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1640 ARTIGO ARTICLE

Quando, como e o que se bebe: o processo


de alcoolização entre populações indígenas
do alto Rio Negro, Brasil

When, how, and what to drink: alcoholism among


Indian peoples in the Upper Rio Negro, Brazil

Maximiliano Loiola Ponte de Souza 1


Luiza Garnelo 1,2

Abstract Introdução

1 Centro de Pesquisa Leônidas


This paper analyzes the development of alco- Uma das principais colaborações da antropolo-
& Maria Deane, Fundação
Oswaldo Cruz, Manaus, holism among Indian peoples in the Upper Rio gia ao tomar como objeto de estudo a questão do
Brasil. Negro, Amazonas State, Brazil. Based on a com- uso de bebidas alcoólicas foi demonstrar a varia-
2 Universidade Federal do
prehensive approach to what, how, and when bilidade cultural das formas de beber 1, permi-
Amazonas, Manaus, Brasil.
individuals drink, this ethnography empha- tindo o questionamento de conceitos, modelos
Correspondência sizes the socio-cultural and historical context in e teorias que interpretam o fenômeno como um
M. L. P. Souza
which alcohol is consumed and interpretation invariante universal 2.
Centro de Pesquisa Leônidas
& Maria Deane, Fundação of the issue by Indian people themselves. The ar- Um dos conceitos criticados é o de alcoo-
Oswaldo Cruz. ticle discusses historical transformations in the lismo, sobretudo quando entendido como uma
Rua Teresina 476,
forms of drinking and their correlations with doença crônica, fatal, progressiva e com apre-
Manaus, AM
69057-070, Brasil. the status quo and changes in social standards sentação similar em qualquer contexto social 3,4.
maximiliano@amazonia. of living. The article concludes that current Ao restringir as pesquisas à dimensão do alcoo-
fiocruz.br
forms of alcohol consumption are linked to the lismo-doença, deixa-se de investigar outros as-
behaviors and values emerging on the frontier pectos importantes relacionados ao uso de ál-
of interethnic relations and the resignification cool.
of the traditional culture, currently experiencing Menendez 5 aponta a necessidade de se in-
difficulties in offering parameters for action and vestigar o papel do consumo de álcool em cul-
symbolization of social life by the younger gen- turas específicas. Para isso, o autor propõe o
erations as they deal with challenges from the conceito de alcoolização, que seria “...o conjunto
modern world. de funções e conseqüências positivas e negativas
que cumpre a ingesta de álcool para conjuntos
Alcohol Drinking; South American Indians; Be- sociais estratificados e não apenas, o estudo dos
havior alcoólicos dependentes, nem os excessivos, nem
os moderados, nem os abstêmios, mas sim o pro-
cesso que inclui a todos e que evita considerar o
problema em termos de saúde e/ou enfermidade
mental” 5 (p. 63). Tal conceito gera a necessidade
de contextualizar o uso de álcool, na cultura e na
história, e não apenas o uso problemático. Em
última análise, busca o significado que o beber

