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Professor Me.

Gilson Aguiar

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E
FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO

graduação

PEDAGOGIA

MARINGÁ-pr

2012
Reitor: Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor: Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração: Wilson de Matos Silva Filho
Presidente da Mantenedora: Cláudio Ferdinandi

NEAD - Núcleo de Educação a Distância

Diretoria do NEAD: Willian Victor Kendrick de Matos Silva


Coordenação Pedagógica: Gislene Miotto Catolino Raymundo
Coordenação de Marketing: Bruno Jorge
Coordenação Comercial: Helder Machado
Coordenação de Tecnologia: Fabrício Ricardo Lazilha
Coordenação de Curso: Márcia Maria Previato de Souza
Supervisora do Núcleo de Produção de Materiais: Nalva Aparecida da Rosa Moura
Capa e Editoração: Daniel Fuverki Hey, Fernando Henrique Mendes, Jaime de Marchi Junior, José Jhonny Coelho, Luiz
Fernando Rokubuiti e Thayla Daiany Guimarães Cripaldi
Supervisão de Materiais: Nádila de Almeida Toledo
Revisão Textual e Normas: Cristiane de Oliveira Alves, Janaína Bicudo Kikuchi, Jaquelina Kutsunugi e Maria Fernanda
Canova Vasconcelos

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central - CESUMAR


CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação
a distância:

C397 Fundamentos históricos e filosóficos da educação/ Gilson


Aguiar - Maringá - PR, 2012.
187 p.

“Graduação em Pedagogia - EaD”.


1. Didática. 2. História da educação. 3. EaD. I. Título.

CDD - 22 ed. 370


CIP - NBR 12899 - AACR/2

“As imagens utilizadas neste livro foram obtidas a partir dos sites PHOTOS.COM e SHUTTERSTOCK.COM”.

Av. Guedner, 1610 - Jd. Aclimação - (44) 3027-6360 - CEP 87050-390 - Maringá - Paraná - www.cesumar.br
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FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E
FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO

Professor Me. Gilson Aguiar


APRESENTAÇÃO DO REITOR

Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos.
A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para
liderança e solução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no
mundo do trabalho.

Cada um de nós tem uma grande responsabilidade: as escolhas que fizermos por nós e pelos
nossos fará grande diferença no futuro.

Com essa visão, o Cesumar – Centro Universitário de Maringá – assume o compromisso


de democratizar o conhecimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos
brasileiros.

No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas


do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento
de uma sociedade justa e solidária” –, o Cesumar busca a integração do ensino-pesquisa-ex-
tensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que
contribua para o desenvolvimento da consciência social e política e, por fim, a democratização
do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade.

Diante disso, o Cesumar almeja ser reconhecido como uma instituição universitária de referên-
cia regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de compe-
tências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; consolidação da extensão
universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação
da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrativa; compromisso social
de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também
pelo compromisso e relacionamento permanente com os egressos, incentivando a educação
continuada.

Professor Wilson de Matos Silva


Reitor

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Caro(a) aluno(a), “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a
sua produção ou a sua construção” (FREIRE, 1996, p. 25). Tenho a certeza de que no Núcleo
de Educação a Distância do Cesumar, você terá à sua disposição todas as condições para se
fazer um competente profissional e, assim, colaborar efetivamente para o desenvolvimento da
realidade social em que está inserido.

Todas as atividades de estudo presentes neste material foram desenvolvidas para atender o
seu processo de formação e contemplam as diretrizes curriculares dos cursos de graduação,
determinadas pelo Ministério da Educação (MEC). Desta forma, buscando atender essas
necessidades, dispomos de uma equipe de profissionais multidisciplinares para que,
independente da distância geográfica que você esteja, possamos interagir e, assim, fazer-se
presentes no seu processo de ensino-aprendizagem-conhecimento.

Neste sentido, por meio de um modelo pedagógico interativo, possibilitamos que, efetivamente,
você construa e amplie a sua rede de conhecimentos. Essa interatividade será vivenciada
especialmente no ambiente virtual de aprendizagem – AVA – no qual disponibilizamos, além do
material produzido em linguagem dialógica, aulas sobre os conteúdos abordados, atividades de
estudo, enfim, um mundo de linguagens diferenciadas e ricas de possibilidades efetivas para
a sua aprendizagem. Assim sendo, todas as atividades de ensino, disponibilizadas para o seu
processo de formação, têm por intuito possibilitar o desenvolvimento de novas competências
necessárias para que você se aproprie do conhecimento de forma colaborativa.

Portanto, recomendo que durante a realização de seu curso, você procure interagir com os
textos, fazer anotações, responder às atividades de autoestudo, participar ativamente dos
fóruns, ver as indicações de leitura e realizar novas pesquisas sobre os assuntos tratados,
pois tais atividades lhe possibilitarão organizar o seu processo educativo e, assim, superar os
desafios na construção de conhecimentos. Para finalizar essa mensagem de boas-vindas, lhe
estendo o convite para que caminhe conosco na Comunidade do Conhecimento e vivencie
a oportunidade de constituir-se sujeito do seu processo de aprendizagem e membro de uma
comunidade mais universal e igualitária.

Um grande abraço e ótimos momentos de construção de aprendizagem!

Professora Gislene Miotto Catolino Raymundo

Coordenadora Pedagógica do NEAD - CESUMAR

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APRESENTAÇÃO

Livro: FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO


Professor Me. Gilson Aguiar

Caro(a) aluno(a), este trabalho é a realização de um objetivo e o começo de um desafio. Feito


para garantir a(o) graduando(a) em Pedagogia um entendimento das origens do pensamento
ocidental e, por consequência, de como está estruturada nossa forma de compreender o
homem contemporâeno.

Este trabalho é fruto de uma insistência em compreender melhor o que somos para traçar um
caminho para o desenvolvimento do pensamento ocidental e da educação no Brasil. É ainda
um desafio quando a função deste material é qualificar educadores, aqueles que terão em
suas mãos a capacidade de preparar o homem e lhe dar potencial para mudar seu destino.

Sou um educador, formado em História, mestre em História e Sociedade, um apaixonado pela


construção da civilização ocidental, a qual, você vai perceber, é tema corrente neste trabalho,
dedicado a você, futuro(a) pedagogo(a).

Gostaria de lembrá-lo(a) que ser “pedagogo(a)” na Grécia Antiga é conduzir para a educação,
um desafio ainda nos dias de hoje. Mas há um exemplo que pode ser resgatado, o de Aristóteles.
Um dos maiores pensadores gregos nasceu na cidade de Estagira, mas migrou para Atenas,
principal cidade-estado grega para ingressar na Escola de Platão, o centro da cultura grega.

Buscar como Aristóteles é fruto de uma ação. Um ato necessário que deve partir de nós,
mais do que qualquer outra pessoa. Como afirma Sartre(1973, p. 13), o filósofo francês do
existencialismo:
O quietismo é a atitude das pessoas que dizem: os outros podem fazer aquilo que eu
não posso fazer. A doutrina que voz apresento é justamente a oposto ao quietismo,
visto que ela declara: só há realidade na ação; e vai mais longe, visto que acrescenta:
o homem não é se não o seu projeto, só existe na medida em que sem realiza, não é,
portanto, nada mais do que o conjunto dos seus atos, nada mais do que a sua vida.

Por isso temos que agir, ir além, fazer nossa vida, escrevê-la.

Espero que este trabalho possibilite esse despertar pelo gosto da filosofia, da história da
educação e pelo interesse em sua própria vida. Uma vida que não se resuma em seus próprios

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interesses, mas de uma sociedade melhor. O fazer exclusivamente por nós é uma ideia falsa
de um objetivo de vida. Nós só seremos lembrados se deixarmos um legado, ir além da nossa
existência, dar um sentido social a ela.

Em sua primeira unidade, trabalharemos os pensadores clássicos. Colocar-se-á em questão


as primeiras construções do pensamento ocidental com o homem grego. Resgataremos os
pré-socráticos e seus dramas da existência. Drama que ainda hoje rodeia nossas vidas.

Avançaremos para Sócrates, um pensador que preferiu a morte ao negar sua crença. Falaremos
também sobre Platão, um dos discípulos corrompidos pelos seus pensamentos, que descreveu
o julgamento do mestre e se colocou no desafio de dar continuidade à educação do homem
pleno, o homem sábio.

De Aristóteles já falamos, fez uma jornada para migrar para Atenas e ser educado por Platão.
Mas nem isso o fez se submeter ao pensamento do mestre. Sem jamais desrespeitá-lo, o
questionou, fez a crítica e construiu sua forma independente de compreender a existência. O
que se espera de um bom aluno? Talvez o comportamento de Aristóteles nos responda, ir além
do mestre, mas sem lhe perder o respeito. Hoje se assiste ao desrespeito ao educador sem se
ter um avanço na qualidade humana.

No caminho da jornada do pensamento ocidental procurar-se-á compreender a construção


das bases do pensamento europeu. A relação entre a religiosidade cristã, que construiu o
predominante pensamento escolástico durante o Período Medieval, e a revolução científica
lançada pela Renascença, movimento cultural e científico dos Séculos XIV a XVI.

A partir da segunda unidade, avançaremos para o pensamento moderno e contemporâneo. A


supremacia planetária da filosofia ocidental. As conquistas econômicas e sociais da sociedade
europeia se expressaram em sua compreensão do homem, na sua organização política e, em
especial, na formação dos estados nacionais.

A segunda unidade ainda contemplará os grandes clássicos das ciências sociais. O positivismo
de Comte, o estruturalismo de Durkheim, o materialismo de Marx e a história cultural de
Weber. Mais que isto, resgataremos os pensadores contemporâneos do existencialismo e os
que resgatam por meio da fenomenologia a crise do indivíduo contemporâneo. E o homem
de hoje está em crise, necessitamos analisar com profundidade os fatores que a determinam.
Esse será um dos temas centrais da discussão desta unidade.

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Por fim, resgatar-se-á a história da educação. Em um texto rápido, mas com análises
necessárias sobre o contexto em que a educação brasileira viveu a construção de seu dilema,
nunca foi realmente para todos e quando foi não cumpriu e cumpre o seu papel.

Procuraremos demonstra o papel que o estado teve na ineficiência da educação pública


ao longo de boa parte da história brasileira. Mesmo quando assumiu o papel de propagar
a educação, a fez de forma quantitativa e não qualitativa. Mesmo hoje, os resultados da
educação do país comparada com a de outros países preocupam. O desempenho dos nossos
alunos do ensino público comparado com o privado também é um dilema. A história é um
importante instrumento para orientar nossa análise sobre esses problemas.

Espero que o objetivo que fez com que este trabalho surgisse seja atingido. Sempre haverá
algo a ser refeito. Sempre teremos que repensar nossa forma de compreender o mundo,
sempre descobriremos imperfeições. A imperfeição é nossa característica mais importante
e o repensar o nosso maior instrumento de superação. Um trabalho que peço a ajuda dos
meus leitores. Não rogo a plenitude, quando educar implica em reconhecer que se tem algo a
aprender. Por isso, mande observações, faça e refaça também a sua versão sobre o conteúdo
desta obra, ela é feita para você e deve ser revista a partir do momento em que você se
relaciona com o conteúdo que está presente nela.

“Um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio”, a frase de Heráclito nunca deve ser
esquecida. Este trabalho é como um rio, quando produzido como seu autor, eu sei que não
será visto por mim da mesma forma, como não sou o mesmo após tê-lo produzido. Espero
que você também se transforme ao entrar em contato com ele. Ele também irá mudar por tudo
isto, com certeza.

A mudança é uma necessidade, se a ciência puder promover as bases para que ela ocorra
sem perder o sentido que a vida tem para cada um de nós, preservando a convivência social
e respeitando-a, este trabalho terá cumprido o seu papel.

Muito Obrigado!

Gilson Aguiar

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Sumário

UNIDADE I

A ORIGEM DA FILOSOFIA

A ORIGEM DO PENSAMENTO FILOSÓFICO, DOS PRÉ-SOCRÁTICOS


AOS CLÁSSICOS GREGOS...................................................................................................16

ALÉM DA GRÉCIA: AS CIVILIZAÇÕES QUE HERDARAM


O PENSAMENTO GREGO......................................................................................................29

O PENSAMENTO FILOSÓFICO MEDIEVAL...........................................................................40

O NASCIMENTO DO ISLÃ......................................................................................................54

CRUZADAS À REDENÇÃO DO OCIDENTE, A UNIDADE CRISTÃ


E A DECADÊNCIA DO PAPA..................................................................................................57

UNIDADE II

DA FILOSOFIA DO MUNDO MODERNO AOS RACIONALISTAS: A EXPANSÃO


OCIDENTAL E A REVOLUÇÃO COPERNICANA

O NASCIMENTO DO PENSAMENTO OCIDENTAL MODERNO............................................69

A CONSTRUÇÃO DO ESTADO NACIONAL E A CIÊNCIA POLÍTICA....................................82

O SENHOR DO PENSAMENTO MODERNO..........................................................................91

DO RACIONALISMO ÀS PORTAS DO ILUMINISMO.............................................................94

UNIDADE III

DO PENSAMENTO ILUMINISTA AOS PENSADORES CONTEMPORÂNEOS

OS ILUMINISTAS...................................................................................................................108

OS PENSADORES DO MUNDO CONTEMPORÂNEO........................................................ 117

A CRISE DE IDENTIDADE HUMANA E OS PENSADORES CONTEMPORÂNEOS...........131


UNIDADE IV

A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: UMA AUSÊNCIA SENTIDA

OS PRIMEIROS TEMPOS.....................................................................................................146

EDUCAÇÃO LAICA, O ABANDONO..................................................................................... 151

DA COLÔNIA AO IMPÉRIO...................................................................................................154

UNIDADE V

DA VELHA REPÚBLICA À REPÚBLICA NOVA

O REGIME REPUBLICANO: EDUCAÇÃO DE SALIVA E PAPEL.........................................166

EIS QUE GETÚLIO SE ESTABELECE: O MODELO IMPOSTO...........................................169

O REGIME MILITAR E A EDUCAÇÃO ABAIXO DE BOTAS.................................................173

CONCLUSÃO.........................................................................................................................182

REFERÊNCIAS......................................................................................................................185
UNIDADE I

A ORIGEM DA FILOSOFIA
Professor Me. Gilson Aguiar

Objetivos de Aprendizagem

• Entender os desdobramentos do pensamento filosófico ocidental na Antiguidade,


Grécia e Roma.

• Compreender a importância dos pensadores clássicos gregos – Sócrates, Platão e


Aristóteles – e seus princípios que se propagaram além da Grécia.

• Estabelecer a relação entre o desenvolvimento de uma filosofia clássica com as


mudanças que o mundo sofreu na passagem da antiguidade para a Idade Média.

Plano de Estudo

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:


• A origem da filosofia com os pensadores pré-socráticos

• A importância dos filósofos clássicos para a construção de uma racionalida-


de ocidental

• A importância da relação entre a filosofia e a teologia cristã

• As diferentes concepções de cristianismo e sua influência sobre a concepção


de homem na Europa Medieval
INTRODUÇÃO
“Lembrar sempre que a filosofia nasceu do parto das ideias e não da compreensão racional
das coisas como são”.

Prezado(a) aluno(a), a importância da filosofia como base para a compreensão do mundo


muitas vezes é questionada. Sempre estamos à volta de que a reflexão sobre o mundo que
nos cerca é distante demais da realidade e de suas necessidades. Pode haver uma verdade
nisso. Se há uma verdade, ela está relacionada à ignorância da necessidade de compreender
o significado da vida humana, do que um educador não pode abrir mão, mas que infelizmente
muitos abrem.

Diante desta dúvida, procurei apresentar em cinco unidades a trajetória do pensamento


ocidental. Em relatos resumidos, com relacionamento constante com a contextualização
histórica de cada pensador e o contexto em que sua obra foi produzida, busquei desenvolver
um texto com os pontos fundamentais do histórico pessoal e os elementos fundamentais que
sustentam sua teoria.

Ao final da unidade há uma ou mais citações de autores trabalhados durante a unidade. Esses
textos, originais, clássicos, são fundamentais para que você se familiarize com o pensamento
em uma expressão original, mas também reflita sobre as questões que envolvam o nosso
tempo. De nada adianta uma obra de filosofia que fique restrita a um simples relato de ideias.
Por isso, procure também desenvolver temas que possam vir a sua mente durante a leitura.

Esta unidade parte do pensamento clássico grego, demonstrando as teses de Sócrates, Platão
e Aristóteles como base do pensamento filosófico ocidental. É possível perceber que esses
autores são citados no decorrer da unidade, servindo de base para os demais filósofos.

Teóricos como Santo Agostinho, Santo Anselmo, São Abelardo e São Thomáz de Aquino
demonstram a corrente de pensamento organizada dentro do discurso católico. A relação
direta entre o conhecimento de Deus e a verdade dos homens. Por mais que superado na

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 15


chamada “modernidade”, essa concepção dominou a vida europeia.

Nesta unidade, a principal sugestão é perceber o quanto o pensamento clássico (grego) e o


pensamento religioso moldam o que se tornará a ética ocidental. Ainda hoje temos instituições
religiosas que estabelecem sua perspectiva de existência nas concepções que você vai
estudar nesta unidade.

Boa leitura!

A ORIGEM DO PENSAMENTO FILOSÓFICO, DOS PRÉ-SOCRÁTICOS AOS


CLÁSSICOS GREGOS

Fonte: SHUTTERSTOCK.COM

A primeira obra que me ocorre é a “Apologia a Sócrates”, uma das obras de Platão. Nela, ele
relata o julgamento do pensador grego. O que se considera o maior dos filósofos, o “pai da
filosofia” 1.

1
O título de “pai da filosofia” é indicado a três grandes pensadores gregos, Sócrates, Platão e Aristóteles. Há
motivos para tentar condecorá-los com este título. Considero que os três têm importantes contribuições para a
construção do pensamento ocidental. O que tentaremos, de certa forma, contribuir para o entendimento nesta
simples obra.

16 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Nesse episódio, o julgamento foi resultado da denúncia de três moradores de Atenas – Ânito,
Meleto e Lícon.

O primeiro, Ânito, era um importante comerciante grego. Sua discórdia com Sócrates foi o filho,
um aprendiz do pensador. O comportamento questionador do aprendiz irritou o pai. Dessa
forma, juntou-se aos demais e fortaleceu a acusação assinada por Meleto.

Meleto era um poeta, pouco conhecido, mas segundo se levantou nas obras escritas por
pensadores gregos, teria se indisposto com Sócrates pela sua forma de propagar ideias e de
questionar o ganho de quem cobrava do ministério de ensinar, assim como Lícon, um professor
desconhecido, o prestígio de Sócrates irritava. “A inveja também mata, tanto quanto a vaidade”.

O pensamento socrático

Sócrates é um personagem controverso. Jamais deixou uma obra escrita, pelos menos até
agora nunca foi encontrado nenhum manuscrito de sua autoria. O que se sabe sobre vem de
relatos de outros pensadores. Discípulos, como Platão, ou inimigos e críticos, como Aristófanes.

Ele se negava aos manuscritos por considerar que a palavra escrita prenderia a ideia e a
colocaria limites, destruindo a capacidade de mudança e eternizando os erros. Hoje, são
exatamente estes erros escritos que nos faz reescrever o que somos. Mas em uma Grécia
onde a oralidade era o elemento determinante para a preservação da memória e repassar o
saber, não há o que julgar a postura.

Sua oposição aos sofistas, homens que percorriam as cidades discursando sobre temas da
natureza e da vida pública, lhe rendeu muitos inimigos. Sua crítica direcionava-se à prática de
discutir sem questionar, afinal os sofistas se prendiam ao que não discutia a essência humana,
mas apenas à manutenção da conduta ou à complexidade de raciocínios que os afastavam do
homem comum.

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Oposto à vida dos sofistas, Sócrates era visto em meio ao povo, andava descalço. Segundo
Platão, brincava com crianças e se apegava a pensar e refletir sobre as questões profundas
da existência humana. Jamais cobrou sobre suas palestras e diálogos.

A vida de filosofar e refletir sobre a existência humana e a capacidade de entendermos o que


nos cerca veio ainda na infância do pensador grego. Quando sua mãe, uma parteira, não
de profissão, ao ajudar o nascimento de uma criança, despertou em Sócrates o sentido da
reflexão, o que ficou conhecido como “maiêutica”.

O papel de um filósofo seria colaborar para despertar o nascimento da reflexão, o que todo
mundo tem como potencial dentro de si. Permitir que essa capacidade se expresse e se
mantenha constante ao entender os elementos que dão sentido a vida humana.

Por isso, Sócrates não se considerava um denunciador da verdade, mas alguém que quer
despertar a capacidade das pessoas de buscá-la. Para ele, mais importante do que propagar
a certeza é estimular a dúvida.

Fico pensando se não seria essa a função dos educadores. Não só aqueles que se formam
hoje para a educação institucionalizada, como também os que têm a capacidade de nos
indagar sobre o que nos cerca, sobre o dia a dia e, enfim, toda a nossa vida. Desvendar o
sentido da existência é o verdadeiro sentido de existir, do que adianta existir se não se tem a
compreensão do por que se existe.

Mas como todo pensador que compreende além do senso comum o sentido da vida, Sócrates
pagou com a sua própria a audácia de romper com o esperado, de sair do controle.

Nasceu em uma família humilde em 469 a.C, e foi condenado em 399 a.C. Sua origem humilde
contracenou com grandes momentos da história grega em que foi protagonista. Ele liderou
tropas gregas na Guerra do Peloponeso (431 a.C a 404 a.C) e, ao ser derrotado, preferiu
preservar a vida de seus homens a trazer consigo os corpos dos mortos. Um crime para os
gregos, mas se livrou da sentença ao argumentar “que sem os vivos não se pode enterrar os

18 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


mortos”. Mas por ter se tornado o pensador influente que percorria Atenas e contaminava sua
juventude, foi condenado em uma assembleia de 501 cidadãos.

O interesse dos juízes era que Sócrates se calasse, que fugisse para não ser executado, ou
que tivesse a língua cortada. Ele preferiu morrer, considerava que era um ganho diante das
outras opções que demonstravam a perda de fazer o que mais gostava.

Para ele, morrer teria duas possibilidades desconhecidas, uma delas seria um sono eterno
para quem morresse, seria o bom sono de uma única noite; a outra, se caso existisse outra
vida, seria de imortalidade e com homens bem melhores do que ele deixava nesta vida.

Uma das críticas feitas pelos amigos ao pensador grego, entre sua condenação e a execução
(30 dias), era que ele não pensava nos filhos. Caso pensasse, deveria fugir para preservar
a integridade de sua família. Diante dessa questão, ele dizia que os filhos devem seguir seu
destino. Da mesma forma que eles não teriam que ser condenados pelo que o pai fez, não
cabe ao pai fugir da condenação por eles.

Platão e a verdade universal, ir além de si, do próximo. Alcançar o eterno

Fonte: SHUTTERSTOCK.COM

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A principal crítica de Platão (427 a.C a 347 a.C) direcionava-se ao que não se estabelece como
verdade universal. Por mais que exista a necessidade dos valores imediatos da vida, temos
que ter um sentido maior que norteie nossa existência. Não é por acaso que ele é um discípulo
de Sócrates.

Sua trajetória dentro da filosofia grega tenta consolidar o pensamento filosófico e propagar
a universalidade do conhecimento. Sua busca por orientar a formação de um governo justo,
para ele, dirigido por um filósofo, o levou a Siracusa em três momentos. Neles, tentou mudar o
governo de Dionísio I e, depois, mais duas vezes, o governo de Dionísio II. Para Platão, o bom
governo tem um pensador à sua frente. A razão e a sabedoria são os melhores governantes.

Sua busca por propagar as ideias de justiça além das muralhas de Atenas lhe custou ser
vendido como escravo por Dionísio I. Foi resgatado por seus amigos atenienses que o
compraram e lhe devolveram a liberdade.

Entre suas idas e vindas da Magna Grécia (Sul da Itália) e de Siracusa, fundou a Academia
de Atenas. A primeira instituição acadêmica oficial do mundo ocidental. O modelo que se
propagaria e daria os moldes ao conhecimento desenvolvido pela civilização ocidental.

Uma das grandes contribuições de Platão é a divisão da verdade em dois elementos, o material
e o imaterial. O primeiro se refere às cosias em si, às que, pelos sentidos, percebemos em
sua existência física. A outra, a imaterial, é a que damos sentido, valor, aos elementos que nos
cercam. O conceito moral, a relevância social e o peso ético.

Da mesma forma que Sócrates, Platão considera a sabedoria nata, ela está em nós, mas
precisa ser despertada. Vivemos em um mundo de sombras que encobre a verdade sobre o que
nos cerca. Antes de nascermos, vivíamos em outro lugar, em um corpo celeste, onde tínhamos
a sabedoria sobre as coisas da terra, porque a víamos com um saber superior. Ao nascermos,
fomos jogados no mundo material e perdemos a consciência sobre nossa sabedoria. Cabe a
nós a busca de despertar o conhecimento e sairmos deste mundo de “sombras”, de ignorância.

20 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Por isso, ele considerava que nascemos sem consciência do mundo, ao convivermos com o
que nos cerca, lhe damos sentido. Mas a sabedoria repousa dentro de nós. A essa capacidade
de reconhecer as “coisas” e desvendá-la por um conhecimento anterior, o qual aos poucos
desperta, nós chamamos de anamnésia.

Essa capacidade de elucidação eleva o homem e lhe dá uma importância maior diante dos
demais. Esses devem ter acesso ao comando social. São eles os melhores elementos para
conduzirem a vida de uma cidade, de uma comunidade.

É assim que Platão concebe o bom governo, o dos sábios. A ordem social perfeita teria
neles os elementos mais elevados. Seriam os membros de “ouro” de uma sociedade ideal.
Seriam seguidos pelos soldados, aqueles que garantem a ordem e mantêm a unidade entre
os elementos de uma mesma comunidade. Essa camada social teria com principal virtude a
coragem. Por fim, os elementos inferiores seriam os da “temperança”, os servos e escravos,
os trabalhadores, ligados às necessidades materiais constantes e necessárias.

Da mesma forma que o corpo social idealizado por Platão, o homem, segundo ele, deveria
seguir o mesmo modelo. Entender a necessidade de uma vida dirigida por valores superiores,
integrar o corpo a um ideal maior que conduzisse a coragem e agisse sobre as necessidades
materiais concretas.
Suponhamos que alguém o traga para o outro lado do muro. Primeiramente ele ficaria
ofuscado e amedrontado pelo excesso de luz; depois, habituando-se, veria as várias
coisas em si mesmas; e, por último, veria a própria luz do sol refletida em todas as coisas.
Compreenderia, então, que estas e somente estas coisas seriam a realidade e que o sol
seria a causa de todas as outras coisas. Mas ele se entristeceria se seus companheiros
da caverna ficassem ainda em sua obscura ignorância acerca das causas últimas das
coisas. Assim, ele, por amor, voltaria à caverna a fim de libertar seus irmãos do julgo
da ignorância e dos grilhões que os prendiam. Mas, quando volta, ele é recebido como
um louco que não reconhece ou não mais se adapta à realidade que eles pensam ser
a verdadeira: a realidade das sombras. E, então, eles o desprezariam (PLATÃO, 1997,
pp. 287-289).

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 21


Aristóteles e a história da filosofia

Na Escola de Atenas, fundada por Platão, se destacou Aristóteles (384 a.C a 322 a.C), o mais
completo dos filósofos, o de maior destaque. Contudo, não foi o herdeiro oficial platônico. Vale
lembrar que a crítica ao mestre foi uma marca aristotélica. Mas esta é outra história contada
aqui aos poucos, enquanto entendemos o pensamento do preceptor2 de Alexandre, o Grande.

Várias características do pensamento aristotélico o fazem um filósofo distinto. Em primeiro


lugar, a capacidade de compreensão de um mundo que vai além da projeção de uma sociedade
ideal. Diferente de seu mestre, Platão, Aristóteles considerava fundamental compreender o
homem em conjunto com os fenômenos que o cercam. A natureza e sua dinâmica foram
algumas das preocupações do pensador.

Fonte: SHUTTERSTOCK.COM

2
Preceptor é aquele que ensina, é um mestre. Alexandre, o Grande, foi o imperador macedônico que conquistou
a Grécia, assim como boa parte do mundo conhecido na antiguidade. Aristóteles foi seu aio, que lhe esclareceu
diante das dúvidas de compreensão dos seus atos como senhor do Império Helenístico.

22 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


No pensamento aristotélicos está o respeito à reconstrução de uma lógica histórica. Entender
as mudanças do pensamento com o tempo e a maturidade do homem que compreende o
legado que herda. Aristóteles buscava compreender os resultados das obras dos filósofos que
o antecederam e contribuir para o avanço do conhecimento.

O perigo da obra aristotélica é a generalização do que o antecedeu, a análise particular de


uma grande quantidade de obras com diversidade de posicionamentos, nem sempre uma
continuidade. Esse determinismo acabou por confundir dois conceitos, o de resultado e
princípio.

O conceito de resultado é a preocupação de que todo o pensamento deve se prender a uma


única busca, a semelhança entre os elementos diferentes. Um exemplo é que há algo em
comum entre o cérebro do homem e do macaco, mas essa semelhança não pode ser o fator
que determine que o homem e o macaco sejam iguais, pois não são. Logo, não se aponta
a discordância com condição de se abordar um determinado conteúdo. Esta generalização
ameaça as abordagens que se faz da sequência histórica que Aristóteles propõe.

Se fossemos pensar o que isso significaria na atualidade, seria considerar que Aristóteles
considera o conhecimento produzido uma continuidade direcionada para um determinado fim.
Não implicaria em uma dinâmica que pode apontar para diferentes formas de compreensão
da existência.

Se pensarmos no significado de nossa vida e considerarmos como chegamos a um determinado


ponto, nós temos a impressão de que todos os fatos que nos antecederam conspiraram para
estarmos aqui, vivendo o que estamos vivendo. Isso seria incorreto. Somos um resultado, mas
nem sempre de uma condição desejada.

A preocupação com os que vieram antes

Como falamos anteriormente, Aristóteles se preocupou em resgatar os pensadores que o


antecederam. Aqueles que deram origem ao pensamento filosófico, diferenciando-os dos

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 23


historiadores ou dos sofistas. Para ele, pensadores como Tales (624-547 a.C) ou Parmênides
(530-460 a.C) foram importantes iniciadores da construção de uma lógica complexa e de um
entendimento superior sobre a essência da natureza e do homem.

Tales, que viveu na Itália, não buscava nos elementos da natureza o princípio único de tudo o
que nos cerca, para ele, o saber deve ir além do princípio moral. Ou seja, se a água está em
quase todas as coisas, e o Planeta é formado em sua maioria por água, não significa que ela é
a essência de tudo o que existe, a sua natureza não é determinante sobre as demais.

O saber verdadeiro, segundo o próprio Aristóteles, não se prende ao um conceito moral ou


ético, ele vai além, ele é eterno.

Heráclito (537 -573 a.C) foi emblemático, ele é o responsável pela célebre frase: “um homem
não pode se banhar duas vezes no mesmo rio”. Ou seja, o mundo viveu um movimento
constante. Tudo é mudança. Mas o que muda?

Quem foi um pioneiro nesse princípio foi Parmênides. Em sua série de poemas com o título
de “Da Natureza”, ele considerava que o conhecimento é o saber dos deuses. São eles que
compreendem a lógica do que existe e sua função. O homem nomina as coisas, mas não sabe
sobre sua essência e o que ela é capaz de determinar.

Aqui temos mais um aprendizado fundamental. O saber é eterno, os homens não. Viver sem
conhecer a importância da ciência, da essência de tudo, não é viver. Ou, se é, é existir sem
dar um sentido à existência.

Mas como é possível conhecer as coisas se tudo está em constante mudança? Esta
é uma indagação que ainda hoje movimenta as teses filosóficas. Vivemos um mundo em
transformação, como seria possível conhecer sua lógica? Existira um meio de compreender a
permanência sem perder os elementos que explicam as constantes mudanças?

Zenão (490-430 a.C), vindo de Eleia, a mesma cidade italiana de Parmênides, condenava

24 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


o movimento, assim como a diversidade, ele considerava que ambas eram um ilusão. “Nós
mudamos, as coisas não mudam. Temos que descobrir a mudança em nós e não nas coisas”.

Porém, a essência do mundo também é importante para os pré-socráticos como elemento


de compreensão da natureza. Os elementos que formam a materialidade das coisas também
podem ser os elementos que forma a materialidade da alma.

Um dos antecessores de Sócrates que tratou do tema, por mais que com distúrbios das análises
de Zenão e Parmênides, foi Anaximandro. Pouco se sabe sobre sua data de nascimento ou
morte, mas foi um dos membros da escola de Tales de Mileto. Ele considerava que o ar, e não
a água, seria o elemento vital para a manutenção da vida, inclusive da alma.

Mas nem todos os pensadores comungaram com a ideia prática da filosofia, do homem que
deveria entender os elementos e interferir em sua existência. Pitágoras nasceu na Grécia, em
Samos, mas desenvolveu seus trabalhos e sua “escola filosófica” no sul da Itália, em Crotona.
Ele considerava que o papel do filósofo é a contemplação. Comparava a existência aos jogos
olímpicos, uns vão para comprar e vender, os inferiores; outros vão para competir, os agentes
da política, os soldados, os que determinam a vida das instituições; por fim, os que vão assistir
e contemplar, estes são superiores, estes são os filósofos.

Conclusão desta discussão


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FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 25


O que estamos debatendo, além da lógica de filosofar o que nos parece “óbvio”, é entender
o posicionamento do homem diante da natureza e da justificativa de sua própria existência.
Ainda hoje buscamos compreender o que poderia estar além da nossa existência. Ou, ainda,
qual o papel da ciência na transformação do homem e daquilo que o cerca. A filosofia, de certa
forma, une estes dois elementos e dá um sentido maior à vida humana.

Vale ressaltar aqui o que foi discutido ao longo desta unidade, a tentativa dos pensadores
da antiguidade em desvendar o sentido da vida e a lógica do que está por trás do mundo
aparente, o que seria o princípio da vida e qual o significado do seu resultado.

Este material que é direcionado a alunos do curso de Pedagogia, do Ensino a Distância do


Cesumar, tenta ressaltar a importância do sentido do conhecimento. Ao trabalhar com a
formação e informação, temos que ter claro que conceito de homem se está definindo, um
homem que contempla ou um homem que transforma?

O debate acerca de questionamentos como “devemos valorizar os princípios ou as


funções?” ainda é atual. Hoje, diante do debate sobre o papel da educação, que discutimos
constantemente, estamos sempre polarizando entre a função que ela exerce e o princípio que
a norteia. Devemos nos preocupar com o mundo do fazer ou devemos nos dedicar a entender.

Em sua obra “História do Pensamento Ocidental”, Bertrand Roussell faz uma crítica ao
retrocesso filosófico religioso e ressalta a busca dos fatores que determinam os elementos da
natureza. Para ele:
O problema da sobrevivência significa, em primeiro lugar, que o homem precisa
tentar submeter as forças da natureza à sua vontade. Antes que isso fosse feito com
os meios que hoje podemos chamar de científicos, o homem praticava a magia. A
noção geral subjacente é a mesma em ambos os casos, pois a magia é uma tentativa
de obter resultados específicos com bases em certos ritos rigidamente definidos. [...]
Por outro lado, a religião se origina de sua fonte diferente e tenta obter resultados
independentemente da sequência regular (RUSSEL, 2001, p. 147).

26 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Contudo, este dilema ocidental sobre a natureza determinou o futuro não só da filosofia, mas
de todo o conhecimento por ela produzido. A discussão é longa e aqui, estamos só começando.

