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Análise Comparativa do

Sistema Tributário da
União Europeia e do Mercosul

Professor: Leonardo de Andrade Costa


Todos os direitos reservados à Fundação Getúlio Vargas.

Organizador

Professor: COSTA, Leonardo de Andrade.

Análise Comparativa do Sistema Tributário da União


Europeia e do Mercosul

Bibliografia, Editora FGV, Rio de Janeiro.

O presente texto tem por intuito orientar o estudo


individual acerca do tema de que trata,
antecipando-se à aula que lhe é correspondente,
com a estrita finalidade de oferecer diretrizes
doutrinárias e indicações bibliográficas
relacionadas aos temas em análise. Nesse sentido,
este trabalho não corresponde necessariamente à
abordagem conferida pelo professor em sala de
aula, tampouco tenciona esgotar a temática sobre
a qual versa, prestando-se exclusivamente à
função de base para estudo preliminar e
referência de consulta.

2
SUMÁRIO

Parte I – Aspectos estruturais da tributação e dos elementos econômicos e jurídicos


da Integração Fiscal ....................................................................................................... 4
Parte II – Os diferentes modelos de integração regional ............................................ 8
Parte III – Aspectos gerais do processo de harmonização tributária na União
Europeia (os tributos indiretos e diretos) ................................................................... 21
Referências Bibliográficas ........................................................................................... 40

3
Parte I – Aspectos estruturais da tributação e dos elementos econômicos e jurídicos
da Integração Fiscal

A tributação é matéria complexa por sua natureza, tendo em vista a sua


indissociável interligação com a disciplina econômica, jurídica e política, além dos
aspectos sociais e culturais de uma nação em sua permanente interação no plano local,
regional e global, o que potencializa as dificuldades de seu estudo no contexto dos
novos contornos da soberania.
Com efeito, todo sistema tributário retrata a inevitável tensão entre os valores
individuais e coletivos de uma sociedade, como ressalta Pietro Boria1:

In this regard it is evident the contradiction between collective values, which


address to the need for protection and development of the general community,
and individual values, which refer to the protection and promotion of human
rights and freedoms. On one side, there is the public interest in the settlement
of taxes in order to ensure the vitality and development of the community and
to pursue the maximization of general goals, which can be called “tax interest”
just to express the axiological connotation of the general value. On the other
side, there are the protective values of the individual sphere, due both to the
personal freedom (compared to the exercise of public power of taxation), and
to the ability to pay. The legal regulation of the power of taxation is thus
shown as the fundamental transmission belt between the human wealth and
freedoms and the care of the general interests and the developmental goals of
the Welfare State, which is an evident index of the level of solidarity or
individualism in the civil community, and, above all, an epiphenomenon of the
fundamental relation between the “rulers” persons and the “ruled” persons.
This axiological relation, which is established between the collectivist and
individual conflicting values, is the basic dialectic of the taxation system,
according to which it can be identified the concrete unfolding of sovereignty in
the several legal systems.

Nesses termos, a relação jurídica-tributária contém e revela essa tensão que lhe é
intrínseca, ou seja, de um lado o imperioso dever de proteção aos direitos individuais
(e.g. a propriedade privada, livre iniciativa, etc.) e de outro, a imprescindibilidade de
financiamento das chamadas necessidades públicas2, que são assumidas pelo Estado por
meio do processo político como dever público (e.g. a segurança externa e interna, a

1
BORIA, Pietro. Taxation in European Union. Editora Springer Nature. 2ª edição. Cham, Suiça.
Publicado em 13 de abril de 2017. p. 4. Indica ainda o autor à pg. 6: “The power of taxation is so the
subject of a legal regulation which is different in several European taxing jurisdictions, because of the
different constitutional systems and the changing of the axiological balance between the general interest
and the individual interest. This diversity finds its clear basis in the legal traditions of the main European
constitutional systems”.
2
Sobre o conceito das “necessidades públicas”, sugere-se a leitura da Sessão I do Material Didático da
disciplina Finanças Públicas da FGV Direito Rio, disponível no sítio da instituição.

4
solução dos conflitos, a realização das políticas públicas consideradas em cada
sociedade como fundamentais - o que varia em cada país, etc.).
Além das dificuldades decorrentes da apontada dicotomia, o processo de
integração entre países (no plano regional, multilateral ou global), impõe maior grau de
complexidade no tocante ao estudo da tributação, na medida em que outros valores e
objetivos são ponderados, de caráter econômico ou não (a criação de empregos, as
dificuldades e facilidades propiciadas pelo avanço tecnológico, a necessidade de atrair
investimentos privados estrangeiros, a utilização do comércio como instrumento de
aproximação dos países e redução de tensões bélicas).
Enfim, diversas razões explicam a aceleração do processo integrativo fiscal sob
variadas formas e características, podendo ser um processo formal ou não3, sendo certo,
no entanto, que o processo de cooperação e de integração comercial entre os países,
como estratégia para potencializar desenvolvimento econômico e social, “não tem sido,
historicamente, uniforme, contínuo e linear”.4 A projeção desse tema no campo
tributário, que inclui desde as tarifas aduaneiras e demais impostos incidentes sobre o
consumo até o imposto sobre a renda e o patrimônio, possui elevado grau de
complexidade, tendo em vista que:

as diferentes formas em que se manifesta o processo integrativo determinam


discussões tributárias de naturezas distintas, e, sem dúvida, os problemas
tributários em face da criação de um Estado supranacional tem um grau de
complexidade infinitamente superior ao do estabelecimento de uma união
aduaneira ou de uma zona de livre comércio5.

No contexto das transações e eventos que envolvem mais de uma jurisdição


surgem problemas de duas naturezas distintas: o primeiro relativo aos aspectos
internacionais da tributação de determinado país e o segundo pertinente à interface do
sistema tributário nacional com as normas de caráter internacional a que se submete
determinada jurisdição tributária no exercício de sua soberania6 sobre o seu território e
sobre os seus residentes ou nacionais, conforme o caso7.

3
A internet, por exemplo, vista como uma tecnologia disruptiva, introduziu novos desafios às instituições
nacionais e internacionais no campo tributário.
4
COSTA, Leonardo de Andrade. A Integração de Mercados e as Questões Tributárias. Repercussões
Sociais. Seminário Brasil Século XXI (2001: Brasília, DF). O Direito na Era da Globalização: Mercosul,
Alca e União Européia: Palestras. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2002. pp. 107/117.
5
COSTA. Idem p. 108. Os aspectos gerais das diferentes formas em que se manifesta o processo integrativo
serão examinados na Parte II.
6
Vários são os fundamentos doutrinários a embasar a legitimidade do poder de tributar, bem como a
justificar os limites ao exercício deste poder estatal. A partir de uma visão clássica, por exemplo, a
prerrogativa para impor o tributo decorreria da própria soberania do Estado, ao passo que, partindo-se de

5
Com efeito, sob o ponto de vista clássico, o termo tributação internacional é
ambíguo, conforme ensinam Brian e McIntyre8:

The term “international tax” may be considered a misnomer. What we refer to


here for convenience as international tax law is more correctly referred to as
the international aspects of the tax laws of particular countries. With minor
exceptions, tax laws are not “international”. They are creations of sovereign
states. Nor is there an overriding international law of taxations, arising either
from customary practice of sovereign states or from the actions of some
international body such as the United Nations (“UN”) or the Organization for
Economic Cooperation and Development (OECD). Tax treaties are perhaps the
most obvious “international” aspect of a country’s tax system. Most developed
countries have entered into tax treaties with their major trading partners, and
often with their minor trading partners as well. Many developing countries also
have extensive treaty networks. The growth of tax treaties over the past decade
has been exponential. (…) These tax treaties impose significant limitations on
the taxations powers of the treaty partners. Tax treaties, however, do not
generally impose tax; in most countries, they are exclusively relieving.
Although tax treaties are binding agreements between sovereign states, they
generally do not have any effect on taxpayers unless they are specifically
incorporated into a countries tax law by domestic statute.

Assim, como regra geral, os tratados internacionais para evitar dupla tributação
têm tido, historicamente, efeito exclusivamente “negativo”, tendo em vista não serem
fontes de imposição de tributos, ou seja, apenas afastam a múltipla incidência.
No entanto, por outro lado, a complexidade da matéria tem se elevado nos
últimos 50 anos, tendo em vista a crescente interconexão entre os sistemas tributários
nacionais, por força de múltiplos fatores, tais como: a acelerada e constante revolução
tecnológica, que aproxima as pessoas e empresas e acresce exponencialmente as
transações que ocorrem de forma transnacional, o que dificulta a imposição tributária de
forma unilateral9; a flexibilização das regras de comércio internacional; a ampliação de

premissas do constitucionalismo contemporâneo, o poder de tributar surgiria a partir da abertura


permitida pelos direitos humanos fundamentais. Sobre o tema, vide Aula 6 do material didático da
disciplina Sistema Tributário Nacional da FGV Direito Rio, disponível no sítio da instituição.
7
Quanto à vigência das leis no exterior, é necessário distinguir a soberania interna territorial da soberania
interna pessoal. A soberania interna territorial significa que o ordenamento jurídico de determinado país
pode ser aplicado a fatos que ocorrerem dentro de seu território. Já a soberania interna pessoal é aquela na
qual o indivíduo se liga por um critério subjetivo ao ordenamento jurídico de determinada nação,
aplicando-se a ele, mesmo que no exterior, o ordenamento jurídico de onde ela reside ou que é nacional,
conforme o caso. Os Estados Unidos, por exemplo, ao contrário do Brasil, exerce jurisdição tributária
sobre os seus nacionais ainda que não residentes no país.
8
Arnold, Vrian J. and Mcintyre, Michael J. International Tax Primer. Kluwer Law. International: the
Netherlands. 1995.
9
Considerando as dificuldades decorrentes dos diversos regimes tributários preferências, dos chamados
“paraísos fiscais” e das características da economia digital e da internet, as instituições internacionais e
acordos passaram a se ocupar, além de evitar a dupla tributação, do problema da não tributação. Nesse
sentido, com o objetivo de combater a erosão da base tributária e o desvio de lucros para jurisdições de
baixa tributação, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) apresentou,
com o apoio político do G20, o Base Erosion and Profit Shifting Action Plan (Plano de Ação BEPS).

6
acordos multilaterais (e.g. acordos no âmbito da Organização Mundial do Comércio10
etc.) e regionais, por meio dos quais nações independentes abrem mão de parcela de
sua soberania em prol do atingimento de outros objetivos considerados fundamentais,
como é o caso dos tratados firmados no âmbito da União Europeia ou do Mercosul.
Assim, à visão clássica da tributação como expressão da soberania do Estado-
nação tem-se incorporado novos elementos institucionais e de natureza jurídica que
delineiam outras interfaces e tensões na complexa relação entre os contribuintes e os
Fiscos. Nessa linha, no contexto do processo de integração fiscal aponta Pietro Boria11:

The legal and institutional evolution of the twentieth century led to the
overcoming of the usual rules of tax relations and especially to the idea of the
coincidence of the taxation system with the national State. Under the action of
vigorous corrosive forces it has been gradually demolishing the superstructure
of legal concepts that led to idealize the State as a model of political unity of a
social community. The political pluralism due to the formation of competitive
and alternative centers of power with respect to the State power, able to operate
in the political, economic and industrial life, and the attribution of the decision
powers to supranational entities regarding the regulatory framework of an
increasingly wide range of circumstances have led to a substantial
attenuation of the main function of the State as holder of the monopoly of
political decision. Democratic pluralism and the plurality of sources of law
thus impose “open” models of legal system, namely where rigidly determined
patterns are abandoned in favour of a flexible design of legal regulations,
inspired by the logic of co-existence of the plurality of legal systems and
capable of ensuring the spontaneity of social life and the variety of feasible
solutions for policy decisions. The taxation function, therefore, can no
longer be identified with the centrality of the State, but it must also be
attributed to a number of supranational jurisdictions (such as the European
Union) or local jurisdictions (as that expressed by the local authorities minors).
The erosion of the principle of unity of the political organization,
represented by the predominant function of the State, has so
undetermined the unity of the same tax function resulting in the
fragmentation of the taxation system in a plurality of systems, each
corresponding to the list of values expressed by several legal systems. That
was the transition from a monolithic State-like structure, which
corresponds to a single tax system, to a pluralist structure characterized
by the coexistence of multiple tax systems belonging to different forms of
territorial and political community.

Nessa linha destaca-se a coexistência de uma pluralidade de sistemas tributários


em permanente interação, havendo até hoje muita discussão acerca do enquadramento
jurídico da relação entre o plano interno e o supranacional, divergência que tem origem
no clássico antagonismo entre monismo e dualismo.