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assume para um dado grupo social, em um de- outras substâncias, como o álcool de farmácia,
terminado tempo. desodorante e perfume passaram a ser ingeridos.
Investigando essa temática entre populações Outra situação associada ao contato foi a intro-
indígenas, Langdon 6 (p. 86) acentua a idéia de dução da educação formal pelos missionários.
variabilidade, ao afirmar que “a maneira de beber, A implantação de escolas nos povoados trouxe
como beber e quanto beber nas culturas indígenas importantes mudanças na organização dessas
têm sido definidos pela etnia específica, e o consu- sociedades indígenas, tais como a concentração
mo de bebidas fermentadas é uma manifestação das famílias, antes dispersas, em locais próximos
das atividades constitutivas para o grupo social, às aldeias com escolas. Tal mudança parece se
expressando sensações e valores particulares”. associar ao incremento das situações em que se
O objetivo deste texto é analisar o processo de bebe, visto que amplia a quantidade de trabalhos
alcoolização entre populações indígenas do Alto coletivos e das festas e favorece a mobilidade so-
Rio Negro, noroeste amazônico, demonstrando cial, em contraste com as tradicionais relações
a inter-relação entre o contexto sócio-cultural de hierarquia que ancestralmente regem o ethos
local, a história das relações interétnicas e os rionegrino.
modos de consumo de bebidas alcoólicas. A pes-
quisa se preocupou com o que se bebe, como se
bebe e quando se bebe 6, efetuando uma aborda- Metodologia
gem interessada em apreender as modificações e
ressignificações associadas ao beber, a partir do O recorte etnográfico da pesquisa pauta-se pela
ponto de vista nativo. abordagem interpretativa de Geertz 12,13. Esse
autor propõe a existência de uma íntima inte-
Contexto cultural ração entre cultura e organização social e defi-
ne a cultura como um padrão de significados,
O Alto Rio Negro é habitado por indígenas per- produzidos e transformados historicamente
tencentes aos troncos lingüísticos Tukáno, Aruák pelos homens, emergindo da interação social
e Makú. Embora exista diferença entre eles, com- e variando segundo o contexto em que são en-
partilham “o cultivo da mandioca amarga; o con- gendrados. A noção de cultura como um siste-
sumo de caxiri (bebida alcoólica produzida a par- ma fluido e aberto à reinterpretação, subsidiou
tir de mandioca); as festas de trocas (dabucuris) o desenho de pesquisa, conduzindo à idéia de
e os rituais de iniciação masculina com o uso de que os sentidos atribuídos ao beber só poderiam
flautas sagradas” 7 (p. 5). ser apreendidos através do entendimento das
As atividades rituais habitualmente estão as- condições ancestrais e atuais da vida indígena e
sociadas ao consumo de bebidas alcoólicas. Na de suas mudanças, produzidas por sujeitos que
cosmologia desses grupos a origem do mundo partilham uma teia específica de significados.
está ligada ao consumo de caxiri e de tabaco pe- Subsidiariamente as contribuições de Langdon 6,
los deuses primordiais. A literatura etnológica Menendez 5 e da literatura etnológica sobre o
sobre a região atesta a ampla associação entre Alto Rio Negro 7,8,9,10,11 também moldaram as
o consumo de bebidas alcoólicas, o acesso a es- estratégias de coleta e análise dos dados.
tados alterados de consciência, o contato com o Os dados desta pesquisa fazem parte de um
sagrado e a reprodução destas sociedades 7,8,9. projeto de pesquisa mais amplo, que investiga
A confecção do caxiri é uma atividade femi- as relações entre saúde, cultura e condições de
nina cujo preparo leva de dois a três dias 9. Tra- vida dos grupos indígenas rionegrinos. Os au-
dicionalmente ele é consumido coletivamente tores têm uma história prévia de interação com
nas festas de troca, que permitem o estreitamen- esses grupos, que abrange, no caso da autora,
to de alianças políticas e matrimoniais entre os um período de 17 anos. Os dados de campo que
diferentes grupos e o intercâmbio de gêneros tratam do tema específico da alcoolização foram
alimentícios em um ambiente carente de recur- coletados em três aldeias diferentes, cujos nomes
sos 10. Igualmente a bebida costuma ser consu- são omitidos para se evitar a estigmatização dos
mida durante a realização de trabalhos coletivos, indígenas que lá residem. As aldeias foram sele-
nos quais os laços de solidariedade e obrigações cionadas por apresentarem condições favoráveis
mútuas são reforçados. Em tempos passados as à pesquisa, tais como o bilingüismo (Português e
festas duravam dias e, como atualmente, a festa Tukáno); a co-habitação de vários grupos étnicos
termina quando a bebida se esgota. agrupados em torno das escolas e das igrejas; o
O contato interétnico, iniciado há mais de difícil acesso; a longa distância do centro urba-
três séculos, propiciou a introdução da cachaça, no mais próximo (São Gabriel da Cachoeira) e o
que foi ativamente utilizada pelos colonizadores fácil contato com comerciantes, os fornecedores
como meio de escravização 11. Além da cachaça, privilegiados de bebidas alcoólicas industriali-

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zadas. Além disso, ainda que não existam dados