Mas até que ponto a inteligência do homem, construída sobre a verdade, o colocaria diante de si
mesmo e dos outros seres humanos como alguém compreendido? Não há obra que descreva melhor
a angústia da “verdade” do que o Mito da Caverna (PLATÃO, 1979, p. 73).
Imaginemos homens que vivam numa caverna cuja entrada se abre para a luz em toda a sua largura,
com um amplo saguão de acesso. Imaginemos que esta caverna seja habitada, e seus habitantes
tenham as pernas e o pescoço amarrados de tal modo que não possam mudar de posição e tenham
de olhar apenas para o fundo da caverna, onde há uma parede. Imaginemos ainda que, bem em
frente da entrada da caverna, exista um pequeno muro da altura de um homem e que, por trás desse
muro, se movam homens carregando sobre os ombros estátuas trabalhadas em pedra e madeira,
representando os mais diversos tipos de coisas. Imaginemos também que, por lá, no alto, brilhe o sol.
Finalmente, imaginemos que a caverna produza ecos e que os homens que passam por trás do muro
estejam falando de modo que suas vozes ecoem no fundo da caverna.
Se fosse assim, certamente os habitantes da caverna nada poderiam ver além das sombras das pequenas
estátuas projetadas no fundo da caverna e ouviriam apenas o eco das vozes. Entretanto, por nunca terem
visto outra coisa, eles acreditariam que aquelas sombras, que eram cópias imperfeitas de objetos reais, eram
a única e verdadeira realidade e que o eco das vozes seriam o som real das vozes emitidas pelas sombras.
Suponhamos, agora, que um daqueles habitantes consiga se soltar das correntes que o prendem.
Com muita dificuldade e sentindo-se frequentemente tonto, ele se voltaria para a luz e começaria a
subir até a entrada da caverna. Com muita dificuldade e sentindo-se perdido, ele começaria a se habi-
tuar à nova visão com a qual se deparava. Habituando os olhos e os ouvidos, ele veria as estatuetas
moverem-se por sobre o muro e, após formular inúmeras hipóteses, por fim compreenderia que elas
possuem mais detalhes e são muito mais belas que as sombras que antes via na caverna, e que agora
lhes parece algo irreal ou limitado.
Se o conhecimento liberta, mas nem sempre é compreendido, como na citação anterior de Platão, em
Aristóteles selecionamos a compreensão do sentido da educação, ao que ela serve.
Em nossos dias, o debate sobre a importância da educação está entre os interesses particulares e

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 27


os interesses coletivos. A quem interessa dar ao ser humano o conhecimento? Qual seria o conheci-
mento necessário?
Neste trecho da obra Política, Aristóteles (2012, p. 172) defende a educação como um instrumento da
coletividade que dá sentido à particularidade:
Ninguém contestará, pois, que a educação dos jovens deve ser um dos principais objetivos de cuidado
por parte do legislador; porque todos os Estados que a desprezam prejudicaram-se grandemente por
isso. Com efeito, o sistema político deve ser adaptado a todos os governos, e costumes adequados a
cada governo o conservam e mesmo o mantém sobre uma base sólida. Assim, os costumes democrá-
ticos ou oligárquicos são mais seguro fundamento da democracia ou da oligarquia; os costumes mais
puros dão sempre o melhor governo.
Demais, em toda a espécie de talento ou de arte, há coisas que é preciso conhecer antecipadamente,
e hábitos que é preciso contrair, para que estar em condições de executar os trabalhos que exigem;
assim é evidente que o mesmo deve acontecer com as ações virtuosas. Mas como existe um objetivo
único para a cidade, segue-se que a educação também deve ser única para todos, administrada em
comum e não entregue aos particulares, como se faz hoje dirigindo cada qual a educação dos seus
filhos e dando-lhes o gênero de instrução que melhor lhe parece. No entanto, aquilo que é comum a
todos deve também ser apreendido em comum. Ao mesmo tempo, é preciso não imaginar que cada
cidadão se pertença a si próprio, e sim que todos os cidadãos pertencem à cidade; porque todo indi-
víduo é membro da cidade, e o cuidado que se põe em cada parte deve, naturalmente, harmonizar-se
com o cuidado que cabe ao todo.
Quanto a isso, pode-se louvar aos lacedemônios, que empregavam o máximo de atenção na educa-
ção dos filhos, exigindo que ela fosse administrada em comum. É evidente, pois, que ao legislador
cabe ocupar-se da educação, e que ela deve ser comum. Nem se pode deixar na ignorância o que é
a educação, e como é preciso dirigi-la. Porque não se está de acordo quando os fatos, e já não mais
se entende quando as matérias que os jovens devem aprender para chegar à virtude e à vida perfeita.
Não se sabe bem se convém ocupar-se da inteligência ou das qualidades morais.
O sistema atual de educação dificulta esse exame; não se sabe ao certo se se devem ensinar as artes
úteis à vida, ou os preceitos de virtude, ou a ciência de pura recreação. Todas essas têm os seus par-
tidários, e nada está bem determinado sobre a virtude; os princípios variam sobre a própria essência
da virtude, de tal forma que as opiniões divergem sobre os meios de exercê-la.

28 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


ALÉM DA GRÉCIA: AS CIVILIZAÇÕES QUE HERDARAM O PENSAMENTO
GREGO

O que vimos aqui sobre o desenvolvimento do pensamento grego é apenas um fragmento, uma
pequena parte de uma discussão que tem uma “infinidade” de possibilidades de entendimento.
Mas procuramos demonstrar que a forma de compreender o mundo incomodou aqueles que
foram os fundadores do pensamento ocidental, a cultura helenística.

Para entendermos como este pensamento conseguiu ir além das fronteiras gregas, avançando
ao longo da história e chegando aos nossos dias, é necessário lembrar que os próprios gregos
sempre foram além de si fundando colônias e mantendo relações mercantis com vários povos
da antiguidade.

O momento inicial da expansão do pensamento grego, uma prévia do que viria a ser a
expansão do “ocidentalismo” 3, foi a conquista da Grécia pelos macedônicos, no Século IV.
Após conquistar os gregos, o Império Macedônico adotou a cultura grega como o princípio da
cultura a ser levada na expansão territorial.

As vitórias macedônicas se consolidaram na Ásia Menor, no Egito e em todo o Mediterrâneo


Oriental. Os povos que foram submetidos por Alexandre, o Grande, foram subordinados não
só a sua força militar, mas tiveram que conviver com a cultura grega. Instituições políticas e
língua, por exemplo, passaram a ser introduzidas nos “quatro cantos” do Império.

A influência não foi superficial como uma mancha em um tecido, ela se aprofundou e passou
a ser incorporada nas práticas comerciais, na vida pública na produção do conhecimento,
a orientação filosófica dos pensadores gregos ganhou novo sentido. Muitos desses
conhecimentos os ocidentais iriam reencontrar com as “Cruzadas” promovidas pelos cristãos

3
Aqui uso o termo “ocidentalismo” para definir o pensamento ocidental que hoje se propaga por todos os cantos
do Planeta. Combatido, mesclado, adotado ou imposto, a compreensão ocidental do mundo se propagou
em conjunto com suas conquistas. Nas instituições ocidentais criadas ao longo da história, nas relações que
estabeleceu com outros povos, na forma como construiu sua identidade, há uma raiz grega.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 29


contra os muçulmanos. O próprio desenvolvimento científico e econômico dos árabes (Séculos
VI ao XV) foi marcado pelas bases do pensamento grego4. O Renascimento Cultural, na
Europa, permitiu a retomada das raízes filosóficas helenísticas.

O Império Macedônico não foi duradouro, na prática, sua decomposição começou com a morte
de Alexandre (323 a.C), o seu fundador. Dividido pelos generais, foi aos poucos conquistado
por romanos e árabes. Territórios foram retomados pelos persas, e os egípcios se libertaram
da dominação macedônica, mas a cultura grega ficou, deixou suas marcas e orientou o destino
do conhecimento do universo em muitas regiões onde os macedônicos percorreram.

O clima de insegurança em que o Império Macedônico se decompôs gerou uma angústia que
predominou também no pensamento filosófico do período. Um pensador que expressa esse
clima é Diógenes (404 a 323 a.C). Um discípulo de Antístenes, um seguidor de Sócrates, ele
questionava a vida mundana, a sedução pela matéria e buscava uma vida simples.

Segundo a lenda, Diógenes andava perambulando pelas ruas de Atenas e depois de ser
expulso, pela cidade de Corinto. Morava em um barril e andava pelas ruas em plena luz do dia
com uma lamparina. Ele afirmava que fazia aquilo por estar à procura de um honesto.

Sua atitude despertou a curiosidade do imperador Alexandre, que um dia quis conhecê-lo.
Quando o encontrou, ele estava deitado dentro do barril onde vivia. O imperador teria dito que
ele poderia fazer o pedido que quisesse e prontamente seria atendido. Diógenes teria dito para
que Alexandre saísse de sua frente e parasse de roubar sua luz com a sombra. Encantado
pela convicção do “andarilho” filósofo, o imperador teria afirmado que se não fosse Alexandre,
gostaria de ter sido Diógenes.

4
Quando se fala da Renascença, movimento cultural que atingiu diversos campos do conhecimento, das ciências
naturais às ciências humanas, entre os Séculos XIV a XVI, na Europa, é necessário mencionar que um dos
fatores que a influenciou foi o deslocamento de pensadores do oriente para o ocidente. A decadência do Império
Bizantino levou à migração de empresários e intelectuais de Constantinopla para a Península Itálica, o berço da
Renascença.

30 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Diógenes foi um dos adeptos do cinismo, uma corrente que associava o homem ao
desprendimento das coisas materiais, mas também a uma forma de crítica à vida de excessos.
O princípio dos homens que seguiam esse pensamento era ter autonomia diante do mundo.
Não depender daqueles que buscassem o enriquecimento na manipulação dos indivíduos e
na influência de seus interesses.

Uma afirmação de Diógenes que expressa a crítica ao mundo da materialidade e à busca


de influência, convivendo com pessoas de poder, é: “prefiro a companhia dos corvos a dos
bajuladores”. Valoriza assim a realidade em detrimento da falsidade, que o poder material e a
influência política podem nos dar.

A crítica ao apego à vida material está na forma como o homem se deforma diante do desejo
do prestígio adquirido com o enriquecimento. O que hoje é uma condição que atinge a uma
grande parte dos seres humanos. Uma denúncia da perda de princípios profundos que possam
conduzir a sociedade a uma condição superior, justa.

O que Diógenes criticava era a demonstração da decadência da sociedade de seu tempo.


As cidades dominadas pelos macedônicos eram voltadas aos interesses particulares e
desprezavam os temas de unidade política. A formação de um império com uma diversidade
considerável de povos acabaria por levar à destruição do que os unia e elevar o particularismo.
Isto estava expresso na política tanto quanto no comportamento de cada um.

O cinismo cresceu, mas acabou se deturpando. Passou a ganhar a conotação de crítica, mas
incorporado aos desejos de sucesso material. Porém, não havia a preocupação da perda do
enriquecimento pelo cínico. Ele estava mais preocupado com seu imediatismo. Essa é uma
linha do cinismo que chegou até nossos dias. Viver o hoje sem se preocupar com o amanhã,
uma “filosofia de vida” expressa na propaganda dos cartões de crédito da atualidade.

Outra escola do período de crise macedônica foi o ceticismo. Apesar de já ser um tema tratado
pelos pré-socráticos, o “ser cético” cresceu no mundo helênico e teve em Epicuro (342 a 270 a.C)

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 31


sua maior expressão. Ateniense, suas teses acabaram se desenvolvendo na Ásia menor, onde
ficou encantado pelas teses de Demócrito (um dos seguidores das teses céticas).

O pensamento de negar toda a verdade absoluta, defendida por ele, gerava a necessidade de
conduzir um homem a um eterno questionamento sobre os fundamentos de sua existência e
questionar, até mesmo, as resposta que viesse a ter a partir de suas dúvidas. A angústia como
condutora e a crise como princípio definem o homem cético.

Um contraponto ao cínico é que o cético considera que os prazeres morais devem ser uma
busca e um direito do homem. A condição em que se vive, rodeada de prazeres materiais,
porque não saciar a mente e os desejos do corpo?

Para os céticos, a mente deve buscar na razão do mundo o espírito elevado da conduta, mas
não deve se eximir da existência. Ou seja, viver bem não impede uma compreensão apurada
da vida. Um contraponto que para muitos foi a solução para viver com satisfação material e
transformar a angústia em um ritual que não necessita de se desfazer da realização do desejo.

Nas teses de Epicuro, o homem não tem mais a sensação após a morte. A separação entre o
corpo e alma se dá quando o átomo da matéria se decompõe se libertando dos sentimentos de
prazer e dor. Desta forma, não há o que temer na morte, e ela não nos aproxima dos deuses,
os quais, por mais que tivessem nos gerado, não determinam nosso destino. Nossa alma
apenas se dispersa pelo mundo, sem sentido. Por isso, não há o que temer na morte, ela nada
significa no mundo sensível.

O pensamento Romano: Funcional e Material


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32 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


A formação do Império Romano é uma demonstração da eficiência da organização do Estado
e sua capacidade de governar as diferenças constantes dos povos que se domina. A dimensão
do Império, atingindo inúmeros povos, demonstrou sua eficiência em conduzir o poder a
lugares onde a cultura local não se identificava com as instituições clássicas latinas5.

O pensamento romano foi expresso por pensadores como Zenão (340 a 264 a.C), o fundador do
estoicismo valoriza a rigidez do caráter, a ação que expressa os valores da moral incorruptível.
Filho de comerciantes, apesar de ser de origem fenícia, se erradicou no mundo grego e viveu a
expansão romana. Um homem de valor é constante em seu comportamento, independente das
condições em que se vê obrigado a conviver. Mudança do mundo não significa desprendimento
e mudança de valores. Estes eram princípios defendidos por Zenão.

A popularidade do estoicismo cresceu e atingiu mais adeptos do que o pensamento de


Platão e Aristóteles em seu tempo. Um herdeiro do pensamento socrático, Zenão acabou por
influenciar a conduta de reis da antiguidade, apegados ao comportamento “reto” como um
princípio de governo. De certa forma, era o que Sócrates esperava do bom governante, agir
como um filósofo, ter princípios rígidos.

Dessa forma, é fácil perceber como a ação ganha força e passa a ser determinante do caráter
humano. É preciso dar praticidade ao comportamento, ir além da reflexão, promover a ação.
O conhecimento passa a ser um valor impregnado, que se expressa no comportamento.
Até mesmo o valor divino, os deuses, está dentro dos seres humanos, nas condutas que
determinam sua proximidade ou não com um sentido superior da vida.

Mas se as leis mudam, o homem não muda seus valores? Essa talvez seja a principal crítica
ao estoicismo. Não é possível ser eternamente detentor de princípios, mas não podemos ser

5
Latino por ser a origem de Roma do Lácio, e ser o latino o povo que fundou a cidade de Roma e lhe deu
seus primeiros contornos culturais. Contudo, Roma teve, em sua origem, uma forte influência etrusca. Parte
considerável deste legado não atingiu os povos dominados por Roma, somente a língua latina, mesmo assim,
parcialmente. Os romanos acabaram por incorporar os princípios gregos, e transformá-los em instrumento de
sustentação do seu poder. O que mais tarde fariam com o cristianismo.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 33


flexíveis o tempo todo. Ou seja, não podemos ser uma mudança constante e transformar os
conceitos sobre o mundo em uma superficialidade momentânea. Zenão considerava que a
perda de bens materiais pode ser reparada, se não no todo, ou em partes. Já a dignidade
humana, uma vez perdida, o desumaniza e condena.

Homens romanos e suas contradições, do pensamento à ação

A história romana está recheada de uma glória à conduta e de contradições de quem deveria
expressá-la. Os personagens que apelam no discurso e na estética pública uma conduta moral
rígida são, em regra, os mesmos que têm, em sua privacidade, uma vida mundana.

Um destes exemplos de contradição entre o público e o privado é Sêneca (4 a.C. a 65), o


senador romano, famoso por sua defesa a moral, discípulo de Zenão. Foi um crítico da perda
moral romana. Exigindo de seus governantes um comportamento a “altura” de seu posto. Ele
mesmo não obedeceu a este critério.

Em uma de suas críticas a mulher do imperador Claudio, acabou sendo banido de Roma, mas
retornou quando as práticas da imperatriz foram descobertas. Ele mesmo tinha uma conduta
que dava espaço a críticas como cobrar impostos abusivos de súditos britânicos, quando o
Império Romano se estendia até a Bretanha. Ele mesmo foi convidado a cometer suicídio após
uma série de atos corruptos que o envolviam.

Na atualidade, as práticas de corrupção continuam tomando conta do estado. E como no


tempo de Sêneca, o discurso de alguns dos adeptos do abuso é a conduta reta. O que na
retórica prega princípios e faz alusão ao comportamento que não se deixa abater ou seduzir
pelos excessos não corresponde à realidade. Podemos considerar que o abuso de quem
assume o poder acaba por se contradizer com o discurso.

Outro estoico foi Epicteto (60 a 100), escravo, como o seu próprio nome sugere (adquirido), foi
liberto e passou a ministrar aulas em Roma. Mesmo sofrendo de doenças constantes, fruto de
seu tempo de sofrimento como escravo, jamais abandonou o ofício da educação e da crítica. A

34 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


segunda lhe gerou a perseguição por parte do Imperador Nicópolis, um corrupto. Acabou por
buscar exílio na Grécia, onde viveu até o fim dos seus dias.

Sua principal crítica era a conduta desonrosa do poder. Considerava que o governo justo não
se corrompe. Se, obrigados a aceitar as instituições públicas, elas devem cumprir com suas
funções. Para ele, o dever do governante está acima de seus interesses privados. Ele não
pode transformar o poder em um instrumento de suas particularidades.

O mais ilustre dos estoicos foi Marco Aurélio (121 a 180), imperador romano. Ele buscou
documentar sua vida no Império e seguir os princípios de fidelidade à Roma e suas instituições.
Dedicado a manter o poder em um império que já sofria as invasões dos povos vizinhos
(chamados de bárbaros) e convivia constantemente com revoltas internas, Marco Aurélio
buscou preservar Roma, garantir sua integridade, tanto na força física como no discurso moral.

Ter perseguido os cristãos, em seu período, não foi uma tradição ou hábito, foi a forma de
garantir a religiosidade romana e a lógica de sua autoridade a qual os cristãos incitavam
levantes. Para o imperador filósofo, é necessário que o homem público cumpra o seu papel.
Ele necessita executar o seu dever dentro do organismo social. Nesse ponto, Aurélio se
aproxima da concepção de Platão sobre a ordem perfeita da sociedade, em que cada um dos
seus elementos deve cumprir o seu papel de forma eficaz e se subordinar a ele.

A própria formação do Império Romano foi marcada pela ação violenta e conquista. O domínio
constante possibilitou a incorporação de inúmeros povos e a implantação de uma estrutura
militarizada em todo o território dominado pelos romanos.

O sucesso da expansão romana se deu sobre povos organizados das mais diferentes formas.
As fronteiras romanas foram os rios Danúbio e Reno, ao Norte, ao Leste, o deserto da Arábia
e o Rio Eufrates, ao sul, o deserto do Saara e, ao Oeste, o Atlântico. Em todo esse território,
ocorreu a integração e implantação de uma administração bem-sucedida. Ela alcançou seu
tempo de paz nos primeiros séculos da Era Cristã.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 35


O legado romano também influenciou o nosso tempo. Assim como os gregos, também deixou
marcas que se mantiveram e chegaram até nós: as instituições jurídicas, a produção cultural,
a concepção do Estado e o cristianismo. Contudo, os romanos tiveram na cultura grega a
medida para tudo o que fizeram. Podemos considerar que foi nas estruturas de Roma que a
cultura grega se alicerçou no ocidente.

Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
No oriente, a legado grego se manteve subordinado à cultura predominante dos povos que
conquistaram as terras do Império Romano, principalmente os muçulmanos. Nem por isso
deixamos de reconhecer que a cultura grega também foi redescoberta pelo ocidente quando
da conquista da Península Ibérica pelos muçulmanos (Século VIII), sendo necessário também
mencionar o contato que o ocidente teve com estes povos. O que já comentamos anteriormente.

O sincretismo cristão e o pensamento filosófico medieval

O cristianismo foi criado por Roma e sobreviveu à sua decadência. Fez-se e refez aos
moldes do tempo e sobrevive até nossos dias. Podemos considerar que o homem ocidental é
“cristão”. Se não mais pela crença, a qual ele não é obrigado a professar, pela carga cultural
de compreensão do mundo que o cristianismo construiu e permitiu durante a expansão que a
civilização ocidental promoveu.

36 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


O ponto de encontro entre o cristianismo e a filosofia grega foi Alexandria, localizada dentro do
território egípcio. A cidade, que continha o principal porto da África durante o período romano
e ainda hoje é destaque na orla do Mediterrâneo, foi o centro de uma cultura que nasceu de
muitos caldos culturais e permitiu a concepção cristã que o ocidente disseminou.

As ideias de maior expressão que se difundiram em Alexandria tem autoria de Plotino (204 a
270). O jovem egípcio estudou em Alexandria e manteve-se na cidade até 243, quando fugiu
após uma campanha desastrosa do imperador romano na África. Em Roma, cidade onde
propagou seus estudos e difundiu suas ideias, Plotino plantou o pensamento que viria a se
impor sobre todo o território europeu ocidental e, mais tarde, sobre boa parte do Planeta.

Suas ideias, pela carga de misticismo, já demonstravam um desprendimento com a realidade


e a despreocupação em se ter uma conduta política fundada na racionalidade do estado. O
contexto de decadência do Império Romano, o qual viveu, demonstrava a dificuldade de se
entender de forma racional a crise que se atravessava. O cristianismo nasce da sobrevivência
diante da crise.

Em nosso tempo não é diferente a forma como o pensamento se desprende da necessidade de


ação. Se observarmos, ao longo da história, o pensamento ganha conotações metafísicas diante
das dificuldades que as instituições racionais atravessam. Hoje, em pleno desenvolvimento
de uma estrutura tecnológica, que é fruto do desenvolvimento científico, nos apegamos aos
misticismos degenerativos da consciência, infantilizamos o pensamento do homem. Calculo
que seja medo de enfrentar com a razão e sentir sobre os ombros o peso da existência que
nos faz agir assim.

Plotino concebe que a vida é fruto de um encontro entre a “trindade”, aqui, diferente daquela
que concebem os cristãos da atualidade. Nela, na trindade de Plotino, há um elemento único
que integra, o “Uno”. Esse primeiro elemento conduz a força criadora do “Nous” (espírito), o
segundo, propagador da vida. Por fim, a “Alma” é o terceiro elemento, o qual dá vida a toda

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 37


criação. As bases desse pensamento são gregas, elas são uma releitura da dialética platônica
e de Demóstenes6 sobre os elementos da criação.

Claro que o pensamento de Plotino não deu origem imediata ao pensamento cristão que
conhecemos. Sobre esse tema trataremos na próxima unidade. O que temos que ter claro é
que o desenvolvimento da civilização ocidental se deu com a construção de um legado grego.
Nossa busca incessante por respostas, o desejo de encontrar uma lógica determinante para
a existência e de dominar a natureza que nos cerca por meio da compreensão das leis que a
regem são, sem dúvida, legados gregos.

6
Se lembrarmos da busca dos pré-socráticos pela construção do mundo material e de todas as coisas vivas
que nos cerca, eles desenvolveram a compreensão de que somos fruto da mistura de elementos vitais. Quais
seriam estes elementos? Demóstenes compreende que a terra, o ar, a água e o fogo são construtores da
existência.

38 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Sêneca foi senador romano. Sua vida foi marcada pela contradição entre suas obras fi losófi cas, um
apelo à conduta moral, e a vida prática, com diversas ações mundanas, passíveis de crítica de con-
duta infi el.
Entre seus discursos sobre a sabedoria, o senador romano defende a qualidade da virtude diante da
posse material:
Vou ensinar-te agora o modo de entenderes que não és ainda um sábio. O sábio autêntico vive em
plena alegria, contente, tranquilo, imperturbável; vive em pé de igualdade com os deuses. Analisa-te
então a ti próprio: se nunca te sentes triste, se nenhuma esperança te aflige o ânimo na expectativa
do futuro, se dia e noite a tua alma se mantém igual a si mesma, isto é, plena de elevação e contente
de si própria, então conseguiste atingir o máximo bem possível ao homem! Mas se, em toda a parte e
sob todas as formas, não buscas senão o prazer, fica sabendo que tão longe estás da sabedoria como
da alegria verdadeira. Pretendes obter a alegria, mas falharás o alvo se pensas vir a alcançá-la por
meio das riquezas ou das honras, pois isso será o mesmo que tentar encontrar a alegria no meio da
angústia; riquezas e honras, que buscas como se fossem fontes de satisfação e prazer, são apenas
motivos para futuras dores.
Epicuro resume a importância da fi losofi a como elemento de resposta às angústias da vida. Na parte
fi nal de sua colocação, faz uma refl exão importante sobre a vida quando ela, inevitavelmente, nos
leva a morte:
Todo desejo incômodo e inquieto se dissolve no amor da verdadeira filosofia. Nunca se protele o filo-
sofar quando se é jovem, nem canse o fazê-lo quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco
maduro nem demasiado maduro para conquistar a saúde da alma. E quem diz que a hora de filosofar
ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já passou a hora
de ser feliz.
Deves servir à filosofia para que possas alcançar a verdadeira liberdade.
Assim como realmente a medicina em nada beneficia, se não liberta dos males do corpo, assim tam-
bém sucede com a filosofia, se não liberta das paixões da alma. Não pode afastar o temor que importa
para aquilo a que damos maior importância quem não saiba qual é a natureza do universo e tenha a
preocupação das fábulas míticas. Por isso não se podem gozar prazeres puros sem a ciência da natu-
reza. Antes de tudo, considerando a divindade incorruptível e bem-aventurada, não se lhe deve atribuir
nada de incompatível com a imortalidade ou contrário à bem-aventurança. Realmente não concordam
com a bem-aventurança preocupações, cuidados, iras e benevolências. O ser bem-aventurado e

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 39


imortal não tem incômodo nem os produz aos outros, nem é possuído de iras ou de benevolências,
pois é no fraco que se encontra qualquer coisa de natureza semelhante. Habitua-te a pensar que a
morte nada é para nós, visto que todo o mal e todo o bem se encontram na sensibilidade: e a morte é
a privação da sensibilidade. É insensato aquele que diz temer a morte, não porque ela o aflija quando
sobrevier, mas porque o aflige o prevê-la: o que não nos perturba quando está presente inutilmente
nos perturba também enquanto o esperamos.

O PENSAMENTO FILOSÓFICO MEDIEVAL

Fonte: SHUTTERSTOCK.COM

A construção do mundo medieval foi o resultado da destruição do Império Romano, onde as


invasões bárbaras foram um fato determinante, mas resultado de outros fatores.

A decadência está relacionada à crise escravista, à falta de trabalhadores nas áreas agrícolas
e à constante tributação para manter a imensidão do império. A falta de trabalhadores gerou
uma queda de produtividade dentro das terras do Império. A tributação, por consequência, caiu
e a ineficiência do estado romano se ressaltou.

40 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Um governo imperial, tão eficiente para integrar as províncias, não foi capaz de administrar as
crises que tiveram origem em diversos territórios, muitos por problemas locais. A imposição
centralizadora sempre foi a saída romana, seja pelas tropas, seja pelas instituições. De
problemas locais, uma crise geral se alastrou. Foi nesse contexto que as invasões bárbaras se
disseminaram. Muitos dos líderes estrangeiros serviram a Roma, aprenderam a combater com
ela e a destruí-la com o conhecimento que adquiriram.

Mesmo antes da decadência do Império, os cristãos já não eram mais perseguidos e a religião
havia se oficializado. No governo de Constantino e Teodósio, a Igreja Cristã formou a estrutura
administrativa que acompanharia a sua existência por séculos.

Com o surgimento de uma estrutura de poder romana associada à Igreja Católica, um novo
personagem de poder assume a função da administração dos homens ocidentais, o Papa.
A construção de uma cúpula de comando da Igreja (Clero) permitiu a consolidação de uma
instituição política com forte influência sobre os demais povos que viriam a habitar os territórios
que um dia foi do Império Romano.

A conversão dos bárbaros por membros do clero e a construção de instituições que propagavam
o cristianismo foi uma prática constante na decadência romana e ascensão do medievalismo.
Muitos pensadores se dedicaram a difundir a fé cristã e aprimorar o pensamento religioso
fundado na Bíblia, o documento sagrado dos cristãos que foi compilada e produzida na
decadência do Império sobre a égide dos últimos imperadores romanos.

Uns dos princípios fundamentais da nova concepção que se estabelecia com o desenvolvimento
do cristianismo foi a separação entre o comando do Papa – da Igreja de uma forma geral –
e dos imperadores, monarcas europeus. Enquanto o primeiro deveria governar a alma dos
homens, o segundo deveria administrar a matéria.

Esta separação se constitui de um elemento importante até nossos dias. A questão da


propriedade do corpo e a condução da vida. Até onde o homem comanda sua existência,

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 41


pela sua consciência, até onde ela não lhe pertence e deve obedecer às regras estabelecidas
por uma legislação. De certa forma, a perda de uma liberdade a qual os gregos jamais se
submeteram.

A concepção do mundo se organizava dentro das instituições organizadas pela Igreja Católica.
Nelas, a filosofia se oficializa independente do império que se estabelece. Seja nas monarquias
dos francos, germanos, godos ou visigodos, o cristianismo orienta a concepção de homem
e garante a supremacia de suas ideias por toda a Europa. Chegou, por consequência, a
justificar o próprio poder dos monarcas. O que só foi questionado com o advento da Reforma
Protestante no Século XVI.

A supremacia dos cristãos acaba por ser também uma contradição em relação aos judeus,
religião da qual são dissidentes. No início, o cristianismo se colocava como um desdobramento
do judaísmo, sem lhe causar rompimento e reconhecendo sua validade. Mas com a ascensão
dos cristãos ao poder em Roma, os judeus passaram a ser vistos como negadores de
Cristo, o filho de Deus. A perseguição aos judeus se acentuou. Ironicamente passaram a ser
perseguidos por quem tinha sofrido perseguição7.

Uma das formas de romper com o judaísmo e iniciar sua perseguição foi o gnosticismo, um
encontro entre o cristianismo e o helenismo. Sua principal expressão foi Paulo de Tarso (5 a
67)8, um judeu helenizado e cristão. Ele construiu os elementos necessários de universalização
7
Mas o papel de perseguidor e perseguido ainda persegue o povo judeu. Durante o nazismo alemão, com
a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), os judeus foram caçados pelos nazistas. Cerca de oito milhões
de judeus foram mortos, a maioria nos campos de concentração. Na Polônia, durante a Guerra, os alemães
prenderam judeus no Gueto de Varsóvia, impedindo-os de circular pela cidade. Em 1947, dois anos depois com
o fim da Segunda Guerra Mundial, após a criação das Nações Unidas, os judeus tiveram seu território (Israel) de
volta. Cortaram a terra dos palestinos para abrigar o estado judaico. Invasões, guerras e anexações territoriais
por parte de Israel fizeram dos palestinos um povo enclausurado. Da mesma forma que sofreram perseguição,
os judeus perseguem.
8
Paulo de Tarso foi o mais importante pensador do primitivismo cristão. Ele teve sua conversão, segundo os
dogmas católicos, em sua viagem a Jerusalém, para capturar cristãos. Teria tido uma visão de Cristo, ficou
cego e passou a pregar o cristianismo após o retorno de sua visão em três dias. A pregação de Paulo converteu
principalmente os judeus da orla do Mediterrâneo. As epístolas da Bíblia (Novo Testamento) são atribuídas a

42 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


do cristianismo. Um desdobramento do gnosticismo foi construído a partir das ideias de Tarso.
Nela, Iavé é o criador das coisas materiais, uma divindade inferior ao “supremo criador”. Ele,
Iavé, criou as coisas materiais e deturpou o seu significado, fugindo ao propósito de Deus (o
criador universal). Diante disso, a divindade suprema se materializa para poder colocar ordem
no mundo, Cristo. Nessa construção, Deus é perseguido em sua materialidade e rompe com
qualquer tipo de elaboração teológica judaica.

Na construção do ideário religioso judeu-cristão, a perseguição é um elemento vital. Presente


como um meio de unir os fiéis e lhe garantir o direito de reagir. Em muitos casos, são os
verdadeiros agressores, mas o discurso de serem perseguidos eternamente os inocenta. Por
isso, que tanto na defesa do território de Israel pelos judeus, ou no discurso de supremacia dos
cristãos sobre o Mundo, o discurso de serem perseguidos justifica o ato de perseguir.

Um dos importantes pensadores cristãos do primitivismo foi Orígenes de Cesareia (I185 a 253).
Sua obra está relacionada à definição da vida espiritual. Ele concebe a existência do espírito
separado da matéria, sendo que, ao se juntar com o corpo, lhe dá vida no nascimento. A ideia
de eternizar a existência antes e depois da vida lhe dá a autoria de um dos principais elementos
que se consolidaria no ideário cristão, a eternidade da alma e sua relação com Deus.

Todos estes pensamentos foram incorporados à Igreja Cristã Católica com o governo do
imperador Constantino. Nele se organizou a estrutura dos dogmas católicos e o princípio
administrativo do clero. A centralização da administração clerical foi fundamental para, mais
tarde, quando da decadência do Império Romano, o cristianismo prevalecer não só como
culto, mas como instituição de poder político com forte centralização administrativa em torno
da figura do Papa.

ele, algumas são contestadas.


As teses de Paulo fundavam-se no princípio de que a fé é determinante sobre as obras. Mais importante do
que a ação de um cristão é o quanto ele crê. Por isso, seu pensamento será, no século XVI, um dos elementos
fundamentais para o desenvolvimento das teses de Martinho Lutero, fundador da Igreja Luterana. A Reforma
Protestante, que se estabelecerá a partir disso, será uma busca do primitivismo cristão, de certa forma. As
obras de Paulo de Tarso tiveram um papel central nesta busca.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 43


Um dos fatores importantes para o fortalecimento da autoridade papal, ainda durante o Império
Romano, foi o discurso de defesa dos pobres proferido por uma Igreja voltada aos humildes.
Eles, que se sentiam distantes e desamparados por parte de uma administração centralizada,
de caráter religioso, agregaram-se às obras do clero católico e se tornaram sua principal base
de sustentação social.

Não seria por acaso que a Igreja Católica estaria preocupada, mais tarde, com a organização
das ordens religiosas que deveriam converter a população. Também, parte dessas obras
estava para ações missionárias de ajuda à população carente, servindo-lhe de abrigo e massa
de manobra para o exercício do poder clerical.

O Concílio do Niceia (325) foi fundamental para a organização dos dogmas católicos. Nele se
organizou a doutrinação dos fiéis e os princípios que deveriam nortear o poder papal. Naquele
momento, a Igreja Católica combatia o arianismo, doutrina cristã fundada no pensamento de
Ário (256 a 336)9.

Mas o pensamento cristão que se propagou no “mundo medieval” se deve principalmente a


quatro grandes pensadores: Ambrósio (340 a 397), Jerônimo (347 a 420), Santo Agostinho
(354 a 430) e ao Papa Gregório (540 a 604). Foram eles que instituíram o pensamento
predominante do cristianismo que irá se instituir por meio da fé católica, mas também lançando
bases para o protestantismo que se constituiu após a Reforma Protestante.

Ambrósio está ligado diretamente à supremacia do poder papal sobre o estado. Filho de uma
família de nobres romanos, ele recebeu educação requintada para atuar na administração do

9
Ário, ou Arius, foi discípulo católico em Alexandria. Sua doutrina separava Deus de Cristo e os colocava como
dois elementos distintos diante da construção da trindade. A materialização de Jesus como um homem comum
e passando por todas as dificuldades na condição meramente humana, chocou o comando da Igreja.
Sua doutrina, indiretamente, questionava a autoridade papal. O poder de unir os elementos da Igreja em torno
do clero não era concebido como necessário para Ário. Deus se humaniza e deixa de ser distante da condição
humana, teve que ser homem para viver entre eles.

44 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


estado romano. Contudo, acabou na administração do Bispado de Milão, na época, a sede do
Império Romano do Ocidente.

Durante seu bispado, assumiu a responsabilidade de preservar o poder da Igreja sobre os


senadores e, até mesmo, sobre o imperador. Enfrentou a oposição dos arianos, cristãos que
seguiam as palavras de Ário, como já chegamos a analisar.

Ambrósio conseguiu submeter as autoridades e, até mesmo, obter um pedido de perdão do


imperador Teodósio, quando este ordenou o Massacre de Tessalônica (388)10. Em função
desse episódio, o imperador foi a Abadia de Milão e pediu perdão pelo ato.

Dessa forma, Ambrósio é lembrado pela sua capacidade de argumentar e agir em favor dos
interesses do clero, mantendo o poder da Igreja diante da decadência do Império Romano.
Santo Agostinho o admirava pela capacidade de argumentação, fator fundamental que
contribuiu para sua permanência diante dos cargos de administração do clero dentro da
estrutura de poder do Império.

Mas foi na produção documental da Igreja Católica que sobreviveu o instrumento vital para a
pregação da fé, a construção da Bíblia em latim. Este feito de tradução e organização do principal
documento sacro foi obra de Jerônimo. Nascido no Egito, mas com a sua vida dedicada aos
estudos em Roma, acabou se desentendendo com autoridades da Igreja Católica. Jerônimo
produziu documentos de condução ética e princípios morais do cristão.

Sua postura doutrinária acabou por se traduzir nos estudos dos documentos que formaram a
interpretação do Velho Testamento e organização dos documentos do Evangelho. Em função
de sua expulsão da Itália, por desentendimento com líderes religiosos, acabou por formar um
10
O massacre ocorreu por determinação do Imperador, fiel à Igreja Católica, que não admitia a presença de
não cristãos no Império. O fato mostra as transformações pelas quais o Império Romano passava em sua
decadência, assim como a submissão do imperador ao poder do clero. O Edito de Milão, assinado por
Constantino, também imperador romano, já havia colocado fim à perseguição aos cristãos, agora, em nome
deste mesmo cristianismo, Teodósio decretava o massacre dos não cristãos.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 45


mosteiro em Jerusalém. Assim, ele inaugurava uma das formas de organização dos estudos
do período medieval, o clero regular11.

