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Lei 12.

137/09: a facilidade do acesso à justiça especial cível às pessoas jurídicas em detrimento


da dilação probatória

Em 12 de dezembro de 2009 foi publicada a Lei 12.137/2009, norma que alterou o conteúdo do
artigo 9°, parágrafo 4º, da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95), dispositivo que regula a
representação das pessoas jurídicas em juízo especializado.

O caput do artigo, que trata do imprescindível comparecimento pessoal das partes nos atos
processuais, bem como da necessidade ou não do patrocínio de um advogado, não foi alterado,
sendo editada somente a parte que diz respeito ao comparecimento das pessoas jurídicas na
audiência. Vejamos o texto original e a nova regra, trazendo a comparação:

“Art. 9º Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente,
podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.”

“§ 4º O réu, sendo pessoa jurídica ou titular “§ 4o O réu, sendo pessoa jurídica ou titular
de firma individual, poderá ser representado de firma individual, poderá ser representado
por preposto credenciado.” (Redação anterior) por preposto credenciado, munido de carta de
preposição com poderes para transigir, sem
haver necessidade de vínculo empregatício.”
(Redação dada pela Lei nº 12.137, de 2009)

É de se notar que, em verdade, não houve uma alteração do texto, mas somente a adição da frase
“munido de carta de preposição com poderes para transigir, sem haver a necessidade de
vínculo empregatício”. O que parece apenas um pequena alteração do dispositivo, indica uma
nova realidade nos juizados especiais.

A alteração da Lei foi proposta pelo fato de ser cobrado pelos Juizados Especiais Cíveis que o
preposto, representante da empresa, fosse, obrigatoriamente, funcionário da pessoa jurídica
demandada, havendo necessidade de comprovação do liame trabalhista do representante da
pessoa jurídica em diversos Juizados do país. Isso indica que a parte essencial da mudança é a
desnecessidade de vínculo empregatício, sendo a especificação de poderes para transigir apenas
uma obrigação acessória do documento representativo.

Com vistas à informalidade do processo regido pela Lei 9.099/95 foi que o Deputado Bernardo
Ariston apresentou a iniciativa de alteração do texto e, se analisarmos os parcos recursos
jurídicos necessários ao acesso da justiça especializada, a mudança nos parece acertada.
Ressalte-se, neste seguimento, que parte do novo dispositivo é idêntica ao artigo 277, §3º, do
Código Processual Civil, o qual dita as regras da audiência preliminar do procedimento Sumário,
excetuando-se a dispensa de vínculo empregatício.

Feitas as considerações iniciais, há que se adentrar nas questões nucleares deste artigo,
delineando os benefícios e malefícios da Lei.
Do lado extraprocessual da matéria, percebe-se claramente que a informalidade no
credenciamento de preposto abarca benefícios imensuráveis às pessoas jurídicas do mercado de
consumo de abrangência nacional, tanto no âmbito financeiro, como no organizacional. Aos
advogados que atuam no meio e aos departamentos jurídicos de pessoas jurídicas, possuem o tato
do proveito que a Lei 12.137/09 trouxe às empresas.

Nos dias atuais e principalmente com o advento da internet, produtos e serviços são
comercializados a distância, havendo até mesmo utilização dos serviços de correio para expansão
das atividades comerciais. Este recurso trás, de outro ângulo, uma possível dificuldade na
solução de eventuais percalços, em particular a defesa no Judiciário Especial.

Sem sombra de dúvidas a Justiça Especializada é a que mais demanda esforços das empresas, em
vista do volume de processos perpetrados por consumidores que optam pelo procedimento da Lei
9.099/95 para solução das questões litigiosas, pela simplicidade e agilidade, ações que se
perpetuam pelo Brasil afora. Imaginem, então, como agiam estas empresas para se fazerem
representadas nas audiências designadas? Às vezes, empresas de pequeno porte situadas em
pequenos municípios, até mesmo formadas por dois ou três funcionários, são demandadas do
outro lado do país, por uma simples venda de produto via internet, sendo que o credenciamento
do preposto deveria ser, no entendimento dos Juízes, obrigatoriamente de um funcionário
regularmente registrado.

Nestes casos, impreterivelmente havia a necessidade da empresa enviar um de seus funcionários


à Comarca, tendo dispêndios com o deslocamento, o dias (ou dias) de trabalho perdidos, sem
contar a eventual necessidade de patrocínio de um advogado. Há como se sustentar, inclusive,
que a formalidade anteriormente exigida ia a desencontro com a garantia de acesso à justiça, pois
o pequeno empresário era terminantemente prejudicado neste aspecto.

Sem desviar do tema, necessário colocar que grande parte das dificuldades suscitadas se devem,
atualmente, ao crescimento desgovernado do comércio virtual, crescimento este que não pode, a
nosso ver, ser considerado como risco da atividade do empresário. Isto porque, a facilidade
trazida pela internet não beneficia apenas aos fornecedores, mas beneficia concomitantemente os
consumidores que conseguem ter acesso a serviços e produtos disponíveis em todo país.
Entrementes, no cerne da questão, o acesso à justiça é um direito de todos e a todos deve ser
facilitado.