quer bolacha, faz fila aqui; quem quer bombom,
epidemiológicos prévios sobre a magnitude do
faz fila aqui; agora, quem quer cachaça, faça fila
problema do uso abusivo do álcool no Alto Rio
aqui’. Eu fui fazer fila na de bebida, sabe. Doido
Negro, esses assentamentos são reconhecidos
para experimentar o que era. Ele dava dois pa-
pelos agentes políticos indígenas como locais em
cotes de bolacha, para os outros bombons, e para
que a alcoolização é intensa, freqüente, violenta
nós um pouco de cachaça. Aí ele disse: ‘quem quer
e prejudica o desenvolvimento de atividades ro-
mais, faz fila de novo’. Ele passou lá em cima, de-
tineiras de subsistência.
pois voltou, e já marcou a data que já ia passar
A complexidade do objeto exigiu a associação
por aí de novo. Aí, a gente esperava” (Masculino,
de técnicas de pesquisa 14,15, tais como a obser-
Desáno, 60 anos).
vação participante, a coleta de entrevistas semi-
A narrativa desse informante atesta uma prá-
estruturadas, de entrevistas em profundidade e
tica que se perpetua em tempos mais recentes.
a realização de grupos focais com jovens de 14
A cachaça antes utilizada como meio de subju-
a 18 anos.
gação e aliciamento para o trabalho forçado 11,
passa a ser uma das moedas de troca de trabalho
indígena por produtos manufaturados, hoje im-
Resultados e discussão
prescindíveis à sua subsistência.
Embora a cachaça tenha sua entrada nas áre-
O que se bebe e como se bebe
as indígenas proibida pelo Estatuto do Índio (Lei
nº. 6001, de 19 de dezembro de 1973) 16, isto não
Nos locais pesquisados, o caxiri permanece sen-
impede a circulação clandestina, ainda que por
do a bebida mais consumida. Seu preparo atual
preços exorbitantes. Se na sede do Município de
difere da forma como era ancestralmente produ-
São Gabriel da Cachoeira a garrafa de 600ml po-
zido, pois a indução da fermentação pela saliva
de ser comprada por três Reais, nas aldeias ela
das mulheres foi substituída pelo acréscimo de
adquire valores superiores a vinte Reais, tornan-
açúcar e aquecimento ao fogo. Segundo os infor-
do seu consumo um símbolo de prestígio e um
mantes, essa forma de preparação produz uma
objeto de desejo.
bebida com maior teor alcoólico.
“Hoje é status beber cachaça porque você vai
Tal como ocorre entre outras culturas indíge-
comprar uma bebida de vinte, trinta, quarenta,
nas 6, uma vez preparado, o caxiri é consumido
cinqüenta Reais à noite” (Masculino, Tukáno, 49
até seu término, sendo este o principal mecanis-
anos).
mo regulador da quantidade de bebida ingerida.
A aquisição da bebida pode ser feita em di-
Caso a bebida preparada não seja consumida no
nheiro vivo, ou, em menor escala, trocada por
mesmo dia, será na manhã seguinte, não se pra-
farinha, peixe ou gêneros da floresta. Em conse-
ticando a estocagem da mesma.
qüência, as pessoas que possuem trabalho remu-
A cachaça aparece como a segunda bebida
nerado (professores, agentes de saúde, aposenta-
mais consumida. Outras bebidas contendo álco-
dos e militares indígenas) são os que têm maior
ol são utilizadas, tais como o álcool de farmácia,
acesso, embora seu consumo não se restrinja aos
desodorante e perfume, entretanto, o seu consu-
compradores. Sendo um produto associado ao
mo é visto como inadequado pela população.
prestígio, os que adquirem a bebida são pressio-
A lógica de consumo do caxiri até o seu tér-
nados a partilhá-la com os demais, demonstran-
mino foi transposta para a cachaça, “bebe até
do sua generosidade e inserindo o consumo de
terminar a grade [de cachaça]. E não querem pa-
bebida alcoólica no grande conjunto de relações
rar mesmo não. Sempre vão tomando; continua
de reciprocidades que fundamentam o modo de
tomando mesmo no dia seguinte. Até terminar a
viver indígena.
grade. Aí, só quando terminam as grades, eles co-
meçam a parar” (Masculino, Tukáno, 35 anos).
Início do consumo de bebidas alcoólicas
Ao se discutir o uso da cachaça, era comum
ouvir os entrevistados dizerem que desde o início
O estudo da idade de início do uso de caxiri de-
da colonização a bebida foi trazida pelos bran-
ve ser correlacionado ao tipo de caxiri: fraco ou
cos que navegam pelos rios da região. Ilustrativo
forte. O primeiro com baixa fermentação e fraco
desse fato é o relato de como, pela primeira vez,
teor alcoólico, não é considerado uma bebida,
um indígena fez uso dessa bebida em uma das
mas um alimento consumido a partir da primei-
aldeias investigadas, na década de 1960.
ra infância (três ou quatro anos). Tal prática não
“Falaram que o comerciante ia passar aquele
é exclusiva dos índios rionegrinos, sendo com-
barco grande, para cima da cachoeira. Ele convi-
partilhada pelos Kaxináwa, Yamináwa, Kulína e
dou todo o pessoal para ajudar. Então chegamos
Kaingáng 16. O caxiri forte, considerado bebida,
lá no fim da cachoeira, então ele disse: ‘olha, quem
teve o seu consumo inicial descrito pelos infor-