A originalidade dos documentos sacros acabou, mais tarde, dividindo a cristandade, permitindo
aos católicos eliminarem interpretações que fugissem aos interesses do clero estabelecido em
toda a Europa medieval.

O terceiro grande pensador cristão foi Santo Agostinho. Filho de nobres, ele nasceu no Norte
da África, na cidade de Cartago. Sua vida foi marcada por rompimentos entre uma formação
religiosa familiar e sua vida mundana durante a juventude. Por causa desta última, se mudou
para Roma, trazendo consigo sua concubina e o filho que teve com ela.

Criticado pela mãe, uma cristã ortodoxa, Agostinho viveu a culpa do pecado, o que sempre lhe
guiou em seus pensamentos acerca da religiosidade. Ele foi um dos principais responsáveis
por traduzir o pecado como um problema de conduta do indivíduo e não da condição em
sociedade12.

Outro elemento importante nas teses de Agostinho é a predestinação. A busca de entender a


vida na Terra como um reflexo da vontade de Deus. A existência humana expressa aquilo que
está designado, logo, a própria conduta do homem não lhe permitirá se salvar se esta não for
a vontade de Deus. Logo, o homem arrasta a culpa, a fé pode lhe aproximar de Deus, mas
somente a vontade divina pode salvá-lo. Por isso, a importância dos sinais divinos como guia

O Clero Regular seria oficializado durante o papado de São Bento de Núrsia (480 a 547) foi Papa e organizador
11

da Ordem Beneditina, primeira ordem monástica oficial da Igreja Católica. Com ele se instituiu os monastérios
com funções específicas de estudos de documentos sacros e formação de religiosos. As ordens teriam papel
importante na conversão dos homens europeus não cristãos. Durante as Cruzadas (Séculos XI a XIII), a luta
entre cristãos e muçulmanos contou com importantes ordens religiosas para a formação de tropas cristãs e
organização dos reinos católicos no Oriente.
12
Uma das principais questões que envolvem o cristianismo como nós o conhecemos hoje é a transferência da
culpa como condição coletiva para o âmbito da conduta privada. Aqui se coloca mais um elemento fundamental,
seria a culpa uma condição natural da própria existência humana, ou seria uma questão de escolha, o livre
arbítrio?

46 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


do caminho de desvendar seu destino, expresso no pensamento de Santo Agostinho.

Ao aceitarmos a condição que Deus criou na Terra, estabelecemos uma relação de fé sem
questionamento da origem dos elementos materiais que nos cercam. Estes são, para Agostinho,
uma condição criada por Deus sem que tenhamos o direito ou a capacidade de questioná-la.
Temos que aceitar, por exemplo, que a criação de todo o Universo foi feita a partir do “nada”,
da inexistência de qualquer elemento anterior. Assim, Deus fez o tempo, fez a matéria. Ele cria
a partir do vazio e assim é, sem questionamento, acreditava Agostinho.

Este pensamento coloca a condição de existência como dádiva e não conquista. Ou seja, o
homem na terra é uma concessão divina. Sua existência está sequestrada por um destino que
não lhe pertence construir, apenas seguir os desígnios divinos.

O Papa Gregório I foi o propagador da fé católica, sua intenção de converter os pagãos,


principalmente os bárbaros, levou-o a organizar expedições formadas por monges beneditinos.
Foi o caso da conversão dos anglo-saxões na Bretanha, que veria a se chamar Inglaterra
pelos invasores bárbaros.

Sua contribuição mais significativa foi a construção da identidade Papal, o “servo dos servos de
Deus”, segundo ele mesmo, ou sumo pontífice. Sua autoridade seria aceita por todo o território
europeu, fundando o legado de comando sobre diversas nações do Ocidente europeu. Uma
centralização que seria seguida e mantida como elemento de poder por todo o medievalismo.

É importante considerar que as ordens religiosas acabariam por propagar o sentido de poder
teológico que justificou o poder papal e o fez ser compreendido por toda a população europeia.
Em um continente marcado pelo analfabetismo da maioria da população, imersa em uma
ignorância sobre o mundo, seria a Igreja Católica que daria o sentido de existência, a sua
imagem e semelhança.

A relação de diplomacia da Igreja Católica com as invasões bárbaras explica por que, mesmo
com a queda de Roma, a instituição prevaleceu. Sua doutrina se estabeleceu sobre toda a

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 47


Europa se associando aos reis que assumiam o poder em diversas partes do antigo Império
Romano. Em poucos lugares do Império, quando as invasões bárbaras se estabeleceram,
houve uma resistência da Igreja à presença do invasor. Em muitos casos, ela se transformou
em instrumento da manutenção do poder.

Muitos líderes bárbaros acabaram por incorporar o cristianismo com religião do monarca,
mesmo sem afetar a liberdade de culto. Foi o caso de Teodorico, herdeiro de Teodósio, o
conquistador ostrogodo, que era ariano e permitiu o culto livre em suas terras.

A vida monástica foi, sem dúvida, um elemento importante na permanência do cristianismo


papal como principal religiosidade na Europa e, depois, como elemento de poder. Ao Papa
Bento se deve à propagação dos mosteiros pelos territórios dominados pelos reinos bárbaros.

São Bento de Núrsia (480 a 547) é apontado como o pontífice que propagou os mosteiros
a partir da ordem que ele mesmo criou, Beneditina. O mais famoso mosteiro, fundado pelo
próprio Bento, foi o de Monte Cassino. Lá, o fundador dos monastérios acabou por encerrar sua
vida. Mas antes disso, foi Papa. O que lhe permitiu dar aos mosteiros a função de interpretação
dos desígnios divinos e propagar a fé.

Nesta vida de reclusão, boa parte dos membros do clero mantiveram-se distantes dos
conflitos que se desenvolveram na Europa entre os reinos bárbaros. Dentro do ambiente do
monastério, a regra que determinava a vida dos monges permitiu a execução de práticas ligada
às comunidades onde os mosteiros se instalaram, como também a preservação da cultura
clássica, permitindo o desenvolvimento do pensamento cristão. Os principais pensadores que
se destacariam por meio da construção da “escolástica” vieram das ordens religiosas.

48 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Santo Agostinho foi, sem dúvida, a maior expressão do pensamento cristão católico no início dos
tempos medievais. Uma expressão do sentimento teocêntrico, em que a vida do ser humano está
relacionada diretamente à existência divina.
Neste trecho das Confissões em que Agostinho relata suas experiências com a fé e os “sinais” divi-
nos, ele fala da busca por Deus. Sua fé está expressa no conhecimento da vida e na compreensão
da felicidade. O homem deve buscar na existência reconhecer o Deus, que para o pensador católico
é felicidade eterna:
“A mulher que perdera a dracma e a procura com a lanterna não a teria encontrado se dela se não lem-
brasse. Tendo-a depois achado, como saberia se era aquela, se dela se não recordasse já? Lembro-
-me de ter procurado muitos objetos perdidos, e de tê-los encontrado. Sei-o porque, se ao procurara
algum desses objetos me perguntavam: “É este? Não será talvez aquele?”, respondia sempre: “Não
é”, até aparecer o que buscava.
Se já não recordasse desse objeto, fosse ele qual fosse, poder-mo-iam apresentar, que eu não o
descobriria, por não o poder reconhecer. É sempre o que sucede quando procuramos e encontramos
alguma coisa perdida. Se por acaso, um objeto – por exemplo, um corpo qualquer visível – nos desa-
parece dos olhos e não da memória, conservamos a sua imagem lá dentro, e procuramo-lo, até nos
oferecer à vista. Quando for encontrado, reconhecemo-lo pela imagem que ficara dentro.
Não dizemos ter achado uma coisa que se perdera, se a não conhecemos, nem a podemos conhecer,
se dela nos não lembramos. Esse objeto desaparecera para os olhos que a memória conservara.
[...] Então, como hei de procurar, Senhor? Quando Vos procuro, meu Deus, busco a vida feliz. Procu-
rar-Vos-ei, para que a minha lama viva. O meu corpo vive na minha alma e este vive de Vós.
Como procurar então a vida feliz? Não a alcançarei enquanto não exclamar: “Basta, ei-la”. Mas onde
poderei dizer estas palavras? Como procurar essa felicidade? Como? Pela lembrança, como se a ti-
vesse esquecido, e como se agora me recordasse de que esqueci? Pelo desejo de travar conhecimen-
to com uma vida, para mim incógnita, ou porque nunca a cheguei a conhecer, ou porque já a esqueci
tão completamente, que nem sequer me lembro de a ter esquecido? Então, não é feliz aquela vida que
todos desejam, sem haver absolutamente ninguém que a não queira? Onde a conheceram para assim
desejarem? Onde a viram para a amarem? Que a possuímos, é certo. Agora, o modo é que eu não sei.
Há uma maneira diferente de ser feliz, quando cada um possui a felicidade em concreto, Há quem
seja feliz simplesmente em esperança. Estes possuem a felicidade de um modo inferior ao daqueles
que já são realmente felizes. Mas, ainda assim, estão muito melhor que aqueles que não têm nem a
felicidade, nem a sua esperança. Mesmo estes devem experimentá-la de qualquer modo, porque, no
caso contrário, não desejariam ser felizes. Ora, é absolutamente certo que eles o querem ser.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 49


Escolástica Medieval

Pensadores como Santo Agostinho são apontados como fundadores do pensamento cristão
europeu, contudo, ligados profundamente à particularização da relação do homem com Deus
por meio da fé. A Escolástica vai além, ela é abrangente ao ponto de pensar o papel da razão
sem abandonar a crença do elemento Criador.

Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
Nascido dentro dos mosteiros cristãos, o pensamento escolástico buscou aprofundar a tese
de Aristóteles na relação da fé e a conduta humana. Fugindo da imposição pura e simples de
crer sobre qualquer fenômeno da vida humana. Nem tudo o que se vive é resultado exclusivo
do “plano de Deus”. Há na existência uma responsabilidade dos homens pelos seus atos e a
construção de um destino mediante as escolhas individuais.

O principal autor da escolástica é, sem dúvida, São Tomás de Aquino (1225 a 1274). Filho
de uma nobreza italiana de ascendência germânica, Aquino estudou em Nápoles e em
Monte Cassino, mosteiro beneditino. Contudo, acabou ingressando na Ordem Dominicana,
contrariando a vontade da família que o queria um beneditino como o tio.

50 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Um seguidor do pensamento aristotélico, Tomás de Aquino rompeu com a perspectiva de
submissão absoluta do homem e incentivou a capacidade de racionalidade do mundo. Para
ele, a razão não é incompatível com a fé. Para chegar a Deus é preciso dois caminhos que
se complementam, ou seja, a teologia e a filosofia. Enquanto a primeira aprimora a relação
do homem com Deus, a segunda aproxima o homem da verdade de si e das coisas que Deus
criou, entre elas, o próprio homem, sua maior obra, segundo Aquino.

Sob a influência da escolástica tomista, a Igreja Católica viu proliferar o número de universidades
com a função de desenvolver a razão sintonizada com os preceitos da fé. Vale lembrar que o
estudo desenvolvido nas instituições católicas exalta o livre-arbítrio e permite a compreensão
do mundo sobre uma ótica fundada na racionalidade particular, na busca de um conhecimento
reflexivo. Mas nunca deixou de atender às decisões que a Igreja e seus aliados tomaram ao
longo das conquistas ocidentais13.

A escolástica se transformou, ao longo da história do mundo medieval, no método dominante


para o desenvolvimento do pensamento cristão. As instituições religiosas passaram a contribuir
para a construção de teses que serviriam de argumento doutrinário que justificou, até mesmo,
os atos políticos da Igreja Católica.

Uma das principais questões que envolveram o clero católico e as conquistas promovidas pelo ocidente foi
13

a escravidão. A utilização do trabalho compulsório nos territórios coloniais necessitou de uma justificativa
teológica e filosófica para orientar as ações dos estados monárquicos que se utilizaram deste trabalhador em
suas colônias. Um exemplo dessa prática foi Portugal e Espanha. Reinos fiéis ao catolicismo e que se utilizaram
do poder da Igreja como instrumento de legitimação da escravidão nos territórios coloniais.
Um exemplo dessa utilização da lógica religiosa para a finalidade escravista foi a Ordem Jesuíta. Construída
como instrumento de propagação da fé católica por meio da educação e conversão, os jesuítas se deslocaram
para as áreas coloniais dos países ibéricos e promoveram a catequese, mas também justificaram a escravidão
dos africanos.
Na Europa, a Ordem Jesuíta passou a controlar as instituições de ensino católicas, as universidades em
especial. A doutrina conservadora dos inacianos colaborou para um combate às medidas protestantes, ao
Renascimento Cultural, mas também legitimaram a autoridade do estado monárquico sobre os territórios da
América.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 51


O próprio Tomás de Aquino organizou teses sobre a conduta dos governantes europeus
influenciados pelas Sagradas Escrituras. Ele buscava orientar o poder dos monarcas no
sentido de contribuir com a autoridade papal, mais que isso, da própria Igreja.

Vale lembrar que a sobrevivência da Igreja Católica enquanto instituição está relacionada
diretamente às alianças organizadas na Europa com a consolidação dos reinos cristãos.
A associação do cristianismo com o poder dos governantes bárbaros foi uma associação
gradativa, mas nenhuma delas foi mais eficiente do que a que uniu o Papa e o Império Franco.

Os seguidores de Clóvis, primeiro imperador dos francos, instituíram no centro da Europa


o mais duradouro reino medieval. Sua formação se deu ainda dentro do Império Romano,
por volta do Século V, por meio dos federatus14, quando os francos se rebelaram contra a
autoridade do imperador.

A primeira dinástica franca não foi simpática à causa católica, mas acabou por cair na indolência,
eram os merovíngios. Incapazes de governar seu próprio reino, devido à desobediência da
nobreza, os reis acabaram por ser submetidos pelo majordomus (Século VIII).

O mordomo do paço se estabeleceu como rei durante o governo de Pepino o Breve, filho de
Carlos Martel. Pepino foi pai de Carlos Magno, o maior dos reis carolíngios. Vale lembrar que
cada um ao seu tempo, todos os reis da dinastia carolíngia eram fiéis à Igreja Católica e foi
deles que o papal teve o reconhecimento de sua autoridade e recebeu as terras do centro da
Península Itálica como terras da Igreja, o “patrimônio de São Pedro”.

Em sua decadência, diante da impossibilidade de conter as invasões dos povos vizinhos, o Império Romano
14

passou a fazer acordos com povos vindos do leste europeu para poder manter o controle sob seu território, era
os federatus. A organização de uma comunidade bárbara que se submete ao comando romano, tendo relativa
liberdade administrativa e acesso a terras cultiváveis. Submetidos pela hierarquia do poder do imperador
romano, pagando tributos e combatendo ao lado dos romanos em suas causas, os “imigrantes” pacíficos
poderiam manter-se dentro das terras de Roma.
Contudo, parte considerável desses invasores acabou por se voltar contra o próprio Império. A fraqueza
estrutural administrativa romana, a decadência de suas legiões e a dificuldade de manter o comando sobre o
território favoreceram as rebeliões. O Império Franco foi o maior exemplo do fracasso das federações dentro
das terras romanas.

52 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


O reconhecimento da autoridade papal foi acompanhado da nomeação dos reis pelo Papa e
da associação do poder administrativo do estado franco com a estrutura hierárquica do clero.
Assim, a nobreza passou a governar associada aos membros da Igreja. O Papa era senhor do
poder “eterno”, enquanto o rei era senhor do poder “temporal”,

A divisão do homem entre alma e corpo estaria integrada pela unidade que separadas retira
do homem a vida. Dessa forma, como a própria escolástica traduz, era preciso aliar fé e razão.
O desenvolvimento das instituições clericais associou o patrimônio do poder do estado aos
da Igreja, mais tarde, essa associação seria fundamental para a formação das monarquias
nacionais ou para a resistência a ela.

João Escoto (810 a 877) foi um dos expoentes da força de um membro do clero dentro da corte
de um monarca. Em plena corte do imperador franco Carlos, o calvo (845), Escoto desenvolveu
as teses de vinculação da criação do mundo com a existência de Deus. O princípio da origem
de todas as coisas que regem a vida. Existira, para ele, uma lei que determina a vida dos
homens e todo o universo que o cerca.

Escoto acabou perseguido por suas obras que tentaram resgatar o pensamento grego clássico
e aliá-lo ao cristianismo. Em sua principal obra, Divisão Natural, ele buscou a compreensão
da ordem do mundo pela razão que, para o pensador irlandês, seria o elemento que levaria a
Deus. Logo, a lógica divina estaria nos elementos naturais, o próprio Deus seria a natureza.
Sua compreensão lhe custou a condenação e perseguição pela censura clerical.

O casamento entre a racionalidade e a religiosidade perseguiu a maioria dos pensadores


durante a história da formação do pensamento ocidental. A filosofia se deparou com os limites
que a teologia lhe impôs. A associação do poder divino com o poder político dos monarcas
está por trás desse debate. Seria o poder dos monarcas uma determinação de Deus? O rei e
seus atos são uma manifestação divina? O monarca governa pelo livre-arbítrio, por isso deve
seguir a doutrina religiosa?

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 53


O NASCIMENTO DO ISLÃ

Fonte: SHUTTERSTOCK.COM

O ocidente não permaneceria o mesmo após o nascimento da Religião Islâmica. Uma religião
construída nas mesmas bases que o cristianismo, mas que representou uma nova interpretação
do papel das divindades.

O islã nasceu da ação de Maomé (570 a 632), o fundador da religião islâmica. O profeta iniciou
sua pregação após, segundo a crença islâmica, ter recebido a visita do Anjo Gabriel, que lhe
entregou poemas enviados por Deus e a mensagem era de que ele era o último dos profetas.
Sua função seria a de unir o povo em torno da verdadeira religião.

Em 622, Maomé foi expulso de Meca e se refugiou em Medina (Yatreb), onde iniciou a
comunidade muçulmana. Desse núcleo se propagou o islã, conquistando os árabes unidos
ainda por Maomé. Posteriormente, os herdeiros e as dinastias que lideraram os muçulmanos
propagaram o império da Pérsia à Península Ibérica. Todas essas conquistas se deram de 622

54 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


a 753. Em pouco mais de cem anos, o Oriente Médio, o Norte da África e a Península Ibérica
compuseram o Império Muçulmano.

Alguns fatores contaram para a conquista rápida efetuada pelos islâmicos: a condenação das
imagens, a austeridade religiosa, a reinterpretação do papel dos judeus e do cristianismo como
religiosidades que antecederam o Islamismo15. Outro fator foi o enfraquecimento militar dos
impérios dominados pelos árabes. Muitos se encontravam em guerras civis constantes, o que
promoveu uma instabilidade social e a facilidade de um invasor subordinar a população.

É possível considerar que os árabes se interessavam mais em saquear os territórios dominados


do que em subordiná-los e transformá-los em um império. Por isso, os califas acabaram por
se tornar os governantes ideais das terras subordinadas, misturando a liderança militar com a
religiosidade, no início eram eleitos, depois o poder passou a ser hereditário.

O mundo árabe viveu três momentos dinásticos em sua liderança. Os “escolhidos”, que foram
os herdeiros do profeta; os Omíadas, família militar sediada em Damasco; e os Abássidas,
que transferiram o poder para Bagdá. Quando os Omíadas tomaram o poder, se instalou a
cisão entre a religiosidade islâmica. Os xiitas16, que mantiveram a adoração aos herdeiros

15
Os princípios islâmicos não condenam o cristianismo ou o judaísmo. Eles consideram que estas duas religiões,
que deram as bases para a formação da religião fundada por Maomé, foram desvirtuadas pelos homens e que
necessitava ser resgatada a verdade sobre a palavra divina.
Para os islâmicos, a idolatria às imagens contraria os princípios da fé. Os muçulmanos condenam as imagens
dos santos. O que se justifica pela transubstanciação para o cristianismo católico, é uma distorção divina para o
islã. Quando Maomé condenava a idolatria em Meca, a crítica ao profeta se acirrou por ele condenar os deuses
da Caaba, centro de adoração dos árabes antes da unificação pelo islã. Hoje, a edificação que fica no centro
da cidade de Meca se tornou um abrigo para a Pedra Filosofal (Pedra Negra).
A própria figura de Cristo é reordenada. Não seria o filho de Deus, mas um profeta que antecedeu Maomé. As
palavras de Jesus são consideradas no Al Corão, o que mostra o sincretismo em que foi fundado o islã. Esse
conceito de humanização foi ao encontro da crença de muitos povos dominados pelos islâmicos.
Mesmo no caso dos judeus, há a compreensão do papel que os profetas do Velho Testamento executaram
na construção da palavra divina. Contudo, a cisão do povo israelense entre os demais, como os escolhidos, é
condenada pelos árabes.
16
Os xiitas se constituíram como conservadores dentro do mundo islâmico. Condenavam a desobediência aos
princípios fundamentais do Al Corão. O Império Persa foi o ponto de resistência dos xiitas. Hoje, nesse mesmo

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 55


de Maomé, os aiatolás; e os sunitas, que seguiam a palavra, mas não se subordinavam
politicamente, estes eram liderados pelos califas.

A cultura islâmica poderia ter se mantido simplificada nos princípios religiosos fundados
por Maomé, mas cresceu e se difundiu. Uniu-se a princípios filosóficos gregos, bizantinos
e persas. Inclusive, foi neste último, no Império Persa, que se estabeleceu um dos centros
culturais islâmicos, o outro foi a Península Ibérica.

Um dos maiores califas da Dinastia Abássida foi Harun Al Rashid (766 a 809), que conseguiu
estabilizar o poder entre os califados árabes. Como uma construção híbrida do mundo persa,
indiano e árabe, o florescimento da cultura muçulmana alcançou uma identidade própria. Uma
das maiores expressões literárias deste tempo foi a obra “Mil e Uma Noites” 17.

O Islamismo teve expressões culturais relevantes ao longo de sua história. Alguns dos
conhecimentos desenvolvidos pelos árabes acabaram por atingir o mundo ocidental. O mais
conhecido foi o algarismo arábico, o desenvolvimento da álgebra e também a química.

Entre os intelectuais mais conhecidos do mundo árabe se destacam Avicena (980 a 1037) e
Averróis (1126 a 1198). O primeiro foi, sem dúvida, o mais importante pensador árabe. Seus
conhecimentos sobre medicina influenciaram universidades francesas. Áreas de conhecimento
como a física e a matemática também foram influenciadas; O segundo se destacou como a
maior fonte de análise de Aristóteles para o homem europeu. Mesmo sendo um muçulmano,
seus escritos chegaram na Europa e influenciaram as universidades europeias. Muito do que
se estudou de Aristóteles na Europa Medieval vem dos estudos de Averróis.

território, herdeiro dessa cultura islâmica, está o Irã. O país conservador viu emergir, em 1979, o retorno dos
aiatolás no poder, a Revolução Iraniana, comandada pelo Aiatolá Khomeini.
17
A obra é uma compilação de histórias populares, contos. Sua apresentação oficial, mas nem por isso legítima,
está relacionada à lenda da Xerazade, uma jovem virgem que se deixou ser desposada pelo rei Xaliar. O
monarca, desencantado pela traição de sua primeira esposa, desacreditou de todas as mulheres e passou a
desposar um virgem e matá-la no dia seguinte. A jovem Xerazade passou a lhe contar histórias que, ao final do
dia, interrompia para continuar no dia seguinte. Assim, se passaram 1001 noites e Xerazade teve três filhos com
o rei. Este se arrependeu de seus atos e fez da jovem sua rainha.

56 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Os séculos X a XII foram de apogeu para o mundo muçulmano. Além de um grandioso império
territorial, a cultura desenvolvida nos centros culturais como Damasco (Síria), Teerã (Pérsia) e
Córdoba e Sevilha (Espanha) foram frutos de uma ampla cadeia comercial que integrou estas
regiões por meio da religiosidade islâmica.

Contudo, o desenvolvimento islâmico afrontou o cristianismo. A ameaça que a expansão


muçulmana representou sobre os reinos europeus levou a organização militar cristã a combater
o “perigo” do expansionismo árabe. Nessa busca de unidade, a figura papal mais uma vez se
sobressai e se consolida. Mas no apogeu do exercício de sua força, o Papa iniciaria sua
trajetória de decadência.

CRUZADAS À REDENÇÃO DO OCIDENTE, A UNIDADE CRISTÃ E A


DECADÊNCIA DO PAPA

Fonte: SHUTTERSTOCK.COM

Cercado por todos os lados, os cristãos se viram na necessidade de combater a expansão


dos califas, principalmente os que dominaram a Península Ibérica. O rei Franco, Carlos Martel,

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 57


enfrentou o Califa de Córdoba na batalha de Poitiers (732). Essa batalha é considerada o
marco de resistência dos cristãos evitando a tomada da Europa ocidental pelos muçulmanos.
Mesmo com a garantia de sobreviver às conquistas islâmicas, o mundo cristão europeu se viu
cercado pelo islã.

Mas o gigantismo do império muçulmano pagou seu preço. Aquilo que recai sobre qualquer
grande império, uma crise de governabilidade. Internamente, a unidade começou a ruir com
as guerras constantes entre califas pelo predomínio regional. Povos buscaram sua autonomia
em territórios como o Egito e a Síria. Mesmo na Pérsia, a unidade se enfraqueceu e as guerras
internas eclodiram.

Para os cristãos, o conflito interno entre os árabes deu a oportunidade para atacar o império
islâmico, onde o interesse cristão mirava o domínio sobre a Palestina e a conquista de
Jerusalém18. Em seu exercício de autoridade, o Papa Urbano II (1042-1099) uniu os cristãos na
“Guerra Santa” e iniciou o processo de expansão ocidental fundado no discurso religioso. Um
discurso que acompanhou, de certa forma, as diversas incursões dos cristãos sobre o mundo.

Essa preocupação em justificar a conquista ocidental por meio de um homem que devia a
obrigação de sua existência à vontade divina estava em debate na Europa, ao mesmo tempo
em que as Cruzadas se desdobraram no Oriente Médio e no ocidente, na Península Ibérica19.

Vale lembrar que o domínio muçulmano sobre Jerusalém não significou um problema, inicialmente, para os
18

cristãos. Ao longo do tempo, as lutas internas pelo domínio da Palestina acabaram por ameaçar a condição dos
peregrinos cristãos. Alguns levados à condição de escravos.
Contudo, isto não justifica o combate que se seguiu após a convocação do Papa para combater o inimigo, o
“herege muçulmano”. Vale lembrar que a busca de conquistar a “Terra Santa” do domínio muçulmano tinha
outros interesses, a supremacia papal e reis cristãos e a riqueza comercial posteriormente.
Podemos considerar que, da mesma forma que as conquistas islâmicas provocaram a reação dos cristãos
19

no Oriente Médio, também na Península Ibérica (Séculos VIII a XV), ocorreu a reconquista cristã. As lutas
contra os árabes e sarracenos muçulmanos acabaram por formar os “reinos católicos” e, posteriormente, as
monarquias ibéricas.
O pioneirismo dos países ibéricos na expansão marítima é considerado uma herança cultural cruzadista que
impulsionou a busca por riqueza pelos navegadores portugueses e espanhóis. Na formação dessas duas
nações há uma forte carga do modelo católico de poder. Na própria organização dos estados nacionais ibéricos,

58 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


As Cruzadas para o Oriente ocorreram entre 1096 e 1272, foram nove ao todo. Tiveram as
mais diferentes composições e destinos. Na primeira, a população mendicante foi em busca
de pagamento de seus pecados. Miseráveis, sem recursos para seguir em combate para o
Oriente Médio, o grupo de maltrapilhos foi liderado por Pedro, o Eremita. O bando saqueou
cidades germânicas e tinha como principal alvo o ataque aos judeus. Milhares foram mortos
para que se obtivesse recurso para a viagem a Jerusalém20.

A maioria dos movimentos cruzadistas tinha como combatentes cavaleiros seguindo


um monarca europeu ou pertencentes a ordens religiosas. As duas mais famosas ordens
cruzadistas foi a dos Hospitalários e a dos Templários. As ordens, mais uma vez, desempenham
um papel fundamental na justificativa do poder papal e também como um braço de sua ação.
Os cavaleiros monges passaram a representar a força militar da Igreja que mediu forças com
os reis que conquistaram terras no Oriente.

Ao mesmo tempo em que os embates militares ocorreram entre cristãos e muçulmanos, a


Europa passou a receber a influência do mundo oriental, seja na forma de produtos ou do
legado cultural. A riqueza do mundo árabe encantava os Europeus. Os comerciantes italianos
foram os grandes interessados em desbravar o território muçulmano a procura de mercadorias
(especiarias) que iriam mudar o destino da Europa cristã.

Não por acaso, a própria Itália se transformou no berço da economia mercantil europeia a
partir do Século XI, como também no centro cultural que gerou a Renascença (Séculos XIV a
XVI), a revolução cultural que mudou decisivamente os rumos do ocidente cristão.

o princípio cristão foi norteador da justificativa do poder monárquico. Mesmo nas forças que levaram à formação
dos estados nacionais de Portugal e Espanha a Igreja Católica tem um papel de destaque.
20
O antissemitismo ascendeu durante o período das cruzadas. O extermínio de judeus não foi uma exceção da
primeira marcha cristã para o oriente. Em diversas mobilizações dos cavaleiros cruzados, os judeus foram alvo
de sua ira. O sentimento de aversão aos judeus cresceu na Europa neste período. Em países como Inglaterra,
França e Alemanha a vida dos judeus ficou dificultada pelas perseguições. Eles passaram a depender da
proteção de nobres e príncipes para poderem sobreviver. Na Itália, em Veneza, por exemplo, os judeus viveram
em guetos, espaços urbanos delimitados para sua moradia, com restrições em relação aos demais cidadãos
católicos.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 59


No contexto em que as cruzadas se desdobraram no Oriente Médio e também na Península
Ibérica, os pensadores europeus se aprofundaram na relação entre o homem, a razão e Deus.

Ao mesmo tempo em que a Igreja Católica consolidava seu poder e se impunha como
instituição, os pensadores cristãos reavaliavam o papel do homem na Terra e a influência da
formação divina e a razão como condutor das ações humanas.

O crescimento populacional europeu, o desenvolvimento das práticas mercantis e o


renascimento da vida urbana, aos poucos, davam um novo contorno a Europa, prenunciando
aquilo que seria o mundo moderno. Em nenhuma outra instituição o pensamento foi mais
trabalhado, o conhecimento aprimorado, do que nas universidades europeias.

Dois pensadores ganham destaque neste contexto, Anselmo (1033 a 1109) e Abelardo (1049 a
1142), considerados como a maior expressão da escolástica na busca de justificar a existência
de Deus dentro da razão filosófica. Um dos principais argumentos desses pensadores era
a questão dos universais, ou seja, daquilo que está em tudo, dá sentido a tudo, mas só se
percebe na particularidade.

Anselmo, por exemplo, desenvolveu a razão da existência de todas as coisas em Deus. Ele
seria o princípio que justifica tudo, mas não necessita ser justificado. Dessa forma, a fé é o
elemento que desvenda a verdade do Universo. Contudo, para ele, há uma razão para tudo o
que existe, ela deve ser buscada pelo conhecimento do homem.

Já para Abelardo, o homem usa da particularidade para dar sentido aos valores universais.
Segundo ele, não há outra forma de se constituir uma verdade se não for transformada em
palavra. Desta forma, o conhecimento universal só existe na medida em que o ser humano
consegue lhe dar um sentido, mas não significa que o domine, apenas o desvenda e lhe
conceitua.

É preciso, para que fique claro ao leitor, entender que a busca de um conhecimento universal
vai orientar a vida do homem ocidental ao longo de sua existência até nossos dias. Por meio

60 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


do conhecimento que produzimos, procuramos um sentido, é o desejo de universalizar o saber.
Um saber que vá além da subjetividade de quem o desvendou. Chegar ao movimento do
universo, de certa forma, chegar a Deus21.

Em suas defesas, São Tomás de Aquino considerava que Deus é um construtor do Universo
com uma inteligência, com uma intenção. Diferente de Aristóteles que considerava a criação do
universo como uma obra do acaso, de uma divindade desinteressada em suas consequências
ou sem se preocupar com seus resultados finais.

Desta forma, para o homem ocidental, o universo tem uma razão lógica e um sentido comum,
por mais que marcado por contradições entre a existência particular e coletiva. Por mais que
marcado pela universalidade que se expressa na individualidade, ou se contrapõe a ela, a
busca de entender a lógica do universo mediante a experimentação sensorial particular é
fundamental. Estamos vivos, e a vida tem que ter um sentido para todos, este é o paradigma
do ocidente.

21
O homem como um ser que é capaz de dar sentido ao mundo e de conhecê-lo, coloca em xeque a existência
dos elementos que lhe dão sentido e também a existência de Deus. Seria como se desvendássemos no homem
a sua origem e tentássemos dar a ele uma paternidade não comprovada, podendo Deus desmascarar o ser
humano com um falseador de sua própria existência.
No Século XVIII, como veremos, pensadores iluministas, como Voltaire, irão desafiar o papel do criador e
colocá-lo na condição de criação humana. Deus é o criador de um homem a sua imagem e semelhança, ou o
homem, por não entender Deus, criou sua própria divindade?
Essa angústia, no mundo medieval, está no debate sobre as universalidades.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 61


Abelardo e Anselmo foram importantes pensadores do mundo medieval. A busca de entender a exis-
tência humana enquanto uma obra divina foi o principal item dos pensadores cristãos.
Anselmo retrata neste trecho a eternidade da existência de Deus. O que foi para o período medieval
a crença em um mundo que é uma obra divina e que, mesmo quando a existência humana fi ndar,
Deus continuará existindo. Logo, todas as coisas estão subordinadas ao tempo eterno em que nele
só Deus habita:
Tu, portanto, preenches e abranges todas as coisas existentes, pois tu existes antes e depois delas.
Existes, porque antes que elas existissem, tu já eras. Mas, como pode ser que tu existas “depois” de
todas as coisas? Como poderás existir “depois” daquelas coisas que não tem fi m? Talvez isso acon-
teça porque elas não podem existir sem ti, e tu não serias minimamente diminuído se todas as coisas
voltassem de novo ao nada? Ou será que tu és posterior a elas porque é possível pensar delas que
terão um fi m, enquanto de ti não é possível sequer imaginar isso?
Com efeito, nesse sentido, todas as coisas, de alguma maneira, têm fi m; mas tu, nem destas ma-
neiras. E certamente aquilo que não tem fi m existe ainda depois daquele que, de alguma maneira,
termina. Ou será porque tu superas toas as realidades, ainda que eternas, pelo fato de que a tua
eternidade e a delas são sempre e inteiramente presentes para ti, quando, ao contrário, elas, em sua
eternidade, não possuem ainda aquilo que está para vir, nem aquilo que já passou? Certamente tu
existirás sempre depois delas porque tu estás sempre presente nelas e porque está sempre presente
diante de ti aquilo a que elas ainda não conseguiram chegar.
Nesta colocação se observa como que a vontade de Deus prevalece por ele ser o criador também
daquilo que é eterno. Existe então, para a compreensão do homem, apenas, a obra de Deus, não a
sua essência que está acima da compreensão.
Abelardo, da mesma forma que Anselmo, discute a existência de Deus nas coisas. Contudo, não é a
eternidade de Deus que preocupa Abelardo, mas a sua presença em todas as coisas, o que ele chama
de “universal”. Lei esta que está na obra Lógica para principiantes:
Com efeito, alguns tomam a coisa universal da seguinte maneira: eles colocam uma sustância, es-
sencialmente a mesma, em coisas que fi zeram umas das outras pelas formas; essa é a essência
material das coisas singulares nas quais existe, e é uma só em si mesma, sendo diferente apenas
pelas formas dos seus inferiores. De fato, se acontecesse de se separarem essas formas, não haveria
absolutamente diferença das coisas que se separam umas das outras apenas pela diversidade das
formas, uma vez que a essência da matéria é absolutamente a mesma. Por exemplo, nos homens
individuais, diferentes em número, existe a mesma substância de homem que aqui se torna Platão
através destes acidentes, e ali, Sócrates, através daqueles outros, A esses conceitos Porfírio parece
dar seu completo assentimento, ao dizer: “Pela participação da espécie muitos homens são um só,
mas nos particulares esses únicos e comuns são muitos. E novamente afi rma que os indivíduos são
caracterizados pela seguinte maneira: cada um deles consiste numa coleção de propriedades que não
se encontra em nenhum dos outros”. De modo semelhante, esses mesmos autores colocam uma só e

62 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


essencialmente a mesma substância de animal em cada um de vários animais diferentes pela espécie,
mas que entram nessas diferentes espécies pela recepção de diversas diferenças, tal como se desta
cera eu fi zesse primeiro a estátua de um homem e, depois, a estátua de uma vaca, acomodando as
formas diferentes à essência que permanece absolutamente a mesma. É preciso, porém, levar em
consideração que a mesma cera não constitui as estátuas ao mesmo tempo, como se admite no caso
do universal, isto é, que o universal é de tal modo comum que Boécio afi rma que o mesmo todo está
ao mesmo tempo inteiro nas diferentes coisas das quais constitui a substância materialmente, e em-
bora permaneça em si mesmo universal, este mesmo é singular pelas formas que lhes acrescentam,
sem as quais ele subsiste naturalmente em si mesmo e, sem elas, de maneira alguma permanece
em ato (em efetiva existência); sendo universal por natureza, mas singular em ato, é entendido como
incorpóreo e não sensível na simplicidade da sua universalidade, mas esse mesmo universal subsiste
em ato de modo corpóreo e sensível através dos acidentes e de acordo com o próprio testemunho de
Boécio, subsistem as coisas singulares e entendem-se os conceitos universais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) aluno(a), o resgate do pensamento filosófico ocidental em sua origem, na Grécia


Antiga, está relacionado à formação de uma compreensão da natureza e à forma de como
atuar diante dela. Também, com a mesma racionalidade, busca-se compreender a organização
da sociedade e de sua função, assim como direcionar nossos atos em busca de um futuro que
supere as dificuldades da vida em sociedade e a angústia de cada um.

