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Martin Heidegger e Alberto Lins Caldas: As verossimilitudes e

descompassos

Fabrício De Lima Feliciano1


Christian Otto Muniz Nienov2

Resumo
O presente artigo tem como principal objetivo mostrar a proximidade existente entre o
pensamento de Martin Heidegger e o poeta Alberto Lins Caldas. Com efeito, mostrando de
forma sucinta a apropinquação vigente entre o acenar na concepção heideggeriana e uma nova
perspectiva da história na obra de Caldas.
Palavras-chave: Onírico, característica, trivial, importância, reitera.

Abstract

The present article has as main objective to show the proximity between the thought of Martin
Heidegger and the poet Alberto Lins Caldas. In fact, showing succinctly the current
appropriation between the waving of the Heideggerian conception and a new perspective of
history in the work of Caldas.

O homem é aquilo que fala, sendo uma característica trivial em sua vida.
Reconhecemos ao decorrer do tempo que a partir do surgimento da história, começou
quando o homem proferiu (falar). Em Martin Heidegger, esse caractere denominado
fala é de fundamental importância. No livro A Caminho da Linguagem, Heidegger
reitera:
“O homem fala. Falamos acordados e em sonho’’. (A Caminho da Linguagem,
pág.3)
Na experiência de vigília cotidianamente falamos. Mas a fala em Heidegger
não tem apenas um efeito de comunicação. Porém tem um aspecto de acenar, de

1
Discente do curso de filosofia pela Universidade Federal de Rondônia.
2
Obteve a graduação de História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, mestrado pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e doutorado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul. Hodiernamente é docente na Universidade Federal de Rondônia.
trazer elementos subjetivos, da percepção, da parte mais recôndita existente no ser
humano: o espírito. A poesia vem aí para trazer uma nova percepção, um novo olhar
sobre o que há de mais prosaico na linguagem: a polissemia. A poesia e sua força
consistem em trazer uma nova significação para uma linguagem já existente.
No caso da fala, falamos quando estamos em estado onírico. Às imagens de
um sonho são proferidas, são ditas utilizando-se uma linguagem. Quando estamos
pensando igualmente proferimos e lendo outrossim. Falar é uma necessidade humana
e está intrinsecamente ligada a linguagem.
Ora, de acordo com Heidegger o que difere um homem de uma pedra, é que
o homem é detentor duma linguagem. Porém é importante não olvidarmos que o
pensamento de Heidegger está circunscrito e no epicentro duma tradição filosófica.
Esta tradição filosófica é oriunda da filosofia Grega, da escolástica e do pensamento
bíblico. Por exemplo, peço vênia para mostrar um brocardo da bíblia:
No princípio era o verbo, e o verbo estava com Deus e o verbo era Deus. João
I:I
Essa presença da fala começa com a criação do mundo. Sabemos que para
Heidegger a progênie do mundo advém da palavra. De acordo com Heidegger na obra
Ensaios e Conferências; o caminho do pensamento existe em contiguidade com a
linguagem. Essa vizinhança da linguagem e o pensamento, podemos considerar como
de muita relevância para compreender o delineamento do pensamento heideggeriano.
Ora, sabemos que a linguagem é aquilo de mais essencial para compreender
Heidegger. No introito da obra, Heidegger profere que o autor no caminho do
pensamento tem o propósito de acenar. Entendemos que acenar vai muito além de
comunicar. Não à toa Heidegger estabelece um diálogo com os poetas e também com
os pensadores originários. Contudo, não deixa de manter este diálogo com a tradição
filosófica oriunda dos Gregos, do pensamento medievo e consequentemente da
teologia cristã. Mas içamos a seguinte indagação: O que podemos entender como
acenar para Martin Heidegger? Resposta: Acenar para Heidegger tem como escopo
apontar um caminho para o pensamento. Com isso, não quer dizer ter uma palavra
final que encerra o assunto. Todavia, abrir um caminho a discussão filosófica que
mostre aquilo que existe, mas que não foi pensado.
Como efeito, é necessário lembrar que Heidegger utiliza a palavra “singrem”,
que podemos ora entendermos como navegação, ora entendermos como percorrer.
O caminho do pensamento na visão Heideggeriana de certa forma, afana uma
trajetória daquilo que ainda não foi pensado. Embora aquilo que não foi pensado,
certamente pode ser trivial e simples, mas que ainda não houve uma meditação sobre
tal assunto e por conseguinte pode ser algo inédito.
Conquanto aquilo que é corriqueiro pode ser um objeto da filosofia, como por
exemplo à “técnica’’ ou a ‘’linguagem”. Heidegger estabelece uma distinção entre o
pensador e o sábio; sendo que, aquele que pensa não propriamente pode ser sofóç.
A Sofía é uma estrada que em consonância com o pensamento de Heidegger,
possui uma liberação; sendo esta liberação que abre caminho para aqueles que
pensam, podendo singrar pelo itinerário, abrindo para diversas perspectivas. A
linguagem podendo ser semelhante a um caleidoscópio que, não obstante ter várias
cores, essas várias tonalidades em miscelânea podem trazer a visão de muitas
figuras. Isso é chamado de polissemia; ou seja, a multiplicidade de significados que a
linguagem pode mostrar.
Heidegger redargui:

“Pensamos a linguagem desde a linguagem,


tomando como o aceno orientador a estranha frase: linguagem é
linguagem.” (Heidegger, A caminho da linguagem)

Quando pensamos sobre a linguagem, surgem várias indagações como por


exemplo: Não será a verdade a adequação do pensamento a coisa? Ou será que a
linguagem é uma convenção humana? Será que essa convenção é eterna ou
peremptória? A linguagem expressa a verdade ou a mentira? Existe uma essência
da linguagem? E outras indagações. Ora, sabemos que de acordo com Heidegger
a linguagem adquire uma característica de acenar. Esse aceno profere: A
linguagem é linguagem. Heidegger diz que essa tautologia simples vai muito além
de quaisquer logros. A linguagem é linguagem, exprime aquilo de mais essencial
na filosofia: o princípio da identidade. Ora, esse princípio é inerente à aquilo de
mais básico na lógica, e consequentemente na filosofia. Aquilo que é, de alguma
forma é. Aquilo que não é, de alguma forma não é. Ora, algo que é, tem que ser
para alguma coisa. Por exemplo a sentença: Árvore é árvore. Reside aquilo de
mais simples que o pensamento pode exprimir e subsequentemente exprime
através de signos aquilo que mora na realidade.
Heidegger levanta uma questão que é primordial na filosofia, girando no
epicentro do pensamento de Parmênides a Heráclito, indo de encontro ao
pensamento Platônico na obra Crátilo, ao pitagorismo e o neoplatonismo
( expoente máximo em Plotino). Questionando: Não seria a linguagem a coisa ou
uma representação da coisa?
Ora, entendemos que para Heidegger a linguagem tem uma conotação
poética. Em nenhures encontramos em Heidegger que a linguagem adquire apenas
uma adjacência do significante e significado. O signo que representa( o
significante)não tem a função de dizer ( prolatar) apenas, todavia de singrar com
o poético e adquirir uma multiplicidade de significados(polissemia),
multiplicidade de vozes(polifonia) e outrossim nenhuma significação. Doravante,
iremos tratar essa questão da linguagem acenar, mas de não possuir um
significado. O que tem como escopo precípuo desse artigo, é explanarmos a
importância do poético em Heidegger.
Martin Heidegger iça uma indagação: O que consiste a fala? Sabemos que
através da fala nos comunicamos. Mas que também omitimos e mentimos.
Sabemos pela observação do cotidiano que utilizamos a linguagem nas mais
variadas formas. Sendo que em cada ambiente, possui seu campo de linguagem.
A fala aparece aí como intrinsecamente ligada a linguagem.

Considera-se, primeiro e sobretudo, que fala é expressão. A representação


da linguagem como expressão é a mais habitual. (A caminho da Linguagem, pág.5)

Mas será que a linguagem apenas se resume em expressão? Será que


podemos utilizar a linguagem apenas como a morada do ser? Podemos considerar
que a linguagem seria unicamente o aspecto da representação das coisas. É o que
Heidegger considera como um conhecimento do senso comum. Até chegar em sua
concepção que vai no âmago da densidade filosófica.
Podemos considerar que o exercício da tradição filosófica está
amalgamado com a questão da linguagem. Sabemos que pela história da filosofia,
o início da tradição literária começou-se com a poesia. Mas temos uma ideia muita
arcaica do que seja poesia. A maioria das pessoas pensam que o poético está em
escrever versos com rimas, que está apenas numa linguagem que tem como
característica apenas a polissemia. Ou que está na perspectiva de aquilo que um
poeta atual nomeia de euzismo. O poeta Caldas iteira:

“*. poema não é poesia ou verso, não é música, harmonia ou melodia, – não é canção,
não é ritmo, cadência ou compasso, – não é tradição, não é costume, – não é língua nem
linguagem” ( Alberto Lins Caldas, pág.1, O poema)

O poema surge em contraposição com a poesia. E consequentemente


diametralmente oposto a aquilo que a tradição considera como poema. É importante
salientarmos que a literatura na perspectiva Caldasiana busca o contrário do
pensamento Heideggeriano. Ora, ainda assim podemos perceber dessemelhanças e
verossimilitudes. No caso do poema não ser verso, isso vai contra a hegemonia do
pensamento poético no que concerne uma ordem da escrita. A escritura no modo de
ver do Alberto Lins Caldas – escritura que é libertina – vem para trans-gredir, sendo
que “trans” podemos conceber como aquilo que ultrapassa, aquilo que de certa
maneira vai além, que trans-põe e “gredir’’ aquilo que rompe, palavra que é oriunda
do latim, conhecida como “gredire”; sendo aquilo que desagrega e desrespeita a

ordem social. Um transgressor na perspectiva albertiana é aquele libertino que


abre espaço para um novo olhar, um novo corpo, uma nova forma de linguagem.
Nem a linguagem que é um saudosismo do passado(arcaísmo), nem uma profecia
para o futuro. Mas aquilo que se atém ao presente, aquilo que se mostra no instante
vivido, aquilo que pre-sente, que primeiramente antecede a razão e que “senti’’ o
imediato vivido. Isso é poema na percepção albertiana.
Esse “sentire” antecede a razão, antepõe a lógica, transgredi a gramática,
vai direto no coração das trevas, no âmago da obumbração e singra naquilo que
não foi dito. Mas que é conhecido, que encontramos de forma amiúde, sendo de
aspecto corriqueiro. O pensamento albertiano e heideggeriano expõem
perspectivas dessemelhantes; mas é possível estabelecermos pontos de
adjacências?
Neste presente artigo buscamos de forma afanosa encontrarmos elos que
coligem os dois escritores. Indo mais adiante, encontramos no pensamento
albertiano que o poema não é música e harmonia. Ora, afirmar que o poema não
é harmonia, implica outrossim em reiterar que a arte não é harmonia. Isso remete
contra a tradição da arte que encontra a beleza na harmonia. Mas para Heidegger
a linguagem possui a característica de acenar, de indicar um caminho; embora não
tem a função de dizer completamente o que realmente é algo. O aspecto de não
dizer algo, podemos dizer que pode ser um ponto de contiguidade com a
perspectiva albertiana. No entanto, ainda assim tem uma pequena obliquidade que
desvia o pensamento de ambos. O pensamento albertiano não considera o poema
como aquilo que diz, que tem algo a comunicar; nesse aspecto encontramos uma
contiguidade com Heidegger. Entretanto diferentemente de Heidegger que diz que
a linguagem é mister que acene, o pensamento albertiano vai de contramão nesse
sentido. No pensamento de Alberto Lins Caldas o poema não tem a função de
acenar, mas como des-dizer, não dicere, não comunicar, não exprimir, não
significar, não fazer nenhuma alusão; mas através do alegórico, do mítico, do
simbólico expor as brechas do mundo.
O que seria as brechas do mundo?
No quotidiano a maioria das pessoas estão envolvidas em seus afazeres,
que acabam acreditando que a realidade na qual elas vivem possui solidez. Mas a
realidade será que possui solidez? Eis uma questão a ser tratada. O homem normal
será páreo de perceber aquilo que está por detrás da cortina ilusória do mundo?
Respondemos que não, isso somente pode ser perceptível pelos loucos. O louco é
aquele que percebe as brechas do mundo, as fissuras, as fendas no coração das
trevas. O louco é páreo de dizer o não dito e ao dizer o não dito, o louco acena.
Nessa perspectiva podemos perceber que entre Heidegger e Caldas há uma
adjacência. As brechas são as engrenagens que movimentam a solidez do mundo.
Sem essas engrenagens em movimento não perceberíamos concretude nas coisas.

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