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mantes homens, com mais de 40 anos, por volta centros missionários, ali ficando aos cuidados de
dos 12 a 15 anos. O uso nessa faixa etária estava parentes. Muito cedo os jovens ficam expostos à
ligado ao ritual de iniciação masculina, atual- violência e à sedução do contato interétnico e,
mente em desuso 8. As rememorações dos infor- em conseqüência, a influência das famílias sobre
mantes indicam que a idade de início de uso vem seu comportamento moral fica reduzida às epi-
caindo sensivelmente nos últimos anos. sódicas visitas dos pais ou ao período de férias,
Entre as mulheres com mais de 40 anos, o quando os jovens retornam para casa. Durante a
início do consumo se dava, em geral, após os 20 pesquisa foi possível registrar relatos sobre a em-
anos, posteriormente ao casamento. Tal compor- briaguez de garotas menores de 15 anos, aliciadas
tamento não foi observado entre as informantes por comerciantes não-indígenas, que após usa-
jovens, que relatam início de uso mais precoce, rem-nas sexualmente as deixaram desacordadas
assemelhando-se ao padrão masculino atual. e abandonadas ao relento. Situações como essa
O início do consumo da cachaça, entre aque- são mais freqüentes no caso de estudantes cujas
les com mais de 40 anos, independentemente do famílias moram em locais distantes da escola.
sexo, ocorria após os vinte anos, ou seja, vários Visando a evitar esses problemas, muitas fa-
anos depois do uso de caxiri. Nos tempos atuais mílias, ou parte delas, deixam suas aldeias para
os mais jovens (menos de 20 anos), de ambos os viver no centro missionário na época das aulas.
sexos, relatam ter iniciado o uso de cachaça con- Essa situação traz consigo novas conseqüências
comitantemente ao de caxiri, ou apenas pouco negativas, tais como a dificuldade em manter a
tempo depois. roça e a pesca para alimentação da família; geram
A precocidade no início do consumo de be- ainda, a ruptura das relações de cooperação com
bidas alcoólicas é atribuída pelos informantes os co-residentes de seu assentamento de origem,
da pesquisa ao incremento da movimentação de e interações conflitivas entre os habitantes origi-
comerciantes não-indígenas nas últimas déca- nais da localidade e os visitantes semipermanen-
das, mas a pesquisa mostrou que isto é apenas tes, cuja presença provoca disputas por prestígio
uma parte do problema, já que os “brancos” não e bens de subsistência.
são mais os únicos fornecedores de bebida. O Em resumo, os dados mostram que o uso pre-
aumento da navegação dos próprios indígenas coce de cachaça pelos jovens está associado, por
e uma crescente relação com o meio urbano, am- um lado, a um aumento da oferta e circulação da
pliaram a possibilidade de compra em São Ga- bebida nas aldeias, e por outro, à dinâmica das
briel da Cachoeira. Diversos motivos propiciam a relações internas do grupo. O conjunto dessas
ida para a cidade, tais como receber aposentado- interações promoveu uma mudança das formas
ria ou salário, comprar mantimentos e visitar pa- tradicionais de assentamento e de socialização
rentes ou filhos que lá estudam, potencializando dos jovens, o desgaste da autoridade moral dos
um acesso cotidiano à bebida. velhos e uma impotência das famílias em con-
Outra importante mudança no modo de trolar o uso precoce e abusivo de bebidas alcoó-
vida está ligada à implantação dos internatos licas industrializadas. Essa interpretação foi cor-
salesianos, entre as décadas de 1950 a 1970, que roborada pelos jovens participantes dos grupos
empreenderam um deliberado esvaziamento focais realizados na pesquisa, que atribuem sua
da autoridade dos mais velhos sobre os mais não adesão aos conselhos dos pais, que solici-
novos 17, seja pela redução do contato intergera- tam moderação no uso de bebidas, a uma fraca
cional, seja pela coibição dos ritos de passagem, autoridade moral de adultos que fazem um uso
que representavam uma importante via de in- igualmente abusivo de álcool.
ternalização dos valores éticos do grupo pelos Além disso, os participantes estabelecem uma
iniciandos. São eventos que fragilizaram impor- valoração privilegiada aos “conselhos de antiga-
tantes formas de reprodução do acervo cultural, mente”, que eram oferecidos de forma ritualísti-
aí se incluindo estratégias de controle de uma ca, com apoio da fumaça de cigarro, permitindo
geração sobre a outra. A substituição dessas for- que a orientação “entrasse na cabeça e não saísse”.
mas de socialização pelas escolas, pouco, ou na- Atualmente essa estratégia teria perdido a eficá-
da, veio contribuir para a preservação de uma cia, pois sem o rito propiciatório, “a cabeça fica
ordem social fundada, em grande medida, na fechada e os conselhos não entram”. Em outras
hierarquia das classes de idade. palavras, uma vez abolidos os ritos pubertários,
Embora as escolas das três aldeias não fun- aparentemente não se produziram outras estra-
cionem em regime de internato desde o final da tégias similarmente eficientes para viabilizar o
década de 80 17, os estudantes indígenas per- controle do uso de álcool.
manecem distantes de suas famílias, já que os Concomitantemente ao desgaste da auto-
pais continuam residindo na sua localidade de ridade dos mais velhos, observa-se ainda uma
origem e os filhos se deslocam para estudar nos reorganização dos critérios definidores de pres-