Nessa linha do tempo, o homem da antiguidade começa a definir um papel da natureza em


sua vida, da existência de uma força determinante, ou não, divina. Da relação desse homem
com a natureza e na construção de uma ordem social necessária para a garantir a nossa
sobrevivência, é que se construiu o pensamento filosófico, independente do tempo.

Mas é possível concluir a importância que o pensamento grego determinará na Europa,


mesmo durante a formação do mundo medieval. A teologia cristã, que se constituiu como
orientação para a vida humana no ocidente europeu, seguira os postulados das teses de
Platão e Aristóteles, sem dúvida os dois mais importantes pensadores da antiguidade.

Como fruto de uma expansão do ocidente, hoje, em praticamente todo o mundo, se sente a
influência do ideário cristão. A lógica que universaliza o homem, presente no entendimento
cristão sobre o mundo, estabelecendo a imposição cultural, construiu um legado indiscutível
de determinação sobre todo o Mundo.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 63


Entender esses elementos é entender o que hoje ainda determina nossa compreensão sobre
o mundo. Por isso, a importância de entender o pensamento grego e escolástico que você
estudou nesta unidade.

RUSSELL, B. A história do Pensamento Ocidental: a aventura dos pré-socráticos a Wittegenstein.


Tradução de Laura Alves e Aurélio Rebello. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.

GHIRALDELLI JUNIOR, P. A aventura da Filosofi a: de Parmênides a Nietsche. Barueri-SP: Editora


Manole, 2010.

64 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Aqui, uma aula de Paulo Ghiraldelli Junior sobre Platão. O tema é o homem real e o homem sensível.
<http://www.youtube.com/watch?v=uOonNQYEKAA>.

Esta é uma aula do Globo Ciência sobre Aristóteles.


Alguns exemplos simples das teses aristotélicas.
<http://www.youtube.com/watch?v=MAX6GzwZoVc&feature=related>.

ATIVIDADE DE AUTOESTUDO

1. O pensamento grego foi marcado por dois pensadores fundamentais, Platão e Aristóteles.
Os dois pensadores partiam de princípios diferentes, um centrava-se em um mundo
perfeito, capaz de o homem compreendê-lo e aprender suas leis. Outro defendia o
inesgotável mistério do universo, o homem teria sempre que considerar a estabilidade e
desestabilidade constante. Defina qual o posicionamento de Platão e de Aristóteles em
relação ao homem diante do Universo.

2. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino representam dois pontos do pensamento


escolástico, mas há uma divergência entre eles sobre o papel de Deus na vida dos
homens e na relação que o homem estabelece com Deus. Defina qual pensamento é de
Agostinho e de Aquino.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 65


UNIDADE II

DA FILOSOFIA DO MUNDO MODERNO AOS


RACIONALISTAS: A EXPANSÃO OCIDENTAL E
A REVOLUÇÃO COPERNICANA
Professor Me. Gilson Aguiar

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender o pensamento moderno derivado da lógica medieval cristã e suas


bases para o racionalismo do Período Moderno.

• Entender a racionalidade ocidental como elemento fundamental para o desenvolvi-


mento da ciência e da tecnologia que promoveram o desenvolvimento do ocidente.

• Relacionar o desenvolvimento da ciência política e do papel do poder na sociedade


ocidental.

Plano de Estudo

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:


• O desenvolvimento da economia comercial na Europa e sua influência na mu-
dança do pensamento ocidental

• Rompimento da unidade cristã como uma nova forma de compreensão do


homem

• A unidade nacional como fruto da racionalidade do poder

• Desenvolvimento da ciência e da economia


INTRODUÇÃO

Caro(a) graduando(a), em um segundo momento, avançamos para o pensamento medieval,


no qual incorporamos o ideário cristão ao pensamento grego e os efeitos que isso promove
na vida política europeia. A unidade ocidental em torno do cristianismo causa efeito sobre o
desenvolvimento da civilização ocidental, assim como a sua expansão.

Pensadores como Galileu, Copérnico e Kepler são elementos que fundaram a ruptura com
a escolástica, corrente de pensamento predominante no mundo ocidental, durante o Período
Medieval. Dessa forma, o que temos nesta unidade é o desdobramento do pensamento
filosófico como condição para a racionalidade da conduta humana e de suas organizações
sociais, como o Estado nas teses de Maquiavel.

O que seria fundamental não deixar de perceber ao longo desta unidade é como o homem
ocidental compreendeu o desenvolvimento científico e a sua racionalidade. A capacidade
de dominar a natureza e a o desdobramento do conhecimento em campos específicos,
em especial, na economia, política, psicologia e sociedade. Áreas do conhecimento que
interessam, em especial, na formação do educador.

O NASCIMENTO DO PENSAMENTO OCIDENTAL MODERNO


Fonte: SHUTTERSTOCK.COM

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 69


Podemos apontar diversos fatores como responsáveis pelo nascimento do pensamento
moderno, contudo, antes de qualquer um, destacam-se as mudanças ocorridas nas relações
que os homens estabeleceram ao longo de sua história e que construíram na Europa os
elementos que geraram as bases da racionalidade científica de nossos dias.

A razão ter se sobressaído sobre a fé foi o resultado de uma longa jornada. Não foi a construção
de um pensador específico, mas o resultado de diversos deles e de um contexto histórico que
gerou o ambiente necessário para esta construção.

Se dentro dos mosteiros e universidades europeias do Período Medieval foi gestada a lógica
de entender a universalidade do homem, dentro deste ambiente se resgatou o conhecimento
de Platão e Aristóteles, se aprofundou a visão do universo e da capacidade humana de
compreendê-lo. Esta compreensão influenciada pelo paradigma cristão.

O cristianismo serviu como um condutor do pensamento medieval, mas também como um


sentido do que viria a ser os elementos filosóficos e científicos que o negariam sem perder os
modelos que ele gerou22. A filosofia ocidental deve muito ao pensamento cristão forjado desde
o Império Romano e, principalmente, à escolástica medieval.

Mas as mudanças na ordem econômica, social e política da Europa foram um campo fértil para
o desenvolvimento do pensamento moderno. As transformações pelas quais a Europa passou
entre os séculos XI a XVI abriram espaço para a emergência de novas forças sociais.

É interessante perceber como o pensamento ocidental científico busca uma verdade universal. Um elemento de
22

sobreposição inquestionável que se imponha como uma descoberta que oriente o homem em todos os lugares
onde esteja e lhe dê uma certeza.
Por mais que a ciência se separou da crença teológica. Por mais que o conhecimento científico se coloque
como negação da fé sem comprovação, a filosofia é o ponto de encontro destas duas negações. Elas caminham
em paralelo e buscam dar um sentido ao homem no caminho da compreensão racional da existência, mas
também lhe traçou o caminho do que a religiosidade anseia.

70 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


As bases de sustentação do poder econômico e político, por exemplo, deixavam de ser
exclusivamente a posse da terra e a interpretação religiosa sobre a existência do homem.
A economia mercantil fez emergir os mercadores e suas cidades, onde a cultura floresceu
sustentada na dinâmica da vida terrena e não na busca de uma salvação. “O mundo antes da
morte ficou mais interessante”. O desejo de concentração da riqueza passou a ser relevante
para uma parte da sociedade.

Os interesses dos governantes europeus, em especial os monarcas e príncipes que tinham


certa ascendência sobre determinados territórios, já não se sustentavam apenas no controle
de relações de vassalagem23 sobre um grupo de senhores feudais (nobres em alguns casos).

Em sua obra, Política como Vocação, Max Weber descreve com detalhes a importância da
transferência da autoridade dos senhores para os príncipes. A transição de poder das regiões
feudais, dos condados, para o estado nacional centralizado em torno do rei:
Em toda parte, o desenvolvimento do Estado moderno é iniciado através da ação
do príncipe. Ele abre o caminho para a expropriação dos portadores autônomos e
“privados” do poder executivo que estão ao seu lado, daqueles que possuem meios
de administração próprios, meios de guerra e organização financeira, assim como
os bens politicamente usáveis, de todos os tipos. A totalidade do processo é um
paralelo complexo ao desenvolvimento da empresa capitalista através da expropriação
gradativa dos produtores independentes. Por fim, o Estado moderno controla os meios
totais de organização política, que na realidade se agrupam sob um chefe único.
Nenhuma autoridade isolada possui o dinheiro que paga, ou os edifícios, armazéns,
ferramentas e máquinas de guerra que controla. No “Estado” contemporâneo – e isso
é essencial ao conceito de Estado – a “separação” entre o quadro administrativo, os
funcionários administrativos e os trabalhadores, em relação aos meios materiais de
organização administrativa, é completa (WEBER, 1982, pp. 102-103).

Um dos fatores fundamentais dessa formação do estado nacional se deu pela influência das
atividades mercantis e da emergência de uma racionalidade ligada à existência da vida em
coletividade.
23
A dominação territorial na Europa medieval era garantida pela aliança militar entre os senhores feudais. Com
uma ampla rede de unidades senhoriais, um príncipe ou monarca garantia sua supremacia enquanto governante,
o que não lhe permitia, contudo, a imposição de seus interesses sobre todo este território. A autoridade local
exercida pela classe senhorial se impunha mais sensível do que a autoridade do monarca.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 71


O isolamento dos mosteiros se rompeu com a circulação dos homens dentro do território
feudal. As atividades mercantis se intensificaram com as cruzadas. A guerra com o oriente
não movimentou apenas tropas, mas produtos e intelectuais. Todo o conflito traz refugiados.

Mesmo sendo combates em terras do Oriente Médio, os cristãos trouxeram para a Europa
uma compreensão diferente da existência. Não podemos esquecer que os “ocidentais”
construíram reinos católicos em Edessa, Chipre e Palestina. Formaram núcleos cristãos em
terras muçulmanas. A religiosidade cristã não livrou o homem europeu de ser influenciado pela
vida oriental. As cruzadas foram um confronto, mas também uma troca.

A razão empírica e a vida monetária

O desenvolvimento de uma economia mercantil, a agitação do mundo urbano e o contato com


um legado cultural cada vez mais intenso geraram na Europa uma nova compreensão do papel
que o homem exerce na vida. Sua forma de compreender sua existência levava a questionar
a imposição da fé sobre o conhecimento racional. Até onde iria a compreensão da verdade
universal divina e a existência particular e perecível do ser humano.

Vamos considerar que o desenvolvimento da vida material na Europa levou à busca de uma
compreensão desta vida material dentro da lógica científica, eficiente para dar respostas
ao que as necessidades materiais impunham. Não podemos negar que o desenvolvimento
material da humanidade foi resultado de um conhecimento científico que jamais cessou na
Europa, desde a Renascença.

Um contemporâneo de Tomás de Aquino e que expressa essa mudança de pensamento é


Roger Bacon (1214 a 1294). Sua compreensão sobre a existência humana e a experimentação
como um campo distinto da teologia em relação à filosofia marcaria a cisão entre fé e razão.
Crer não implica em não pensar. O livre pensamento não leva ao campo da existência divina.

Um franciscano, Bacon desenvolve a ideia de que para entender as coisas da natureza não se
deve subordinar a razão a uma crença que lhe imponha limites na busca da verdade. Para ele,

72 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


se constituímos uma análise e buscamos comprová-la e se, dessa comprovação, se detecta
uma lei sobre a natureza, estamos apenas desvendando o que, de certa forma, é uma criação
divina.

O que determina, em seu pensamento, uma compreensão básica do que seria o conhecimento
contemporâneo é a matemática. O conhecimento científico que parte da lógica dos números
(o que foi tão caro a Bacon). Ele acabou preso e permaneceu por 15 anos em cárcere, morreu
dois anos depois de sua libertação (1294).

Essa valorização da capacidade de racionalização do homem, da construção de uma lógica


fundada em suas experiências, ganhou terreno. Mesmo dentro da ordem franciscana, a
qual Bacon pertencia, outros pensadores desenvolveram as teses da racionalidade. Uma
humanização do saber universal que serviu de matéria-prima para o Renascimento Cultural.

Não podemos jamais deixar de considerar que o desenvolvimento mercantil, que teve na Itália
o seu centro entre os séculos XI a XV, estimulou a necessidade de dar ao conhecimento
científico uma ação prática. As descobertas da Astronomia, Física, Química e Biologia, durante
a Renascença, permitiram o desenvolvimento dos meios pelos quais a civilização ocidental se
impôs sobre o mundo.

Aqui podemos voltar à ideia de universalidade que predominou no ocidente medieval, sendo
utilizada para o aprimoramento científico que deu aos europeus a capacidade de domínio
sobre o planeta.

As descobertas de Copérnico deram forma ao mundo, desenharam um universo com uma


mecânica compreendida pela razão humana e colocou Deus em uma fronteira além. O homem
avançou sobre a natureza e passou a lhe impor um domínio sem igual. As grandes conquistas
marítimas estão ligadas diretamente a esta capacidade de compreender cientificamente o
mundo.

O rompimento com a submissão da autoridade divina sobre o pensamento humano também

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 73


atingiu a cristandade. A Igreja Católica foi abalada por um cisma que já se desenhava na
Europa no século XV, com os chamados pré-reformistas como John Huss, Wycliff e Erasmo
de Roterdã.

Huss (1369 a 1415) nasceu na Boêmia e desenvolveu sua vida dentro do clero católico, por
mais que fosse um crítico da atuação da Igreja em relação aos fiéis. Sua principal crítica se
dava pela forma como a dominação da dinastia Habsburgo se dava sobre os povos do leste
europeu. Uma dominação respaldada pelo clero católico, o qual ele criticava.

Suas pregações contrárias à dominação administrativa do clero encantaram a nobreza que


discordava da dominação papal e de seus representantes sobre as terras da República
Tcheca. As teses do precursor luterano condenavam a concentração das terras nas mãos da
Igreja Católica, assim como a venda de indulgências promovida para poder pagar os conflitos
militares na Itália.

Huss era seguidor de John Wycliff (1320 a 1384), o mais importante pensador pré-reformista
da Europa. Inglês, originário de família de nobres e com grande quantidade de terras na região
de Yorkshire, sua vida dentro do clero foi de crítica ao poder do clero e à influência que este
exercia no poder monárquico.

Wycliff, assim como Huss, pregou a religiosidade em língua nacional. Foi um dos primeiros
tradutores da Bíblia em língua inglesa. O pensador inglês defendeu a transferência da autoridade
papal para os monarcas, por isso é considerado um precursor das teses do anglicanismo24.
24
Três Igrejas se desenvolveram durante o período inicial da Reforma Protestante, o luteranismo, calvinismo e
anglicanismo. A Igreja Anglicana é considerada a mais política das três primeiras instituições religiosas que
afrontaram o poder papal.
Um dos principais elementos do anglicanismo é a autoridade religiosa do Rei da Inglaterra, considerado o
verdadeiro chefe da cristandade britânica. Essa valorização do poder monárquico sobre os demais poderes
garantiu a autoridade do rei sobre o patrimônio clerical, assim como sobre o próprio clero.
A unidade nacional ganhou força com o reconhecimento da autoridade do monarca sobre a Igreja e sua
capacidade de impor dentro dos templos religiosos o discurso de dominação do estado nacional.
A língua inglesa era, ao mesmo tempo, a língua do estado e a língua da religiosidade cristã. Em muitos países
da Europa onde o protestantismo luterano ou calvinista se instalou a nacionalização dos documentos sacros foi

74 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Mesmo dentro da Igreja e sem sofrer as perseguições que Wycliff e Huss sofreram, Erasmo de
Roterdã acabou por se transformar no “pai do humanismo”. Um expoente da reforma protestante
sem sair do catolicismo, mais que isso, um dos pensadores básicos do Renascimento Cultural.

Roterdã (1466 a 1536), o autor de O elogio à loucura, condenava a imposição clerical e a


construção de um pensamento complexo para entender a existência humana como uma obra
divina. Para ele, o homem comum pode e tem o direito de ter acesso direto ao pensamento de
Deus por meio do Evangelho e das palavras do pensamento do apóstolo Paulo.

Para Roterdã, esses documentos bíblicos são a base do cristianismo que fundamentam a
relação de Deus com os homens e os documentos necessários para a compreensão da
existência do homem em contato com o Criador.

Com esse pensamento, Erasmo de Roterdã desafiou o poder Papa e clerical, o qual achava
desnecessário. Criticou a escolástica tomista ao considerar que a fé é o determinante da
salvação, assim como a ação humana é uma expressão da vontade de Deus. O homem por si
se salva, por meio de sua busca por Deus.

A compreensão de Roterdã influenciou o pensamento luterano, discordando apenas da


predestinação defendida por Lutero. Assim como Wycliff, ele condenava a transubstanciação
na eucaristia ou nas imagens dos santos e pregava a necessidade de uma reforma na Igreja
Católica.

Por viver na Holanda, um país com uma liberdade imensa de convivência entre diferentes
facções de pensamento religioso, Roterdã não foi perseguido como seus antecessores. Ele
viajou por diversos países europeus e chegou a debater com Lutero, seu contemporâneo.

Uma das principais defesas de Roterdã era a educação que, para ele, deveria se constituir
como um interesse de todos, mas a educação requintada era apenas para os homens de

fundamental para fortalecer o sentimento nacional e a autoridade da monarquia.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 75


governo. Ao povo, segundo ele, a educação deveria ser compreendida como uma iniciação à
religiosidade, ao conhecimento da universalidade.

Mesmo assim, o pensador holandês criticava o monopólio do conhecimento pelos membros


do clero. Considerava que o aprendizado é direito de todos. Para ele, o saber racional deve
ser livre. A especulação humana deve ir além da simples retórica repetitiva imposta pela Igreja
Católica em sua época. O livre pensamento é uma de suas mais importantes defesas.

Se a religiosidade tradicional católica é questionada, se a determinação de Deus sobre a


vida dos homens ganha uma conotação libertária, essa condição está associada diretamente
ao desenvolvimento de uma ciência que se estabelece sobre as leis do Universo e sobre a
mecânica dos corpos – a Física, Química e Biologia.

Fonte: SHUTTERSTOCK.COM

Impossível deixar de entender o que Copérnico, Galileu e Kepler significaram para o mundo
moderno. Os três grandes astrofísicos mudaram o destino da humanidade, descobriram o
mundo para os seres humanos e geraram as possibilidades de um conhecimento que está em
todo o nosso cotidiano.

As transformações que assistimos nos últimos seis séculos em que a Europa conquistou o
planeta e lhe impôs uma integração mercantil e cultural tem no conhecimento científico o

76 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


instrumento fundamental. Todas as coisas que nos cercam, os bens materiais e serviços que
adquirimos e com os quais nos relacionamos são fruto de um saber científico fundado por
esses pensadores.

Nicolau Copérnico (1473 a 1543), polonês, formado em medicina e direito, dedicou-se ao


estudo dos astros. Sua principal contribuição foi a teoria heliocêntrica, em que descobre a
rotação da terra e os demais planetas em torno do Sol.

Membro do clero, Copérnico viveu entre os estudos de medicina, lógica e astronomia e a vida
clerical. Acabou por viajar para a França e Itália na busca de aperfeiçoar seus conhecimentos
sobre a mecânica do Universo. Suas descobertas acabaram por demorar a serem publicadas
pelo temor do próprio cientista sobre a reação que a Igreja Católica teria de suas descobertas.
Sobre o que, de certa forma, Copérnico tinha razão.

Muitos consideram as descobertas de Copérnico o maior símbolo científico do que foi a


Renascença enquanto movimento cultural. O despertar do homem ocidental para uma nova
forma de compreender o Universo que o cerca e a própria Terra25.

Galileu (1564-1642), o italiano, também foi estudante de medicina, mas acabou por se interessar
por astronomia e matemática ao que se dedicou pelo resto de sua vida. Uma de suas principais
teses foram o desenvolvimento da física e o movimento dos corpos.

Por meio de observações, estudou o movimento dos planetas e reafirmou as teses de


Copérnico sobre o sistema solar e o movimento rotativo da Terra. Ele também desenvolveu
o conhecimento sobre o movimento dos corpos e a cinemática. Foram essas teses que lhe

25
É importante entender que as teses de Copérnico vão muito além de uma simples descoberta. Elas reorganizam
a construção do pensamento do homem moderno. Até o momento em que o pensador polonês desvenda a
existência de um sistema solar e a sua lógica de funcionamento, se acreditava que a Terra era o centro do
Universo e que tudo girava em torno dela. Nosso Planeta estaria no centro de toda a criação divina. O homem,
nesta lógica, do Universo de Ptolomeu, estaria no centro de todas as criações de Deus.
Quando Copérnico lança seu conhecimento e desmonta a ideia de um Universo centrado na figura humana
enquanto criança divina, e que este Universo não corresponde à verdade, ele coloca por terra toda a ideia de
um homem construído à imagem e semelhança de Deus.
De repente estamos jogados na periferia de uma criação maior, de um Universo em que o homem é apenas
um elemento que segue leis naturais compreendidas pela razão, e que o próprio homem está sujeito a elas.
Contudo, essa condição que deveria dar humildade ao homem, não o humilha, o dá soberba.
A civilização ocidental irá se apoderar desse conhecimento, e irá aprimorar o saber sobre as leis universais
e naturais, e as utilizará no domínio planetário. As navegações estabelecidas por Portugal e Espanha se
sustentaram em princípios fundados pelas teses renascentistas.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 77


fizeram discordar de Aristóteles sobre a velocidade de queda dos corpos. Sua lei da gravidade
ficou famosa, lhe rendeu títulos universitários na Itália. Mas sua defesa das teses de Copérnico
gerou sua perseguição. Acabou tendo que negar suas descobertas e defesas.

Johannes Kepler (1571 a 1630) nasceu na Alemanha e foi matemático. Suas teses se
desenvolvem em torno dos movimentos dos astros, a que se dedica a observar e a buscar
entender a força que os atrai. Ele descobre que o movimento dos astros, devido à atração que
as massas dos planetas provocam, é elíptico e não circular como se acreditava.

Como Copérnico e Galileu, com quem se correspondeu, Kepler foi perseguido pelos
protestantes alemães, tendo que se mudar para Praga e para poder continuar suas
pesquisas. A ciência parecia incomodar a católicos e protestantes. As teses desenvolvidas
pelos pensadores renascentistas, que ironicamente eram religiosos, despertavam o temor do
fanatismo sustentado em verdades absolutas e inquestionáveis. Os administradores religiosos
demonstram ignorância no trato da ciência26

Enquanto o poder científico conduziu o homem europeu para descobertas e conquistas,


movimentadas pela busca do enriquecimento que o comércio europeu centralizava desde
sua experiência com as cruzadas e o contato com as especiarias do oriente, as monarquias
nacionais se sobressaiam sobre o poder papal. A Reforma Protestante foi o golpe fatal no
poder do sumo pontífice.

Os movimentos protestantes nasceram das discordâncias e críticas à conduta do clero ca-


tólico, dos Papas interessados e voltados apenas para o poder. Os excessos materiais da
Igreja Católica e seu abuso de autoridade já tinham sido questionados no passado, os pré-
-reformistas, dos quais tratamos aqui, já tinham se pronunciado e demonstrado o caminho que
a conduta do clero católico levaria, à cisma entre os cristãos no ocidente.

26
Nos relatos históricos, é fácil perceber o quanto a religiosidade acaba se afastando da ciência pela ignorância
de quem administra as instituições. Mas não se pode negar que os que têm fé também apresentam uma
incapacidade de entender o sentido do conhecimento.
Logo, podemos entender o quanto, ainda hoje, a ciência acaba sofrendo pela ignorância das lideranças
religiosas. Em alguns temas fundamentais para a vida humana, em que a razão demonstra a necessidade de
uma ação, a moralidade religiosa acaba por deturpar a conduta.
Na lógica do poder, essa contradição ficará cada vez mais expressa. Na Europa do Período Moderno (Séculos
XV a XVIII) e em nossos dias, os governos pendem a manter-se reféns da crença que ignora o saber e prejudica
a boa administração pública. Quantos temas racionalmente entendidos e com diagnósticos claros para uma
conduta governamental lúcida ficam limitados a uma religiosidade superficial e sem sentido. A eutanásia e o
aborto estão no centro deste debate hoje.
78 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância
Essa cisão da cristandade tem em suas bases os mesmos princípios que teve o Renascimento
Cultural em sua origem, os elementos que determinaram as descobertas científicas, o
humanismo. A busca de valorizar o homem acima das crenças e dogmas impostos, como a
escolástica exigia.

Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
Em vez do homem introspectivo, o que se deseja era um homem especulativo, que busca
conhecer-se ao conhecer o mundo que o cerca, sem limites de moral ou crença que impeça
de ir além do que se é.

Neste sentido, da mesma forma que a física foi fruto da especulação, a reinterpretação das
palavras divinas e a busca de uma relação direta com Deus também seguiu a liberdade, mas
apenas a princípio. Posteriormente, o temor das descobertas científicas abalou também as
Igrejas que nasceram da Reforma.

Não podemos deixar de mencionar o papel que a Igreja Católica teve nos primeiros anos da
Renascença. Papas, cardeais e bispos foram financiadores dos renascentistas. Obras como
as de Da Vinci, Michelangelo e Donatello foram dedicadas, em grande parte, a Igreja Católica.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 79


Claro que, diante de uma remuneração. Talvez aí esteja um segredo de conduta, até que ponto
se age pela fé ou pela materialidade27.

Contudo, mais tarde, a própria Igreja viria a condenar os artistas da Renascença, consideran-
do-os uma ameaça. Censurando suas obras e descobertas. Foi o caso de Da Vinci, de Galileu
e Copérnico. Mas nada disso impediria a propagação do conhecimento que o Renascimento
gerou. O movimento humanista cresceu em um ambiente onde a autoridade papal estava
decadente, a burguesia mercantil emergia e a nobreza feudal enfraquecida se agarrava nos
direitos hereditários subsidiados por uma monarquia nacional que lhe sugava o poder político e
militar. Os mesmo monarcas que recebiam dos empresários mercantis os tributos para ampliar
poder territorial e consolidar a autoridade.

A força dos monarcas garantiu em muitos reinos europeus a cultura renascentista, a qual,
contudo, também foi perseguidas por eles. Um exemplo desta instabilidade ocorreu na
Península Ibérica que, carregada de religiosidade, soube usar o desenvolvimento da ciência
náutica como nenhuma outra nação da Europa. Os monarcas Ibéricos que se constituíram
como guardiões do poder papal, cobraram caro para proteger a Igreja Católica, transferiram o
poder do vaticano para os interesses do trono.

Se observarmos as grandes navegações, vamos entender por que o discurso religioso norteia
as conquistas ibéricas. A cruz estampada nas velas dos navios portugueses e espanhóis, o
prestígio que a religiosidade católica tinha ao orientar a conquista dos territórios e catequizar,
por exemplo, e os gentis americanos são exemplos da influência do ideário cristão.

Vários pensadores se dedicaram a entender as conquistas náuticas e o papel da Igreja na


conversão dos povos indígenas na América. A ordem inaciana merece destaque neste papel de
27
Não há crítica aqui à monetarização da arte, e sim um elogio pela mudança de conduta do que é o talento humano
que deve ser recompensado. Mas, ao mesmo tempo, a relação que se estabelece com o indivíduo diante de seu
conhecimento. Os artistas e intelectuais da renascença iniciam a liberdade e dentro da própria Igreja se liberta
de sua imposição. Essa liberdade lhe permite associar elementos que passam a ser contraditórios. Em primeiro
lugar, o desejo de conhecer e a habilidade de transformar isto em arte.

80 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


conversora. Nascida dentro da Contrarreforma, ou que alguns chamam de Reforma Católica,
no Século XVI, o seu fundador, Inácio de Loyola28, aliou a hierarquia militar à constituição de
uma ordem religiosa que tivesse como função o papel de converter e educar. Disciplinados, os
jesuítas se destacaram na conversão dos nativos americanos.

Na Europa, a Ordem Jesuíta passou a administrar inúmeras universidades católicas. Gerando


um retrocesso em centros culturais cristãos. Um retrocesso que custou caro ao clero em
alguns países europeus, como a Alemanha, Holanda e, até mesmo, na França.

Foram os inacianos os responsáveis pelo desenvolvimento do Barroco, a arte oficial da Igreja


Católica, que se apoderou das técnicas renascentistas e carregou de uma religiosidade
fantasiosa e desmedida os templos do período moderno.

Uma peculiaridade da Companhia de Jesus foi seu papel importante na educação das terras
coloniais da América. Ao mesmo tempo em que se responsabilizaram pela conversão dos
nativos, os inacianos se destacaram na formação de seminários e nas artes29.

Inácio de Loyola (1491 a 1556) nasceu na Espanha, na Catalunha. Militar, lutou na guerra de reconquista
28

do território ibérico pelos reinos católicos. Foi gravemente ferido em um dos conflitos. Sua recuperação está
associada a sua conversão. Buscou por meio da educação se aproximar do pensamento religioso, de forma
conservadora. As ideias inacianas significaram uma retomada do conservadorismo escolástico.
29
No Brasil o papel da Ordem de Jesus será fundamental na organização da educação. Durante dois séculos e
meio os inacianos instalaram seminários e reduções em diversas regiões brasileiras. A colonização portuguesa
acabou por expulsar os jesuítas das terras brasileiras no Século XVIII.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 81


A CONSTRUÇÃO DO ESTADO NACIONAL E A CIÊNCIA POLÍTICA

Fonte: PHOTOS.COM
Na reorganização do poder na Europa, a formação do Estado Nacional tem um papel relevante.
As monarquias nacionais conseguiram deslocar as forças sociais, culturais e econômicas
para a modernização da sociedade ocidental e para a conquista planetária que adveio da
organização do poder nacional.

Podemos considerar que os últimos 600 anos foram construídos pela relação entre as nações.
O modelo de governo que emergiu no ocidente cristão entre 1100 a 1800 escreveu a história
da humanidade e refez o mapa do Mundo. Um mapa político recortado por estados-nações.

O estabelecimento do poder monárquico nacional se deu com a unidade entre os condados


feudais, mas também com o deslocamento do poder papal para a figura do rei. Um processo
longo e que, em alguns casos, levou à ruptura entre o monarca e a Igreja Católica.

O exercício de poder em que o monarca fortaleceu sua autoridade foi determinado pela
imposição da autoridade sobre os súditos que habitavam o território nacional. Mas para isso

82 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


era necessário o reconhecimento da hierarquia estabelecida a partir do rei e da burocracia
que o servia.

A unidade territorial em torno do monarca não se deu de forma linear, foi diferente em cada
território da Europa cristã. Não obedeceram às mesmas forças econômicas e políticas, muito
menos teve como fator de unidade os mesmos elementos.

Se observarmos os países ibéricos, a unidade nacional contou com o ingrediente de expulsão


dos muçulmanos da Península Ibérica, o que convencionamos chamar de “reconquista”.
Esse processo de expulsão reuniu nobres católicos na luta contra os califas. Portugal nasceu
primeiro, no século XII, sob a liderança de Henrique de Borgonha, um nobre francês que
expulsou os mouros de Portucale e, posteriormente, seu herdeiro, Dom Afonso Henriques de
Borgonha conquistou Alcobaça e Santarém.

Na unidade espanhola, os chamados “reinos católicos” (Leão, Castela, Aragão e Navarra) se


reúnem para expulsar os mouros. A luta se deu por mais de seis séculos e culminou com a
Batalha de Andaluzia (1492), quando os reinos se uniram em torno de Fernando de Aragão e
Isabel de Castela, formando a Espanha.

Se a unidade ibérica foi tutelada pela Igreja Católica, nos países ao norte da Europa a
unidade foi uma guerra, muitas vezes, contra a própria Igreja. A Inglaterra tem o caso mais
emblemático, a criação da Igreja Anglicana (Igreja Nacional Inglesa) com Henrique VIII de
Tudor30, no século XVI.

30
A formação da unidade inglesa foi uma relação de fatores que envolveram a luta entre a nobreza pelo controle
do trono e o fortalecimento do Parlamento como instituição representativa. Não podemos esquecer-nos do que
já trabalhamos anteriormente quando falamos dos pré-reformistas, em que o inglês John Wycliff questionou o
poder do clero católico. A Inglaterra tinha uma interferência patrimonial da Igreja. Um terço das terras britânicas
estava nas mãos do clero católico. Para a consolidação da autoridade monárquica e a supremacia do estado
nacional, era preciso confiscar os bens do clero. Foi isso que Henrique VIII fez, além de se tornar o chefe da
Igreja, substituindo a figura do Papa.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 83


No mesmo século XVI, Na França, a unidade nacional foi obtida por meio de uma guerra
constante entre os nobres, os quais estavam divididos pelos interesses regionais e tentando
impor sua autoridade sobre o território nacional. Depois de uma longa batalha entre as famílias
Guise, Valois e Bourbon, foi esta última que conseguiu se sobressair com apoio dos mercadores
da Região de Navarra e Normandia. Contudo, Henrique de Bourbon era protestante, calvinistas
huguenote. Teve que se converter ao catolicismo para poder governar.

Aqui podemos entender a importância que a unidade nacional teve no futuro da Europa. As
grandes navegações, o que chamamos de “Expansão Marítima”, não poderiam ter ocorrido
sem a orientação dos estados nacionais absolutistas. Foi com a autoridade de seus monarcas
que nações como Portugal, Espanha, Inglaterra, França e, posteriormente, e de forma singular,
a Holanda31 promoveram as navegações.

Foi nesse ambiente de ebulição das monarquias nacionais que o pensamento político ganhou
as bases para o desenvolvimento de uma ciência que discutisse e transformasse o poder em
tema. Um dos principais expoentes deste pensamento foi Nicolau Maquiavel, Florentino, cuja
obra mais conhecida é “O Príncipe”.

As teses de Maquiavel partem da análise dos governantes da antiguidade e do período


medieval, em uma análise dos sucessos e insucessos dos homens que buscaram o poder.
Dessa análise, o florentino busca entender os princípios fundamentais de onde o poder se
sustenta. Uma tentativa de entender a lógica das forças sociais, econômicas e culturais que
permitem o controle do estado e a manutenção do governo.

A Holanda foi designada durante o Período Moderno (Séculos XV a XVIII) como parte dos Países Baixos. Sua
31

autonomia nacional só foi possível após uma guerra de independência em relação a Espanha (1579), a qual não
foi a única nação a dominar os “flamengos”.
A família Orange passou a governar os Países Baixos, mas com um conselho de empresários que já tinha
iniciado um longo processo de expansão marítima por meio de duas importantes companhias, a Companhia
das Índias Orientais e Companhia das Índias Ocidentais. Uma delas veio a dominar Pernambuco, no Nordeste
brasileiro entre 1630 a 1654.

84 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


O interesse de Maquiavel nessa obra, que é uma receita das experiências de governantes do
passado, é dar a Lourenço de Médici (Príncipe de Florença) os ingredientes para poder unir
a Península Ibérica e garantir o desenvolvimento italiano à altura do que os países ibéricos
promoviam naquele tempo. O estado nacional português e espanhol eram senhores dos
mares, mesmo não tento a riqueza e a experiência náutica dos italianos32.

O destaque da obra “O Príncipe” é a sua racionalidade em relação ao poder. Sua capacidade


de projetar o governo se impondo sobre forças até então dominantes à supremacia do rei.
A ciência política tem em Maquiavel seu precursor. Sua capacidade de elaborar regras para
atingir a estabilidade do governo ainda hoje é base dos estudos da ciência política.

Hoje, o preconceito recai sobre a obra do autor italiano e lhe associa a quem utiliza de meios
vis para chegar ao poder. Como se aquele que busca manter-se no governo estivesse livre para
todos os atos que achasse necessário para impor a dominação. O que não é uma verdade.

A obra estabelece o papel do governante como determinante para o equilíbrio de forças que,
até então, se encontravam dispersas. Canalizar esta “força” para o interesse comum que o rei
representa, é o objetivo da obra de Nicolau Maquiavel. Para ele, o Rei que se traduzir neste
equilíbrio e nesta força se mantém no poder.