10
A “World Trade Organization” (WTO) foi estabelecida em 1995, conforme será exposto na Parte II.
11
BORIA, Pietro. Taxation in European Union. Editora Springer Nature. 2ª edição. Cham, Suiça.
Publicado em 13 de abril de 2017. p. 15.

7
Portanto, na atualidade, impõe-se examinar a incidência de tributos sob o
enfoque interdisciplinar e multidisciplinar, aproximando o exame, o quanto possível, da
complexa realidade do Século XXI.
Com efeito, ensina Edgar Morin12, acerca da complexidade:

o conhecimento, sob império do cérebro, separa ou reduz. Reduziremos o


homem ao animal, o vivo físico-químico. Ora, o problema não é reduzir nem
separar, mas diferenciar e juntar. O problema-chave é o de um pensamento
que una, por isso a palavra complexidade, a meu ver, é tão importante, já que
complexus significa ‘o que é tecido junto’, o que dá uma feição à tapeçaria. O
pensamento complexo é o pensamento que se esforça para unir, não na
confusão, mas operando diferenciações. Isto me parece vital, principalmente na
vida cotidiana, como já mencionei: espontaneamente tentamos contextualizar.
Evidentemente, se nos faltam conhecimentos, contextualizaremos muito mal.
(...) Contextualizar e globalizar, situar num conjunto se houver um sistema. E
isto é necessário para a vida cotidiana e absolutamente necessário na nossa era
planetária, em que não há problemas importantes de uma nação que não
estejam ligados a outros de natureza planetária, o desenvolvimento técnico, o
problema demográfico, o econômico, a droga, Aids, a bomba atômica, etc. A
necessidade vital da era planetária, do nosso tempo, do nosso fim de milênio , é
um pensamento capaz de unir e diferenciar. É uma aventura, e muito difícil.
Mas se não o fizermos, teremos a inteligência cega, a inteligência incapaz de
contextualizar.

Partindo-se dessas premissas - contextualização, diferenciação e conexão - o


estudo dos aspectos estruturais da tributação e da integração fiscal na União Europeia e
no Mercosul será iniciado na Parte II, com o exame diferentes modelos de integração
regional.

Parte II – Os diferentes modelos de integração regional

Após a formação e consolidação dos Estados Nacionais, no início da Idade


Moderna, os Estados europeus adotaram práticas econômicas caracterizadas por um
intenso intervencionismo estatal sobre a economia. A política econômica da época, o
mercantilismo, envolvia a manutenção de uma balança comercial favorável, bem como
uma série de medidas protecionistas, tais como a elevação da tributação incidente sobre
as importações.
Contudo, com as mudanças trazidas pela Revolução Industrial foram
introduzidas novas ideias e conceitos que são, ainda hoje, princípios norteadores dos
processos de integração econômica entre os Estados.

12
MORIN, Edgar. Por uma Reforma do Pensamento. In: PENA-VEGA, Alfredo e NASCIMENTO,
Elimar Pinheiro do (Organizadores). O Pensar Complexo. Edgar Morin e a crise da modernidade. 3ª
ed. Rio de Janeiro: Garamond, 1999. p.33.

8
Adam Smith foi o filósofo e economista responsável por formular a teoria das
vantagens absolutas, segundo a qual determinado país deveria concentrar-se na
produção dos bens que necessitem do menor emprego de fatores de produção possíveis,
exportar o excedente e importar os demais bens necessários à sua população. Em outras
palavras, os países se beneficiariam do comércio entre Estados, exportando os bens que
possuem vantagem absoluta e importando os demais bens.
No entanto, a tese aceita como base para o comércio internacional foi a
apresentada por David Ricardo: a teoria das vantagens comparativas. Segundo David
Ricardo, o comércio é benéfico não apenas quando o Estado possui vantagem absoluta
em relação a um bem, mas sempre que outro Estado possua vantagem na produção
quando comparado ao primeiro Estado (a chamada “vantagem comparativa”). Isto é,
sob a perspectiva da sociedade como um todo, seja internacional, quando a análise se
referir à decisão da produção entre países, ou sob a ótica nacional, quando a
comparação diga respeito à produção entre estados da mesma federação, a
especialização é economicamente sustentável ainda que uma das jurisdições possua
vantagem absoluta na produção de todos os produtos sob análise. Supondo-se, por
exemplo, apenas duas jurisdições, “A” e “B”, e considerando-se que “A” seja mais
eficiente na produção do produto “X” e do produto “Y”, para um dado período de
tempo. Ainda assim haveria vantagens para que as duas jurisdições se especializassem
cada qual na produção dos produtos em que possuíssem maior vantagem
comparativa13, isto é, se este produto pode ser produzido por um custo menor em
termos do outro produto.
A partir dessas ideias surgiram as primeiras tentativas de integração entre os
Estados para incentivar o comércio entre as nações. As medidas adotadas com essa
finalidade consistem em reduzir ou suprimir tanto as barreiras tarifárias (tais como o
imposto de importação e as taxas alfandegárias) quanto as barreiras não tarifárias
(restrições quantitativas de importação, exigências de qualidade, excesso de
formalidades aduaneiras, etc).
De acordo com Béla Balassa14, que colaborou para o desenvolvimento das
teorias de Integração Econômica, “a cooperação inclui uma ação tendente a diminuir a
discriminação, enquanto que a integração pressupõe medidas que conduzem à supressão

13
RICARDO, David. Principles of Political Economy and Taxation: 1817.
14
BALASSA, Béla. Teoria da integração Econômica. Tradução de Maria Filipa Gonçalves e Maria Elsa
Ferreira. Lisboa: Clássica Editora, 1964. p.12.

9
de algumas formas de discriminação”. O economista húngaro exemplifica a distinção,
qualificando os acordos internacionais sobre políticas comerciais como hipóteses de
atos de cooperação, e como atos de integração, a supressão de barreiras aduaneiras15.
Não obstante o exposto, a simples existência de relações de troca entre as nações
já pode denotar um sinal de integração, apesar de os liberais salientarem que a
verdadeira integração econômica pressupõe a abolição das restrições aos movimentos
de mercadorias entre Estados, isto é:

a eliminação dos entraves ao comércio entre os países participantes, de forma a


proporcionar ganhos comerciais resultantes da racionalização e da
especialização das estruturas de produção, bem como a realização de outros
objetivos de políticas comerciais e económicas. A ideia base reside, na
supressão das barreiras comerciais que obstaculizam o comércio entre os
Estados, mesmo que se faça através de um outro modelo tradicional de
integração16.

Um dos primeiros exemplos de modelo de integração bem sucedido é a criação,


em 1833, do Zollverein, que consistiu em uma união aduaneira entre os 39 estados
alemães. No entanto, o processo de cooperação e de integração comercial entre os
países, como estratégia para potencializar desenvolvimento econômico e social, “não
tem sido, historicamente, uniforme, contínuo e linear”, conforme já salientado.17
De fato, o início do século XX foi marcado pelo desenvolvimento de
nacionalismos exacerbados e, com isso, a uma nova instituição de medidas
protecionistas e a uma redução dos esforços de integração. A esse fenômeno Haberler
chamou de desintegration18.
Não obstante, com o fim da Segunda Guerra Mundial os Estados perceberam a
necessidade de celebrar tratados capazes de impulsionar o comércio e, por vezes, com o
passar do tempo, promover a união econômica e política dos Estados membros.
É nesse contexto de pós-guerra que, em 1947, surge o General Agreement on
Tariffs and Trade (GATT), o primeiro acordo envolvendo diversos países (portanto
multilateral) com o objetivo de promover o comércio internacional a partir da redução
ou eliminação de tarifas aduaneiras (impostos de importações), de barreiras não

15
BALASSA. Idem. P
16
EDUARDO RAPOSO DE MEDEIROS, Economia Internacional, 5ª Ed. (Revista Actualizada), Lisboa,
1996, pp. 569.
17
COSTA, Leonardo de Andrade. A Integração de Mercados e as Questões Tributárias. Repercussões
Sociais. Seminário Brasil Século XXI (2001: Brasília, DF). O Direito na Era da Globalização: Mercosul,
Alca e União Européia: Palestras. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2002. pp. 107/117.
18
HABERLER apud PORTO, Manuel Carlos Lopes; FLÔRES JR., Renato Galvão. Teoria e Política de
Integração na União Europeia e no Mercosul. Editora FGV. Rio de Janeiro. 2006. p. 13.

10
tarifárias e de preferências entre países. Já em 1996 foi criada a Organização Mundial
do Comércio (OMC) ou World Trade Organization – WTO (em inglês). Importante
salientar que uniões aduaneiras, zonas de comércio livre comércio e acordos
provisórios, que levem à formação de uma união aduaneira ou zona de comércio livre,
para serem consistente com as regras do GATT/OMC devem satisfazer o disposto no
artigo XXIV, nomeadamente, as disposições dos itens 5, 6, 7 e 8 do artigo, os quais
dispõem:
5. Accordingly, the provisions of this Agreement shall not prevent, as
between the territories of contracting parties, the formation of a customs
union or of a free-trade area or the adoption of an interim agreement
necessary for the formation of a customs union or of a free-trade area;
Provided that:
(a) with respect to a customs union, or an interim agreement leading to a
formation of a customs union, the duties and other regulations of commerce
imposed at the institution of any such union or interim agreement in respect of
trade with contracting parties not parties to such union or agreement shall not
on the whole be higher or more restrictive than the general incidence of the
duties and regulations of commerce applicable in the constituent territories
prior to the formation of such union or the adoption of such interim agreement,
as the case may be;
(b) with respect to a free-trade area, or an interim agreement leading to the
formation of a free trade area, the duties and other regulations of commerce
maintained in each of the constituent territories and applicable at the formation
of such free-trade area or the adoption of such interim agreement to the trade of
contracting parties not included in such area or not parties to such agreement
shall not be higher or more restrictive than the corresponding duties and other
regulations of commerce existing in the same constituent territories prior to the
formation of the free-trade area, or interim agreement as the case may be; and
(c) any interim agreement referred to in subparagraphs (a) and (b) shall
include a plan and schedule for the formation of such a customs union or of
such a free-trade area within a reasonable length of time.
6. If, in fulfilling the requirements of subparagraph 5 (a), a contracting party
proposes to increase any rate of duty inconsistently with the provisions of
Article II, the procedure set forth in Article XXVIII shall apply. In providing
for compensatory adjustment, due account shall be taken of the compensation
already afforded by the reduction brought about in the corresponding duty of
the other constituents of the union.
7. (a) Any contracting party deciding to enter into a customs union or free-
trade area, or an interim agreement leading to the formation of such a union or
area, shall promptly notify the CONTRACTING PARTIES and shall make
available to them such information regarding the proposed union or area as will
enable them to make such reports and recommendations to contracting parties
as they may deem appropriate.
(b) If, after having studied the plan and schedule included in an interim
agreement referred to in paragraph 5 in consultation with the parties to that
agreement and taking due account of the information made available in
accordance with the provisions of subparagraph (a), the CONTRACTING
PARTIES find that such agreement is not likely to result in the formation of a
customs union or of a free-trade area within the period contemplated by the
parties to the agreement or that such period is not a reasonable one, the
CONTRACTING PARTIES shall make recommendations to the parties to the
agreement. The parties shall not maintain or put into force, as the case may be,
such agreement if they are not prepared to modify it in accordance with these
recommendations.

11
(c) Any substantial change in the plan or schedule referred to in paragraph 5
(c) shall be communicated to the CONTRACTING PARTIES, which may
request the contracting parties concerned to consult with them if the change
seems likely to jeopardize or delay unduly the formation of the customs union
or of the free-trade area.
8. For the purposes of this Agreement:
(a) A customs union shall be understood to mean the substitution of a single
customs territory for two or more customs territories, so that
(i) duties and other restrictive regulations of commerce (except, where
necessary, those permitted under Articles XI, XII, XIII, XIV, XV and XX) are
eliminated with respect to substantially all the trade between the constituent
territories of the union or at least with respect to substantially all the trade in
products originating in such territories, and,
(ii) subject to the provisions of paragraph 9, substantially the same duties and
other regulations of commerce are applied by each of the members of the union
to the trade of territories not included in the union;
(b) A free-trade area shall be understood to mean a group of two or more
customs territories in which the duties and other restrictive regulations of
commerce (except, where necessary, those permitted under Articles XI, XII,
XIII, XIV, XV and XX) are eliminated on substantially all the trade between
the constituent territories in products originating in such territories.