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tígio, antes associados às hierarquias clânicas e res. Em cada uma dessas ocasiões o uso de be-
de geração. Os dados obtidos junto aos jovens bida é considerado um comportamento lícito e
mostraram que uma de suas principais aspira- aceitável. Além dos momentos supracitados, os
ções é “ter uma vida diferente da dos pais”, sig- informantes referem a existência de outras situ-
nificando, dentre outras coisas, o desejo de se ações festivas, recentemente introduzidas, tais
afastar da produção agrícola e de se tornarem como os casamentos, batizados e aniversários.
trabalhadores assalariados. A baixa escolaridade, A outra situação de consumo grupal de be-
o pouco domínio do português e a inacessibi- bidas alcoólicas se dá na realização de trabalhos
lidade ao trabalho assalariado, tornam os mais coletivos. Estes podem ser divididos em duas
velhos um exemplo a não ser seguido. O acesso categorias principais: os ajuris (realizados por
à educação formal e ao dinheiro passou a repre- todos, mas no interesse de uma família em par-
sentar importantes objetivos a serem persegui- ticular) e os chamados trabalhos comunitários
dos, atribuindo-se uma importância menor às (realizados pelo grupo, no interesse da coletivi-
fontes tradicionais de prestígio. dade). Tal divisão é relevante nesta análise visto
As tensões ligadas às disputas por formas que são contextos de uso de bebidas, nos quais os
novas e velhas de prestígio se expressaram com mecanismos envolvidos no recrutamento para o
clareza em situações de embriaguez que se asso- trabalho são diferenciados, embora tendo ambos
ciaram à violência física. Em uma das situações implicações na forma de consumo de bebidas
observadas, o conflito instalou-se entre perso- alcoólicas.
nagens que, pertencentes a clãs desprestigiados, A chave do entendimento da primeira mo-
mas detentores de empregos assalariados e de dalidade de trabalho coletivo remete às antigas
boa escolaridade eram hostilizados por outros malocas, cuja coabitação preferencial se dava
indígenas que ocupavam lugares mais presti- entre consangüíneos, que compartilhavam for-
giosos na hierarquia ritual tradicional, mas não tes sentimentos de pertença a um grupo de con-
desfrutavam de um bom acesso às benesses do sangüinidade, associados entre si por laços de
mundo não-indígena. Da mesma forma, jovens solidariedade e reciprocidade 8,9,10,11. Embora
indígenas engajados nas forças armadas, que as malocas também comportassem comensais
disputam com vantagem sobre os outros homens não-parentes, esta presença era regulada por
os favores sexuais das mulheres disponíveis nas acordos e obrigações mútuas entre os morado-
aldeias, tornaram-se objeto de hostilidade dos res, incluindo-se o auxílio na realização de tra-
habitantes da localidade. Pelo menos um caso balhos cotidianos. Após a extinção da maloca,
de séria agressão física pôde ser registrado, num a oferta de comida e bebida persistiu entre os
evento em que um militar indígena foi espan- residentes de uma mesma aldeia, ou vizinhos
cado por jovens consangüíneos, sob as vistas e próximos, operando como uma retribuição do
estímulo dos mais velhos. grupo beneficiado aos demais participantes do
trabalho 11. Um velho resumiu este mecanismo
Quando se bebe da seguinte forma: “Eu preparo o caxiri aqui, aí
eu convido meus filhos, meu tio, meu sobrinho,
Os momentos mais comuns de uso de bebidas meu neto, meu cunhado, esses são assim [paren-
alcoólicas são as situações de consumo cole- te] para mim. Porque o campo é grande. Aí eu
tivo, tal como ocorre nas festas e na realização não posso roçar sozinho” (Masculino, Tukáno, 73
de trabalhos comunais; esses são os momentos anos).
reconhecidos como culturalmente adequados, Porém, nos povoados que se formaram em
segundo a visão nativa. Em tempos anteriores torno das missões ocorreu uma mudança no pa-
essas situações se restringiam aos contextos ritu- drão de assentamento – e em conseqüência, nas
ais específicos e espaçados, porém, as mudanças obrigações mútuas – incentivando-se a co-resi-
trazidas pelo contato interétnico introduziram, dência de não-parentes; nos dias de hoje não é
além dos dabucuri, outras situações festivas no incomum que rivais e desafetos passem a habitar
calendário indígena. na mesma localidade. Na organização atual do
A pesquisa identificou 22 datas comemorati- ajuri, a oferta de bebidas substitui, em parte, a
vas distribuídas ao longo do ano. Destas, 11 es- motivação decorrente dos antigos laços de soli-
tão associadas à Igreja Católica, como as festas dariedade entre parentes, como se pode apreen-
de santo. Todas as comunidades possuem seu der do discurso do supracitado informante.
santo padroeiro; se uma comunidade grande é “Porque antigamente, às vezes trabalhava pa-
subdividida em vilas, cada vila terá seu próprio ra o parente, só por farinhazinha, comida. Era pa-
padroeiro multiplicando-se as festas. Outras cin- rente (...) Agora não. (...) Quando não tem caxiri,
co festas estão associadas às datas do calendário quase não vai não. Vão três, cinco. Agora quan-
cívico nacional e duas a comemorações escola- do tem, pronto! Todo mundo quer tomar; aí vai