São os conflitos religiosos associados ao desenvolvimento do comércio as principais forças que


os monarcas europeus têm que administrar para a manutenção do poder. Não podemos deixar
de considerar que a religiosidade não é meramente uma escolha particular, é um instrumento
de unidade e de reconhecimento do homem em relação às demais e em relação ao poder.

Um dos exemplos da relação entre o desenvolvimento do comércio e a religiosidade está na


obra “Ética Protestante e o Espírito Capitalista”, de Max Weber. Nela, o autor alemão apresenta

Irônico imaginar que as primeiras navegações portuguesas e espanholas foram feitas com mapas de
32

navegadores e cartógrafos italianos. Mesmo Cristovão Colombo, que navegou com mercenário para Portugal e
Espanha, era italiano. O descobridor das terras da América (1492) era a demonstração de uma força da Itália a
serviço de outras nações por falta de uma unidade nacional.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 85


o papel que a mentalidade econômica protestante desempenhou para o sucesso da economia
capitalista nos países europeus, como também nos Estados Unidos. A mentalidade católica,
segundo o autor, foi um entrave para a modernização das relações econômicas33.

O que se deve levar em consideração é que o desenvolvimento mercantil fez surgir a


necessidade do aprimoramento científico. As conquistas efetuadas pelas nações europeias
nas grandes navegações, as atividades econômicas que foram desenvolvidas na Europa, a
partir do período moderno, e as condições em que os estados nacionais se desenvolveram
foram exigindo um aprimoramento da ciência.

O renascimento da ciência a serviço do mundo dos negócios

Os artistas da Renascença foram os que mais expressaram a importância das descobertas


científicas. Inicialmente para atender à produção de uma arte que buscava a perfeição de
suas obras, depois para a construção de um conhecimento necessário para os interesses de
expansão que a sociedade ocidental viveu a partir do Século XV.

As descobertas territoriais, durante as grandes navegações, efetuadas pelas nações


europeias, foram impulsionadas pelo conhecimento científico e pela tecnologia. Vale lembrar
que as descobertas também foram um campo fértil para o desenvolvimento da ciência. O
encontro com novas civilizações, novos espaços geográficos, novas espécies de plantas e
animais mudaram a compreensão do homem ocidental sobre si e sobre o mundo. Contudo,
vale lembrar que o discurso de supremacia se sobressaiu.

33
Em sua obra, Max Weber compara o enriquecimento de famílias protestantes, principalmente puritanas –
calvinistas – com as famílias católicas. Pela análise do pensador alemão, a ética protestante de valorizar o
trabalho e o acúmulo de riqueza, considerando-as uma “benção” de Deus, favoreceu a dedicação aos negócios
e o incentivo ao lucro.
No caso brasileiro, a formação católica pode ter sido um fator cultural histórico que limitou o desenvolvimento da
empresa mercantil moderna. Nossa “vocação” agrária não foi superada, por muitos anos, ao longo da história
da economia política. Nos países ibéricos, que foram pioneiros nas grandes navegações, o desenvolvimento do
capitalismo também não se deu de forma plena.

86 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Seria da Europa que emanaria toda a compreensão e registro das grandes descobertas e de
seus efeitos. O olhar do homem ocidental é que determinou o conceito, julgou e executou os
povos “não ocidentais” 34.

Independente do discurso de supremacia europeia ter se apoderado de parte do saber


produzido, vale lembrar que o conhecimento científico promoveu o olhar racional sobre as
coisas humanas. Mesmo Deus passa a ser visto como um “grande arquiteto matemático” que
procurou construir os elementos vivos com o modelo de perfeição.

O mais importante personagem dessa transformação pela qual a Europa passou foi, sem
dúvida, Nicolau Copérnico. Sua teoria heliocêntrica se transformou em um marco na concepção
de universo. Rompeu com as teses predominantes até o Século XVI da teoria de Ptolomeu
e deslocou a Terra do centro do Universo para um sistema solar. “Deus se apequenou e o
homem se agigantou diante desta descoberta”.

As teses de Copérnico foram combatidas pelos cristãos, católicos ou protestantes. Contudo,


o desenvolvimento científico do que ele apresentou foi mais intenso nos países protestantes
pela limitação da Igreja diante da autoridade dos reis. A Igreja Católica continuou, em alguns
países, exercendo uma forte influência na vida política e interferindo na produção científica35.

Quem faz referência ao olhar do ocidente sobre o mundo é o antropólogo francês François Laplantine. Em
34

seu trabalho “Aprender Antropologia”, faz uma análise da construção do discurso do ocidente ao longo da
história de conquista e exploração da América e África. O conceito estabelecido sobre o “bom” e o “mau”
selvagem. Independente de como o homem europeu conceituou os povos americanos e africanos, eles serão
enquadrados em um discurso de supremacia imposto pelo ocidente.
Esse discurso teve de início uma forte tendência religiosa. Inúmeros pensadores cristãos se dedicaram a
entender a origem dos africanos e indígenas. Debateu-se acerca de sua essência humana, ou se seria apenas
uma aparência, havendo ainda o dilema dos nativos terem ou não alma. Independente de qual será a sentença,
será o homem europeu que a decretou.
35
No Século XVI, diante da expansão protestante, a Igreja Católica lançou a Contrarreforma, ou o que alguns
chamam de Reforma Católica. O Concílio de Trento (1546 a 1562) foi marcado pela moralização da Igreja
Católica, pela fundação de novas ordens religiosas e pela reafirmação dos dogmas. Mas entre as ações tomadas
estava o Index (Índice de livros Proibidos). Por ele, a Igreja estabelecia os autores e obras que eram proibidos

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 87


Vale ressaltar que a ciência colocava o homem em condição de criar e transformar. O
conhecimento científico significava o poder do homem sobre a natureza. A capacidade de
transformá-la em busca de interesses terrenos e não divinos vai mudar o curso da história.

Os complementos das teses de Copérnico foram feitos por Kepler e Galileu. Enquanto o
primeiro desenvolveu as teses de movimentação dos corpos celestes mediante um movimento
elíptico e não circular como previa Copérnico, o segundo desenvolveu a tese do movimento
dos corpos, a dinâmica.

Dessa forma, o estudo da Matemática e da Física ganhou um papel central. A partir da busca
da compreensão das chamadas “leis naturais”, aquelas que aprendemos nos “bancos das
escolas”, passando por Galileu, Newton e, posteriormente, Einstein, deram-se as bases para
as ciências naturais como conhecemos hoje.

Destaque, no pensamento racionalista, para Francis Bacon (1561 a 1626). O teórico inglês que
tem participação no parlamento britânico, indutivo. Nele, ao partir de premissas estabelecidas
e das diferenças entre os elementos, procura se chegar à classificação e compreensão
comparativa.

Segundo o pensador inglês, a função da ciência é servir ao homem, lhe dar condições de
dominação sobre as leis naturais e garantir a transformação do mundo para a satisfação hu-
mana. Dessa forma, o homem tem um poder natural sobre as coisas, mas para exercê-lo deve
desenvolver o seu conhecimento e sua racionalidade sobre o mundo. Se livrar dos “ídolos”,
segundo Bacon.

Para ele, os “ídolos” têm uma classificação diversificada, vão desde o senso comum ao
idealismo exagerado, por mais que racional. Dessa forma, só deve-se crer naquilo que se

em países católicos. Em muitos casos, a lista de obras e autores proibidos envolvia também personalidades.
O Index acabou servindo para os interesses dos monarcas em eliminar inimigos. Ideias que desafiavam a
autoridade do estado nacional acabavam por ser incluídos na lista de obras e autores proibidos.

88 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


entende pela racionalidade científica, deve-se compreender as “leis gerais”, mas conhecer as
particularidades que as justificam.

Envolvido com o governo inglês em profunda transformação, é sempre bom lembrar que
o pensamento de Bacon se desenvolveu em uma Inglaterra marcada pelas mudanças das
primeiras revoluções liberais. Os primeiros momentos em que ao poder monárquico se limitava
diante da força do Parlamento. O próprio Bacon foi membro da Câmara dos Comuns36.

Na política, mas sustentado na racionalidade, Thomas Hobbes (1588 a 1679) foi uma das
expressões políticas e filosóficas que mudou a concepção de poder por meio da racionalidade.
Nesse aspecto, ele comunga com Maquiavel, autor que já trabalhamos. O princípio de
Hobbes está na função do poder monárquico, o rei é uma autoridade necessária diante da
impossibilidade do acordo entre os homens com uma natureza de constante conflito.

Assim como Bacon, mas o superando, Hobbes foi um empirista e defensor da matemática,
dedicando-se aos estudos da dedução. Assim como os pensadores de seu tempo, estava à
procura de uma lei natural que pudesse ser o elemento impulsionador da existência de todas
as coisas.

A trajetória de Hobbes como pensador lhe colocou no destino da política. O jovem inglês
perdeu o pai cedo e foi criado pelo tio. Estudando lógica e se dedicando ao estudo da conduta
humana, o pensador foi tutor de diversos nobres ingleses. Acabou por viajar para toda a
Europa, conhecendo Galileu em suas viagens (1636).

36
O Século XVII foi de profunda mudança para os ingleses. O desenvolvimento das teses liberais foi o resultado
das transformações ocorridas na economia, mas também na mentalidade religiosa. A organização dos
camponeses puritanos (protestantes) e as revoltas promovidas contra o abuso do estado absolutista tomaram
corpo. Perseguidos religiosamente pelo estado, os protestantes se colocaram contra o governo anglicano e
desejavam reformas na Igreja oficial inglesa. Tanto que o primeiro movimento a correr foi a Revolução Puritana
(1640), que leva o nome do movimento religioso. Os puritanos foram importantes na colonização da América
inglesa e na formação dos Estados Unidos. Eles fundaram o Havard College (1636).

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 89


Sua principal obra é “O Leviatã”, o grande monstro eleito pelos homens com plenos poderes
e capaz de se impor pela ambição, que é da natureza humana, e pela necessidade de
convivência entre os indivíduos, o que é fundamental para o desenvolvimento da sociedade. O
monarca, dessa forma, não é senhor por virtude de Deus ou de si, mas foi eleito pelos homens
para conter a ganância que reina em cada um de nós.

Dessa concepção de Hobbes, é possível definir a necessidade do poder, que em nossos dias
ainda é discutida. Para movimentos políticos ideológicos como o Anarquismo, ou mesmo
para pensadores materialistas históricos, o estado representa o repressor, qualquer forma
de autoridade atende a interesses de classes ou grupos privilegiados na sociedade. Mas,
para os seguidores de Hobbes, ele é necessário. O poder garante a ordem entre os homens,
segundo ele.

Outra característica do pensamento do filósofo inglês é o experimentalismo, o que estará


presente em diversos teóricos de seu tempo: considerar apenas aquilo que é possível ser
observado e mediante a observação constituir as leis naturais que regem a vida humana. Por
isso, era também um simpatizante da matemática37.

Hobbes foi um ativista político e buscou influenciar o poder da sua época. Na França,
lançou “O Leviatã” à procura de esclarecimento acerca da função do poder, como foi citado
anteriormente, mas sua concepção acabou recebendo críticas tanto de monarquistas como
de republicanos. Dos primeiros por não reconhecer a origem divina do rei, dos segundos por
considerar que o homem necessita de uma autoridade absoluta sobre ele.

Manteve contato com os monarcas ingleses, mas jamais foi um influente no destino do governo
inglês. Suas obras ficaram mais conhecidas fora do reino britânico.

Vale destacar a importância que a matemática ganha como base do pensamento científico moderno. Ela
37

será o condutor lógico na busca de um método científico que resgate leis determinantes para a compreensão
de qualquer objeto a ser pesquisado. Mais tarde, veremos no pensamento positivista a importância que a
matemática tem como fonte lógica das ciências naturais e mesmo na construção de uma ciência social fundada
nas “leis naturais”.

90 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


O SENHOR DO PENSAMENTO MODERNO

Mas a maior influência no pensamento moderno foi René Descartes (1596 a 1650). Sua obra
marcou profundamente os fundamentos da ciência, a análise do conhecimento e as estruturas
filosóficas que foram construídas em seu tempo. Podemos considerar Descartes um pensador
completo.

O contraditório nesse autor francês, de formação conservadora, é que passou sua vida em
busca de entender a natureza e o homem. Chegou a se alistar em exércitos para ter tempo
de se dedicar aos estudos por meio de viagens pela Europa. Foi durante sua vida militar que
produziu a obra “O discurso do método”.

Apesar de francês, passou parte considerável de sua vida na Holanda, onde desenvolveu a
maioria de suas obras. Suas obras buscavam em Copérnico e Galileu uma referência. Em
especial no estudo do movimento do universo. Ele também era um defensor da matemática.
Quando Galileu foi julgado, Descartes não divulgou parte de seus trabalhos temendo as
controvérsias que poderiam gerar. Ele não gostava de perder tempo com embates que
considerava desnecessários38.

Algum dos princípios fundamentais do pensamento de Descartes está em não ser considerada
uma verdade científica aquilo que não fosse claro e distinto. Para ele, todo o problema deve
ser dividido em partes até que seja compreendido todo o seu funcionamento e compreendida a
lógica de seu funcionamento. Por isso, ao observarmos uma questão, deve se partir do simples
para o complexo, sempre nesta ordem. Quando a ordem não existir, deve-se estabelecer uma.
Por isso, sem um método é impossível entender uma questão.

38
Um detalhe a ser ressaltado é o quanto a produção intelectual na Europa do Período Moderno (Séculos
XVI a XVIII) gerou incômodo ao poder. Diversos autores contemporâneos como Galileu, Kepler, Copérnico,
Bacon, Maquiavel, Hobbes entre outros, foram perseguidos, tiveram que se refugiar e sofreram censura. O
conhecimento incomoda, gera obstáculos à manutenção do poder.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 91


Na sua vida pessoal, Descartes era um conservador. Talvez, o brilhantismo intelectual veio
acompanhado de um temor de fugir de uma vida segura agindo de forma conservadora e sem
colocar a vida em risco.

Católico fervoroso, jamais se meteu em embates que ameaçassem a sua existência. Descartes
defendeu manter-se no caminho, evitar os jogos da incerteza. A mudança só pode ser feita se
comprovada sua verdadeira necessidade. Como o pensador francês era um homem recluso,
pouco se sabe do que ele realmente defendeu e manteve como uma verdade em sua vida.

Quem usava de alternativas para fugir das perseguições era Spinoza (1632 a 1677), pensador
holandês, filho de família judaica e origem portuguesa. Ele desenvolveu suas teses por meio
da reinterpretação da Bíblia e dos documentos religiosos judaicos. Foi estudioso dos filósofos
clássicos. Sua postura crítica em relação à essência divina lhe deu a excomunhão da religião
dos judeus. Acabou por ficar recluso a uma vida simples como polidor de lentes, vivendo na
casa de famílias que admiravam seu trabalho.

Mas a admiração pelo trabalho do Spinoza foi muito além dos Países Baixos onde viveu. Foi
convidado a ser professor na Alemanha, em Heidelberg, mas recusou diante de ter sua liberdade
de pensamento limitada. Até mesmo o Rei Luis XIV o convidou para fazer parte de sua corte e
receber uma pensão em troca de escrever uma obra dedicada a ele. Spinoza se recusou.

A base do pensamento do autor holandês está na busca de associar a essência divina à


natureza. Para ele, Deus e a natureza eram o mesmo elemento. Sua tese provocou rejeição
tanto de judeus como de cristãos. Por isso, sua sobrevivência com pensador esteve associada
a sua reclusão, ficar imóvel para poder pensar39.

39
Quantos em nossa sociedade não têm que ficar imóveis para poderem pensar. Quantos não se submetem para
poderem ser aceitos e continuarem a refletir com profundidade. O que o autor holandês viveu foi a forma de
produzir estando além de seu tempo e criando mecanismos de proteção para não se ver no centro de um debate
que necessitaria ser criado, mas que provocaria sua morte. Ainda hoje há quem queira sequestrar a mente
ameaçando o corpo, mas é impossível encarcerar o pensamento.

92 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Outro elemento importante no pensamento de Spinoza é a individualidade como capacidade
de compreensão do mundo. A liberdade de pensamento que deve ser respeitada e que não
tem limite. Para ele, se há o temor com o que se pensa, temos que lembrar que esse é o preço
que se paga pela busca da verdade. Esse conceito de individualidade e liberdade irá nortear o
pensamento ocidental a partir do Século XVIII, em especial, o pensamento liberal.

A busca pela realização pessoal diante do mundo será uma orientação necessária para
se efetivar a liberdade política do estado liberal iluminista que se iniciou sua trajetória de
implantação na Europa a partir das Revoluções Inglesas. Vale lembrar, que a Holanda de
Spinoza já era um exemplo de estado liberal com ampla liberdade aos seus habitantes.

Para encerrarmos os pensadores que anteciparam as teses liberais e definiram as bases


metodológicas da ciência contemporânea, vamos falar de Leibniz, o germânico que travou
debates com Newton e questionou as teses matemáticas deste. Sua contribuição está na lógica
e na política. Ele busca dar às leis naturais uma fragmentação. Levando em consideração as
condições específicas para cada nova descoberta observada. Dessa forma, considera que
há uma infinita gama de acontecimentos que não devem ser julgados sob a ótica de uma
lógica universal determinante. Estes elementos se agrupam por uma lógica inteligível e cabe
entender suas partes.

A carga teórica ligada a estes pensadores demonstra o quanto a ciência avançou, e o


quanto esteve ligada diretamente à política. A compreensão dos fenômenos naturais levou
ao questionamento da própria existência humana, de suas finalidades e de seus interesses.
Não é por acaso que, mesmo tentando se esquivar dos debates políticos, como foi o caso de
Descartes e Spinoza, os grandes pensadores jamais puderam deixar de transformar suas
obras em instrumentos de mudança do poder.

Podemos até considerar que exista uma distância entre a produção intelectual e ação, mas é
impossível negar que uma não pode se manifestar sem a outra. Os pensadores que discutimos
até agora contribuíram para a construção de uma capacidade nova de estabelecer a relação

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 93


do homem com a natureza, o que já estava em andamento com o advento da sociedade
mercantil. A mesma sociedade que possibilitou o advento da indústria e o aprimoramento
das técnicas de produção. Os intelectuais que analisamos produziram o que expressou essas
mudanças como, também, orientou-as.

As principais mudanças na história do ocidente ainda estavam para ser traçadas pelo
desenvolvimento de uma economia cada vez mais integrada mundialmente. Pelo
desenvolvimento da eficiência do estado nacional que se traduziu em uma representação
constante das forças sociais na vida pública. Também, por isso, acabou direcionando
suas ações para atender a determinados interesses de parcela da sociedade por meio
do aprimoramento do conhecimento científico. A ciência serviu a civilização ocidental
como um instrumento de conquista, mas também refez o papel deste homem diante da
natureza e de sua existência.

DO RACIONALISMO ÀS PORTAS DO ILUMINISMO

Fonte: SHUTTERSTOCK.COM

94 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Dois países podem ser considerados o berço do racionalismo que permitiu o desenvolvimento
do liberalismo, a Holanda e a Inglaterra. Enquanto no primeiro as guerras religiosas foram
uma constante, levando à interferência de diversos países na Holanda, no segundo, o
desenvolvimento das ideias liberais foi consequência da fraqueza das questões religiosas
diante das necessidades do estado. Nos dois, a pressão dos mercadores emergentes contra
os privilégios do estado teve um efeito de crítica e busca de rompimento com o absolutismo
monárquico. Não é por acaso que foi exatamente na Inglaterra e Holanda que pioneiramente
se implantaram os estados liberais.

É importante ressaltar que um fator teve ligação direta com essa onda liberal. Enquanto nos
países católicos da Europa a resistência da Igreja se dava dentro do estado monárquico, muitas
vezes promovendo perseguições a pensadores racionalistas, como vimos na unidade anterior,
nos países protestantes, as religiões necessitavam da concessão do poder para poderem
existir. Vale lembrar, também, que as teses luteranas e calvinistas acabavam por valorizar a
individualidade, elemento importante no liberalismo.

John Locke foi a expressão entre essas duas nações. Sua vida se deu se deslocando, em
parte, de uma para outra. Aproveitando-se da tolerância à liberdade religiosa da Holanda
quando a Inglaterra se viu à volta de uma guerra civil fundada no movimento puritano40.

Um dos fatores que levou Locke a ser perseguido foi sua postura contrária ao governo dos
Stuarts, dinastia reinante na Inglaterra. Ele considerava que o poder não tem interferência
divina é uma obra dos homens. O poder é uma construção de um contrato social estabelecido
pela sociedade.

Parte de sua vida Locke dedicou à vida no Parlamento, foi secretário do Lorde Shaftesbury,
membro da Câmara dos Lordes e presidente do Conselho Privado, uma figura ilustre dentro do

40
A Revolução Puritana foi analisada por nós anteriormente. Na nota de rodapé (36) analisamos este movimento
do qual o pai de John Locke participou. Essa influência dos interesses paternos irá influenciar a vida do pensador
inglês.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 95


governo britânico, opositor dos Stuarts. Quando o Lorde foi deposto, Locke fugiu da Inglaterra
e passou a dedicar-se aos seus tratados sobre política.

Entre suas principais defesas estava a liberdade de conduta do homem. Defende a natureza
da propriedade e o direito à liberdade. Também estabelece os princípios da igualdade dos
homens perante a natureza. Segundo ele, todo o homem nasce capaz ao conhecimento. Cada
homem é uma página em branco que pode ser preenchida com o conteúdo da experiência e
da reflexão41.

Na relação entre o cidadão e o estado, cabe ao segundo respeitar os direitos naturais dos
primeiros, caso isso não ocorra é legítimo que se destitua o governante. Desta forma, Locke
considera que o papel do estado é expressar a vontade coletiva e os direitos naturais dos
homens. Contudo, ele considerava necessário garantir a permanência das instituições como
forma de garantir a unidade social, vital para a liberdade humana.

Locke foi um defensor da propriedade privada, mas sempre a considerando com um fim ao
interesse social. Para ele, ao se apoderar de uma parte da natureza e transformar esta parte
em um bem privado, se direcionado ao interesse coletivo e ao progresso social, é justa a
posse. Dessa forma, em locais onde a propriedade já está estabelecida e integrada à vida
social, tomar o que é do outro é um crime.

Ele também se dedicou à educação. Considerava que o exemplo e a repetição são meios
fundamentais na formação do homem educado. Para ele, todos devem estar comprometidos
para a formação de um homem ético, mas que tivesse para isso o pleno domínio do corpo. É

A ideia que fundamenta as teses de Locke serão as bases do behaviorismo, aprender com ensaios de tentativa
41

e erro. Esse princípio considera que a conduta do homem é uma relação de experiência permanente com as
coisas que cercam os homens. O que buscamos é aprimorar o saber diante do que já foi experimentado. A
experiência dos “outros” se estabelece no mundo da reflexão e construímos um saber, também, por meio das
nossas experiências.

96 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


necessário que o educador, assim como os pais e, se possível, um preceptor42, se dediquem
a moldar as ações. Um homem que controle seus instintos e saiba domesticar o corpo é um
homem civilizado.

O final da vida do pensador inglês foi marcado pelo retorno à Inglaterra, depois de um longo
período de refúgio na Holanda. A volta foi possível com o governo de Guilherme de Orange,
um holandês, que foi coroado pelo parlamento britânico após a queda de Jaime II de Stuart,
inimigo de Locke43.

Em sua volta, o pensador inglês se dedicou ao desenvolvimento de sua obra e à construção dos
princípios que iriam consolidar o liberalismo como teoria. Das suas teses seriam estabelecidas
as bases que levaram o Iluminismo a se espalhar pela Europa, em especial pela França.
Voltaire, que analisaremos ainda nesta unidade, pensador iluminista francês, considerava que
se devia a Locke o legado da liberdade.

O liberalismo chega à França: uma ideia importada

No final do Século XVII, as teses liberais já se estabeleciam na França, mas de uma forma
discreta, dentro dos círculos acadêmicos. Ela tomaria as ruas na segunda metade do Século
XVIII, respaldaria as principais mudanças ocorridas no país, mas seria mais uma base teórica
dos acadêmicos do que um espírito de liberdade construído pelos franceses. O país nunca
teve uma tradição libertária para ter gerado uma revolução a partir desses princípios.

42
Preceptor é aquele que educa em casa, acompanha a formação de um jovem lhe servindo de modelo ou sendo
o seu instrutor diário. Locke chegou a cumprir esse papel para filhos de nobres de seu círculo de amizade.
43
A queda do monarca Stuart só foi possível pelo levante do Parlamento inglês. Mesmo sem uma guerra efetiva,
a tensão entre os parlamentares e o monarca foi marcada pela tendência católica do Rei Jaime II. Os atos
de intolerância do rei também se deram em relação às leis que o submetiam ao parlamento. Diante disso, os
parlamentares resolveram entregar o governo a filha de Jaime II, Maria de Stuart, casada com Guilherme de
Orange, rei da Holanda.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 97


O estado absolutista francês atravessava uma crise política e econômica que se traduzia na
instabilidade social desde meados do Século XVII. O reinado de Luis XIV foi marcado de glória,
mas também foi o precursor do caos. O rei francês consolidou o absolutismo e aproximou as
decisões do estado da eficiência das práticas mercantis. Colbert, ministro da economia de
Luis XIV, foi peça fundamental no desenvolvimento da economia mercantilista. Contudo, o
endividamento da máquina pública era marcado por uma carga tributária excessiva.

A política de privilégios na França contrastava com a produtividade dos que pagavam tributos.
Uma sociedade dividida entre nobres e plebeus, sendo que os empresários emergentes
estavam entre os que não tinham direitos políticos e pagavam a maioria dos tributos. O
descontentamento ganhou um clima tenso quando as classes populares começaram a sentir
as mudanças econômicas e o peso da carga tributária.

O absolutismo francês caiu pelo autoritarismo e incapacidade da monarquia em se adequar às


mudanças. Aquela falta de tolerância da qual falamos anteriormente. Ela promoveu a tensão
entre a sociedade e o estado, uniu os interesses dos emergentes empresários burgueses,
descontentes com a tributação, e uma classe popular empobrecida, miserável, sem direitos e
decepcionada com a figura do monarca.

A Alemanha foi outro exemplo do Iluminismo, o que se convencionou chamar de esclarecimen-


to. No território germânico, um fato marcou a trajetória da sociedade, a Guerra dos Trinta Anos
(1618 a 1648). Fruto inicialmente do conflito entre católicos e protestantes, sobre territórios
da boêmia (atual República Checa), acabou por se transformar em uma guerra generaliza-
da entre os príncipes germânicos divididos pelo catolicismo e protestantismo, assim como
pela interferência de nações europeias interessadas em destruir o poder do Sacro Império
Romano-Germânico.

O resultado desse conflito foi a perda da unidade germânica e a influência da cultura francesa.
A busca por encontrar uma identidade intelectual para os alemães levou ao desenvolvimento
do “esclarecimento” e, aliado a ele, por meio do movimento cultural denominado Romantismo,
o nacionalismo44.

O desejo de formação de um Estado Nacional Alemão levaria a guerras constantes no Século XIX. A Prússia,
44

principal reino militar germânico passou a liderar a busca pela unidade nacional dos alemães. Dessa unidade
acabou sendo excluída a Áustria. Após inúmeras guerras entre os estados germânicos e os países vizinhos
(Dinamarca e França), a unidade se definiu em 1871, a favor da Prússia e da capital Berlim.

98 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Mas o Romantismo, enquanto movimento intelectual, produziu diferentes tendências. Algumas
exaltavam a racionalidade e consideravam a necessidade do homem que busca da racionalidade
para resolver seus embates. A ideia de que todo o homem educado pela racionalidade estaria
mais próximo de resolver os seus problemas inspirou teses como o materialismo histórico45.

O existencialismo seria o exemplo do oposto, de se libertar da racionalidade com a emotividade


e da inconstância do sentido da existência. Uma vida pode ter no homem sua compreensão
diante de suas necessidades e desejos, nem sempre dominados pela racionalidade. Essa foi
uma forma de fugir do mundo industrial que passava a dominar o cotidiano da maioria dos
indivíduos. Uma repetição de atos previsíveis e de uma constante social estética da qual a
chamada classe média, ou pequena burguesia, foi a maior expressão. A maior expressão
do romantismo foi Lorde Byron (1788 a 1824), o poeta inglês que produziu inúmeros poemas
que inspiram literários europeus até hoje. Sua vida excêntrica foi marcada por desafios à
autoridade e romances tórridos e proibidos, o maior deles foi com sua própria irmã46.

45
A ideia de consciência da classe operária das relações de produção que geram a sua vida material como
ponto de partida para sua libertação é um exemplo do romantismo. Também a idealização de uma sociedade
estabelecida pela igualdade material que poderia levar os homens a uma convivência harmônica e possível de
ser reproduzida por meio de uma revolução coesa pela unidade operária também pode servir de ilustração do
romantismo dentro do materialismo.
46
Filho de um nobre falido, do qual herdou o espírito de aventura e o desafio à ordem estabelecida, Byron foi
um poeta romântico que teve uma infância conturbada, marcada pelos maus-tratos da mãe e da governanta.
Instalou-se em Londres, onde nasceu. Sua fama foi atingida quando publicou a obra Childe Harold que relata
suas viagens pela Europa. Com postura desafiadora, foi nomeado ao Parlamento para a Câmara dos Lordes.
O dia de sua posse foi marcado por irreverência, contrariando todos os princípios do protocolo estabelecido
pela Casa. O momento mais trágico e polêmico de sua vida foi o romance que teve com sua irmã, Augusta,
deixando-a grávida.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 99


Entre os pensadores que analisamos, os que destacamos nesta refl exão são Isaac Newton e René
Descartes. Os dois revolucionaram o método científi co e desenvolveram as teses do racionalismo e
empirismo.
Entre os principais estudos de Newton está a questão do movimento dos corpos celestes, a relação de
atração que promovem entre si. E de que forma essa gravidade pode intervir na vida na Terra.
Neste trecho da obra Regras de Raciocínio em Filosofi a (NEWTON, 2010, pp. 11 e 12), o pensador
inglês fala da observação e a experimentação:
Pois como as qualidades dos corpos só são conhecidas por meio das experiências, devemos conside-
rar como universais todas aquelas que concordam universalmente com as experiências, e as que são
capazes de diminuição não podem nunca ser completamente removidas. Certamente não devemos
abandonar a evidência das experiências devido a sonhos e a fi cções vãs de nossa própria criação,
nem devemos nos afastar da analogia da Natureza, que tem o costume de ser simples e sempre
consoante a si própria. Só conhecemos a extensão dos corpos por meio de nossos sentidos, mas
estes não pertencem a extensão em todos os corpos, mas como percebemos a extensão em todos
os corpos que são perceptíveis, então também atribuímos universalmente a todos os outros. Apren-
demos pela experiência que muitos corpos são duros, e como a dureza do todo surge da dureza das
partes, inferimos justamente a dureza das partículas indivisas não apenas dos corpos que sentimos,
mas de todos os outros. Que todos os corpos são impenetráveis aprendemos não pela razão, mas
pela sensação. Percebemos que são impenetráveis os corpos que manuseamos e daí concluímos ser
a impenetrabilidade uma propriedade universal de todos os corpos de qualquer tipo.
Perceba que Newton estabelece o princípio da experimentação sensível do homem e a extensão des-
tas conclusões aos demais corpos que estão além da capacidade do homem perceber. Todas estas
mudanças que atingem a capacidade de compreensão humana tentam ser entendidas pela experi-
mentação dos elementos imediatos. Eles podem constituir regras universais e permitir a compreensão
daquilo que está além de nossa experiência sensível. Logo, podemos estudar os astros partindo das
experiências que temos com os objetos, as massas, que podem ser percebida e experimentada pelos
sentidos do homem. Partir do simples para o complexo.
Mas qual é o papel que o conhecimento traz para a vida? Quais as mudanças na concepção que
temos sobre a natureza e o homem quando sustentamos o pensamento em conceitos derivados das
experiências científi cas? Seria possível sustentarmos a compreensão sobre o universo nas crenças e

100 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


nos ídolos que colaboraram para construir a identidade da civilização ocidental?
Em sua obra Resumo dos Princípios Mais Importantes do Conhecimento, René Descartes apre-
senta um pouco de sua visão sobre a busca do conhecimento fi losófi co:
Por essa é que, se queremos nos ocupar, com seriedade, do estudo da fi losofi a e da busca de todas
as verdades que estamos em condições de conhecer, precisamos nos livrar, primeiramente, dos pre-
conceitos, e propor a nós mesmos a rejeição de opiniões que antigamente tínhamos aceitado sob a
forma de crença, até que as tenhamos examinado novamente. Passaremos revista, depois, naquelas
noções que são em nós e apenas adotaremos como autênticas as que se mostrarem de modo claro e
distinto ao entendimento. Por este processo conheceremos, em primeiro lugar, que existimos, enquan-
to a nossa natureza é pensar; e que existe um Deus do qual dependemos. Depois de considerarmos
os seus atributos, poderemos pesquisar a verdade de toas as demais coisas, visto que ele é a sua
causa.
Aqui René Descartes valoriza o papel do homem na busca da verdade. O conhecimento é possível a
partir da observação, do estudo e das experiências que o homem faz sobre a natureza. E a capacida-
de de refl exão do homem é um importante instrumento na busca de “Deus”, que, na obra do pensador
francês, nada mais é que a natureza.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na leitura dessa unidade, pudemos ver que o romantismo foi uma busca do liberalismo
extremo e se expressou em comportamentos como o de Byron. As teses liberais originárias do
racionalismo avançaram ainda mais na busca de superar os problemas que afetaram o homem
europeu que vivia a crise das monarquias nacionais e questionava a sociedade de privilégios.

O desenvolvimento do racionalismo originário da Renascença (Séculos XIV a XVI) vai deixar


sua marca na Europa e mudar a concepção do homem europeu sobre si e sobre a natureza
que o cerca. Essa mudança ficará impregnada na economia, na política, na cultura e na
ciência. Tudo irá mudar a partir do Renascimento e do desenvolvimento do racionalismo.

Não é por acaso que hoje vivemos em sociedade em que a ciência desempenha um papel
primordial na organização social dos homens. Temos uma vida justificada pela racionalidade.
Estamos a todo o momento tentando esclarecer nossas dúvidas por meio da ciência.
Rompemos com a dependência de uma explicação divina para nossas questões cotidianas.
Deus virou uma opção de crença e não uma imposição.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 101


As teses defendidas pelos pensadores do racionalismo deram as bases para o desenvolvimento
de teses políticas e econômicas que permitiram o aprimoramento das atividades materiais.
Não podemos desvincular o crescimento da Europa do aprimoramento do conhecimento que
o movimento racionalista permitiu. Maquiavel, Bacon, Kant e Hobbes são alguns exemplos do
importante legado que o Renascimento e o movimento racionalista possibilitaram.

O Renascimento é visto como o movimento que rompeu o pensamento teocêntrico


predominante no mundo medieval e despertou a racionalidade científica que conhecemos hoje.
A construção da ciência e sua função vital para nossa organização estão ligadas diretamente
ao desenvolvimento dos conhecimentos dedutivos e indutivos, debatido inicialmente nas teses
de Copérnico e Galileu, mas também fortalecidos com Bacon e Newton.

A educação passou a ter o papel de universalização com o aprimoramento do conhecimento


humano, capaz de criar métodos de análises, fórmulas científicas, que passaram a ser
difundidas e se desdobraram em diversos campos de conhecimento aplicados na vida humana.

De ser determinado pela natureza, em que as leis são inegáveis, o homem passa a compreender
seu funcionamento para alterá-la. Mas não mais no limite de sua sobrevivência imediata, e sim
no domínio e transformação da natureza em larga escala. O homem contemporâneo depende
do desenvolvimento possibilitado pela ciência para elaborar seu futuro e gerar a eficiência
necessária para a superação de suas limitações.

Entre os autores apresentados nesta unidade, não podemos deixar de exaltar o papel que
Nicolau Copérnico desempenhou. Ele reconstruiu um universo com suas teses heliocêntricas
e desfez outro, fundado nas teses de Ptolomeu, que desenvolveu o pensamento geocêntrico.
Com essa mudança, o que Edgar Morin denomina “revolução copernicana”, o homem se
reposiciona diante do mundo. Dá um novo sentido à natureza e a si mesmo. Copérnico e muitos
dos pensadores do Renascimento e do Racionalismo reconstruíram o sentido da existência e
colocaram nas mãos dos homens a responsabilidade por suas vidas.

102 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Aqui, o jornalista e fi lósofo, Olavo de Carvalho, faz uma análise da obra de Maquiavel. No início do
vídeo, ele trabalha a problemática fi losófi ca e a traz para o campo da particularidade. Segundo ele,
veja no vídeo, as questões gerais clássicas não devem ser a preocupação da fi losofi a contemporânea,
mas a particularidade que atinge todos.

<http://www.youtube.com/watch?v=_E_g-P9v6eM>.