Nesses termos a integração regional é compatível com as regras multilaterais


estabelecidas pela OMC para os países membros da organização.
O processo de integração econômica, como visto, possui a finalidade precípua
de promover o comércio entre Estados por meio da supressão de barreiras tarifárias e/ou
não tarifárias, podendo ou não ter efeitos econômicos e sociais mais profundos, a
depender do nível de integração desejada pelos Estados contratantes. Em regra, os
processos regionais, como o próprio nome indica, costumam envolver países próximos
ou mesmo vizinhos, mas há exceções: o novo regionalismo, segundo Paulo Roberto de
Almeida, “observa muito mais a critérios de conveniência política do que a razões de
ordem prática, que seriam aquelas derivadas da proximidade geográfica e da
contiguidade territorial19”.
A seguir, serão examinadas as particularidades de cada nível de integração
regional, ou seja, quando dois ou mais Estados manifestam a vontade de formar um
bloco econômico. Observe-se, contudo, que a classificação a ser exposta não traduz
necessariamente a realidade dos processos de integração: enquanto alguns blocos
podem não ter a totalidade dos seus objetivos implementados, outros blocos podem ir
além das suas intenções iniciais e promover uma maior integração entre os seus
membros. O exame desses modelos facilitará a compreensão do atual modelo
integrativo europeu e da américa do sul no que diz respeito às questões tributárias.

19
ALMEIDA, Paulo Roberto. Integração Regional: uma introdução. Editora Saraiva. São Paulo.
2013. p. 16

12
1.1 Zonas Preferenciais
As Zonas Preferenciais, ou Zonas de Preferência Tributária, constituem o nível
mais superficial entre as espécies de integração regional, consistindo na concessão de
reduções tarifárias recíprocas e abrangendo apenas determinados produtos. Alguns
autores, como Roberto Caparroz20, sequer consideram as Zonas Preferenciais como
verdadeiros processos de integração, tendo em vista a sua reduzida relevância
econômica e a ausência de previsão original no GATT, surgindo apenas com a Rodada
Tóquio. Por consequência, os benefícios concedidos no escopo de uma Zona
Preferencial são exceção à cláusula de nação mais favorecida21 (most favoured nation
clause) no caso de países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Isto implica, na
prática, que os benefícios concedidos no escopo de uma Zona Preferencial não serão
estendidos aos demais Estados membros da OMC.
Como exemplo de Zona Preferencial podemos citar a Associação Latino-
Americana de Integração (ALADI), cujos membros são o Brasil, Argentina, Bolívia,
Chile, Colômbia, Cuba, Equador, México, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e
Venezuela.

20
CAPARROZ, Roberto. Comércio internacional e legislação aduaneira esquematizado. 4ª
Edição. Editora Saraiva. São Paulo. 2017. p. 230
21
São princípios básicos da OMC: 1- Não Discriminação; 2- Previsibilidade/Transparência; 3-
Concorrência Leal; 4- Proibição de Restrições Quantitativas; 5- Tratamento Especial e Diferenciado para
Países em Desenvolvimento; 6- Base Estável para o Comércio. Em relação ao objeto do presente texto,
destacam-se os princípios da Não discriminação e do Tratamento Especial e Diferenciado para Países em
Desenvolvimento. O princípio da não discriminação está contido no Art. I e no Art. III do GATT 1994 no
que diz respeito a bens e no Art. II e Art. XVII do Acordo de Serviços. Estes Artigos estabelecem os
princípios da nação mais favorecida (Art. I) e o princípio do tratamento nacional (Art.III). Pelo
princípio da nação mais favorecida, um país é obrigado é estender aos demais Membros qualquer
vantagem ou privilégio concedido a um dos Membros; já o princípio do tratamento nacional impede o
tratamento diferenciado de produtos nacionais e importados, quando o objetivo for discriminar o produto
importado desfavorecendo a competição com o produto nacional. Por sua vez, de acordo com o princípio
do Tratamento Especial e Diferenciado para Países em Desenvolvimento, contido no Art. XXVIII bis e na
Parte IV do GATT 1994, os países desenvolvidos abrem mão da reciprocidade nas negociações
tarifárias (reciprocidade menos que total). Já a Parte IV do GATT 1994 lista uma série de medidas
mais favoráveis aos países em desenvolvimento que os países desenvolvidos deveriam implementar.
Além disso, os Acordos da OMC em geral listam medidas de tratamento mais favorável para países em
desenvolvimento.

13
1.2 Área de Livre Comércio
Prevista no artigo XXIV do GATT, as Áreas de Livre Comércio são uma forma
simples e bastante comum de integração regional. Os Estados signatários de uma ALC
se comprometem a progressivamente eliminar as barreiras tarifárias e não tarifárias
existentes entre eles, sem, no entanto, firmar compromissos com relação a sua política
comercial externa no que diz respeito aos demais Estados. Dessa forma, as partes
mantêm a sua autonomia no que diz respeito às suas relações comerciais com países
terceiros, implicando em uma perda reduzida de soberania. Um exemplo de Área de
Livre Comércio é o NAFTA (Estados Unidos, Canadá e México).

1.3 União Aduaneira (Customs Union)


Neste modelo de integração, além da supressão total das barreiras tarifárias e
não tarifárias pelos Estados - como ocorre nas Áreas de Livre Comércio - os países
adotam uma política externa uniforme quanto às importações provenientes de Estados
não contratantes. Estabelece-se, assim, uma Tarifa Externa Comum (TEC), ou seja, uma
cobrança comercial na importação padronizada, que permite o estabelecimento de
tarifas idênticas para as importações. A TEC, via de regra, deve ser registrada na OMC.
Além disso, conforme destacam Porto e Flores22:

verifica-se também que as receitas alfandegárias são comunitárias, evitando-se


assim que sejam especialmente favorecidos os países por onde entram mais bens
na união, independentemente de se destinarem a consumidores de outros países,
e podendo proceder-se a uma utilização de verbas de acordo com critérios
definidos em comum.

Nessa linha, acerca das receitas próprias da União Europeia, aponta Pietro
Boria23:
Originally, the Treaties for the EEC24 and EAEC established that the operating
budget was covered by financial contributions distributed among the single
States because of an eminently political criteria (namely connected to the role
that each State had in the composition of the organs and in the voting
procedure). The provisional nature of this financial structure was also
demonstrated by a rule of the EEC Treaty (Article 269), where it was assigned
to the Commission the task of studying forms and procedures for the
replacement of the financial aid system with a system based on own resources,
mainly taken by the Common Customs Tariff. In 1969 in The Hague, based on
proposals put forward precisely by the Commission, the Member States started

22
PORTO, Manuel Carlos Lopes; FLÔRES JR., Renato Galvão. Teoria e Política de Integração na União
Europeia e no Mercosul. Editora FGV. Rio de Janeiro. 2006. p. 32.
23
BORIA, Pietro. Taxation in European Union. Editora Springer Nature. 2ª edição. Cham, Suiça.
Publicado em 13 de abril de 2017. p. 32.
24
“European Atomic Energy Community (EAEC)” e a “European Economic Community (EEC)”.

14
and concluded negotiations aimed at establishing guidelines for the system of
self-financing of the European Communities. In 1970 a treaty was signed in
Luxembourg which amended the rules on the formation of the Communities
budget and established the use of its own resources in replacement of the
financial contributions from Member States. Subsequently, by the Council
Decision of 05/24/1988, against the risk of the small size of its own resources,
the funding system has been overhauled with a broadening of the types and
mechanisms of computation of income payable directly to the Community.
Indeed, currently (according to art. 311 TFEU25), the European Union holds its
own financial resources mainly due to four types of revenue:
• customs duties collected at the borders of the European Union;
• withdrawals and contributions from agricultural activities;
• profit-sharing in the revenue of VAT applied by the Member States (to an
extent that may not exceed 1%);
• and finally a contribution (in principle determined as oscillating around 1%
of GDP) imposed each year by the EU to the individual Member States.

Destaque-se que uma União Aduaneira pode envolver, ainda, a livre circulação
de trabalho, capital, ou de serviços, a depender da vontade das partes.
A renúncia de soberania é muito mais relevante neste modelo do que no caso das
Áreas de Livre Comércio. Por essa razão, e considerando que um Estado não pode ser
membro de mais de uma União Aduaneira, trata-se de um acordo de integração
muito mais profundo, quando comparado aos estudados anteriormente.
Conforme será posteriormente detalhado, a união aduaneira é um alicerce
fundamental da União Europeia (UE), em vigor desde 1968.
Por outro lado, no caso do Mercosul, ainda hoje a união aduaneira é imperfeita,
pelas razões que serão posteriormente descritas.

1.4 Mercado Comum (Common Market)


O Mercado Comum caracteriza-se por abarcar a total eliminação das restrições
intrabloco de todos os fatores de produção, ou seja, de bens, serviços, capital e pessoas.
Trata-se de uma forma de integração extremamente complexa, uma vez que, para
viabilizar os seus objetivos, faz-se necessária uma cooperação considerável entre os
países, envolvendo acentuado esforço legislativo, ou até mesmo a instituição de uma
autoridade central capaz de estabelecer normas aplicáveis a todos os países-membros e
de representa-los perante o sistema multilateral de comércio.
Para cumprir as suas metas, é fundamental que os países-membros coordenem
políticas financeiras e monetárias, o que tem forte impacto na soberania das nações.

25
A consolidação do “Treaty on the Functioning of the European Union (TFEU)” e do “Treaty on the
European Union (TEU)” disponíveis em < http://eur-lex.europa.eu/legal-
content/EN/TXT/?uri=celex%3A12012E%2FTXT >. Acesso em 25.07.2017.

15
O único exemplo de um Mercado Comum que realmente conseguiu atingir esse
patamar de integração foi a Comunidade Econômica Europeia (CEE), anterior à atual
União Econômica e Monetária representada pela União Europeia. Não foi, de forma
alguma, um processo fácil: além da necessidade da instalação de instituições centrais, a
implementação de suas deliberações dependeu em grande medida do poder coercitivo
das decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).
No hemisfério sul, em 26 de março de 1991, Argentina, Brasil, Paraguai e
Uruguai assinaram o Tratado de Assunção, prevendo etapas de integração, para criar
o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), com a livre circulação de bens, serviços e
fatores produtivos, além do estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC)26.
Ainda, tem-se como meta a adoção de uma política comercial comum, a coordenação de
políticas macroeconômicas e setoriais, e a harmonização de legislações nas áreas
pertinentes. O artigo 1º do ato27 declara:
Os Estados Partes decidem constituir um Mercado Comum, que deverá esta estabelecido
a 31 de dezembro de 1994, e que se denominará "Mercado Comum do Sul"
(MERCOSUL).
Este Mercado Comum implica:
A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre
outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não tarifárias à
circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente;
O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial
comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de
posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais;
A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes de
comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de
serviços, alfandegárias, de transporte e comunicações e outras que se acordem, a fim de
assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes, e
O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas
pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.

Os artigos 5º, 6º e 7º do Tratado de Assunção estabelecem as regras


concernentes ao campo tributário, nos seguintes termos:
ARTIGO 5
Durante o período de transição, os principais instrumentos para a constituição do
Mercado Comum são:
a) Um Programa de Liberação Comercial, que consistirá em reduções tarifárias
progressivas, lineares e automáticas, acompanhadas da eliminação de restrições
não tarifárias ou medidas de efeito equivalente, assim como de outra restrições ao
comércio entre os Estados Partes, para chegar a 31 de dezembro de 1994 com
tarifa zero, sem barreiras não tarifárias sobre a totalidade do universo tarifário
(Anexo I);

26
A implementação de uma tarifa externa comum, característica essencial de uma união aduaneira,
somente foi iniciada no fim de 1994, início de 1995, a partir da edição do Protocolo de Ouro Preto.
27
O Decreto nº 350, de 21 de novembro de 1991 promulga o chamado Tratado de Assunção, que visa a
Constituição de um Mercado Comum entre a República Argentina, a República Federativa do Brasil, a
República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai (TRATADO MERCOSUL).

16
b) A coordenação de políticas macroeconômicas que se realizará gradualmente e
de forma convergente com os programas de desgravação tarifária e eliminação de
restrições não tarifárias, indicados na letra anterior;
c) Uma tarifa externa comum, que incentive a competitividade externa dos
Estados Partes;
d) A adoção de acordos setoriais, com o fim de otimizar a utilização e mobilidade
dos fatores de produção e alcançar escalas operativas eficientes.

ARTIGO 6
Os Estados Partes reconhecem diferenças pontuais de ritmo para a República do
Paraguai e para a República Oriental do Uruguai, que constam no Programa de
Liberação Comercial (ANEXO I).

ARTIGO 7
Em matéria de impostos, taxas e outros gravames internos, os produtos originários
do território de um Estado Parte gozarão, nos outros Estados Partes, do mesmo
tratamento que se aplique ao produto nacional.

