milagres. É
um texto atribuído a Leukoios Karinos e foi escrito provavelmente no século II. Os Atos
9

de André são do século II ou III e narram a atividade evangelizadora do apóstolo na


Ásia Menor. Os Atos de Paulo contam suas atividades em várias cidades, inclusive, sua
morte em Roma. Os Atos de Paulo contam, por sua vez, a atividade de Pedro em Roma,
sua morte na cruz e diversos milagres.
Os Atos de Tecla contam a história de uma amiga de Paulo chamada Tecla. Ela
foi pregadora e exerceu liderança apostólica. Os Atos de Tomé narram a viagem e a
evangelização de Tomé na Índia.

Considerações finais

Os atos apostólicos apócrifos contêm narrativas diversas que partem desde


possibilidades históricas até mesmo narrativas totalmente incríveis. Porém, muitas
informações sobre a vida dos apóstolos provêm desses textos.

Referências

ADRIANO FILHO, José. Atos Apócrifos dos Apóstolos: Subversão para com o Império.
Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. 217.

FARIAS, Jacir de Freitas. A Vida e Atos dos Apóstolos: segundo Atos Apostólicos
Apócrifos. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-
ims/index.php/Ribla/article/.../5556 Acesso em 06 dez. 2017.
10

EVANGELHO DE EVA SEGUNDO OPANARION DE EPIFÂNIO


EVE’S GOSPEL ACCORDING TO PANARION OF EPIPHANIUS

José Aristides da Silva Gamito[1]

1. Introdução

A literatura cristã antiga é ainda bastante desconhecida fora do ambiente


acadêmico. Muitas pessoas ignoram o fato de que os “evangelhos” vão além dos quatro
que compõem o Novo Testamento. Dentre uma variedade de textos denominados
“evangelhos” apenas quatro foram canonizados (Mateus, Marcos, Lucas e João). Alguns
desses textos antigos nos foram transmitidos integralmente, mas a grande maioria
sobreviveu em fragmentos ou em citações de outros autores cristãos. No presente artigo,
identificaremos alguns desses evangelhos esquecidos na obra Panarionde Epifânio de
Salamina.
Neste levantamento não entraremos no mérito da ortodoxia, heterodoxia ou
heresia dessas obras. Nós as consideraremos como literatura cristã antiga e indicarmos o
que sobreviveu delas. Seu valor específico é perceber a pluralidade do cristianismo
primitivo. Dos evangelhos citados, faremos comentários especificamente sobre o
Evangelho de Eva.

2. Epifânio de Salamina e a obra Panarion

Epifânio de Salamina nasceu por volta de 310. Recebeu educação monástica e


foi bispo em Chipre. Assumiu fortes polêmicas anti-heresias. Consideravam-se heresias
aquelas doutrinas que diferiam do cristianismo oficial. Entre 374 e 377 escreveu a
obraPanarion em três volumes. O intuito do livro é combater 80 heresias. São heresias
de seu tempo e também anteriores ao cristianismo.[2]
Na seção 26 da obra Panarion há algumas referências a textos gnósticos. Dentre
eles, aparecem menções a evangelhos. Há uma passagem curta do Evangelho de Eva
(26, 3.1). Uma referência ao Evangelho de Filipe (26, 13.2). Aparece no 26.2,5 uma
menção ao Evangelho da Perfeição, mas sem nenhuma citação. E o Evangelho de Judas
(38. 1,5). Em uma única obra temos conhecimento da existência de vários evangelhos
não-canônicos[3].
Os Evangelhos de Filipe e de Judas sobreviveram integralmente. São também
mais conhecidos. Daremos atenção específica ao Evangelho de Eva. Já o Evangelho da
Perfeição é apenas mencionado, não há citações para que possamos conhecer seu
conteúdo. Harnack e Hennecke propõem que o dito anônimo de Hipólito de Roma na
obra Refutação de Todas as Heresias seja atribuído ao Evangelho da Perfeição[4]: “O
começo da perfeição é o conhecimento do homem, o conhecimento de Deus é a
completa perfeição” (III, 55).[5]

3. O Evangelho segundo Eva

Epifânio de Salamina cita o seguinte trecho deste Evangelho:


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Pus-me de pé numa alta montanha e vi um homem alto e outro


homem de baixa estatura e ouvi como se fosse um som de
trovão e fui mais próximo para ouvir. Então, ele me falou: “Eu
sou tu e tu és eu e onde tu estiveres, lá estou eu, e eu estou
espalhado em todas as coisas, e de onde tu quiseres, tu me
recolhes, mas quando tu me recolhes, então, tu te recolhes a ti
mesmo”.Tradução nossa. (Panarion 26. 3,1).

