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Universidade Federal do Piauí

Centro de Educação Aberta e a Distância

ADMINISTRAÇÃO DO
SETOR PÚBLICO

Carlos Antonio Mendes de Carvalho Buenos Ayres


Ministério da Educação - MEC
Universidade Aberta do Brasil - UAB
Universidade Federal do Piauí - UFPI
Universidade Aberta do Piauí - UAPI
Centro de Educação Aberta e a Distância - CEAD

ADMINISTRAÇÃO
DO SETOR PÚBLICO

Carlos Antonio Mendes de Carvalho Buenos Ayres


PRESIDENTE DA REPÚBLICA Luiz Inácio Lula da Silva
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Fernando Haddad
GOVERNADOR DO ESTADO Wilson Nunes Martins
REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ Luiz de Sousa Santos Júnior
SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DO MEC Carlos Eduardo Bielshowsky
PRESIDENTE DA CAPES Jorge Almeida Guimarães
COORDENADORIA GERAL DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL Celso Costa
DIRETOR DO CENTRO DE EDUCAÇÃO ABERTA A DISTÂNCIA DA UFPI Gildásio Guedes Fernandes

CONSELHO EDITORIAL Prof. Dr. Ricardo Alaggio Ribeiro ( Presidente )


Des. Tomaz Gomes Campelo
Prof. Dr. José Renato de Araújo Sousa
Profª. Drª. Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz
Profª. Francisca Maria Soares Mendes
Profª. Iracildes Maria de Moura Fé Lima
Prof. Dr. João Renór Ferreira de Carvalho

COORDENAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO Cleidinalva Maria Barbosa Oliveira


PROJETO GRÁFICO Samuel Falcão Silva
DIAGRAMAÇÃO Cleonildo F. de M. Neto
REVISÃO Ligia Carvalho de Figueiredo
REVISOR GRÁFICO Aurenice Pinheiro Tavares

A responsabilidade pelo conteúdo e imagens desta obra é dos autores. O conteúdo desta obra foi licenciado
temporária e gratuitamente para utilização no âmbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil, através
da UFPI. O leitor se compromete a utilizar o conteúdo desta obra para aprendizado pessoal, sendo que a
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expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sansões previstas no
Código Penal.
O texto que ora apresentamos aos alunos do curso de
Administração do Programa de Educação a Distância da Universidade
Aberta do Piauí (UAPI) versa exclusivamente sobre a concepção da
atividade administrativa circunscrita ao setor público, ou seja, ao setor
de atividades administrativas cuja dinâmica é orientada pelo interesse de
toda uma coletividade, em conformidade com os princípios que regem a
forma de governo republicana.
O tema administração do setor público aponta para a importância
do conhecimento acerca da gestão pública na compreensão global da
evolução das sociedades locais, regionais, nacionais e internacionais,
enfim, do mundo em transformação em que vivemos; e cada vez mais
interligado. A disciplina administração do setor público, portanto, foi
concebida para tratar de assuntos que desde o início busca identificar
as suas caracterizações mais evidentes em comparação com a
administração do setor privado. Contudo, não se pretende diferenciar
esses dois setores de forma dicotômica, mas compreender as formas
de interação em que eles são submetidos no curso real das relações
comerciais, industriais e financeiras, por um lado, e das relações sociais
e políticas, por outro, que se verificam entre as civilizações, nações,
uniões monetárias e aduaneiras, coletividades, grupos e indivíduos.
Daí a importância em se compreender o papel que a administração
pública desempenha no controle social, na distribuição de renda, na
prestação de serviços, atos administrativos e legais e na oferta de bens
coletivos. Esse papel, no entanto, carece de maiores explanações,
uma vez que é necessário situar a administração pública no âmbito
sociopolítico do Estado e do Governo. Significa dizer que qualquer
tentativa de compreender a administração pública de forma isolada
resultará em fracasso de compreensão de sua dinâmica interdependente
em relação ao instituto do Estado e ao instituto do Governo.
Além do mais, a conjuntura sociopolítica e econômica atual do país,
em plena fase de expansão de sua economia, assim como a sua posição
como player global no mercado transnacionalizado, tem compelido
o governo federal a abrir concursos para o preenchimento de cargos
vagos e/ou especialmente criados para dar conta das novas exigências
administrativas ditadas pelo Estado, em resposta às demandas internas
e externas da nação brasileira.
Assim sendo, procuraremos retratar o quadro estrutural e
funcional da gestão pública no país, sem perder de vista, no entanto, o
momento de transição nos fundamentos do próprio sistema capitalista
e as condições gerais das nações em vista da grande crise financeira e
econômica mundial e seus subsequentes desdobramentos históricos. O
alcance desses objetivos explanatórios, obrigatoriamente, passa por uma
abordagem eclética, transdisciplinar, que contemple a articulação entre
distintas áreas do conhecimento: a Economia (Geral e do Setor Público),
a História, a Sociologia, a Ciência Política, a Ciência Administrativa e o
Direito Público Interno (Constitucional e Administrativo).
A título de indicações gerais sobre o assunto em tela, seguem-se
as temáticas gerais que a disciplina em apreço exige, distribuídas em
três unidades, a saber:
Unidade 1 – Fundamentos Históricos-Conceituais da Administração;
Unidade 2 – Fundamentos Técnico-Operacionais do Setor Público;
Unidade 3 – Setor Público: gestão pública, políticas públicas e os
desafios da construção da nova ordem social mundial.
UNIDADE 1
09 Fundamentos Históricos e Conceituais da
Administração
Conceito de Administração 11
Falhas do Sistema de Mercado e o Setor Público 14
Componentes do Setor Público: Estado, União,
Governo, Administração Pública 23
Princípios e Poderes da Administração Pública 57
Modelos de gestão administrativa 63

UNIDADE 2
77 Fundamentos Operacionais do Setor Público
Gestão Pública 77
Financiamento do Setor Público 79
Gestão Orçamentária 82
A Nova Administração Pública 90
Perfil do Gestor Público 93

UNIDADE 3
105 Setor Público: gestão pública, políticas
públicas e os desafios da construção da
nova ordem social mundial
Gestão Pública e Gestão Privada 105
As Políticas Públicas 111
Estado e Capitalismo Global 120
UNIDADE 01

Fundamentos
históricos e Conceituais
da Administração

objetivos
• Definir a administração;
• Conceituar os aspectos básicos da Política associados ao Setor Público;
• Apresentar as justificativas econômicas para a intervenção do Estado no Mercado;
• Explicar acerca do funcionamento do Poder Público na Sociedade: a relação dialética
entre a Administração Pública e os institutos do Estado e do governo;
• Expor os princípios, poderes e modelos da Administração Pública Brasileira.
10 UNIDADE 01
Fundamentos
históricos e conceituais
da administração

Conceito de Administração

A pré-condição para a existência do homem em sociedade é


o compartilhamento de regras de conduta, pensamentos e valores,
expresso por aquilo que a sociologia positivista-funcionalista consagrou
com o termo consenso social, inspirado em August Comte.
É preciso um acordo prévio mínimo entre as pessoas em torno da
necessidade de construção e estabilidade de algum tipo de organização
social e seu respectivo ordenamento jurídico – conjunto de regras de
convivência social permitidas pela coletividade, inscrita ou não num
documento, ao qual denominamos em termos modernos com o vocábulo
Constituição. Podemos encontrar indícios na história das civilizações
humanas de que em todas as formações socioeconômicas algum tipo
de soberania existiu, ou seja, o poder político de uma sociedade que é
exercido por um grupo de elite cujo comando garante a supremacia de
uma autoridade política que quase invariavelmente se reveste do poder
religioso. Um longo trajeto histórico vai ser percorrido pela humanidade
até que o poder político e o poder religioso se dissociem, embora ainda
perdurem sociedades teocráticas, como a República Islâmica do Irã
(antiga Pérsia).
Ao nos referirmos à noção de soberania queremos na realidade
focalizar a problemática do controle social da sociedade mediante o
instrumento técnico da gestão, pois o exercício dessa soberania depende
da formação de um conjunto de servidores áulicos encarregados do
desempenho de atividades administrativas específicas cujo objetivo
é a coordenação das funções governamentais que, por sua vez, são
voltadas para a satisfação das inúmeras necessidades dos indivíduos
em sociedade: segurança interna e externa, sistema de proteção social,

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educação, saúde, promoção da justiça, etc. Para isso, impõe-se a
necessidade de arrecadação de tributos, o planejamento orçamentário,
bem como a formulação, execução e avaliação de políticas públicas.

Mas, afinal, no que consiste a administração?

É fundamental ressaltar que as explicações acerca da noção


de administração estão indissociavelmente ligadas ao conceito de
organização. Esta pode ser definida como um agrupamento social
relativamente permanente cujos membros compartilham entre si
esforços, infraestruturas e meios operacionais visando atingir objetivos
comuns. A divisão social do trabalho, na qual cada um dos membros
da organização desempenha um papel específico na realização de seus
objetivos e a coordenação dos esforços, ao articular papéis funcionais
e combinar recursos variados a serviço de um objetivo em comum
constituem as características mais marcantes de uma organização.
Na medida em que a realização dos objetivos e o uso racional dos
recursos disponíveis são estreitamente articulados podemos avaliar
se determinada organização é eficaz ou eficiente. Ela é considerada
eficaz apenas sob o ponto de vista do alcance dos objetivos previamente
estabelecidos a titulo de metas de trabalho. Porém, é sob o ponto de vista
do uso correto dos recursos que uma organização pode ser caracterizada
como eficiente. Assim, o diferencial entre eficácia e eficiência resume-se
à comparação da capacidade de uma organização atingir os melhores
resultados operacionais com redução de custos com aquela que
simplesmente atinge seus objetivos operacionais sem economia de
recursos. Logo, é exatamente a preocupação com a eficácia e a eficiência
de uma organização que nos conduz ao conceito de administração,
uma vez que a administração de uma organização consiste em [...] um
processo de planejar, organizar, dirigir e controlar a aplicação de
recursos humanos, materiais, financeiros e informacionais, visando à
realização de objetivos (MAXIMIANO, 1985; grifo nosso).
Em outras palavras, administrar é tomar decisões no sentido
da definição de objetivos realistas aliado ao uso racional de recursos
indispensáveis para o seu alcance. E quais indivíduos ou grupos de
indivíduos são responsáveis pelas tomadas de decisões (os decisores)
referentes tanto aos objetivos quanto ao uso correto dos recursos para
alcançá-los, no interior de uma organização? São aqueles indivíduos que
integram uma bem definida estrutura de poder conforme sua especialidade

12 UNIDADE 01
funcional e capacidade de gestão, independentemente de sua área de
atuação ou nível hierárquico. Trata-se do corpo dirigente ou governante
(superiores hierárquicos) que, por sua vez, implica na oposição de corpo
dirigido ou corpo de governados (subordinados).
Tomando como exemplo uma família operária, formada por pai,
mãe e um casal de filhos, nós podemos identificar os pais como o corpo
dirigente e os filhos como corpo dirigido. Porém, no interior de cada uma
dessas classificações, é possível identificar distinção de autoridade,
logo, de posição ou status. Uma variedade de formas de relação de
subordinação existe entre pai e mãe, irmão (homem) e irmã (mulher),
irmão mais velho e Irmã mais nova, com base no poder econômico, no
magnetismo pessoal de cada um e na tradição e costume.
Observa-se uma singela divisão social do trabalho, expresso
por uma acanhada divisão de tarefas, responsável pela manutenção
e estabilidade da organização familiar, em que cada um dos membros
exerce o seu papel conforme a expectativa gerada pelo próprio grupo a
que pertence. Assim, cabe aos pais prover as condições que garantam o
bem estar dos filhos, assim como a educação e formação cívica, de modo
a ampliar o seu círculo de relações sociais.
Aos filhos, por sua vez, cobra-se o respeito à autoridade dos pais.
Ocorre que, no exercício da autoridade familiar, os pais se convertem em
responsáveis pela coordenação dos papéis de cada um dos membros da
família em torno de um objetivo comum: a estabilidade socioafetiva e a
harmonia organizacional, expresso pelo bem estar de todos. A família,
enquanto organização, para subsistir necessita interagir com outras
organizações na sociedade. Pelo menos um dos pais precisa arranjar
meios de obter o sustento da família. Em troca deste último, vende sua
capacidade de trabalho, uma vez que é destituído dos meios de produção,
ou seja, não é proprietário de fábrica, estabelecimento comercial ou
instituição financeira, vivendo exclusivamente de seu salário.
Em termos administrativos, os pais, ao tomarem decisões,
cumprem as funções de planejamento, organização, direção e controle
dos recursos disponíveis de modo a atingir finalidades específicas que
assegurem a satisfação das necessidades familiares – fisiológicas (fome
e sede), de segurança (procriação e proteção contra a carestia), sociais
(amor/sentimento de pertencer a grupos variados, participação social e
política), de autoestima (posição social, reconhecimento e credibilidade)
e de autorrealização (maximização de potencial próprio, enfrentamento
de desafios) (MASLOW apud SANTOS, 2003; SILVA, 2006).

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 13


Falhas do Sistema de Mercado e o Setor Público

Essa interação imperiosa entre a organização familiar e o


meio ambiente circundante constitui apenas uma simples ilustração
representativa de milhares de interrelações entre organizações e meio
ambiente. Em suma, a sociedade é constituída de milhões de organizações
interligadas, entre as quais as mais comuns são as empresas, sejam
públicas ou privadas. Nesse caso, o meio ambiente é comumente
reconhecido como mercado – de produto e de consumo, de capitais e de
trabalho, de moeda e de títulos ou derivativos.
No mercado de fatores de produção, as famílias vendem seu
único recurso, a sua força de trabalho (oferta). Em troca, recebem salários
que lhes permitem obter no mercado de bens e serviços os produtos
de que necessitam (demanda). As empresas, por seu turno, adquirem no
mercado de fatores de produção a força de trabalho necessária à produção
de mercadorias, que são vendidas no mercado de bens e serviços.
Essa relação de interdependência representa, em termos econômicos,
o fluxo real da economia, que só pode ser operacionalizada graças à
mediação exercida pela moeda, isto é, ao fluxo monetário da economia
- remuneram-se os fatores de produção e paga-se os bens e serviços
mediante o uso de dinheiro.
Em síntese, a fusão entre o fluxo real e o fluxo monetário da
economia origina o chamado fluxo circular de renda. O preço tanto dos
fatores de produção (os salários das famílias, no nosso exemplo) quanto
dos bens e serviços dependem das forças da oferta e da demanda. E
uma vez que inclua somente demandas e ofertas de famílias e empresas,
o fluxo circular de renda é denominado fluxo básico. Ao incluir, também,
o setor público nas transações acima descritas, temos o chamado fluxo
completo (tributos e gastos públicos, operações no mercado de câmbio,
exportações e importações, balança de pagamentos, etc.). Esse fluxo
completo nos permite entender melhor os termos da relação dinâmica
entre o setor público ou Governo (1º Setor), as empresas privadas (2º
setor) e as famílias (3º Setor) no mundo da economia real. Desse modo,
cabe, respectivamente, a cada um desses setores um modo particular
de expressão: arrecadação de tributos, realização de pagamentos ao
setor privado e transferências de recursos (Governo/órgãos setoriais);
realização de pagamentos de tributos, realização de poupança para
reinvestimentos e realização de pagamentos aos fatores de produção
(Mercado/empresas); realização de consumo de bens e serviços,

14 UNIDADE 01
realização de poupança doméstica e realização de pagamentos de
tributos (Sociedade/famílias).
Na Inglaterra do século XVIII, Adam Smith (1723-1790), principal
representante e criador da escola clássica e da própria Economia,
contribuiu para divulgar as ideias liberais do laisser-faire, laisser-passer
(deixar fazer, deixar passar). Em seu repúdio à interferência do setor público
sobre as atividades empresariais, fazia apenas algumas concessões
à intromissão do poder público no mercado quanto: à administração,
à justiça, aos serviços públicos, à defesa nacional, à manutenção da
soberania do país, assim como a toda empreitada que não fosse lucrativa
para os donos de empresas privadas, mas que deveriam se constituir
em empreendimento do setor público devido a sua importância para a
sociedade em geral.
Tinham por objeto a crença na capacidade de autorregulação do
mercado, fundado na defesa da liberdade e na crença no individualismo,
em que, motivados por um egoísmo natural, os empresários tendem a
buscar vantagens ou benefícios pessoais. Assim fazendo, eles concorrem
para a estabilidade e manutenção da sociedade via mercado. O que
os motivam é o desejo de auferir lucro. Ao persegui-lo, promovem a
harmonia social. Esta forma de pensar expressa a base teórica da escola
econômica clássica, e que se escora nos pressupostos da “harmonia
de interesses” e da ordem natural e providencial – a “mão invisível” do
mercado.
Concepções e intenções que a vida moderna dos grandes
centros urbanos e os desafios trazidos por ela trata de desmoralizar,
demonstrando a importância do setor público para o exercício das funções
de alocação de recursos (nas situações em que o mecanismo de ação
privada (sistema de mercado) mostra-se ineficiente: investimentos
em infraestrutura econômica e provisão de bens públicos (rodovia,
iluminação, segurança nacional), bens meritóricos ou semipúblicos
(educação, saúde e desenvolvimento), de distribuição da renda e da
riqueza (redistribuição de renda cujo processamento se verifica mediante
transferências, impostos e subsídios governamentais; o orçamento
público constitui o mais importante instrumento para a concretização
das políticas públicas de distribuição de renda), e de estabilização
econômica (emprego de instrumentos de política econômica (juros, taxas
de câmbio, impostos e gastos públicos em geral) visando à promoção e
manutenção de elevado nível de emprego, da estabilização dos níveis
de preços, do equilíbrio da balança de pagamentos e de expressiva taxa

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 15


de crescimento econômico, em face da eventual incapacidade do setor
privado em dar conta de tais objetivos, no processo de autorregulaçao do
mercado), objetivos indispensáveis à política orçamentária de qualquer
governo, segundo Musgrave (apud RIANI, 2002).
Embutidas em tais pressupostos, encontra-se a ideia da situação
ótima do mercado ou mercado perfeito, que se refere a uma situação
em que os bens e os recursos no mercado são perfeitamente alocados -
em economia, dá-se o nome de Teoria do Equilíbrio Geral. Originalmente
elaborado por Léon Walras (1834-1910), no século XIX, o conceito de
teoria do equilíbrio geral mais tarde foi desenvolvido por Vilfredo Pareto
(1848-1923), passando a ser conhecido também como Ótimo de Pareto.
Trata-se de uma tentativa de justificar a não necessidade da intervenção
do poder público (Estado e/ou Governo) na economia, uma vez que a
livre concorrência levaria ao perfeito funcionamento do mercado, logo,
de seu equilíbrio. Acontece, contudo, que esse modelo de equilíbrio geral
apresenta problemas ao ser aplicado no mundo da economia real, já que
ele fracassa em garantir a maximização e a eficiência da alocação de
recursos no mercado e, consequentemente, o bem-estar da sociedade. É
aqui que nos defrontamos com a presença do setor público no sistema de
mercado, graças às falhas deste na obtenção da produção ótima de bens
e serviços via setor privado. São exatamente tais falhas que permitem a
intervenção do setor público no mercado, visando garantir a satisfação
das necessidades da sociedade.
Uma vez que o Ótimo de Pareto não é alcançado em virtude
de que no mercado não existe concorrência perfeita, o setor público é
obrigado a intervir na alocação de recursos, paralelamente à atuação do
setor privado, como via de superação das falhas do sistema de mercado
no alcance de uma situação ótima. Pelo menos quatro características da
economia real podem ser destacadas para demonstrar as dificuldades
do sistema de mercado em garantir o equilíbrio na oferta e demanda de
bens e serviços na sociedade, a saber: indivisibilidade do produto,
externalidades, custo de produção decrescente e mercados
imperfeitos, riscos e incertezas na oferta de bens.
Como primeira característica do mundo da economia real que
justifica a intervenção governamental, em função das próprias falhas
do mercado, enquanto agente distributivo e autorregulador, temos a
indivisibilidade do produto. Ela se refere à situação em que a produção
e a oferta de determinados bens e serviços por parte do setor privado é
economicamente inviável ou proibitiva (custos de produção mais elevados

16 UNIDADE 01
do que as expectativas de lucro).
Como a sociedade necessita de tais bens e serviços, e o setor
privado não tem interesse em produzi-los e ofertá-los, caberá tal
responsabilidade ao setor público. Quando este último se encarrega de
produzi-los e ofertá-los para todos os indivíduos, independentemente
daqueles que têm condições de pagar, os bens e serviços são
denominados bens públicos puros (bens sociais, coletivos ou indivisíveis),
assim chamados porque seus preços não são formados através do
sistema de mercado. Logo, a eles não se aplica o direito de propriedade
nem o princípio da exclusão, e por essa razão são caracterizados como
bens não-exclusivos, isto é, o seu consumo por vários indivíduos não
implica na diminuição da quantidade de consumo para os demais, em
que nenhum dos consumidores pode ser impedido de consumi-los, seja
rico ou pobre.
Além do mais, os bens públicos também são caracterizados
como bens não-rivais – o aumento de consumo pelos indivíduos não
tem influência no aumento dos custos de produção. É o caso da defesa
nacional. Somente o Estado tem condições de arcar com o custeio
das operações de segurança nacional, e o crescimento vegetativo da
população não se traduz necessariamente em aumento de despesa para
o erário público. Os indivíduos, por sua vez, não têm renda suficiente
para arcar com tal serviço, ou mesmo não estaria disposto a pagar pára
obtê-lo.

Os bens privados (econômicos ou visíveis), por sua vez, em


oposição aos bens públicos, são exclusivos e rivais. São exclusivos
porque a eles se aplica o direito de propriedade (os bens ou serviços
adquiridos pelos indivíduos mediante o pagamento de um preço qualquer
lhes asseguram a propriedade destes) e o princípio de exclusão (a
carência de dinheiro para a aquisição de bens e serviços exclui os
indivíduos no mercado).
Seus preços são fixados pelo sistema de mercado, sendo
chamados de bens privados puros, os quais a iniciativa privada constitui a
única fornecedora desses bens. Igualmente ocorre com os bens públicos
puros, que são considerados como tais devido o setor público ser o seu
único fornecedor. De modo que cada vez mais assistimos no âmbito do
mercado a concorrência entre bens privados e bens públicos. Quando o
setor privado e o setor público ofertam no mercado, simultaneamente,
serviços tais como a educação e a saúde, por exemplo, têm em ambos

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 17


os casos, respectivamente, os chamados bens privados impuros e
bens públicos impuros - são também chamados de bens mistos. Enfim,
o que determina se os bens e serviços ofertados na economia sejam
considerados puros é a exclusividade em sua oferta por um ou outro
setor isoladamente.
Podemos compreender a partir do conteúdo explicativo acima
exposto é que o conjunto de empresas que fornecem os suprimentos,
equipamentos, máquinas e serviços no mercado (a simples quitanda,
a feira, os supermercados, os shopping centers) somente o fazem
porque em troca do que a ele destinam percebem uma compensação
racionalmente visada – o lucro, sob a forma de dinheiro, em que parte
dele será transformada em capital, na medida em que essa parte ou
excedente do lucro seja reintroduzida no ciclo de produção econômica
– produção, distribuição, comercialização e consumo (investimento
planejado ou formação bruta de capital fixo).
Os estudos relativos à execução do Plano Nacional de Banda
Larga pelo Governo atual são um indicativo da necessidade da atuação
governamental, de maneira a suprir as carências de informação e
educação da sociedade, além de ser instrumento a viabilização de
procedimentos administrativos cujo escopo é a aceleração da ação do
poder público na oferta de atos legais e administrativos; sem o auxílio
do Governo não se garante a universalização da internet rápida no
país, com a brevidade e a celeridade requeridas pelo desenvolvimento
nacional. Assim, quando a satisfação das carências da sociedade não
é plenamente realizada pelo setor privado, devido ao fato de a relação
custo-benefício ser economicamente inviável para as empresas, criam-
se lacunas de oferta. Ora, é exatamente para preencher tais lacunas
que surge o setor público enquanto produtor de bens públicos puros ou
impuros; e a existência destes últimos está relacionada à impossibilidade
(ou fracasso) de o sistema de mercado dar conta das demandas por bens
e serviços por parte da sociedade.
As externalidades se apresentam como uma das características
da economia real que justifica a intervenção do poder público no mercado.
Ocorrem nas situações em que as atividades produtivas desenvolvidas
pelas empresas resultam em perdas ou ganhos nas atividades de outras
empresas. Trata-se dos efeitos internos e externos inerentes à ação das
empresas no mercado. Um estado de calamidade pública decorrente de
um desmoronamento de uma barragem de uma fábrica de fertilizantes
contendo dejetos ou resíduos químicos de grande poder de corrosão e

18 UNIDADE 01
contaminação de mananciais e de rios, tornando-os inadequados para o
consumo humano, e mesmo industriais, é um exemplo bem simples do
que é externalidade negativa.
É produto, esperado ou não, da operação de uma cadeia (ou
rede) de atividades produtivas que extrapolam os mecanismos de
controle de segurança, gerando consequências ambientais nefastas que
atingem o nível de bem-estar da população. Como o acidente tende a
provocar prejuízos ecológicos, econômicos, de saúde pública, etc., e a
responsabilidade pelo prejuízo é imputada à empresa poluidora, esta
pode fraquejar diante da perda de patrimônio e preferir furtar-se às suas
responsabilidades. É neste contexto que intervém o Governo, em nome
do Estado (União, Estados, Distrito Federal ou Municípios). E para isso
lança mão do poder de polícia, ou seja, da prerrogativa constitucional
de ação coercitiva, fiscalizadora e investigativa, baseado no princípio da
legalidade.
A pré-condição para a ação incisiva e legal do Estado no sentido
de coibir práticas e condutas de risco é a vigência de legislação ambiental
que tipifique e discipline os casos de transgressão às suas cláusulas.
A economia de escala determina a redução dos custos de
produção dos bens e serviços, resultando na aplicação da alta tecnologia
articulada à especialização e à divisibilidade (produção de bens privados
puros que são rivais e exclusivos, pois a ela se aplicam tanto os direito
de propriedade quanto o princípio de exclusão: o consumo simultâneo
de vários indivíduos implica na redução da quantidade disponível de
consumo para terceiros e na majoração dos custos dos bens e serviços
consumidos).
Assim, as empresas que obtém ganhos de produtividade em
função da adoção de novas tecnologias conseguem decréscimos nos
custos de produção dos bens e serviços demandados pela sociedade,
levando à concentração do mercado. A concentração do mercado, por
sua vez - seja enquanto monopólio/monopsônio (um único vendedor/um
único comprador) ou oligopólio/oligopsônio (poucos vendedores /poucos
compradores) -, leva à exclusão das empresas que não conseguiram
manter-se no mercado, ou seja, à sua falência. Mas como o mercado
é imperfeito, a falta de gerência do poder público no sentido da sua
regulação é inteiramente justificável, pois busca impedir, através de
mecanismos legais associados ao direito econômico que haja uma
competição selvagem entre os agentes econômicos e financeiros. No
Brasil, é o caso do Conselho Administrativo de Defesa Econômica,

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 19


do Ministério da Justiça – CADE/MJ quando examina e emitir parecer
acerca da efetivação de fusões, aquisições e joint ventures de empresas.
A sua função no sistema econômico é orientar, fiscalizar, prevenir e
apurar os abusos do poder econômico, agindo como instituto de tutela à
prevenção e à repressão do referidos abusos; faz em respeito ao princípio
da livre concorrência, que o próprio CADE (www,cade.gov.br; Conceitos
Básicos), assim define:
O princípio da livre concorrência está previsto na
Constituição Federal, em seu artigo 170, inciso IV e se
baseia no pressuposto de que a concorrência não pode
ser restringida por agentes econômicos com poder de
mercado. Em um mercado em que há concorrência entre
os produtores de um bem ou serviço, os preços praticados
tendem a se manter nos menores níveis possíveis e as
empresas devem constantemente buscar formas de se
tornarem mais eficientes, a fim de aumentarem seus
lucros. Na medida em que tais ganhos de eficiência
são conquistados e difundidos entre os produtores,
ocorre uma readequação dos preços que beneficia o
consumidor. Assim, a livre concorrência garante, de um
lado, os menores preços para os consumidores e, de
outro, o estímulo à criatividade e inovação das empresas.

Os riscos e incertezas na oferta de bens verificados no âmbito


do mercado capitalista rechaçam a utópica crença na capacidade do
sistema de economia de mercado de, por si mesmo, determinar as
exatas quantidades de bens e serviços em relação à demanda por eles,
o chamado Ótimo de Pareto, como vimos lá atrás.
Há uma diversidade de características do fluxo real da economia
no mundo empírico que assinalam as situações em que a produção ótima
dos bens econômicos - o Ótimo de Pareto - não se realiza, a saber:
ausência de conhecimento perfeito associado aos riscos do mercado por
parte de vendedores e compradores (efeito: indisposição do mercado em
produzir bens econômicos apesar de serem necessários e desejáveis);
mobilidade deficiente dos recursos; dificuldade das firmas em calcular
adequadamente suas perspectivas quanto à maximização dos lucros
(incerteza quanto à lucratividade de certas atividades); assim como a
escassez de certos recursos produtivos, tais como os recursos naturais.
Eis explicitados, pois alguns dos muitos obstáculos à produção ótima de
Pareto. Bem se constata como a intervenção do Governo na economia
é necessária, uma vez que fornece o suporte legal, político, jurídico,
administrativo, financeiro e econômico da estrutura da sociedade.