A primeira etapa de integração, de natureza provisória, e que tinha por objetivo


impulsionar a formação de um mercado comum, terminou em 31 de dezembro de 1994.
Por sua vez, a segunda etapa, de caráter definitivo, foi iniciada em 01 de janeiro de 1995
com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto, o qual foi firmado em 17 de dezembro de
1994 e entrou em vigor, para o Brasil, em 1995.

Não obstante os avanços no sentido da integração28, além de diversas exceções à


TEC, cujos casos específicos variam dependendo do país membro, o comércio dentro da
região ainda sofre até os dias de hoje dupla incidência de tarifas aduaneiras em diversas
circunstâncias. No mesmo sentido, não há iniciativa concreta de harmonização dos
impostos incidentes sobre a circulação de mercadorias e serviços. Com efeito, enquanto
Argentina, Uruguai e Paraguai possuem cada qual um imposto de valor adicionado
(IVA) de competência federal, o que facilita a harmonização no âmbito do bloco
regional, o Brasil possui um sistema tributário de elevada complexidade, reflexo da
forma de estado tridimensional. Nesse sentido, no Brasil há tributos incidentes sobre a
base consumo, o que pode afetar a circulação de mercadorias e serviços, de competência
tanto da União (IPI, PIS e COFNIS), como dos 26 Estados e do Distrito Federal (ICMS)
e também dos 5570 Municípios (ISS), o que eleva sobremaneira a dificuldade de
harmonização da legislação tributária dos impostos indiretos no bloco regional.

28
O Protocolo de Ouro Preto, por exemplo, estabeleceu a instituição de um direito derivado, ao indicar
órgãos com competências decisórias vinculantes aos estados partes, o que ocorre por meio de decisões,
resoluções e diretivas. Considerando que o Tratado de Assunção não estabelecia expressamente a
obrigatoriedade das decisões e resoluções para os estados membros muitas dúvidas e discussões existiam
acerca do caráter vinculante dos atos comunitários.

17
Embora nos últimos anos a relevância política e econômica do MERCOSUL
tenha notoriamente declinado, é a mais abrangente iniciativa de integração regional já
implementada na América Latina. O aperfeiçoamento da União Aduaneira, hoje ainda
imperfeita, é um dos objetivos basilares do MERCOSUL. Como passo importante nessa
direção, os Estados Partes concluíram, em 2010, as negociações para a conformação do
Código Aduaneiro do MERCOSUL, no entanto até hoje não aprovado pelo Parlamento
Brasileiro.
Os membros do MERCOSUL (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, países
fundadores, e Venezuela, que completou seu processo de adesão em meados de 2012)
abrangem, aproximadamente, 72% do território da América do Sul (12,8 milhões de
km², equivalente a três vezes a área da União Europeia); 70% da população sul-
americana (275 milhões de habitantes) e 77% do PIB da América do Sul em 2012 (US$
3,18 trilhões de um total de US$ 4,13 trilhões, segundo dados do Banco Mundial).29
Nos últimos encontros dos Estados Partes houve a reafirmação de dar
prosseguimento à integração regional, mas a escassez de diretrizes para a resolução dos
problemas reais, além do fato de que o MERCOSUL não está no centro da preocupação
dos países participantes, coloca a evolução do acordo em risco. Projetos e medidas
internas, bem como a ausência de coordenação entre os Estados Partes inviabilizam o
cumprimento do acordo. Como exemplo de obstáculo ao fortalecimento do Mercosul,
temos que o próprio Brasil exerce intenso controle aduaneiro na fronteira com o
Paraguai, impedindo a livre circulação de mercadorias entre dois países membros do
Mercosul30.
No início da gestão do presidente Michel Temer em 2016, foi anunciada a
tentativa de se flexibilizar as negociações por meio do Mercosul, a fim de se concretizar
acordos bilaterais, sem a necessidade de haver concordância e adesão dos demais países
pertencentes ao bloco31.
Não obstante o exposto, na 50ª cúpula do Mercosul, ocorrida em julho de 2017,
com a participação de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, o Brasil assumiu a

29
Disponível em:
<http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=686&catid=143&Itemi
d=434&lang=pt-BR>. Acesso em 14/01/2016.
30
CAPARROZ, Roberto. Comércio internacional e legislação aduaneira esquematizado. 4ª Edição.
Editora Saraiva. São Paulo. 2017. p. 231
31
Disponível em <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/05/na-argentina-serra-defende-negociacoes-
flexiveis-no-mercosul.html>. Acesso em 6.6.2016.

18
presidência do bloco econômico32 e fez parte da pauta brasileira a “importância de o
Mercosul concluir o acordo sobre compras governamentais; a continuidade da
eliminação de barreiras comerciais entre os integrantes do bloco; e harmonização de
normas técnicas, além das negociações do Mercosul para o fechamento do acordo
comercial com a União Europeia”.33

1.5 União Econômica e Monetária (Economic Union)


Como dito, a União Europeia passou de um Mercado Comum a uma União
Econômica e Monetária, envolvendo a adoção de políticas fiscais, monetárias e
econômicas unificadas, a criação de um banco central comunitário (ou Banco Central
Europeu) e a criação de uma moeda em comum, o Euro.
Por se tratar do único exemplo existente na atualidade de uma União Econômica
e Monetária, a UE serve como referência única desse tipo de modelo de integração. A
harmonização das políticas comunitárias envolve a edição de diversas diretivas e
resoluções, bem como de uma extensa lista de órgãos para definir regras, implementá-
las e resolver conflitos.
Além de ter como finalidade a livre circulação de bens, serviços, pessoas e de
capital, é importante ressaltar que a União Europeia possui também preocupações
humanitárias, o que é evidenciado pela criação de uma Comissão destinada a
providenciar recursos financeiros aos países menos desenvolvidos que compõem o
bloco (European Commission's Humanitarian Aid and Civil Protection department).
A União Europeia conta atualmente com 28 países-membros, sendo que nem
todos adotaram a moeda comum e, enquanto alguns países apresentaram pedidos
formais para integrar o bloco (Albânia, Macedônia, Islândia, Sérvia e Montenegro), o
Reino Unido segue o sentido oposto com o Brexit.

1.6 União total – Político-Jurídico-Econômica-Social


A União Total é um modelo teórico que representa o grau mais elevado de
integração, inexistindo qualquer exemplo concreto dessa espécie de integração na

32
Apesar de integrante do Mercosul, a Venezuela foi suspensa do grupo em dezembro de 2016, por não
ter cumprido, segundo os demais países do bloco, os acordos e tratados do protocolo de adesão.
33
Disponível em < http://g1.globo.com/politica/noticia/temer-viaja-a-argentina-para-participar-da-cupula-
do-mercosul.ghtml>. Acesso em 24.07.2017.

19
atualidade34. Consistiria na integração dos ordenamentos jurídicos do bloco, com a
promulgação de uma Constituição supranacional.
A União Europeia deu um passo importante no sentido de uma integração total,
quando, em 2004, 25 países europeus assinaram um tratado que buscava estabelecer
uma Constituição Europeia que substituiria os tratados já firmados na União Europeia.
O texto, contudo, foi ratificado por apenas 18 países-membros, sendo que a rejeição do
tratado pela França e pela Holanda acabou por impossibilitar a sua implementação.

2.1 Regionalismo versus Multilateralismo

A correlação entre o regionalismo e o multilateralismo tem sido objeto de grande


controvérsia há muito tempo, em especial no que se refere à compatibilidade do
crescimento do número de acordos bilaterais e regionais de comércio em face daqueles
multilaterais restritos e multilaterais de caráter global. Nesse sentido aponta Jonathan
Lynnautor35:
Os países que buscam fechar um acordo global para tornar as regras de
mercado mais simples e abertas também estão estabelecendo acordos paralelos
que tornam o mercado mais complexo, distorcem o fluxos e põem pequenos
países à mercê das nações maiores e mais ricas. Diplomatas e especialistas em
comércio dizem que acordos regionais estão criando uma teia confusa de
ligações comerciais – geralmente descritas como “tigela de espaguete” – que
pode minar os esforços da Organização Mundial do Comércio (OMC) de
nivelar o campo de ação para todos. “O regionalismo não vai desaparecer. Vai
continuar. E se expandir, disse Eirik Glenne, embaixador da Noruega na OMC.
Mas esses tratados de livre comércio não são a melhor forma de organizar o
comércio mundial, afirmou ele na semana passada em uma reunião da OMC. A
principal objeção a esses acordos pequenos é que eles encorajam laços entre
certos parceiros e grupos de países em vez de outros, levando produtores a
negociar com fornecedores que talvez não sejam os mais competitivos. “A
tijela de espaguete pesa mais para os países menores”, disse Richard Baldwin,
especialista em comércio do Instituto de Graduação em Estudos Internacionais
em Genebra. (...) acordos regionais entre governos, costumam ignorar a
realidade das empresas modernas, que se baseiam em cadeias mundiais de
comércio, envolvendo dezenas de países, “O comércio não é feito entre países,
comércio é feito entre empresas”, lembra Michael Treschow, presidente da
Ericson, empresa sueca de infra-estrutura para telecomunicações. Seu
argumento é que o comércio é algo tão complexo que não pode ser regulado
por tratados bilaterais, mas precisa de acordos pelo mundo, multilaterais, e que
a OMC é a única instância que pode lidar com a questão.”.

34
Saliente-se, no entanto, com diferenças relevantes, a transformação da confederação norte americana
em uma federação, os Estados Unidos da América. Destaca Boria: “The destruction which followed the
Second World War clearly puts the historical conditions to revamp, with renewed vigour, a process of
integration of European countries. Exemplary of such ideological climate is the speech given by Winston
Churchill on 09/19/1946 at the University of Zurich in which it was argued the need to create, through a
gradual process, the United States of Europe”. In, BORIA, Pietro. Taxation in European Union. Editora
Springer Nature. 2ª edição. Cham, Suiça. Publicado em 13 de abril de 2017. p. 26.
35
Jornal Valor, p. A11, Segunda feira, 17 de setembro de 2007.

20
Após apontar os avanços realizados por meio da Organização Mundial do
Comércio, a aludida controvérsia acerca dos efeitos dos acordos regionais sobre o
multilateralismo global foi abordada por Roberto Azevêdo, que é o atual Diretor-Geral
da OMC36, em dezembro de 2015, nos seguintes termos:
Apesar dessas conquistas37, negociar novos acordos multilaterais segue sendo
um desafio para a Organização. Ao tentar avançar as negociações da Rodada
Doha com vista à Conferência Ministerial em Nairóbi, no dia 15 deste mês,
dificuldades já bem conhecidas vieram à tona. Ainda que um pacote de
resultados significativos – que pode incluir decisões em agricultura e
desenvolvimento – continue sendo possível em Nairóbi, estaremos longe de
atingir os objetivos da Rodada Doha, iniciada em 2001. O avanço muito lento
é, ao menos em parte, um dos motivos por que o mundo está buscando
alternativas no comércio internacional.
O sistema comercial multilateral e iniciativas regionais sempre existiram lado a
lado. Aliás, cada membro da OMC faz parte, em média, de 13 acordos
regionais ou bilaterais. Essas iniciativas reforçam e complementam o sistema
multilateral, mas certamente não podem substituí-lo; há muito em jogo.
Acordos globais beneficiam também os países mais pobres, ao passo que se
dependermos apenas de acordos regionais os menos desenvolvidos serão
excluídos. Além disso, alguns dos grandes temas comerciais, como subsídios
agrícolas, não serão resolvidos por essas iniciativas. Corremos o risco de criar
um emaranhado de diferentes estruturas tarifárias, normas e regulamentos
superpostos, impondo um fardo à atividade econômica. Isso certamente não
facilitaria a vida das empresas. Ao mesmo tempo, estaríamos abrindo mão dos
benefícios mais amplos que acordos globais podem gerar. Enquanto iniciativas
regionais tendem a reforçar parcerias preexistentes, acordos multilaterais
podem trazer mais vantagens ao forjar novos elos comerciais.
Não estamos vendo apenas um aumento de iniciativas regionais, mas também
uma mudança nos temas abordados. A maioria das iniciativas comerciais fora
da OMC tem o DNA da OMC – a linguagem utilizada em diversos temas é
muito similar às regras multilaterais. Porém temos notado que essas iniciativas
também estão desbravando novas áreas. Novamente, isso é positivo, mas é
preocupante que esses tópicos não sejam discutidos num fórum em que todos
se possam manifestar. Esse é o caso de temas como investimentos, comércio
eletrônico, política de concorrência e questões trabalhistas. Nenhum desses
temas está sendo atualmente negociado da OMC.