ATIVIDADE DE AUTOESTUDO

1. Entre os pensadores mais importantes do mundo moderno, podemos considerar Copérnico.


Em suas descobertas ele colocou em xeque o Universo concebido pelo homem medieval.
A descoberta de Copérnico refez o conceito de homem. Não é por acaso que ele é um dos
principais pensadores do Renascimento. Quais as bases do pensamento renascentista
quando se fala em humanismo, antropocentrismo e racionalismo e como isto se opôs ao
pensamento predominante, a Escolástica?

2. Quando falamos da Reforma Protestante e o que ela significou para a Europa, nós temos
que considerar que houve uma reinterpretação da relação do homem com Deus. John
Huss foi um dos maiores representantes dessas teses que questionavam a Igreja Católica
a qual se propagou pela Europa nos Séculos XV e XVI. Uma das principais questões
discutidas no texto desta unidade foi o papel da Igreja em relação à sociedade e ao estado.
Desta forma, aponte qual a influência que a Reforma Protestante teve nas mudanças
econômicas e políticas ocorridas na Europa durante o Período Moderno (Séculos XV a
XVIII).

3. Uma das discussões que fundamentam o liberalismo, em seu princípio, é a questão da


propriedade. Ela é natural, nasceu com o homem, ou ela é uma condição constituída pela
sociedade? Vários autores discutiram essa questão. Por que ela ganhou tanta importância
no debate econômico e político?

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 103


UNIDADE III

DO PENSAMENTO ILUMINISTA AOS


PENSADORES CONTEMPORÂNEOS
Professor Me. Gilson Aguiar

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender a relação entre o pensamento racional e o desenvolvimento da eco-


nomia e da política liberal.

• Analisar a influência do desenvolvimento da economia capitalista e a associação


com a reformulação do sentido de homem. Assim como entender os questionamen-
tos sobre a ordem econômica com a emergência da classe operária e o pragmatis-
mo estruturalista ou capitalista.

• Considerar as tendências de compreensão da individualidade, a necessidade de


uma lógica que posicione o homem em uma condição determinante na vida social.

• Destacar o momento que estamos vivendo diante da crise de identidade e a emer-


gência do individualismo exaltado por uma lógica egocêntrica.

Plano de Estudo

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:


• O desenvolvimento das teses liberais e as suas diferentes formas de expres-
são na Europa (o pensamento liberal inglês, francês e alemão)

• O pragmatismo estabelecido pelas teses que defendiam a evolução do capi-


talismo ou as que criticavam sua existência. O modelo de crescimento econô-
mico como foco do pensamento social

• A crise do homem ocidental após as duas guerras mundiais e a perda do sen-


tido ideológico do homem contemporâneo

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 105


INTRODUÇÃO

O que vimos na segunda unidade foi o desenvolvimento do pensamento racionalista e uma


nova concepção de homem partindo de uma ruptura com a mentalidade teocêntrica (Unidade
I). Nesta unidade, vamos trabalhar o desdobramento do pensamento racional e a constituição
das teses iluministas que acompanharam as mudanças na Europa ocidental. O liberalismo foi
a proposta política e econômica que se desdobrou da “teoria das luzes”.

Unindo uma contextualização do período revolucionário, século XVIII, colocamos os autores


desse período em uma ordem de orientação que possibilita entender as diferentes concepções
de homem e de sociedade diante das mudanças que a Europa viveu.

Mas, o momento mais importante desta unidade está nos pensadores dos séculos XIX
e XX. Por isso, destacamos o estudo sobre as teses de Comte, Marx, Durkheim e Weber,
considerados autores clássicos das ciências sociais. Neles se sustenta a construção de toda
a estrutura metodológica contemporânea. Muito do que discutimos hoje como proposta para a
Pedagogia, como orientação política e ideológica da educação, passa por esses pensadores.

Por fim, também com uma importância significativa, está o drama da sociedade contemporânea.
Na parte final desta unidade, destacaremos pensadores como Pavlov, Freud, Sartre, Baudrillard,
Bruckner e Enzensberger. Uma coletânea de autores que discutem o comportamento do
homem em sociedade. Nos pensadores da segunda metade do século XX e início deste
século, procuro salientar a angústia da existência individual, o drama da existência sem um
sentido político mais amplo.

Dessa forma, procure trazer a filosofia para o campo do conhecimento prático, o que lhe faz
ter, como diz Sartre, uma proposta de não só contemplar, mas agir. É preciso transformar,
mas é fundamental saber o que e aonde quer se chegar. Vai de cada um uma busca na
educação, contudo, acredito que o bom educador tem uma proposta de homem e age na
busca de alcançá-lo, espero que esta unidade contribua para isso.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 107


OS ILUMINISTAS

O Iluminismo enquanto um termo filosófico está ligado diretamente à defesa de ideias liberais
fundadas na razão científica. A obra que marcou a corrente iluminista foi a “Enciclopédia”.
Ela contém a reunião de inúmeros intelectuais que reuniram alguns de seus principais textos.
Neles, diversos temas tratavam do homem e de sua relação com a natureza, com a religião e
com a política.

Entre os “enciclopedistas”, como acabariam sendo chamados, pode-se ressaltar D’Alambert


(1717 a 1783). Autor da introdução da obra, o matemático se destacou pelos estudos em
álgebra e também em física (vibração). Seu conhecimento foi reconhecido em Paris, onde
passou a fazer parte da Academia Francesa, da qual se transformou secretário perpétuo.
Era um crítico do estado autoritário absoluto e defensor da representatividade liberal e um
racionalista convicto47.

Diderot (1713 a 1784) foi o responsável pela maior parte das obras contidas na Enciclopédia.
Seu trabalho abrangeu diversos temas ligados à política e religião. Criticava a religiosidade
institucionalizada, era um ateu. Escritor de peças teatrais e utilizando de um humor britânico,
apesar de ser francês, ele acabou tendo problemas com a Igreja Católica e com o Estado, mas
nada que levasse ao extremo. Foi preso por um curto período após escrever a obra Cartas
sobre os cego para o uso por aqueles que sabem ler.

Uma peça de sua autoria, A Religiosa, foi acusada por muito tempo de ser um instrumento de
inspiração das atrocidades que foram feitas a clérigos durante a Revolução Francesa (1789),
o que nunca se comprovou. Sua tendência era a de buscar a crítica direta, expondo de forma
irônica suas considerações, o que desagradava os alvos de sua crítica.

47
Na história pessoal de D’Alambert está o abandono de sua mãe verdadeira, uma nobre francesa, que o rejeitou
por ser um filho bastardo. O intelectual foi criado por um vidraceiro e sua mãe, a quem ele sempre considerou
seus verdadeiros pais. Quando se destacou, sua mãe biológica quis resgatar a maternidade, mas D’Alambert a
rejeitou como ela o tinha rejeitado.

108 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Se a religiosidade foi o alvo da crítica de Diderot, foi também de Voltaire (1694 a 1778), um dos
mais conhecidos teóricos iluministas do Século XVIII. Sua obra se transformou em um clássico
na crítica à Igreja e aos privilégios do Clero. Ele foi o autor da célebre frase “Se Deus não
existisse, teríamos que criá-lo”. Também é atribuída a ele a afirmação “Se Deus fez o homem,
no dia seguinte à criação, os homem fizeram Deus a sua imagem e semelhança”.

Apesar dessas afirmações, Voltaire, diferente de Diderot, não era um ateu. Ele condenava
a religiosidade institucional, mas considerava a existência de Deus da mesma forma que
Spinoza, Ele era a natureza.

Aqui, apenas de passagem, já que trabalharemos essa questão mais à frente, está a obra
O homem máquina, de La Mettrie. O pensador materialista francês condenava a existência
cartesiana de dois mundos, o da matéria e da alma. Para ele, somente a matéria existe sem a
necessidade de um entendimento do que lhe deu vida, o acaso dos elementos para La Mattrie.

Para esse pensador francês, a religião era apenas um instrumento que trazia benefícios a
quem governava a sociedade beneficiando determinados elementos em detrimento de outros.
De certa forma, um pioneiro das teses de Karl Marx que considerava a Igreja o ópio do povo,
um instrumento de poder para submeter e alienar a classe operária.

Conhecido como um dos mais importantes Iluministas de sua época Jean-Jacques Rousseau
(1712 a 1778)48 merece destaque como um exemplo do romantismo. Mesmo tendo importantes
tratados sobre o governo, Contrato Social, sua autobiografia, Confissões, acabou por ganhar
mérito.

Embora tenha tido uma vida pessoal marcada por atos de moral duvidosa, Rousseau se
destacou como um dos principais teóricos do iluminismo. Sua obra maior foi o Contrato Social.
Nele, estabeleceu os princípios da liberdade individual limitada pela relação contratual com o

Um dos dados interessantes sobre a vida de Rousseau é sua opção por viajar quando ainda era um adolescente
48

morando em Genebra, ao se afastar da cidade por um determinado tempo, encontrou os portões da cidade
fechado ao retornar. Diante disso, resolveu vagar pelo mundo. Foi parar em Paris, França, onde teve amantes,
inclusive Madame de Warens, uma mulher bem mais velha, de quem foi amante, a qual desempenhou o papel
de mãe e tutora de Rousseau.
Afastou-se da protetora quando esta empobreceu. Teve uma criada, que fez de amante por anos, e com a
qual teve cinco filhos, todos foram parar em um orfanato. O mais irônico é que uma de suas obras, “Emílio”,
é dedicada à educação das crianças. Venceu um concurso de ensaios sobre a contribuição da ciência para
o desenvolvimento da humanidade (1750), o que o deixou famoso. Mudou-se para a Inglaterra e fez parte da
Corte de Jorge III, com quem acabou rompendo. Voltou à França (Paris) onde morreu pobre.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 109


estado. Ao submeter a liberdade individual ao estado, os homens entregam a sua liberdade
e a limita. Mas devem ter preservados os seus direitos naturais, o que para Rousseau eram
poucos, visto que a tirania do estado poderia anulá-los.

A base da democracia de Rousseau estava muito mais sustentada no seu romantismo do que
na racionalidade. Ele mesmo foi uma expressão romântica do liberalismo. Sua racionalidade
limitava-se quando tendia a colocar na emoção o sentido da existência individual. Considerava
que os homens corriam riscos ao delegarem ao estado os seus direitos. A sociedade civilizada
corrompe o homem. Ser civilizado é estar em estado de infelicidade constante, por isso a
necessidade dos contratos entre os indivíduos e o estado. Para ele, o selvagem é feliz e bom,
a sociedade civilizada corrompe.

A revolução e as mudanças na Europa

Fonte: SHUTTERSTOCK.COM

Em 1789, a Revolução Francesa eclodiu e trouxe consigo uma onda de mudanças que assolou
a Europa. Dentro da França, o movimento teve diversas fases. De um movimento constitucional
que durou até 1792, passou para uma fase radical que se estabeleceu até 1795, o chamado
“terror jacobino”. Nessa fase, os revolucionários passaram a eliminar todos que eram
considerados inimigos da “revolução”. Para exemplificar a insanidade que o movimento francês

110 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


atingiu, a execução da Lavoisier é significativa. O pai da química moderna foi executado por
ter sido cobrador de impostos durante a monarquia dos Bourbon. Quando argumentaram em
defesa do químico sua inteligência científica, os “revolucionários” afirmaram que “a Revolução
não precisa de cientistas”.

Enquanto a Revolução se processou dentro da França, também se desdobrou pelos países


vizinhos. Inicialmente, os franceses se defenderam da tentativa de sufocar a Revolução, as
“Coligações Antifrancesas”. Depois os revolucionários passaram ao ataque e iniciaram uma
sequência de conquistas dos países vizinhos.

O momento de apogeu dessas conquistas se deu com o Período Napoleônico (1799 a 1815).
O império estabelecido pelo general francês partia dos princípios liberais da Revolução para
estabelecer a tirania. Quando as tropas francesas invadiram os países que eram governados
pelo absolutismo, foram recebidas como libertadoras, mas aos poucos a esperança virou ódio
e a “libertação” se transformou em dominação. A obra de Beethoven, a sinfonia Heroica, foi
composta em 1803 em homenagem a Napoleão Bonaparte. Contudo, o compositor alemão,
uma expressão do romantismo, arrependeu-se um ano depois e, em um ato de ódio, riscou o
nome de Bonaparte do texto original.

As ideias liberais nem sempre encontraram nos governantes europeus dos séculos XVIII e
XIX uma expressão a altura. Mas não se pode negar a influência que o imperador francês teve
sobre o destino da Europa. Mesmo derrotado e tendo o seu destino selado no Congresso de
Viena (1814 e 1815)49, as ideias liberais se propagaram e as monarquias absolutistas estavam
com seus dias contados, mesmo tendo vencido Napoleão.

Durante o Congresso de Viena, os países que lutaram contra Bonaparte e o venceram discutiram, junto com
49

os novos governantes franceses, o destino da Europa. Entre os princípios apresentados no Congresso se


estabeleceu a restauração e a legitimidade. Ou seja, todos os monarcas destituídos por Bonaparte deveriam
retornar ao seu trono, caso estivesse morto, o seu herdeiro direto. Na França, foi restabelecida a monarquia dos
Bourbon, assim como na Espanha. Mas nada disso ia durar. As principais mudanças já estavam instaladas na
Europa, era uma questão de tempo para que os movimentos revolucionários voltassem a atingir a Europa.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 111


Na Alemanha, onde o pensamento liberal alcançou uma expansão desdobrada do Iluminismo
francês, mas com aspectos típicos da cultura alemã, produziram-se pensadores que marcaram
as bases do “esclarecimento”. O mais importante e considerado último pensador clássico da
modernidade, mas uma expressão das ideias liberais, foi Immanuel Kant (1724 a 1824).

Nascido na Prússia oriental, em Königsverg, hoje Kalingrado, pertencente à Federação Russa,


Kant jamais se afastou da cidade natal. Sua vida foi marcada pela docência no ensino médio
e na universidade da cidade onde nasceu. Mesmo com uma vida simples e com um cotidiano
regrado, o pensador alemão foi um dos mais brilhantes filósofos de seu tempo e sua influência
é significativa até os dias de hoje.

Defensor da liberdade de conduta, Kant considerava que o homem deveria buscar, por meio
do esclarecimento, as condições necessárias para sua maturidade intelectual. Libertar-se da
mentalidade infantil é difícil pela autodeterminação, segundo ele. É necessária a busca do
conhecimento produzido e da experiência libertária. Os homens são presos às crenças por
causa de sua zona de conforto. O que impede o desenvolvimento intelectual. Por isso, segundo
ele, muitos permanecem na ignorância, por temer o peso das decisões e da responsabilidade
com a própria vida.

Sua principal obra foi a Crítica da Razão Pura, publicada em 1781, e que demonstra todo o
peso da compreensão racional do mundo. O desafio de se posicionar diante de uma percepção
maniqueísta da realidade, dividida naquilo que percebemos subjetivamente, herdamos
culturalmente, e aquilo que conhecemos pela experiência. Essa forma de compreensão do
mundo por um direcionamento subjetivo seria transformada nas bases do idealismo que tomou
a Alemanha no Século XIX.

Apesar de ter em Hegel sua maior expressão, o idealismo teve antecessores e está intimamente
ligado em suas bases às teses de Fichte (1762 a 1814) e Schelling (1775 a 1854). O primeiro
pode ser considerado um precursor do idealismo e do nacionalismo alemão.

112 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Fichte desenvolveu estudos sobre a obra de Kant e passou a defender a liberdade como
uma condição necessária ao exercício da razão. Essa liberdade, no entanto, não deveria ter
como finalidade a felicidade, mas sim o conjunto da compreensão do sentido da vida humana.
Assim, a felicidade poderia mudar seu sentido conforme a racionalidade desvendasse um novo
sentido para a existência particular e, no particular, o conceito de felicidade coletiva.

Acusado de ateísmo, acabou por perder o emprego na Universidade de Jena. Em suas teses
de felicidade fundada na idealização racional, Fichte estabelecia que a crença em um elemento
divino fosse apenas uma forma da ideia de dar sentido à existência. O homem, que era para
ser criatura, passa a ser criador50.

Já a obra de Schelling apresenta o pensamento idealista sobre bases mais complexas. Uma
de suas principais contribuições foi a elaboração da dialética idealista. Ele considerava que
na construção de um terceiro elemento estará sempre a negação e a identificação dos dois
elementos que se negam e o geram. Nessa concepção, há uma noção clara da dialética dos
contrários, que seria fundamental às teses de Karl Marx e Friedrich Engels.

Mas no idealismo alemão, a posição de Hegel é incontestável. Sua influência sobre seu tempo
e, posteriormente, sobre a escola filosófica germânica é inquestionável.

Para compreendermos melhor o tempo de Hegel (1770 a 1831), temos que esclarecer o seu
tempo histórico no território germânico em seu tempo. Nele, a Alemanha enquanto estado
nacional não existia, ainda. Desde o Século XVIII, quando o Império Germânico havia se
desfeito, a influência da cultura francesa tinha se mantido como um elemento de diferenciação
da aristocracia, da nobreza.

50
Não podemos deixar de considerar o pensamento pangermanista que orientou as obras de Fichte. Ele não foi
o único a defender o resgate da cultura germânica e a luta contra a influência francesa. Quando era professor
da Universidade de Jane, em 1813, incentivou seus alunos a se alistarem para combater a presença do exército
de Bonaparte no território alemão. Seu sentimento nacionalista teve repercussão em parte considerável da
Alemanha e respaldou as lutas pela unificação nacional que culminou com a formação do Estado Nacional
Alemão, em 1871, como já citamos anteriormente.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 113


Essa diferença afastava a elite agrária das regiões ao sul da Germânia em relação aos
territórios do norte, onde predominava a influência da Prússia, um império militar e nacionalista.
As classes camponesas e agrárias da Alemanha não se reconheciam nos hábitos da nobreza
afrancesada. Com esse sentimento de discordância e com uma forte identificação popular com
os sentimentos germânicos, que os primeiros movimentos militares em defesa do nacionalismo
se desenvolveram.

Foi da política diplomática e militar prussiana que acabou por se organizar o movimento
nacionalista. Sob a liderança prussiana, as guerras para a formação do Estado Nacional
Alemãs obtiveram êxito em 1871. A formação do estado nacional liderado pela Prússia colocou
Berlim no centro do poder político e cultural alemão. Foi nesse centro que as obras de Hegel
ganharam reconhecimento, assim como de Fichte e Schelling.

Uma das principais obras de Hegel foi a Filosofia da História, em que desenvolve a tese de
construção dos estágios do pensamento e o relaciona com o desenvolvimento da história
humana. É nesse contexto que a dialética se expressa em sua obra com a construção dos
três elementos – tese, antítese e síntese – que estará presente no pensamento materialista
histórico que o sucedeu.

Dessa forma, nas teses do pensador alemão, não há uma substituição, destruição ou
exclusão, mas transformação sem extermínio dos elementos que se opõem. Toda a relação
se estabelece como uma condição de construção derivada da relação entre os elementos
contrários. Dessa forma, a própria história é uma construção de relações contrárias que vai
permitindo o desenvolvimento da experiência, o que Hegel chama de “absoluto”. Bertrand
Russell, em sua obra “História do Pensamento Ocidental” explica a dialética hegeliana:
Quanto ao processo dialético que conduz ao Absoluto, nos ajuda a compreender melhor
esta noção difícil. Exemplificar isto em linguagem simples está além do alcance de Hegel
e, sem dúvida, de qualquer outra pessoa. Mas neste ponto Hegel recorre a uma das
surpreendentes ilustrações tão abundantes em suas obras. O contraste se estabelece
entre alguém cuja noção do Absoluto não se apóia na sua passagem pela dialética,
e outro alguém que tenha passado por ela. Isso se comprara ao significado que uma

114 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


oração tem para uma criança e para um velho. Ambos recitam as mesmas palavras,
porém para a criança elas significam pouco mais do que certos ruídos, enquanto para o
velho evocam experiências de toda uma vida (RUSSEL, 2001, pp. 355 e 356).

Esta totalidade da dialética será mais acentuada na obra de Karl Marx. Mas, por enquanto,
podemos considerar que Hegel tenta dar à história a capacidade de ser o relato das relações
de lutas que levam, dialeticamente, ao amadurecimento e, por conta disso, a superioridade de
uma determinada civilização. Para ele, a formação do Estado Alemão seria o resultado dessa
superioridade dialética.

Mais uma vez lembramos de que a valorização do germanismo está presente no período em
que Hegel desenvolveu seus trabalhos.

Para que você refl ita e possa compreender melhor a importância do pensamento iluminista, nós se-
paramos uma citação de Kant, o teórico alemão, que, em conjunto com Hegel, é o mais importante da
primeira metade do século XIX. O texto parte da compreensão do mundo fundada em uma defi nição
necessária de homem. Ou seja, a necessidade de um a priori 51. Por isso, para Kant, a importância de
uma lógica racional sustentada em bases fi losófi cas.
Kant (2010, p. 41), neste trecho da Introdução à metafísica dos costumes, afi rma:
Numa outra parte foi demonstrado que, no que tange à ciência natural, a qual diz respeito a objetos
sensorialmente externos, é preciso contar com princípios a priori e que é possível, com efeito necessá-
rio, pré-estabelecer um sistema desses princípios, chamados de uma ciência metafísica da natureza,
para a ciência natural aplicada às experiências particulares, ou seja, à física. Estes princípios têm que
ser originados de bases a priori para que tenham validade universal no sentido estrito. Mas a física (ao
menos quando se trata de manter suas proposições isentas de erro) é capaz de admitir muitos prin-
cípios como universais como base na evidência da experiência. Assim, Newton supôs, com base na
experiência, o princípio da igualdade da ação e reação na influência recíproca dos corpos e mesmo o

51
É importante entender que o termo “a priori” significa um conceito que não necessita de comprovação empírica,
ou seja, um conceito que não necessita ter vindo de uma experiência concreta.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 115


estendeu a toda a natureza material. Os químicos vão ainda além e baseiam suas leis mais universais
da combinação e separação das substâncias devido às suas próprias forças inteiramente na experi-
ência e confiam a tal ponto na universalidade e necessidade dessas leis que não temem detectar um
erro nos experimentos realizados em conformidade com elas.
Com as leis morais, porém, é diferente. Retêm suas forças de leis somente na medida em que se
possa vê-las como possuidoras de uma base a priori e sejam necessárias. Com efeito, conceitos e
juízos sobre nós mesmos e nossas ações e omissões não têm significado moral algum, se o conteúdo
desviado, transformando alguma coisa proveniente dessa fonte em um princípio moral, correria o risco
de cometer os erros mais grosseiros e perniciosos.
Se a doutrina dos costumes fosse simplesmente a doutrina da felicidade, seria absurdo buscar princí-
pios a priori para ela, uma vez que por mais plausível que possa parecer afirmar que a razão, mesmo
antes da experiência, poderia entrever os meios para a consecução de um gozo duradouro das genu-
ínas alegrias da vida, ainda assim tudo que é ensinado a priori acerca desse assunto é ou tautológico
ou presumido sem qualquer base. Somente a experiência é capaz de ensaiar o que nos traz alegria,
tão só os impulsos naturais por alimentos, sexo, repouso e movimento, e (à medida que nossas pre-
disposições naturais se desenvolvem) por honra, pela ampliação de nosso conhecimento e assim por
diante são capazes de informar a cada um de nós, e cada um apenas no seu modo particular, no que
encontrará essas alegrias; e, identicamente, tão-somente a experiência é capaz de ensinar os meios
pelos quais buscá-las. Toda a racionalização aparentemente a priori sobre isso dissolve-se em nada,
salvo a experiência promovida pela indução para a generalidade, uma generalidade ainda tão tênue
que é necessário que a todos sejam permitidas inumeráveis exceções para o ajuste de suas escolhas
de um modo de vida às suas inclinações particulares e suas suscetibilidades à satisfação e, ainda, no
final, se tornarem prudentes somente a partir dos infortúnios próprios ao alheios.
Kant faz uma comparação supondo que as mesmas regras das experiências concretas fossem as uti-
lizadas na moral. O que teríamos seria uma destruição do sentido da ação. Se, como ele fala, somos
felizes por certos atos como “impulsos naturais por alimentos, sexo, repouso e movimento”, e fosse-
mos então constantemente buscar estes atos para termos nossos desejos básicos atendidos, qual o
efeito que isto teria sobre as demais pessoas? Essa é uma boa questão para você refl etir.

116 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


OS PENSADORES DO MUNDO CONTEMPORÂNEO

O desenvolvimento da sociedade capitalista marcou a organização de uma filosofia da


coletividade, mas também da angústia do particular. Ao mesmo tempo se estabeleceu dois
campos de debate entre os pensadores, a questão da subjetividade e da objetividade.

Parte considerável dessa dualidade, objetividade e subjetividade cresceu como um reflexo


da sociedade industrial. As relações sociais passaram a envolver meios diversos, tanto na
produção de bens, como no transporte, na comunicação, até mesmo na intimidade. Nossa
vida passa a ficar repleta de produtos que são fruto da produção industrial. O que antes era
uma arte de todos nós, agora se adquire na prateleira de mercado, oferecido para todos.
Contudo, ficamos mais íntimos de “certas” coisas do que íntimos de “certas” pessoas.

O desenvolvimento da sociedade industrial abalou a sociedade europeia do século XIX. Ela


viu a população urbana se multiplicar e o desenvolvimento da produção industrial que atingiu
diversos objetos. A classe operária se multiplicou e ocupou as periferias das grandes cidades
da Europa. Cidades que não estavam preparadas para receber uma população imensa,
resultado do êxodo rural.

Não demorou para que os problemas sociais se multiplicassem. Violência urbana associada a
assaltos, homicídios, suicídios. Também surgiram as epidemias. A fome foi outra questão a ser
resolvida nas grandes cidades. Em especial, naquelas que se multiplicaram os desempregados
e também a quantidade de indigentes nas ruas.

Se por um lado as cidades industriais multiplicam sua população periférica, em determinados


espaços, se observava o progresso material. A construção de edifícios modernos, maquinaria,
meios de transporte e comunicação. Até mesmo as obras literárias, até então restritas a um
número limitado de indivíduos pelo seu custo, passaram a se multiplicar com a industrialização,
assim como os periódicos. As teorias percorriam um número imenso de indivíduos, desde que
fossem alfabetizados52.

52
Talvez este seja o melhor momento para entendermos o porquê das escolas se multiplicarem, saindo a educação
do interesse privado e ganhando o interesse público. Até o século XIX, educar se restringia à prática de
instituições privadas que atuavam em benefício de uma coletividade ou de um número específico de indivíduos.
A Igreja Católica, nos países em que ela dominava o percentual de fiéis, foi fundamental para propagar a
educação secundária e superior. Mesmo quando as instituições de ensino eram laicas, a organização atendia a
poucos que poderiam investir na formação dos filhos. Podemos utilizar, como exemplo, a educação de inúmeros
filósofos que vimos anteriormente. Eles, quando de origem humilde, dependiam de um patrocinador, um patrono

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 117


As escolas se multiplicaram nesse período. Atenderam à necessidade de uma qualificação
do homem, seja para o trabalho operário ou para as qualificações de maior complexidade.
Produção e conhecimento assinavam uma aliança indivisível ao longo da história, o que
promoveu o progresso da economia e da vida social, mas infelizmente não para todos.

Podemos considerar também até que ponto a educação poderia garantir uma melhora nas
competências humanas, atendendo ao processo de industrialização em andamento e até os
dias atuais. O analfabetismo, por exemplo, não impediria a capacidade de um ser humano
conseguir o ingresso dentro do “mundo do trabalho”. Mesmo em nossos dias, a educação que
as instituições de ensino propõem não corresponde de forma eficiente às necessidades da
produção de forma integral. Talvez nas qualificações específicas e vinculadas diretamente à
atividade produtiva.

A modernização das formas de produção e o uso constante da ciência e da tecnologia foram


percebidos na produção industrial partindo do aprimoramento da máquina a vapor. O que
assistimos no constante desenvolvimento da indústria é o que foi inaugurado no século XVIII.
O grau de complexidade da cadeia produtiva tem delegado a mão de obra braçal a periferia da
produção de bens. Por isso, quando temos a necessidade do aprimoramento do trabalhador
em nossos dias, vive-se uma adequação específica de atividades. A educação, de uma forma
geral, tem se tornado desconexa da necessidade de produção imediata, mas fundamental
para entendermos a complexidade da organização social em que vivemos.

Hoje assistimos a esta relação contraditória entre o progresso material, os avanços da


tecnologia e da ciência e o aprimoramento do homem. Contudo, na mesma proporção, se
propagou a miséria. As cidades passaram a ser o campo onde esta contradição ficou visual,
cotidiana e se avizinhou.

que lhes financiassem os estudos. De certa forma, perderam-se talentos para a miséria, mas se valorizaram
os que foram felizmente detectados por homens de bom-senso, em detrimento do poder econômico e dos
discursos da falsa democracia que geram inclusão. Hoje, todos podem entrar nas instituições de ensino, mas
um número considerável não merece estar nela.

118 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


As manifestações das classes populares, em especial dos trabalhadores, se multiplicaram
por toda a Europa e também pelos Estados Unidos, enfim onde houvesse chegado a
industrialização. Muitos pensadores passaram a se dedicar à compreensão desse homem
industrial, sua vida coletiva e sua angústia pessoal. Mais uma vez, dando continuidade à busca
da filosofia: “onde repousa a felicidade do homem, independente de seu tempo”.

Os movimentos revolucionários do Século XVIII inspiraram os intelectuais europeus, desde os


defensores do liberalismo, como vimos na unidade anterior, até os que desenvolveram suas
teses durante e após a I Revolução Industrial (1750 a 1830), a Independência dos Estados
Unidos (1776) e a Revolução Francesa (1789 a 1815). Podemos considerar que nenhum
pensador ficou isento de se posicionar diante dos movimentos que transformaram política e
economicamente o mundo, em especial, a Europa.

Alguns desenvolveram o elogio e o aprimoramento das teses liberais, promoveram sua “veia”
nacionalista e exaltaram o papel do Estado como instrumento de garantia dos interesses
coletivos e individuais. Outros desenvolveram a oposição, a crítica, a busca de se contrapor à
sociedade industrial capitalista que consideravam um ambiente de destruição das qualidades
humanas.

O desenvolvimento de uma sociedade industrial complexa passou a movimentar o meio


intelectual para entender os elementos que compunham as relações econômicas cada vez
mais destacadas na vida do ser humano cada vez mais urbano. A cadeia de produção ganhava
conotações de complexidade com uma quantidade cada vez maior de pessoas envolvidas
na produção de bens e serviços. A concentração dessa população nas cidades colocava em
xeque as funções do estado, a organização política. O liberalismo parecia idealista demais
para resolver os problemas que a sociedade industrial apresentava.

Os conflitos entre os pragmáticos, que veremos a seguir, e os resistentes do romantismo


tomaram o palco dos debates intelectuais, principalmente na primeira metade do século XIX.
Só para ilustrar esse debate, podemos citar o pensamento de Arthur Schopenhauer (1788 a

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 119


1860). O crítico das teses de Hegel considerava que o amor não era a felicidade, mas uma
condição que expunha o homem à dor. A vida deveria ser compreendida pela capacidade de
dar sentido aos elementos que a cercam e não na materialidade que ela expressa.

Invejoso do sucesso de seu opositor, Hegel, distante do interesse feminino e reconhecido


como grande pensador praticamente após sua morte, Schopenhauer não considerava que a
razão movia o homem, mas sua paixão pela existência. O significado que estabelecemos ao
mundo é mais importante do que ele realmente é.

Outro expoente do seu tempo, nessa disputa entre o pragmatismo e neorromantismo, é Friedrich
Nietzsche (1844 a 1900). O pensador alemão foi um crítico do cristianismo, considerava uma
religião pessimista e vinculada aos exemplos dos derrotados ao estimular a piedade. Assim,
segundo Nietzsche, acaba por estimular a ação contrária ao progresso humano. Os modelos
que devemos buscar devem estar associados ao crescimento, ao orgulho e trazer à superfície
a superioridade do homem eficiente, segundo ele.

A grande curiosidade é Jeremy Bentham (1748 a 1832), inglês e um dos fundadores da Univesity
College. Para entender seu pensamento, é bom lembrar que o seu corpo até hoje está guardado
na universidade que ajudou a fundar a seu pedido. Ele desejava que seu esqueleto fosse
preenchido com cera e mantivessem seu corpo preservado. Foi um pragmático e criticava
o idealismo. Também foi um crítico da religiosidade a qual considerava um instrumento de
dominação de uma elite sobre a grande maioria da sociedade.

A propagação da educação seria a forma de libertar o homem dessa inconsciência, o que mais
tarde Marx chamaria de alienação. Inclusive, vale ressaltar, Bentham foi um dos precursores
do pensamento marxista que se constituiria como a grande crítica à sociedade capitalista.
Também pode ser considerado um defensor da busca da experiência material como elemento
de formação do pensamento, o que de certa forma estaria nas teses de Comte, o “positivista”.

120 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


O pragmatismo

O que chamamos de pragmatismo, outros autores (Russell, principalmente) chamam de


“utilitarismo”, se tornou as teses de entendimento e valorização da eficiência da sociedade
sobre os princípios de moralidade que, por muitas vezes, a trava. É aquela distância absurda
entre a necessidade de uma ação e o seu adiamento por um julgamento moral. O que necessita
ser feito para garantir o progresso humano deve estar à frente dos conceitos de moralidade.
Com o surgimento da sociedade capitalista, as mudanças materiais se dinamizaram e o ser
humano não acompanhou com a abstração moral a urgência dessa nova ordem.

Entre os pragmáticos, vale ressaltar Adam Smith (1723 a 1790), o “pai da economia política”.
Sua principal obra, “A Riqueza das Nações”. Seu trabalho de compreensão do desenvolvimento
da economia e o desenvolvimento dos meios de produção associados à divisão do trabalho
para o crescimento do capitalismo, ele deu base a uma sequência de pensadores econômicos
que tinham como fonte de pesquisa o entendimento da produção capitalista.

Smith também foi responsável pela inauguração da escola econômica inglesa que predominou
durante mais de cem anos. Por isso, e como fator estimulante, a Inglaterra foi a nação que
liderou a economia mundial entre os Séculos XVII e o início do Século XX53.

Sua tese se fundamenta na compreensão da economia como um fenômeno natural com leis
próprias. O domínio dessas leis econômicas pode permitir ao homem aprimorar a capacidade
produtiva e atender com mais eficiência a suas necessidades materiais. Dessa forma,
ao aprimorarem-se as relações de produção com a especialidade dos trabalhadores e o
desenvolvimento técnico, o volume e lucratividade da produção aumentam.

53
A liderança da economia inglesa foi iniciada com a hegemonia naval conquistada após a Guerra do Mar
do Norte (1654), quando os holandeses foram vencidos. Desse momento em diante, a Inglaterra passou a
administrar os mares e garantir para si parte considerável dos recursos do comércio mundial. A supremacia
comercial permitiu o deslocamento de uma grande quantia de capital para os bancos ingleses que foram
investidos, posteriormente, na produção industrial. A racionalidade em tratar os negócios públicos e privados foi
fundamental. A obra de Smith colaborou e foi uma expressão dessa racionalidade.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 121


Por outro lado, a crítica ao capitalismo também se intensificou. Da mesma forma que o
conhecimento econômico ganhava uma ciência própria para aprimorar a produção, se
desenvolvia a crítica utilizando a mesma racionalidade.

O socialismo moderno surge nesse momento chamado inicialmente de “utópico”. O termo foi
originado por Karl Marx em sua crítica ao idealismo dos primeiros críticos do capitalismo. O
pensador alemão considerava que os “socialistas utópicos” queriam mudar a sociedade “de
cima para baixo”. Acreditavam que a “boa vontade” dos homens mudaria seu comportamento.
Um dos que acreditou nessa possibilidade foi Saint-Simon (1760 a 1825).

Filho da baixa nobreza francesa, Simon teve uma educação conservadora, da qual só pode
se livrar depois de ingressar no serviço militar. Na sua vida de soldado, foi à América do
Norte atuar na Independência dos Estados Unidos. Sua estadia na nova nação republicana
e democrática o levou a ser simpático ao governo liberal democrático instalado na ex-colônia
inglesa. Ele considerava que nos Estados Unidos não há a fusão de privilégio econômico com
a vida política. Além de elogiar a liberdade de culto.

Ao voltar à França foi um dos atuantes na Revolução Francesa, onde desenvolveu a tese da
racionalidade absoluta e a promoção do homem pelo progresso econômico e científico. Para
ele, o desenvolvimento da humanidade dependia do conhecimento e dos benefícios materiais
chegarem a todos. Daqui se extraem seus primeiros princípios socialistas.