20 UNIDADE 01
As áreas de jurisdição entre o setor público e o setor privado
nem sempre são bem demarcadas. O sistema econômico cada vez
mais globalizado em que vivemos é descrito como sistema capitalista
global – ou modo de produção capitalista, ou mesmo formação
socioeconômica capitalista –, que, por sua vez, é fundado nos direitos
de propriedade e no livre mercado.
Assim sendo, numa economia de livre mercado, o grosso da oferta
por bens e serviços aos consumidores no mercado de consumo é realizado
pelas empresas do setor privado. No entanto, dada a complexidade da
produção econômica, o setor público logo é convocado para influir no
jogo livre do mercado, devido a uma série de distorções operacionais,
concorrenciais e distributivas que se manifestam na sociedade. E quando
busca influir na atividade econômica, de modo a impulsioná-la, o faz a
partir das seguintes funções governamentais: produção de bens e serviços
públicos; promoção do desenvolvimento socioeconômico; redistribuição
da renda e da riqueza nacional; estabilização da atividade econômica;
regulamentação e controle da atividade econômica.
A economia do século XX tem como uma de suas características
mais destacadas o crescente aumento das despesas públicas. Várias
correntes do pensamento econômico dedicaram-se ao tema das
despesas públicas e, por extensão, ao tema do aumento da participação
do Estado na economia. Adolf Wagner, economista alemão, por ocasião
da década de 1880, elaborou a Lei do Crescimento Incessante das
Atividades Estatais, cujo enunciado básico expõe que, na medida
em que o nível de renda dos países industrializados cresce, o setor
público cresce a taxas incomparavelmente mais altas, de sorte que a
participação relativa do Governo no sistema de mercado cresce com o
ritmo de crescimento da economia nacional. A supracitada Lei, também
conhecida como Lei de Wagner, foi comprovada por Richard Bird, que
distingue três causas determinantes da tese postulada por Wagner com
relação ao crescimento das despesas públicas, a saber: o crescimento
das funções de administração e de segurança; as crescentes demandas
por um maior nível de bem-estar social, com destaque para a educação
e para a saúde; e maior intervenção, direta e indireta, do Governo, no
âmbito do processo produtivo.
O crescimento das despesas do setor público é resultante do
aumento das intervenções governamentais no sistema de mercado,
concebidas de modo a prevenir eventuais excessos de monopolização
de algumas parcelas do setor privado. Assim, a amplitude da ação do

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 21


Estado na economia serve como um eventual antídoto à concentração
do mercado, maximizando a concorrência entre as empresas (públicas e
privadas), de maneira a disponibilizar aos consumidores um maior leque
de escolha frente à diversidade dos produtos ou mercadorias produzidos
pelas empresas.
Musgrave & Musgrave (apud GIACOMONI, 2007) seleciona
alguns fatores explicativos para a emergência da profusão das funções
do Estado na economia: crescimento da renda per capita associado
ao aumento da demanda por bens e serviços públicos; mudanças
tecnológicas; mudanças populacionais; custos relativos dos serviços
públicos; mudança na cobertura das transferências; disponibilidades de
alternativas para a tributação; efeito limite e finanças de guerra; e fatores
políticos e sociais.
Uma vez debatidas as causas do crescimento constante das
despesas públicas, com a consequente proliferação das funções do
Estado, convém agora explicitar o impacto das compras governamentais
sobre a economia como um todo. De antemão, sabe-se que o Governo
detém o controle direto sobre o nível da tributação e das compras
públicas. Assim, o emprego dos tributos e dos gastos públicos como
instrumentos da regulação das atividades econômicas é denominada
de política fiscal – o mais importante instrumento de política do setor
público, cuja atuação busca assegurar um razoável nível de estabilização
econômica e de emprego.
Dependendo das necessidades de expansão ou contração da
economia, a política fiscal se manifesta como um movimento anticíclico
com fins de controle do nível da renda. Assim, no primeiro caso, a
política fiscal é aplicada para expandir o nível de renda através dos
seguintes procedimentos macroeconômicos: aumento dos gastos
governamentais, diminuição dos tributos e o emprego concomitante
e combinado de tais instrumentos. No segundo caso, a política
fiscal, quando é confrontada com a pressão inflacionária, comanda uma
política de contração da renda, mediante a diminuição dos gastos
governamentais, a majoração dos tributos e o emprego concomitante
e combinado desses mesmos instrumentos.
Em suma, os dispêndios ou gastos públicos constituem o segundo
componente da política fiscal, ao lado da função tributação; revelam-se
como o principal instrumento de execução das políticas governamentais;
e perfilam-se como um poderoso instrumento de estabilização, em curto
prazo, dos níveis de renda e do emprego. Logo, a sua manipulação pelo

22 UNIDADE 01
Governo é altamente estratégica. Mais adiante (2ª Unidade) trataremos
do tema tributação.
O setor público é estranho às motivações e à lógica das relações
comerciais, porém é visceralmente ligado ao poder político e seus
princípios de base: legitimidade política e legalidade jurídica. Assim,
o Estado é a instância do poder soberano; o Governo, a instância de
planejamento e decisão estratégica; e a Administração Pública, a
instância de execução e planejamento tático e operacional das diretrizes
governamentais, sejam elas políticas de Estado ou políticas de Governo.
É o que veremos a seguir.

Componentes do Setor Público: Estado, União, Governo e


Administração Pública

A Política é o fundamento da existência humana. Esta última


é plural e expressa um modo de ser particular que se realiza através
da convivência social, sobretudo através da ação coletiva de satisfazer
certas necessidades (necessidades fisiológicas de alimentação, de
segurança, sociais, de autoestima e de autorrealização) e interesses,
ou seja, da ação de busca pelas condições materiais e espirituais de
existência, que é totalmente coletiva e somente é concretizada através
da colaboração entre os indivíduos, grupos e coletividades.
Nesse sentido, a existência humana termina por ser o fundamento
da política. Mas em que medida a inversão dessa proposição é tão
verdadeira quanto à original? Na medida em que elas se retroalimentam
ao formar uma relação de auxílio-mútuo (relação simbiótica), ou seja,
na medida em que ação política e existência humana se equivalem e
se implicam, pois desenvolver uma é desenvolver a outra. Mas o que é
política? Qual é o elemento central do fenômeno político?
O conceito de Política é diverso, mas tem um suporte comum:
a existência do fenômeno social do poder. Para uns, a Política é o
conjunto das relações de poder que os indivíduos, grupos e coletividades
inteiras desenvolvem no curso de uma competição permanente por
bens e serviços escassos, propriedades, riquezas materiais, posição
social, prestígio, honra, etc. Porém, tal conjunto de relações de poder
se desenvolve - às vezes de forma precária - sob o signo da ordem e do
poder estabilizado (autoridade dos pais, sacerdotes, agentes do Estado,
etc.).
Logo, a política tem um fim mínimo, a saber, a manutenção da ordem

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 23


pública interna e a proteção territorial em relação aos demais Estados
nacionais. Para outros, como para Carl Smith (apud MARRAMAO, 1995),
a política diz respeito à relação amigo/inimigo, em que tudo se resume
na dinâmica de agregar e proteger os amigos e desagregar e combater
os inimigos. Assim, a política abrange a arena em que se desenvolve a
oposição entre grupos, os chamados conflitos antagonísticos.
O poder é a questão central da política. Ao tê-lo como foco, a política
promove o estudo da capacidade que tem alguns atores individuais,
coletivos ou institucionais de impor sua vontade a terceiros. E parte
dessa capacidade de submeter vontades individuais ou coletivas resulta
da diferença entre ter ou não ter propriedade. Daí decorre a distinção
entre governantes e governados, reis e súditos, até finalmente chegar
à dicotomia contemporânea autoridades e cidadãos, cujo critério de
construção se baseia na cartilha político-constitucional de deveres e
obrigações (a Lei), assim como a ideia de dominação do homem pelo
homem.
Desse modo, a principal temática das obras humanas associada
à vida política é aquele das relações assimétricas de poder entre o
Estado e a sociedade, em que o primeiro detém a supremacia sobre o
segundo. Paradoxalmente, mesmo o próprio poder e seu exercício têm
de ser submetidos às leis e aos costumes das nações. E é exatamente
a natureza desse poder que perpassa o Estado, a União, o Governo e a
Administração Pública que interessa à nossa disciplina.

Conceitos preliminares

Para fins de apresentação desta unidade, convém introduzir


alguns conceitos preliminares que são centrais na compreensão dos
fenômenos políticos institucionais que ordenam a ativação dos papéis
do Estado, do Governo e da Administração Pública. São o que podemos
chamar de categorias analíticas, ou seja, instrumentos teóricos que se
apresentam sob a forma ideal e típica e que é construída a partir da
seleção das principais características dominantes de algo que se pretende
definir. São os pares: consenso e conflito, força e poder, autoridade e
dominação, legitimidade e soberania. Estes conceitos terminam tendo
ponto de contato ou conteúdo comum. Resta-nos identificar, no entanto,
os princípios que regulam a pertinente relação entre eles.
Nem sempre o poder se manifesta claramente. Na maioria
das vezes, o poder é latente, oculto. A imagem, a seguir, alude à

24 UNIDADE 01
manipulação das pessoas, como se estas
fossem marionetes (fantoches), que são
animadas e por cordões (visíveis e invisíveis)
se prendem às pessoas (através de influência,
chantagem, opressão, etc.) de modo a induzir
a adoção de certos comportamentos dirigidos
(condutas ou atitudes impostas uns aos outros,
institucionalmente ou não).
A dupla consenso/conflito equivale a
dupla acordo/desacordo. Elas representam
Fonte:fotosearch.com.br dois momentos sociais distintos: o da
convergência de pontos de vista e interesses,
fundamento de estabilidade da vida em grupo (coesão grupal), e seu
oposto, o da divergência, fundamento de mudança da vida coletiva
(desagregação de institutos, costumes, valores). O consenso se baseia
em processos sociais associativos, tais como a cooperação (condutas
de auxílio-mútuo), a acomodação (predisposição a seguir regras) e a
assimilação (conscientização de valores e concepções morais típicos da
cultura de uma dada sociedade). O conflito, por seu turno, baseia-se em
processos sociais dissociáveis, tais como a oposição (cisão de interesses)
e a competição (concorrência pelos bens escassos na sociedade), que
levada às últimas consequências pode resultar num fenômeno de ruptura
de tecido social e subseqüentes desdobramentos em cadeia.
No geral, o que se observa é a combinação e/ou alternância desses
momentos no próprio seio da sociedade – momentos de consenso são
combinados e alternados com momentos de conflito, como num pêndulo.
Mas existem os consensos de base, tais como o consenso explícito de uma
nação em torno do direito de governar segundo os limites constitucionais.
É nessa busca de equilíbrio da relação dialética consenso/conflito
que somos confrontados com o fenômeno do poder e seus subprodutos
(a construção da ordem social, econômica e política; regulação de
conflitos entre os grupos de interesse, regime de circulação das elites,
etc.). O poder, enquanto fenômeno político típico da ação humana,
somente existe e se mantém no curso das relações sociais gerais que
se estabelecem entre os indivíduos, e que vão se ampliando a ponto de
constituir uma rede de relações sociais ou rede social. Em cada uma
dessas relações é possível de se constatar manifestações do poder. São
as chamadas relações de poder entre marido e mulher, entre pai e filho,
entre dois adversários, entre professor e aluno, entre sindicatos patronais

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 25


e laborais, entre os partidos políticos, etc.
Força significa o uso de meios que nos permitam influenciar a
conduta de outro. A força é a canalização da potência (algo potente em
suspenso); é o fator que a determina. A força é um componente que pode
ou não ser acionado por ocasião do exercício do poder, seja privado ou
público, institucional ou não.
O poder, por seu turno, não é tangível e se encontra distribuído
por várias arenas e sítios da estrutura da sociedade. Mas é sentido e
percebido como algo dinâmico que, de algum modo, impacta positiva
ou negativamente os indivíduos em interação, rumo à persecução de
objetivos estratégicos. E o lugar mais apropriado para acomodar e
perseguir tais objetivos estratégicos, de modo a demonstrar como o
poder é operacionalizado, é a organização, particularmente aquelas de
natureza governamental.
O exercício do poder, ao se desenvolver no seio de uma realidade
social, econômica, política e cultural, deixa-se transparecer como um jogo,
cuja movimentação dá-se segundo regras sócio-históricas específicas e
seu objetivo é controlar e regular a disputa pelos bens escassos (riqueza
e/ou renda) na sociedade. A busca pelo poder somente existe em função
da valorização, quase invariavelmente excessiva, de tais bens escassos.
A respeito do fenômeno do poder, Max Weber (1991, p. 33;)
formula uma definição bem precisa e completa: “Poder significa toda
probabilidade [ou oportunidade] de impor a própria vontade numa
relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento
dessa probabilidade [ou oportunidade]”.
Esse fundamento de probabilidade ou de
oportunidade significa os meios (econômicos,
financeiros, psicológicos, emocionais,
coercitivos, etc.) de que se dispõe para impor
uma vontade específica a terceiros. O que
importa nesse caso é a eficácia do poder
Fonte: http://www.sxc.hu/ como elemento regulador de vontades.
O poder para Michel Foucault (2000)
se encontra disseminado por todo o tecido social, na condição de uma
forma de exercício que flui entre os indivíduos, ao contrário do que
propugnava as abordagens clássicas da Ciência Política, que centrava
no Estado o melhor de suas análises acerca do poder - a vinculação
do fenômeno do poder ao Estado. Logo, para ele, poder e Estado não
são sinônimos. O poder não é um objeto, uma coisa, mas uma relação,

26 UNIDADE 01
algo que se exerce e que funciona. Por isso dizemos que o poder é
um fenômeno sociopolítico que somente existe num meio social de
desigualdade em termos de capital político.
Em termos espaciais, o poder situa-se no centro (instituições
políticas) e na periferia (relações de poder vigente em quase todas as
relações sociais), no âmbito macro (as grandes organizações do Estado,
as relações Estado/Sociedade Civil, as relações internacionais, o mercado
mundial, etc.) e no âmbito micro (as pressões sociais pela realização
de políticas públicas em conformidade com suas reivindicações por
recompensa; as relações de trabalho no chão da fábrica ou no interior
de um organismo governamental, por exemplo). Mas aqui o que nos
interessa é o poder associado ao Estado, ao Governo e à Administração
Pública, logo, considerar o poder a partir do centro e no curso de uma
análise estrutural (macro perspectiva).
É nesse ponto que os fenômenos associados ao poder desembocam
nos conceitos de autoridade e de dominação. A autoridade é um atributo
institucional que supõe a dominação, posto que o subalterno, sob o
comando daquele que se situa em posição hierárquica superior, vê-se
obrigado ao exercício de suas funções administrativas. É a essa relação
administrativa entre chefia e subalternidade no cumprimento de seus
deveres legais que nomeamos por atividades puramente administrativas.
Porém, qualquer ato praticado por um agente público no curso de suas
atividades administrativas regulares é classificado como ato de autoridade
– uso do poder institucional para fins exclusivamente administrativos ou
associados a cargos, serviços e atividades públicas e privadas praticado
por pessoa investida de parcela do poder do Estado.
O conceito de dominação se confunde com o de poder e o
de autoridade exatamente porque o tema de que tratam (relações
políticas) é, por definição, polissêmico e limítrofe. O próprio Max Weber
(1999) chega a utilizar em alguns contextos explicativos o conceito de
dominação como sinônimo do conceito de poder, isto é, a dominação
enquanto “sentido muito geral de poder” ou “um caso especial de poder”.
O mesmo se aplica a uma diversidade de estudiosos (LEBRUN, 1983;
STOPPINO, 2000). De resto, a dominação (herr = dominus = senhor) é
definida como “a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem
de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis”
(WEBER, 1999, p. 33).
Weber concebe dois tipos radicalmente antagônicos de dominação
– a dominação em virtude de uma constelação de interesses

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 27


(mercado) e a dominação em virtude da autoridade (Estado e/ou
família). O primeiro tipo radical, extremado, em sua forma mais pura,
é representado pela dominação monopolista no mercado (um único
produtor, um único comprador ou um único vendedor). Em tal circunstância
de domínio de mercado, destituído de concorrência, no qual pratica o
controle artificial dos preços, qualquer entidade com fins lucrativos (2º
setor) passa a exercer uma influência dominadora, no sentido de impor
preços aos consumidores, por exemplo. O tipo de dominação em função
da autoridade, por sua vez, está associado ao poder de mando e ao
dever de obediência, e seu tipo mais puro é o poder do chefe de família
ou da autoridade administrativa. Mas o que interessa a Weber (1999,
p. 191; grifo original) - conhecido como o teórico da burocracia - e aos
propósitos deste ensaio é o conceito de dominação como “[...] idêntico
[...] ao poder de mando autoritário”, e não ao “poder condicionado por
situações de interesses”, típico das relações verificadas no mercado.
Em outros termos, impõe-se como meta disciplinar o emprego do tipo
de dominação compatível com a estrutura de dominação racional-legal
ou burocrática, a que Weber designa como dominação em virtude da
autoridade, particularmente a autoridade administrativa que, no exercício
de suas funções públicas, se reveste de parcela do poder público. Afinal,
“toda dominação manifesta-se e funciona como administração” (WEBER,
1999, p. 193) e toda administração para ser eficaz necessita que alguém
detenha o poder e exerça uma dominação efetiva.
A dominação é um processo social que consiste na imposição
de vontades de um ou mais indivíduos sobre um ou mais indivíduos,
de modo a submetê-los pacificamente, mediante o uso da força, como
é o caso da associação de dominação designada por Weber como
associação política, cujo quadro administrativo detém o monopólio
legítimo do constrangimento físico em sua atuação institucional, uma vez
que se faz referência a uma “empresa com caráter de instituição política”,
ou seja, trata-se do Estado.
No que respeita à identidade entre dominação e autoridade, seu
ponto em comum é a noção de poder, e a diferença entre elas não é de
grau (como se uma fosse superior à outra), mas de dinâmica (o modo de
ser do exercício efetivo do poder no instante fugidio de seu uso empírico) e
de racionalidade, de caráter formal (além da competência ou qualificação
compatível com o cargo nos quais indivíduos, mediante concurso público,
tomam posse, mas não se apodera deles); refere-se, também, ao poder
estabilizado na figura da autoridade que gere, por exemplo, um centro

28 UNIDADE 01
de competência especializado ou órgão administrativo, formalmente
instituído e mantido.
Quanto às parecenças da noção de autoridade com a noção de
poder, somente nos resta dizer que a autoridade é uma prerrogativa
de domínio formal na administração pública, enquanto que o poder é
um atributo de domínio informal que se estabelece no jogo do contato
entre os indivíduos no curso de suas atividades administrativas. Não
se esquecendo, no entanto, que esse jogo de contato ou de interesse,
não é apenas regulado pela estrutura de normas dos regimentos,
estatutos e textos constitucionais (racionalidade formal), mas também
pelo magnetismo da atração e da simpatia mútuas e pela identidade de
sentimentos de pertença ao grupo (racionalidade substantiva).
Em geral, a legitimidade é derivada do consenso manifesto
representado pelo apoio das massas eleitorais. Por essa razão a
legitimidade constitui um atributo do Estado que se baseia na construção
política de um consenso, fator indispensável à garantia da obediência
(momento do consenso), independentemente do uso da força (momento
da coerção). Desse modo, “a crença na Legitimidade é, pois, o elemento
integrador na relação de poder que se verifica no âmbito do Estado” (LEVI,
2000, p. 675). Ela supõe necessariamente a noção de governabilidade.
A soberania, por sua vez, é uma condição política que supõe a
autodeterminação dos estados nacionais. Sob o ponto de vista jurídico-
político, o conceito de soberania é de exclusividade dos Estados nacionais,
sejam eles unitários ou federais (a União). E em contraponto, temos o
conceito de autonomia. Logo, à União cabe a soberania indispensável
para representar o Estado Federal na celebração de tratados ou acordos
internacionais; aos estados federativos ou subnacionais, resta apenas
a prerrogativa da autonomia, dentro dos limites legais inscritos na
Constituição Federal.
Concluindo essa tarefa didático-pedagógica relativa a conceitos
por demais úteis na apresentação do conteúdo da disciplina em apreço,
convém precisar que todos esses pares de conceitos oscilam ou orbitam
em torno do par principal: força e poder. Logo, é com referência à noção
de poder que Max Weber classifica os tipos puros de dominação e/ou de
autoridade. E os designam como tipos puros devido ao fato de que em
nenhuma sociedade histórica e empírica se verifica com exclusividade
um desses tipos. É mais provável que haja o predomínio de um sobre
os outros, sobretudo nas sociedades contemporâneas, que adotam o
modelo racional-legal. Assim, a estrutura de poder se fundamenta nas

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 29


seguintes formas de autoridade/dominação legítima:

• tradicional – lastreado na crença da “santidade da tradição


vigente”, assim como na legitimidade de agentes que
representam a autoridade tradicional, em função de tais
tradições, enquanto fonte de poder. Neste tipo de dominação
tradicional, a obediência é destinada “à pessoa do senhor”
indicada pela tradição, graças ao apreço pelos costumes;
• carismática – apóia-se na crença da qualidade extraordinária
de uma pessoa, ao qual se deposita uma confiança
mobilizadora, assim como às ordens por ela instituída, cuja
novidade termina por ser a fonte de seu poder. No âmbito
da dominação carismática, a obediência é devida ao líder
carismático, graças à confiança que seus seguidores depositam
em suas qualidades extraordinárias;
• racional-legal – funda-se na crença da legitimidade tanto das
ordens estatuídas (ordenamento jurídico) quanto do direito de
mando dos agentes nomeados em função de tais ordens para
o exercício da dominação legal. Trata-se de uma forma de
autoridade/dominação que se ampara no imperium da Lei, que
é sua fonte de poder, e que disciplina os direitos e garantias
fundamentais de administrados, bem como as obrigações e
deveres do próprio Estado. Como se trata de uma dominação
alicerçada em estatutos (racionalidade formal), o domínio
racional-legal (ou burocrático) opera sob o imperativo de
uma dupla obediência: à ordem impessoal, que é objetiva e
estatuída na forma da lei, e aos agentes nomeados por essa
mesma ordem impessoal, em função da legalidade formal do
conteúdo estatutário e sua vigência no tempo e no espaço.

Para Weber (1994, p. 193; grifo nosso), “toda dominação


manifesta-se e funciona como administração. Toda administração
precisa, de alguma forma, da dominação, pois, para dirigi-la é
mister que certos poderes de mando se encontrem nas mãos de
alguém”. Isto quer dizer que a dominação para ser eficaz depende da
administração; igualmente, não existe administração que não se apóie
em alguma estrutura de dominação, que se expressa pelas posições
hierárquicas no quadro administrativo de determinada organização. Ou
seja, a condução da administração supõe ou implica que os poderes

30 UNIDADE 01
de mando sejam detidos por um ou mais agentes. Logo, fica patente
que o tipo de dominação legítima que caracteriza as organizações
governamentais na modernidade, segundo a nomenclatura Weberiana,
é a dominação racional-legal ou burocrática. Ou seja, a burocracia é o
aparelho administrativo do Poder legal.
A dominação do homem pelo homem ainda é uma constante nas
interrelações sociais. A própria dominação em si constitui um exemplo
cabal de desigualdade social, pois quem domina postula privilégios,
cuja valorização e manutenção são responsáveis pela continuidade
de determinada situação sócio-histórica – o status quo vigente. E para
dirimir os excessos dessa relação de dominação que é tão comum à
espécie humana quanto à própria Natureza criam-se instituições ou
organizações que terminam por convergir e se converter em várias
formas de soberanias até aportar no modelo de organização política que
modernamente chamamos de Estado.

Estado: conceito e ação sociopolítica

Embora nem todas as sociedades históricas tenham experimentado


algum tipo de representação estatal, assente, portanto, na transferência
normativa das funções de governo e de confiança na condução de
seus destinos, algum tipo de soberania difusa existiu. Ela alude à
relativamente livre autodeterminação dos grupos, das coletividades, dos
povos ou sociedades globais na condução de suas escolhas, cujo curso
os acontecimentos históricos condicionaram ou induziram.
Algum tipo de proteção social e de controle organizativo da vida
coletiva vigorou nas estruturas sociais, operando ora como precários, ora
como vigorosos liames funcionais. Em síntese, as formas de sociedades
que se sucederam, uma após as outras, não deixaram de ser o que
sempre – enquanto existiram – foram, ou seja, sociedades de homens,
edificadas (ou quase sempre destruídas), mantidas (ou dissolvidas) e
gestadas por homens, no encalço de suas propensões finalistas, onde as
pugnas manifestas ou veladas pelo poder constituem o fermento de que
se serve para gerar as transformações sócio-históricas.
No entanto, sem perder aquelas características essenciais que lhe
outorgam um estatuto ontológico de existência comum, essas formas de
sociedade foram se diferenciando devido aos condicionantes geográficos,
econômicos, sociopolíticos e culturais, forçando-as a adotar trajetórias
díspares e correspondentes formas de autogestão administrativa, bem

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 31


como de sistemas de alternância de poder - via disputas em jogos
desportivos, em estatutos formais ou positivados, em litígios judiciais, em
conflitos civis, etc.
Na emulação interminável pelos escassos bens disputados -
justamente por essa escassez (artificial ou não) ser determinadora da
dificuldade de sua posse e usufruto - radicam as razões que alimentam
a paulatina complexidade das estruturas sociais no decurso do processo
histórico – os jogos de interesses e de forças fomentadores do agir racional
teleológico/axiológico e definidores de embates no âmbito político. No
bojo desse empreendimento impulsivo se erige uma ordem sociopolítica
cuja atribuição básica é disciplinar o livre movimento das vontades
humanas circunscritas a um território: o Estado, que essencialmente é
distinguido pela autoridade que encerra e pelo poder que lhe é imputado
pelas convenções e concertos sociais politicamente legitimadores, sendo
que o exercício da força (legal) – expressão objetiva do poder – constitui
um direito exclusivo que lhe é inerente.
Submetido a uma perspectiva estrutural, o conceito de Estado
envolve a articulação entre os seus componentes essenciais, a saber:
poder soberano, povo, território e finalidades. Em outros termos, significa
que o Estado é uma organização política dotada de poder soberano
(independência, autodeterminação política) frente a outros Estados
Nacionais, e esse poder soberano emana do povo, que por sua vez
encontra-se distribuído num território específico e concebe o imperativo
de perseguir finalidades compatíveis com o equilíbrio alcançado pelas
forças políticas partidárias e não-partidárias quanto ao equacionamento
das relações de propriedade, ou, mais precisamente, sobre os critérios
de divisão da totalidade da renda e da riqueza produzida pelo conjunto
das unidades produtivas formais e informais (setor ‘invisível’) do mercado
nacional.
O conceito de forma de estado deriva diretamente da maneira
a partir da qual se exerce o poder político com referência a noção de
território. Com base em tal critério, distinguem-se as formas de Estado
em Estado Unitário e Estado Federal. O Estado Unitário consiste
numa circunscrição territorial politicamente centralizada que regula
o fluxo de bens e pessoas em virtude do poder de império. Ao passo
que Estado Federal (ou Estado Composto, ou mesmo Federação de
Estados) descentraliza o seu poder, fracionando-se no espaço territorial,
determinando o surgimento de uma grande diversidade de organizações
governamentais que se apresentam regionalmente dispersas.