Parte III – Aspectos gerais do processo de harmonização tributária na União


Europeia (os tributos indiretos e diretos)

A política fiscal no bojo do processo integrativo da União Europeia (UE) possui


dois componentes: a fiscalidade direta, que continua a ser da exclusiva

36
Disponível em < http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,hora-de-decisao-para-a-omc,10000004534
>. Pesquisa em 24.07.2017.
37
Apontou Roberto Azevedo (vide nota acima), que desde 1995 até dezembro de 2015, as “tarifas médias
foram reduzidas pela metade, o que contribuiu para uma expansão de 2,5 vezes no comércio mundial.
Novos membros se juntaram à OMC – incluindo China e Rússia – e hoje a Organização e suas regras
cobrem 98% do comércio mundial. Além disso, essas regras evitaram que a crise de 2008 desencadeasse
uma espiral protecionista. Desenvolvemos, ainda, o sistema de solução de controvérsias mais ativo e
eficiente do plano internacional, com cerca de 500 casos em 20 anos”.

21
responsabilidade dos Estados-Membros, e a fiscalidade indireta, que afeta a livre
circulação de mercadorias e a livre prestação de serviços no mercado interno.
Na tributação indireta, a União Europeia coordena e harmoniza a tributação
sobre o valor acrescentado/adicionado (IVA) e outros impostos específicos que incidem
sobre o consumo (excise duties), objetivando evitar desequilíbrios concorrenciais.
No campo da tributação direta a disciplina é mais restrita, conforme será
indicado posteriormente.
Em que pese o exposto, merece destaque, inicialmente, ainda no contexto do
processo de integração fiscal, que as chamadas tarifas aduaneiras (customs duties),
incidentes sobre o comércio exterior, são impostos sob o ponto de vista brasileiro,
submetendo-se ao regime jurídico tributário e administrados pela Secretaria da Receita
Federal do Brasil.
Nos termos já salientados, a união aduaneira é um alicerce fundamental da
União Europeia (UE), em vigor desde 1968. Como decorrência do processo integrativo
as fronteiras foram abolidas entre os países membros no que se refere ao comércio de
todos os bens, sendo proibidas as cobranças aduaneiras entre os países membros ou
encargos de efeito semelhante38.

It means that borders are abolished between member countries in relation to the
trade of all goods (Article 28 of the Treaty on the Functioning of the European
Union (TFEU). Between member countries customs duties, or charges having a
similar effect, are forbidden.
At external borders, the Common Customs Tariff, along with the Integrated
Tariff (TARIC), are applied to goods from non-EU countries. Goods moving
freely within the EU must comply with the rules of the internal market and
with certain provisions of the Common Commercial Policy. In addition, the
Community and Union Customs Codes ensure that Member States’ customs
authorities apply the rules uniformly.

Nesse sentido, de acordo com o art. 3º do Tratado que organiza o funcionamento


da União Europeia (TFEU) a União dispõe de competência exclusiva em relação às
questões aduaneiras, matéria regulada nos artigos 28 a 32 do ato. Por sua vez, os artigos
206 e 207 do mesmo ato determinam uma política comercial comum fundada em
princípios uniformes.

38
Disponível em: <http://eur-
lex.europa.eu/summary/chapter/customs.html?root_default=SUM_1_CODED=12>. Acesso em
10.12.2016.

22
1.1 Aspectos históricos relevantes do processo integrativo Europeu com impacto
para a tributação

Winston Churchill, ex-Primeiro Ministro Britânico (1940-45 e 1951-55), foi um


dos primeiros a suscitar a criação de uma União Europeia em sentido realmente
federativo (‘kind of United States of Europe’), em um famoso discurso para jovens
estudantes na Universidade de Zurich em 1946, logo após o fim da segunda guerra39:

There is a remedy which ... would in a few years make all Europe ... free and ...
happy. It is to re-create the European family, or as much of it as we can, and to
provide it with a structure under which it can dwell in peace, in safety and in
freedom. We must build a kind of United States of Europe.

Sobre o processo de criação da União Europeia sintetiza Pietro Boria40:

On April 18th 1951 the Treaty establishing the European Coal and Steel
Community (so-called ECSC) was signed in Paris among the six countries
mentioned above41. That was the first concrete act which resulted in a
limitation of sovereignty for the individual nation-States in favour of a
supranational body of matrix typically European. In 1954, on the initiative of
the Netherlands, it was presented a memorandum explaining the reasons for a
widening of the scope of supervision of the supranational. In 1956 it was
approved in the Venice Conference a report given by a committee chaired by
the Belgian Minister Spaak (the so-called “Spaak Report”) regarding the
establishing a common European market. On March 25th 1957 were signed in
Rome two other treaties concerning the establishment of the European Atomic
Energy Community (EAEC) and, above all, the European Economic
Community (EEC). While not containing an explicit statement of principles in
the regulatory text, the Treaty allowed to single out the purposes of the
aggregation supranational, especially through the indication of purposes and
means essentially attributable to the economic order: first, the establishment of
a common European market, which could guarantee certain fundamental
economic freedoms; and secondly, the progressive approximation of the
economic policies pursued by individual national States. Accordingly, the
main rules of the Treaty were to protect and to promote fundamental
freedoms regarding in general a competitive structure of the market and
particularly: a) the free movement of goods; b) the free movement of
people; c) the right of establishment and the free movement of services; d)
the free movement of capitals.
The limitation of sovereignty of each Member State was the abdication about
the power to deal independently with the issues implied by the four freedoms,
entrusting the European institutions the power to regulate by legislation the
related matters.
During the eighties of the twentieth century it was progressively strengthened
the process of European integration. With the Single European Act, signed on
February 14th 1986 it was initiated the completion of the single market,
overcoming the uncertain implementation of the first phase of integration with
greater completeness and redefining the text of the Treaties. Furthermore, in a
series of international conferences the expansion of Community powers was

39
Disponível em: < https://europa.eu/european-
union/sites/europaeu/files/docs/body/winston_churchill_en.pdf> Acesso em 27.07.2017.
40
BORIA, Pietro. Taxation in European Union. Editora Springer Nature. 2ª edição. Cham, Suiça.
Publicado em 13 de abril de 2017. p. 26.
41
São eles: “France, Germany, Italy, Belgium, Netherlands and Luxembourg”.

23
addressed beyond the economic functions provided for by the Treaty. This
ferment came, finally, in the signing of the Treaty of Maastricht on February
7th 1992 by which the Member States (which meanwhile reached the number
of fifteen) undertook to pursue two additional purposes in addition to those
originating in the European Community, namely the beginning of a political
union and, above all, the establishment of an effective monetary union. The
structure of the European Union, as outlined in the Maastricht Treaty, is based
on the three pillars that make up the symbolic temple of the Union:
a) the Community dimension, governed by the provisions contained in the
Treaties establishing the European Communities (so-called first pillar); b) the
Common Foreign and Security Policy (CFSP) governed by Title V of the
Treaty on European Union (so-called second pillar); c) cooperation in the fields
of justice and home affairs (CJHA) covered by Title VI of the Treaty, which
has become, following the amendments to the Treaty of Amsterdam, police
cooperation in criminal matters (so-called third pillar).
In particular, the amendments to the EEC Treaty represent the most innovative
part of the whole Treaty of Maastricht, starting with high symbolic value
attributed to the provision that replaces the name “European Economic
Community” by “European Community” throughout the Treaty of Rome in
1957, making evident even in formal terms the transition from a functional
conception of Europe to the European Union. Further amendments made to the
Treaty of Rome appear substantial and relate in particular to the institutional
structures, to the decision-making and especially to the extension of the areas
of European competence. In this latter regard, it should be noted that the
Community is expressly entrusted the task to promote and ensure: a) the
balanced development of economic activities, respecting the environment
(according to the criterion of sustainable growth), b) the convergence of
economic performance; c) the pursuit of high employment and social
protection; d) improving the quality of life and social cohesion, to the
advantage of the least favoured regions; e) solidarity between Member States,
including through mechanisms for the financial contribution for the less
developed regions. Just the list of the additional tasks conferred upon the EU
(all contents are basically economic) makes clear that the purpose of a political
and social integration continues to be prefigured essentially through a process
of cooperation to achieve in terms of economic development. It is correctly
noted, in this regard, as the Maastricht Treaty, while achieving the
nominal passage from the European Economic Community to the
European Union42, does not create a federal union in actual sense,
remaining always the original character of a community of States aimed at
seeking forms of coordination and cohesion of an economic nature. To
confirm the centrality of economic functions in the process of European
integration it can also be mentioned the last phase, at least in order of
time, namely the establishment of the monetary union among all the
member countries through the replacement of national currencies by a
single European currency (euro). This phase resulted in the substantial
abdication of the national States about monetary policy with respect to the
transfer of all powers connected (and primarily the management of the discount
rate) in favour of a European institution, the European Central Bank. Even in
this case the reduction of the sphere of national sovereignty—and the
consequent transfer of functions to the European Union—has typically

42
O Tratado de Maastricht, firmado em 07.02.1992, é designado formalmente como “Treaty on European
Union” ou “TEU”, firmado pelos membros da Comunidade Europeia (“European Communities”). O
Tratado também conferiu o nome de Comunidade Europeia à Comunidade Econômica (CEE),
nomenclatura já utilizada antes mesmo do Tratado. Já em 01.12.2009, conforme será abaixo descrito, o
Tratado de Lisboa entrou em vigor e reformou muitos aspectos da União Europeia. Em particular, mudou
a sua estrutura jurídica, fundindo o sistema de três pilares da União Europeia em uma única entidade
jurídica provisionada com personalidade jurídica, criado um presidente permanente do Conselho Europeu
e reforçou a posição do alto representante da União para os negócios estrangeiros e a política de
segurança.

24
involved a competence of economic order. Finally, it should be noted that on
04/16/2003 some treaties were signed in Athens in order to fix the extension of
the number of the countries belonging to the European Union through the
acceptance of ten Member States from May 1st 2004. Later agreements were
finalised that have allowed the entry of two other Member States since January
1st 2007 and one Member State since January 1st 2015. Currently, therefore,
the European Union consists of twenty-eight member countries.

Nesses termos, conforme destaca o autor, apesar do Tratado de Maastricht


realizar a passagem nominal da Comunidade Económica Europeia para a União
Europeia, não criou uma federação em sentido real, permanecendo sempre a
personagem original de uma comunidade de Estados-membros destinada a buscar
formas de coordenação e coesão de natureza económica, o que tem relevância
fundamental sob o ponto de vista tributário.
Ainda sobre o processo de integração formal, cujos detalhes fogem ao escopo
deste curso, importante salientar que em dezembro de 2001 foi publicado43 o relatório
da EUROPEAN COUNCIL MEETING, ocorrida em Laeken, na Bélgica, denominado
“Declaration o Laecken on the future of the Europe”, no qual destaca-se o objetivo de
“redefinir competências entre a União e os Estados Membros”44, e contém o
reconhecimento no sentido da oportunidade e relevância da adoção de uma Constituição
Europeia:

Towards a Constitution for European citizens


The European Union currently has four Treaties. The objectives, powers and
policy instruments of the Union are currently spread across those Treaties. If
we are to have greater transparency, simplification is essential.
Four sets of questions arise in this connection. The first concerns simplifying
the existing Treaties without changing their content. Should the distinction
between the Union and the Communities be reviewed? What of the
division into three pillars?
Questions then arise as to the possible reorganisation of the Treaties. Should a
distinction be made between a basic treaty and the other treaty provisions?
Should this distinction involve separating the texts? Could this lead to a
distinction between the amendment and ratification procedures for the basic
treaty and for the other treaty provisions?
Thought would also have to be given to whether the Charter of Fundamental
Rights should be included in the basic treaty and to whether the European
Community should accede to the European Convention on Human Rights.
The question ultimately arises as to whether this simplification and
reorganisation might not lead in the long run to the adoption of a
constitutional text in the Union. What might the basic features of such a

43
Disponível em: <
https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&ved=0ahUKEwi-
8pam3KnVAhWBQZAKHXf4BLQQFggxMAE&url=http%3A%2F%2Fwww.consilium.europa.eu%2Fe
n%2Feuropean-council%2Fconclusions%2Fpdf-1993-2003%2Feuropean-council-meeting-in-laeken--
presidency-conclusions-14-15-december-
2001%2F&usg=AFQjCNGxPHfg3kJbzNuLW9QpUzqTtvCr8w>. Acesso em 27.07.2017.
44
“the redefinition of competences between the Union and the Member States”.

25
constitution be? The values which the Union cherishes, the fundamental rights
and obligations of its citizens, the relationship between Member States in the
Union?