Na mesma seção, aparece uma segunda citação anônima que pode ser atribuída
ao Evangelho de Eva:

“Eu vi uma árvore que produz frutos doze vezes por ano, e ele
me disse: “Essa é a Árvore da Vida”” tradução nossa. (Panarion
26. 5,1).

O primeiro trecho pode ser comparado a dois logia do Evangelho de Tomé.


Ologion 108 diz o seguinte: “Aquele que se saciar em minha boca tornar-se-á como eu.
Eu também me tornarei como ele e as coisas ocultas lhe serão reveladas”. Os trechos
seguintes são semanticamente comparáveis: “Eu sou tu e tu és eu e onde tu estiveres,
lá estou eu...” (Evangelho de Eva) / “Aquele que se saciar em minha boca tornar-se-
á como eu. Eu também me tornarei como ele...” (Evangelho de Tomé). Há sugestão
de uma identificação entre o divino e o humano.
O logion 77 do Evangelho de Tomé, que diz o seguinte: “Eu sou a luz que está
sobre todos eles. Eu sou o Todo: o Todo saiu de mim e o Todo chegou até mim. Se
rachardes a madeira, eu estarei lá; se erguerdes a pedra lá me encontrareis”. A
ubiquidade do divino aparece paralelamente nos termos: “...e eu estou espalhado em
todas as coisas, e de onde tu quiseres, tu me recolhes...” (Evangelho de Eva)/ “. Se
rachardes a madeira, eu estarei lá; se erguerdes a pedra lá me
encontrareis”(Evangelho de Tomé).
As duas leituras intertextuais permitem-nos deduzir um tema do Evangelho de
Eva. Assim como nas leituras platonizantes e gnósticas do cristianismo, sugere-se uma
identificação entre o divino e humano que se dá por meio do conhecimento dos
ensinamentos de Cristo. Além disso, existe um transfundo panenteísta nos textos: O
divino está em todas as coisas da natureza basta procurar nelas para encontrá-lo.
O segundo trecho ser lido paralelamente com Apocalipse 22,2: “No meio de sua
praça, e de um lado e de outro do rio, estava a árvore da vida, que produz doze
frutos, dando seu fruto de mês em mês; e as folhas da árvore são para a saúde das
nações”. As duas perícopes dizem exatamente a respeito da árvore da vida que frutifica
o ano todo. Essa árvore faz parte da nova criação. Se este for o sentido de renovar a
criação nos fins dos tempos, temos uma temática apocalíptica no Evangelho de Eva.

Referências

EPIPHANIUS, Saint. The Panarion of Epiphanius of Salamina. Book I. Translated by


Frank Williams. Boston: Brill, 2009.
12

MORESCHINI, Claudio e NORELLI, Enrico. Manual de Letteratura Antica Greca e


Latina. Brescia: Editrice Morcelliana, 1999.

ROMANUS, Hippolytus. The Refutation of All Heresies.

[1] Professor de Filosofia e Mestrando em Ciências das Religiões. E-mail: joaristides@gmail.com.


[2] MORESCHINI, Claudio e NORELLI, Enrico. Manual de Letteratura Antica Greca e Latina.
Brescia: Editrice Morcelliana, 1999, pp. 234-235.
[3] EPIPHANIUS, Saint. The Panarion of Epiphanius of Salamina. Book I. Translated by Frank
Williams. Boston: Brill, 2009, p. 26.
[4] The Gospel of Perfection. Disponível em: http://www.earlychristianwritings.com/perfection.html
[5] ROMANUS, Hippolytus. The Refutation of All Heresies. III, 55.
13

RELAÇÕES ENTRE A EPÍSTOLA DE BARNABÉ E A DIDAQUÊ


RELANTIONSHIPS BETWEEN EPISTLE OF BARNABAS AND DIDACHE

José Aristides da Silva Gamito

A Didaquê é um documento muito importante do cristianismo primitivo. Ela


esteve perdida até metade do século XIX. A sua data de composição é posta em torno
do ano 70 d. C., na Síria. Foi citada por autores como Clemente de Alexandria,
Orígenes e Atanásio. Trata-se de um catecismo atribuído aos 12 apóstolos e que aborda
assuntos como disciplina eclesiástica, moral e prática litúrgica.
A Epístola de São Barnabé teve origem provavelmente em Alexandria por volta
de 117 a 132. Trata de assuntos de doutrina. O interessante é um tema comum a estes
dois documentos: A doutrina dos dois caminhos. Alguns estudiosos sugerem que estes
textos podem ter sido baseados em uma fonte comum. A tradição dos dois caminhos é
de origem judaica.