32 UNIDADE 01
Assim, o núcleo do conceito de Estado Federal é a existência
da subdivisão regional de coletividades políticas autônomas e a própria
União que os representam, configurando uma federação ou Estados
federados. Logo, o Estado Federal possui soberania nacional e
internacional, isto é, não se subordina a nenhum outro poder temporal ou
espiritual, enquanto o Estado como unidade da federação possui apenas
autonomia, a qual somente é reconhecida a partir do cumprimento dos
pressupostos da autonomia federativa constante nos artigos 18 e 42 da
Constituição Federal, a saber: a existência de órgãos governamentais
próprios (órgãos independentes de seus correlatos a nível federal no
tocante à seleção e investidura de cargo administrativo); e a posse de
competências exclusivas.
Assim, o Estado brasileiro é concebido como República Federativa
do Brasil. Daí provém o próprio sentido que exprime a forma de governo,
ou seja, a Forma de Governo Republicana. No item que disserta sobre
o instituto do Governo, explanaremos com mais vagar o tema.
Como já vimos, o poder estatal é, ao mesmo tempo, uno,
indivisível e indelegável. Porém, este poder estatal é extensível ao
exercício simultâneo de três ordens de poderes (órgãos) com suas
respectivas funções administrativas, a saber: Executivo, Legislativo
e Judiciário. A diferenciação destas três funções constitucionais do
Estado é determinante na compreensão daquilo que permite distinguir
Administração Pública (stricto sensu) em relação ao Governo. Tais
funções podem ser classificadas em funções próprias ou típicas e
funções atípicas.
Assim, a função típica do Executivo é administrar, o que inclui,
por um lado, a função de governo (atribuições políticas e decisão
estratégica), e, por outro, a função exclusivamente administrativa
(procedimentos de intervenção, fomento e serviço público). Já as funções
atípicas do Executivo são a legislativa (uso de medidas provisórias) e de
julgamento (contencioso administrativo). A função típica ou predominante
do Legislativo é legislar (elaborar normas jurídicas gerais e abstratas) e
fiscalizar os atos do Poder Executivo (fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial). As funções atípicas do Poder
Legislativo estão associadas aos processos de administração (quando
se pronuncia acerca de sua estrutura interna: criação de cargos
públicos próprios, etc.) e julgamento (ação do Senado da República
em julgar determinadas autoridades administrativas quanto aos crimes
de responsabilidade). A função típica do Poder Judiciário (função

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 33


jurisdicional ou de julgamento) é aplicar, de forma coercitiva e em caráter
definitivo, o ordenamento jurídico (Direito) às controvérsias que lhe são
apresentadas mediante propositura de ação; as funções atípicas, por
um lado, são aquelas voltadas para administração de bens, serviço e
pessoal e, por outro, aquelas relativas à geração de normas gerais para
os administrados de sua alçada administrativa.
Em suma, no âmbito do exercício dos três poderes da União,
as funções atípicas tanto servem para a realização de suas principais
finalidades, como servem para estabelecer restrições à conduta dos
outros poderes, funcionando como um mecanismo de freios e contrapesos
(checks and balance).
Num interregno de duzentos anos, entre o século XV e XVII,
a humanidade assiste ao solapamento da crença tradicional na
unidade teocrática da cristandade e sua substituição pelo conceito de
soberania territorial, ocasião em que começa a despontar a diferenciação
fundamental entre Estado e Sociedade. Somente bem depois do
surgimento da ideia de Estado territorial é que se forma uma consciência
efetiva da diferenciação entre relações políticas e relações sociais,
provavelmente em meados do século XIX (RUNCIMAN, 1966).
O advento do Estado moderno, entre o século XIV e XVIII, está
intimamente associado às necessidades de defesa e unificação territorial;
logo, surge sob o signo da faculdade protetora. O Estado moderno surge
paralelamente com a emergência do indivíduo enquanto portador de
direitos: à vida, à segurança e à propriedade. No âmbito do Estado-
protetor, o indivíduo passa a se constituir no sujeito central do político.
Aos poucos, o Estado moderno se transfigura em Estado-providência,
que, por sua vez, consiste em “um aprofundamento e uma extensão do
Estado-protetor ‘clássico’” (ROSANVALLON, 1997). Durante a vigência
do Estado-providência, a providência divina é substituída pela certeza da
providência estatal mediante o aperfeiçoamento das técnicas de seguro,
que, por sua vez, é beneficiada pelo nível elevado do grau de certeza
possibilitado pela probabilidade estatística. Assim, “[...] O Estado-protetor
corresponde à garantia de sobrevivência (a proteção física da vida) e o
Estado-providência, por sua vez, à garantia de uma abundância ‘mínima’
para todos os cidadãos” (ROSANVALLON, 1997).
Mas o que é e no que consiste o Estado moderno? Weber
(1999) nos contempla com uma definição formal que identifica bem o
caráter político-coercitivo dessa entidade abstrata. Para ele, o Estado
constitui uma “empresa”, uma comunidade humana ou uma associação

34 UNIDADE 01
política de tipo historicamente delineado e criado na Europa ocidental,
que reivindica e logra com sucesso o direito ao monopólio legítimo de
uso do constrangimento físico, e se traduz pela forma politicamente
mais organizada e racional de gestão da vida social dos indivíduos em
determinada circunscrição territorial. Weber nos adverte que somente
podemos definir sociologicamente o Estado moderno em função dos
meios particulares que lhe são inerentes, o que de resto pode ser
aplicado a toda e qualquer associação política, como é o caso do uso
do constrangimento físico (meio específico), e não em função do que
faz ou deixa de fazer. Afinal, argumenta Weber, quase não existe tarefa
que uma associação política não tenha executado, assim como não
existe tarefa cuja execução tenha sido permanentemente de domínio
exclusivo a tais associações de caráter político, e que atualmente são
designadas por Estados, consistindo em formas históricas de dominação
não-institucional anteriores ao Estado moderno.
Logo, apoiando-se na afirmação textual de Trotski - “‘Todo Estado
fundamenta-se na coação’” -, Weber sentencia: a única fonte “jurídica” de
exercício da coação é o Estado, somente a ele cabe conceder, ou não, a
terceiros o direito de empregá-la. Além do mais, se todas as instituições
até aqui existentes nunca tivessem experimentado qualquer tipo de
violência ou coação inexistiria o conceito de “Estado”, e em seu lugar
apareceria o conceito de “anarquia”, no exato significado que o vocábulo
semanticamente sugere e encerra.
Nessa linha de análise, portanto, o Estado não pode ser definido
com base nos resultados que manifesta através de sua organização
institucional, ou seja, o Governo e a Administração Pública, mas com
base nos meios de que se instrumentaliza, onde o constrangimento físico
é apenas um meio, embora específico, dentre outros. Em outros termos,
definir o Estado em função do que realiza é perigoso por conta de duas
questões de ordem lógica – defini-lo pelo que faz significa dizer também
que ao deixar de fazer o que normalmente faz implica em vê-lo deixar de
ser o que é, ou seja, o Estado deixa de existir; e que qualquer entidade
que execute funções típicas de Estado deve ser identificada enquanto tal
(RUNCIMAN, 1966)
Runciman, admitindo, porém, que definir o Estado com base em
eventuais “finalidades” é temerário por demais, não concorda totalmente
com as consequências lógicas da proposição teórico-metodológica
Weberiana acerca da definição do Estado, mas reconhece que “(...) na
definição de Weber – que se baseiam antes nos meios – se um Estado

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 35


deixa de conservar o seu monopólio reconhecido da fôrça (sic), então
será necessário dizer que não se trata mais de um Estado (RUNCIMAN,
1966, p. 45); e arremata peremptoriamente que temos apenas que
nos preocupar em verificar concretamente o que fazem ou deixam de
fazer as instituições que detém o monopólio legítimo da violência física,
esvaziando, contudo, os resultados da ação dessas instituições de
qualquer eficácia cognitiva na compreensão de seu conteúdo conceptual.
O mesmo se aplica ao conceito de política, afinal, o que vincula a noção
de Estado à de política é o fenômeno do poder.
As razões que embasam tal argumento poderiam nos conduzir
a ilações açodadas e imputar a Runciman proposições estranhas
a seu pensamento com base nas afirmações de Weber. Assim,
inadvertidamente, poderíamos ser levados a conceber a ideia de que
a redução das funções públicas ou desestatização redundaria na
conclusão lógica segundo a qual o Estado deixaria de ser um Estado
justamente por ser forçado a abdicar do exercício de certas funções,
tais como a intervenção na economia mediante o recurso da produção
de bens materiais de consumo, ou mesmo de alguns bens e serviços
públicos coletivos gratuitos (saúde e educação, por exemplo) ou não; e
a transferência para a iniciativa privada, mediante concessões públicas,
dos serviços de telecomunicações e de geração de energia elétrica.
Bobbio (1999) nos apresenta argumentos que ajudam a esclarecer
melhor a situação evocada. Segundo ele, apenas poderíamos cogitar a
possibilidade de o Estado deixar de ser o que seus predicados enunciam,
ou seja, deixaria de existir, numa eventual situação em que os poderes
básicos que lhe são inerentes dele fossem subtraídos, a saber, o poder
coercitivo, o poder jurisdicional e o poder tributacional. O primeiro desses
poderes contempla o monopólio quanto à aplicação da força física. O
segundo, diz respeito à concepção e à contextura das leis, assim como a
sua observância quanto aos casos concretos, conforme os fundamentos
axiológicos e deontológicos que socialmente as consubstanciam. O
terceiro, por seu turno, refere-se à prerrogativa estatal de impor a
cobrança de tributos para financiar a operação funcional do aparelho
administrativo do Estado. Tais são os poderes que constituem o núcleo
mínimo de todo Estado, sendo que cada um deles corresponde a funções
operacionais que lhe equivalem, cuja inoperância absoluta faria com que
o Estado abdicasse de ser um Estado.
Todos esses poderes e respectivas funções conferem ao Estado
os elementos essenciais e distintivos de sua individualidade enquanto tal,
ao passo que - com exceção das funções acima citadas - todas as outras

36 UNIDADE 01
são componentes integrantes que o Estado vai agregando em função
das circunstâncias históricas, onde as condições gerais de reprodução
das unidades produtivas, assim como seu grau de desenvolvimento e
diversificação, a estratégia de inserção no mercado global, os sistemas
de intermediação de interesses associados às correlações de forças
políticas dominantes e o vigor - ou a debilidade - dos sistemas de
representação e participação política que nele imprimem os sinais
de outra modalidade estatal: o Estado intervencionista (ou Estado-
onipresente). Portanto, essas três funções mínimas aludem ao Estado
conforme sua feição primeva, ou seja, alude ao Estado-protetor (Estado
liberal), enquanto que as justaposições de outras funções o identificam
como Estado-providência (Estado social); logo, o Estado pode abdicar de
funções típicas de mercado, deixando de intervir no meio econômico, e
mesmo no social, sem, no entanto, deixar de ser um Estado enquanto tal,
como advoga Bobbio (1999). O difícil é imaginar como isso poderia ser
efetivado radicalmente dado a irreversibilidade do Estado de bem-estar
social.
Retornando a Weber (1999), é evidente que sua conceituação por
si só nada elucida sobre as transformações do aparato estatal frente
às transformações históricas que ele próprio anteviu com lucidez ao
empreender a analogia entre a racionalidade que inere ao Estado - aquela
que consiste na rigidez das regras ritualísticas do processo burocrático
- e a racionalidade que se instaura no cerne do desenvolvimento
capitalista com respectivas, porém equivalentes, expropriações de
meios estrutural-funcionais internos; da mesma forma que nas unidades
produtivas capitalistas as forças produtivas (ou proletários) são privadas
da propriedade dos meios de produção, os funcionários que compõem a
estrutura burocrática também são privados da propriedade dos cargos que
ocupam e exercem dos meios materiais da organização administrativa e
para isso percebem remuneração sob a forma de salários.
Na construção da ordem moderna, dois movimentos paralelos
terminam por confluírem simbioticamente: o progresso rumo ao capitalismo
é fator de modernização da economia tanto quanto o progresso rumo
ao funcionalismo burocrático constitui fator de modernização do Estado
(WEBER, 1999). Ou seja, modernização econômica supõe modernização
estatal e vice-versa - “[...] historicamente o ‘progresso’ em direção ao
Estado burocrático [...] encontra-se em conexão muito íntima com o
desenvolvimento capitalista moderno” (WEBER, 1999, p. 530). Além de
que Estado nacional e capitalismo implicam-se mutuamente - um fertiliza
o outro.

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 37


Estado capitalista

As concepções de Claus Offe (1994) e Carnoy (1976) acerca do


Estado são centrais para se entender a dinâmica do Estado na sociedade,
pois este último constantemente precisa compatibilizar as exigências
do capital com as necessidades do trabalho, a integração social com
a integração sistêmica, a solução dos conflitos entre as classes com
as crises de reprodução/acumulação. Eis o que se pode chamar de
problemas da dinâmica do Estado capitalista.
As formulações teórico-metodológicas de Offe (1994) com relação
ao Estado se guiam pelo cuidado em compatibilizar as “razões concretas
e de conteúdo” que justificam a ação estatal com os “resultados materiais”
decorrentes dessa ação; ambos constituem “pontos de referência
funcionais” inerentes ao quadro organizacional da estrutura do Estado
burguês. Trata-se, portanto, de confeccionar hipóteses plausíveis acerca
da relação funcional entre a ação do Estado e os problemas estruturais que
surgem no seio de uma particular formação socioeconômica capitalista.
Nessa linha de estudo é possível averiguar como uma sociedade
histórica se reproduz e que mecanismos asseguram sua continuidade ou
descontinuidade:

A sociologia resolve esse problema (que continua básico


e atual) na medida em que indicam quais são exatamente
as questões estruturais que problematizam o contexto
societário e sua continuidade histórica, e esclarece
através de que medidas de ‘integração’ o sistema social
é capaz ou não de resolver os seus problemas estruturais
específicos (OFFE, 1994, p. 14;).

Uma vez esclarecidos os termos gerais da definição operacional


do Estado em Offe, mais precisamente do Estado capitalista, convém
adiantar como o autor especificamente o conceitua. De antemão, adverte
para a inconsistência da concepção instrumental do Estado, ou seja, a ideia
segundo a qual o Estado está a serviço ou se constitui em “instrumento”
de uma classe em contraposição a outra (crítica à teoria Marxista). Para
Offe, o Estado não protege os interesses específicos de uma classe; pelo
contrário, sua preocupação é com a funcionalidade geral do sistema ao
qual o próprio capital extrai a seiva de que necessita para se reproduzir, e o
próprio Estado para existir em sua condição histórica de formação estatal

38 UNIDADE 01
capitalista. Assim, o Estado capitalista procura manter permanentemente
as condições institucionais e estruturais favoráveis às relações de classe
típicas de uma sociedade que se apóia na valorização privada do capital
e no trabalho assalariado livre; e assim fazendo, protege os interesses
gerais da totalidade da sociedade. Uma vez feita essa observação, eis a
definição operacional de Offe (1994, p. 123-124; grifos originais), acerca
do Estado capitalista, concebido como uma forma institucional de poder
público em sua relação com a produção material. O conceito de Estado
capitalista, então, é compreendido mediante a articulação do que o autor
supracitado chama de as quatro determinações funcionais:

• Privatização da produção – De modo geral, as empresas


privadas são mais eficientes e controláveis do que as empresas
públicas, já que os critérios “políticos” do poder público são um
obstáculo à organização da produção material;
• Dependência dos impostos – As finanças públicas estão
indiretamente associadas ao volume da acumulação privada,
levada a efeito pelas empresas privadas; é da acumulação
privada que o Poder Público obtém os recursos necessários ao
custeio da máquina administrativa e à promoção de políticas
públicas em geral, graças ao funcionamento do sistema
tributário (tributos, taxas e contribuições);
• Acumulação como ponto de referência – A dependência
do Estado com relação ao processo privado de acumulação
capitalista como que obriga os detentores do poder estatal a
garantir as condições políticas propiciadoras da reprodução
ampliada do capital;
• Legitimação democrática – O sistema político prevê
a supervisão legal do processo de alternância de poder
via eleições (sufrágios) gerais, bem como a legitimidade
indispensável à apropriação do Poder do Estado, sufragada
pela maioria da população eleitoral. Portanto, um grupo político
qualquer necessita da legitimação política proporcionada pelo
escrutínio das urnas. E é exatamente através do Poder Político
que tal grupo assume que o Estado passa a se submeter tanto
ao imperativo da afirmação do corpo de regras do governo
democrático-representativo (forma institucional) como ao
imperativo da consolidação do desenvolvimento e exigências
do processo de reprodução ampliada do capital (conteúdo).

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 39


A articulação entre essas quatro determinações estruturais-
funcionais expressam o que Offe entende por “política” do Estado
capitalista, e que consiste no “aspecto dinâmico da estrutura estatal”,
a saber: “o conjunto de estratégias mediante as quais se produzem e
reproduzem constantemente o acordo e a compatibilidade entre essas
quatro determinações estruturais do Estado capitalista” (OFFE. 1994, p
125).
Do que foi dito acima, conclui-se que as operações de coordenação
estatal dos sistemas sociais, econômicos e políticos no âmbito territorial
de um país dependem diretamente da chancela popular, segundo os
termos consagrados pela Democracia moderna, e que constitui um
sistema social em que os indivíduos, ora designados por cidadãos,
dispõem em partes iguais do poder resultante da Soberania Popular.
Ou seja, o poder que emana das urnas converte-se num instrumento da
vontade do povo (sociedade eleitoral), proporcionando a existência de
um sistema de alternância de poder que é o mais empregado no mundo
contemporâneo globalizado, sobretudo nos países desenvolvidos e
emergentes (vide 3ª Unidade).
Em suma, o que propõe Offe, a contrapelo de Weber - que se apóia
numa formal definição conceitual do Estado, e mesmo da democracia,
- é formular uma concreta definição operacional do Estado, ou seja,
individualizar o modo de articulação entre os principais elementos
constitutivos do aparato estatal (administração pública em sentido
restrito), e como a conjugação desses elementos articulados, tomados
em seu conjunto, articulam-se, por sua vez, com a sociedade circundante,
cujo produto é expresso sob a forma de políticas públicas, as quais são
o meio de ação planejada de que dispõe o Estado para cumprir seus
deveres constitucionais (vide a 3ª Unidade).
No percurso dessa tentativa, offe confirma o que as análises
marxistas já demonstraram à exaustão. A estrutura organizacional do
Estado se modifica na medida das transformações verificadas e assumidas
pelos modos de expressão do capital (comercial, industrial, financeiro,
especulativo). Além da relação geral que existe entre o capitalismo e
as políticas sociais, também há espaço para relações específicas,
conforme as mudanças de perfil do desenvolvimento capitalista, o qual a
execução de modelos distintos de política social obedeça à dinâmica das
transformações do capitalismo que por sua vez incidem sobre o próprio
Estado.
Nos estudos realizados por Offe, e, sobretudo, naqueles elaborados

40 UNIDADE 01
por Joachim Hirsch (apud Carnoy, 1976), essa análises adquirem uma
tonalidade teórica consistente. Existem semelhanças e diferenças entre
as análises desses formuladores da teoria do Estado e da compreensão
do processo de reprodução/acumulação ampliada do capital. Malgrado
as diferenças de ênfases ou abordagens entre tais autores, importa-
nos tão-somente mostrar, através de suas contribuições teóricas, os
tipos de relações/interações verificadas entre o Estado e o sistema de
produção historicamente existente e hegemônico, cuja pujança reside
nas contradições do próprio processo de exploração sistemática que o
caracteriza no curso de seu desenvolvimento.
Offe centra a sua compreensão do Estado em função do seu
papel ao nível da esfera econômica, mais especificamente no processo
contínuo de acumulação de capital, ou seja, de extração de excedente e
da reprodução das relações de produção, assim como nas contradições
que se originam no âmbito do Estado, a partir do momento em que este
intervém no mercado, a fim de evitar as crises de acumulação – condição
de sua existência enquanto tal – que se refletem no próprio aparato
institucional estatal, conduzindo, por sua vez, a crises de legitimação.
Apesar de, por um lado, nos propiciar uma compreensão um tanto
quanto vaga, em termos comparativos, da teoria das transmutações com
relação à forma e às funções do aparelho do Estado, Offe, por outro lado,
nos propicia uma compreensão consistente e pormenorizada das “leis
de movimento do aparelho do Estado” em sua interação com a arena
econômica.
Se Offe, em suas análises, privilegia a intelecção das leis de
movimento do aparelho do Estado em suas vinculações com as relações
econômicas, Hirsch (apud CARNOY, 1976), por seu turno, privilegia
a intelecção das leis de movimento da acumulação de capital e as
respectivas influências diretas delas advindas sobre as formas e funções
do Estado, e naturalmente de seu caráter intervencionista que tende a
transformar-se paralelamente à transformação do caráter de acumulação
do capital, ou seja, o modo de funcionamento do Estado está diretamente
associado às crises no decurso do desenvolvimento capitalista – a
natureza das intervenções estatais depende das leis de movimento do
desenvolvimento capitalista.
Para Hirsch, as intervenções do Estado sempre ocorrem no
sentido de produzir contratendências à queda da taxa de lucros, ou seja,
na extração do excedente. Na medida em que a taxa de lucros tende
a decair, o Estado é acionado para reorganizar as condições gerais

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 41


de produção; e essa intervenção se manifesta através da revolução
tecnológica do processo de trabalho e do desenvolvimento das forças
produtivas.
Mas Offe (1994) e Carnoy (1976) observam que o Estado não
pode permanentemente solucionar as crises econômicas devido ao seu
modo particular de operação, isto é, devido à burocracia, que é ineficaz
e ineficiente. A burocracia demonstra ser adequada no contexto das
operações políticas de alocação, porém se revela por demais deficientes
em dar conta das atividades estatais produtivas. Com essa observação
final, Offe simplesmente rejeita a hipótese Weberiana em que a burocracia
possui um grau de eficiência superior aos outros procedimentos
administrativos.

A União: competências e poderes

A União é uma entidade federativa – mas não federada -


politicamente construída e instituída como poder supremo, congregando
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Representa o conjunto
das circunscrições territoriais dos Estados federados que são dotadas de
autonomia, nos termos da Constituição Federal; de uma força auxiliar ao
exército (Polícia Militar); e de uma constituição estadual, subserviente,
porém, aos princípios e garantias emanados da Constituição Federal de
1988. A União, pessoa jurídica de direito público interno (titular de direitos
e sujeito de obrigações) que dispõe de competências administrativas e
legislativas, também é chamada de República Federativa do Brasil e se
reconhece como Estado Democrático de Direito (BRASIL, 1988, Título I,
artigo 1º):

A República Federativa do Brasil, formada pela união


indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado democrático de Direito e
tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo
político.

De outro modo, reza o artigo 18, Capítulo I, Título III, página 51 da


Constituição Federal (BRASIL, 1995), a propósito do Estado brasileiro:
“A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil
compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,

42 UNIDADE 01
todos autônomos nos termos desta constituição.”
Embora a União exerça as prerrogativas da soberania do Estado
brasileiro, ao representar a República Federativa do Brasil no concerto
das nações, não se pode confundi-la com Estado Federal. A União é
apenas um dos componentes da República Federativa do Brasil, constitui
apenas uma dentre as quatro entidades federativas integrantes de uma
totalidade política que é o Estado federal - Estados, Distrito Federal e
Municípios.
O comportamento da União varia na medida em que se trate de
questões internas ou externas. Em relação ao ambiente nacional interno,
a União, enquanto entidade do Direito Constitucional, atua em seu próprio
nome e possui autonomia em relação aos demais estados-membros ou
federados. Em relação ao ambiente externo, que configura o campo das
relações internacionais, a União se apresenta como representante do
Estado Federal na chancela de atos de Direito Internacional. No entanto,
não cabe à União praticar atos inerentes ao Direito Internacional, pois
essa incumbência constitucional é atribuída ao Estado Federal, a única e
verdadeira pessoa jurídica de direito público internacional.
Assim, a República Federativa do Brasil é juridicamente
representada por um órgão da União, a Presidência da República, na
celebração de tratados ou acordos internacionais, conforme expressa
o artigo 21 da Constituição Federal, no que concerne à competência
da União, nas alíneas I (“manter relações com estados estrangeiros
e participar de organizações internacionais”) e II (“declarar a guerra e
celebrar a paz”).
Pode-se dizer que os conceitos de Estado Federal e República
Federativa do Brasil são sinônimos, o que não ocorre com o conceito
de União. E é a própria Constituição Federal que esclarece que esta
última é apenas um dos quatro componentes – porém o mais poderoso –
que caracterizam os conceitos acima, ao lado dos Estados subnacionais,
Distrito Federal e Municípios.
Em suma, União e Estado Federal não são uma coisa só, pois este
último constitui um organismo político que rege a federação mediante
estatuto político que veda o direito de secessão (o direito de separar-se
da União Federativa) e garante a supremacia dos poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário em relação aos poderes das demais entidades
da Federação, sobretudo em relação à cartilha de regras que apóiam
a soberania do Estado – a Constituição Federal. A assinatura de um
tratado internacional, por exemplo, levada a efeito pelo Ministério das

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 43


Relações Exteriores (MRE), se transforma em força de lei no país porque
existe um dispositivo legal da Constituição Federal que permite a sua
efetividade no tempo e no espaço. Como se sabe, o referido Ministério
é um agregado de órgãos administrativos cujos agentes, seguindo
orientação governamental, executam ações em nome do Estado e do
Governo vigente.

Governo

O Governo é o princípio unificador do Estado. É quem comanda e


decide, mediante procuração legal do Estado, o conjunto dos órgãos que
constituem a Administração Pública Federal direta e indireta. O Governo
é a instância político-institucional por excelência que traduz as demandas
por recompensas por parte da população em programas de ação
governamental ou simplesmente políticas públicas, que correspondem
às ações de auxílio imediato ao exercício das funções governamentais.
Os órgãos são definidos na perspectiva do Direito Administrativo
como “centros de competência instituídos para o desempenho de
funções estatais, através de seus agentes, cuja atuação é imputada à
pessoa jurídica a que pertencem” (MEIRELES apud ALEXANDRINO
& PAULO, 2002 p. 70). Os órgãos constituem centros de competência
despersonalizados que integram uma mesma pessoa jurídica, já que
apenas esta última é dotada de personalidade jurídica; e sua atuação é
imputada à pessoa jurídica da qual faz parte. Nesse sentido, no tocante à
Administração Direta Federal, apenas a União (assim como os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios) é dotada de personalidade jurídica.
Os Ministérios são órgãos que não podem ser sujeitos de direitos e
obrigações em seu próprio nome, sendo a atuação de seus agentes
imputada à União, uma vez que expressam a vontade das entidades que
integram.
Os órgãos são compostos por alguns componentes indispensáveis
a sua própria funcionalidade: funções ou competências, agentes e
cargos. Ao desempenhar suas funções ou competências (atribuições
específicas), os órgãos se constituem em meios ou instrumentos de ação
das pessoas jurídicas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios;
Autarquias e Fundações Públicas) das quais fazem parte; resultam da
desconcentração e não dispõem de patrimônio próprio.
A supervisão ministerial levada a efeito pelos Ministros de Estado
se realiza por meio dos chamados Órgãos Centrais (Decreto-lei nº

44 UNIDADE 01
200/1967, artigo 21), a saber: os Órgãos Centrais de Planejamento,
Coordenação e Controle Financeiro; e os Órgãos Centrais de Direção
Superior (Decreto-lei nº 200/1967, artigo 22).
Compete aos Órgãos Centrais de Planejamento (estabelecimento
das diretrizes e metas que nortearão a ação governamental), a
Coordenação (convergência das atividades administrativas no intuito
de conformá-las às diretrizes e metas de planejamento, de modo a
suprimir a duplicidade de atuação, a dispersão de recursos, assim como
a divergência de soluções) e ao Controle Financeiro (verificação do
cumprimento das finalidades, qualidade e rendimento na execução das
atribuições, assim como a observância das normas pertinentes; controle
da aplicação dos recursos públicos financeiros, bem como da guarda
dos bens da União) o assessoramento direto ao Ministro de Estado;
e, em função de suas competências específicas, sob representação e
direção do titular do Ministério, permita efetivar estudos que propiciem
a elaboração de diretrizes programáticas, assim como o exercício de
funções de planejamento, orçamento, orientação, coordenação, inspeção
e controle financeiro, por sua vez a cargo de uma Secretaria Geral e uma
Inspetoria Geral de Finanças (artigo 23).
O artigo 10, § 2º, do Decreto-Lei nº 200/67 é bastante explícito
quanto à natureza das atividades exercidas no cerne da estrutura central
de direção dos negócios do Estado, com se depreende a seguir:

Em cada órgão da Administração Federal, os serviços


que compõem a estrutura central de direção devem
permanecer liberados das rotinas de execução e das
tarefas de mera formalização de atos administrativos,
para que possam concentrar-se nas atividades de
planejamento, supervisão, coordenação e controle.

E é reforçada pelo § 4º, do mesmo artigo do referido documento


legal:

Compete à estrutura central de direção o estabelecimento


das normas, critérios, programas e princípios, que os
serviços responsáveis pela execução são obrigados
a respeitar na solução dos casos individuais e no
desempenho de suas atribuições.

Os Órgãos Centrais de Direção Superior, por sua vez,


exercem funções administrativas relacionadas a procedimentos

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 45


específicos e auxiliares dos Ministérios, devendo, preferencialmente, ser
organizados através da técnica da divisão de instâncias administrativas
em departamentos, e em conformidade com os seguintes princípios
fundamentais:
• Planejamento: promoção do desenvolvimento econômico-
social do País e a segurança nacional, norteando-se segundo
planos e programas elaborados;
• Coordenação: realizada em todos os níveis da administração,
através da atuação das chefias individuais, da efetivação
sistemática de reuniões com a as chefias subordinadas e da
instituição e funcionamento de comissões de coordenação em
cada um dos níveis administrativos;
• Descentralização: execução de atividades a partir de três
planos: no interior dos quadros funcionais da Administração
Pública Federal, em que se diferencia o nível de direção
como contraponto ao nível de execução; no protagonismo
da Administração Pública Federal quanto a transferir
responsabilidades políticas para as entidades políticas federadas
através de convênios; e no protagonismo da Administração
Pública Federal quanto a transferir responsabilidades ao setor
privado via contratos ou concessões;
• Delegação de competência: instrumento de descentralização
administrativa que visa garantir celeridade e objetividade às
decisões administrativas ou de Governo;
• Controle: atividades realizadas na Administração Pública
Federal em todos os níveis e órgãos, incluindo três tipos
de controle: aquele realizado pela própria chefia do órgão,
ao supervisionar a execução de programas, assim como à
observância das normas que regem a atividade particular do
órgão sob controle; aquele executado pelos órgãos inerentes
a cada sistema, ao observar as normas gerais que presidem
as atividades auxiliares; e aquele controle que se exerce sobre
a aplicação do dinheiro público, bem como o da guarda do
patrimônio da União pelos órgãos que integram o sistema de
contabilidade e auditoria (artigo 24; p. 6).

Em seu artigo 25, o referido estatuto legal define quais são os


principais objetivos de supervisão ministerial circunscrita ao campo de
atribuições dos Ministros de Estado. São eles:

46 UNIDADE 01
I. Assegurar a observância da legislação federal.
II. Promover a execução dos programas do Governo.
III. Fazer observar os princípios fundamentais enunciados no
Título II.
IV. Coordenar as atividades dos órgãos supervisionados e
harmonizar sua atuação com a dos demais Ministérios.
V. Avaliar o comportamento administrativo dos órgãos
supervisionados e diligenciar no sentido de que estejam
confiados a dirigentes capacitados.
VI. Proteger a administração dos órgãos supervisionados
contra interferências e pressões ilegítimas.
VII. Fortalecer o sistema do mérito.
VIII. Fiscalizar a aplicação e utilização de dinheiros, valores e
bens públicos.
IX. Acompanhar os custos globais dos programas setoriais
do Governo, a fim de alcançar uma prestação econômica de
serviços.
X. Fornecer ao órgão próprio do Ministério da Fazenda os
elementos necessários à prestação de contas do exercício
financeiro.
XI. Transmitir ao Tribunal de Contas, sem prejuízo da
fiscalização deste, informes relativos à administração financeira
e patrimonial dos órgãos do Ministério.