Após a criação de grupos de trabalho, visando à substituição dos tratados


fundadores da União Europeia e produção de um projeto de Constituição Europeia
reforçando-a, o mesmo foi aprovado pela Comissão Europeia em 18.06.2004, sem,
entretanto, produzir os efeitos desejados. Antes de entrar em vigor o ato deveria ser
ratificado por todos os países, objetivando conferir legitimidade democrática ao
processo de ratificação, que fracassou em vários países.
Considerando o impasse criado, em julho de 2007, foi convocada uma nova
Conferência Intergovernamental, em Lisboa, com o objetivo de encontrar uma
alternativa ao Tratado Constitucional e dar continuidade às reformas, no sentido de
fortalecimento do processo integrativo. Desistiu-se então da ideia de uma Constituição
Europeia, procedendo-se a novas negociações com o objetivo de elaborar um tratado
modificativo. Então, em dezembro de 2007, os 27 chefes de Estado ou de Governo da
União Europeia assinaram o novo tratado modificativo em Lisboa, o qual entrou em
vigor no dia 1 de dezembro de 2009, depois de ter sido ratificado por todos os países ,
de acordo com as respetivas regras constitucionais.
Sobre o tema salienta Pietro Boria45:

As a result of this work it was issued a draft European Constitution, which


was approved by the European Council on June 18th 2004 and therefore
assumed the character of an act legally binding for the Member States,
however without absorbing it into the national laws. Moreover, these
procedures have not produced a positive result, for several Member (also as a
result of specific resolutions referendum) and therefore it was decided not to
adopt the European Constitution. The European Constitution draft has
thus stalled, failing the required unanimity for final approval of the
regulatory text in the European Union. Subsequently, a treaty which
incorporates the fundamental lines of the European Constitution has been
approved in Lisbon on 12/13/2007 by the 27 Member States that made up
the EU at that time, making not relevant changes to the previous version
as a result of a new political agreement between Member States (so-called
Lisbon Treaty). The procedures for implementation of the Lisbon Treaty in
the various countries have been completed successfully and the Treaty entered
into force on 12/01/2009. The Treaty of Lisbon preserves the basic structure of
the framework of the European Union by the regulations currently in force,
while producing some significant changes:
• removal of a distinction between the various European economic
communities and devoting themselves to the uniqueness of the European
Union;
• expansion of the powers and spheres of action of the EU, surpassing the
theory of so-called “Three pillars”;

45
BORIA, Pietro. Taxation in European Union. Editora Springer Nature. 2ª edição. Cham, Suiça.
Publicado em 13 de abril de 2017. p. 28/29.

26
• redefinition of the system of sources of law with an adjustment of the
functions of the EU institutions and legislative instruments;
• inclusion of the rules and principles on fundamental human rights elaborated
in the Charter of Nice.
With regard to taxation the existing rules in the Treaty were essentially
maintained, in many cases with a restatement of the full regulatory text
foresight. Some adjustments have been made to the discipline of legislative
procedures regarding the enactment of tax rules, without any distortion of
the regulatory system currently in force. The approval of the European
Constitution, at first, and of the Lisbon Treaty, at second, has been a critical
step in the consolidation of the European architecture, opening up new spaces
for the development of the European integration so as to ensure the attainment
of the purpose of political and social unification in addition to economic and
business integration. Indeed, the expansion of the sphere of competence of
the EU institutions beyond the horizon of the specific freedoms and
competitive single market has been one of the issues of greatest
significance to the European Constitution, almost in the direction of
unification of an effective federal State. On the other hand, not all
expectations of renewal originally entrusted to the Convention seem to have
paid off, as the conservative demands of many countries and the inevitable
tendency to seek compromises imposed combined solutions that essentially
have marginalized many of the innovative interventions on the role and
functioning of the EU institutions. In this perspective, the enactment of the
Treaty of Lisbon does not seem to be able to be still considered as the final
stage of the integration process, but rather as an evolutionary step, hopefully a
stepping stone towards a European federal State, which will have to be
followed by further steps and actions in order to ensure the assignment of
powers and more effective functions to the European institutional bodies.

1.2 A interface entre o processo integrativo europeu e as regras do GATT e OMC

Como visto, desde o pós-guerra o GATT foi o principal instrumento de


promoção da liberalização do comércio internacional, lastreado em alguns princípios
fundamentais, como a não-discriminação (princípio da nação mais favorecida e o
princípio do tratamento nacional), concorrência leal, transparência e reciprocidade.
No entanto, conforme também já destacado, as regras do GATT permitiram
“inúmeras derrogações e cláusulas de salvaguarda para dar conta de situações
econômicas específicas que justificam, frequentemente, medidas protecionistas”, tendo
em vista se tratar de um espaço de negociação marcadamente flexível, “a ponto de
provocar, no momento de sua criação, a adesão de 23 países, responsáveis, juntos por
80% do comércio mundial”.46
Entre as exceções já salientadas, desde que consistentes com as regras do artigo
XXIV do GATT, estão aquelas concernentes à criação de uniões aduaneiras47, zonas de
comércio livre comércio e acordos provisórios que levem à formação de uma união

46
BERSTEIN, Serge; MILZA, Pierre. História do século XX (1945-1973), Volume II – O mundo entre a
guerra e a paz. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2007. p. 22.
47
Aspectos geais relativos ao Mercosul serão mencionados na Parte IV.

27
Todos os Estados-Membros também são membros da OMC, no entanto, nas
negociações e na conclusão dos acordos, eles são representados pela União Europeia, na
presença da Comissão.
Sobre o tema, importante destacar que a Comunidade Europeia não foi uma das
partes contratantes no GATT de 1947, apenas os Estados-Membros foram signatários.
Por outro lado, quando o GATT foi sucedido pela OMC, em 1995 (tratado
firmado em 15.04.1994, com entrada em vigor em 01.01.1995), o signatário foi a
Comunidade Europeia (CE) ou European Community (EC), e não a União Europeia
(EU), apesar do já citado Tratado de Maastricht, de 1992, ter realizado a passagem
nominal da Comunidade Econômica Europeia para a União Europeia, conforme já
destacado.
No sítio da OMC encontra-se o seguinte esclarecimento48:
European Union or Communities?
Since 1 December 2009 “European Union” has been the official name in the
WTO as well as in the outside world. Before that, “European
Communities” was the official name in WTO business for legal reasons, and
that name continues to appear in older material. The EU is a WTO member in
its own right as are each of its 28 member states — making 29 WTO members
altogether. While the member states coordinate their position in Brussels and
Geneva, the European Commission — the EU’s executive arm — alone speaks
for the EU and its members at almost all WTO meetings and in almost all
WTO affairs. For this reason, in most issues, WTO materials refer to the “EU”
(or previously the legally-official “EC”). However, sometimes references are
made to the specific member states, particularly where their laws differ. This is
the case in some disputes when an EU member’s law or measure is cited, or in
notifications of EU member countries’ laws, such as in intellectual property
(TRIPS). Individual EU members speak in committee meetings or sponsor
papers, particularly in the Budget, Finance and Administration Committee.
Sometimes individuals’ nationalities are identified, for example the
nationalities of WTO committee chairpersons.

Portanto, atualmente, além da própria “European Union” (anteriormente


“European Community”), todos os Estados-Membros também são membros da OMC49.
No entanto, nas negociações e na conclusão dos acordos, eles são representados pela
União Europeia, com a presença da Comissão Europeia50. Do ponto de vista do direito

48
Disponível em: < https://www.wto.org/english/thewto_e/countries_e/european_communities_e.htm>.
Acesso em 13.12.2016.
49
Conforme será abaixo salientado, o artigo IX do Tratado de Marrakesh, que criou a Organização
Mundial do Comércio, disciplina a matéria.
50
A Comissão Europeia é o órgão que atua em nome da União Europeia no âmbito da OMC, negociando
e agindo como todos os outros atores de política externa. É prática comum que o representante da UE fale
em nome de todos os Estados-Membros, ainda que Estado-Membros esteja presente na reunião. No que
diz respeito à resolução de litígios no contexto da OMC, o serviço jurídico da Comissão Europeia é o que
ocupa a defesa em casos contra os Estados-membros da UE. Sobre o tema vide BAZERKOSKA, Julija
Brsakoska. THE EUROPEAN UNION AND THE WORLD TRADE ORGANIZATION: PROBLEMS
AND CHALLENGES. Disponível em: <

28
internacional, os acordos da OMC têm natureza multilateral e são juridicamente
divisíveis51. Conforme indica Julija Brsakoska52, antes mesmo de 1995 a Comunidade
Europeia adquiriu o status de contratante:

The European Community was not a contracting party to GATT 1947.


Only the EC Member States were. However, over the years, the EC acquired
the status of a contracting party for all purposes. All trade agreements and
protocols negotiated in the GATT framework provided in their final provisions
that the agreements were open for acceptance by the ‘contracting parties to the
GATT and by the EEC (or EC)’. Since 1970, most agreements negotiated in
the GATT framework have been accepted only by the EC, ie without
separate acceptance by the EC Member States. Starting with the Treaty of
Rome in 1957, the internal tariff walls within Europe were gradually taken
down. The Member States of the European Communities established a
common set of tariffs towards the rest of the world, while the duties on internal
trade were dismantled in 1968. According to article 133 TEC, the EC had the
authority to manage the common tariff wall. Therefore, the EC was acting as a
contracting party under GATT and had effectively replaced its Member States
as bearers of rights and obligations. This could only have been done with the
consent of the other GATT contracting parties. Since 1960, all GATT
contracting parties have accepted that the EC exercised practically all the rights
and fulfilled all the obligations under GATT law as a GATT contracting party.
Another interesting aspect of the relationship between the EC and the GATT is
the gradually changing role of the EC within different rounds of GATT
negotiations. Mortensen identifies the EC as a defensive GATT player at the
beginning of the GATT’s existence. According to him, external circumstances
permitted internal factors to shape EC behaviour in the early GATT years,
allowing domestic priorities to dominate trade diplomacy. He defines this
behaviour as a defensive version of European neo-mercantilism, and claims
that this was more or less tolerated by the US, although concrete trade conflicts
were fought bilaterally and occasionally inside the GATT. However, none of
these conflicts caused fundamental problems. The main issue on which the EC
was attacked in Washington and Geneva was its Common Agricultural Policy
(CAP). This was the case because US farmers felt the effects of the CAP in
falling world market prices. During the 1960s, both the European Member
States and industry representatives fended off US demands for market
liberalisation. Therefore, the Kennedy Round (1964–1969) was perceived as a
consolidation of the EC as a defensive GATT player. It was only the Tokyo
Round (1973–1979) that set GATT in motion after the standstill of the 1960s.
However, it failed to produce new GATT rules on new forms of protectionism,
namely the non-tariff barriers. Nevertheless, during the Uruguay Round,
GATT diplomacy changed greatly. Fourteen negotiation groups were formed
to conclude agreements on issues like agriculture, intellectual property rights,
and services, as well as institutional reforms. Besides the fact that the deadline
established for the Uruguay Round was not met, and that there were major
disagreements on issues connected with agriculture, this was a significant stage
for both the EC and the GATT. EC diplomats played a leading role in all other

https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=5&ved=0ahUKEwjK3P6jwK
nVAhVEjZAKHTpoCXkQFghGMAQ&url=http%3A%2F%2Fhrcak.srce.hr%2Ffile%2F139335&usg=A
FQjCNH0kkQ-uSKRJKTDnDhi-ajlUxzHKg>. Acesso em 13.12.2016.
51
T. Gazzini, ‘The Legal Nature of WTO Obligations and the Consequences of their Violation’, The
European Journal of International Law 2006-17, p. 727.
52
BAZERKOSKA, Julija Brsakoska. THE EUROPEAN UNION AND THE WORLD TRADE
ORGANIZATION: PROBLEMS AND CHALLENGES. Disponível em: <
https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=5&ved=0ahUKEwjK3P6jwK
nVAhVEjZAKHTpoCXkQFghGMAQ&url=http%3A%2F%2Fhrcak.srce.hr%2Ffile%2F139335&usg=A
FQjCNH0kkQ-uSKRJKTDnDhi-ajlUxzHKg>. Acesso em 13.12.2016.

29
areas of the Round. After certain hesitations, the EC joined forces with the
Americans on the GATS and TRIPS issues, and endorsed US ideas on the
inclusion of services and on intellectual property rights. Agriculture may have
caused many difficulties, but the breakthroughs on the GATS, TRIPS and
dispute settlement reforms proved to be more significant. Both agreements
protect current European competitiveness in designer goods, pharmaceuticals
and the global service industries.