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embora, rapazes, velho, moças, mulher às vezes” “Eu estou vendo assim, aqui na aldeia tem ca-
(Masculino, Tukáno, 73 anos). pitão que costuma, no dia de comunidade, fazer
Assim, a bebida vem se tornando a princi- roça grande. Ele costuma mandar preparar caxiri.
pal forma de retribuição pelo trabalho comunal, Todo mundo junto: pronto, vamos plantar. O chefe
inflada artificialmente pelos novos padrões de é que está estragando, prepara todo tempo caxiri.
assentamento que divergem da clássica patrilo- Porque antigamente não era assim” (Masculino,
calidade rionegrina. Tukáno, 73 anos).
Por outro lado, houve um incremento das O informante se referia a um trabalho coleti-
situações em que se promove ajuri, estando tal vo, que tinha por objetivo a preparação de uma
fato associado à existência de indígenas cuja ati- grande roça comunitária destinada às pessoas
vidade principal é remunerada (professores, por que não residiam na aldeia, mas que lá permane-
exemplo). Por indisponibilidade de tempo para ceriam parte do ano para acompanhar os filhos
o trabalho na roça, esses assalariados tendem na escola. Tal trabalho difere do que costuma
a promover os ajuris com freqüência. Soma-se ser chamado de ajuri, pois não era um trabalho
a isso, o alto prestígio auferido pelos donos de coletivo promovido por uma família específica,
grandes roças, gerando a paradoxal situação em com a colaboração dos demais. Também não era
que os assalariados, com status mais alto e com um trabalho comunitário, visto que não seriam
menos tempo para o trabalho agrícola, são os que beneficiados todos os membros da comunidade.
tendem a ter uma maior quantidade de roças. É Tal roça coletiva é uma inovação trazida pela es-
uma situação que demanda um alto investimen- colarização massiva, congregando o esforço de
to na promoção de ajuris e, conseqüentemente, pessoas com frouxos laços entre si. Conforme se
uma maior distribuição de bebida alcoólica. previu, sua realização só foi viabilizada por meio
Já os trabalhos comunitários podem ser re- de grande oferta e consumo de caxiri.
alizados com vários propósitos. Outrora a cons- Como já assinalado, o consumo de álcool não
trução de uma maloca ou manutenção das ar- se dá exclusivamente nas situações de festas e de
madilhas de pesca demandava uma negociação trabalhos coletivos. Em uma das aldeias, o uso de
delicada envolvendo o líder da aldeia e os demais álcool fora do contexto coletivo é incrementado
indígenas, visto que as chefias locais não tinham pela atividade constante de barcos de comércio.
(como ainda hoje não têm) poder de mando so- Durante a pesquisa observamos o recrutamento
bre os demais membros do grupo 9,10. O tuxaua de jovens para realizar o carregamento e trans-
exercia a chefia em bases de prestígio, fundado porte de mercadorias para transpor a grande ca-
na sua posição na hierarquia ritual, no acesso choeira que existe no local. Esse recrutamento,
privilegiado aos recursos pesqueiros e na gene- realizado por comerciante não-indígena, foi feito
rosa distribuição dos bens por ele auferidos 10. de modo individualizado, sem a menor interfe-
Esse sistema de chefatura foi alterado sob a rência do capitão da comunidade. A cachaça foi o
ação salesiana que fragmentou as atribuições estímulo para o recrutamento e a forma de paga-
dos chefes, e manipulou a escolha de lideran- mento do trabalho. O consumo subseqüente foi
ças segundo critérios que favorecessem o poder meramente recreativo, microgrupal, restrito aos
missionário 10,11. As novas chefias não detêm as jovens trabalhadores, e não no ambiente coletivo
prerrogativas do antigo líder, entretanto conti- ligado aos rituais de reprodução da sociedade.
nuam a precisar do trabalho coletivo dos demais, Em circunstâncias como essa se observa mais
para manter certas atividades necessárias à so- comumente o uso de substâncias consideradas
brevivência de todos. Também é fato que hou- como impróprias para o consumo, como álcool
ve um incremento das situações que exigem a de farmácia, desodorante ou perfume.
realização desses trabalhos. Na atualidade, os Em situação similar, noutra localidade inves-
trabalhos comunitários são rotineiramente pro- tigada, uma sala da escola foi arrombada e uma
movidos para executar políticas públicas que não garrafa de álcool foi roubada. De acordo com
se interiorizam nas aldeias, tais como a reforma uma informante, “(...) ao terminar a festa, às ve-
da escola, a limpeza da comunidade, a instalação zes, os jovens procuram até acharem álcool por aí
de rede elétrica e outros. e fazem batida” (Feminino, Desáno, 22 anos).
Nesse contexto de frágil legitimidade política, O antigo hábito de beber, até que se acabe o
a oferta de bebida alcoólica pela liderança surge estoque de bebida, permanece. Antigamente es-
como um elemento fundamental para a adesão se costume operava como regulador do consumo
do grupo aos trabalhos comunitários. A associa- abusivo, pois limitava a bebedeira à quantidade
ção entre trabalho comunitário e consumo de de bebida disponível, obrigando a uma pausa
bebida é criticada por aqueles que discordam no consumo até um novo momento ritual. Tal
que a liderança lance mão da bebida para mobi- forma de controle está sendo inviabilizada pela
lizar a comunidade para o trabalho. presença constante de substâncias alcoólicas,