Epístola de Barnabé, capítulo 18:

Sobre esse assunto, chega. Passemos para outro tipo de


conhecimento e ensinamento. Existem dois caminhos de
ensinamento e autoridade: o da luz e o das trevas. A
diferença entre os dois é grande. De fato, sobre um estão
postados os anjos de Deus, portadores da luz; e sobre o outro, os
anjos de satanás. Um é Senhor de eternidade em eternidade, o
outro é príncipe do presente tempo da iniquidade.

E continua no capítulo 19:

Este é o caminho da luz: se alguém quer andar no caminho e


chegar ao lugar determinado, que se esforce em suas obras. Eis,
portanto, o conhecimento que nos foi dado para andar nesse
caminho.

Didaquê, capítulo 1:

Existem dois caminhos: o caminho da vida e o caminho da


morte. Há uma grande diferença entre os dois. Este é o caminho
da vida: primeiro, ame a Deus que o criou; segundo, ame a seu
próximo como a si mesmo. Não faça ao outro aquilo que você
não quer que façam a você.

Os dois textos usam a metáfora dos dois caminhos para introduzir orientação
moral e em seguida lista vícios e virtudes.

REFERÊNCIAS
14

BARNABÉ, Epístola de.


DIDAQUÊ: A Instrução dos Doze Apóstolos.
MIRUS, Thomas V. Church Fathers: The Didache and the Epistle of
Barnabas.Disponível
em: https://www.catholicculture.org/commentary/articles.cfm?id=628 . Acesso em 26
jul. 2017.
15

O EVANGELHO DA ESPOSA DE JESUS E O LUGAR DA MULHER NO


CRISTIANISMO PRIMITIVO

José Aristides da Silva Gamito

1. Introdução

Este breve artigo pretende apresentar o GJW Papyrus (Papiro do Evangelho da


Esposa de Jesus). Trata-se de um fragmento de papiro de um evangelho em língua
copta. É um texto cheio de lacunas, o mais impactante é a afirmação de Jesus sobre sua
esposa. Porém, o que discutiremos a partir deste evangelho é o papel da mulher no
cristianismo primitivo que é abordado por três evangelhos apócrifos. Historicamente,
assegurar a existência de uma esposa de Jesus é muito difícil. Os textos
neotestamentários não mencionam esse fato. E se fosse de fato, por que não mencionar?
Mas esses textos apócrifos são documentos importantes para se compreender as relações
sociais das primeiras comunidades cristãs.

2. O texto do GJW Papyrus

Dentre a pluralidade de textos cristãos que procuraram transmitir as palavras de


Jesus há um fragmento curioso denominado “Evangelho da Esposa de Jesus”. Este texto
denominado GJW Papyrus foi anunciado no Congresso Copta Internacional em Roma,
em 2012. Naquela época foi postada uma edição crítica no site da Havard Divinity
School. A tradução nossa para o português se baseia na tradução inglesa de Karen L.
King. O texto é o seguinte:

1. Não (para) mim. Minha mãe me deu a vi[da...[1]


2. .” Os discípulos disseram a Jesus
3. Nega. Maria (não?[2]) digna de
4. ...” Jesus lhes disse: “Minha esposa...
5. Ela pode ser meu discípulo...
6. Deixa as pessoas perversas incham...
7. Para mim, eu estou com ela para. [
8. ]. uma imagem...[

1. ] Minha mã[e
2. ] Tr[ês
3. ]...[
4. ] Adiante
5. ] intraduzível [

(KING, 2014, p. 3-4)

Testes revelaram que o papiro é antigo. Uma das datas sugeridas foi 741 d. C. A
língua do texto é o copta saídico. O gênero é o diálogo entre Jesus e seus discípulos.