Para Saint-Simon, a igualdade não seria uma condição absoluta, mas o desempenho das
potencialidades humanas poderia aproximar o homem de uma condição material qualitativa,
na proporção em que sua conduta fizesse jus, ou seja, a teoria da meritocracia54.
54
A “meritocracia” tem ganhado destaque nos discursos sobre a reforma da educação. Entre os pensadores do
Século XIX, Comte será um destaque, consideravam que os cargos da administração pública deveriam ser
exercidos por pessoas com qualidades técnicas para ocupá-los. Essa qualidade deveria estar associada a uma
conduta de merecimento, a qual poderia ter uma avaliação moral desde que associada à função a ser exercida.
A experiência profissional também seria um dos critérios. Nas escolas, o tratamento dado aos alunos, sua
avaliação progressiva, deveria ser fundada na meritocracia, segundo o próprio Saint-Simon defendia.

122 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Um dos discípulos de Simon, e que acabou por superá-lo em importância na herança
intelectual do Ocidente, foi Augusto Comte (1798 a 1857)55. O “pai da Sociologia” ou “físico
social”, como alguns pensadores defendem. Apaixonado pelas ciências naturais desde sua
juventude, quando cursava a Escola Politécnica, Comte defendeu a percepção da vida social
como os mesmos critérios das ciências naturais.

Sua defesa da evolução do pensamento humano é um dos pontos altos do trabalho de Comte.
Seu pensamento é fundado no desenvolvimento científico ao longo da história da humanidade.
Um desenvolvimento que permitiu o aprimoramento da civilização ocidental, a qual considera
superior às demais pela capacidade científica. A organização racional de uma sociedade define
seu grau de habilidade em superar os problemas que ocorrem devido à complexidade social.

Dessa forma, Comte estabelece uma relação direta entre os elementos que definem um corpo
biológico do corpo social. A complexidade do organismo social o faz ficar sujeito a problemas
resultantes do desenvolvimento. Dessa forma, se faz necessária uma compreensão objetiva
dos fenômenos sociais. A física social seria a ciência capaz de responder a estes problemas.

55
A vida de Augusto Comte foi marcada pela admiração a Napoleão Bonaparte, que ele considerava o grande
governante francês. A eficiência do governo bonapartista seria o responsável pelo desenvolvimento vivido pelos
franceses no início do Século XIX. Outra admiração de Comte é o progresso dos Estados Unidos, que era uma
república jovem e que ele considerava ser destinado ao desenvolvimento pela sua eficiência na organização
social e econômica.
Uma curiosidade da vida de Comte é que ele foi secretário de Saint-Simon. Com o seu “mestre”, se dedicou
à busca de uma resposta para a crise social. Mas diferente dele, considerava que a organização social era
conduzida pela associação de uma ordem fundada na ciência e na positivação da política como uma condição
necessária. Mas os dois pensadores romperam. Uma das acusações de Comte a Simon era o roubo das ideias,
da produção intelectual. Comte não foi o único a acusar Simon disso.
O pensador positivista teve uma vida pessoal de pouco brilho. Viveu de forma simples em Paris e buscou o
reconhecimento acadêmico, mas acabou sendo desligado da Escola Politécnica. Em 1845, Comte viveu o seu
momento pessoal mais sublime e angustiante, conheceu a nobre, mas financeiramente falida, Clotilde de Vaux.
Eles se apaixonaram, mas ela era casada, mas, mesmo tendo sida abandonada pelo marido, não poderia se
divorciar. Ela se viu seduzida pelas ideias de Comte e contribuiu para o aprimoramento das teses da Igreja da
Humanidade, conhecida como “Igreja Positivista”. Apaixonados, sem poderem consolidar sua união, viveram
um amor angustiado, encerrado pela morte de Clotilde por tuberculose.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 123


Fundamental considerar que para Comte todas as ciências verdadeiras se positivam, ou
seja, se sustentam no mesmo método que as ciências naturais. Todas devem derivar sua
lógica da matemática, única capaz de trabalhar com a abstração e dar a dimensão exata
da existência de todas as coisas materiais. Esse seria o destino das ciências consideradas
sociais e humanas, como a economia, política, a história e a sociologia. Dessa forma, Comte
se enquadra nos autores da experimentação, naqueles que consideram que as experiências
concretas estabelecem a fonte de todas as leis universais que sustentam o desenvolvimento
do conhecimento científico.

Em sua obra Conceitos Gerais e Surgimento da Sociologia, Comte faz considerações acerca
da Física Social, que tenta estabelecer como a ciência da sociedade:

Entendo por Física Social a ciência que tem por objetivo próprio o estudo dos fenômenos
sociais, considerados com o mesmo espírito que os fenômenos astronômicos, físicos,
químicos e fisiológicos, isto é, como submetidos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta é
o objetivo especial de suas pesquisas. Propões-se assim, a explicar diretamente, com a maior
precisão possível, o grande fenômeno do desenvolvimento da espécie humana, considerando
em todas as suas essências; isto é, a descobrir o encadeamento necessário de transformação
sucessivas pelo qual o gênero humano, partindo de um estado apenas superior ao das
sociedades dos grandes macacos, foi conduzido gradualmente ao ponto que se encontra hoje
na Europa Civilizada [...].

É possível notar nessa citação que o teórico francês estabelece uma relação entre o
desenvolvimento da sociedade com as ciências naturais e justifica a superioridade ocidental
pela capacidade de se organizar fundada no conhecimento científico.

As teses de Comte ainda são fundamentais na organização do conhecimento. Sua compreensão


de um homem que valoriza a experiência material será a base para outros métodos científicos
que surgiram a partir de seu método.

124 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


O pensador que desdobrou o pensamento de Comte foi Émilie Durkheim (1858 a 1917) 56,
o teórico francês que conquistou o reconhecimento acadêmico da Sociologia como ciência.
Apesar de pertencer a uma família judia com forte tendência religiosa, Durkheim se afastou
da religiosidade a qual considerava uma necessidade social e não fruto da existência de
uma divindade. Por sinal, sua compreensão da influência da coletividade na vida particular
é seu grande mérito como pensador. Teve em Augusto Comte o pensador que inspirou seu
desenvolvimento metodológico.

Durkheim considera que o indivíduo é uma expressão da coletividade que determina sua
condição e ação. Na sociedade industrial, o homem vive em uma rede complexa em que
as funções sociais se impõem e levam à coação sobre o indivíduo. Dessa forma, a conduta
particular é condição que as estruturas coletivas determinam. O sentimento de particularidade
e a individualidade exacerbada nada mais são do que uma precária visão que cada um tem das
relações com o todo. O comportamento de um único ser humano não é capaz de demonstrar
qual é a sua real condição e função dentro do corpo social, como também, de um comportamento
particular, em uma sociedade complexa, é impossível entender o comportamento coletivo. A
particularidade não expressa a coletividade para o pensador francês.

Outro ponto a ser ressaltado na obra de Durkheim é a importância da solidariedade como


condição de dependência entre os elementos que compõem a sociedade. A complexidade
industrial é a sua grande divisão de trabalho. Dessa forma, se torna importante a integração
pela elevação moral das funções de maior relevância para a existência coletiva. Preservar as
instituições fundamentais que garantam a vida em coletividade.

Mas a coletividade também pode ser vista como o resultado de um desenvolvimento econômico
determinado pelo controle das condições de produção da vida material. Ou seja, o que para
Durkheim seria o aprimoramento da vida em coletividade, que necessitaria de regulagem para

56
O autor será um dos nossos objetos de análise fundamental na Disciplina de Fundamentos Sociológicos e
Antropológicos da Educação. Ele é o alicerce fundamental das teses comportamentais na sociologia. Junto com
Karl Marx e Max Weber, representa o pensamento clássico das teses sociológicas.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 125


manter o progresso, para Karl Marx (1818 a 1883), é a capacidade de concentração de riqueza
promovida pelo desenvolvimento dos meios de produção concentrados nas mãos da classe
dominante, a burguesia.

O pai do socialismo científico, fundador do materialismo histórico dialético, questiona o papel


que o desenvolvimento material trouxe. Não pelo desenvolvimento em si, mas a que interessa
esse desenvolvimento. O capitalismo se apresenta como uma relação entre duas classes, a
burguesia dominante e proprietária dos meios de produção e a classe operária, o proletário,
que é a força de trabalho.

A exploração da classe operária, de sua força de trabalho, é fundamental para garantir ao


capitalista, o burguês, a concentração de capital, segundo Marx. Para ele, o desenvolvimento
das forças produtivas mostra o grau de concorrência entre as empresas capitalista, na qual a
produção da vida material não visa à satisfação coletiva, mas à concentração de riqueza nas
mãos burguesas.

Dessa forma, a teoria de Marx considera que o futuro desse antagonismo é a destruição
da própria sociedade capitalista. Destruição esta que poderia se dar pelo domínio da classe
operária sobre o estado, seja pela via político-partidária ou revolucionária.

As teses de Marx consistem em defender a dialética como o elemento que permite a elevação
das relações de produção capitalista em grau de exploração e desenvolvimento das forças
produtivas. Dessa forma, o capitalismo é, para ele, o resultado do aprimoramento de todas as
formas de produção existentes ao longo da história humana. Ao se libertar dessa exploração,
a classe operária poderia se apoderar de todo o desenvolvimento material promovido pela
economia capitalista e colocá-la a serviço da coletividade, uma sociedade sem classes. Do
socialismo ao comunismo57.

A principal característica do método de Marx é a dialética, herdada do hegelianismo do qual


ele foi seguidor durante a sua juventude. A relação entre os contrários, que já trabalhamos
aqui em outra oportunidade, apresenta a transformação material por meio da intervenção do

De uma forma equivocada, ou mesmo pelo senso comum, costuma considerar-se que o comunismo existiu
57

como forma de organização social em países como a ex-União Soviética, ou ainda existe, em Cuba, China e
na Coreia do Norte. Mas, segundo as teses de Marx, o que assistimos foi a implantação do socialismo nesses
países. O comunismo seria a abolição do estado, um estágio superior ao processo revolucionário socialista, que
o próprio Marx considerava uma utopia.
126 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância
homem partido do confronto da condição existente a sua compreensão desta condição e ação.
Não é necessário ter apenas uma visão sobe o mundo, mas se faz necessário intervir para
mudá-lo. Ao agirmos, nossa compreensão muda, e nossa ação ganha um novo significado58.

Mas a busca de implantar um estado socialista não se realizou exatamente onde Marx
considerava mais próximo de acontecer, nos países industrializados da Europa. Alemanha,
França e Inglaterra seriam para ele as nações onde a classe operária estaria mais próxima de
sua consciência enquanto classe59. Os trabalhadores da Europa ocidental se mantiveram fiéis
à condição de trabalhadores e elegeram outras prioridades para sua vida do que a implantação
do socialismo. Temas como o nacionalismo e a cultura passaram a interessar intensamente
ao operário industrial.

Fonte: SHUTTERSTOCK.COM

O socialismo buscado por Marx acabou se instalando em sociedades predominantemente


agrárias e dominadas pela corporação militar como a Rússia, Polônia, Hungria, ou seja, no

58
Se considerarmos o passado como uma representação de nossas justificativas presentes, fica fácil entender a
dialética. Os fatos que marcaram nossas vidas são reinterpretados pelos valores que construímos no presente.
Muitos dos atos dos quais nos orgulhamos em determinado momento, passam a ser repugnantes em outro.
59
Marx considerava que existem dois graus de consciência necessários para se atingir o processo revolucionário,
a “consciência em si” e a “consciência para si”. No primeiro estágio, se adquire a capacidade de compreender as
condições materiais em que vivemos e relações sociais que nos oprimem. A partir dessa condição, despertamos
a necessidade de romper com essa exploração e partimos para a “consciência para si”, quando a ação é
orientada pela superação da exploração.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 127


leste europeu. Tudo indica que o socialismo se coloca como uma imposição para o controle
rígido da vida social em que o bem-estar individual não se estabelece e a democracia não se
consolida.

Quem percebeu, de certa forma, essa ruptura entre o pensamento material e a forma como
ele se expressa na vida humana foi Max Weber (1864 a 1920). Filho de um empresário bem-
-sucedido na Alemanha, sendo a mãe filha de nobres, de formação calvinista conservadora,
Weber se destacou nos estudos em economia política e no estudo do desenvolvimento da ra-
cionalidade no ocidente. O capitalismo lhe interessou substancialmente. Principalmente como
resultado do desenvolvimento da racionalidade econômica associado a um legado cultural
propício para a ação econômica em busca da acumulação. Para ele, determinadas condições
sociais geram possibilidades de desenvolvimento em detrimento de outras. O que se justifica,
na compreensão de Weber, que o desenvolvimento do capitalismo não poderia ter se dado da
mesma forma em sociedades como modelos culturais distintos. É desse ponto de partida que
se organizou o principal trabalho de Weber, A Ética Protestante e o Espírito Capitalista.

Para o pensador alemão, a construção subjetiva de modelos de ação resulta em um sentido


particular para a conduta a ser tomada diante de necessidades semelhantes. Ou seja, mesmo
que vivendo em condições idênticas, indivíduos podem ter condutas diferenciadas por não
estabelecerem um sentido futuro igual para o seu ato. Podemos considerar que o dinheiro
é um valor absoluto, mas o que fazer com ele está relacionado diretamente ao seu sentido
futuro60.

Com isso, as heranças culturais constroem um sentido ao comportamento presente, assim


como a ação é orientada por uma consequência futura. Essa consequência imaginada como
condição a posterior. O futuro pode ser para alguns um longo período, para outros o imediato.

60
Sempre gosto de lembrar que um milhão de reais pode se transformar em cinco milhões em um ano, ou
desaparecer completamente das mãos de um determinado indivíduo no mesmo tempo. Tudo depende do
significado associado ao valor. Para um, dinheiro representa investimento, para outro a realização de seus
prazeres materiais.

128 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Por isso, alguém pode agir hoje visando a resultados que serão obtidos em anos, outros em
minutos61.

O importante de Weber é lhe contextualizar em seu tempo. Ele viveu na Europa em um período
de “Paz Armada” (1870 a 1914), uma fase marcada por potências europeias que dominaram
diversas regiões do planeta e transformaram a África e a Ásia em colcha de retalhos, dividida
entre as nações que buscavam o domínio da economia e da diplomacia mundial. O que se
convencionou chamar de neocolonialismo e imperialismo62.

Weber conseguiu detectar que o interesse da coletividade não é fundado exclusivamente


na racionalidade teórica. Mas se esta estiver associada a valores culturais arraigados na
vida social, a orientação da ação pode mudar. O que isso significa? Em uma crítica a Marx,
Weber estabelece que os operários alemães, diante da iminência da Primeira Guerra Mundial
(1914 a 1918), foram orientados pelo Partido Social Democrata alemão a não se alistarem no
exército, para não morrerem em uma guerra “imperialista” que interessava exclusivamente aos
empresários alemães, segundo as teses marxistas. Mas, o que ocorreu? Os operários eram
germânicos, nacionalistas, e abandonaram a orientação do partido para vestir a farda militar e
morrerem nos campos de batalha, “dignamente” como alemães.

Não é por acaso que Max Weber é apontado como um precursor do existencialismo. Um
pensador que deslocou da percepção humana os condicionamentos sociais, abordando muito
do que a teoria freudiana iria desenvolver no campo da psicologia. Mas a Europa, e o Mundo

Todas as vezes que analisamos a violência praticada entre jovens, fico avaliando qual o sentido futuro que
61

explica a ação imediata. A prática da violência apenas como uma reação à ofensa ou por um instinto animalesco
denuncia o empobrecimento da racionalidade humana em nosso tempo. Algo que devemos refletir.
62
O termo neocolonialismo e tempo que definidos de sua existência foram extraídos da obra de Eric Hobsbawm,
Era dos Impérios. Nela, o historiador inglês aborda a convivência entre os países europeus marcados por uma
cultura de valorização do homem ocidental. Em todos os países desenvolvidos na Europa predominava a ideia
de que se chegará ao apogeu da ciência e da organização social. Muitos dos pensadores que nós abordamos
demonstraram esse pensamento. Mas por de trás desta crença do apogeu do homem ocidental uma sombra
se propagava, a guerra mundial. Duas delas ocorreriam na sequência, justificada pela disputa entre as nações
imperialistas.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 129


de certa forma, não seriam mais a mesma depois das duas guerras mundiais.

Para compreendermos melhor o dilema que apresentamos neste capítulo, escolhi dois trechos para
que vocês leiam e “refl itam” sobre. A primeira é de Karl Marx, em sua principal obra, O Capital (MARX,
1972, p. 41), na qual o teórico do socialismo fala sobre o fetiche estabelecido na mercadoria. Um tema
relevante para os nossos dias, em que a imagem publicitária tem propagado a fantasia sobre o mundo
da mercadoria, na sociedade de consumo que estamos vivendo:
A primeira vista, a mercadoria parece ser coisa trivial, imediatamente compreensível. Analisando-a,
vê-se que ela é algo muito estranho, cheia de sutilezas metafísicas e argúcias63 teológicas. Como valor
de uso, nada há de misterioso nela, quer a observemos sob o aspecto de que se destina a satisfazer
necessidades humanas, com suas propriedades, quer sob o ângulo de que só adquire essas proprie-
dades em conseqüência do trabalho humano. É evidente que o ser humano, por sua atividade, modifi-
ca do modo que lhe é útil a forma dos elementos naturais. Modifica, por exemplo, a forma da madeira,
quando dela faz mesa. Não obstante a mesa ainda é madeira, coisa prosaica, material. Mas, logo que
se revela mercadoria, transforma-se em algo ao mesmo tempo perceptível e impalpável. Além de estar
com os pés no chão, firma sua posição perante as outras mercadorias e expande as idéias fixas de
sua cabeça de madeira, fenômeno mais fantástico do que se dançasse por iniciativa própria.
Nessa citação, está a consideração sobre como os homens se relacionam com a obra de seu trabalho.
Para Marx, esse seria um instrumento utilizado pela classe dominante para manipular a compreensão
que a classe operária tem sobre sua existência e separá-la da obra de seu trabalho.
Mas o contraponto fundamental a esse pensamento é Weber. Também teórico alemão, ele considera
que a racionalidade ocidental foi estimulada na atitude econômica pelo puritanismo cristão. Ele deixou
de condenar os interesses da particularidade e transformou a vida econômica em um dom divino, como
nesta citação extraída da sua obra Ética Protestante e o Espírito Capitalista (WEBER, 2004, p. 97):
Houve apenas dois caminhos coerentes para fugir às tensões entre a religião e o mundo econômico
de um modo interior, baseado num princípio, o paradoxo da ética puritana da “vocação. Como uma
religião de virtuosos, o puritanismo renunciou ao universalismo do amor, e rotinizou racionalmente

63
Sutileza de raciocínio, o que em si traz complexidade para sua compreensão. Poderíamos considerar para o
contraponto, a propaganda publicitária que associa valores a determinados objetos.

130 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


todo o trabalho neste mundo, como sendo um serviço à vontade de Deus e uma comprovação do
estado de graça. A vontade de Deus, em seu sentido último, era incompreensível, e não obstante era
a única vontade positiva que podia ser conhecida. Sob este aspecto, o puritanismo aceitou a rotiniza-
ção do cosmos econômico, que, como a totalidade do mundo, desvalorizou como coisa da criatura e
imperfeita. Esse estado de coisas parecia ordenado por Deus, e como material e dado para o cum-
primento do dever de cada qual. Em última análise, isso significa em princípio a renúncia à salvação
em favor da graça sem base e apenas particularizada, sempre. Na verdade, este ponto de vista da
não-fraterinidade já não era uma autêntica “religião da salvação”, a qual pode exagerar a fraternidade
até o auge do acosmismo64 do amor do místico.
Muito desta concepção é utilizada nos dias de hoje para explicar o que se chama de “Igrejas da
prosperidade”. Nelas, o sucesso material está associado a “benção divina”, ou seja, as conquistas
econômicas é uma expressão da salvação. O que se desvinculou nesse discurso religioso é a ética de
escolhido para o princípio da fé. Crer e obedecer para enriquecer.

A CRISE DE IDENTIDADE HUMANA E OS PENSADORES


CONTEMPORÂNEOS

A euforia com os descobrimentos científicos no século XIX foi abalada com o advento de duas
guerras mundiais. A primeira entre 1914 e 1918, e a segunda entre 1939 e 1945. As duas
tiveram como objetivo impor a supremacia de interesses imperialistas que dividam as nações.
Alianças foram estabelecidas lideradas pela Inglaterra e Alemanha, as duas principais rivais
no campo econômico e diplomático europeu.

O resultado destes conflitos foi a emergência de um novo jogo de forças entre os Estados
Unidos e a União Soviética, a Guerra Fria (1945 a 1898), uma fase já superada, mas marcada
por um temor que até nossos dias assombra a humanidade, o temor nuclear. Temor marcado
inicialmente pela possibilidade de uma guerra utilizando armamentos atômicos. Hoje é a
energia que nos preocupa com os acidentes nucleares.

64
Teoria que nega a independência das coisas do mundo em relação a Deus. Ou seja, tudo o que acontece na
face da Terra é uma expressão da vontade divina.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 131


Durante e após as duas guerras mundiais, o pensamento filosófico entrou em crise com a
ciência e rompeu com a arte. A humanidade se fragmentou entre o avanço do conhecimento
científico inegável e o conceito do homem sobre si, um dos sentidos da filosofia. Ainda que
próxima da filosofia, a arte se descomprometeu com a realidade e passou a construir um
imaginário de sonhos, não é por acaso que o cubismo, surrealismo e o expressionismo
cresceram neste período65.

A fragmentação dos campos do conhecimento atingiu um grau de complexidade expressivo. O


que vemos em nossos dias, em que um homem não é capaz de desenvolver todo o saber em
um determinado campo de conhecimento, muito menos em todos aqueles que estão ligados
à vida humana. Desta forma, entender o pensamento sobre o homem a partir do século XX é
valorizar os destaques em campos específicos, além dos filósofos clássicos.

Um exemplo da pesquisa científica que desvenda um conceito humano foi o trabalho do


fisiologista Ivan Pavlov (1849 a 1936). Por acaso, ao fazer pesquisa sobre a salivação, utilizando
em seus experimentos cães, ele descobriu que a salivação, estímulo natural à alimentação,
era produzida quando outro fato associado a ela era apresentado. Um exemplo era que todas
as vezes que seu assistente que alimentava os cães surgia no laboratório, os cães salivavam.
Diante disso, o pesquisador russo começou a manipular experimentos para perceber o grau
de condicionamento e sua extensão.

Desses estudos surgiu a teoria do comportamento reflexivo e as bases da teoria


comportamental. Hoje, uma das principais correntes da psicologia. Dessa forma, valoriza
o estudo da exterioridade humana e a sua adaptação ao meio por meio da associação de
65
O expressionismo foi marcado pela valorização do conceito pessoal de mundo. Nascido inicialmente na
Alemanha, o movimento foi uma reação ao positivismo, ao realismo artístico, a defesa do mundo interior ao
exterior. O artista, segundo esse movimento, tem que expressar sua interioridade e despertar nos espectadores
a sua; o surrealismo é herdeiro do dadaísmo. Sua arte é uma expressão do inconsciente, por isso, o grande
inspirador dessa tendência artística foi Sigmund Freud e sua teoria da psicanálise; o cubismo se coloca como
a deformação da realidade. Utilizando as formas geométricas que consolidaram a filosofia material, usa-a
para distorcer os elementos do mundo material. A busca de temas que negassem o homem europeu foi uma
constante do movimento cubista. A arte buscou na África, Ásia e América os seus elementos inspiradores.

132 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


comportamentos adquiridos com condicionamento. Uma particularização das teses que o
positivismo de Comte já havia apresentado.

Nesse sentido, se desenvolveu o princípio de atender ao interesse da sociedade integrando


o homem à vida social por meio do condicionamento de seu comportamento. Sendo assim,
dessa mesma forma tratar os problemas de adaptação social. O comportamento observável é
o elemento de partida para a compreensão do homem e sua educação66.

Oposto a essa ideia está um dos inspiradores da arte surrealista, Sigmund Freud (1856 a
1939). O que o médico austríaco desenvolveu foi a representação do mundo material por meio
de uma lógica subjetiva. Esta, nem sempre consciente ao ser humano. A própria hierarquia
de valores que construímos aparentemente consciente seria, na verdade, filtrada por uma
escala pessoal. Nossas experiências sensíveis são retrabalhadas dentro do subconsciente,
uma espécie de depósito de sentimentos reprimidos.

Nos sonhos, no inconsciente se revela e pode expressar na imaginação toda a vontade


reprimida, ou mesmo, trabalhar as situações vividas que nos ocasionaram traumas.

Na relação entre os sentimentos natos e a ação racional existe uma escola de estágios em
que são filtrados nossos atos. Aqui, a teoria dos três estágios (id, ego e superego). O id como
a expressão e instinto, o ego como o filtro de sobrevivência e adaptação e o superego como
instrumento de imposição das exigências coletivas.

O indivíduo ganhou o ponto central das teorias filosóficas a partir da década de 1950. O
conhecimento sobre a capacidade de a ação individual conviver com as necessidades coletivas
acabou por ter um significado invertido do que o pensamento ocidental construiu ao longo

66
Aqui, quando falamos do desenvolvimento da psicologia comportamental, estamos falando do behaviorismo
clássico, desenvolvido também por John Watson. As teses se sustentam em colocar o foco no comportamento
e não na compreensão mental. Esta disposição estabelece que a conduta medida pela observação permita
entender as reações, que é fruto dos estímulos exteriores. Este é o campo em que o psicólogo deve atuar nas
reações aos estímulos, educando a uma mudança de comportamento manipulando os fatores condicionantes
do comportamento.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 133


de sua história. A busca por um ideal social agora se centra na máxima da potencialidade
individual.

Nesta crise entre o todo e o particular, a filosofia existencialista foi uma expressão significativa
na segunda metade do Século XX. Ninguém a expressou de forma mais intensa que Jean Paul
Sartre (1905 a 1980). Fundador de um existencialismo que rompe com a dependência do legado
racional, Sartre coloca sobre a decisão dos homens a sua capacidade de universalizar o valor
– Quando tomamos um ato por decisão, estamos afirmando ele como uma escolha universal
– sendo o comportamento único, mas a escolha de uma posição do homem diante do mundo.

Ao desprender o homem de sua obrigação com o legado, ao determinar no comportamento


particular um posicionamento diante de todos, Sartre impregna o homem de seu maior fardo,
a liberdade. Dessa mesma forma, sendo um simpatizante das ideias de Nietsche, declara seu
ateísmo considerando que Deus é uma afronta à liberdade do homem. Nada pode justificar o
ato, a não ser a escolha, afirma o filósofo existencialista francês.

Algo que nos falta hoje, reconhecer o poder do ato, da ação particular sobre o mundo. Nossa
covardia diante da necessidade de fazer escolhas e se responsabilizar por elas. Sartre vai
além, de assinarmos nossa existência com as ações que decidimos tomar, não aquela que
tomam por nós. Esta por sinal, as escolhas que nos são impostas, permitem a muitos viverem
em uma “zona de conforto”, de eternos vitimados pela imposição autoritária que aceitam para
não correrem o risco da decisão.

Considero, porém, que a maior crise que o pensamento ocidental enfrenta está na angústia da
sociedade diante de um futuro sem ideologia. A perda de uma proposta mais substanciada da
existência humana. Alguns pensadores contemporâneos apontam para esse problema com
profundidade.

Nosso dilema se encontra nos conflitos civis que foram substituídos pelas guerras entre
nações. Conflitos sem sentido ideológico, mas que promovem a morte de milhares de pessoas

134 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


todos os anos no mundo. A violência gratuita, algumas promovidas pelas próprias vítimas,
como se procurássemos a morte.

Nada expressa tanto a decadência da ideologia do que o redesenho da diplomacia mundial


após a Guerra Fria (1989). A formação de conglomerados econômicos não se mostrou eficiente
diante do rompimento de barreiras que a economia mundial desenhou além do mapa dos
territórios nacionais. Por sinal, as próprias nações refizeram seu sentido. O nacionalismo nunca
esteve tão decadente em seu sentido ideológico e tão exaltado no patriotismo de mercado.

A sociedade capitalista e liberal, criticada por muitos, se manteve diante da alternativa


socialista. A China, após a Guerra Fria, se transformou em uma nação plenamente integrada
ao capitalismo, vivendo uma ditadura social para a maioria de sua população e satisfazendo
uma minoria com toda a pompa que a vida de consumo material “burguesa” pode gerar.

Nesse mundo que estamos vivendo, desenhar o pensamento do homem contemporâneo é


um desafio o qual eu não me arrisco a afirmar, mas apenas apresentar pontos para que você,
academico(a), possa compreender melhor o impasse que estamos vivendo.

O primeiro autor de quem ressalto a obra é Jean Baudrillard (1929 a 2007), pensador francês
que tentava manter sua privacidade e fugir dos excessos que sua vida como intelectual lhe
impunha, criticou a forma como o homem está se relacionando com os símbolos em uma
sociedade midiática. Para ele, a cultura de massas tem se transformado em uma desinformação
e em uma imposição de “verdades prontas”, ou “falsas verdades”.

Essa aproximação aparente que vivemos, onde podemos nos relacionar com pessoas
distantes, só demonstram nossa falsa ideia de espaço, tempo e sentido. Estamos convivendo
com uma construção mercadológica, um produto apresentado, que é construído mediante
uma interatividade. Não nos relacionamos com o real.

Uma das críticas centrais de Baudrillard está na “sociedade de consumo”. O papel que o ato
de consumir ganhou na relação entre os homens. Como esses atos se transformaram em uma

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 135


cultura de reconhecimento da dignidade, superando muitas vezes a cidadania. Ter um cartão
de crédito é mais significativo para a vida em sociedade do que ter uma carteira de identidade.
É a supremacia do consumidor sobre a cidadania.

Hans Magnus Enzensberger (1929-) filósofo, poeta e ensaísta, intelectual alemão, é um


dos maiores defensores do pacifismo. Atualmente tem feito palestras em todo o mundo a
procura de defender ações contra a violência propagada na sociedade civil. Uma de suas
mais importantes obras, Guerra Civil, apresenta uma análise do comportamento do homem
contemporâneo.

A guerra civil está em andamento, segundo Enzensberger. Uma guerra constante e cotidiana,
ausente de qualquer fundamento ideológico, em que o culto à violência é o seu principal motor.
Para ele, o instinto humano está sendo acusado e a violência banalizada. Como Baudrillard,
considera que a mídia contemporânea se mostra como uma arma poderosa para o bem e o
mal. Muitas vezes propaga falsas ilusões sobre o mundo que pretende aproximar mediante
os meios de comunicação. Pela parabólica se propaga a ideia de “paraísos terrenos”, lugares
fantásticos, que movimentam migrantes em busca da “terra prometida”.

Este homem perdido por meios de comunicação eletrônicos que propagam valores também
constrói uma ausência. Esta ausência é a falta de consciência e o desejo de não se responsabilizar
por nada. Para o filósofo francês, Pascal Bruckner, um crítico do comportamento do homem
diante da sociedade de consumo, a vitimização tem sido o discurso oficial do mercado, uma
forma de induzir o homem a não sentir culpa pelos seus atos. Associada à infantilização, outra
crítica feita por Bruckner ao homem contemporâneo, o homem vitimado se sente no direito
de tudo sem ter que arcar com as consequências de suas escolhas. Assim como Baudrillard
e Enzensberger, Pascal Bruckner faz a crítica ao que se propaga como conteúdo na mídia
contemporânea. Segundo ele, não estamos atrás de conhecer outras pessoas na mídia
eletrônica, mas estamos atrás de cúmplices para nossos interesses mesquinhos.

136 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Para você pensar:

Não estamos mais vivendo um tempo de ideologias, isto é claro. Estamos nos perdendo por
um imediatismo tolo e intenso. Essa é a principal questão que envolve esta unidade.

O maior dilema do homem contemporâneo é o que fazer com uma sociedade que produz em
escala mundial e perdeu a noção da importância da vida em coletividade para se construir a
existência de cada um de nós.

Estamos fechados em nossos interesses privados e nos distanciando de um projeto de futuro


comum que atenda aos interesses da maior parte de nós. O que os autores que trabalhamos
demonstram é que saímos de grandes lutas ideológicas com o liberalismo, pragmáticos e
socialistas, e caímos no imediatismo.

Nesta fase dos pensadores contemporâneos seria fundamental colocarmos algumas percepções so-
bre os indivíduos. Já que no particular se centrou a discussão da maioria dos pensadores da segunda
metade do Século XX.
Em um sentido inverso do que discutimos aqui, vamos trazer o pensamento de Jean Baudrillard
(19985, p.59) em sua obra “Sociedade de Consumo”, na qual o autor expressa o poder que os objetos
ganharam ao permitir a inclusão dos menos favorecidos:
Pelo número, redundância, superfl uidade, prodigalidade67 de formas, pelo jogo da moda e por tudo
o que neles excede a função pura e simples, os objetos conseguem unicamente simular a essência
social – O ESTATUTO – esta graça de predestinação conferida por nascimento só a uns quantos e
que a maioria, por destinação inversa, jamais alcançará. A legitimidade hereditária quer de sangue
(quer de cultura) faz parte do próprio conceito de estatuto, que orienta toda a dinâmica da mobilidade
social. No fundo de todas as aspirações, subjaz o refi nado ideal de um estatuto de nascimento, de

67
Abundância, excesso, esbanjamento.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 137


graça e excelência, assediando igualmente o mundo envolvente de objetos. É ele que suscita o delírio
e o mundo descontrolado de bugigangas, de gadgets68 e FEITIÇOS, procurando todos gravar a eter-
nidade de um valor e fornecer a prova da salvação por meio das obras, falta da salvação pela graça.
[...] Ora, no consenso universal, a salvação pela graça avantaja-se sempre em valor à salvação pelas
obras. É em parte ao que assistimos nas classes inferiores e médias, onde a << prova pelo objeto>>, a
salvação pelo consumo, se esfalfa por atingir um estatuto de graça pessoal, de dom e predestinação.
Pascal Bruckner fala, de forma irônica, sobre o como o homem contemporâneo considera que deva
ser sua defi nição diante do mundo. A sua existência pessoal que está acima de todas as coisas e sua
afi rmação como um ser perfeito diante de um mundo que lhe deve obrigações:
Ora, o individualismo infantil [...] é a utopia da renúncia à renúncia. Ele só conhece uma palavra de
ordem: seja o que é por toda a eternidade. Não se atrapalhe com nenhum tutor, nenhum entrave,
evite qualquer esforço inútil que não lhe confi rme a identidade para si própria, só dê ouvidos a sua
singularidade. Não se preocupe com reforma nem com progresso ou melhoria: cultive e cuide de sua
subjetividade, que é perfeita pelo simples fato de ser sua. Não resista a nenhuma tendência, pois seu
desejo é soberano. Todos têm deveres para com você.
Esta é a forma como o homem propaga a lógica do homem contemporâneo, um ser com apenas direi-
tos e sem deveres, avesso à autoridade. Disposta a fazer o que quer e cultuar a si como única fonte
da felicidade. Tudo fazer e realizar o desejo por quem “realmente ama”, a sua existência. Ele lutará
para eternizá-la, mas não assumirá nada do que faz.
Mas é em Jean Paul Sartre, em sua obra O Existencialismo é Um Humanismo que encerro esta jor-
nada do pensamento fi losófi co. Na necessidade da ação diante do que não dominamos. Temos que
ter o no ato a resposta, por mais que não tenhamos o domínio sobre os seus resultados, mas temos
a declaração da intenção na atitude:
Antes de mais nada, devo ligar-me por um compromisso e agir depois segundo a velha fórmula “para
atuar dispensa-se a esperança”. Não quer isto dizer que não deva pertencer a um partido, mas que
não terei ilusões e que farei o que puder. Por exemplo, se me pergunto: a coletivização enquanto tal
realizar-se-á um dia? Sobre isso não sei nada, sei apenas que tudo o que estiver ao meu alcance para
se realizar fá-lo-ei; fora disso, não posso confi ar em nada. O quietismo é a atitude das pessoas que
dizem: os outros podem fazer aquilo que eu não posso fazer. A doutrina que voz apresento é justa-
mente a oposto ao quietismo, visto que ela declara: só há realidade na ação; e vai mais longe, visto
que acrescenta: o homem não é se não o seu projeto, só existe na medida em que sem realiza, não é,
portanto, nada mais do que o conjunto dos seus atos, nada mais do que a sua vida.

Você já pensou em agir?

68
É um termo em inglês para definir a parafernália de coisas que acumulamos. Um exemplo do que são gadgets
é o celular, smartphones e tablets, por exemplo.
138 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Somos uma civilização superior? Em alguns aspectos a nossa modernização é inquestionável.


O que aprimoramos nas técnicas de comunicação, o conhecimento que aprofundamos em
diversas áreas da vida humana podem ser notadas no dia a dia, infelizmente, nem sempre, na
vida de todos.

Talvez essa ainda seja a principal polêmica da existência contemporânea, o desenvolvimento


científico que permite o aprimoramento técnico que, por sua vez, garante as condições materiais
de melhora da qualidade de vida. Mas essa condição não é para todos. Essa desigualdade se
aprofunda à medida que a diferença mantida pela sociedade de mercado acaba por ser capaz
de condenar o ser humano sem permitir o seu aprimoramento dentro da vida social.