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no dia-a-dia das comunidades. Assim, o término As alterações no consumo de álcool foram


do caxiri não demarca mais o encerramento do marcadas pelas mudanças na forma de preparo
consumo, mas ao contrário, pode desencadear da bebida, pelo incremento das situações consi-
uma frenética procura por álcool, de qualquer deradas adequadas para beber e, principalmen-
espécie, para dar continuidade a um consumo, te, pelas mudanças no contexto histórico. Frente
agora microgrupal. a estas, o grupo lançou mão de regras de conduta
previamente existentes, redimensionando-as e
ressignificando-as para fazer frente às novas re-
Considerações finais alidades que se lhes apresentavam. Se por um
lado, o grupo incorporou as mudanças de con-
O cenário encontrado pode ser descrito como texto adotando novas atitudes, até o momento
um fruto de permanências e mudanças simbó- atual parecem não ter forjado meios eficientes
licas e materiais dessas sociedades, geradas ao de regulação do uso de álcool no mundo con-
longo de três séculos de contato com a socie- temporâneo. A principal estratégia de limitação
dade nacional. Os símbolos e significados que do consumo permanece sendo a não disponi-
expressam o processo de alcoolização descrito bilidade da bebida; porém, o uso desse controle
indicam que, nos locais estudados, os recursos externo para limitar o embebedamento se mos-
tradicionais de ordenação da vida indígena pa- tra incapaz de produzir resultados eficientes, da-
recem estar em xeque, enfrentando dificuldade dos o incremento da movimentação indígena e o
em exprimir a experiência social atual e oferecer acesso a um número progressivamente maior de
parâmetros de ação para as gerações mais jovens, transportes eficientes e velozes.
que demandam novas formas de orientação de Tornado um símbolo de status, que confere
comportamentos e de valores frente ao mundo distinção àquele que a adquire e a redistribui, o
contemporâneo. uso da cachaça se integrou aos mecanismos tra-
Os quase sessenta anos de abolição dos ritos dicionais de generosidade e reciprocidade que
de passagem parecem cobrar seu preço, propi- regem a circulação dos bens, sendo limitado
ciando a contestação da estrutura hierárquica apenas pela indisponibilidade de recursos pa-
tradicional que regulava minuciosamente as ra adquiri-la. É algo que torna os assalariados,
interações entre os diferentes nichos sociais e independente de sua posição na hierarquia tra-
minimizava conflitos e violência entre gerações. dicional, um alvo preferencial de críticas a um
Mudanças trazidas pela escolarização e assala- comportamento mesquinho – particularmente
riamento, pelo domínio da língua portuguesa nos momentos de embriaguez coletiva, quando
e da etiqueta política que hoje rege o exercício as acusações podem redundar em violência física
da etnicidade, geraram um tipo de protagonis- – e tende a incrementar a distribuição da bebida.
mo político indígena que é exercido através de Outro elemento de mudança cultural que
competências técnicas, políticas e econômicas, amalgama comportamento tradicional e influên-
distintas dos laços de parentesco, que outrora cia do contato interétnico é a alcoolização do tra-
regiam o sistema de prestígio frátrico e os com- balho, ampliada pelo incremento das situações
portamentos chancelados pelo grupo. A busca que exigem a mobilização coletiva para urbani-
de modos urbanos de vida e o afastamento de- zar aldeias cada vez maiores; tal tarefa fica ainda
liberado dos comportamentos e da moral tra- mais dificultada pela progressiva fragmentação
dicional parecem contribuir para uma carência da autoridade das chefias locais. Nesse cenário, a
de parâmetros de orientação do comportamen- oferta sistemática de bebida passou a operar co-
to das novas gerações frente ao consumo de mo estratégia de recrutamento de mão-de-obra,
álcool. não para atender aos patrões brancos, mas para
As informações geradas pela investigação não reproduzir o modo atual de vida indígena.
podem ser extrapoladas para o conjunto de so- Em conjunto essas reflexões corroboram a
ciedades rionegrinas, mas para os locais pesqui- idéia da dinâmica da cultura, onde a dicotomia
sados consideramos que a alcoolização abusiva entre tradição e mudança não se sustenta. Assim,
expressa um mal-estar ligado a uma indefinição o processo de alcoolização deve ser aqui conce-
sobre o modo adequado de conduzir a socializa- bido como resultado da coexistência de normas
ção das novas gerações. Os dados também suge- sociais e padrões de ação antigos e contemporâ-
rem a existência de um processo, ainda pouco neos; ela modula a configuração dos contextos
delineado, de construção de novas formas de so- de uso do álcool e permite, de formas diversas, e
cialização. Em seu processo de consolidação elas freqüentemente conflitivas, atribuir sentido aos
deixam o caminho aberto para a ambigüidade e desafios que se apresentam na existência desses
a violência, antes obscurecidas pela ritualização povos, empenhados em constante reelaboração
da hierarquia. de seu viver cotidiano.