3. Maria e o discipulado feminino


16

O texto pode tratar de uma discussão sobre o lugar da mulher na Igreja Primitiva
como ocorre no logion 114 do Evangelho de Tomé. Neste evangelho, Pedro repreende
Maria por estar no meio dos discípulos. Mas Jesus diz que vai torná-la macho para que
possa entrar no Reino do Céu. A discussão que parece ser a mesma do GJW Papyrus é
sobre a dignidade da mulher e seu lugar na comunidade cristã.
A afirmação da primeira linha é sobre a maternidade. A palavra (“minha
mãe”) aparece duas vezes. Em seguida, assim como no logion 114 alguém questiona
sobre se Maria é digna de algo. A afirmação da linha 5 vem esclarecer o assunto “ser
discípulo”. A declaração de que Maria pode ser discípula é uma afirmação de Jesus.
Porém, a expressão mais provocadora é “Jesus lhes disse: ‘Minha esposa’” (linha
4).t quer dizer “minha esposa”. s significa “mulher, fêmea, esposa”. A
conversa parece acontecer sobre ou dentro de um contexto familiar porque se fala de
“minha mãe” e “minha esposa”. Além deste evangelho, o Evangelho de Filipe identifica
Maria Madalena como a “companheira” de Jesus. O conflito de aceitação
de Maria repete também no Evangelho de Maria. Levi aconselha Pedro a aceitar Maria
como discípula porque o Salvador a tornou digna e a amou mais do que os outros
discípulos.
Portanto, a discussão sobre a dignidade da mulher no discipulado é um conflito que
ocorre em três evangelhos: do GJW Papyrus, de Maria e de Tomé. O pivô da disputa é
Pedro (Evangelho de Tomé, Evangelho de Maria). No Evangelho de Tomé, o
argumento de Pedro é a dignidade da mulher em pertencer ao discipulado e herdar o
Reino dos Céus. A palavra dignidade aparece também no GJW Papyrus. Mesmo com a
rejeição dos discípulos, Jesus reconhece a dignidade da mulher.

Referências

GRONDIN, Michael. Grondin Interlinear Coptic/English Translation of Gospel of


Thomas. November 2002.

MATTISON, Mark. The Gospel of Mary Coptic-English Interlinear. 2013.

KING, Karen L. “Jesus said to them, My wife…”: A New Coptic Papyrus


Fragment.Havard Theological Review, v. 107, v.02, 2014, p.131-159.

[1] O tradutor deduziu a palavra “vida” da sílaba inicial que aparece no manuscrito &&&
[2] A possível negação na frase deduz-se da vogal que aparece no manuscrito que pode ser início
da palavra “não”, em copta &
17

A PERÍCOPE DO HOMEM RICO NO EVANGELHO DOS NAZARENOS

José Aristides da Silva Gamito

Introdução

Os cristãos nazarenos adotam uma versão do Evangelho de Mateus em língua


aramaica. A versão é conhecida como Evangelhos dos Nazarenos e foi redigida no final
do século I ou no começo do século II. Mais tarde com o reduzido número de pessoas
que liam o aramaico o texto caiu em desuso e foi perdido.[1]
Os evangelhos dos quais só nos restam fragmentos são vários e são de difícil
estudo justamente por causa das lacunas. Neste pequeno artigo, tomaremos as
comparações de Orígenes e de Jerônimo com o Evangelho de Mateus para fazer
algumas análises.

Análise da perícope do homem rico

O texto que conhecemos atualmente é um conjunto de citação dos pais da Igreja.


Analisaremos de modo conciso o episódio do jovem rico que foi preservado por
Orígenes na obra “Comentário sobre Mateus 15, 14”. Reproduzimos o trecho em
questão:

1
O outro dos dois ricos perguntou a Jesus: Bom mestre, o que
devo fazer de bom para viver? Jesus respondeu-lhe: “Homem
bom, cumpre a Lei e os Profetas!” O rico respondeu-lhe: “É isso
que pratiquei”. Então Jesus o desafiou: “Vai, vende tudo o que
possuis, distribui-o aos pobres e depois vem e me segue!” Mas o
rico coçou a cabeça, pois o desafio não lhe agradava. O Senhor
perguntou-o: “Como podes dizer que praticaste a Lei e os
Profetas? Na Lei está escrito: Amarás o próximo como a ti
mesmo. E muitos dos teus irmãos, filhos de Abraão como tu,
estão cobertos de andrajos e morrem de fome, enquanto tua
está repleta de bens; nada sai dela para eles! E, dirigindo-se a
seu discípulo Simão, que estava sentado a seu lado, Jesus
prosseguiu: “Simão, filho de João, é mais fácil um camelo
passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino
dos céus”.[2]

