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RESUMO
No Brasil do século XXI é perceptível que a questão do Patrimônio ainda precisa ser encarada
como uma política pública, devido mormente ao descaso, às demolições e ao abandono de
prédios detentores de valor simbólico. Esses fatores influenciaram na inserção desta questão
na educação nacional, através de políticas públicas voltadas para a Educação Patrimonial,
entende-se que só através da educação se dará a conscientização da sociedade com relação à
valorização dos seus bens culturais. Objetiva-se, aqui, alertar para a necessidade urgente de
implantação dessas políticas educacionais na cidade de Natal – RN. Para tanto, abordou-se o
conceito de Patrimônio através das percepções Poulot e Meneguello, bem como a relação
existente entre cidade edificada e o seu valor simbólico atribuído pela sociedade, tendo como
base o pensamento semiológico de Barthes e Lefebvre. Buscou-se relacionar a implantação
dos documentos normativos da educação nacional (LDB e PCNs) ao surgimento e ao
desenvolvimento da Educação Patrimonial defendida pelo IPHAN. Por conseguinte, esta
pesquisa se propõe a estudar episódios recentes de descaso com o Patrimônio na cidade de
Natal – RN, com o intuito de analisar os discursos difundidos pela imprensa local que revelam
a relação da sociedade com o Patrimônio da cidade, tendo como base o pensamento de
Foucault. Por fim, após a percepção da falta de consciência patrimonial, por meio do estudo
dos casos do bairro da Ribeira, do Casarão de Petrópolis e do Hotel Reis Magos, sendo
ressaltada a necessidade urgente de implantação de políticas públicas referentes à Educação
Patrimonial.
INTRODUÇÃO
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No século XXI, com a emergência do processo de globalização, os espaços passam a
absorver, cada vez mais, informações e culturas de todo o mundo. A abstração das fronteiras
acabou acarretando uma busca atroz pela identidade e pela conservação da memória coletiva
das cidades. Seguindo esse pressuposto, as edificações remanescentes do passado, que
sobreviveram à ação do tempo e da modernização do meio, vêm a se tornar ícones que nos
remetem a outras épocas, participando de uma construção imagético-discursiva do espaço.
Este Patrimônio passa a existir como símbolo de uma ação histórica continuada da sociedade,
representando um objeto visual e palpável que nos transporta a materialidade das práticas
sociais do passado. Portanto, preservar o patrimônio é uma forma de fortalecer a interação do
espaço com seus habitantes e visitantes.
Por ser resultante das práticas humanas, a cidade é imbuída de signos, para Barthes é
“uma inscrição do homem no espaço” (1985, p. 182). Ao praticar esses espaços, a sociedade
se apropria de um sistema topográfico e do mesmo modo o realiza, fazendo com que a cidade
metaforicamente fale através das ruas, edifícios, monumentos e estabelecimentos. De modo
que, nesta pesquisa, entende-se que o Patrimônio, portanto, não participa apenas do passado,
“já que sua finalidade consiste em certificar a identidade e em afirmar valores, além da
celebração de sentimentos, se necessário, contra a verdade histórica” (POULOT, 2009: 12).
Dominique Poulot ainda acrescenta que “O Patrimônio deve ser entendido como uma
forma da reorganização racional dos recursos para a nova coletividade, ao contrário dos usos
que esta ou aquela herança poderia ter imposto, anteriormente, a determinada comunidade”
(POULOT, 2009: 99). Mediante esta abordagem é essencial perceber que as atitudes humanas
ante os bens da cultura material, sejam elas no sentido de preservação ou abandono da
herança recebida pelos antepassados, fornece aqui uma percepção dos múltiplos sentidos
simbólicos do Patrimônio. O que confere uma complexidade ampla, principalmente com
relação ao envolvimento social com a cultura material. Para a historiadora Cristina
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Meneguello, o Patrimônio “É compreendido como monumento e como ressignificação, ou
seja, como cristalização de imagens do passado e como um jogo de apropriação e perda”
(MENENGUELLO, 2000, p. 19).