Os planos divulgados e efetivados pelos componentes da estrutura


governamental são efetuados com o indispensável auxílio dos órgãos
integrantes do Estado. Tais órgãos podem ser classificados, segundo o
Direito Constitucional, em supremos e dependentes. Os primeiros são
regidos pelas normas do Direito Constitucional, pois lidam diretamente
com o exercício do poder político, que é uno, indivisível e indelegável,
configurando o que conhecemos por Governo ou órgãos governamentais,
encarregados da organização institucional do Estado, com base
em princípios político–constitucionais (normas-princípio) e jurídico-
constitucionais (princípios-garantia). Os últimos são regidos pelo Direito
Administrativo, situando-se em um nível hierárquico inferior e restrito ao
cumprimento ou execução de funções estritamente administrativas.
Em linhas gerais, os órgãos comportam uma variedade de
classificações cujas qualificações derivam da aplicação de múltiplos
critérios. Assim, os órgãos, conforme o critério de sua estrutura, são

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 47


classificados em órgãos simples (formado por apenas um centro de
competência) e compostos (formado por vários centros de competência,
ou órgãos; exemplo da técnica da desconcentração administrativa).
No tocante ao critério de sua atuação funcional, os órgãos podem ser
classificados em singulares (ou unipessoais, em que a responsabilidade
funcional cabe apenas a um único agente público, ao mesmo tempo
chefe e representante) e colegiados (ou pluripessoais, em que suas
atuações e decisões dependem da explícita e obrigatória manifestação
da totalidade de seus membros integrantes, cujo processo de deliberação
é disciplinado por regras regimentais).
Os órgãos integrantes do Estado, no que respeita à sua posição
hierárquica, são classificados como independentes, autônomos,
superiores e subalternos e se enquadram, por sua vez, em outra
classificação conforme o sentido amplo do conceito de Administração
Pública: órgãos governamentais (centros de tomadas de decisão
estratégica tendo em vista as demandas da sociedade por produtos e
serviços públicos, assim como de políticas de bem-estar social; e do
mercado por políticas de subsídios, de estabilização macroeconômica
e de alocação de recursos na sociedade) e órgãos administrativos
(centros de competência despersonalizados incumbidos da execução
dos planos e das diretrizes de ações governamentais).
Os órgãos independentes são aqueles previstos
constitucionalmente e que representam os três Poderes da República,
quais sejam: o Senado Federal, a Câmara Federal, o Supremo Tribunal
Federal, o Superior Tribunal de Justiça, etc., outros tribunais, a Presidência
da República, assim como seus correlatos simétricos nos vários níveis da
Federação. Como constituem a própria cúpula do poder público estatal, os
órgãos independentes não se subordinam hierárquica ou funcionalmente
a nenhuma outra instância governamental ou administrativa. Logo, as
suas atribuições são exercidas pelos denominados agentes políticos.
Os órgãos independentes coincidem com os chamados órgãos
governamentais ou supremos, além de serem os únicos dotados de
excepcional capacidade processual para a defesa de suas prerrogativas
e competências funcionais. E as razões para tal fato decorrem da
sua posição na estrutura de poder do Estado, excluindo os órgãos
hierarquizados, isto é, os órgãos superiores e os subalternos.
Os órgãos autônomos, a exemplo dos órgãos independentes,
também se situam na cúpula do poder público estatal, porém em nível
hierárquico imediatamente inferior. São caracterizados como órgãos

48 UNIDADE 01
diretivos e são dotados de ampla autonomia administrativa, financeira e
técnica (Ministérios, Secretarias de Estado, Advocacia Geral da União,
etc.).
Apesar de os órgãos superiores desempenharem atividades de
direção, controle e decisão, eles se subordinam ao controle hierárquico do
nível imediatamente superior (procuradorias, coordenadorias, gabinetes,
etc.).
Os órgãos subalternos incluem todos aqueles que desempenham
atribuições meramente executórias, que subordinam-se a diversos níveis
hierárquicos superiores e que dispõem de débil poder de decisão (seções
de expediente, pessoal, material, portaria, etc.).
Como vimos, os órgãos são centros de competência
despersonalizados criados especialmente para cumprir determinadas
funções do Estado por meio de um conjunto de agentes, os chamados
agentes públicos, que podem ser classificados, segundo Hely Lopes
Meirelles (apud ALEXANDRINO & PAULO, 2002) em agentes políticos,
administrativos, honoríficos, delegados e credenciados.
Os agentes públicos constituem o aparato técnico-intelectual dos
órgãos que integram a Administração Pública. A sua atuação social nos
organismos estatais, aos quais se perfila como representante, é decisiva
na realização dos planos e das diretrizes de ações governamentais.
Os agentes políticos são aqueles componentes que se posicionam
nos primeiros escalões do Governo cujas atribuições e responsabilidades
estão associadas às funções de direção, orientação e execução das
diretrizes de ação a serem estrategicamente seguidas. De modo geral,
os agentes políticos extraem a sua competência do texto constitucional;
subordinam-se a regras e foros especiais; são investidos em seus cargos
através de eleições, nomeações ou designações; e não são hierarquizados
(exceto o corpo de auxiliares imediatos dos titulares do Poder Executivo),
uma vez que sua atuação é disciplinada exclusivamente pela Constituição
Federal. Assim, são exemplos de agentes políticos os titulares do Poder
Executivo nas várias esferas da Federação (Presidência da República,
Governadores e Prefeitos), com seus respectivos auxiliares imediatos
(Ministros, Secretários Estaduais e Municipais), bem como os membros
constituintes do Poder Legislativo (Senadores, Deputados e Vereadores).
Em virtude de sua posição na cúpula governamental, os agentes políticos
integram a totalidade dos órgãos supremos e são regidos por princípios,
valores e normas emanados do Texto Constitucional (objeto do Direito
Constitucional).

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 49


Os órgãos governamentais ou supremos desempenham funções
associadas ao exercício do poder político, daí derivando as diretrizes
a serem executadas pelos órgãos administrativos ou dependentes que
desempenham funções exclusivamente administrativas.
Os demais agentes públicos desempenham atividades
fortemente reguladas por uma estrutura hierárquica que se sujeita
aos princípios, valores e normas de natureza administrativa (objeto do
Direito Administrativo). Os agentes administrativos perfazem o maior
quantitativo de efetivos dos chamados agentes públicos (servidores
ou funcionários públicos) no setor governamental. Fazem parte do
quadro funcional das diversas entidades da Federação, em seus três
poderes, bem como das entidades constituintes da Administração
Pública Indireta. Em geral, representam os servidores concursados em
caráter permanente, mas inclui também aqueles que exercem atividades
administrativas provisórias. São subordinados à hierarquia funcional e ao
regime jurídico da entidade que integram (Regime Jurídico Único – RJU,
ou Consolidação das Leis do Trabalho - CLT).
Os agentes administrativos que integram os altos escalões
da República Federativa do Brasil são aqueles que exercem funções
tipicamente de Estado (carreiras jurídicas, fiscais, diplomáticas e do ciclo
de gestão). Esses agentes especiais compõem o núcleo estratégico do
Estado e podem ser designados por componentes da tecnoestrutura
estatal, destacando-se dentre as mais de 100 categorias funcionais da
Administração Pública. Como exemplo, temos os casos dos Analistas
de Planejamento e Orçamento (APO’s) e dos Especialistas em Políticas
Públicas e Gestão Governamental (EPPGG’s), que trataremos na próxima
Unidade, ao descrever o perfil e o ofício do gestor público.
Agentes honoríficos são os jurados, os mesários eleitorais, os
comissários de menores, etc. São cidadãos comuns que são convocados
pelo Estado para realizar determinados serviços, sem contrapartida
pecuniária ou remuneração; são funcionários públicos exclusivamente
para fins penais, destituídos de qualquer vínculo profissional ou funcional
com o Estado.
Os agentes delegados são constituídos por particulares que
obtém o direito de executar atividades, obras ou serviços públicos desde
que o faça por conta própria, mediante confissão de responsabilidade,
submetendo-se, no entanto, à fiscalização da autoridade que lhe delegou
a concessão, permissão ou autorização de serviços públicos. Suas
atividades são disciplinadas pela Constituição Federal, que imputam a

50 UNIDADE 01
eles a responsabilidade por eventuais danos provocados a terceiros, a
chamada responsabilidade civil objetiva (art. 37, § 6º), e os submete ao
instituto jurídico do mandato de segurança como medida de proteção
do direito líquido e certo, quando impetrado em resposta ao abuso de
poder ou de autoridade cometido por “[...] autoridade pública ou agente
de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público” (art. 37,
LXIX; grifo nosso); além de ser responsabilizado nas práticas de crimes
contra a Administração Pública (Código Penal, art. 327). Na realidade,
os agentes delegados são apenas colaboradores do Poder Público,
na condição de concessionários, permissionários ou quem autoriza os
serviços públicos (empresas de comunicação e eletricidade; águas,
esgoto e saneamento, etc.), assim como tradutores públicos, leiloeiros
etc.
Os agentes credenciados são os agentes incumbidos da
Administração visando representar atos e desempenhar atividades
específicas com a devida retribuição pecuniária (pagamento por serviços)
realizada pelo Poder Público Credenciador.
Verificaremos agora, de forma comparativa, algumas das
características institucionais que distinguem Governo de Administração
Pública e vice-versa.

Quadro de Diferenciação entre Governo e Administração Pública


Característica Governo Administração Pública
Natureza dos atos Realização de atos de Realização de atos de execução
praticados governo
Atividade Desenvolve atividade Desenvolve atividade neutra,
política e discricionária associada à lei ou à norma
técnica
Conduta Conduta independente Conduta hierarquizada
Responsabilidade/ Ação de comando Ação de execução destituída de
ação dotada de responsabilidade constitucional
responsabilidade e política, porém investida de
constitucional e política, responsabilidade técnico-legal no
porém sem assunção de curso da execução
responsabilidade pela
execução
Poder de decisão pleno poder de decisão Restrito a decisões relativas
política ao cumprimento legal de sua
finalidade institucional
Fonte: Ferreira, 1995.

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 51


Administração Pública

Comumente se traduz Gestão Pública por Administração Pública.


Para efeito de compreensão analítica, distinguimos gestão pública como
o elemento exclusivamente voltado para a práxis da operacionalidade.
Em termos de equivalência semântica (significado), por pura analogia,
traduzimos como administração pública em sentido estrito – a máquina
pública, o aparato físico-intelectual do Estado. Ao passo que em sentido
amplo, nos referiremos à Administração Pública – assim mesmo com
iniciais maiúsculas – como uma instituição que, ao mesmo tempo, lida tanto
com as determinações políticas do Governo (os planos e as diretrizes de
ação), via órgãos governamentais ou supremos, quanto com a execução
de tais determinações políticas por meio de órgãos administrativos ou
dependentes (concretização efetiva dos planos governamentais). Em
suma, os órgãos governamentais ou supremos desempenham funções
associadas ao exercício do poder político, de onde provêm as diretrizes a
serem executadas pelos órgãos administrativos ou dependentes que, por
sua vez, desempenham funções exclusivamente administrativas.
Pela primeira vez na história das Constituições Brasileiras, um
capítulo exclusivo (VII) com quatro seções, sob o título “Da Administração
Pública” foi incluído em um Texto Constitucional, a saber, a Constituição
da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Mas foi
com a publicação do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967,
que tomamos conhecimento pela primeira vez do registro do vocábulo
administração, o qual se subdivide em direta e indireta.
A Constituição Federal de 1988, em seu Título III, Capítulo VII,
seção I (Disposições Gerais), no seu primeiro artigo, de número 37, a
propósito da apresentação dos princípios da Administração Pública,
incorporou a classificação do Decreto-Lei nº 200/67, como se pode
depreender da citação que se segue:

A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos


poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...].

Porém, antes de tratarmos dessa subdivisão da Administração


Pública e da enunciação dos princípios que a regem, convém definirmos
o que entendemos a respeito da locução Administração pública. Para
tanto, é necessário refletirmos sobre algumas definições da temática em
tela.

52 UNIDADE 01
O conceito de administração pública, além da classificação acima,
também pode ser classificado em: sentido material, objetivo ou funcional
e sentido formal, subjetivo ou orgânico.
O sentido material, objetivo ou funcional compõe o conceito de
administração pública (com iniciais minúsculas) enquanto conjunto
de atividades administrativas realizadas pelo Estado através de seus
órgãos e entidades. Logo, no sentido material, o destaque fica por
conta exclusivamente da natureza da atividade desenvolvida e o regime
jurídico que a rege. Essas atividades administrativas são classificadas
pela doutrina do Direito Administrativo em quatro modalidades: o fomento
(estímulo à iniciativa privada de interesse público, tal como a concessão
de benefícios e incentivos fiscais e o financiamento em condições
especiais); a polícia administrativa (poder de polícia capaz de limitar
o exercício dos direitos individuais em prol do interesse coletivo, tais
como a fiscalização fitossanitária e a concessão de licença); o serviço
público (atividade administrativa realizada direta e/ou indiretamente e
voltada para a satisfação das necessidades públicas) e a intervenção
administrativa (regulamentação e fiscalização da atividade econômica do
setor privado através de agências reguladoras, por exemplo).
O sentido formal, subjetivo ou orgânico, por seu turno, refere-
se à totalidade dos agentes (pessoas físicas titulares de cargos e
funções), órgãos (centros de decisão e de competência) e entidades
(pessoas jurídicas) criados para atingir os objetivos e metas do Governo
(Poder político). No sentido formal, Governo e Administração Pública se
justapõem – pelo menos parte desta, a cargo dos órgãos governamentais
ou supremos –, e se manifestam concretamente como resultante de
criações abstratas do Texto Constitucional e do imperium das leis. E
ambos os sentidos acima discriminados e descritos acerca da locução
Administração Pública são contemplados pela Constituição Federal em
seu artigo 37: no sentido formal, quando se refere à Administração Pública
direta e indireta dos Poderes da União, dos Estados e dos Municípios
como uma totalidade orgânica; e no sentido material, como exclusiva
atividade administrativa, quando expressamente se refere ao imperativo
da submissão desta aos princípios da legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência.
A Administração Pública, pois, se subordina ao Poder político,
constitui um meio operacional e se revela sob um duplo aspecto: como
complexo de órgãos sob orientação do Poder político (Administração
Pública enquanto sinônimo de Estado; sentido formal) e como sistema

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 53


de atividades administrativas (administração pública enquanto sinônimo
de burocracia; sentido material). É o que patenteia a concepção de
Administração Pública do jurista José Afonso da Silva (2003, p. 635; grifo
original): “Administração Pública é o conjunto de meios institucionais,
materiais, financeiros e humanos pré-ordenados à execução das decisões
políticas”.
Assim, a Administração Pública, além de constituir-se como
instrumento de concretização de opções políticas, exerce o papel de
mediadora das relações entre o Governo e os cidadãos (DEBBASCH apud
FERREIRA, 1995). Em resumo, a Administração Pública manifesta-se
como pólo de execução; como instrumento; como estrutura hierarquizada;
como instância dependente e neutra; como portador de responsabilidade
técnica; como dotado de competência limitada; e como detentor de poder
exclusivamente administrativo.
A Administração Pública - enquanto processo e corpo de órgãos,
agentes e pessoas jurídicas - não está localizada no vácuo. Ela se situa
num ambiente ordenado pela organização dos mercados, baseado na
propriedade privada, quase sempre o elemento que estipula seu valor
social, político, econômico na sociedade; e esse ambiente foi criado pelo
modo de produção capitalista. Como a menor unidade humana de uma
organização, que é o indivíduo ou funcionário, a Administração Pública
está na dependência de seu meio ambiente e a ele deve se adaptar como
condição de sua própria sobrevivência.

Organização administrativa

O Decreto-Lei nº 200/67 é o estatuto legal que permitiu uma maior


funcionalidade e dinamicidade não apenas à Administração Pública
Federal, mas também aos demais entes da federação. A ele atribui-se a
classificação da Administração Pública Federal em direta e indireta.
Pode-se conceber a gestão da Administração direta como
gestão de serviços administrativos a partir do centro, enquanto que a
gestão da Administração indireta, que se distingue e se distancia do
centro, identifica-se como gestão de serviços administrativos realizada
por entidades dotadas de personalidade jurídica de direito público e de
direito privado mediante outorga e delegação (interposta pessoa). Assim,
a dicotomia direta e indireta, suscitada pelo Decreto-Lei nº 200/67, termina
por conduzir a duas técnicas jurídicas de organização administrativa:
a centralização e a descentralização (descongestionamento da

54 UNIDADE 01
Administração através da desconcentração, da delegação de execução
do serviço público e da execução indireta das obras e serviços).
A Administração direta, centralizada, é constituída pelos
serviços que compõem a estrutura administrativa da Presidência da
República e dos Ministérios. Logo, inclui a pessoa política e os órgãos
administrativos que integram a administração Pública em seus vários
níveis. A Administração indireta, por seu turno, é descentralizada e
abrange 04 (quatro) categorias de entidades, cada uma delas dotada de
personalidade jurídica própria, a saber:
• Autarquias – entidades administrativas autônomas criadas
mediante lei específica, dotadas de personalidade jurídica
de direito público interno e de patrimônio e receitas próprios,
cujo propósito institucional-legal é a realização de atividades
típicas de Estado, cuja dinâmica, que visa a otimização de seu
funcionamento, exige o emprego de uma gestão administrativa
e financeira descentralizada (art. 5º, inciso I, Decreto-Lei nº
200/1967); são tuteladas e controladas pelos Ministérios a
que estão vinculadas e seus objetivos são os mesmos do
Estado, só que seu exercício ocorre sob a égide da autonomia
financeira, administrativa e disciplinar. Em suma, desenvolvem
atividades meramente administrativas ou de natureza social e
não atividades voltadas para o mercado, nas áreas de atuação
das sociedades de economia mista e empresas públicas
(entidades públicas de direito privado). Exemplos: Banco
Central do Brasil (BACEN); Comissão de Valores Mobiliários
(CVM); Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA); Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA), etc.;
• Fundações públicas – a exemplo das autarquias, possuem
personalidade jurídica de Direito Público interno. A instituição
de qualquer fundação é viabilizada graças à destinação de
um patrimônio privado a um fim específico, de caráter não
mercantil, o qual é orientado para a prestação de serviços
de cunho social: assistência social, assistência médico-
hospitalar, educação e ensino, pesquisa, etc. Existem algumas
similaridades entre as fundações públicas e privadas: ambas
possuem finalidades sociais e são organizações sem fins
lucrativos. As diferenças entre elas ficam por conta dos
seguintes critérios: quanto à figura do instituidor (as fundações

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 55


privadas são instituídas por ato de vontade de um particular e
as fundações públicas por atos do Poder Executivo, através de
autorização em lei específica (autorização legal)) e quanto ao
patrimônio afetado (fundações privadas: patrimônio privado;
fundações públicas: patrimônio público). Exemplos: Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ);
Fundação Escola Nacional de Administração Pública (ENAP);
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA); Fundação
Nacional do Índio (FUNAI); Fundação Instituto Brasileiro da
Geografia e Estatística (IBGE); Fundação Nacional de Saúde
(FNS), etc.;
• Empresas públicas – pessoas jurídicas de direito privado
criadas pelo Poder Público, através de lei específica, podendo
admitir várias formas jurídicas, dotadas, enfim, de capital
público, destinadas a desenvolver práticas de natureza
econômica, ou prestação de serviços públicos. Exemplos: Caixa
Econômica Federal (CEF); Empresa Brasileira de Correios
e Telégrafos (ECT); Serviço Federal de Processamento de
Dados (SERPRO), etc.
• Sociedades de economia mista – pessoas jurídicas de direito
privado criadas pelo Poder Público, mediante autorização em
lei específica, sob a exclusiva forma de sociedade anônima e
dotada de capitais públicos e capital privado que se destinam
a desenvolver práticas de natureza econômica ou prestação
de serviços públicos. Exemplos: Petróleo Brasileiro S/A
(PETROBRÁS); Banco do Brasil S/A (BB); Banco da Amazônica
S/A (BASA), etc.

Além das entidades acima tratadas, também temos as agências


executivas, as agências reguladoras e as chamadas entidades
paraestatais.
As agências executivas são dotadas de regime jurídico especial
e assim são designadas em virtude da concessão, através de decreto
presidencial específico, de uma qualificação (mediante subscrição prévia
de um contrato de gestão) a autarquias e fundações que desenvolvem
atividades e serviços típicos do Estado, de modo a proporcionar-lhes maior
flexibilidade e autonomia na execução de suas funções administrativas.
As agências reguladoras são criadas mediante lei de iniciativa da
Presidência da República (Poder Executivo) com autonomia financeira e

56 UNIDADE 01
administrativa (ou independência), condição fundamental para a garantia
do equilíbrio entre os direitos (ou interesses) do Estado, do consumidor e
do setor privado. São autarquias dotadas de regime jurídico especial que
desempenham atividades típicas de Estado – regulação e fiscalização.
Elas são classificadas em dois tipos: aquelas que exercem o poder de
polícia e aquelas que exercem o controle da atividade econômica
associada à concessão, permissão e autorização de prestação de
serviços públicos.
As entidades paraestatais são pessoas jurídicas de direito privado
que desenvolvem atividades similares às executadas pelas entidades
estatais, ou seja, atividades que são realizadas “paralelamente ao Estado”,
ou ao “lado do Estado”. As entidades paraestatais consistem em pessoas
jurídicas de direito privado que integram o Terceiro Setor (Primeiro
Setor: Estado; Segundo Setor: Mercado) e que agem paralelamente
ao Estado ao desempenhar ações sem fins lucrativos, podendo, pois,
serem classificadas em três tipos: serviços sociais autônomos
(prestação serviços de utilidade pública em prol de determinado grupo
social e/ou profissional: Sistema S: SESI, SESC, SENAI, SEBRAE, etc.);
organizações sociais (OSs, Lei 9.637/1998: prestação de serviços
sociais não exclusivos do Estado, sob incentivo e supervisão deste último,
cujo vínculo jurídico é chancelado através de um contrato de gestão
(ou acordo-programa) para a execução de atividades voltadas para o
ensino, pesquisa científica, proteção e preservação do meio ambiente,
cultura, saúde e para o desenvolvimento tecnológico, mediante certificado
de qualificação expedido por seu Ministério ou Órgão Supervisor); e
organizações da sociedade civil de interesse coletivo (OSCIPs ou
OSCs, Lei 9.790/1999: prestação de serviços sociais não exclusivos do
Estado, sob incentivo e supervisão deste último, cujo vínculo jurídico é
chancelado através de um termo de parceria, mediante certificado de
qualificação expedido pelo Ministério da Justiça).

Princípios e Poderes da Administração Pública

O vocábulo princípio, que consagra e norteia o ordenamento


jurídico, aqui é entendido enquanto “mandamento nuclear de um
sistema”, na expressão de Celso Antonio Bandeira de Melo (apud Silva,
2003, p. 91). Portanto, os princípios fundamentais e constitucionais da
Administração Pública constituem vetores orientacionais normativos que
servem para “[...] definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo,

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 57


no que lhe confere a tônica e lhe dá um sentido harmônico” (Bandeira de
Melo apud Silva, 2003, p. 91).
No Título III (Da Organização do Estado), Capítulo VII (Da
Administração Pública), seção I (Disposições Gerais: princípios da
administração pública), artigo 37 da Constituição Federal, consta de
modo bastante explícito que a administração pública direta e indireta,
nas várias esferas ou níveis de governo (União, Estados, Distrito
Federal e Municípios), se submeterá aos princípios da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência: normas
jurídicas de obediência obrigatória. Eles são o esteio em que se apóiam
e se norteiam os órgãos, os funcionários públicos e as pessoas jurídicas
de direito público, uma vez que são fundamentais à probidade, à
transparência e à accountability na gestão do patrimônio público. Em
outros termos, nas palavras de José Afonso da Silva (2003, p. 646;),

A Administração Pública é informada por diversos


princípios gerais, destinados, de um lado, a orientar a
ação do administrador na prática dos atos administrativos
e, de outro lado, a garantir a boa administração, que se
consubstancia na correta gestão dos negócios públicos
e no manejo dos recursos públicos (dinheiro, bens e
serviços) no interesse coletivo, com o que também se
assegura aos administrados o seu direito a práticas
administrativas honestas e probas.

Da totalidade de princípios hauridos da Constituição destacam-


se os originais ou fundadores e aqueles que são deduzidos a partir
destes últimos – trata-se de princípios derivados, tais como os princípios
do procedimento licitatório, da razoabilidade e da probidade, bem como
de outros princípios gerais, a saber, o princípio da proporcionalidade
dos meios e dos fins, o princípio da supremacia do interesse coletivo
sobre o interesse individual, o princípio da autotutela e o princípio da
indisponibilidade do interesse público.
O princípio da legalidade é o fundamento do Estado de Direito
e seu elemento de identificação, posto que a alusão ao Estado de
Direito implica na alusão da vigência do império da lei. De maneira
que tal princípio é observado tanto pelo lado do próprio poder público
quanto pelo lado do administrado. Assim, o servidor público é obrigado a
restringir-se aos termos explicitados pela lei, ou seja, a sua conduta deve
se orientar pelo que é permitido ou autorizado pelo ato legislativo típico
ou instrumento normativo – a lei – e sua vontade pessoal se subordina à

58 UNIDADE 01
vontade da lei, que se constitui em um instrumento normativo elaborado
em conformidade com a vontade geral formalizada pelo Poder Legislativo
A função essencial do princípio da legalidade é assegurar que
a materialização dessa vontade geral seja efetivamente realizada pelo
Poder Executivo. O administrado, por sua vez, é amparado no Estado
Democrático de Direito, o que lhe garante o exercício de certos direitos e
deveres individuais e coletivos: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (Título II, Capítulo I, art.
5º, inciso II, CF/88). O conteúdo normativo insculpido no já referido artigo
da Constituição Federal foi inspirado numa máxima jurídica proferida
pelo barão de Montesquieu (Charles-Louis de Secondat), segundo a qual
“a liberdade é o direito de fazer tudo aquilo que as leis permitem” (apud
FERREIRA, 1995, p. 15).
Em suma, o fundamento jurídico da ação/atuação administrativa
é o sistema legal vigente. Portanto, o princípio da legalidade evoca o
princípio da finalidade e o princípio da irretroatividade da lei, sendo
que deste último são extraídos dois pressupostos básicos ou princípios
derivados: o princípio da segurança jurídica e o princípio da confiança do
cidadão.
O princípio da impessoalidade é confirmado pela Lei de
Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) e visa garantir uma conduta
imparcial por parte do agente público no exercício de suas funções (ou
finalidades) administrativas, voltadas, sobretudo, ao atendimento dos
administrados ou cidadãos (interesse público). Este princípio é totalmente
dedicado à atuação dos agentes públicos, que são os genuínos executores
da vontade estatal e para tanto, precisam comportar-se com isenção,
evitando os favorecimentos e demais tratamentos que se desviam do
fim público previsto pela lei. Esse princípio possui dois significados
jurídicos no âmbito do sistema legal vigente, por sua vez lastreado na
Constituição Federal: 1) a identidade entre o princípio da impessoalidade
e o princípio da finalidade da atuação administrativa, na medida em
que ele focaliza a defesa do interesse público e o exercício do princípio
da isonomia, ou oportunidades iguais para todos; e 2) a proibição de
associar as atividades administrativas à pessoa física dos servidores
públicos, de modo a impedir a sua promoção pessoal à custa do Estado.
O princípio da moralidade deriva do princípio da impessoalidade
e expressa um significado semântico equivalente ao da noção de
probidade administrativa, que se traduz pela conduta ética e honesta
na execução das atividades administrativas sob a responsabilidade dos

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 59


agentes públicos. Assim sendo, subjacente ao princípio da moralidade
administrativa reside a ideia segundo a qual a moralidade administrativa
constitui uma moralidade jurídica que prevê a perspectiva de anulação de
atos administrativos que não estejam em consonância com tal princípio,
distinguindo-se, portanto, da moralidade comum. Em síntese, o exercício
do princípio da moralidade administrativa, conjugado aos princípios da
legalidade e da finalidade, são pré-requisitos que buscam assegurar
a legitimidade das condutas administrativa perpetradas pelos agentes
públicos. O propósito da moralidade administrativa constitui “[...] o
conjunto de regras que, para disciplinar o exercício do poder discricionário
da Administração, o superior hierárquico impõe aos seus subordinados”
(LACHARRIÉRE apud FERREIRA, 1995, p. 68).
Ao tornar de conhecimento público os atos administrativos,
normativos e judiciais, o princípio da publicidade faculta a distinção
de dois significados, deduzidos a partir do ordenamento jurídico
constitucional: 1) enquanto exigência de divulgação oficial (Diário Oficial
da União, Diário Oficial dos Estados, Diário Oficial do DF, etc.) dos atos
administrativos como condição de sua validade e eficácia, no tempo e
no espaço sócio-histórico em que vivemos, para, somente então, gerar
efeitos externos; tanto que a eficácia de uma lei depende inevitavelmente
de uma “certidão de nascimento” – o ato de sua publicação na imprensa
oficial, por exemplo; e 2) enquanto exigência de transparência não
apenas com relação aos atos praticados por servidores públicos, mas
também com relação a todos os processos administrativos que integram
e dão corpo à dinâmica organizacional do setor público em sua interface
com a sociedade em geral. Assim, a publicização dos atos externos da
administração termina por se constituir num mecanismo de controle
social da administração pública como um todo.
O princípio da eficiência é o mais recente princípio fundamental
da administração pública brasileira. Foi introduzido no ordenamento
jurídico do país através da Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho
de 1998, a Emenda da Reforma Administrativa, num contexto histórico-
político marcado pela execução do Plano Diretor para a Reforma do
Aparelho de Estado, desde 1995.
Esse princípio está diretamente vinculado ao alcance de metas e
objetivos mediante o uso racional dos recursos públicos – value for money
(fazer mais com menos). Logo, evoca a ideia da economicidade e da boa
qualidade das obras e serviços públicos prestados pelo Estado ou por
seus agentes delegatários. Alexandre de Morais (apud ALEXANDRINO

60 UNIDADE 01
& PAULO, 2002, p. 110) define o princípio da eficiência como o princípio
que

Impõe à Administração Pública direta e indireta e


a seus agentes a persecução do bem comum, por
meio do exercício de suas competências de forma
imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem
burocracia, e sempre em busca da qualidade, primando
pela adoção dos critérios legais e morais necessários
para a melhor utilização possível dos recursos públicos,
de maneira a evitar desperdícios e garantir-se uma maior
rentabilidade social.