Com a edição da Lei em análise, a representação das empresas em juízo deixou de ser uma
barreira, bastando que o preposto esteja munido de carta de preposição com poderes para
transigir. Assim, na contratação de um advogado correspondente para comparecimento e defesa
de uma pessoa jurídica em comarcas longínquas, existe a possibilidade do procurador ir
acompanhado de uma pessoa nomeada como preposto pelo réu, bastando que o documento
cumpra a formalidade da Lei, ou seja, dê poderes para transigir.

Neste aspecto, a Lei 12.137/09 acaba por beneficiar, de forma incólume, as pessoas jurídicas.
Porém, como característica própria das normas inovadoras, existe a contrapartida e, nesta parte,
atinge a integridade processual.
A desnecessidade da presença de um funcionário da empresa com vínculo empregatício nas
audiências de instrução retiram do processo a produção da prova oral, no que concerne ao
depoimento pessoal.

Primeiramente, consigne-se que todas as provas contidas no Código Processual Civil são
admitidas no procedimento da Lei 9.099/95, excetuando-se, em regra geral, a produção de prova
pericial (podendo ser produzida análise técnica por especialista nomeado pelo juiz1), conforme
disposto no artigo 32. Desta forma, inclui-se, também, o depoimento pessoal.

Pelas regras processuais ordinárias, é faculdade do Juiz determinar o comparecimento pessoal


das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa (art. 342 do CPC), opção que encontra
guarida na busca da verdade real para julgamento da lide, ainda que não seja exigência da Lei
Processual Civil2, para que haja o desfecho do litígio. Em contrapartida, quando o juiz não
determinar de ofício, compete a cada parte requerer o depoimento pessoal da outra, a fim de
interrogá-la na audiência de instrução e julgamento (art. 343 do CPC), ou seja, ainda que não
seja imprescindível a verdade absoluta para apreciação dos termos de uma lide, o depoimento
pessoal constitui meio de prova às partes.

Com a não exigência de que o preposto seja funcionário da empresa, existe o prejuízo ao
conteúdo probatório do processo e, em especial, constitui detrimento à comprovação dos fatos
alegados na inicial, quando a prova for essencial ao autor da ação.

É cediço que o Processo Civil é regido de forma menos exigente do que no âmbito trabalhista,
pois neste último é necessário que o preposto seja pessoa que conheça dos fatos dos autos
(analogia do artigo 843, § 1° da Consolidação das Leis do Trabalho). Entretanto, certamente
terão casos em que todos os funcionários da empresa, nos casos das pessoas jurídicas de pequeno
porte, estarão presentes no evento levado a julgamento, sendo que o interrogatório referido no
artigo 343 do Código de Processo Civil poderia elucidar os fatos de demanda, incorporando as
provas que pretende o Autor produzir.

Nos ensinamentos dos Ilustres Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Nery de Andrade3, encontramos
sustento para a realização de um depoimento pessoal da parte por um mandatário, desde que
munido de poderes para depor e confessar, delineando que o intuito da produção desta prova é
obter a confissão das partes quanto aos fatos suscitados na lide. Conquanto, o a Lei 12.137/09
somente trouxe a exigência de que o preposto tenha poderes para transigir, inexistindo a
obrigatoriedade de poderes para confessar, o que não supri a defasagem da prova oral em apreço.

Desta forma, em uma análise intrínseca dos princípios que regem a prova no Processo Civil e o
direito de sua produção em juízo, temos que o novo texto do artigo 9°, § 4°, da Lei 9.099/95, traz
prejuízos ao conteúdo probatório do processo e sua análise de uma forma mais ampla, em
especial à comprovação dos fatos postos sob judice pelo Autor, quando lhe fizer jus a norma do
artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil.

1
Nelson Nery Júnior e Maria Rosa de Andrade Nery, in Código do Processo Civil Comentado, 10ª Edição, Ed.
Revista dos Tribunais, p. 1486 – comentário ao artigo 35 da Lei 9.099/99.
2
p. 606, item ”7” – comentários ao artigo 332 do Código de Processo Civil.
3
P. 619, item “3” – comentários ao artigo 343 do Código de Processo Civil.
Portanto, em uma visão geral da Lei 12.137/09, tornou-se ainda mais informal o processo nos
Juizados Especiais Cíveis, trazendo uma facilidade do acesso à justiça às pessoas jurídicas, em
relação às demandas perpetradas em Comarcas distantes da sua área de atuação “física”,
culminando, por conseqüência, na supressão de uma modalidade de prova que pode ou não ser
essencial à cognição do processo. Somente com o tempo é que poderemos constatar, de fato, se a
alteração é mais benéfica ou maléfica ao procedimento da Lei 9.099/95.

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