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02/04/2018 Liberar o feminismo das políticas identitárias | Universidade Nômade Brasil

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Liberar o feminismo das políticas


identitárias
Por Beatriz Preciado, no Libération, 9/5/14 | Trad. Silvio Pedrosa

“Faz-nos falta liberar o feminismo da tirania das políticas identitárias”

UniNômade
Brasil
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Feminismo amnésico
TENDA
Como é o caso em quase todas as práticas de oposição política e de resistência minoritária, o
feminismo sofre de um desconhecimento crônico de sua própria genealogia. Ignora suas
Quatro tiros em linguagens, esquece suas fontes, apaga suas vozes, perde seus textos e não conta com a chave
Marielle E o que eles dos seus próprios arquivos. Nas Teses sobre o conceito de história, Walter Benjamin nos recorda
GRITAM sobre a ferida que a história está escrita desde o ponto de vista dos vencedores. É por isso que o espírito do
social no Brasil
feminismo é amnésico. Aquilo a que Benjamin nos convida é a escrever a história desde o ponto
de vista dos vencidos. É com esta condição, diz, que será possível interromper o tempo da
Venezuela: Políticas
opressão.
del resentimiento
Cada palavra de nossa linguagem contém, enrolada sobre si mesma, uma bola de tempo,
constituída de operações históricas. Enquanto o profeta e o político se esforçam em sacralizar as
palavras, ocultando sua historicidade, corresponde a filosofia e a poesia a tarefa profana de
Mecanismo sem
restituir as palavras sacralizadas ao uso cotidiano: desatar os nós do tempo, arrebatar as palavras
maquinismos aos vencedores para voltar a colocá-las em praça pública, onde poderão ser objeto da
ressignificação coletiva.

A crise venezuelana e É urgente recordar, por exemplo, diante da onda “antigênero”, que as palavras “feminismo”,
anticrise da esquerda “homossexualidade”, “transexualidade” ou “gênero” não foram inventadas por ativistas radicais,
mas bem antes pelo discurso médico dos últimos dois séculos. Essa é uma das características
das linguagens que serviram para legitimar as práticas de dominação somatopolítica na
As consequências modernidade: enquanto que as linguagens da dominação anteriores aos século 17 trabalhavam
econômicas da com um aparato de verificação teológica, as linguagens modernas se articularam ao redor de um
pacificação: a guerra aparato de verificação técnico-científica.

Introdução à filosofia
Sigamos, por exemplo, o túnel do tempo que nos abre a palavra “feminismo”. A noção de
feminismo foi inventada em 1871 pelo jovem médico francês Ferdinand-Valerè Fanneau de La
black bloc
Cour em sua tese de doutorado “Do feminismo e do infantilismo nos tuberculosos”. Segundo a
hipótese científica de Ferdinand-Valerè Fanneau de La Cour, o “feminismo” era uma patologia que
afetava aos homens tuberculosos, produzindo, como sintoma secundário, uma “feminização” do
O que é o
corpo masculino.
Neurocapitalismo e
por que estamos O varão tuberculoso, disse Ferdinand-Valerè Fanneau de La Cour, “tem os cabelos e as
vivendo nele? sobrancelhas finas, cílios longos e finos como das mulheres; a pele é branca, fina e flexível, a
panícula adiposa subcutânea muito desenvolvida e, por conseguinte, os contornos fingem uma
suavidade considerável, enquanto as articulações e os músculos conjugam seus esforços para

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Deus e o Diabo na fornecer flexibilidade aos movimentos, esse não-sei-o-quê ondulante e gracioso que próprio da
Terra do Sol, 50 anos gata e da mulher. Se o sujeito alcançou a idade em que a masculinidade determina o crescimento
depois: reflexões para da barba, acontece que esta produção ou bem se faz completamente ausente ou só existe em
os próximos 50 anos determinados locais, que são geralmente o lábio superior primeiro e depois a região do queixo e
costeletas. E, no entanto, os poucos cabelos são finos, macios e quase sempre loucos (…) Os
A rebelião e o império órgãos genitais são reconhecidos pela sua pequenez.” Feminizado, sem “potência de geração e
faculdade de concepção”, o homem tuberculoso perde sua condição de cidadão viril e torna-se um
agente comunicador que deve ser colocado sob a tutela da medicina pública.

Um ano depois da publicação da tese de Ferdinand-Valerè Fanneau de La Cour, Alexandre


La revuelta de la
Dumas Filho retoma, em um dos seus panfletos, a noção médica de feminismo para qualificar aos
confianza
homens solidários da causa das “sufragistas”, movimento de mulheres que lutavam pelo direito ao
voto e à igualdade política. Assim, pois, os primeiros feministas foram homens: homens que o
discurso médico considerou anormais por haver perdido seus “atributos viris”: mas, também,
homens acusados de feminizar-se em razão de sua proximidade com o movimento político das
sufragistas. Haverá que esperar alguns anos para que as sufragistas se reapropriem desta
AGENDA
denominação patológica e a transformem num lugar de identificação e ação política.

Recontar platôs Mas onde estão, hoje, as novas feministas? Quem são os novos tuberculosos e as novas
Data do evento: 20.02.2018 sufragistas? Faz-nos falta liberar o feminismo da tirania das políticas identitárias e abri-lo às
alianças com os novos sujeitos que resistem a normalização e a exclusão, aos efeminados da
história; aos cidadãos de segunda classe, aos expatriados e aos migrantes ensanguentados pelas
Direitos Humanos:
cercas de arame farpado de Melilla¹.
Ativismos e Novos
Direitos
Data do evento:

Midnight Deleuze
Beatriz Preciado é filósofa, diretora do programa de estudos independentes do museu de arte
Data do evento: 24.11.2017
contemporânea de Barcelona (Macba)

NOTAS
1. Fronteira entre a Espanha e o Marrocos.
REVISTA LUGAR COMUM

#50
Publicado em 31 de Maio de 2014 por Beatriz Preciado na categoria Sem categoria.
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