Você está na página 1de 2

institutogamaliel.

com
http://www.institutogamaliel.com/portaldateologia/a-santidade-nao-se-expressa-sempre-da-mesma-forma/teologia

A santidade não se expressa sempre da mesma forma

A santidade pode se expressar de maneira contemporânea e cultural, não está presa a uma época ou a um local.
Amo a literatura produzida pelos antigos puritanos. Sólida, bíblica, profunda, muito pastoral e prática. A santidade
defendida e pregada pelos puritanos aqueceu meu coração, quando eu era novo convertido, e se tornou o ideal
que eu decidi perseguir até hoje. Um breve resumo do pensamento puritano sobre a santidade está na Confissão
de Fé de Westminster, no capítulo “Santificação”:

I – Os que são eficazmente chamados e regenerados, tendo criado em si um novo coração e um novo espírito,
são além disso santificados real e pessoalmente, pela virtude da morte e ressurreição de Cristo, pela sua palavra
e pelo seu Espírito, que neles habita.

II – Esta santificação é no homem todo, porém imperfeita nesta vida; ainda persistem em todas as partes dele
restos da corrupção, e daí nasce uma guerra contínua e irreconciliável – a carne lutando contra o espírito e o
espírito contra a carne.

III – Nesta guerra, embora prevaleçam por algum tempo as corrupções que ficam, contudo, pelo contínuo socorro
da eficácia do santificador Espírito de Cristo, a parte regenerada do homem novo vence, e assim os santos
crescem em graça, aperfeiçoando a santidade no temor de Deus.

Era esse conceito de santificação que eu gostaria de ver difundido como sendo o conceito reformado. Como
sempre existe alguma confusão sobre este assunto, apresento aqui algumas reflexões adicionais sobre o tema
da santidade.

(1) A santidade deve ser buscada ardorosamente sem, contudo, perder-se de vista que a salvação é pela fé, e
não pela santidade – Muitos reformados tendem à introspecção e a buscar a certeza da salvação dentro de si
próprios, analisando as evidências da obra da graça em si para certificar-se que são eleitos. Se a busca contínua
pela santidade não for feita à luz da doutrina da justificação pela graça, mediante a fé, levará ao desespero, às
trevas e à confusão. Devemos buscar ser santos olhando para Cristo crucificado e morto pelos nossos pecados.
Somente conscientes da graça de Deus é que podemos prosseguir na santificação, reconhecendo que esse
processo é evidência da salvação.

(2) A santidade não se expressa sempre da mesma forma; ela tem elementos culturais, temporais e regionais –
Sei que não é fácil distinguir entre a forma e a essência da santidade. Para mim, adultério é pecado aqui e na
China, independentemente da visão cultural que os chineses tenham da infidelidade conjugal. Contudo, coisas
como o uso do véu pelas mulheres me parecem claramente culturais. Quero insistir nesse ponto. A santidade
pode se expressar de maneira contemporânea e cultural, não está presa a uma época ou a um local.
Reformados modernos devem resistir a tentação de recuperar o estilo dos antigos puritanos da Inglaterra,
Escócia, Holanda e Estados Unidos.

(3) A santidade pessoal pode existir mesmo em um ambiente não totalmente puro – Chega um momento em que
devemos nos separar daqueles que se professam irmãos, mas que vivem na prática da iniqüidade (1Coríntios 5).
Contudo, creio que há um caminho a ser percorrido antes de empregarmos a separação como meio de preservar
a santidade bíblica. Os crentes são chamados a se separar de todo mal, inclusive dos pecadores (Salmo 1). Mas
a separação bíblica é bem diferente daquela defendida por alguns reformados modernos, que têm dificuldade de
conviver inclusive com outros reformados dos quais discordam em questões que considero absolutamente
secundárias. Não é fácil, mas teoricamente posso ser santo dentro de Sodoma e Gomorra. Posso ser santo na
minha denominação, mesmo que ela abrigue gente de pensamento divergente do meu.

(4) A santidade pode ocorrer mesmo onde não haja plena ortodoxia – Por incrível que pareça, a tolerância e a
misericórdia marcaram os puritanos ingleses do século XVII. Foi somente a fase posterior do puritanismo que lhe
deu a fama de intolerância. John Owen, o famoso puritano, pregou em 1648 um extenso sermão no Parlamento
Britânico, na Câmara dos Comuns, intitulado “Sobre Intolerância”, no qual defendeu, mais uma vez, a
demonstração do amor cristão e a não-intervenção dos poderes governamentais nas diferenças de opiniões
eclesiásticas (Works, VIII, 163-206). Para mim, a graça de Deus é muito maior do que imaginamos e o Senhor
tem eleitos onde menos pensamos. Assim, creio que exista santidade genuína além do arraial reformado. Não
estou negando a relação entre doutrina correta e santidade. O Cristianismo bíblico enfatiza as duas coisas como
necessárias e existe uma relação entre elas. Contudo, por causa da incoerência que nos aflige a todos, é
possível vivermos mais santamente do que a lógica das nossas convicções teológicas permitiria. Cito o famoso
puritano John Owen mais uma vez:

“A consciência de nossos próprios males, falhas, incompreensões, escuridão e o nosso conhecimento parcial,
deveria operar em nós uma opinião caridosa para com as pobres criaturas que, encontrando-se em erro, assim
estão com os corações sinceros e retos, com postura semelhante aos que estão com a verdade” (Works, VIII,
61).

Acredito que a teologia reformada é a que tem melhores condições de oferecer suporte doutrinário para a
espiritualidade, a santidade e o andar com Deus. Os reformados brasileiros são responsáveis por mostrar que a
teologia reformada é prática, plena de bom senso, brasileira e cheia de misericórdia.

– Augustus Nicodemus

Você também pode gostar