Um esclarecimento adicional com relação aos princípios da


administração pública que se encontram constitucionalizados na CF/98:
os princípios administrativos interagem e se comunicam mediante o
recurso à interpretação jurídica do intérprete quanto à aplicação destes
na resolução dos conflitos de legitimidade internos à Administração, e o
fazem de maneira a preservar a harmonia, a racionalidade e a coerência
quanto à sua aplicação em situações concretas enfrentadas pelo
aparato estatal em sua interface com a sociedade em geral, envolvendo
fenômenos sociais, econômicos, políticos e culturais. De maneira que a
constitucionalização de normas do Direito Administrativo lastreia-se na
probidade e transparência na gestão da coisa pública (res publicae) e na
eficiência na oferta de serviços públicos (MORAES, 2002).
O tema relativo aos poderes da Administração Pública, embora
seja matéria legítima do Direito Administrativo, requer uma legalidade que
dimana da Carta Constitucional, na medida em que esta preside a ação e
atuação do Estado através da ação e atuação da Administração Pública
(Governo em movimento) e do Governo (organização institucional do
Estado). Tais poderes, que constituem instrumentos que proporcionam
à administração a persecução de suas finalidades constitucionais e
administrativas (poderes instrumentais), são definidos por Carvalho Filho
(apud ALEXANDRINO & PAULO, 2002, p. 128) como “[...] um conjunto de
prerrogativas de direito público que a ordem jurídica confere aos agentes
administrativos para o fim de permitir que o Estado alcance seus fins”;
e são assim classificados: poder vinculado, poder discricionário, poder
hierárquico, poder disciplinar, poder regulamentar e poder de polícia.
O poder vinculado é o poder utilizado pelo administrador na medida
em que pratica atos vinculados, ou seja, atos administrativos dotados de
pouca ou nenhuma liberdade de atuação, uma vez que se deixam reger

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 61


pelo estrito cumprimento do diploma legal (uso da racionalidade formal:
conjunto de regras e valores administrativos vigentes); opõe-se ao poder
discricionário;
Poder discricionário é o poder utilizado pelo administrador na
medida em que pratica atos discricionários, ou seja, atos administrativos
dotados de uma elástica liberdade de atuação administrativa, com
base nas noções de conveniência e oportunidade, de razoabilidade e
proporcionalidade, em prol do interesse público; porém no âmbito dos
limites previstos na lei;
Poder hierárquico é a existência de uma estrutura de poder
que consiste numa diversidade enorme de níveis de subordinação entre
órgãos e agentes do Poder Executivo ou Governo.
O poder disciplinar é descrito como o poder de expressão
interna à Administração que consiste na punição de servidores públicos
em virtude da prática de infrações funcionais.
O Poder regulamentar detém competência chancelada pela
Constituição Federal cuja operacionalização cabe ao Poder Executivo
no uso de suas prerrogativas legais na outorga ou edição de decretos e
regulamentos, ou seja, de atos normativos gerais e abstratos: decretos
ou regulamentos de execução, decretos ou regulamentos autônomos e
decretos ou regulamentos autorizados.
Poder de polícia é a “[...] faculdade de que dispõe a Administração
Pública para condicionar ou restringir o uso e gozo de bens, atividades
e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”
(MEIRELLES apud ALEXANDRINO & PAULO, 2002, p. 141).
Vimos acima que o ordenamento jurídico faculta aos servidores
públicos, na condição de representantes do Estado, a legitimidade
necessária para que eles atinjam as finalidades constitucionais previstas
para o exercício do poder público. O conjunto dessas prerrogativas
funcionais é outorgado mediante leis explícitas, exigindo uma conduta
administrativa que se rege pela observância de uma diversidade de
princípios administrativos, que por sua vez objetivam a satisfação do
interesse público. Mas a contrapartida dos poderes da administração
pública são os deveres a que os agentes públicos estão formalmente
submetidos. Trata-se, em contraposição aos poderes do administrador
público, dos chamados deveres administrativos, cujo propósito é dar
cabo de suas incumbências em prol do interesse da sociedade.
Desse modo, o exercício das atividades administrativas numa
organização governamental obedece aos ditames das normas legais

62 UNIDADE 01
(conjunto de leis), da moral institucional (probidade administrativa), da
finalidade do ato (deriva do princípio da legalidade e visa ao interesse
público qualificado, sendo vedada à autoridade administrativa a troca do
fim previsto na lei por outro fim público ou privado, seja legal ou ilegal) e
das exigências do interesse público (políticas públicas como reposta às
reivindicações por recompensa; moralidade, transparência e eficiência
no funcionamento da Administração Pública; prestação de contas da
gestão do administrador sobre os recursos e patrimônios públicos sob
sua responsabilidade institucional e legal).
A doutrina do Direito Administrativo enumera 04 (quatro) deveres
do administrador público: 1) poder-dever de agir (para o Direito
Administrativo, o poder de agir constitui uma imposição ao exercício das
funções públicas, não se admitindo omissão de conduta de qualquer
agente público); 2) dever de eficiência (melhoria da produtividade
e qualidade dos serviços públicos associado ao aperfeiçoamento da
própria administração pública como um todo); 3) dever de probidade
(observância por parte do administrador público dos princípios da
moralidade e da honestidade administrativas); e 4) dever de prestar contas
(a administração de patrimônio e valores públicos supõe a prestação de
contas aos órgãos encarregados da fiscalização).
Os princípios fundamentais (explícitos e implícitos) da
Administração Pública constituem as ideias nucleares de um sistema
que servem para determinar a amplitude e o significado normativo da
ordem jurídica vigente, preservando, assim, a lógica, a racionalidade e
a harmonia perante o sistema jurídico como um todo. Enquanto normas
jurídicas de obediência obrigatória, os princípios em apreço presidem o
exercício tanto dos poderes quanto dos deveres do administrador público
perante a sociedade. Dessa maneira, os poderes e deveres que são
atribuídos ao servidor público consistem em prerrogativas indispensáveis
à otimização da satisfação dos interesses públicos.

Modelos de gestão administrativa

O Estado, tal como se desenvolveu apenas no Ocidente, é racional


(WEBER, 1999); racional porque depende do direito racional, em seu
aspecto formal-jurídico, e, sobretudo, de uma burocracia profissional.
Como se trata de uma entidade política que funda uma relação de
dominação entre os homens, pressupondo a existência de governantes e
governados, cujo suporte é o direito tido como legítimo de ministrar ações

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 63


coercitivas, a existência de um corpo de funcionários especializados, a
ele associado, está na dependência do “fundamento de legitimidade”
(“justificação interna”) inerente a essa mesma dominação, a saber, a
dominação legal, fundada na

“crença na validade de estatutos legais e da ‘competência’


objetiva, fundamentada em regras racionalmente
criadas, isto é, em virtude da disposição de obediência
ao cumprimento de deveres fixados nos estatutos: uma
dominação como a exercem o moderno ‘servidor público’
e todos aqueles portadores de poder que com ele se
parece neste aspecto” (WEBER, 1999, p. 526;).

Trata-se do Estado burocrático, cuja ação administrativa é calcada


em uma prerrogativa jurídica estatuída racionalmente e em prescrições
racionalmente instituídas. Logo, o Estado burocrático constitui uma
organização de dominação política que para objetivar-se historicamente
não pode prescindir do requerimento de um quadro administrativo e
seus meios de ação efetiva, isto é, os recursos humanos e os recursos
materiais; e nele, a subsistência desse quadro administrativo ou
funcionalismo burocrático é fator de modernização estatal.
Müller (1990, p. 10), citando textualmente Max Weber – “A
burocracia é uma forma social que se apóia na organização racional dos
meios em função dos fins” -, comenta que subjacente a esta definição
dissimula-se uma revolução conceitual que serve para esclarecer a eficácia
das sociedades industriais em relação às sociedades pré-modernas ou
tradicionais, uma vez que a burocracia se caracteriza pela capacidade
de coordenação de múltiplas tarefas de modo que a sua realização não
dependa particularmente de um ou outro funcionário especializado.
Considerando que, no interior da administração, os funcionários
não são detentores ou proprietários de seus cargos, a exemplo do
proletariado, expropriados dos meios de produção, como aludimos linhas
atrás, Müller (1990, p. 11; tradução própria) observa:

Por que uma administração calcada em tais princípios


é mais eficaz? Porque ela aumenta em proporções
consideráveis a calculabilidade dos resultados, já que
o sistema é definido independentemente das qualidades
e dos defeitos dos executantes. Desse modo, torna-
se possível prognosticar que uma decisão tomada na
cúpula será efetivada pela base ‘sem ódio nem paixão’
e sem que seja necessário renegociar toda vez com

64 UNIDADE 01
o conjunto do sistema de decisão. Não é por acaso
que Max Weber é contemporâneo de Taylor: ambos
acalentam a ideia segundo a qual a perfomance industrial
ou administrativa se orienta por uma vontade de suprimir
a incerteza associada à conduta humana. É o caráter
impessoal, desumanizado e rotinizado da burocracia
que justifica sua eficácia social, tanto em benefício do
governante quanto do empresário.

No entanto, o autor adverte que o procedimento burocrático revela


algumas dificuldades. Em primeiro lugar, esta estrutura administrativa
estatal, graças às vantagens operacionais quase impecáveis que
enverga, deixa entrever o problema de sua resistência à interferência
das instâncias políticas, pouco afeitas às entrâncias e lógica de
funcionamento do mecanismo burocrático estatal – trata-se do conflito
entre a racionalidade administrativa e a racionalidade política. Em segundo
lugar, evoca a suspeita de que os processos controláveis de condutas
com base em regras rígidas e a impessoalidade possam representar
potenciais elementos comprometedores da eficácia da própria burocracia
– “O formalismo regulamentar e a impessoalidade da burocracia não
carregam em germe uma negação de sua eficácia?” (MÜLLER, 1990, p.
11; tradução própria).
Essas observações de Müller são pertinentes, sobretudo a que se
refere à dificuldade que o político profissional encontra em sua tentativa
de enquadramento da burocracia segundo os termos substantivos da
lógica da distribuição, manutenção, expansão e deslocamento do poder,
ou seja, da lógica política. Esse conflito permanente entre a racionalidade
administrativa e a racionalidade política se vincula às questões funcionais
da ordem administrativa estatal, enquanto sociedade política, em sua
relação com a sociedade circundante, ou seja, a sociedade civil. Além de
que o exercício das funções governamentais requer o manejo de distintos
processos decisórios, cada um deles operando segundo racionalidades
administrativas diferentes.
Assim, se a racionalidade legal, sob o ponto de vista da eficácia
administrativa, é adequada aos processos decisórios lógico-dedutivos
relativos ao desempenho de funções autoritário-abonadoras, o mesmo
não ocorre quando se trata de processos decisórios relativos às funções
de intervenção econômico-social ou às funções de intermediação de
interesses (FREDDI, 2000; OFFE (1994), como já discutimos páginas
atrás.

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 65


O tipo mais puro de dominação legal é aquele cuja realização
se dá através de um quadro administrativo burocrático formado por
funcionários individuais que são livres, são nomeados, têm competências
funcionais fixas, são contratados, possuem qualificação profissional, são
assalariados, desempenham profissão no exercício de seu cargo, são
destituídos dos meios materiais de administração, são desapropriados
dos poderes de mando, integram uma carreira específica, são submetidos
à disciplina e controle de serviço etc. Ele surge na segunda metade
do século XIX, no auge da Revolução Industrial e da ordem liberal e
correspondente forma de Estado, o Estado-protetor ou liberal; e surge
para combater a corrupção, o nepotismo e a ineficiência patrimonialista.
Pois como observa Weber (1991, p. 145; ),

A administração puramente burocrática, portanto,


a administração burocrático-monocrática mediante
documentação, considerada do ponto de vista formal,
é, segundo toda a experiência, a forma mais racional
de exercício de dominação, porque nela se alcança
tecnicamente o máximo de rendimento em virtude de
precisão, continuidade, disciplina, rigor e confiabilidade
– isto é, calculabilidade tanto para o senhor quanto para
os demais interessados –, intensidade e extensibilidade
dos serviços, e aplicabilidade formalmente universal a
todas as espécies de tarefas.

O modelo de gestão patrimonialista é típico da ordem feudal e


estamentária. A administração patrimonial ou patrimonialista é vinculada
à emergência de um quadro administrativo e militar exclusivamente
pessoal do senhor. Ela se norteia pela tradição e se realiza em função
de pleno direito pessoal, ou seja, o direito do senhor convertido em seu
direito próprio. Logo, na administração patrimonial, o aparato estatal
atua como um apêndice do poder do soberano, os servidores áulicos
dispõem de títulos nobiliárquicos, os cargos são tidos como prebendas
(apropriação de oportunidades de renda, taxas ou receitas de impostos)
e a res publica (coisa pública) e a res principis (coisa do governante) é
uma coisa só, sendo, portanto, coisas indiferenciadas, indistinguíveis.
Foi exatamente em função da incompatibilidade da administração
patrimonial para com o modelo de administração requerido pela formação
social e econômica capitalista que proporcionou as condições de criação
da administração burocrática, com seu correspondente ordenamento
jurídico racional, bem adequado aos novos padrões de reprodução

66 UNIDADE 01
econômica de natureza industrial.
As exigências de produtividade do capitalismo de modelo fordista
(produção em série que otimiza a capacidade instalada das empresas
baseado na divisão e repetição das tarefas) vigente à época, no
início do século XX, põem à prova a eficiência do próprio modelo de
gestão burocrático. Isso ocorre em função da complexidade crescente
das sociedades industrializadas, do avanço do sistema de produção
capitalista, da crescente intervenção do Estado na economia em virtude
das imperfeições do mercado e da tendência à democratização do poder.
Na medida mesmo em que as funções econômicas e sociais do Estado -
antes restritas à manutenção da ordem pública, à aplicação da justiça e
à garantia dos contratos e dos direitos de propriedade - se multiplicam, a
administração pública burocrática revela suas imperfeições: a ineficiência,
a autorreferência (quando os servidores públicos trabalham em função de
seus interesses pessoais), a orientação para a conformação normativa
(princípio da legalidade) e a ausência de foco na demanda dos cidadãos,
ao mesmo tempo contribuintes de impostos e clientes dos serviços
públicos.
O contexto em que se verificam as condições de surgimento do
modelo de gestão gerencial é aquele assinalado pela crise de legitimidade
que se abateu sobre o setor público dos países ocidentais, na década
de 1950-60, paralelamente à alta competitividade das empresas
capitalistas no mercado internacional. Trata-se de um momento de
expansão econômica pós-guerra cujo arrefecimento somente ocorrerá a
partir da década de 1970 com o advento da crise fiscal, em decorrência
da crise do petróleo, assim como da curta hegemonia neoliberal, que,
confrontada com a realidade econômico-financeira da crise mundial de
2007, e, sobretudo, a de 2008, a chamada crise do subprime (operações
de derivativos associados à farra de contratos de hipotecas de alto
risco, ou seja, sem a devida contrapartida em termos de garantia real de
pagamento) nos Estados Unidos da América, vê solapar sua doutrina,
sua capacidade de explicação econômica e de convencimento público
e, por fim, a autoproclamada capacidade de autorregulação do mercado
e seus fundamentos de alocação, de redistribuição e de estabilização
macroeconômica.
Desse modo, o bom desempenho das empresas capitalistas no
período serve de estímulo à reflexão sobre a eficiência da administração
pública e do próprio Estado. Logo, foi graças à alta competitividade
entre as empresas no mercado internacional que levou os governos

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 67


mais industrializados da Europa a incentivar a busca por eficiência
das empresas nacionais a partir da cobrança de eficiência por parte do
setor público. É, pois, nesse contexto que se constatam as deficiências
do modelo burocrático de gestão pública em dar conta da crescente
complexidade das sociedades globais, em que o gerenciamento público
desponta como uma alternativa necessária aos enfrentamentos dos
desafios que a ordem globalizada tende a maximizar, dando azo a que
as administrações públicas nacionais adotem as técnicas e métodos de
gestão provenientes da administração de empresas, ou seja, adotem o
paradigma de gestão gerencial, ou administração pública gerencial,
como se disseminou no Brasil, ou gerenciamento público, expressão
concebida pelos administrativistas franceses.
Para Alecian & Foucher (2001, p. 22) o gerenciamento é definido
como “[...] a atividade que consiste em conduzir, a partir de um contexto
dado, um grupo de homens e mulheres que busquem o atingimento
comum de um ou diversos objetivos, de acordo com as finalidades
da organização”. Laufer & Burlaud (1980), por sua vez, definem o
gerenciamento como uma linguagem administrativa específica que
satisfaz a três condições básicas: 1) uma condição sintática (o sujeito
da ação é a própria organização); 2) uma condição semântica (os que
empregam esta linguagem desenvolvem um consenso em torno do fato
de que ela descreve o mundo de modo satisfatório); e 3) uma condição
de legitimidade (os que empregam esta linguagem concordam com a
ideia de que o seu interesse pessoal, o da organização da qual faz parte
e o da sociedade são totalmente compatíveis).
O gerenciamento público, tomado em um sentido amplo
(macro-gerenciamento), consiste “[...] naquilo em que se transforma o
gerenciamento de uma organização quando o público (e não apenas
o mercado desta) se conscientiza de que é objeto do gerenciamento
dessa organização” (LAUFER & BURLAUD, 1980, p. 52; tradução
própria). Essa definição coloca no mesmo patamar tanto as organizações
mercantis quanto as organizações não-mercantis. Estes mesmo autores
consideram estreita a definição do “[...] gerenciamento público como
aplicação da linguagem do gerenciamento (abordagem sistema) ao
setor público juridicamente definido (LAUFER & BURLAUD 1980, p. 48;
tradução própria).
De qualquer modo, basta esclarecer que o setor privado é regido
pela racionalidade gerencial. O setor público, por seu turno, é cada vez
mais instado a conviver com duas lógicas contraditórias, a lógica gerencial

68 UNIDADE 01
e a lógica jurídica – “[...] racionalizar eficácia das ações e regulação dos
procedimentos, resultados e respeito às regras [...] tal é a especificidade
do gerenciamento administrativo público de nossos dias” (ALECIAN &
FOUCHER, 2001, p. 34).
A administração gerencial comporta, sucessivamente, a partir de
sua adoção no âmbito das organizações governamentais, três leituras ou
linguagens distintas e complementares (HUSSENOT, 1983): instrumental,
institucional e semiológica.
Sob o ponto de vista instrumental, a administração gerencial
é concebida como um conjunto de métodos e/ou técnicas racionais
de auxílio à decisão pública oriundos do setor privado: contabilidade
analítica, controle de gestão, administração por objetivos e os sistemas
de informação, responsáveis pela articulação entre os primeiros
(métodos de gestão transportados a partir do setor privado); os métodos
custo-benefício, custo-eficácia, métodos DELPHI e multicritério, a
análise morfológica, as técnicas de grupo e, notadamente, a análise de
sistema (técnicas e/ou métodos adaptados ao setor público) (LAUFER &
BURLAUD, 1980; NIOCHE, 1982; HUSSENOT, 1983).
O domínio desses métodos e técnicas por parte dos servidores
públicos da alta administração, contudo, proporcionam os riscos de uma
nova tecnocracia. Assim, o gerenciamento público ou administração
pública gerencial consiste em um conjunto de “métodos racionais a serviço
dos decisores públicos”, e, neste sentido, [...] trata-se da execução de
métodos modernos de gestão no setor público [...]. Logo, o processo de

[...] modernização da gestão pública envolve ao mesmo


tempo a utilização de instrumentos de auxílio à decisão,
a informatização de certas tarefas ou procedimentos
administrativos, ou ainda o recurso à publicidade para
comunicar-se com o público (HUSSENOT, 1983, p. 24).

Na perspectiva institucional, a definição do gerenciamento


público ocorre em função das especificidades das organizações no
âmbito das quais são empregados os métodos e/ou técnicas gerenciais.
Desta forma, o gerenciamento público é essencialmente caracterizado
em virtude de seu pertencimento ao setor não mercantil (organizações
públicas de propriedade estatal submetidas ao direito público interno;
princípio da legalidade) e de sua dependência relativa ao poder político
(grupos políticos formalmente nomeados para o exercício das funções
governamentais e administrativas do Estado).

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 69


Portanto, ao contrário do gerenciamento privado, típico da
administração de empresas, intrinsecamente associada ao mercado,
o gerenciamento enquanto especificidade pública se exprime através
de atos de autoridade, lastreados no princípio da legalidade formal
(a Constituição e as leis) e no princípio da legitimidade democrática
(indicação eleitoral, por parte da sociedade, dos agentes políticos
escolhidos enquanto instrumentos de representação política para
controlar a administração pública).
A linguagem ou leitura semiológica, por sua vez, leva-nos a
constatar que o surgimento da administração pública gerencial nas
sociedades industriais avançadas traz em seu bojo uma nova linguagem
e um modo novo de perceber e conceber o mundo, pois exprime uma
profunda crise de legitimidade cuja deflagração se dá em momentos de
transição. Expressa, pois, uma linguagem mítica que reforça a legitimidade
do setor público, como observa Hussenot (1983, p. 33, tradução própria):

O advento do gerenciamento público, enquanto uma


nova linguagem proposta às administrações estatais
sobreveio em um contexto de crise de legitimidade
do setor público nas economias ocidentais. De fato,
sua função pode ser apreendida como aquela de uma
reconquista dessa legitimidade perdida, e mesmo que
ela dependa da ordem mítica a palavra gerencial traz ao
Estado os sinais da gestão racional.

Assim, a crise de legitimidade do setor público é interpretada


como o risco de perda de reconhecimento de seu papel e lugar perante
o sistema dominante de valores que permeia a sociedade como um todo.
Logo, é no vácuo de tal crise que o gerenciamento público é adotado nas
administrações públicas europeias, na qualidade de uma “[...] linguagem
destinada a gerar os signos de uma nova legitimidade das organizações
públicas” (HUSSENOT, 1983, p. 36; tradução própria).
A administração pública gerencial concebe os cidadãos como
contribuintes de impostos e clientes dos serviços públicos, dando ênfase
à questão da especificidade das organizações governamentais frente a
frente com o setor privado. O modelo de gestão gerencial como modelo
de gestão pós-burocrático se constitui numa nova representação do
papel do Estado na sociedade, na medida em que fortalece a imagem
da racionalidade e da modernidade no cerne da administração pública
(MÜLLER, 1990). Entretanto, a sua adoção no âmbito do aparelho do
Estado não implica na exclusão da administração pública burocrática,

70 UNIDADE 01
uma vez que se baseia em muitos dos princípios desta última, tais como
a admissão no serviço público segundo um rígido sistema de mérito, a
manutenção de um sistema estruturado e universal de remuneração,
a formação de carreiras, a avaliação de desempenho e treinamento
sistemático.
Em suma, a administração gerencial se caracteriza através
dos seguintes traços distintivos: gestão por objetivos ou resultados
(predomínio dos resultados sobre os processos e da eficiência sobre a
efetividade); legitimidade fundada na eficácia das ações implementadas
(superávit de racionalidade); transgressão ao princípio da hierarquia
(administração transversal); raciocínio sintético, sistemático e teleológico
(visão holista); foco na demanda (os bens e serviços são produzidos
em função das características dos administrados); avaliação a posteriori
(mensuração dos padrões de eficácia, eficiência e efetividade de um
programa governamental implementado); descentralização e flexibilização
administrativa (emergência das agências executivas ou autônomas e das
organizações sociais; redução da diferenciação vertical e de quadros).

A apresentação do conteúdo da 1ª Unidade atestou que as relações entre


os setores público e privado foram descritas com base no funcionamento
do mundo real da economia; sempre procurando contextualizar as
condições em que se dão os processos intervencionistas estatais. O
fenômeno central na construção da relação entre os componentes do
Setor Público, como já foi mencionado, é o fenômeno do poder, que, por
sua vez, constitui o próprio objeto das relações políticas (relações de
competição pelo exercício do poder institucional e/ou constitucional). De
modo idêntico ocorre com relação à Administração Pública, que cumpre
um papel instrumental no processo político de representação do Estado
pelo Governo vigente. Este necessita do conjunto de órgãos, entidades
e agentes do Setor Público para dar cumprimento às suas finalidades
constitucionais. Daí resulta a emergência dos princípios, poderes e
modelos de administração pública, em prol da eficácia, da eficiência, da
efetividade, da accountability e da transparência.
Essa Unidade tratou da Administração Pública enquanto sinônimo do

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 71


Estado, ao passo que a próxima Unidade tratará da administração pública
sob o ponto de vista técnico-operacional, ou seja, sob o ponto de vista
da realização permanente, sistemática, legal e técnica de prestação de
serviços inerentes ao Estado, segundo o princípio da infrustrabilidade do
fim por ele perseguido.

1. Descreva a relação entre o fluxo básico e o fluxo completo da produção


econômica, pois essa relação proporciona um importante um esforço
de compreensão funcional da Sociedade como um todo.
2. Quais são as justificativas econômicas para a intervenção
governamental no mercado? Comente cada uma delas.
3. Diferencie administração pública de administração privada.
4. Identifique os pontos em comum entre os principais conceitos da
Política explicitados páginas atrás.
5. Compare as definições de Estado, União, Governo e Administração
Pública.

Glossário

• Accountability: é associado à noção de transparência e se refere,


grosso modo, à ideia de responsabilização e de prestações de contas.
• Avaliação a priori: avaliação típica do modelo de gestão burocrático,
em que se persegue o cumprimento finalista dos ritos legais.
• Avaliação a posteriori: avaliação típica do modelo de gestão
gerencial, em que se persegue objetivos específicos e que consiste
na avaliação do impacto de uma política pública já implementada ou
em vias de implementação (média e longa duração) sobre o público-
alvo; cumpre função de revisão dos termos da aplicação do programa,
servindo assim para corrigir eventuais distorções na realização efetiva
de tal programa.
• Dialética: método ou ferramenta de análise histórica crítica cujos
fundamentos lastreiam-se na articulação entre nas noções de
mudança, de contradições e de totalidade.

72 UNIDADE 01
• Decisores: responsáveis pela tomadas de decisão (decision makings)
relativas ao desenho, à formulação e à implementação das políticas
públicas.
• Efetividade: realização efetiva, concreta, de um programa de ação
governamental. Para alguns autores, trata-se da conjugação da noção
de eficácia com a noção de eficiência.
• Estamento: comunidade dividida em ordens sociais (estratificação)
conforme códigos de honra específicos e caracterização jurídica
própria.
• Flexibilização: simplificação burocrática (desburocratização) e
autonomia administrativa e financeira (descentralização).
• Forças produtivas: abrangem o grau tecnológico alcançado nessa
etapa de desenvolvimento pelo conjunto da classe trabalhadora
em dado momento histórico. Envolvem vários fatores de produção:
terra, matéria prima, combustível, qualificação da força de trabalho,
maquinaria e empresas industriais chamados meios de produção.
• Meios de produção: arsenal de máquinas, equipamentos e
ferramentas (bens de capital) utilizado pelos trabalhadores (forças
produtivas) na produção de bens e serviços destinados ao consumo
da população (bens de consumo ou produtos acabados).
• Modo de produção: modo particular de organização social da
produção material de bens e serviços: escravista, feudal e capitalista.
Inclui as noções de forças produtivas e de relações de produção.
• Publicização: processo através do qual ocorre a transferência de
responsabilidade pela execução de atividades não-exclusivas do
Estado em favor das organizações sociais, por meio de contratos de
gestão.
• Relações de produção: rede de relações sociais a partir da qual
se materializa a produção de mercadorias. Abarca tanto as relações
individuais quanto às relações dos indivíduos com as forças produtivas.
• Semiologia: ciência dos significados que as coisas ou situações
sociais evocam no cérebro das pessoas.
• Soberania popular: supremacia do poder do povo proveniente das
urnas. “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e
pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e nos termos da
lei, mediante: I. plebiscito; II. referendo; III. iniciativa popular” (título
II, art. 14, cap. IV; CF/1988). Ou, nos termos de Abrahan Lincoln: “o
poder emana do povo para o povo e pelo povo”.
• Transformações sócio-históricas: mudanças estruturais e/

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 73


ou conjunturais que assinalam a transição organizacional das
sociedades, mediante o surgimento de novos princípios e valores,
novas instituições e práticas sociais, políticas e econômicas.
• Transparência: publicização extrema dos processos e mecanismos
de funcionamento das instituições do setor público.
• Visão holista: visão de conjunto, ideia de totalidade.

74 UNIDADE 01
UNIDADE 02

Fundamentos Técnico-
Operacionais da gestão
Pública

objetivos
• Conceituar a gestão pública;
• Apresentar os mecanismos de financiamentos do Setor Público;
• Explanar sobre o processo orçamentário;
• Descrever o perfil do gestor público da alta administração;
• Caracterizar a Nova Administração Pública.
76 UNIDADE 02
Fundamentos técnico-
operacionais da gestão
pública

Gestão Pública

Quando nos referimos ao setor público, além de referirmos aos


níveis federal, estadual, distrital federal e municipal, queremos discriminar
três tipos de instituições associadas à força e ao poder políticos, a saber:
Estado, Governo e Administração Pública. Uma não pode viver sem as
outras, pois seu estatuto de existência depende da articulação orgânica
entre elas, ou de sua simbiose.
O Estado enquanto organização política, dotada de personalidade
jurídica de Direito Público, representa o controle da sociedade por ela
mesma, mediante a criação de um conjunto de regras positivadas num
texto Constitucional. Trata-se do ordenamento jurídico da sociedade cuja
legitimação e legalidade decorrem do exercício das prerrogativas do
poder legislativo (criação das leis) em ressonância com as expectativas
da sociedade eleitoral (grupo dos sufragistas universais de voto).
Enquanto o Estado nos transmite a ideia de algo relativamente
permanente e estável, o Governo, por sua vez, nos traz a ideia da
transitoriedade, na confluência da existência de uma elite governante e
de uma massa de governados e, acima de tudo, manifesta a marca da
organização institucional do Estado, constituindo-se em seu procurador
legal.
Essa transitoriedade está associada às acirradas disputas pelo
poder de ditar os rumos estratégicos do país, os quais expressam ou
projeto de nação ou de poder. Essa delegação de responsabilidade
‘concedida’ pelo Estado ao Governo autoriza este último a dirigir a
Administração Pública (Governo em movimento) rumo às realizações
administrativas que caracterizam a vontade política de partidos políticos

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 77


e grupos de interesses variados, e em última instância, as necessidades
da sociedade por bens e serviços, atos legais e administrativos.
Gestão é o ato de gerir a atuação da administração. A noção
se refere aos procedimentos básicos de planejar, organizar, dirigir e
controlar os múltiplos recursos disponíveis numa organização rumo ao
alcance de seus objetivos. Diz respeito às atividades administrativas no
varejo e no dia a dia, as chamadas ‘atividades-meio’, segundo o fluxo
de atendimento aos usuários dos serviços públicos nas repartições
públicas e fora delas, que configuram determinados serviços externos,
tais como segurança (Interna e externa) e limpeza pública, por exemplo;
assim como às ‘atividades-fim’, voltadas por sua vez para a execução de
planos, programas e subprogramas que integram a plataforma político-
doutrinária do Governo.
Assim, temos como ponto pacífico que gestão pública significa
ação de coordenar, com eficácia, eficiência e efetividade, as atividades
de agentes, de órgãos e de entidades segundo os ditames dos interesses
genuinamente públicos, que o Estado constitucionalmente serve,
enquanto instituição política republicana.
Quando os órgãos da administração pública são postos em
operação por intermédio de determinados agentes (funcionários ou
servidores públicos), visando atender às necessidades básicas da
população, ou mesmo certas reivindicações por recompensa que surgem
em momentos de tensão e conflito entre a população e a ordem pública,
a responsabilidade de tais agentes é atribuída, em última instância, ao
Estado, pois a administração pública é o aparelhamento de que se serve
o Estado para executar as políticas de Governo.
E essas políticas também podem ser atribuídas ao Estado. Nesse
sentido, distinguimos políticas de Governo e políticas de Estado, e
estas últimas designam decisões políticas que a lei corporificou no quadro
geral da Constituição, ou, em outros termos, que se tornou matéria
permanente de conteúdo constitucional. Porém, sejam elas políticas de
Estado ou de Governo, o certo é que ambas necessitam de recursos
e meios operacionais para sua execução, razão pela qual tal fato nos
conduz ao cerne da questão no próprio contexto interno do Estado –
o problema do financiamento das atividades administrativas. É o que
veremos a seguir.