Não obstante a nomenclatura adotada pelo Tratado de Maastricht, de 1992,


conforme já repisado, no âmbito do tratado de Marrakesh, que criou a Organização
Mundial do Comércio, a Comunidade Europeia foi a signatária do acordo original.
Nesse sentido dispõe o Art. XI do acordo:
Article XI
Original Membership
1. The contracting parties to GATT 1947 as of the date of entry into force of
this Agreement, and the European Communities, which accept this
Agreement and the Multilateral Trade Agreements and for which Schedules of
Concessions and Commitments are annexed to GATT 1994 and for which
Schedules of Specific Commitments are annexed to GATS shall become
original Members of the WTO.
2. The least-developed countries recognized as such by the United Nations
will only be required to undertake commitments and concessions to the extent
consistent with their individual development, financial and trade needs or their
administrative and institutional capabilities.

Ainda, nos termos do Art. IX do tratado de criação da OMC, se necessária a


realização de votação, quando as “Comunidades Europeias exercerem seu direito de
voto, devem ter um número de votos igual ao número dos seus membros”, que são
também membros da OMC:
Article IX - Decision-Making
1. The WTO shall continue the practice of decision-making by consensus
followed under GATT 1947(1). Except as otherwise provided, where a
decision cannot be arrived at by consensus, the matter at issue shall be
decided by voting. At meetings of the Ministerial Conference and the
General Council, each Member of the WTO shall have one vote. Where
the European Communities exercise their right to vote, they shall have
a number of votes equal to the number of their member States (2)
which are Members of the WTO. Decisions of the Ministerial
Conference and the General Council shall be taken by a majority of the
votes cast, unless otherwise provided in this Agreement or in the relevant
Multilateral Trade Agreement(3).
(…)
(2) The number of votes of the European Communities and their member
States shall in no case exceed the number of the member States of the
European Communities.

30
Nesse sentido Julija Brsakoska53 destaca a complexidade que envolve a
participação da União Europeia no âmbito da OMC e bem assim o substancial aparato
burocrático necessário para cumprimento de todas as regras:

The EC became an original member of the WTO in 1994. Due to its extensive
and exclusive competences on trade policy issues, membership came as a
continuation of the practice of the EC’s de facto membership in the GATT. As
the Member States have competences in some WTO issues, they are also WTO
members. Article XI of the Marrakesh Agreement that established the WTO
states that the contracting parties to GATT 1947, including all of the EC
Member States and the European Communities, would become original
members of the WTO. However, there is no requirement for a declaration of
competence. With regard to voting, each WTO member has one vote, while
the EC has a number of votes equal to the number of its Member States
that are WTO members. It is also stipulated that the number of votes of
the EC and its Member States shall not exceed the number of the Member
States. In practice, voting is rarely used in WTO decision making.
Furthermore, after the conclusion of the Uruguay Round, the EC Council, the
Commission, and the Member States agreed on a ‘code of conduct’ for future
WTO negotiations. The ECJ emphasised the duty of the Community and the
Member States to cooperate in the work of the WTO in Opinion 1/94
Competence of the Community to conclude international agreements
concerning services and the protection of intellectual property—article 228 (6)
EC Treaty. However, the ECJ did not further elaborate the consequences of
that duty. The EC Commission, the Council, and the Member States
subsequently entered into negotiations over a general code of conduct for the
participation of the EC and its Member States in the WTO, but the negotiations
were never concluded. The matter became part of the 1996 Intergovernmental
Conference leading to the Amsterdam Treaty, which only managed to achieve
a limited modification of article 133 EC Treaty. At present, there is still no
general document on EU and Member States participation in the WTO.
Nevertheless, there seemed to be no major difficulties in practice arising from
this joint membership and the Community was the main actor.23 There are a
number of factors that explain the success of this joint membership which in
effect comes close to exclusive Community/ Union membership. Perhaps the
most important one is that legal, economic, and diplomatic expertise in trade
issues is generally located in the European Commission. Therefore, there is no
real difference in how disputes that concern mixed competences and those
concerning exclusive competences are dealt with. In both cases, Commission
officials are the primary actors. After the Treaty of Lisbon came into force, the
EC was replaced by the European Union as a member of the WTO. The powers
within the Common Commercial Policy of the Union are delegated from the
national to the supranational level on all matters concerning international trade.
Accordingly, the European Commission speaks for the Union in the WTO
and acts like all other foreign policy actors in the WTO. It is common
practice to let the EU representative speak on behalf of all Member States
in the WTO. This is the case even if individual Member States are present.
Furthermore, with regard to WTO dispute settlement, the legal service of
the Commission is the one that takes up the defence in cases brought
against EU Member States. It is the European Commission that negotiates
at the World Trade Organization on behalf of the EU. The Commission
coordinates with the EU Member States through the Trade Policy Committee

53
BAZERKOSKA, Julija Brsakoska. THE EUROPEAN UNION AND THE WORLD TRADE
ORGANIZATION: PROBLEMS AND CHALLENGES. Disponível em: <
https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=5&ved=0ahUKEwjK3P6jwK
nVAhVEjZAKHTpoCXkQFghGMAQ&url=http%3A%2F%2Fhrcak.srce.hr%2Ffile%2F139335&usg=A
FQjCNH0kkQ-uSKRJKTDnDhi-ajlUxzHKg>. Acesso em 13.12.2016.

31
(article 133 Committee) and conducts EU policy following the guidelines set
down by the Member States in the Council of Ministers. The Commission also
regularly informs the European Parliament of key WTO issues. When an
agreement is negotiated at the WTO, the Commission needs the formal
authorisation of the Council and European Parliament to sign the agreement on
behalf of the EU. All agreements must be ratified by the Council of Ministers
by a qualified majority. Under the Lisbon Treaty, the role of the Parliament in
the process of concluding international agreements has been strengthened and
the consent of the EP is needed before the conclusion of treaties. Therefore,
according to this procedure of the Geneva negotiations, it can be seen that
the diplomatic machinery of the EU within the WTO is rather complex.
Namely, the relevant European Parliament Committees, like those on
International Trade or Development, are considered to be part of the permanent
apparatus of EU trade diplomacy. At the centre of EU diplomacy at the WTO
is the DG External Trade unit in the Commission. DG Trade consists of
roughly 550 people, currently headed by Commissioner Karel De Gucht.
Furthermore, Article 133 Committee is also part of the core diplomatic
machinery. The ‘EU representation to International Organizations in Geneva’
is another part of trade diplomacy even if it also manages relations with other
Genevabased international organisations. Finally, the national representation of
the Member States in Geneva should be added to this list. Therefore, the
conclusion is that the power of EU trade bureaucracy in daily WTO matters is
significant. The governance of the WTO, which is mostly issuespecific,
requires extensive legal and diplomatic expertise. This places the Commission
at the centre of most everyday activities in the WTO. Most of the criticism on
EU representation in the WTO, particularly in the United States, goes to the
double weight of votes. Since both the European Union and its Member States
are formally represented in the WTO process, it is argued that EU interests
have double weight in the WTO. Nevertheless, article IX of the WTO
Agreement determines that the number of votes cannot exceed the number
of the individual European Community (EC) Member States. Moreover,
the WTO Councils and bodies operate on a consensus voting norm and thus
WTO issues are almost never put to a formal vote. Consensus is determined in
the corridors and not by counting votes at meetings. According to Bourgeois,
anomalous dual membership may prove to be a bad solution, especially for the
EC/EU and from the Member States’ perspective. Under GATT 1947, the other
contracting parties had pragmatically accepted the EC as a single entity on the
grounds that one should not open Pandora’s Box in reviewing the GATT in
order to formally substitute the EC for its Member States. Article XI of the
WTO Agreement caries the risk that these efforts will come to naught. After
the establishment of the WTO, according to Mortensen, the European Union
took over leadership in the negotiation process. The EU put forward a new
agenda, the so-called ‘trade and ... agenda’. Under the leadership of the EU,
labour standards, exceptions for better environmental protection, procurement
liberalisation and global competition rules were put on the agenda. However,
the rest of the WTO was hostile, especially to issues like social rights and the
environment. The developing world had little confidence in the EU. To them,
this looked more like ‘neo-colonialism and green protectionism than free and
fair world trade’. In 2001, the EU was the main instigator of the Doha
Development Agenda. After eight rounds of trade negotiations initiated by the
United States, the ninth one in Doha was initiated by the EU after five years
(1996-2001) of campaigning. According to Anders Ahnlid, the EU met with a
fair degree of success in its quest for a new round, despite the persistent
protectionist nature of the Common Agricultural Policy and the new demands
emanating from civil society on trade policy in areas such as the environment,
labour rights and global justice. He argues that the ability of the European
Commission to form appropriate strategies depends on EU willingness and its
ability to exert leadership. A successful strategy has to strike a balance between
what is needed to satisfy EU Member States domestically, on the one hand, and
what is feasible at the multilateral level, on the other hand.

32
5.3 A correlação entre as normas da União Europeia e dos Estados Membros

Diferentemente do que ocorre na maior parte das Constituições dos Estados


federados, nos tratados não existem regras que esclarecem a arquitetura geral das
relações entre a União Europeia e os Estados-Membros no que diz respeito ao exercício
do poder de tributar.
A inexistência de uma tributação própria, isto é, de exações fixadas pela própria
União Europeia, revela o restrito papel de coordenação e de ajuste das políticas fiscais
implementadas pelos Estados-Membros.
Nesse contexto, nos termos já destacados, surgem as discussões quanto aos
fundamentos e consequências na aplicação do direito no contexto do processo jurídico
integrativo, por meio do qual há transferência de parcela do poder e funções tipicamente
nacionais para órgãos e instituições de caráter supranacional, questão que suscita a
clássica divergência entre monismo e dualismo.
No contexto da União Europeia, após destacar os distintos posicionamentos
adotados pelas Cortes Nacionais de um lado e da European Court of Justice de outro,
esclarece Pietro Boria54 que o debate continua aberto:
According to the guidelines set out, it should be clear that around the nucleus
of sovereignty attributed to the EU bodies stirs a debate not yet resolved. On
the one hand, the constitutional jurisprudence of the Member States has
acquired the conviction that the European Union is entrusted with some
regulatory powers, even exclusive, delegated by the Member States, which
have to be implemented through legislative measures in order to be integrated
into the national law; in this perspective, the EU legal order operates as a
separate and distinct legal system compared to the national legal order
(according to the typical postulates of the “dualistic” theory), and acts
essentially as a real limit to the legislative power of each State. On the other
hand, in the case law of the Court of Justice it has developed, since the
beginning, the idea that the EU legal order represents a constituent part of a
single legal order together with the national law; in this perspective, the
European Union is not as a mere custodian of delegated legislative powers, but
rather is a subject (preferably a combination of institutions and organs) which
has the power to issue rules that make up immediately the unique legal system
(“monistic” theory). Now, if the distance between the two different logical
reconstructions has been largely reduced, as it was recognized in the
constitutional jurisprudence about the immediate effectiveness of EU rules and
the non-application of conflicting national rules (so that it shows the substantial
coincidence of the effects of the “dualistic” theory with respect to the
“monistic” theory), it is equally true that the conceptual background remarks a
considerable distance to separate the two theoretical approaches. Indeed, the
basic belief underlying the “dualistic” theory can be traced in the affirmation of
the sovereignty of the nation-States that does not disappear, but rather is
defined and limited in reason of the regulatory powers delegated to the
European Union; therefore it is not registered a transfer of sovereignty to a

54
BORIA, Pietro. Taxation in European Union. Editora Springer Nature. 2ª edição. Cham, Suiça.
Publicado em 13 de abril de 2017. p. 26.

33
third party, but rather a self-determined limitation of the original regulatory
power by the individual owner (the nation-State), which can be reconstituted in
terms of a “selflimitation”. On the contrary, in the “monistic” perspective by
virtue of the establishment of a unified (and unique) system of law, the
sovereignty of the States is, albeit partially, divided and attributed to the
European Union, which takes the typical connotation of the subject holder of
an original regulatory power. Obviously, the distinction between the two
theoretical approaches is the identification of the legal logic that determines the
allocation of regulatory powers in the hands of the European Union: in the
“dualist” thesis the prevailing view is that the State is “stripped” of its skills
regulations to be assigned to the European Union, while in the “monistic”
thesis the European Union is recognized originally entitled to the exercise of
regulatory powers. In one case the transfer of regulatory powers to the
European Union posed itself as a sort of “proxy” and thus implies the
“selflimiting” will of the State, that can be defined as a “ second-degree
sovereignty” and indicates the derived character of sovereignty to the
supranational bodies. In the other case, the transfer of powers and
responsibilities to the EU is the result of the establishment of a new (and
unique) legal order, in which, since the beginning, it is defined a new logic of
regulatory powers of sovereignty; in this perspective, the European Union is
shown equipped with a “first-degree” sovereignty, as entirely comparable to
that accorded to the national States. Therefore it is opportune to understand, in
both perspectives indicated, what is the dimension of the sovereignty attributed
to the European Union, given the special nature of the assigned powers and the
lack of some of the distinctive and characteristic features of sovereignty (at
least in the traditional sense). It is interesting, at this purpose, to examine the
principles and the rules existing in the European law in the area of taxation
power also in order to verify what could be a reconstruction line of the
relations between the Member States and the European institutions regarding
the transfer of powers from one side to the other side and, consequently, how it
can be configured conceptually the sovereignty of the European Union.