O texto possui uma perícope correspondente no Evangelho de Mateus 19, 16-24:

Eis que alguém se aproximou de Jesus e lhe perguntou: “Mestre,


que farei de bom para ter a vida eterna?” Respondeu-lhe Jesus:
“Por que você me pergunta sobre o que é bom? Há somente um
que é bom. Se você quer entrar na vida, obedeça aos
mandamentos”. “Quais?”, perguntou ele. Jesus respondeu:
18

“‘Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não darás falso


testemunho, honra teu pai e tua mãe’ e ‘amarás o teu próximo
como a ti mesmo’”. Disse-lhe o jovem: “A tudo isso tenho
obedecido. O que me falta ainda? “Jesus respondeu: “Se você
quer ser perfeito, vá, venda os seus bens e dê o dinheiro aos
pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois, venha e siga-
me”. Ouvindo isso, o jovem afastou-se triste, porque tinha
muitas riquezas. Então Jesus disse aos discípulos: “Digo-lhes a
verdade: Dificilmente um rico entrará no Reino dos céus. E lhes
digo ainda: é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma
agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”.

Há uma semelhança textual entre o Evangelho de Mateus e dos Nazarenos.


Porém, podem-se notar marcas de uma redação própria que pode representar uma
composição original. Os dois textos falam de um homem rico que procurava Jesus para
saber o que bom ele tem de fazer para alcançar a vida eterna. Nos dois textos a resposta
é cumprir a Lei. Em Mt, Jesus enumera os mandamentos. No texto do EvN, tudo é
resumo nas expressões “a Lei e os Profetas”. O único mandamento citado é “Amarás o
próximo como a ti mesmo”. Nos dois textos, Jesus apresenta mais uma exigência já que
o rico diz cumprir os mandamentos. A exigência é vender os bens e distribuí-los os
pobres e seguir Jesus. A resposta desagrada o rico e Jesus afirma que é “mais fácil
passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”.
Todas as frases dos textos se aproximam semanticamente. Mas no EvN há um
trecho que representa uma redação própria: “E muitos dos teus irmãos, filhos de Abraão
como tu, estão cobertos de andrajos e morrem de fome, enquanto tua está repleta de
bens; nada sai dela para eles!” Jesus acusa o rico de não compartilhar os seus bens
com os pobres. Este trecho apresenta o motivo de Jesus insistir que dividir os bens com
os pobres é uma exigência fundamental para atingir a vida eterna. Isso pode representar
a inserção de um dito que completa o sentido da perícope de Mateus ou é uma produção
própria contendo uma informação não acolhida ou não conhecida pelo autor de Mateus.
Nos demais textos do EvN, há diferenças também de Mateus como observou
Jerônimo.

VARIANTE MATEUS NAZARENOS


Mt 23, 35 “E assim cairá sobre vós todo o “filho de Joiada”
sangue dos justos derramado
sobre a terra, desde o sangue do
inocente Abel até o sangue de
Zacarias, filho de Baraquias, que
matastes entre o santuário e o
altar”.
Mt 27, 16 “Nessa ocasião, tinham eles um “o nome dele (isto é,
preso famoso, chamado Barrabás) é interpretado
Barrabás”. como “filho do mestre
deles”
Mt 12, 13 No momento da cura, o homem O homem tem fala e
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da mão atrofiado nada diz. informa que era pedreiro.


Mt 6, 11 “o pão nosso de cada dia” “o pão nosso de amanhã”
Mt 27, 51 “Nisso, o véu do Santuário se “a coluna enorme do
rasgou em duas partes, de cima a templo quebrou e se
baixo” dividiu”

São exemplos de que o EvN tem uma redação própria, tratando-se de uma obra
original. Mas não temos como saber até que ponto é dependente ou não do Evangelho
de Mateus.

Considerações finais

A categoria do rico e do pobre no EvN possui um contraste maior na perícope de


Mt 19, 16-24. Jesus coloca em evidência a dívida que o rico tem em relação ao pobre. O
que falta ao pobre está no excesso de bens que o rico segura. A vida eterna depende
deste despojamento que confere vida ao próximo. Compartilhar os bens é assegurar a
vida ao próximo. Portanto, o maior mandamento é amar o próximo como a si mesmo.
Ênfase que não aparece na perícope de Mateus.