78 UNIDADE 02
Financiamento dos Gastos Públicos

Convém descrever, agora, as alternativas de financiamento das


atividades administrativas do Governo. Como vimos páginas atrás, na
concepção de Claus Offe (1994) acerca das determinações funcionais do
Estado, o Setor Público depende da existência de uma fonte permanente
de recursos – de preferência em escala ascendente – para tornar possível
a oferta de bens e serviços, atos legais e administrativos, cada vez
mais demandados pela sociedade, não apenas em decorrência de seu
crescimento vegetativo, mas, também, da elevação do grau de exigência
da sociedade expresso sob a forma de reivindicações por recompensa. E
como resposta, o Estado institui as políticas públicas, ou seja, promove
a formulação dos planos, programas e projetos governamentais que, sob
a direção de uma autoridade pública, busca a transformação econômica,
social e política de parcelas ou da totalidade da população.
O financiamento dos encargos do governo é proporcionado
pela obtenção de recursos cuja captação se dá a partir dos seguintes
instrumentos: a emissão de papel moeda, o lançamento de títulos
públicos, os empréstimos bancários e, sobretudo, a tributação. Os três
primeiros instrumentos configuram procedimento de política monetária;
o último, por seu turno, configura procedimentos de política fiscal. Por
razões de didática, trataremos aqui apenas do instrumento da tributação,
a chamada receita derivada, e a principal fonte de financiamento dos
gastos públicos. O ato de tributar, como vimos páginas atrás, configura o
exercício de uma prerrogativa legal que caracteriza o poder tributacional
exclusivo – forjado na mesma fonte de onde proveio o monopólio legítimo
e legal do uso do poder coercitivo.
A melhor tradução para a tributação é o cumprimento da política
fiscal que, por um lado, repercute sobre o nível de extração de recurso
junto à sociedade (apropriação de renda das famílias e empresas),
enquanto que, por outro lado, repercute sobre a capacidade de o Estado
realizar investimentos, fornecer bens, prestar serviços e assistência aos
cidadãos.
Assim, as funções governamentais são diretamente dependentes
dos instrumentos da tributação (arrecadação de recursos) e do dispêndio
(gastos públicos: principal instrumento de execução das políticas do setor
público) para a sua execução, podendo ser classificadas em estabilização
econômica (controle de curto prazo da totalidade da demanda como meio
de prevenção de variações negativas nos níveis do produto (mercadorias)

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 79


e dos preços, assim como da renda nacional e do desemprego),
promoção do crescimento econômico (adoção de políticas voltadas
para o setor privado (o programa Parceria Público-Privado - PPP, por
exemplo), para o investimento em infraestruturas socioeconômicas, para
a inovação tecnológica e a formação de recursos humanos), promoção
do desenvolvimento econômico (melhorar a distribuição de renda e de
riqueza; através da redução das discrepâncias entre as classes sociais e
entre as regiões mais pobres) e prestação de serviços públicos (oferta
de bens e serviços, atos legais e administrativos de qualidade, com base
no gasto racional e eficiente dos recursos públicos; “value for money”:
(“fazer mais com menos”).
As receitas supõem as despesas e vice-versa. Daí a importância
da máxima orçamentária: “prever a receita e fixar a despesa”. De
todo modo, a receita tributária, a receita patrimonial e a receita das
operações de créditos são as receitas constantes de que dispõe o poder
público para administrar as demandas sociais, políticas e econômicas
da sociedade. Dentre elas, no entanto, a tributação se apresenta como
a principal fonte de recursos da Administração Pública, destinada tanto
à formação do patrimônio governamental quanto à amortização das
operações creditícias.
A tributação consiste no preço que a sociedade paga para em troca
receber do Governo certos bens e serviços (segurança, educação, saúde),
assim como atos legais e administrativos (julgamento justo, declaração de
idoneidade ou de bons antecedentes, expedição de documentos públicos
de identificação). Ocorre que as funções da tributação extrapolam os
limites rígidos de mero executor de financiamento das atividades de
Governo, pois a mesma também desempenha funções de estabilização
econômica e de bem-estar social. Logo, essas funções complementares
auxiliam no alcance das metas e objetivos da política econômica.
Com o propósito de constituir um sistema tributário o mais justo
possível, a perseguição aos recursos necessários, sob a forma de
expropriação de renda, para fins de financiamento dos gastos públicos, se
arrima em dois princípios gerais: o princípio do benefício (o pagamento
do tributo está associado ao montante do benefício recebido; maior
benefício/maior contribuição e vice-versa) e o princípio da habilidade
de pagamento (referencial de distribuição do ônus da tributação entre os
indivíduos em função de sua habilidade de pagamento que por sua vez é
medida com base no nível de renda).
Destacam-se, também, os princípios da legalidade (a pré-

80 UNIDADE 02
existência da lei como pré-requisito para a criação de tributos; exceção
feita às alíquotas de impostos de importação, exportação, IPI e IOF), da
neutralidade (ingerência reduzida da tributação na gestão da política
econômica de modo a evitar distorções na alocação de recursos da
economia), da anterioridade (a cobrança do tributo somente pode ser
efetivada a partir do início do próximo exercício financeiro criado ou
majorada no exercício anterior mediante lei específica), etc. Os princípios
supracitados são os lastros (ou suportes) éticos e técnicos de qualquer
sistema tributário.
A natureza das fontes de tributos é o critério que conduz à
classificação dos tributos em diretos e indiretos. Logo, o elemento
básico que serve para diferenciá-los entre si é o modo através do qual
os tributos atingem os indivíduos ou contribuintes. Os primeiros recaem
sobre os seus rendimentos (rendas sobre a propriedade e salários),
ganhos em contrapartida de seu trabalho (imposto de renda); os últimos
recaem sobre os gastos dos indivíduos no momento de suas aquisições
de consumo (imposto de consumo). Todos eles, no entanto, tanto podem
ser progressivos quanto regressivos. Os impostos diretos normalmente
são progressivos, uma vez que o peso de incidência do tributo varia
em função do nível de renda dos contribuintes. Os impostos indiretos
recaem sobre os indivíduos de menor poder aquisitivo; geralmente são
proporcionais ou seletivos, ou seja, a incidência do imposto ocorre em
função da essencialidade dos bens ou serviços adquiridos para consumo.
Uma vez feitos os esclarecimentos necessários, convém, agora,
definir os tipos básicos de tributos no Brasil, que compreendem:
• Impostos – tributo que tem como fator gerador qualquer
atividade econômica, desde que seja desvinculado ao serviço
governamental; destina-se de forma irrestrita ao financiamento
dos gastos governamentais (custeio do aparelho administrativo
de Estado e financiamento das políticas públicas).
• Taxas – tributos que tem como fator gerador o exercício
governamental do poder de polícia e de fiscalização, ou
mesmo de os custeios de certos serviços postos à disposição
do público em geral (taxa rodoviária única, taxa de Iluminação
pública);
• Contribuições – tributos que se destinam a financiar atividades
públicas que beneficiam os contribuintes (construção de rede
sanitária, pavimentações, por exemplo).

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 81


A política fiscal é representada pelo comportamento das receitas
e dos dispêndios do Governo em determinado espaço de tempo e sua
execução é viabilizada pelo processo orçamentário. Donde se conclui
que a política de compras governamentais ou simplesmente política de
gastos públicos é um mecanismo legítimo de indução ao desenvolvimento
nacional. Três são os instrumentos de que dispõe o Governo para o
exercício constitucional das funções governamentais: o Plano Plurianual,
a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual. Por
razões didático-pedagógicas, os aludidos documentos de planificação
e de autorização de gasto governamental serão comentados no item
denominado “processo orçamentário”.

Gestão Orçamentária

Segundo Costin (2010), o orçamento público é o instrumento


legal mais importante das finanças públicas segundo dois sentidos: 1)
ao fixar as despesas a serem realizadas pelo poder público, tendo como
referencial uma estimativa de receita (prevê a receita e fixa a despesa:
plano anual do Governo expresso em dinheiro e/ou unidades físicas); e
2) ao implicar numa interação ao mesmo tempo técnica e política entre
o poder Executivo e Legislativo quanto à elaboração, à aprovação e ao
controle acerca do modo a partir do qual as despesas são efetuadas
(participação da sociedade civil na legitimação do programa de trabalho
do Governo).
A Lei 4.320, de 17 de março de 1964, é a lei que “[...] delibera
normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos
orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e Distrito
Federal [...] (art. 1º), e que estabelece os princípios básicos que regem
a elaboração e controle do orçamento: unidade (um único orçamento
para cada órgão público ou entidade de Direito Público), universalidade
(compreende todas as despesas e receitas, incluindo todas as instituições
públicas), anualidade (o orçamento é executado levando em conta o
período de um exercício, abrangendo, portanto, todo o ano fiscal).
É o que reverbera o artigo 2º da supracitada lei: “A Lei do Orçamento
conterá a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a
política econômica e financeira e o programa de trabalho do Governo,
obedecendo aos princípios de unidade, universalidade e anualidade”.
Para além dos três princípios assinalados no artigo 2º da Lei
4.320/64, e que presidem a elaboração e controle do orçamento público,

82 UNIDADE 02
despontam os seguintes princípios, segundo Giacomoni (2007):
• O princípio do orçamento bruto – “todas as receitas e
despesas constarão da Lei de Orçamento pelos seus totais,
vedadas quaisquer deduções”, conforme a Lei nº 4.320/64,
art. 6º;
• O princípio da não afetação (ou não vinculação) das receitas
– exigência de que as receitas não sofram vinculações a
despesas específicas;
• Discriminação ou especialização – as despesas e receitas
devem ser apresentadas de forma discriminada de maneira a
definir as fontes de recursos e sua correspondente aplicação;
• Princípio da exclusividade – o conteúdo orçamentário deve
se restringir à previsão de receitas, ao estabelecimento das
despesas, a abertura de créditos suplementares e contratos
de operações creditícias;
• Princípio do equilíbrio – busca do equilíbrio orçamentário a
partir da equivalência entre despesas e receitas;
• Clareza – uso de linguagem clara e compreensível de modo a
facultar a participação dos indivíduos na discussão e controle
do orçamento;
• Publicidade – o orçamento público deve ser divulgado, no
mínimo, nos diários oficiais;
• Exatidão – evitam-se falhas técnicas e éticas na confecção do
orçamento, assim como o superdimensionamento na previsão
de receitas destinadas a programas de ocasião;
• Princípio moderno da programação - o orçamento enquanto
elemento auxiliar da administração pública, sobretudo como
técnica de articulação entre as funções de planejamento,
gerenciais e as funções de controle.

De modo geral, tais princípios constituem os princípios


orçamentários mais representativos, e que se encontram explicitados na
Constituição Federal, na Lei 4.320/64, no Plano Plurianual (PPA) e na
Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Sistema orçamentário

Compete privativamente à Chefia do Executivo ou à Presidência da


República a elaboração do orçamento, conforme regra do Direito Público,

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 83


como se segue: “Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I
– o plano plurianual; II – as diretrizes orçamentárias; III – os orçamentos
anuais” (CF, art 165). A omissão presidencial quanto ao não envio dos
documentos supracitados, configurará crime de responsabilidade, pois
tal omissão consistiria num ato atentatório à lei orçamentária (CF, art.
85).
A lei do orçamento ou documento orçamentário, além de ser um
instrumento básico de administração, apresenta uma estrutura orgânica
(conjunto de partes articuladas organicamente em um todo) que representa
o próprio sistema orçamentário, segundo o modelo de integração
planejamento-orçamento disseminado pela Comissão Econômica para a
América Latina (CEPAL), e que se compõe dos seguintes componentes
(Giacomoni, 2007):

• Estratégia de desenvolvimento – consiste na seleção


das melhores opções para o desenvolvimento nacional,
expresso em planos de longo prazo, com base nos seguintes
componentes: a construção de uma imagem prospectiva
(representação de uma sociedade futura via implementação
de programas básicos impactantes na estrutura de distribuição
dos recursos produzidos no país); a determinação de projetos
estratégicos (que tornam efetivas as mudanças enunciadas
pela imagem prospectiva; esta deriva da seleção de objetivos
e metas substantivas previamente definidas e centrais ao
alcance do objetivo-mor) e a proposição de políticas básicas
(aquelas que condicionam as ações e decisões tanto do setor
público quanto do setor privado);
• Projetos estratégicos – aqueles projetos que são centrais
na persecução de macro-objetivos. São em pouco número
e quase sempre são interssetoriais, uma vez que tratam de
implementar ações cuja efetivação depende da colaboração
entre os múltiplos setores envolvidos no equacionamento de
tal problema; assumem a forma de políticas públicas;
• Planos de médio prazo – destacam-se pelo detalhamento de
cada uma das fases das estratégias adotadas. Geralmente,
os planos setoriais e regionais/setoriais definem os objetivos
e metas de alcance previsto para cada setor, além de
estabelecer todos os recursos necessários à sua execução.
Eles são integrados por programas básicos;

84 UNIDADE 02
• Planos anuais operativos – os planos anuais fixam metas de
curto prazo para o setor público e prescrevem regulamentações
ao setor privado como salários, preços, tributações, etc.;
Neles, acham-se discriminados as necessidades humanas,
materiais e financeiras relativas a várias metas constantes do
cronograma de execução. Exemplos: orçamento econômico,
monetário e do balanço de pagamentos; balanços projetados,
programas de execução, orçamento do setor público.

Assim, o arcabouço do sistema orçamentário revela-se, ainda que


de maneira estática ou estanque, como uma sucessão de cumprimento
de metas e objetivos cuja realização é fator multiplicador do ciclo
orçamentário, na medida em que a realização efetiva dos objetivos
intermediários conduz inevitavelmente ao êxito dos objetivos finais
(macro-objetivos).
Logo, a título de comparação, a estratégia de desenvolvimento
corresponde à enunciação de grandes objetivos nacionais de
desenvolvimento (ex.: o prognóstico de transformar a nação brasileira
na maior potência energética mundial no período 2010-2025. Como
projeto estratégico, nessa mesma linha de raciocínio, surge, como
exemplo, a modernização e otimização da cadeia produtiva nacional de
hidrocarbonetos (planejamento estratégico).
Enquanto que, com relação às políticas básicas (aquelas
que impactam outras políticas complementares), perfila-se, a título
de ilustração, a política de exploração, produção, distribuição e
comercialização de petróleo extraído do pré-sal; a política de transformação
do etanol em commodity com fins de exportação; o emprego de novas
fontes de energia alternativa e renovável, como o próprio bagaço e palha
de cana na produção do etanol (célula combustível), como o biogás, o
biodiesel, as algas, etc.; ou a canalização de recursos do Fundo Social do
Pré-Sal para a educação, a previdência e para a redução das distâncias
sociais entre as classes da sociedade brasileira (planejamento tático-
operacional).
A transição do orçamento com ênfase no instrumento de
autorização e de controle político-parlamentar (orçamento tradicional)
para o orçamento concebido como instrumento de administração
(orçamento moderno) proporciona um avanço considerável no apoio
logístico ao Poder Executivo na tomada de decisões relativas à lei do
orçamento público e na condução das fases do processo administrativo,
a saber: programação, execução e controle.

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 85


Processo orçamentário

A ideia de ciclo evoca a noção de regularidade e ordem rotativa no


curso de um processo definido que se repete periodicamente. Partindo
do ciclo de gestão anual, que cumpre um ritual legalista, fundado no
princípio da anuidade, chega-se ao ciclo de gestão ampliado, que
compreende o interstício de quatro anos, em que se desdobra o processo
orçamentário: da elaboração da lei orçamentária ao controle e avaliação
da execução orçamentária propriamente dita. Desse modo, importa-nos
descrever, separadamente, o ciclo anual e o ciclo ampliado da gestão
orçamentária.
O processo ou ciclo orçamentário anual desdobra-se em quatro
etapas ou fases complementares: 1) elaboração; 2) discussão, votação e
aprovação; 3) execução orçamentária; e 4) controle e avaliação.
A Elaboração da Proposta Orçamentária é de exclusiva
responsabilidade do Poder Executivo e principia-se pela formulação
do Plano Plurianual, passando pela confecção da Lei de Diretrizes
Orçamentárias, e descambando para o produto final do processo
orçamentário, ou seja, a Lei Orçamentária Anual. Todo o processo
orçamentário é coordenado pela Secretaria de Orçamento Federal (SOF)
- com a participação dos órgãos setoriais, bem como das unidades
orçamentárias - que, por sua vez, envia à Casa Civil e à Presidência da
República (PR).
O Poder Executivo agrega a sua proposta orçamentária às
propostas provenientes dos Poderes Legislativos e Judiciários, unificando-
as e encaminhando-as à Comissão Mista de Planos, Orçamentos e
Fiscalização (CMO) do Congresso Nacional, no primeiro ano de cada
administração, mais precisamente até quatro meses antes da conclusão
do primeiro exercício financeiro (31 de agosto), o qual deverá ser restituído
para sanção antes que se encerre a sessão legislativa (22 de dezembro).
A Discussão, Votação e Aprovação da Lei Orçamentária se
desenvolvem no âmbito do Poder Legislativo. Uma vez encaminhado pela
Presidência da República à Comissão Mista de Planos, Orçamentos e
Fiscalização (CMO), do Congresso Nacional, o projeto de lei orçamentária
é submetido à discussão e apreciação de propostas de emendas e à
votação nas duas casas legislativas (Câmara Federal e Senado) e em
sessão conjunta, culminando com a sua aprovação.
A Execução Orçamentária representa a fase subsequente àquela
da discussão, votação e aprovação, pelo Parlamento, do projeto de lei

86 UNIDADE 02
orçamentária. A Lei de Responsabilidade Fiscal, através do artigo 8º,
estabelece que o Poder Executivo fixe a programação financeira, assim
como o cronograma de execução mensal de desembolso de recursos ou
créditos orçamentários, até trinta dias após a publicação dos orçamentos
no Diário Oficial da União, conforme disciplina a Lei de Diretrizes
Orçamentárias. A execução orçamentária e financeira será realizada
entre 1º de janeiro e 31 de dezembro (ano civil), segundo estabelece a
Lei 4.320, de 17 de março de 1964, em seu artigo 34.
O Controle e Avaliação da execução orçamentária, fase
concluinte do ciclo de gestão anual, inicia-se ainda no curso do próprio
processo de execução da despesa. Dois tipos de controle são previstos
pela Constituição Federal vigente, em seu artigo 70, o interno e o externo.
O controle interno é efetivado através do sistema de controle de cada
instância de Poder. O controle externo, por seu turno, é realizado pelo
Congresso Nacional mediante a colaboração do Tribunal de Contas da
União (TCU) e consiste na fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial tanto da União quanto das entidades da
Administração Pública direta e indireta. Uma vez completado o ciclo
orçamentário, culmina-se na fase de revisão, de modo a apreciar as
eventuais distorções operacionais, financeiras, jurídicas e programáticas
na execução do orçamento.
Convém destacar, agora, o ciclo de gestão ampliado. Ele se
compõe de três instrumentos de planificação que não criam direitos
subjetivos e que faz parte do ciclo de planejamento e orçamento público
do Brasil:

• O Plano Plurianual (PPA) – constitui o instrumento legal de


planejamento dotado de uma maior amplitude na realização
da agenda estratégica do Governo. Logo, apresenta-se como
um plano de médio/longo prazo com vigência de quatro anos.
Estabelece o critério da regionalização como instrumento para
a definição de diretrizes, objetivos e metas governamentais
com relação às despesas de capital (formação e aquisição
de bens de capital: obras em geral, equipamentos, inversões
financeiras, amortizações de dívidas, etc.), às demais despesas
resultantes desta última (dispêndios gerados após a entrega
do produto das despesas de capital: após a entrega do prédio
de uma escola, subsegue-se a contratação de professores,
vigias, pagamentos de taxas de luz, água, etc.), assim como

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 87


àquelas direcionadas para o suporte dos programas de
duração continuada (programas cuja duração extrapola a dois
exercícios financeiros: educação, saúde, segurança, etc.);
• A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – é o instrumento
que orienta a elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA),
destacando os programas integrantes do PPA que receberão
dotações específicas da LOA que lhe corresponde. A LDO
constitui o elemento de ligação entre o PPA e a LOA, na
proporção em que pré-define a efetivação e direcionamento
dos gastos públicos, as modificações da política tributária,
assim como os objetivos do programa de fomento do Governo;
serve de referencial na feitura do projeto de lei orçamentária
quanto ao orçamento subsequente; define a escolha dos
programas estratégicos do PPA (despesas de capital) no
exercício fiscal subsequente. O conteúdo da LDO consta
dos diversos dispositivos da Constituição Federal, a saber:
artigos 51, IV; 52, XIII; 99, parágrafo 1º; 127, parágrafo 3º;
165, parágrafo 2º; e 169, parágrafo 1º. A partir de 2000, com
a promulgação da Lei Complementar nº 101, que instituiu a
Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a LDO ganhou uma
maior relevância e amplitude, proporcionando-lhe disciplinar
uma série de temas particulares. O projeto da Lei de Diretrizes
Orçamentárias é formulado pelo Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão (MPOG) e é encaminhado ao Congresso
Nacional em até oito meses e meio anteriores ao término do
exercício fiscal (15 de abril de cada ano), assim como deve ser
restituído para sanção até o fim do primeiro período da sessão
do Poder Legislativo (31 de junho de cada ano). A LDO deverá
ser acompanhada, ainda, dos Anexos de Metas Fiscais e de
Riscos;
• A Lei Orçamentária Anual (LOA) - é o principal instrumento
governamental de realização da política econômica (política
fiscal e monetária) do país, na medida em que discrimina as
formas de intervenção econômica do poder público através da
tributação e da despesa. É conhecida como “lei dos meios”,
por se constituir num meio a partir do qual são assegurados os
créditos orçamentários e os recursos financeiros necessários
à efetivação de planos e programas, assim como das múltiplas
atividades das entidades governamentais. A LOA é integrada

88 UNIDADE 02
e consolidada por três tipos de orçamentos, conforme
disposições constitucionais (Constituição Federal, art. 165),
quais sejam: 1) orçamento fiscal (constitui o mais importante
dos três orçamentos, graças a sua amplitude e magnitude:
abrange os Poderes da União, seus fundos, seus órgãos e
as entidades da Administração Pública direta e indireta, assim
como as fundações públicas criadas e custeadas pelo Poder
Público); 2) orçamento de investimento das empresas estatais
(uma vez excluídas do orçamento as receitas e despesas
operacionais, seu foco recai no investimento efetivado pelas
empresas estatais, ou seja, pelas empresas em que a União,
direta ou indiretamente, disponha da maioria do capital social
com direito de participação através do exercício do voto); 3)
orçamento da seguridade social (compreende as entidades,
com seus respectivos órgãos, que atuam na área da saúde,
da previdência social e da assistência social, da Administração
Pública direta e indireta, assim como os fundos e fundações
criadas e custeadas pelo Poder Público). A LOA, além de ser
a consumação final do processo orçamentário, mediante a
articulação destes três orçamentos, apresenta-se com uma
roupagem jurídica que a define como lei ordinária formal, uma
vez tendo cumpridos todos os trâmites rituais constitutivos do
processo legislativo. O Poder Executivo submete a proposta
orçamentária consolidada à discussão, votação e aprovação
do Legislativo até 31 de agosto de cada ano, com expectativa
de vigência a partir do início do exercício fiscal subsequente;
e tal proposta também apresenta um diagnóstico sucinto da
situação da economia brasileira.

O orçamento público é um documento público cuja legalidade


decorre de legislação vigente; seu vínculo com o poder político, como vimos
na primeira unidade, o faz desempenhar uma função central no equilíbrio
da ordem social, econômica e política - a função de estabilização
macroeconômica e de engenharia de consenso político.
Ele não pode ser uma peça jurídica meramente autorizativa, uma
vez que essa condição o fragiliza. Daí a existência de Propostas de
Emenda à Constituição que reivindicam o orçamento como peça jurídica
mandatária ou impositiva, a saber, a PEC 22, de 2002, que prescreve a
execução obrigatória da programação que consta na lei orçamentária

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 89


anual; e a PEC 77, de 1999, que, por sua vez, contribui com o propósito
de tornar mandatária ou impositiva a execução orçamentária - salvo
algumas exceções bem específicas - a partir da introdução de dispositivos
no artigo 165 e da modificação do inciso VI do artigo 167, da Constituição
Federal.
Em termos jurídicos e políticos, a principal finalidade do orçamento
é ser um instrumento de auxílio ao controle político do Poder Legislativo
sobre o Poder Executivo. Esse controle, no entanto, é vacilante e frouxo,
e manifesta-se de forma mais subserviente do que independente, visto
que o Poder Legislativo é dotado de prerrogativas orçamentárias e de
interesses difusos que o torna vítima “consensual” da hegemonia - ou da
hipertrofia - do Poder Executivo, que termina por influir nos fundamentos
das instituições que compõem a democracia representativa (IANNI,
1996).

A Nova Administração Pública

O advento da Nova Administração Pública (NAP) constitui um


dos mais significativos fenômenos do século passado e início do século
XXI. Internacionalmente adotado por uma ampla gama de países, a NAP
subsiste na administração pública graças à confiança nela depositada
pelos governos no que concerne a sua capacidade de transformar seus
setores públicos com base em práticas e critérios de performance tomado
de empréstimo ao setor privado.
Para alguns críticos, a NAP é vista como uma ideologia de
extração mercantil introduzida no setor público. Mas para outros, e para
além de um simples modismo, a NAP é concebida como uma quebra de
paradigmas no âmbito das organizações do serviço público. Para melhor
compreender esse conjunto emergente de ideias administrativas, Ferlie
et al. (1999) construíram uma tipologia dos modelos ideais da NAP que
serve como componente geral de sua própria caracterização, a saber:

• Impulso para a eficiência – expressa a tentativa de buscar


no setor privado um modelo de desempenho que conceda ao
setor público os mesmos padrões de eficiência verificados no
primeiro;
• Downsizing e descentralização – caracterizada pela adoção
de estruturas organizacionais mais horizontalizadas, com
redução de pessoal no topo e na base, associada à divisão de

90 UNIDADE 02
organizações quanto às atividades de compra e de prestação
de serviços;
• Em busca da excelência – ênfase no desenvolvimento
organizacional e da aprendizagem (“organizações que
aprendem”), assim como tanto os processos quanto os
produtos organizacionais;
• Orientação para o serviço público – expressa a combinação
entre as gestões da iniciativa privada e o setor público, com
ênfase na preservação da responsabilidade dos serviços
prestados aos usuários locais e cidadãos em geral.

Segundo Christopher A. Hood (apud Lapsley, 2009), - para quem


o Reino Unido é considerado como o primeiro a adotar, implementar e
promulgar o conjunto de ideias que conformam a NAP - pode-se decompor
a NAP em pelo menos sete componentes (ou dimensões de mudança)
essenciais:
• Divisão ou desagregação das organizações do setor
público em unidades corporatizadas e organizadas por
produto – abrangem as unidades organizacionais agregadas,
dotadas de regras disciplinadoras e detalhadas de prestação
de serviços, cultura de compromisso e missão, estratégias de
negócios e autonomia gerencial. Desse modo, a produção e a
oferta de serviços são materializadas em unidades distintas;
e as inferências contábeis apontam para maiores custos nas
unidades centrais e menores custos nas unidades periféricas;
• Aumento da concorrência baseada em contratos de serviço
(mercados internos e contratos a prazo) – Aumento da
pressão sobre a identificação e a compreensão das estruturas
de custos, que, em termos comerciais, tendem a tornar-se
mais confidencial;
• Pressão sobre os estilos de gestão do setor privado –
A adoção por parte das organizações governamentais de
instrumentos de gestão e de regras de contabilidade típicos
do setor privado contemporâneo;
• Aumento da pressão sobre a disciplina e a economicidade
no uso dos recursos – É o imperativo da aplicação da doutrina
do “fazer mais com menos recursos”;
• Maior ênfase na gestão das mãos visíveis – A
responsabilização supõe um compromisso manifesto de

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 91


afirmação de responsabilidade dos gestores públicos e um
maior emprego de informações financeiras com vistas a
assegurar a responsabilização no curso de seus ofícios – trata-
se das mãos visíveis dos gestores da cúpula administrativa
e governamental, ou seja, os elementos da tecnoestrutura
estatal, sobretudo aqueles que integram o vértice da Alta
Administração (Presidência da República e os Ministérios);
• Parâmetros manifestos e formais capazes de serem
aferidos a partir da medição dos desempenhos e das
perspectivas de êxito do setor público – Responsabilização
(accountability) e eficiência se combinam: enquanto a primeira
supõe a definição de objetivos claramente estabelecidos, a
segunda, por sua vez, diz respeito a um conjunto articulado de
metas concretas com base em auditorias e em indicadores de
desempenho;
• Maior ênfase nos controles produtivos (regulação
econômica multissetorial) – Alude a uma mudança detalhada
da contabilidade para atividades específicas, rumo a uma
contabilidade de custos mais ampla.

Lapsley (2009), por sua vez, identifica na NAP quatro elementos


chaves que integram a agenda de transformação dos governos para os
serviços públicos:

• Consultores de gestão – por um lado, verifica-se que a


transformação do setor público está em constante dependência
da perícia (expertise) dos consultores de gestão quanto a
garantir padrões excelentes de eficiência na prestação de
serviços públicos; por outro lado, coloca-se em dúvida a
eficácia instrumental destes mesmos consultores de gestão;
• Governo eletrônico – o advento da mudança tecnológica e
do governo eletrônico como dispositivos de modernização, em
que os governos depositam uma forte crença na capacidade
de transformação das tecnologias propriamente ditas sem a
correlata convicção acerca das limitações de tais tecnologias,
o que termina por sinalizar para o fracasso do governo
eletrônico;
• Sociedade da auditoria - emergência e fortalecimento da
sociedade da auditoria (proliferação de todo tipo de auditoria)

92 UNIDADE 02
com base no predomínio da cultura do compromisso no
processo de transformação dos serviços públicos;
• Gerenciamento de risco – grande ênfase sobre as técnicas
de gestão de risco nas organizações do setor público.

Perfil do Gestor Público

Os atores administrativos encarregados da gestão governamental


(órgãos supremos) estão inseridos no quadro geral daqueles “elementos
e relações” que são englobados no conceito de tecnoestrutura estatal
concebido por Ianni (1996), distinguindo-se do de John Kenneth
Galbraith (1983). Para este último, o conceito de tecnoestrutura refere-
se à organização formada pelo conjunto de técnicos responsáveis pelas
tomadas de decisões em grupo. Para Ianni, o conceito de tecnoestrutura
estatal transcende ao de Galbraith, uma vez que abrangem tanto os
vários grupos que integram a tecnocracia e as inter-relações desta
com ministérios, comissões (nos âmbitos do executivo e do legislativo),
institutos, etc., quanto à intensificação do uso de formas determinadas
do pensamento técnico-científico (“cientifização”); quanto à hipertrofia
do poder executivo e as consequências disso para o poder legislativo e
a democracia representativa; e quanto à interação sistemática entre as
instâncias de dominação, de apropriação e de redistribuição.
Em síntese, a tecnoestrutura estatal é a esfera estatal de poder
por excelência, onde decisões definitivas sobre políticas públicas são
tomadas. Em sua dimensão estrutural, o conceito de tecnoestrutura
estatal compreende: um corpo técnico especializado (tecnocracia),
organizações burocráticas de apoio e meios operacionais finalísticos.
Em sua dimensão funcional, o conceito de tecnoestrutura estatal
abrange alguns componentes interativos: a imbricação tecnocracia-órgãos
de planejamento, formulação, implementação, controle e avaliação das
políticas públicas; a disseminação crescente de padrões de pensamento
técnico-científico; a hipertrofia do Poder Executivo em relação ao Poder
Legislativo; e o entrelaçamento mútuo entre a arena de dominação
política e a arena de acumulação-apropriação econômica. A seguir
apresentaremos duas categorias funcionais que integram as carreiras
típicas de Estado e que configuram parte da elite da Administração
Pública.