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PROCESSO DE ALCOOLIZAÇÃO ENTRE POPULAÇÕES INDÍGENAS 1647

Sem ter a pretensão de extrapolar os achados inalienável de ir e vir em suas próprias terras, adi-
rionegrinos para o complexo panorama das di- cionando mais um componente de tensão nas
versas sociedades indígenas que vivem no Brasil, relações entre os indígenas e o órgão indigenista,
consideramos que a situação ali encontrada per- reduzindo quaisquer chances de sucesso.
mite refletir sobre os graves problemas hoje en- No intrincado leque de interações que envol-
frentados pelas sociedades indígenas no tocante vem o uso do álcool, podemos nos perguntar o
a essa questão. Nos locais investigados os dados que os indígenas pensam sobre o assunto, e que
mostraram que as antigas formas de regulação medidas proporiam para buscar soluções para o
dos conflitos sociais não se mostram capazes de problema em seus próprios territórios. No caso
enfrentar as novas faces assumidas pelo consu- rionegrino o desconforto indígena é evidente e
mo do álcool. suas lideranças vêm discutindo o tema. Dentre as
Por outro lado, as únicas soluções até agora medidas já encaminhadas, situamos a pesquisa
aventadas, apontam para o incremento da fis- que produziu o presente artigo, que foi, original-
calização das embarcações pela Fundação Na- mente, concebida para atender a uma demanda
cional do Índio (FUNAI). Em vigor há muitas dé- das associações indígenas locais, desejosas de
cadas, essas medidas repressivas não lograram entender a nuance do problema. Os produtos da
qualquer eficácia para o controle do tráfico de pesquisa foram discutidos em assembléias indí-
bebidas alcoólicas; o problema se exacerba nos genas, tendo as lideranças percebido que, lon-
dias de hoje, em que há indígenas que desen- ge de ser um problema médico, o consumo de
volvem atividades comerciais, entre as quais se álcool está a exigir uma reestruturação de suas
inclui a venda de bebidas alcoólicas. Nesse caso, próprias relações familiares, e um debruçar-se
as medidas de fiscalização – concebidas sob o sobre os rumos que desejam imprimir no futuro
pressuposto de que a movimentação de álcool de suas gerações mais jovens. Ainda assim, no
nas terras indígenas seria produto exclusivo da Alto Rio Negro, o debate permanece aberto, sem
ação dos não-indígenas – teriam de incidir sobre que se tenha, ainda, logrado um curso consen-
as embarcações indígenas, ferindo seu direito sual de ação.

Resumo Colaboradores

O texto analisa o processo de alcoolização em popu- M. L. P. Souza participou das etapas de revisão da lite-
lações indígenas do Alto Rio Negro, Amazonas, Brasil. ratura, coleta de dados, análise de resultados, redação
Baseando-se num enfoque compreensivo sobre o que do texto. L. Garnelo participou de todas as etapas, com
se bebe, como se bebe e quando se bebe, a etnografia exceção da coleta de dados.
privilegia o estudo do contexto sócio-cultural e históri-
co no qual se dá o consumo de álcool e a interpretação
nativa sobre a questão; discute as transformações his-
tóricas nas formas de beber e suas correlações com as
permanências e mudanças da vida social. Conclui que
as formas atuais de consumo de álcool estão ligadas à
adoção de comportamentos e valores engendrados na
fronteira das relações interétnicas e às ressignificações
da cultura tradicional que hoje enfrenta dificuldade
para oferecer parâmetros para a ação e para a simbo-
lização da vida social pelas gerações mais jovens, fren-
te aos desafios do mundo contemporâneo.

Consumo de Bebidas Alcoólicas; Índios Sul-American-


so; Comportamento

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(7):1640-1648, jul, 2007


1648 Souza MLP, Garnelo L

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Recebido em 09/Mar/2006
Versão final reapresentada em 29/Jan/2007
Aprovado em 06/Fev/2007

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(7):1640-1648, jul, 2007

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