5.4 Aspectos gerais da harmonização tributária na União Europeia

A harmonização tributária na União Europeia pode ser compreendida como o


fenômeno pelo qual busca-se eliminar as disparidades entre os diferentes sistemas
tributários, de modo a garantir o bom “funcionamento” do mercado comum e alcançar
as quatro liberdades almejadas pelo Bloco: a liberdade de circulação das
mercadorias, de pessoas, serviços e capital.
O objetivo, portanto, é definir uma estrutura tributária básica comum,
harmonizando os aspectos fundamentais de determinados tributos e reduzindo as
especificidades da legislação fiscal dos países que compõem a União Europeia.
O processo de harmonização em matéria tributária é de grande relevância para
o processo de integração europeu, tendo em vista que diferenças no direito tributário
interno dos Estados podem resultar em distorções no mercado, já que é possível que
determinado país ofereça uma tributação que permita uma concorrência desleal. Nesse
sentido, a União Europeia conseguiu implementar algumas medidas de harmonização

34
fiscal, ao menos no que diz respeito aos tributos indiretos: aqueles em que o ônus
financeiro é repassado ao consumidor final pelo contribuinte de direito55. Isto porque
esses tributos possuem uma maior capacidade de alterar o preço dos bens e
serviços, ameaçando a neutralidade competitiva do mercado.
O Tratado de Roma, assinado em 25 de março de 1957, responsável pela
criação da Comunidade Econômica Europeia, determina que:

Article 99
The Commission shall consider how the legislation of the various Member States
concerning turnover taxes, excise duties and other forms of indirect taxation,
including countervailing measures applicable to trade between Member States,
can be harmonised in the interest of the common market. The Commission shall
submit proposals to the Council, which shall act unanimously without prejudice
to the provisions of Articles 100 and 101.

Por sua vez, o artigo 113 do Tratado sobre o Funcionamento da União


Europeia (Treaty on the Functioning of the European Union – TFEU) prevê
explicitamente a harmonização tributária como princípio e meta a ser alcançada no
âmbito do bloco:
Article 113

The Council shall, acting unanimously in accordance with a special legislative


procedure and after consulting the European Parliament and the Economic and
Social Committee, adopt provisions for the harmonisation of legislation
concerning turnover taxes, excise duties and other forms of indirect taxation to
the extent that such harmonisation is necessary to ensure the establishment and
the functioning of the internal market and to avoid distortion of competition.

Observe-se que os dispositivos mencionam apenas tributos indiretos, em


especial (a) o imposto sobre o valor acrescentado (value added tax – VAT), (b) o
imposto sobre o volume de negócios (turnover taxes) e (c) o imposto especial de
consumo (excise duties)..
O processo de harmonização é normalmente implementado em decorrência de
instrumentos legais promulgados pela União Europeia, como as Diretivas e os
Regulamentos, mas pode ser consequência também de decisões do Tribunal de Justiça
da União Europeia, que por vezes demanda a modificação de normas internas para
aumentar a efetividade dos princípios traçados pelo mercado comum. Há, contudo, uma
forte preferência à utilização de Diretivas, que estabelecem os princípios gerais e a

55
No Brasil, podemos citar como exemplos de tributos indiretos o ICMS e o IPI.

35
estrutura básica do tributo em análise, mas permite que os Estados se adequem às
mudanças como desejarem, dentro de certo período de tempo.
Note-se que, conforme o expresso nos dispositivos anteriores, a adoção de
qualquer norma de harmonização de tributos indiretos requer, em primeiro lugar, a
vontade unânime do Conselho Europeu. Em 1985, a Comissão Europeia publicou o
“White Paper on completing the internal market56”, que aponta as então dificuldades
para “completar” o processo de integração e propõe soluções a essas questões. Dentre
os obstáculos sinalizados, está o princípio da unanimidade na harmonização de
tributos indiretos. Apesar disso, a regra não foi modificada e até hoje é imprescindível
a ação unânime do Conselho para a definição de medidas de harmonização em matéria
tributária.
Em segundo lugar, os dispositivos exigem que a matéria passe pelo crivo do
órgão legislativo (Parlamento Europeu), ainda que o seu papel seja meramente
consultivo, sendo que o Conselho tem a função principal na harmonização fiscal.
A legislação da União Europeia, bem como as decisões tomadas pelo Tribunal
de Justiça, vem moldando a legislação doméstica dos países europeus, especialmente no
que se refere aos tributos indiretos.
Por falta de previsão específica, o papel da União Europeia no que se refere aos
tributos diretos – cujo ônus financeiro é suportado pelo próprio contribuinte de direito –
“consiste principalmente em garantir a aplicação dos princípios de não discriminação e
de livre circulação no mercado único”57. Dessa forma, não há interferência significativa
e direta na legislação interna dos Estados membros quanto aos tributos incidentes sobre
a riqueza: imposto sobre a renda, imposto de doação, etc., por exemplo. Isso porque a
harmonização de tributos diretos encontra forte resistência dos Países-Membros, uma
vez que o poder de tributar é uma das faces mais características da soberania estatal,
sendo que os tributos diretos são aqueles que os Estados têm maior hesitação em alterar
a sua legislação em função da UE.
Dessa forma, os Estados possuem bastante liberdade para elaborar o seu
próprio sistema tributário, devendo, contudo, evitar o conflito com as normas da União

56
Disponível em: http://europa.eu/documents/comm/white_papers/pdf/com1985_0310_f_en.pdf
57
Conforme exposto no próprio site de União Europeia – ver: https://europa.eu/european-
union/topics/taxation_pt

36
Europeia. Segundo o relatório “Promoting the internal market and economic growth”,
de janeiro de 201558:

Legislation in the direct tax area is limited to bringing the different laws in each EU
country more in line with each other (approximation of laws). This can only be done to
the extent necessary to improve the functioning of the European Union’s internal market
and address common cross-border challenges such as tax evasion. How the European
Union takes action in the tax area What you see: four friends having a good time in a beer
garden in Munich. What you don’t see: the EU fosters fair trade by harmonising excise
duties on beer. © Fotolia/Westend61 6 THE EUROPEAN UNION EXPLAINED
Legislation in the indirect tax area may involve harmonising national laws. Tax rules for
goods and services that differ too much can distort competition between businesses and
make it difficult to buy and sell products across borders.

Assim, diferentemente do que ocorre com os tributos indiretos, é rara a edição


de normas que procurem harmonizar os tributos diretos. Inclusive, atualmente existem
apenas cinco casos de Diretivas com esse propósito, quais sejam59:

• Diretiva n°611/85 de 12/20/1985, relacionada à tributação de capital e


investimentos coletivos;

• Diretiva n°434/90 de 23.7.1990, sobre a regulação de fusões, cisões,


transferência e equity trading de natureza intra-Comunitária;

• Diretiva n°435/90 de 23.7.1990, sobre a regulação das relações entre filiais a


nível da UE, com foco nq tributação de dividendos (Directive “mother-
daughter”);

• Diretiva n°48/2003, de 3.6.2003, regulamenta o tratamento tributário das


rendas provindas de capital desembolsado por cidadãos não pertencentes
(“Savings Directive”); 


• Diretiva n°49/2003, de 3.6.2003, modificada pela Diretiva n°76/2004,


relative ao regime tributário aplicável aos juros, royalties e pagamento de
royalties entre sociedades associadas em diferents Estados membros.

As diretivas acima expostas não foram, entretanto, propostas e editadas nos


termos do já citado artigo 113 do TFEU, mas sim do artigo 115 do mesmo diploma60

58
Relatório disponível em:
https://ec.europa.eu/taxation_customs/sites/taxation/files/docs/body/taxation_internal_market_en.pdf
59
BORIA, Pietro. Taxation in European Union. Editora Springer Nature. 2ª edição.
Cham, Suiça. Publicado em 13 de abril de 2017. p. 69
60
Article 115 TFEU
Without prejudice to Article 114, the Council shall, acting unanimously in accordance with a special
legislative procedure and after consulting the European Parliament and the Economic and Social

37
(antigo artigo 94 do Tratado de Maastricht), que possui natureza geral e permite a
adoção de Diretivas que determinem a aproximação das legislações domésticas,
regulamentos e procedimentos administrativos que afetem o correto funcionamento do
mercado interno.
Muito se discute, na própria União Europeia, se os tributos diretos não
deveriam também ser harmonizados. Um dos mais recentes esforços diz respeito à
proposta da Comissão de uma Diretiva para um Imposto de Renda – Pessoa Jurídica em
comum (Directive for a Common Consolidated Corporate Tax Base – CCCTB)61,
proposta em 2011. Em 2015, o assunto ainda estava pendente no Conselho, mas a
própria Comissão voltou atrás e retirou a proposta para depois relança-la, o que ainda
não foi feito. De acordo com a Comissão, o CCCTB permitiria que as empresas
tratassem a UE como um único mercado para fins do imposto sobre a renda, facilitaria
atividades além da fronteira e, finalmente, promoveria o objetivo de fazer da União um
local mais competitivo para investimentos internacionais. A eliminação da dupla
tributação também constitui um dos objetivos dessa iniciativa.
Antes, em 1970, o Plano Werner identificava a harmonização de tributos
diretos como uma medida necessária para a efetiva realização da união econômica e
monetária, sugerindo a aproximação da estrutura dos tributos diretos para eliminar
diferenças de tratamento entre residentes e não residentes, além de excluir a
possibilidade de bitributação. No entanto, as intenções não produziram resultados
concretos e foram desconsideradas pelos regulamentos da EU62.
Uma das formas pelas quais a União Europeia supervisiona as leis tributárias
nacionais é através do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). A Corte se tornou
uma grande força no sentido de harmonizar os sistemas tributários na União Europeia,
proferindo decisões importantes em matéria de tributos diretos - pouco regulamentados
por meio de Diretivas ou Regulamentos - e indiretos, aprofundando cada vez mais a
harmonização; isso apesar dos obstáculos existentes nos órgãos executivos do bloco,
como o requisito de unanimidade e a resistência dos Estados em ceder parte
significativa de sua soberania. Na opinião dos professores Gerhard Laule e Robert
Weber:

Committee, issue directives for the approximation of such laws, regulations or administrative provisions
of the Member States as directly affect the establishment or functioning of the internal market.
61
Ver: http://ec.europa.eu/smart-regulation/roadmaps/docs/2016_taxud_006_ccctb_rm_en.pdf
62
BORIA, Pietro. Taxation in European Union. Editora Springer Nature. 2 ª edição.
Cham, Suiça. Publicado em 13 de abril de 2017. p. 146

38
The efforts of the European Court of Justice stand out in contrast to the lack of
political will on the part of the member states to provide a European tax code
and thereby a wide-ranging harmonisation of taxation by legislation. The
judgements of the Court relevant to direct taxation in recent years make clear
that it will provide the decisive impetus towards tax harmonisation. On the basis
of the basic principle of nondiscrimination contained in the EC Treaty, namely in
Art. 39 ff. (free movement of workers), Art. 43 ff. (freedom of establishment), in
Art. 49 ff. (free movement of services) and in Art. 56 ff. (free movement of
capital and payments)10, the Court has elaborated clear principles to which
national taxation must adhere. In addition, the Court has, in its relevant
judgements, advanced the existing degree of harmonisation in indirect taxation.
The Court, therefore, drives forward the process of European tax harmonisation
and has become a powerful force, perhaps the most important force, for its
achievement.63

A primeira decisão do TJEU quanto a tributos diretos foi tomada em 1986 – o


“Avoir fiscal case” (C-270/83)64, quando a Corte reforçou que as regras nacionais para
tributos diretos não podem comprometer as liberdades asseguradas pela Comunidade
Europeia. No caso, a França oferecia créditos tributários nos dividendos pagos a
companhias de seguros em função de investimentos em outras empresas francesas,
sendo que o mesmo benefício não se estendia a estabelecimentos permanentes de
sociedades cuja sede fosse em outros países.

63
LAULE, Herber; WEBER, Robert. Harmonisation of the Tax Systems in Europe Judgements of the
European Court of Justice. P. 2 e 3
64
Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/legal-
content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:61983CJ0270&from=EN

39
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41

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