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 93


Caracterização funcional dos analistas em planejamento e orçamento
e especialistas em políticas públicas e gestão governamental

A importância de uma carreira ou de uma categoria funcional


não resulta necessariamente da quantidade numérica de efetivos que a
integram, mas sim de sua posição na estrutura da hierarquia administrativa
(CHARLE, 1980). Atualmente, existem em atividade, aproximadamente,
700 Analistas em Planejamento e Orçamento – APO e quase 1000
Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental – EPPGG,
ainda sobrando centenas de vagas para o preenchimento total de 1560
cargos efetivos.
As atividades desenvolvidas por tais categorias funcionais
se revestem da mais alta importância no processo de constituição e
monitoramento das políticas públicas desenvolvidas pelo Governo
Federal. Por isso, convém falar um pouco de cada uma delas, de modo a
compormos seus respectivos perfis funcionais.

Os analistas em planejamento e orçamento

A instituição da carreira de Analista em Planejamento e


Orçamento - APO remonta a 23 de julho de 1987, conforme o Decreto-
Lei nº. 2.347. Na época, a carreira era conhecida apenas como Analista
de Orçamento. Antes mesmo de sua criação, a provisão de peritos em
Planejamento e Orçamento Público era feita com base em pessoas que
não detinham vínculo com o serviço público, uma vez que não havia uma
carreira definida para tal fim (SOUSA JÚNIOR, 2000).
Desse modo, motivado pela inexistência de um quadro técnico
dotado de competência específica em matéria orçamentária, foram
criados, além do cargo de Analista de Orçamento (nível superior), o cargo
de técnico de Orçamento (nível médio), ambos diretamente integrados à
estrutura da Secretaria de Planejamento e Coordenação da Presidência
da República. Todavia, apenas em 1990 é realizado pela Escola Nacional
de Administração - ENAP o primeiro curso de formação de Analistas.
Com exceção do curso realizado em 1996, a cargo da Escola Nacional
de Administração Fazendária – ESAF, todos os demais foram ministrados
pela ENAP.
Os Analistas egressos da ENAP são lotados no Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão, que é o Ministério responsável
pela gestão da carreira. Mais precisamente, eles são designados para

94 UNIDADE 02
a Secretaria de Orçamento Federal – SOF e para a Secretaria de
Planejamento e Investimentos Estratégicos - SPI. Posteriormente, de
acordo com as conveniências administrativas do MPOG, são distribuídos
para vários ministérios, a exemplo do que também ocorrem com os
Gestores Governamentais. Porém, diferentemente desses últimos, que
possuem uma característica funcional um tanto quanto nômade, os
Analistas, na expressão deles mesmos, possuem um nicho próprio.
Os Analistas lotados na SOF estão direcionados a tarefas
exclusivamente de caráter orçamentário, tais como a coordenação e
supervisão da elaboração do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias,
assim como da Proposta Orçamentária da União; a prescrição das regras
indispensáveis à formulação e execução dos orçamentos federais; o
desenvolvimento de modelos orçamentários que sirvam para melhorar
o processo orçamentário federal, enfim, aperfeiçoar o próprio Sistema
de Planejamento e de Orçamento da Administração Pública Federal; a
realização do monitoramento gerencial, físico e financeiro da execução
do orçamento relativo a outros órgãos da administração Pública Federal,
salvaguardando a competência administrativa inerente a essas instâncias
administrativas; a supervisão técnica de órgãos setoriais do Governo,
etc. (SOUSA JÚNIOR, 2000).
Na SPI, os Analistas desenvolvem atividades associadas à
formulação e ao monitoramento do Plano Plurianual e aos projetos
especiais de desenvolvimento; à avaliação dos investimentos do Governo
e respectivas fontes de financiamento, das parcerias com o setor privado
no que concerne às inversões de recursos, assim como ao apoio
gerencial e institucional na execução destes projetos de investimentos;
à coordenação e à orientação das atividades de avaliação das despesas
públicas, do próprio Plano Plurianual e dos projetos especiais de
desenvolvimento (SOUSA JÚNIOR, 2000).
Enquanto os Analistas lotados na SOF desenvolvem atividades
direta e indiretamente vinculadas à matéria orçamentária, os Analistas
que trabalham na SPI desempenham funções diretamente voltadas para
o gerenciamento e monitoramento dos programas contidos no Plano
Plurianual. De modo que a definição do papel de Analista encontra-se
amalgamado ao desdobramento gerencial do PPA.
Assim sendo, falar do ofício de APO é se reportar a questões centrais
do processo de mudança administrativa em curso no cerne do Estado.
Embora o modelo de gestão gerencial ainda não tenha se disseminado por
toda a ossatura estatal, verificando-se resistências vigorosas em alguns

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 95


Ministérios de Estado – o Ministério da Saúde, por exemplo -, o que nos
parece evidente é que tal modelo tem se desenvolvido progressivamente
desde o primeiro mandato do Governo FHC, não obstante a mudança de
enfoque que assinala a passagem do primeiro para o segundo mandato
eletivo de Fernando Henrique Cardoso, a saber, a passagem do enfoque
institucional para o enfoque das políticas públicas, assim como no que
concerne ao simulacro de ruptura protagonizado pelo Governo Lula.

Os especialistas em políticas públicas e gestão governamental

A criação da carreira matricial de Especialista em Políticas


Públicas e Gestão Governamental – EPPGG, tardiamente conhecida
como Gestor Governamental, constitui-se em um episódio administrativo
que remonta à realização de um estudo encomendado ao embaixador
Sergio Paulo Rouanet, em 1982, pelo Departamento de Administração do
Serviço Público – DASP.
Segundo orientação oriunda desse estudo, urgia a necessidade de
aperfeiçoar a Administração Pública Federal mediante a criação de uma
escola de governo que fosse incumbida da tarefa de formar e capacitar
profissionais em gestão pública, com atribuições generalistas, de modo a
inseri-los no aparato estatal e, assim, desempenhar as mais altas funções
públicas. A inspiração tanto do modelo de agente público de elite quanto
da instituição educacional de quadros proveio da tradição francesa
no campo administrativo, a cargo da École National d’Administration.
Portanto, a carência de profissionais de verve generalista pressupunha
a criação de um centro de formação correspondente, exclusivamente
voltado para a promoção da Administração Pública Federal. Daí a criação
da Escola Nacional de Administração Pública, mediante o Decreto n.
93.277, de 19 de setembro de 1986, responsável pela formação do “(...)
Estado-maior do oficialato administrativo: o administrador superior para
as mais altas decisões político-administrativas” (CARDOSO & SANTOS,
1997, p. 06).
Como consequência do desdobramento da criação da ENAP,
cria-se a carreira de Especialista em Política Pública e Gestão
Governamental, no bojo de uma reforma administrativa cujo fôlego
se extinguiu em decorrência de uma série de fatores econômicos (o
fracasso do Plano Cruzado e a crise da dívida), políticos (a interferência
de interesses particularistas, a ampliação do mandato do presidente
José Sarney mediante práticas clientelísticas) e sociais (o agravamento

96 UNIDADE 02
das tensões sociais em decorrência do fracasso dos planos econômicos
subsequentes).
O Projeto de lei nº. 243/87 inicialmente designava os Gestores
Governamentais como Técnicos em Políticas Públicas e Gestão
Governamental; e graças ao substitutivo de junho de 1988, os gestores
passam a ser finalmente reconhecidos por sua designação atual. Porém,
foi através da Lei nº. 7.834, de 06 de outubro de 1989 que a carreira
de Gestor Governamental ganha existência real, e um ano depois a
administração pública absorve os primeiros gestores governamentais
formados pela ENAP.
A continuidade da carreira, entretanto, tem suportado alguns
solavancos, entre eles, a total negligência com que foi tratada no
decurso do Governo Collor. A sua retomada, no entanto, veio com o
advento do Governo FHC, onde o então Ministro do antigo MARE, Luis
Carlos Bresser Pereira, primou pela institucionalização do provimento
anual de concursos para a administração pública, favorecendo, assim, o
desenvolvimento da carreira. Recurso este sistematicamente utilizado no
Governo Luís Inácio Lula da Silva
Cardoso & Santos (1997) explicam que as atribuições dos Gestores
Governamentais concernem às funções de elaboração, implementação e
avaliação das políticas públicas, assim como às funções de direção e
assessoramento nos altos escalões da Administração Pública Federal
direta – ou central, segundo o jargão do antigo DASP -, autárquico e
fundacional. Cheibub & Mesquita (2001), contudo, chamam a atenção
para um fato que parece acenar para uma direção um tanto quanto
inversa.
Os autores se referem ao decreto que regulamenta a Lei nº.
7.834/89, mais precisamente ao seu artigo 1o, onde é definido que as
atividades dos Gestores Governamentais orientam-se prioritariamente
para o desempenho de atividades-meio (gestão de políticas), logo, de
funções coadjuvantes ao desenvolvimento de atividades finalísticas
associadas à elaboração, execução e avaliação das políticas públicas.
Quer dizer, apenas em última instância estarão os gestores
voltados para funções diretas de envolvimento no processo específico
de concepção, desenho, execução e avaliação de programas de ação
governamental. O preenchimento dos cargos da carreira dos EPPGGs
tem se acelerado no Governo atual, apesar do aumento de cargos
instituídos e atrelados à categoria, que saltou de 960 para 1560 cargos,
demonstrando que a velocidade de seu preenchimento é sinônima de

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 97


uma institucionalização efetiva. Restando, ainda, o preenchimento de
600 vagas.
As análises de Cheibub & Mesquita (2001) indicam que
75% dos gestores entrevistados ocupavam cargos onde as tarefas
adscritas situavam-se no âmbito das atividades finalísticas (formulação
e implementação das políticas públicas), sendo que destes, 70%
dedicavam-se sobremaneira às atividades voltadas para a formulação de
políticas públicas e 30% às atividades de implementação. Aqueles que
diretamente encontravam-se mais envolvidos com atividades pertinentes
à formulação das políticas ocupavam cargos de direção superior
(secretarias executivas e secretarias de ministérios), de assessoria
superior (assessoria ao ministro), gerência e direção intermediárias
(coordenações gerais, subsecretarias, chefia de departamentos). Os
demais desempenhavam tarefas associadas à implementação, ocupando,
pois, cargos de assessoria intermediária (assessoria à direção superior).
Do universo pesquisado, 25% desenvolviam atividades-meio, ou seja,
atividades de apoio técnico e operacional. Logo, concluem os autores, o
exercício de atividades finalísticas constitui um indicador predominante
do perfil do gestor, sem apontar, todavia, para uma definição precisa
de funções típicas ou exclusivas de Gestores Governamentais. No
entanto, esse perfil constitui uma realidade funcional resultante de um
caráter autoeletivo, de escolha individual, e não uma consequência da
aplicação das diretrizes de seu sistema de carreira ou de uma orientação
institucional ditada pelo órgão encarregado de gerência (Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão).
De um modo geral, o Gestor pode ser caracterizado como um
especialista em políticas públicas que é dotado de um conhecimento
aprofundado acerca do Estado e de capacidade de negociação e de
articulação; que possui uma formação generalista e um compromisso
com a ética; que é um servidor de carreira; e que dispõe de uma formação
intelectual que lhe permite articular a teoria à prática no que respeita à
estrutura estatal e governamental (CARDOSO & SANTOS, 2001).
O ofício de gestor não é dado, de uma vez por todas, em função
da própria formação. Na realidade, trata-se de uma conquista cotidiana,
rotineira, onde o gestor governamental tem constantemente de submeter-
se à prova de sua própria competência, sobretudo em relação ao Estado,
ou seja, a institucionalização da carreira na condição de um quadro de
alta importância administrativa depende diretamente do reconhecimento
do próprio Estado em relação a essa categoria funcional, de modo a

98 UNIDADE 02
perceber a sua indispensabilidade.
É patente e bem demarcado o terreno administrativo em que a
supracitada categoria funcional tende a uma vivência administrativa
nômade. A rede de atividades em que ela se movimenta é fortemente
marcada por uma ação de constante elasticidade, na medida em que o
Gestor exercita o seu ofício e o coloca no centro das decisões públicas, o
que de resto pressupõe uma postura comportamental maleável, uma vez
que ele não é objeto apenas de pressões exclusivamente externas, mas
também constitui alvo de pressões do próprio Governo.
É interessante verificar que o Gestor possui uma inequívoca
consciência de que não é um funcionário do Governo, e sim do Estado.
No entanto, também percebe com clareza que sua função operacional no
cerne do Estado lhe impõe atribuições que o tornam momentaneamente um
instrumento governamental. Nesse sentido, a tomada de decisão importa
em combinar a dosagem entre o componente técnico e o componente
político, além da capacidade de vislumbrar a conjuntura sociopolítica e
econômica, o que supõe o retardamento ou adiamento estratégico das
ações do Estado. Portanto, é exatamente nesse instante que o Gestor é
exigido como parceiro interno dos propósitos governamentais, ou seja,
o Gestor é chamado a contribuir para a ação sociopolítica da facção ou
coalizão no poder, na direção dos negócios do Estado.

Nessa Unidade, ficaram patentes as seguintes preocupações didático-


pedagógicas: a) a distinção entre gestão e administração, em que
a primeira se refere à atividade administrativa corriqueira, prosaica,
relativa ao simples funcionamento do aparato estatal, e a segunda, que,
por sua vez, diz respeito à totalidade funcional da Administração Pública;
b) a identificação das fontes de financiamento do Setor Público; c) a
caracterização da Nova Administração Pública; e d) o desenho do perfil
funcional de alguns agentes administrativo da alta administração, bem
como a ênfase em suas qualificações profissionais.
Assim sendo, o propósito então perseguido e posteriormente atingido foi
o de demonstrar que os componentes do setor público não necessitam
apenas de leis para existir e funcionar no mundo real, mas também

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 99


precisam de recursos financeiros para custear o funcionamento da
máquina administrativa e para a promoção das políticas públicas, assim
como o perfil socioprofissional de parcela dos servidores públicos que
desempenham altas funções públicas, particularmente os EPPGGs e os
APOs. Na sequência, contemplaremos os temas nacionais estratégicos
associados à ação do Estado no comando do processo de desenvolvimento
nacional, cuja dinâmica está vinculada à construção de uma nova ordem
internacional.

1. Identifique as características comuns e incomuns das noções de


administração e gestão:
2. Discorra sobre os mecanismos de financiamento das atividades do
Estado.
3. Descreva o ciclo orçamentário anual em relação ao ciclo orçamentário
ampliado.
4. Comente cada uma das características gerais da Nova Administração
Pública.
5. Enumere as características funcionais dos gestores governamentais
(EPPGGs) em contraposição aos analistas (APOs).

Glossário

• Consultoria: prestação de serviços de orientação especializada que


visa produzir diagnósticos acerca de uma situação-problema de modo
a perseguir a sua eventual solução.
• Corporação: segmento administrativo que pode, ou não, valorizar
excessivamente o espírito de grupo no interior da organização.
• Corporatizada: transformada numa corporação ou dividida em
corporações profissionais.
• Cultura do compromisso: engajamento pró-ativo dos membros
da organização em prol da realização compartilhada de objetivos
programáticos e finalistas.
• Economicidade: no âmbito do Direito Administrativo significa
parcimônia no uso dos recursos públicos (princípio da economicidade).

100 UNIDADE 02
• Gerenciamento de riscos: planejamento, organização, direção e
controle dos eventos ou condições imprevisíveis que podem ou não
interferir de forma positiva ou negativa nos projetos governamentais.
• Mãos visíveis: uma metáfora que serve para significar o controle
do mercado por gestores profissionais, em oposição ao conceito
personalizado de mãos invisíveis do mercado, ou seja, a perda da
confiança na suposta capacidade do mercado em regular o sistema
econômico a partir das funções básicas da regulação, da alocação,
da redistribuição e da estabilização macroeconômica.
• Parâmetro: padrão, modelo.
• Projeto de nação: programa político de construção de uma agenda
de desenvolvimento nacional em que os interesses gerais da pátria
suplantam os interesses particulares dos indivíduos isolados.
• Projeto de poder: programa político que visa à adoção do arrivismo
(uso indiscriminado e inescrupuloso dos meios em função dos fins; o
vale tudo) como estratégia de vida.
• Sociedade de auditoria: proliferação de modalidades de auditagem
(balanço das operações contábeis) das contas públicas com base na
transparência e na accountability – auditoria ambiental, auditoria de
gestão, auditoria do “fazer mais com menos”, auditoria da propriedade
intelectual, auditoria tecnológica, etc

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 101


UNIDADE 03
Setor público: gestão pública,
políticas públicas e os desafios da
construção da nova ordem
social mundial

objetivos
• Descrever e explicar as diferenças fundamentais entre o setor público e o setor
privado;
• Definir e classificar as políticas públicas;
• Explanar a especificidade da política social;
• Identificar os pré-requisitos à inscrição de um problema social na agenda
governamental;
• Situar o Estado brasileiro no atual debate da construção não apenas de uma nova
ordem internacional, mas do advento de uma sociedade verdadeiramente global.
104 UNIDADE 03
Setor público: gestão pública,
políticas públicas e os desafios
da construção da nova ordem
social mundial

Gestão Pública e Gestão Privada

A dicotomia público-privado assinala, respectivamente, conforme


classificação de Max Weber (1991), um sentido político: por um lado, a
dominação em virtude da autoridade (Estado), por outro, a dominação
em virtude de uma constelação de interesses (Mercado); mas
também assinala, no sentido econômico, a contraposição entre agentes
produtivos mercantis e agentes promotores e/ou reguladores do
mercado, cuja atuação ocorre sob o escudo da legitimidade no uso do
poder de coerção, salvaguardados os princípios constitucionais que
regem os direitos e garantias individuais e coletivas constitucionais,
a salvo de um Estado Leviathan. Igualmente podemos notar facetas
diferentes quando analisamos tal dicotomia à luz do sentido social: a
oposição entre o campo da propriedade e da intimidade e o campo da
representação social, da solidariedade e da cidadania.
A compreensão dicotômica entre público e privado, apesar de
ser esclarecedora, dado que a percepção dialética nos induz a pensar
que um somente se explica em função do outro e vice--versa, não
nos fornece a chave real de sua compreensão devido ao fato de que
o privado e o público já se mesclaram, suas fronteiras se esboroaram,
a exemplo do processo de conturbação das áreas metropolitanas – às
vezes fica dificil saber se nos encontramos no centro urbano matriz ou
se nas circunscrições territoriais municipais que compõem uma região
metropolitana; para não falar das megalópolis. O Direito Administrativo
descreve tal esboroamento como uma situação histórica marcada pela
chamada crise dos critérios.

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 105


Sociedades não devem contar com as forças do mercado
para proteger o ambiente ou fornecer um sistema de
saúde de qualidade para todos os cidadãos (…) O
mercado não funciona muito bem quando se trata de bens
públicos (...) Os mercados trabalham aceitavelmente
com bens chamados por economistas de bens privados
(como carros e outros objetos duráveis), (Eric Maskin,
um dos três economistas agraciado com o Prêmio Nobel
de Economia de 2007).

A clássica metáfora de Adam Smith sobre a mão invisível


refere-se como o mercado, sob condições ideais, garante
uma alocação eficiente de recursos escassos. Mas, na
prática, as condições normalmente não são ideais. Por
exemplo, a competição não é completamente livre, os
consumidores não são perfeitamente informados e a
produção e o consumo desejáveis privadamente podem
gerar custos e benefícios sociais (Nota da Real Academia
Sueca de Ciências quando da outorga do Prêmio Nobel
de Economia de 2007, aos economistas Erick Maskin,
Leonid Hurwicz e Roger Myerson).

O proprietário privado de algum bem patrimonial responde por


esse bem como lhe aprouver. Pode até abdicar deles, como muitas
personalidades o fizeram no decurso de suas vidas. E ao fazê-lo, não
terá de prestar contas de seus atos a não ser em estrito respeito ao
quadro legal do país, e mesmo assim sob a guarda do artigo 5º da
Constituição que prevê a igualdade de todos perante a lei. Não é o
que ocorre com relação à coisa pública. Nesta última, existem ritos de
ingresso, de funcionamento e de controle; coexistência de processos
decisórios e racionalidades diferentes (funções autoritário-abonadoras,
funções de intervenção econômico-social e funções de intermediação
de interesses); regime jurídico especial; obrigatoriedade de processos
licitatórios; relações interministeriais e interorganizacionais; prerrogativas
jurídicas como salvaguarda do interesse público, etc.
Enquanto o primeiro pertence, em última instância, a uma ou mais
pessoas, o segundo pertence à totalidade do povo que constitui a nação,
sobretudo quando se trata de uma república. Convém acrescentar que os
processos sociais, burocráticos, administrativos, econômicos e financeiros
que envolvem a administração do patrimônio público chegaram a tal ponto
de complexidade que as exigências de transparência e de accountability
tem se tornado um imperativo político crescente.
Nunca é demais reafirmar que o grau de complexidade da

106 UNIDADE 03
administração no setor público suplanta em muito a complexidade da
administração no setor privado. No entanto, observa-se uma maior
integração entre elas na medida da proliferação das organizações não
governamentais. Pelo lado do setor público, temos a publicização; pelo
lado do setor privado, temos a responsabilidade social corporativa,
e entre elas, como um divisor de águas cada vez mais constante e à
jusante, o setor social, ou 3º setor.
Um critério básico para a classificação desses setores é o critério
do tipo de propriedade. Portanto, quando nos referimos ao setor público,
queremos explicitar que se trata de uma forma de propriedade pública de
caráter estatal; ao passo que as referências ao setor privado remetem à
propriedade privada. Mas existem propriedades públicas de caráter não
estatal: é o caso das Organizações Sociais e das Organizações Sociais
de Interesse Público (vide 1ª Unidade).
Conforme já discutimos, no decurso da 1ª Unidade, existem tanto
características comuns quanto incomuns entre os modelos de gestão
pública e os modelos de gestão privada. Entre as características comuns
destacam-se aqueles elementos e relações que definem o conceito de
administração num duplo sentido: o sentido estrutural (infraestrutura,
capital intelectual, meios operacionais e cultura organizacional) e o sentido
funcional ou operacional (processos de planejamento, organização,
direção e controle).
À parte a totalidade dos elementos de convergência entre o setor
público e privado, convém esclarecer que o setor público é distinguido
por seu vínculo indissolúvel ao Poder Político e por seu caráter
de natureza não mercantil ou destituído de finalidades lucrativas;
exceção feita às empresas públicas e às sociedades de economia mista,
e que se enquadram na técnica jurídica da descentralização associada
à produção de bens e serviços ao mercado. Com base em seu vínculo
indissolúvel ao Poder Político, o Setor Público é obrigado a submeter-
se às regras constitucionalizadas do Direito Administrativo, ou seja, aos
princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e da
eficiência, conforme Título III, Capítulo VII, artigo 37 da Constituição
Federal.
A construção política e jurídica do Estado moderno foi gestada como
consequência do fenômeno da querela das investiduras, que antepunham
poder espiritual (sagrado) e poder temporal (secular), até propender em
definitivo a favor do poder político secular, personalizado na figura do
monarca absolutista. Desde a sua forma de expressão enquanto Estado-

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 107


protetor ou liberal até a assunção do Estado–providência, assistimos a um
longo e lento processo de rearranjo constante de formas de participação
política nos destinos das sociedades. Daí resulta o sufrágio universal,
ou seja, o direito de o cidadão, devidamente registrado em instância
jurídico-eleitoral, exercer a sua vontade de escolha através do instituto
cívico-político do voto direto, secreto, universal e periódico, de modo que
o peso de seu voto é igual ao de qualquer outro cidadão brasileiro; e
o instituto da alternância do poder – as trocas periódicas de comando
do Estado, cujas disputas são materializadas pelos Partidos Políticos.
Assim, a existência desses grupos políticos (formalmente designados
como Partidos) depende da instituição destes enquanto dotados de
personalidade jurídica, na forma da lei civil, e do registro de seu estatuto
junto a Tribunal Superior Eleitoral (Título II, Capítulo V, artigo 17, Título
I, §2º, CF/88).
O disciplinamento do processo de participação no sistema
social via sufrágio universal e as consequências do exercício deste
instituto sobre o processo de rodízio de forças pleiteantes de posições
concretas de poder social, político e econômico na sociedade são
os mecanismos preventivos a estresses capazes de provocar ruptura
no tecido social; sem eles, a desintegração social é inevitável, pois os
grupos tenderiam a viver num conflito generalizado.
A regulamentação do sufrágio universal e a alternância de poder
consta de matéria jurídica circunscrita ao Direito Constitucional, cuja
supervisão fica a cargo do Tribunal Superior Eleitoral; e seu objeto
programático é a garantia de oportunidades iguais aos contendores nas
periódicas refregas político-eleitorais, ou seja, nas eleições.
No Brasil, o presidente da República é ao mesmo tempo chefe de
Estado e chefe de Governo, ou seja, em nosso país o exercício do poder
executivo é classificado, segundo concepção de Maurice Duverger (SILVA,
2003), como executivo monocrático, ao contrário de outras tradições de
cultura política, em que o exercício do poder é compartilhado por dois ou
mais mandatários (a própria França, de Duverger, por exemplo). E isso
torna o dirigente máximo e plenipotenciário do Estado um monarca em
plena República. Porém, a excessiva configuração simbólica do Estado
justaposta na pessoa de seu mandatário plenipotenciário – como chefe
de Estado e de Governo – termina por enfraquecê-lo. Isso decorre da
inversão de papéis: a despersonalização do Estado acompanhada da
personalização excessiva (culto à personalidade) de seu mandatário-
mor. Significa dizer que milhões de indivíduos interpretam as políticas

108 UNIDADE 03
públicas ou governamentais, tal como o Programa Bolsa Família, como
um gesto de bondade do Poder Público graças à benevolência do
dirigente máximo de plantão.
Assim, o Programa Bolsa Família é compreendido solenemente
por grande parte de seus beneficiários ou administrados como um favor
pessoal, bem ao estilo do modelo de administração patrimonialista
(clientelismo, corporativismo e fisiologismo). Ao invés de encará-lo como
um dever do Estado em obediência ao artigo 6º, título II, capítulo II, da
Constituição Federal, que assim reza:

É direito social a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a


segurança, a previdência social, a proteção à maternidade
e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição.

Portanto, a Constituição não ratifica nenhum mandatário da


República Federativa do Brasil como personificação do Estado Federal
e/ou da União; apenas reserva-lhe o direito à representação jurídica para
fins de realização da vontade plenipotenciária ou soberana do Estado,
entendido este enquanto consciência social, econômica, política e
cultural da sociedade civil. Nesse sentido, são vedadas certas condutas
ao administrador da coisa pública, como prescreve o artigo 37º, inciso
XXI, parágrafo1º, CF:

A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e


campanhas dos órgãos públicos deverão ter caráter
educativo, informativo ou de orientação social, dela
não podendo constar nomes, símbolos ou imagens
que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou
servidores públicos.

A trindade institucional secular – Estado (vontade política dos


grupos que participam do jogo do poder consagrado em compromisso
escrito), Governo (planejamento estratégico) e Administração Pública
(execução) – são três instituições em uma.
O Estado, primeiro componente da trindade secular, cristaliza
em si mesmo o poder da sociedade civil organizada. Apesar de ele não
ter existência real, concreta e objetiva, existe virtualmente no nosso
imaginário social. Para isso, precisamos de uma representação aparente
do Estado. E como uma das dimensões mais evidentes da presença do
Estado na sociedade é o seu direito constitucional ao poder exclusivo

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 109


quanto ao uso facultado da coerção física ou cerceamento de liberdade -
o poder repressivo ou simplesmente poder de polícia. O uniforme e o uso
de armas concedem ao representante do Estado, antes mesmo do que
a legitimidade e legalidade, certo sentimento de admiração e respeito ou
de temor e capitulação, tudo dependendo das circunstâncias sociais e de
seus respectivos significados históricos, a saber: admiração e respeito,
quando se trata de uma modalidade de democracia verdadeiramente
plural e justa; temor e capitulação, quando se lida com os regimes de
exceção de todas as cepas, os regimes ditatoriais e /ou totalitários, por
exemplo.
Portanto, o Estado representa o poder virtual, porque, antes de
tudo, se situa na consciência social dos indivíduos, apresentando-se
como transcendental, distante, poderoso e inatingível. E a consciência
social dos indivíduos, aqui entendido como consciência média, é forjada
pela forma como as informações são captadas e interpretadas à luz dos
valores e clichês altissonantes (tendências ou moda predominantes) das
épocas históricas.
O Governo, como componente segundo da trindade secular,
também faz referência ao poder, e é o que na prática o faz – usá-lo!
Afinal, quem governa o faz por que se apóia em alguma forma de poder
político, econômico, cívico, simbólico, etc. O poder que legaliza o uso
do poder pelo Governo é chancelado pelo próprio Estado mediante um
longo processo político-eleitoral, que vai da propositura de candidaturas
a mandatos eletivos ao rito de formalização dos atributos do poder aos
eleitos sob direção de um grupo político vencedor da contenda eleitoral. O
Governo, então, é elevado à condição de preposto genuíno da sociedade
estatal, ou seja, da sociedade civil, passando a usufruir do status de
cúpula do poder político soberano, interno e externamente.
O terceiro, e não menos importante, componente da trindade
secular, a Administração Pública, também dispõe de parcelas de poder,
mas apenas nos exatos limites estabelecidos pelas regras que regem
as condutas dos funcionários públicos. Tal poder é mais concentrado na
cúpula e menos concentrado na base do aparelho de Estado (administração
pública). Quanto mais próximo do ápice da pirâmide de poder político os
grupos de funcionários se situam, mais amplo é o universo de ações,
decisões e de informações influenciadas por tais grupos. Neste sentido,
o agente público mais humilde, integrante de um órgão administrativo
qualquer, ao resolver um simples procedimento burocrático, o faz como
representante do Estado. Igualmente ocorre no caso de assinatura de

110 UNIDADE 03
acordo sobre cooperação cultural e militar entre dois países. Trata-
se de formulação de tratativas internacionais submetidas ao crivo do
parlamento para fins de ratificação e regulamentação jurídica. Em outros
termos, o parlamento chancela um tratado para sacramentar a eficácia
do poder do Estado através de órgãos administrativos diretos da União,
a cargo da Presidência da República.
O Estado é uma condição de ser jurídica que é forjada no processo
de entendimento político entre as principais forças em disputa pelo
Poder Político. Esse entendimento precisa ser preservado, pois o próprio
Estado depende dele para subsistir. Em função dessa necessidade de
sobrevivência política - do Estado e do próprio entendimento político
que o cria -, providências devem ser tomadas. Mas quais providências
deverão ser tomadas? E por quem? É nesse contexto social de decisão
política que nos desembocamos no Governo. Este, por sua vez, precisa
transformar decisões estratégicas em ações concretas, pois a sua
legitimidade política depende da eficácia, da eficiência e da efetividade
de tais ações. Para isso, no entanto, o Governo necessita de meios
operacionais de alcance de seus objetivos e metas, quer dizer, o Governo,
como instância de poder e procurador legal do Estado, necessita de
recursos de toda ordem (servidores, infraestrutura, equipamentos, etc.)
para poder governar. Mas para fazê-lo, o Governo precisa contar com
uma eficiente estrutura administrativa que é o suporte tanto do Estado
quanto do Governo, e por isso a chamamos de Administração Pública.
A necessidade de manter em mente a ideia da coarticulação
entre Estado, Governo e Administração Pública resultam da mera
observação empírica dos fatos do dia-a-dia que envolve a ação do
poder público na sociedade, o que inclui o mercado e as organizações
não-governamentais. Sejam quais forem as atividades executadas por
uma dessas três instituições, elas acionam uma cadeia de transmissão
na qual elas se encontram simultaneamente em movimento, emitindo
seus efeitos jurídicos (legal-normativo), políticos (controle legítimo) e
burocráticos (execução de serviços e políticas públicos). Toda e qualquer
ação praticada pela administração pública, através de seus órgãos
supremos e administrativos, carregam a marca da autoridade política do
Estado e de seu representante legal, o Governo.