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Patrimônio Histórico. Para tanto, serão analisados os documentos referentes à educação
brasileira no tocante ao Patrimônio. Conforme a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
institui as Diretrizes e Bases da educação nacional, a educação é abordada como um
importante investimento e propõe a promoção de uma atitude proativa dos educandos com
relação ao reconhecimento da realidade. Deste modo, a educação passa a ser um instrumento
de compreensão da própria vida, pautando-se no ideal de formação cidadã.
Assim, ser cidadão é ser capaz de viver o exercício pleno dos direitos sociais, políticos
e culturais. O cidadão é abordado na Lei como sujeito histórico e, portanto, responsável pela
história que o envolve. Segundo normatiza a LDB: “A educação abrange os processos
formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e
nas manifestações culturais” (BRASIL, LDB, 1996, p. 1). Nesse caso, o Patrimônio figura
tanto na questão de organização da sociedade, por participar do processo construtivo, quanto
nas manifestações culturais, uma vez que a consolidação do espaço se deu historicamente e
compreende a materialização da cultura de uma determinada época.
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Outros eventos também merecem destaque, tais como: Criação da Gerência de
Educação Patrimonial e Projetos – GEDUC. Primeira instância da área central do IPHAN
voltada para a Educação Patrimonial. Para consolidá-la, foi realizada a I Reunião Técnica, em
Pirenópolis (GO) (2004); Encontro Nacional de Educação Patrimonial (I ENEP). Reunião
para discussão e proposição de parâmetros nacionais para ações de Educação Patrimonial do
IPHAN nas escolas, nos museus e noutros espaços sociais (2005); Realização da Oficina de
Capacitação em Educação Patrimonial e Fomento a Projetos Culturais nas Casas do
Patrimônio, quando, pela primeira vez, as diretrizes gerais das Casas do Patrimônio foram
debatidas e consolidadas em âmbito coletivo (2008); Realização do I Seminário de Avaliação
e Planejamento das Casas do Patrimônio, em Nova Olinda (CE). Organização de mesas-
redondas sobre Educação Patrimonial no I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural (2009); II
Encontro Nacional de Educação Patrimonial (II ENEP). Reunião para pactuar as diretrizes no
campo de Educação Patrimonial e fortalecer a rede de instituições e de profissionais atuantes
na área educacional. Parceria entre MEC e IPHAN para que o tema Educação Patrimonial
integrasse o macrocampo Cultura e Artes do Programa Mais Educação, de Educação Integral
(2011); Realização do Encontro ProExt – Extensão Universitária na Preservação do
Patrimônio Cultural – Práticas e Reflexões, em Ouro Preto (MG - 2014) (DAF - CEDUC,
2014). Todas estas iniciativas voltadas à Educação Patrimonial são posteriores à
implementação da Lei 9.394/96 em 1996 e dos Parâmetros Curriculares Nacionais em 1997, o
que leva a crer na influência desses documentos para a constituição de políticas públicas
voltadas para a preservação patrimonial.
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realidade como lugar de múltiplas dimensões da vida (DAF – CEDUC,
2014, p. 25).
O primeiro exemplo, que aqui será exposto, de descaso com o Patrimônio natalense é
referente ao bairro histórico da Ribeira. O bairro da Ribeira passou por diversas rupturas, e,
em decorrência destas, as funções deste espaço sofreram drásticas transformações, fazendo
com que ele deixasse de existir como prestigiado centro urbano do início do século XX.
Devido a sua longa trajetória, o bairro da Ribeira possui edificações de vários estilos
arquitetônicos, que remontam épocas distintas, contendo exemplares coloniais, ecléticos e
protomodernistas. Estas construções hoje atuam como “marcos urbanos” por apresentarem
características físicas marcantes da história potiguar, bem como pelos importantes usos que
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lhes foram atribuídos outrora. Por sua história, apesar do estado de ruínas em que se encontra,
o bairro participa do conjunto de representações que formam a imagem de cidade do Natal.
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(Tribuna do Norte, 24 de agosto de 2015). Assim, os manifestantes buscaram chamar a
atenção da opinião pública, com o intuito de conscientizar a sociedade.