Referências

EHRMAN, Bart D. Lost Scriptures: Books that Did not in to the New Testament.
Oxford/New York: Oxford University Press, 2003, p. 9.

ZILLES, Urbano. Evangelhos Apócrifos. Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 243.

[1] EHRMAN, Bart D. Lost Scriptures: Books that Did not in to the New Testament. Oxford/New York:
Oxford University Press, 2003, p. 9.
[2] ZILLES, Urbano. Evangelhos Apócrifos. Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 243.
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PÁPIAS DE HIERÁPOLIS E A TRADIÇÃO DOS EVANGELHOS

José Aristides da Silva Gamito

Na obra “História Eclesiástica”, Eusébio de Cesareia nos informa que Pápias de


Hierápolis preservou ensinamentos de Jesus no escrito “Explicações sobre as Palavras
do Senhor”. Nas citações que Eusébio faz de sua obra percebemos a preocupação que
houve na antiguidade em preservar os verdadeiros ensinamentos de Jesus. Pápias
procurava ouvir pessoas que conviveram com os apóstolos para garantir essa
autenticidade da doutrina.
Porém, ao discutir essas memórias tão procuradas por Pápias, Eusébio já
enfrentava dificuldades em discernir lendas de fatos históricos. A literatura e o
fechamento de um cânone foram importantes para padronizar a doutrina. Uma função
que tiveram também os concílios, mas ao mesmo tempo com o processo de
institucionalização da igreja, muitas tradições sobre Jesus caíram no esquecimento. É
um processo de perdas e ganhos. As igrejas buscaram na institucionalização algum
consenso para a sobrevivência do movimento cristão, mas com a rejeição e destruição
de obras heréticas ou não-canônicas houve um silenciamento de outras vozes do
cristianismo primitivo.
Na obra de Pápias há um esforço de preservação de memórias de Jesus. Eusébio
nos diz que ele ouvi dois discípulos dos apóstolos: Aristião e João, o Presbítero. Alguns
fatos são citados pelo autor de “História Eclesiástica”. Conforme esses relatos, o
apóstolo Filipe e suas filhas viveram em Hierápolis e cita dois milagres, um de
ressurreição de um morto e outro de um homem que bebeu veneno e nada sofreu.
As tradições de Pápias envolvem “algumas estranhas parábolas do Salvador e de
sua doutrina, e algumas outras coisas ainda mais fabulosas.” Uma das citações procura
explica a autoria do Evangelho de Marcos:

“E o presbítero dizia isto: Marcos, que foi intérprete de Pedro, pôs por
escrito, ainda que não com ordem, o quanto recordava do que o Senhor havia
dito e feito. Porque ele não tinha ouvido o Senhor nem o havia seguido, mas,
como disse, a Pedro mais tarde, o qual transmitia seus ensinamentos segundo
as necessidades e não como quem faz uma composição das palavras do
Senhor, mas de tal forma que Marcos em nada se enganou ao escrever
algumas coisas tal como as recordava. E pôs toda sua preocupação em uma
só coisa: não descuidar nada de quanto havia ouvido nem enganar-se nisto o
mínimo.”[1]

A autenticidade da obra de Marcos é garantida por ele ter ouvido Pedro e através
das recordações do apóstolo, o evangelista não se enganou e nem descuidou de nada que
Jesus fez e ensinou.
Os escritos de Pápias são importantes para história da transmissão das memórias
de Jesus e os evangelhos. Bauckham sugere que Pápias escreveu um texto similar aos
evangelhos, alguma coleção de ditos de Jesus, a partir de outros evangelhos ou a partir
de fontes orais. Ou poderia ser somente um comentário sobre as tradições sobre
Jesus.[2] Se existiu um “Evangelho segundo Pápias”, ele ficou perdido.
21

Referências
BAUCKHAM, Richard. Papias and the Gospels. Disponível
em:http://austingrad.edu/images/SBL/Papias%20and%20the%20gospels.pdf . Acesso
em 08 dez. 2017.
CESAREIA, Eusébio de. História Eclesiástica. São Paulo: Novo Século, 2002, p. 74-
75.

[1] CESAREIA, Eusébio de. História Eclesiástica. São Paulo: Novo Século, 2002, p. 74-75.

[2] BAUCKHAM, BAUCKHAM, Richard. Papias and the Gospels. Disponível


em:http://austingrad.edu/images/SBL/Papias%20and%20the%20gospels.pdf . Acesso em 08 dez. 2017,
p.2.

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