As Políticas Públicas

Desde os primórdios de nossa civilização, ensina Norberto Bobbio


(1999), o Estado é representado a partir de metáforas ou analogias que

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 111


buscam compreendê-lo como um conjunto relativamente ordenado de
partes interconectadas que configura um todo unitário. Pelo menos três
dessas metáforas ou analogias sobressaíram-se no decurso do tempo. A
primeira delas, a metáfora ou analogia mecânica, parte do pressuposto
de que o que anima esse todo unitário interconectado (o Estado)
é um motor, ao passo que a segunda metáfora ou analogia orgânica
identifica tal princípio unificador do Estado como a alma, o espírito ou a
mente. A terceira metáfora ou analogia, a sistêmica, concebe o Estado
como animado por um órgão decisório cuja especialidade imediata é a
conversão de perguntas (reivindicações sociais, econômicas e políticas
por recompensas) em respostas (políticas públicas correspondentes
às demandas da sociedade, ou seja, correspondentes às perguntas
realizadas por esta última).
Assim, o Estado pode ser descrito a partir de uma dinâmica que
requer a sua divisão em dois aspectos diferentes e complementares:
o aspecto estrutural e funcional. Em seu aspecto estrutural, o
Estado é compreendido como um conjunto de partes interligadas e
interdependentes, enquanto em seu aspecto funcional refere-se a um
conjunto de partes articuladas em que umas se destinam a produzir
perguntas e outras em convertê-las em respostas. As supracitadas
metáforas ou analogias indicam três modos diferentes de se conceber
o Estado sob a perspectiva comum da noção de um todo unitário
interconectado, cabendo a gestão de tal interconexão ao Governo, o
centro propulsor e unificador do Estado.
É, portanto, sob o ponto de vista da metáfora sistêmica que
procuraremos explicar e compreender aquelas partes interconectadas de
um todo unitário (Estado) voltadas para a conversão de demandas sociais,
econômicas e políticas em políticas públicas setoriais correspondentes.
É o que faremos a seguir.
Um referencial importante para a compreensão do papel
das políticas públicas na relação entre o Estado e as sociedades
contemporâneas industrializadas é distinguir a sua lógica de base, a
lógica setorial, e confrontá-la com a lógica territorial. Esta última se
desenvolve no âmbito das sociedades tradicionais (comunidade) que
são sociedades genuinamente territoriais (conjunto mais ou menos
constituído de territórios relativamente autônomos), já que a identidade
essencial dos indivíduos é formada em função do território em que vivem
(sentimento de pertencimento em relação ao torrão natal; sentimento
pátrio).

112 UNIDADE 03
A estrutura organizacional das sociedades tradicionais apresenta
uma débil divisão social do trabalho e uma lenta mobilidade social;
talvez por isso mesmo as sociedades tradicionais sejam constantemente
ameaçadas de explosão (riscos de secessão). O princípio essencial
que rege tais sociedades é a dialética centro/periferia. Mas devido ao
crescimento das populações, à intensificação das relações de trocas
mercantis e ao advento da revolução industrial, esse princípio aos
poucos vai sendo absorvido pela lógica da setorialidade, que, por sua
vez, contrapõe o global e o setorial.
A explosão da divisão social do trabalho resulta do confinamento
da célula familiar à exclusiva esfera da reprodução e do descanso
(separação do ambiente familiar em relação ao ambiente produtivo
da empresa, que se desenvolve graças à proliferação diversificada de
funções profissionais); da formação de papéis profissionais cada vez
mais numerosos e especializados, cujo exercício requer uma formação
específica; e da emergência de novos reagrupamentos de papéis
profissionais cuja base de apoio consiste em hostes exclusivamente
voltadas para o exercício dos mais variados ofícios e/ou perícias.
Assiste-se, assim, a passagem de uma lógica horizontal (territorial)
a uma lógica vertical (setorial), da mesma forma que podemos dizer
que se passa da predominância da dialética centro/periferia para uma
dominação da lógica global/setorial. É o que ocorre, por exemplo, quando
a esfera da produção (empresa) se aparta da esfera da reprodução
(família) e quando se verifica uma dissociação entre o setor agrícola
e o mundo rural. Igualmente se passa com o setor social, em que se
observa a transição da assistência, inerente à ordem territorial, para a
técnica de seguro social associada à setorialidade. Como ensina Didier
Renard (apud Muller, 1990, p. 15; tradução própria), “os seguros sociais
assinalam a transição de uma proteção social organizada sobre uma
base territorial rumo a uma proteção social organizada sobre uma base
profissional”.
O setor nos apresenta enquanto estruturação vertical
(hierarquização) de papéis sociais que forjam as regras de sua própria
dinâmica organizacional; pode ser traduzido por corporação, de acordo
com a terminologia sociológica. Mas, diferentemente dos territórios,
os setores não são autorreproduzíveis, já que são dependentes da
reprodução dos demais setores de que a sociedade contemporânea se
compõe.
Logo, toda sociedade setorial sofre de um grave problema de

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 113


coesão social, pois, ao contrário das sociedades tradicionais, que sofrem
a ameaça de fragmentação (os territórios se dividem, enfraquecem,
mas não desaparecem), as sociedades setoriais, por sua vez, correm
o risco de serem desintegradas (esfaceladas, aniquiladas, extintas), a
menos que desenvolvam por conta própria os meios necessários para
administrar os conflitos intersetoriais.
Mas que meios são estes? São as chamadas políticas públicas,
cuja implementação é susceptível de produzir distorções operacionais e
finalistas que demandam outras políticas públicas, em virtude da precária
integração social das sociedades que são regidas pela lógica setorial:

[...] numerosas políticas públicas não terão outro objeto


senão a gestão dos desajustamentos produzidos
por outras políticas setoriais: a sociedade setorial,
em perpétuo desequilíbrio, gera permanentemente
‘problemas’, ‘disfunções’ ou ‘efeitos perversos’ que
deverão, por sua vez, serem objetos de políticas
públicas (DIDIER RENARD apud MULLER, 1990, p. 22-
23; tradução própria).

As políticas públicas são as consequências mais evidentes da


transição da lógica territorial para a lógica setorial, na medida em que
os procedimentos de mediação social são modificados, uma vez que
surge uma nova geração de representantes cuja legitimidade se apóia
na representação de um grupo profissional ou corporação; e na medida
em que se adota o uso de instrumentos intelectuais necessários à gestão
das díspares reivindicações setoriais. Assim, elas emergem como meios
ou instrumentos a partir dos quais se procura salvaguardar o equilíbrio
da relação global/setorial, prevenindo os eventuais desajustes entre um
determinado setor e os demais, ou entre um setor e a sociedade global;
donde se conclui “[...] que o objeto de uma política pública é a gestão da
relação global/setorial [...]” (DIDIER RENARD apud MULLER, 1990, p.
24).
É inconcebível que um setor, qualquer que seja ele (setor
agrícola ou industrial, por exemplo), se separe da sociedade. Os setores
são interdependentes entre si, além de concorrerem pelos recursos
escassos que proporcionam a concretização das políticas públicas em
conformidade com as demandas setoriais (queda de juros para o setor
agrícola, comercial ou industrial; desconcentração da propriedade da
terra, para o setor da agricultura familiar; construção de infraestrutura

114 UNIDADE 03
portuária e aeroportuária, para o setor exportador e de apoio logístico,
etc.).
Como se vê, não existe espaço para secessão entre os setores
de que se compõe a sociedade moderna, cujo princípio regente de
solidariedade é aquele concebido por Émile Durkheim, a que chamou
de solidariedade orgânica, um tipo de solidariedade assinalado pela
dessemelhança entre as funções ou papéis sociais e profissionais dos
indivíduos nas sociedades industrializadas. De forma equivalente ao
que ocorre com o organismo humano, em que o conjunto dos órgãos é
interdependente entre si – o sistema cardiovascular somente subsiste
graças às especialidades funcionais dos demais órgãos do corpo humano
como os rins, o pulmão e a pele –, a sociedade moderna se caracteriza
pela total dependência entre os seus setores constitutivos.
A política pública, portanto, é um processo de mediação social.
Logo, conclui-se que política pública existe apenas quando o Poder
Público local ou nacional procura modificar as condições de vida social,
cultural ou econômico de atores sociais, desde que sejam submetidos à
lógica setorial e que se expresse num programa de ação coordenado. E
a título de simplificação, podemos dizer que qualquer política pública é
capaz de ser decomposta em três processos: 1) a definição do lugar, do
papel e a da função do setor envolvido em relação à sociedade global ou
em relação aos demais setores; 2) a construção de uma representação,
de uma imagem da realidade sobre a qual se quer intervir (“referencial de
uma política pública”); e 3) a determinação do ator (ou grupo de atores)
a ser encarregado da operação de construção ou de transformação do
referencial de uma política (mediador).

A política social

A expressão Política Social constitui um “conceito guarda-chuva”,


no sentido de que, segundo Laura Balbo (apud COIMBRA, 1994), ela
alude a uma pletora de problemas de naturezas diferentes que vão de
programas habitacionais, sanitários, educacionais, previdenciários,
assistenciais stricto sensu, etc., programa de renda mínima, abatimento
ou isenção fiscal, até a oferta de subsídios governamentais quanto ao
consumo de certos bens. A política social é uma política pública stricto
sensu que integra a modalidade lato sensu de política pública.
Para Patrick de Laubier (1982), a especificidade da política
social não se situa apenas na fronteira entre a dimensão econômica e a

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 115


dimensão política, onde a primeira volta-se para a produção de riquezas
e a segunda para a manutenção e/ou o revigoramento do poder estatal.
A especificidade da política social também reside em sua finalidade,
amplamente assentada na ideia de justiça social, logo, na noção de
cidadania. Laubier (1982, p. 7) assim define política social:

Por política social aqui se compreenderá o conjunto das


medidas tomadas ao nível de uma nação cujo escopo é o
de aperfeiçoar ou de mudar as condições de vida material
e cultural da maioria da população em conformidade
com uma crescente tomada de consciência dos direitos
sociais, assim como dar conta das possibilidades
econômicas e políticas de um país em um determinado
momento.

Laubier (1982) entende, com propriedade, que a definição de


política social torna-se completa quando se arrolam os seus atores,
assim como os seus âmbitos de atuação. O Estado é o principal ator
da política social; sobre ele recai a atenção reivindicatória dos demais
atores no sentido de imprimir alterações no padrão de política social por
ele implementado.
Os sindicatos são um dos mais importantes atores da política social,
uma vez que se fazem presentes em todos os países, com maior ou menor
expressão político-organizacional. Tanto o Estado quanto os sindicatos
apresentam-se como os atores mais universais da política social. Com
base na “Declaração sobre o Progresso e o Desenvolvimento no Domínio
Social”, encampado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 11
de dezembro de 1969, Laubier elege os principais domínios da política
social moderna, a saber: o emprego, a política de redistribuição de renda,
a seguridade social e a educação. Assim, a implementação da política
social, através da contemplação de todos esses domínios, serviria para
garantir o bem-estar social de toda a humanidade conforme a ideia de
justiça social.
Eduardo Bustello (1982) envereda por uma seara conceitual
contígua a de Laubier. Para ele, há uma identidade flagrante entre política
econômica e política social; é a mesma coisa. Enquanto a primeira
preocupa-se com os processos de geração de riquezas, esta última
focaliza suas atenções sobre o problema da distribuição de recursos e
renda – “(...) quem faz política econômica faz ao mesmo tempo política
social e vice-versa” (BUSTELLO,1982, p. 134).

116 UNIDADE 03
Logo, a política social se instaura no cerne do processo de produção
material e de consumo, onde se observam diferentes “proporções
e interdependências”. Em termos macroeconômicos, significa dizer
que em uma determinada sociedade há a necessidade de se estimar
algumas proporções na articulação entre produção, consumo, renda,
por exemplo, e o modo a partir do qual tais proporções são distribuídas
numa dada população, sendo que tal distribuição é induzida a descrever
uma trajetória que pode torná-la progressiva ou regressiva, uma vez
correlacionada a distintas proporções entre produção e consumo, entre
renda e consumo e entre consumo e acumulação, ou seja, ao conteúdo
das políticas econômicas (fiscais ou monetárias; políticas industriais e de
exportação, etc.).
Assim, a definição dessas proporções que constitui a essência
da política social, predispõe esta a assumir características cuja
implementação a identificam como um ou outro dos seguintes modelos
básicos de política social: política social “residual” ou “assistencial” (o
mercado é que espontaneamente se encarrega de definir as proporções
constitutivas dessa modalidade de política social, onde o planejamento
somente se justifica em casos de situação-limite), política social
tecnocrática (coexistência do princípio do mercado com processos de
planificação) e política social distributiva (tendência à maximização
da distribuição da riqueza e da renda, o locus em que o planejamento
encontra sua verdadeira especificidade).
Em suma, a definição de política social subentendida nas
concepções de Bustello está associada ao caráter pragmático do
planejamento social, portanto, do desenvolvimento social, que por sua
vez é de natureza progressiva, já que visa à ideia de justiça social.
Porém, de todo modo, fica para a reflexão sobre as múltiplas
dimensões cognitivas da política social a definição certeira de Claus Offe
(1994, p. 15; grifo original) acerca dos fundamentos sociais da produção/
reprodução econômica, justificando a interdependência férrea entre as
dimensões social e econômica da política pública às quais designamos por
política social e por política econômica, respectivamente: “A política social
é a forma em que o Estado tenta resolver o problema da transformação
duradoura de trabalho não assalariado em trabalho assalariado”.

Classificação das políticas públicas

As políticas públicas podem ser classificadas em quatros grandes

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 117


grupos não-mutuamente excludentes:
1. Políticas preventivas - toda política pública que suprima ou amenize
os efeitos de um problema social grave: saúde pública, saneamento
básico, educação, nutrição, habitação, emprego e salário;
2. Políticas compensatórias - caracteriza-se por um tipo particular
de política cujo escopo é neutralizar parcialmente os problemas
produzidos por eventuais problemas macroeconômicos e políticas
preventivas ineficientes: políticas previdenciárias e de qualificação
do trabalhador ou por políticas socialmente não-dependentes como
políticas viárias, de transportes, etc.;
3. Políticas distributivas - políticas que se caracterizam mediante
mecanismos de transferência real de renda sem contrapartida
(seguro-desemprego, abono salarial, Funrural, Bolsa Família, política
de aumento do salário mínimo acima da inflação, o qual o objetivo
principal é prevenção e a diminuição das desigualdades sociais);
4. Políticas estruturais - consistem em programas sociais direcionadas
para estabilizar os fundamentos macroeconômicos através, por
exemplo, a) da redução da taxa de desemprego e b) do aumento
na produtividade, logo, dos salários; podem ser classificadas em
políticas estruturais diretas e indiretas.

As políticas estruturais diretas são destinadas à redução do


desemprego e ao aumento da produtividade. Facultam o acesso
subsidiado a três tipos de serviços: a) intermediação de mão-de-obra
– visa reduzir a taxa de desemprego e, marginalmente, aumentar a
produtividade (SINE); b) qualificação profissional; - permite, ao mesmo
tempo, o aumento da produtividade do trabalho, logo, o nível salarial, e
reduz o desemprego (PNQ e Sistema ‘S’); e c) crédito – visa melhorar a
renda do trabalhador, sobretudo, do autônomo, contribuindo para diminuir
o desemprego e aumentar o nível salarial (Pronaf e Proger).
As políticas estruturais indiretas, por sua vez, são aquelas
políticas macroeconômicas que incentivam a expansão da produção e/
ou a renovação tecnológica, provocando efeitos positivos diretos sobre a
produtividade no trabalho, impactando, assim, o nível geral do emprego
e dos salários. Envolvem investimentos públicos diretos, políticas de
redução de tributos e da taxa de juros de mercado, assim como políticas
de empréstimos a juros subsidiados destinados a investimentos em
capital físico produtivo.

118 UNIDADE 03
A gestão da agenda política

A gestão da agenda política não se restringe em saber que em tese


todo problema social é capaz de transformar-se em problema político,
mas em identificar os mecanismos a partir dos quais tal transformação
é operacionalizada, permitindo que determinado problema (político) seja
inscrito na agenda governamental. A inscrição de um problema específico
na agenda dos poderes públicos constitui o momento mais expressivo do
ciclo político, pois é no decurso desse processo que uma política pública
revela o seu verdadeiro sentido. A noção de agenda política é importante
porque permite que sejam explicitados os processos através dos quais
os agentes políticos eletivos encampam um problema de modo a elaborar
um programa de ação governamental.
Quando se afirma que a agenda política possui uma natureza
cognitiva, significa dizer que a formulação dos programas públicos pelos
agentes políticos é condicionada pela percepção que eles têm do mundo
em que vivem. No que diz respeito à formulação e implementação das
políticas, somente aparentemente os decisores gozam de autonomia de
decisão. Isso ocorre por duas razões: a escolha do decisor é condicionada
pela estrutura do sistema de decisão; o conhecimento do decisor é
limitado. Não apenas a liberdade de escolha do decisor é fictícia como
o controle que ele tem sobre o processo de formulação das alternativas
é restrito. De modo que o maior problema enfrentado por um decisor
é o de minimizar a margem de incerteza relativa à realidade concreta,
procurando simplificar ao máximo o campo da decisão através da coleta
de informações que considera importante (a construção de um campo
cognitivo).

A agenda política quer se trate daquelas dos Estados-


nação ou daquelas coletividades locais, compreende o
conjunto dos problemas percebidos como demandantes
de um debate público e até da intervenção das autoridades
políticas legítimas (PADIOLEAU apud MÜLLER, 1990, p.
37; tradução própria)

Para completar o nosso percurso didático pela seara das políticas


públicas, convém apreciar as lições de Jean Padioleau, para quem a
probabilidade de um problema ser inscrito na agenda governamental
depende de três condições: 1) que a sociedade civil organizada (elites
sindicais, administrativas e políticas, juntamente com os cidadãos mais

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 119


esclarecidos) eleja uma situação como sendo problemática e carente
de transformação; 2) que a problematização dessa situação seja
suficientemente definida (procedimento de etiquetagem) como uma
questão importante que se situa no campo de jurisdição das autoridades
públicas; e 3) que a expectativa da intervenção dos poderes públicos
constitua um imperativo incontornável.
De igual modo se deve dar ênfase a três aspectos relacionados
com a inscrição de um problema social na agenda política: 1) o acesso
à agenda política sempre constitui “objeto de controvérsia social e
política”, não tendo nada de natural ou automático; 2) a transformação
de um problema social em problema político é uma resultante da ação
política de grupos de interesses; e 3) os atores políticos envolvidos na
construção de um programa de ação governamental desempenham um
papel estratégico que tem por objeto formular o problema mediante um
discurso capaz de sensibilizar as elites.

Estado e Capitalismo Global

Nas últimas décadas tem-se falado bastante sobre o fenômeno


da globalização. Trata-se de um processo inexorável de intercâmbio
econômico, político, social e cultural entre as nações cuja amplitude não
tem paralelo na história da humanidade. Nesse

[...] ingente movimento de circulação de mercadorias


e créditos/débitos financeiros, de correlação de
ideias, forças e interesses em disputa generalizada,
de identidade quanto às preocupações para com os
múltiplos problemas que afligem os homens, assim como
de semelhanças comportamentais e de estilos de vida
[...],

eis que o capital se transfigura em um demiurgo de si próprio,


ou seja, um criador de si mesmo, um atributo normalmente reconhecido
apenas às divindades de múltiplas tradições e denominações religiosas
mundo afora (BUENOS AYRES, 2004, p. 451).
O capitalismo, enquanto doutrina e formação socioeconômica
(em termos analíticos marxianos, modo de produção) constitui uma
invenção cultural que, gestado nos últimos suspiros do feudalismo,
adquire expressões identitárias cada vez mais sofisticadas – comercial,
industrial ou financeiro; monopolista, organizado ou maduro; e, agora,

120 UNIDADE 03
globalizado.
A queda do Muro de Berlim e a dissolução da União das Repúblicas
Soviéticas Socialistas abriram alas para que o regime ontológico do capital
adquirisse a hegemonia necessária ao espurgo das práticas planejadas
de conduta estatal que mantinham o mercado sob controle férreo. Na
medida em que o reino do capital, na condição de reino da necessidade
(ou da quantidade), não encontra resistência ao seu modo particular, em
meio à ditadura do ter, seus domínios se expandem assustadoramente,
impondo suas leis, normas, valores e práxis como marco referencial tanto
àqueles que o cultuam bem como àqueles que o repudiam.
De todo modo, a revolução tecnológica dos meios telemáticos
de comunicação, fator crucial para a globalização moderna (ou pós-
moderna, como pretendem alguns), tem possibilitado, exponencialmente,
a catequização das derradeiras fronteiras geopolíticas e econômico-
financeiras, segundo os ditames confessionais profanos do capitalismo,
que, por sua vez, aspira à sacralidade absoluta e plena, fenômeno
normalmente atribuído às divindades das religiões reveladas –
Zoroastrismo, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo.
A crise global atual fornece os fundamentos éticos valorativos de
uma nova ordem mundial cujo propósito é estabelecer, de um lado, novas
condições de controle e regulação das atividades econômico-financeiras
mundiais, e de outro, novas modalidades de redistribuição da renda e da
riqueza mediante políticas públicas de oneração tributária progressiva
(quanto maior o nível de renda, maior a incidência do percentual
do imposto a ser pago pelos indivíduos) e de desoneração tributária.
Consequentemente, a conjuntura econômico-financeira mundial atual
tende a facultar ao Estado o papel inconteste de árbitro do sistema
social e seu subsistema econômico, político e cultural.
Dois fenômenos de nossa história recente demonstram como o
setor público se torna a última trincheira que se antepõe entre a decretação
de falência (aniquilamento) e a competitividade (sobrevivência) das
empresas privadas no Mercado. O primeiro é o marco da tragédia tardo-
moderna de 11 de setembro de 2001, como não poderia deixar de ser,
pela perplexidade, pelo assombro e pela ousadia, por um lado, e pela
mensagem política, militar e financeira, por outro. O segundo, a erupção
do vulcão localizado sob a geleira Eyjafjallajoekull (sic), na Islândia, que
expeliu cinzas a mais de 16 mil metros de altura, e por mais de quarenta
horas ininterruptas, em meados de abril de 2010, provocando a maior
paralização do trafego aéreo desde o setembro negro americano.

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 121


O primeiro é um fenômeno resultante de ações eminentemente
humanas, que a literatura das relações internacionais designa através do
uso da locução terrorismo, classificado como um dos muitos exemplos
de externalidades físicas internacionais, que compelem os Estados
nacionais a uma maior cooperação institucional entre si. O segundo, por
sua vez, é um fenômeno inteiramente de ordem natural, resultante do
entrechoque de placas tectônicas nos subterrâneos do planeta. Ambos,
porém, malgrado as origens diferentes que os distinguem, provocaram
um colapso do sistema aéreo europeu e mundial, resultando em
prejuízos fabulosos às companhias aéreas, fator este que incentivou o
setor aerotransportador a reivindicar recursos públicos, de modo a evitar
um desdobramento econômico-financeiro em cadeia de proporções
desconhecidas, com o argumento de que, em última instância,
compromete-se a estabilidade macroeconômica. Assim, cada vez mais
o Estado encontra-se frente a desafios que o compele a uma constante
reforma de si mesmo como contrapartida das mudanças aceleradas
observadas no curso de construção da sociedade, do capitalismo e do
próprio Estado em escala global ou mundial.
Em síntese, a globalização não passa de uma manifestação
desordenada da ampliação acelerada do capital rumo à homogeneização
forçada dos espaços econômicos, graças à aceleração do tempo, por
sua vez permitida pelos modernos meios cibernéticos de comunicação.
Ocorre, porém, que a homogeneização célere dos espaços em que
se desenvolve a reprodução ampliada do capital também conduz à
homogeneização dos problemas que atingem homens e mulheres
históricos.
E na medida em que tais problemas deixam de serem apenas
problemas (ou perguntas) de uma ou mais sociedades nacionais para se
converterem em problemas (ou perguntas) de uma sociedade global,
verificamos que essa correlação entre o capital e as exterioridades
decorrentes de sua aplicação técnico-financeira no processo produtivo
tende a atingir um ponto de intercessão, em que os fundamentos da
institucionalidade democrática são assegurados na proporção em que o
conceito de cidadania ganha vulto transnacional. Como diria Diógenes,
expressão exemplar do cinismo grego, “somos cidadãos do mundo”,
quiçá do cosmo.

122 UNIDADE 03
O significado didático-pedagógico e epistêmico da disciplina
“Administração no Setor Público” é revelado através de suas três
unidades constitutivas. Na primeira, focalizamos os conteúdos conceituais
básicos referentes a processos, relações e estruturas que integram e
dinamizam a interação entre o Setor Público e o Setor Privado, com
destaque para o papel aglutinador do Poder Político na organização
do Estado, na garantia das condições de funcionamento da Economia
real, na construção democrática da nação brasileira, etc. Na segunda,
buscaram-se identificar os processos, relações e estruturas associadas
ao funcionamento rotineiro da Administração Pública quanto ao seu
financiamento, rito orçamentário, caracterização atual do modelo de
gestão pública e ao perfil funcional de agentes público do alto escalão.
E na subsequente e última unidade, enfatizamos, graças aos subsídios
teóricos e técnicos de conhecimento possibilitado pelas duas primeiras
unidades, alguma questão sutil relativa ao contraponto gestão pública
e gestão privada, bem como as funções de estabilidade e coesão
sociais, econômicas e políticas desempenhadas pelas políticas públicas,
entendidas estas como processo de mediação social. E para completar,
explanamos os vínculos do capitalismo globalizado com os Estados-
nação e as perspectivas da construção de uma nova ordem multipolar,
assim como da fundação da sociedade global.

1. Quais são as particularidades destacadas da gestão pública em


comparação com a gestão privada?
2. Diferencie a lógica territorial da lógica setorial no estudo das políticas
públicas.
3. Defina e classifique as políticas públicas.
4. Descreva as três condições fundamentais para a inscrição de um
problema na agenda governamental, segundo Jean Padioleau.

ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 123


5. Examine e reflita atentamente sobre o crescente papel do Estado em
um mundo marcado pela globalização acelerada.

Glossário

• Externalidades físicas internacionais: problemas sociais, políticos


e econômicos internacionais cuja solução demanda uma ação
coordenada entre Estados soberanos, a saber, terrorismo; tráfico de
drogas, armas, de escravas brancas e de órgãos, pandemias, etc.
• Hierarquização: processo de disposição de estrutura de poder com
base em segmentação verticalizada, de cima para baixo, indicando
diferenças de influência e prestígio em qualquer organização, sejam
elas públicas ou privadas.
• Holding: empresa que detém a totalidade ou parcelas majoritárias de
ações de outras empresas doravante reconhecidas como subsidiárias,
com relação às quais exerce atividade exclusiva de controle.
• Institucionalidade democrática: impregnação de princípios
norteadores que se baseiam “[...] em critérios discricionários
compatíveis com os valores da igualdade, da virtude, do mérito,
do talento, da equidade, da probidade, da transparência e da
responsabilidade moral, conjugando, a um só tempo as leis,
prescrições, valores, sistemas, organizações, processos, atores
e agentes a serviço da incrustação da sociedade civil no domínio
interno do Estado” (Buenos Ayres, 2004, p. 462).
• Ontológico: relativo à ontologia, ou seja, o ramo da filosofia que trata
do modo de ser das coisas. Afinal, todos os seres vivos possuem ou
expressam um modo particular de ser.
• PNQ: Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador.
• Proger: Plano Nacional de Geração, Emprego e Renda.
• Pronaf: Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.
• Querela das investiduras: disputa entre o poder temporal (político)
e espiritual (religioso), no século IX, acerca de qual deles deve
prevalecer sobre o outro.
• Referencial de uma política pública: o conjunto de imagens e
ideias (conservadoras ou progressistas; distributivas ou não) que
fundamentam o desenho e formulação de uma política pública.
• Regras constitucionalizadas ou constitucionalização das regras
do Direito: introdução no arcabouço jurídico da Constituição de

124 UNIDADE 03
normas que orientem uma política genuinamente de Estado, de modo
a assegurar a sua continuidade e eficácia no tempo e no espaço.
• Secessão: direito facultado a uma unidade confederada de se separar
da unidade originária.
• SINE: Serviço de Intermediação de Emprego.
• Sistema ‘S’: sistema de proteção e qualificação profissional
social paraestatal que compreende o SENAI (Serviço Nacional
de Aprendizagem Industrial), o SESI (Serviço Social da Indústria),
o SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio), o
SENAT (Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte), o
SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), o SEST (Serviço
Social de Transporte), o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas), o SESCOOP (Serviço Nacional de
Aprendizagem do Cooperativismo), etc.

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Carlos Antonio Mendes de Carvalho Buenos Ayres

Mestre e Doutor em Sociologia (UFPE/


UnB). Professor do Departamento de
Ciências Sociais e da Pós-Graduação
em Políticas Públicas, da Universidade
Federal do Piauí.

130 UNIDADE 03
ADMINISTRAÇÃO DO SETOR PÚBLICO 131

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