A Pernambuco S.A. entrou com uma ação na prefeitura de Natal para demolir o
edifício com o objetivo construir um Shopping em seu lugar, o caso vem se arrastando na
justiça há vários anos. O IPHAN e a Fundação José Augusto iniciaram o processo de
tombamento do Hotel Reis Magos, no momento em que tomaram conhecimento dos objetivos
do proprietário. No decurso do processo, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte entregou ao Ministério Público do Estado um estudo sobre a
edificação, que contemplava o valor histórico, arquitetônico e simbólico do prédio para a
cidade (TRIBUNA DO NORTE, 25 de março de 2014). Também ocorreram alguns
movimentos, em prol da conservação do velho hotel.
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Entre liminares e recursos, a decisão da Justiça Federal foi favorável à preservação da
estrutura original do Hotel Reis Magos, a decisão foi tomada no dia 28 de janeiro de 2016,
após anos de disputa judicial. Entretanto, a questão da conscientização patrimonial da
população, como um todo, é algo à parte.
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Já em 1949, Câmara Cascudo, ao escrever a crônica “Natal, cidade sempre nova”
constatara que a cidade não tinha compromisso com a conservação da sua história e do seu
Patrimônio edificado. Deste modo, Cascudo ressalta que “Cada século fazia uma cidade nova.
Atualmente não existe em toda a cidade uma só casa que date do século XVIII. Todas são
posteriores a 1800. Excetuam-se as Igrejas, naturalmente…” (CASCUDO, Câmara. Diário de
Natal, 10 de junho de 1949). No continuum do desenvolvimento de Natal, as rupturas
relacionadas à forma urbana foram uma constante, como analisado pelo historiador oficial da
cidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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A exposição da situação de descaso e abandono vivenciada pelo Patrimônio Material
natelense, exemplificada aqui a partir da análise dos casos do bairro da Ribeira, do Casarão de
Petrópolis e do Hotel Reis Magos, serviu para exemplificar a falta de consciência patrimonial
presente na sociedade natalense. Esta falta de consciência já foi citada em 1946, por Câmara
Cascudo, na crônica “Natal: a cidade sempre nova”.
Por fim, conclui-se que é necessária, como também urgente, a implantação de políticas
públicas voltadas para a Educação Patrimonial na cidade de Natal-RN, esta é reivindicada nos
relatos citados como único meio de conscientizar a população do valor simbólico presente nos
vários edifícios que compõe a cidade em suas várias temporalidades. Para que o Patrimônio
seja devidamente conservado, faz-se imprescindível perceber que é preciso ir além dos
instrumentos e mecanismos voltados para a sua proteção, como o tombamento e as
revitalizações, faz-se necessário que os bens culturais passem um processo de apropriação
social. Por isso é imperativo que a sociedade adquira a capacidade de valorizar seus bens
culturais e que desenvolva um sentimento de pertencimento, uma relação afetiva com os
símbolos do passado. Para Eliane Castro “O caminho para o envolvimento e apropriação
desses bens pela comunidade perpassa, necessariamente, pela educação” (CASTRO, 2011, p.
11). Sendo assim, entende-se que a consolidação desta política pública é de suma importância
para que se alcance o real sentido de Patrimônio na cidade de Natal. Contudo, é importante
lembrar que existem muitas dificuldades no que diz respeito a implantação eficaz de políticas
públicas neste país.
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Por um ensino que deforme: o docente
na pós-modernidade. Disponível em: http://www.cnslpb.com.br/arquivosdoc/MATPROF.pdf.
Acesso em: 13 de março de 2016.
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CASTRO, Eliane de. Patrimônio Cultural e Educação: Breve reflexão. In: Educação
patrimonial: orientações ao professor (Caderno temático ; 1). João Pessoa: Superintendência
do Iphan na Paraíba, 2011.
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POULOT, Dominique. Uma história do Patrimônio no Ocidente, séculos XVIII - XIX:
do monumento aos valores. São Paulo: Estação Liberdade, 2009.
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O título dado a este artigo é análogo ao texto “Por um ensino que deforme: o docente na pós-modernidade” do
Prof. Dr. Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2016). Nele, o autor trata da crise vivida na escola da pós-
modernidade, principalmente, por esta ser caracterizada como uma política pública moderna. E, segue
questionando o ensino ofertado e seus resultados, buscado enfatizar a necessidade de deformá-lo para torná-lo
mais crítico e condizente com a sua época.
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