A chamada modernidade é pouco compreendida pela grande maioria de nós como uma
condição contraditória. Estamos com as discussões sobre os temas sociais focados na
particularidade, nos anseios individuais. Não estabelece com a racionalidade a relação do
homem com sua responsabilidade social.

Ao encerrarmos esta unidade, a qual encerra nosso conteúdo sobre a filosofia, se percebe
que os temas que norteiam as discussões sobre a existência humana, com uma proposta
de engajamento e de organização voltada à coletividade, agora se estabelece em um
particularismo “raso” e sem comprometimento.

Agora, para o educador o desafio é maior, educar aquele que necessita do conhecimento para
compreender que precisa ser educado, contudo se considera pleno de “direitos”, mas sem
obrigações. A ciência ainda é fundamental para mudarmos essa condição. No entanto, um dos
desafios de hoje é demonstrar a importância para a vida do homem.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 139


Neste trabalho, Russel, um dos mais importantes pensadores do Século XX, organiza uma obra ana-
lisando os principais fi lósofos desde os pré-socráticos até nossos dias. Nela, ele estabelece um para-
lelo entre o pensamento platônico e aristotélico que sustentam a manutenção destes elementos como
fundamentos do pensamento ocidental.

RUSSELL, Bertrand. A história do Pensamento Ocidental: a aventura dos pré-socráticos a


Wittegenstein. Tradução de Laura Alves e Aurélio Rebello. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.

Nesta obra, o ensaísta alemão faz uma crítica à perda de ideologia dos movimentos contemporâneos.
Ele associa a perda de ideologia à violência à que estamos assistindo na sociedade atual. Para
Enzensberger, o instinto tem tomado conta das manifestações de violência na sociedade.

ENZENSBERGER, Hans Magnus. guerra Civil. Tradução: Marcos Branda Lacerda e Sergio
Flaksman. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

140 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


O fi lósofo francês critica a perda do sentido amplo do que é a cidadania. Para ele, muito do que de-
veria ser a inclusão do cidadão superando suas difi culdades por meio da dignidade, agora se dá na
sociedade de consumo.

BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Tradução: Artur Mourão. Rio de Janeiro: Elfos
Editores; Lisboa: Edições 70, 1995.

Aqui, o fi lósofo, também francês, identifi ca a individualidade como uma nova forma do homem se
posicionar no mundo. Os indivíduos se consideram eternamente vítimas de um sistema perverso, ou
são convencidos de quem têm pleno direito de fazerem o que bem desejarem. A obra é uma crítica ao
homem contemporâneo, o qual Pascal Bruckner considera viver a infatilização e a vitimização.

BRUKNER, Pascal. A tentação da inocência: ensaio. Tradução: Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro:
Rocco, 1997.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 141


Aqui esta uma citação simples de Baudrillar, interpretada pelo magnífi co Abujamra. A gravação original
é de agosto de 2011. Magnífi ca a interpretação, melhor ainda a refl exão. Veja! Ouça!
<http://www.youtube.com/watch?v=jGcQfOZhewM>.

Aqui temos um belo trabalho que compila o pensamento de Baudrillard, com a participação do fi lósofo
e professor Ivo Luchhesi. Um resumo da obra do pensador francês. Veja!
<http://www.youtube.com/watch?v=EaRsYkWPvbE&feature=related>.

Aqui uma aula sobre Sartre. Ela foi dada pelo fi lósofo Franklin Leopoldo da Silva. O tema da aula é
fenomenologia e existencialismo.
Curtam!
<http://www.youtube.com/watch?v=Z2XPHjSYBfw&feature=related>.

ATIVIDADE DE AUTOESTUDO

1. Os pensadores iluministas não foram unânimes. Se pensarmos Locke e Rousseau, dois


autores abordados durante a unidade, eles podem ser considerados divergentes em
certos aspectos. Aponte algumas dessas divergências e esclareça-as.

2. No Século XIX, o otimismo tomou conta dos pensadores europeus. Mas surgiram os
pragmáticos, aqueles que consideravam que a eficiência da sociedade capitalista está
fundada na ciência. O desenvolvimento e superação dos problemas da humanidade
seriam resolvidos. Aponte dois pensadores pragmáticos e contraponha suas teses.

3. Estamos vivendo uma crise da identidade humana. Estamos diante de uma incerteza
sobre qual o papel de cada indivíduo e da sociedade. Para Enzensberger, Baudrillard
e Bruckner, a crise está instalada pelo papel que a mídia e as mensagens publicitárias
promovem. Construa uma abordagem que perpasse por esses autores e sua abordagem
sobre a crise do homem contemporâneo.

142 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


UNIDADE IV

A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: UMA


AUSÊNCIA SENTIDA
Professor Me. Gilson Aguiar

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender as condições em que a educação foi implantada na colônia e o seu


significado em uma sociedade caracterizada pelos interesses da metrópole portu-
guesa.

• Avaliar as consequências da educação estruturada na colônia para a sociedade


atual.

• Estabelecer a relação entre a educação na colônia e após o processo de indepen-


dência com a instituição da monarquia.

Plano de Estudo

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:


• Educação jesuítica nos primeiros anos de colonização. O controle cultural da
Igreja Católica

• A educação sem infraestrutura do Período Monárquico

• As mudanças promovidas por Dom Pedro II


INTRODUÇÃO

Esta unidade é um relato da história da educação no Brasil. Percorremos as políticas


educacionais brasileiras, se é que elas existiram, mas o que importa é procuramos dar
condições para que você conheça os caminhos que a educação percorreu ao longo da história
do país.

Partindo do entendimento dos interesses que levaram o Estado Nacional Português a instalar
um processo de colonização associado também à conversão do elemento nativo, e a educação
dos primeiros colonizadores a uma doutrinação dirigida pela Igreja Católica, em pleno período
de guerras religiosas que assolaram a Europa.

Passamos pelo completo abandono, ainda durante o período colonial, do Período Pombalino
até a emancipação e a formação do Estado Nacional Brasileiro, constituído a fórceps pela
transferência da corte portuguesa, o que não vai contribuir para uma melhora das condições
de ensino nos primeiros anos após a independência.

A lacuna educacional manteve-se até meados do Império (1822 a 1889) quando a política
educacional começou a ser desenhada, sem atender à grande maioria da população,
característica que vai dominar até a Primeira República (1889 a 1930).

Boa leitura!

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 145


OS PRIMEIROS TEMPOS

Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
Ao desembarcar no território no qual a colônia portuguesa viria a se organizar, os primeiros
representantes da coroa europeia estabeleceram as relações de ocupação e organização das
primeiras unidades produtivas, assim como os primeiros povoamentos de interesse luso.

É preciso considerar que não ocorreu uma padronização no território colonial, em algumas
regiões se estabeleceram os centros de interesses, as plantations, unidades produtoras
fundadas na produção extensiva, com mão de obra escrava e monocultora.

O trabalho escravo se tornou um dos principais fundamentos da área colonial portuguesa (o


Brasil), o que, por interesse de concentração de riqueza derivada das práticas mercantis, por
meio do tráfico de escravos, viria ser o africano. Dessa forma, os nativos, indígenas, deveriam
ser poupados do regime compulsório de trabalho, pelo menos em parte69. Uma das decisões

69
O trabalho escravo de indígenas ocorreu ao longo da história colonial. Em regiões mais pobres, ou de
economias periféricas, o índio foi largamente utilizado como trabalhador braçal. Foi essa prática que alimentou
as expedições bandeirantes na busca de apresar nativos para o comércio interno de escravos.

146 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


tomadas pelo governo português foi a implementação da Ordem Jesuíta no território colonial,
o que ocorreu em terras coloniais da Espanha e da França, no mesmo período.

Bom lembrar que a Ordem Jesuíta foi criada por Inácio de Loyola, um nobre e militar espanhol
que lutou na expulsão dos Mouros da Península Ibérica (século XV). A Ordem é formada com
o espírito militar da expansão cristã, o que já tinha sido praticada nas cruzadas.

No Brasil, assim como nas colônias católicas onde a Ordem se estabeleceu, a prática dos
padres jesuítas era voltada à conversão dos nativos e instrução dos cristãos. Na Europa,
a Ordem ficou com o controle das instituições de ensino como universidades e colégios,
servindo de braço do Papa para manter uma educação conservadora.

Durante a Reforma Protestante, no século XVI, a Ordem passou a ser o instrumento de


combate à expansão do luteranismo e calvinismo. O interesse era garantir a permanência
dos fiéis na Igreja e propagar o catolicismo nas terras coloniais para evitar a propagação
dos protestantes. Os reis católicos adotaram o monopólio religioso e a própria Ordem Jesuíta
como instrumentos de seu poder70.

A Companhia de Jesus71 foi quem introduziu a educação ocidental em território colonial. Com
seu caráter conservador buscou a formação religiosa com ensino de lógica, latim, canto e jogos
lúdicos, em que os princípios morais do cristianismo norteavam os conteúdos. O professor,
o padre jesuíta, era o elemento principal da educação. Tinha sobre sua responsabilidade

70
Diante da ameaça da expansão protestante, ocorreu a aliança entre monarcas e o papado. Em países
tradicionalmente católicos, como o caso de Portugal e da Espanha, essa aliança foi mais profunda e gerou
o monopólio religioso da Igreja Católica dentro das terras coloniais dos países ibéricos. Dessa forma, seria
proibida a presença de qualquer pessoa que não proferisse a fé católica no Brasil Colônia. Para as monarquias,
a Ordem Jesuíta serviria como um meio para o controle do estado e para a propagação da autoridade do rei.
A Companhia de Jesus foi fundada pelo nobre espanhol Inácio de Loyola. O combatente ibérico durante a
71

expulsão dos muçulmanos, durante a Guerra de Reconquista (Séculos VIII a XV) considerava a educação
uma forma de conversão ao catolicismo. Dessa forma, o interesse da Ordem era propagar a fé cristã com
sentido conservador, combatendo as heresias. Após a Reforma Protestante (Século XVI) a Companhia de
Jesus se transformou em um dos principais braços da Igreja Católica no combate aos protestantes, assim como
a propagação do cristianismo nas novas áreas coloniais.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 147


a preparação diária de materiais de educação e correção de atividades, o que exigia
demasiadamente dos mestres da Ordem.

Mas entre os nativos, a resistência da educação jesuítica também se fazia presente. Muitos
nativos fugiam dos aldeamentos para o interior da mata, preferindo a aventura, a vida nômade,
os combates, ou mesmo a educação familiar que os indígenas recebiam de seus familiares.
O encontro entre a cultura ocidental e indígena não foi harmônica. Muitos padres jesuítas
acabaram mortos na tentativa de constituir uma unidade catequética.

A educação da elite colonial também se fez pelas mãos dos jesuítas. A criação de seminários
e colégios nas principais cidades da colônia se constituiu como centro de formação de uma
elite culta. A educação se dava em tempo integral, e apenas 10% dos homens livres teriam
acesso a esta educação, que durava onze anos. Os que se destacavam poderiam continuar
seus estudos na Europa, já que nos trópicos portugueses não existia ensino superior72, 20%
dos formados nos seminários e colégios inacianos seguiam esse destino.

Até 1759, a Ordem Jesuíta construiu uma poderosa rede de ensino na colônia, com seminários
nas principais cidades coloniais e um imenso número de missões e aldeamentos em diversas
partes do território brasileiro. Para se ter uma ideia da dimensão que a Ordem representava,
ela tinha 670 membros espalhados pelo território português nos trópicos e, em sua região de
maior atuação, a Bacia do Prata, ela tinha aliciado 150 mil nativos.

Aos jesuítas está relacionada uma série de ações que foram marcos na história colonial
brasileira. Foram eles que iniciaram o estudo da língua indígena com a finalidade de catequese
e apresentaram as primeiras classificações dos dialetos nativos, o guarani e o jê. Também
resgataram, por meio de obras literárias, o cotidiano do território colonial e a análise dos
problemas que envolviam o território colonial.

72
As faculdades e universidades eram proibidas na colônia portuguesa, sob o temor de fugirem ao controle dos
interesses do estado, como também pelo seu elevado custo de manutenção. Contudo, vale lembrar que nas
áreas coloniais da Espanha elas existiram e se multiplicaram.

148 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Os primeiros jesuítas a se instalarem na colônia foram Manoel da Nóbrega e José de Anchieta.
Nóbrega veio com a instalação do Governo Geral na colônia (1549), já Anchieta chegou ao
Brasil com o governador Duarte da Costa, em 1553. Alguns padres da Ordem marcaram a
literatura brasileira como o Padre Antônio Vieira (1608 a 1697). “Os Sermões”, uma coletânea
de documentos escritos durante a sua presença no nordeste brasileiro, faz uma interpretação
dos trabalhos da ordem e crítica à conduta de elementos coloniais. Um dos principais objetos
de ataque de Vieira foi a ação dos bandeirantes em relação aos indígenas.

A “defesa” dos indígenas, por sinal, é uma das controvérsias na história dos padres da
Companhia de Jesus. A conduta em defesa dos nativos está aliada à empresa de catequese
que retirava os indígenas de sua organização original. As missões, ou reduções, como eram
chamadas as áreas que os padres constituíam em meio à mata para estabelecer sua “obra”
também é vista como uma violência contra o nativo. Se o bandeirante capturava o nativo para
o trabalho escravo, os jesuítas os destruíam pela imposição da cultura ocidental cristã.

O grande patrimônio estabelecido pelos jesuítas na colônia mostrou a eficiência da ordem


e significou um risco para a coroa portuguesa. O fortalecimento da ordem dava aos padres
poderes excessivos em territórios coloniais portugueses. Ficava cada vez mais claro que os
nativos catequizados estavam mais ligados aos interesses dos padres do que da coroa.

Em algumas regiões onde a ordem se estabeleceu, a prosperidade trazia benefícios maiores


à Igreja do que a Portugal. Uma dos exemplos foi a região da Bacia do Prata, que era área de
fronteira com as colônias da Espanha, objeto de disputa entre os dois reinos, onde os jesuítas
estavam presentes por todas as margens dos rios da Bacia (rios Paraguai, Uruguai, Paraná e
Prata). Os interesses das nações ibéricas estavam ameaçados pela presença da instituição
religiosa que tinha em seu poder milhares de nativos.

Mesmo em Portugal, os interesses dos jesuítas e da coroa estavam em conflito. Opositores de


Pombal, o ministro do Rei Dom José, a Ordem se opunha às decisões do ministro. Acostumados

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 149


a terem influência sobre a decisão do estado, os padres acabaram sendo acusados de um
atentado contra o Marquês de Pombal. Tendo sido culpados ou não, os jesuítas foram expulsos.

Mas, em 1759, o ministro de Portugal, administrador da Coroa, o Marquês de Pombal, expulsou


a Ordem do território lusitano e de suas colônias. A prática do despotismo esclarecido73 do
Marquês, aliada a sua intenção de concentrar o poder, o fez se confrontar com os clérigos
da ordem inaciana. Essa medida teve um importante efeito na colônia, rompeu uma política
educacional que, bem ou mal, se consolidava na sociedade brasileira.

Em diversos casos houve resistência da Ordem em se retirar. No Brasil, a Revolta ou


Revolução Guaranítica demonstrou isso. Jesuítas organizaram missões na Região do Prata
que se levantarem contra a autoridade portuguesa. Os missionários foram eliminados e os
nativos, que sobreviveram, foram obrigados a retornarem à floresta ou ficarem à mercê dos
traficantes de escravos.

Vale a pena lembrar que a primeira biblioteca da colônia pertenceu a Ordem Jesuíta e estava
instalada no Seminário de Olinda, em Pernambuco. O destino dessa biblioteca, após a expulsão
dos inacianos, foi cruel. Diante da negativa de compra, ou de quem quisesse os livros, eles se
tornaram papel de embrulho para comerciantes da cidade pernambucana.

73
O despotismo esclarecido foi uma forma de governo que se alastrou entre as nações de forte caráter
agrário e feudal na Europa. Na busca de acelerar o crescimento mediante o desenvolvimento das práticas
capitalistas, nações como Portugal, Espanha, Áustria, Prússia (Alemanha) e Rússia, buscaram a alternativa
estatal do crescimento. O governo daria as diretrizes para o crescimento por meio de medidas nacionalistas
e expulsando elementos estranhos ao interesse do desenvolvimento econômico. Foi neste contexto que os
jesuítas se transformaram em um problema. Além de obedecerem aos interesses do papado, não praticavam
uma educação fiel ao estado monárquico.

150 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


EDUCAÇÃO LAICA, O ABANDONO

Fonte: PHOTOS.COM
Com a saída dos jesuítas, a educação passa a ser responsabilidade do Estado Português, o
qual não cumpriu com interesse sua função. Contudo, Portugal regulamentou diretrizes para
a prática educacional que deveria ser executada por professores, mestres, contratados pelo
estado. Poucos se interessaram pela tarefa, muitos que receberam para ministrar aulas não
cumpriram sua função.

Os materiais didáticos eram impressos pela coroa por meio da Imprensa Régia. Nas grandes
capitais, a educação foi direcionada aos filhos de fazendeiros, senhores de engenho e também
de funcionários do estado. O número de frequentadores das escolas representou um quinto da
população de homens livres.

Mesmo entre as famílias de elite agrária não existia um interesse em formar os filhos, a
herança das terras e as práticas das lavouras eram marcadas por relações brutas aprendidas
na lida com o trabalho, não nos estabelecimentos de ensino. Os poucos que conseguiam se

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 151


formar tinham posição social de privilégio, e mais ainda, os que conseguiam ingressar em uma
universidade europeia.

Em uma economia fundada no trabalho escravo, em que a produção agrícola para o mercado
externo não implicava na qualificação de mão de obra, as baixas técnicas de produção dos
engenhos se mantiveram por séculos no Brasil sem qualquer alteração. Nesse ambiente,
também estão as roças de subsistência, conduzida por pequenos produtores com trabalho
familiar. Em nenhuma dessas lavouras há a necessidade de especialização do trabalho.

Vamos perceber que a necessidade de trabalhadores mais qualificados se dava em setores


restritos da sociedade. Os cargos administrativos do estado português exigiam uma mão de
obra mais qualificada, mas esta era importada de Portugal. Poucos eram os filhos da elite que
atingiam uma formação educacional mais apurada.

A sociedade colonial, ao longo da história brasileira, se constituiu em uma ordem agrária


patriarcal. O domínio da figura máscula tinha seu elemento maior no senhor de engenho. Ele
se impunha sobre o restante da sociedade pelo controle que tinha sobre a principal atividade
econômica do território colonial, o engenho. Todos estavam indiretamente subordinados a ele,
e a sua autoridade patriarcal se reproduzia sobre os demais elementos sociais.

No ambiente doméstico, a mulher do senhor era uma extensão de seus bens e se impunha
diretamente a sua autoridade. Existindo apenas para procriar, era plenamente submissa à
autoridade de seu marido. As filhas seguiam o destino da mãe. Tinham pouca formação,
quando a tinham. Caso recebessem alguma instrução, esta ocorria no ambiente doméstico.

As meninas não tinham acesso à educação, eram raros os casos, entre elas, de quem
conseguia o acesso a alfabetização. A instrução das mulheres ocorria dentro do ambiente
domiciliar, ainda por interesse da família. Quando ocorria, entre os privilegiados sociais, era
para preparar a jovem para um casamento, um complemento das prendas femininas. Por isso,
o casamento era um arranjo de interesses financeiros entre as famílias mais abastadas.

152 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Já a prática da poligamia era mantida e se estabelecia como uma prática condenável pela
moral cristã, contudo praticada intensamente no território colonial. Em algumas regiões de
menor importância econômica para o estado português, nos primeiros séculos de colonização,
conviver com mais de uma mulher em um ambiente doméstico era tolerado. São Paulo, vila
fundada pelos jesuítas (Nóbrega e Anchieta), no século XVI, foi marcada pelo convívio entre
brancos e índios unidos pelo concubinato.

A presença dos indígenas na vida colonial não ocorreu apenas pela miscigenação, mas
mais que isso. A alimentação, assim como as próprias técnicas de produção agrícola eram
predominantemente uma reprodução do que os nativos promoviam. A língua guarani também
passou a ser utilizada costumeiramente em algumas regiões da colônia. O exemplo mais
significativo foi a vila de São Paulo. Nela, o guarani era língua corrente entre a população.

Assim, a educação ocidental não se sustentou e não foi priorizada. Ela não era uma necessidade
da vida colonial. A instrução formal foi limitada pela própria organização da economia agrária
exportadora, como as regiões de subsistência. Vale lembrar que o europeu que migrou para
o território colonial, em grande parte, era um desterrado, sem o interesse de uma atividade
específica nas terras portuguesas na América74.

As diferenças entre as diversas regiões coloniais se aprofundaram. A mineração na Região


Sudeste, em especial, gerou um núcleo prospero que atingia as cidades mineiras (Ouro Preto,
São João Del Rei, Diamantina), também na capital da colônia, que foi transferida da Bahia

Se compararmos os habitantes do território colonial inglês, as chamadas treze colônias, nota-se que eles
74

apresentaram uma migração de povoamento com um grau de qualificação elevado dos colonos, em sua
maioria protestantes. A formação religiosa puritana contribui para o colono inglês se dedicar à lavoura de
subsistência reproduzindo o ambiente europeu nas terras da América do Norte. Alfabetizado e especializado
na produção de subsistência, os puritanos promoveram o desenvolvimento da economia interna e o embrião
de uma comunidade colonial próspera. No Brasil, esse modelo de povoamento não ocorreu. A ocupação de
subsistência foi consequência de um desterrado que não optou pelo território colonial, foi depositado nele
contra a vontade.
A instrução não foi bem-sucedida tanto pela falta de incentivo do governo português quanto pela inexistência
de uma herança cultural voltada à educação dentro da própria sociedade que se estabeleceu no Brasil nesse
período.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 153


para o Rio de Janeiro. Mesmo nos centros de exportação do açúcar, como Salvador e Recife,
a prosperidade se acentuou, mas foi um benefício para poucos.

A educação foi uma expressão dessa diferença. As escolas, muitas ainda ligadas à Igreja
Católica, atendiam aos filhos das elites. Esses faziam sua formação básica no Brasil e
depois ingressavam nas universidades europeias. Foi dessa “inteligência” que se organizou a
intelectualidade colonial que lideraria os movimentos de emancipação que se multiplicaram ao
longo dos séculos XVIII e XIX.

A educação implantada pelo Período Pombalino (1750-1777) mantinha o mesmo método


adotado pelos jesuítas, o ensino de lógica, com memorização.

Na segunda metade do século XVIII os movimentos liberais tomaram a Europa. A revolução


Industrial (1750) e Francesa (1789), assim como a Independência dos Estados Unidos (1776)
mudaram o quadro das intenções da formação educacional. O conhecimento racional laico
passou a imperar como necessidade de instrução. Mas no Brasil, essa medida só começou a
se fazer sentir com a transferência da Corte Portuguesa em 1808.

DA COLÔNIA AO IMPÉRIO

Obrigada a se refugiar em sua principal colônia, a coroa portuguesa chega ao território colonial
e transfere a estrutura administrativa de Lisboa para o Rio de Janeiro. Essa medida fez surgir
a necessidade de formação de especialidades necessárias aos membros da corte. Assim
surgiram as primeiras aulas de cirurgia em Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. O que muitos
consideram a implantação do ensino superior no Brasil.

A segunda biblioteca brasileira quase teve o destino da primeira. Com a transferência da corte
portuguesa para o Brasil, chegaram com Dom João VI, e depois em mais duas etapas, os
livros da Biblioteca Real de Lisboa. Sem um lugar apropriado para ser instalada, ficou no Porto

154 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


do Rio de Janeiro. Mas acabou sendo transferida para prédios públicos e foi o acervo embrião
da Biblioteca Nacional, a maior da América Latina e uma das sete maiores do mundo.

O ensino superior implantado por Dom João acabou se restringindo a grupo específico
de membros da corte, sendo formados para atender aos interesses do estado ou para
exercerem sua profissão em um círculo seleto de habitantes da colônia. Em relação ao ensino
fundamental e médio, no período, não houve alteração em relação ao que a Ordem Jesuíta
tinha estabelecido e Pombal mantido.

Com o processo de independência do país (1822), os debates sobre a educação chegaram ao


Congresso Nacional, mas sem relevância ou primazia. Manteve-se como um tema necessário
para dar ao país uma instrução aos súditos, os quais se definiam como homens livres, sendo
que a maioria era uma sociedade formada por escravos.

A Constituição outorgada em 1824 promoveu as primeiras mudanças na diretriz da educação.


Foi criada uma “Instrução Geral” que orientava a educação nas principais cidades brasileiras.
A medida tentou laicizar ao máximo uma educação que continuou sendo mantida, no âmbito
privado, pelas instituições católicas75.

Uma das primeiras medidas efetuadas foi a implantação de mestres para salas de aula de
até 30 alunos. Os professores elegiam monitores, os melhores alunos, em número de dez, os
quais ensinariam os demais alunos. Os livros eram manuseados pelos professores, os alunos
reproduziam o conteúdo em caixas de areia de pequeno porte, onde copiavam o conteúdo com
pedaços de madeira ou com o dedo.

75
Durante a presença da Corte Portuguesa no Brasil, Dom João VI assinou os Tratados de 1810. Neles, a Igreja
Católica perdia o monopólio religioso e era permitida a presença de Igrejas Protestantes. Contudo, regulamenta
a forma como elas deveriam manter suas sedes e como deveria ser estabelecida a relação entre o culto
protestante e a sociedade. Por exemplo, era proibida a pregação pública ou a identificação das Igrejas não
Católicas nas fachadas.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 155


As meninas podiam frequentar o ensino, mas nas escolas religiosas eram separadas dos
meninos. Poucas, elas tinham um controle rígido sobre seu comportamento. Era um mundo
educacional masculino que ainda discriminava sua presença. Mesmo como docentes, as
mulheres eram discriminadas, só poderiam ministrar aula com uma autorização, “Declaração
de Boa Conduta”, o que era um expediente raro durante o Império.

Em 1831, o monarca Dom Pedro I, proclamador da independência, foi obrigado a abdicar do


trono. Após nove anos de um reinado marcado por rupturas com as elites agrárias e sem apoio
popular, perdido ao longo de uma administração marcada por desmandos na vida pública e
pessoal, o país viveu a Regência (1831 a 1840). A monarquia se manteve, mas sem o comando
de um monarca. O jovem imperador, com cinco anos de idade quando o período regencial
se estabeleceu, assumiria prematuramente o trono em 1840, diante da instabilidade que se
manteve.

Foi durante o Período da Regência que uma das mais importantes instituições de ensino
público se estabeleceu, o Colégio Dom Pedro II. O qual foi administrado, durante a monarquia,
pelo próprio imperador. Era ele que escolhia professores, acompanhava a qualidade do que
era ensinado e interferia na organização da instituição educacional. O Colégio era para ser
um modelo para o surgimento de novas unidades de educação no país. A escola tinha um
currículo fundado em Gramática, Literatura, Latim, Grego, Botânica, Astronomia e princípios
de Física.

O Colégio Dom Pedro II teve no seu corpo docente ilustres personagens da literatura brasileira,
entre eles, Machado de Assis e Euclides da Cunha. Com formação exclusiva do ensino médio,
o Dom Pedro II foi e é uma das referências do ensino público no Brasil. Após seis anos na
instituição, os alunos ingressavam automaticamente nos cursos de Medicina, Engenharia e
Direito.

O reinado de Dom Pedro II foi marcado por mudanças profundas na organização social e
na organização da economia agroexportadora. Tais mudanças deram oportunidade para a

156 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


ascensão de uma nova elite agrária e de um novo produto agrícola, o café, que reorganizou o
poder. Inicialmente em torno da órbita do imperador, mas com o tempo, contrária a ele.

A abolição da escravidão foi um capítulo duro na vida da monarquia. Buscando atender aos
interesses de uma economia agrária herdada do império e que sustentava o país, o segundo
reinado manteve o quanto pode o trabalho compulsório. Contudo, sofreu os desgastes de tal
prática. O império perdeu popularidade e legitimidade junto às forças que o sustentavam.

Sofrendo pressões do imperialismo inglês para pôr fim ao trabalho escravo, a monarquia
fez da abolição uma guerra diplomática e um trauma social. Rompeu simbolicamente com
a Inglaterra, mas tomou todas as medidas para abolir o trabalho escravo sem prejudicar os
interesses da lavoura extensiva, em especial a cafeeira.

Uma das alternativas para a substituição da mão de obra escrava foi o imigrante europeu,
o qual já se dirigia ao Brasil, principalmente no Sul do país, para reproduzir parcialmente a
vida que tinha na Europa, mas com as características das terras gaúchas, catarinenses e
paranaenses. No Sudeste, o imigrante iria ser utilizado na grande lavoura de café, por meio da
parceria, o que gerou conflitos entre os trabalhadores livres de origem europeia e proprietários
de terra, acostumados com a escravidão.

Nicolau Campos Vergueiro, senador do Império, produtor de café no interior de São Paulo,
em Ibicaba, contratou o trabalho de 177 famílias de imigrantes alemães e suíços, por meio do
regime de parceria – forma de produção em que se dividiam os lucros da venda do produto com
as famílias produtoras. Contudo, a tentativa não foi bem sucedida. Tratados como escravos, os
imigrantes acabaram se revoltando e queimando as plantações de café em 1857.

Mesmo com o fracasso das primeiras tentativas, o trabalho imigrante no campo se propagou.
Após 1870, o governo estabelece a Lei de Imigração e passa a incentivar, com propaganda na
Europa e subsídios para as viagens de europeus para o Brasil, a importação de mão de obra.

A medida acabou por beneficiar também o trabalho urbano e o advento da indústria com a

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 157


concentração de trabalhadores assalariados e com grau de instrução bem mais elevado do
que o trabalhador nacional. O braçal brasileiro, que nunca teve uma política de formação e
qualificação para o mundo do trabalho, agora se via diante dos interesses dos empregadores,
interessados em substituição rápida do trabalho escravo pelo estrangeiro (europeu). Uma
solução imediata para a economia que manteve um problema crônico: a instrução.

Na política educacional, iniciava-se uma discussão acerca da instrução nacional e da


preparação do elemento brasileiro para enfrentar a presença do estrangeiro. Nos debates
políticos no Congresso Nacional, inicia-se a defesa de uma educação positiva.

O culto à ciência e racionalização das questões públicas infiltram-se entre os intelectuais. A


filosofia de Augusto Comte76 ganha força entre os maçons, intelectuais de uma forma geral, e
também dentro da corporação militar. A Guerra do Paraguai77 foi um marco para a propagação
destas ideias. A criação de escolas de oficiais, a mais importante foi a da Praia Vermelha,
no Rio de Janeiro, instruída por mestres europeus de tendência positivista, associada ao
fortalecimento políticos do exército, faria dos militares os líderes do movimento republicano.
Contudo, não seriam eles que conduziriam o destino do país após a Proclamação da República
em 1889. Seria uma aristocracia cafeeira já consolidada no poder durante a monarquia.

Augusto Comte, pensador francês (1798 a 1853), deu início ao primeiro método científico voltado às ciências
76

sociais fundado nas estruturas de pensamento das ciências naturais. Comte considerava que o verdadeiro
conhecimento estaria na observação e comparação dos fatos sociais. Na busca do aperfeiçoamento das
sociedades por meio da organização racional do poder e da eficiência empírica das ações do estado. Do
pensamento de Comte se fundamentou a tecnocracia, em que os administradores públicos deveriam ser
especialistas em seu campo de atuação. De certa forma, os militares consideravam que o seu papel era
purificar o Estado e garantir sua eficiência.
77
A Guerra do Paraguai é um dos episódios mais importantes do período imperial. Considerada um dos fatores
que levou à decadência do regime monárquico, a Guerra foi um desdobramento de disputas territoriais na
Região do Prata, em sua maioria herdados do Período Colonial (1530-1808). O Brasil se viu invadido pelo
Paraguai. O principal interesse da nação Guarani era conquistar áreas produtivas e buscar uma saída para o
mar.
Com uma aliança com a Argentina e o Uruguai, o Brasil teve que organizar suas tropas e investir na modernização
do Exército. Mesmo vencendo o conflito, os militares passaram a ser influenciados pelas ideias republicanas e
abolicionistas. Muitos se transformaram em críticos do Imperador e defensores da república.

158 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Nesse momento, se interpela em diversos momentos da vida pública do país a questão do
elemento nacional. Leis são aprovadas para facilitar a imigração. O país precisa de mão de obra
para sua principal atividade agrícola, o café. O estrangeiro se traduz como principal agente de
trabalho. É criado o Ministério de Estrangeiros, o qual determina a política de imigração para
o país.

A educação passa a ser uma possibilidade de garantir ao país o preparo ao trabalho. A


necessidade de força de trabalho se torna vital, mas agora na condição de homem livre. A
multiplicação do assalariamento já estava se processando desde o Império e, na Primeira
República, se transformou em uma questão vital.

Uma das primeiras instituições que buscou o preparo do trabalhador visando à qualificação
para o ofício foram os liceus. O primeiro foi fundado em 1883, já na derrocada do Império.
Por meio da influência das ideias positivistas e com o apadrinhamento da Maçonaria, surge O
Liceu de Artes e Ofícios na cidade de São Paulo.

Os liceus nunca se multiplicaram e ficaram nas mãos dos empreendimentos privados.


Sustentados por empresários, com pouco recurso, acabaram minguando ao longo do tempo.
Fechados, não conseguiram dar início ao processo de qualificação que se esperava.

As mulheres, como já citamos, ampliaram, mas de forma lenta, sua participação na educação. A
instrução fundamental ganhou nela um dos principais agentes da docência. Estabelecimentos
de ensino especializados na educação feminina surgiram nas capitais brasileiras no segundo
reinado. Mas a subordinação à vida doméstica continua até hoje a ser uma atribuição imposta
à mulher78.
78
A trajetória da mulher dentro da educação tem sido objeto de pesquisas mais recentes, mas já nos dão uma
ideia da condição em que a mulher entrou no mundo da escola e para quê. Até o século XVIII, no Brasil, a
mulher estava subordinada ao espaço doméstico. Educada pela mãe a reproduzir a vida de uma dona de casa.
A partir do século XVIII a mulher passa a receber a instrução para a manutenção da saúde do lar. Ela era uma
extensão do Estado dentro do mundo privado. Com esse espírito, ela continuaria sendo vista ao longo do século
XIX e na primeira metade do século XX. Ela deveria receber a instrução para manter a higiene doméstica e
preparar o jovem líder em parceria com o poder público.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 159


Renata Giraldi
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Das 796 milhões de pessoas apontadas como analfabetas no mundo, dois terços (cerca
de 530 milhões) são mulheres. Os dados são da Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura (Unesco). Na tentativa de buscar alternativas para melhorar esses números e rede-
fi nir metas, especialistas se reúnem de amanhã (9) até sábado (11), em Atenas, no fórum Igualdade
e Gênero: Um Elo perdido?.
Pelos estudos, os analfabetos também são os mais atingidos por problemas causados pela fome e por
crises econômicas. O fórum discutirá o assunto em quatro mesas de debate. Em uma delas, o tema é
O Papel Estratégico da Igualdade de Gênero para o Desenvolvimento, na outra discussão, o assunto
será Mulheres: Vítimas de Violência, ou Arquitetas da Paz?.
Na terceira mesa de debates, o tema será A Igualdade de Gênero e os Desafi os Ambientais e, na
quarta e última sessão, o assunto será O Papel da Unesco Como um Promotor da Mudança por Meio
da Educação, Ciência, Cultura, Comunicação e Informação.
No Brasil, a taxa de analfabetismo caiu 1,8 ponto percentual nos últimos cinco anos e registrou
9,7% em 2009. Na Região Nordeste, reconhecida historicamente por ter o maior número de iletrados
do país, a taxa caiu de 22,4% (2004) para 18,7% (2009). A informação foi divulgada hoje (8) pelo Ins-
tituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE) que contabilizou 14,1 milhões de pessoas que não
sabiam ler ou escrever em 2009.
A pesquisa mostrou ainda que houve um aumento do nível de escolaridade no Brasil em todas as regi-
ões do país. Os indicadores mostraram que a proporção de crianças de 6 a 14 anos que frequentava
a escola foi maior do que 96%. Entre a população com 10 anos ou mais, o tempo de estudo médio
chegou a 7,2 anos. Esse tempo representa um aumento de 0,6 ano na média registrada em 2004.
Fonte: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2010-09-08/dos-796-milhoes-de-analfabetos-no-mun-
do-dois-tercos-sao-mulheres-diz-unesco>. Acesso em: 24 ago. 2012.
O analfabetismo ainda é um problema em todo o mundo, atingindo principalmente as mulheres. Você
tem no Brasil uma tendência à melhora dessa condição. Mas também já é possível que você entenda
os fatores que determinaram esta condição. Esse deve ser o tema de sua refl exão.

160 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação é um ritual que todas as sociedades ao longo da história mantiveram. Nós a


institucionalizamos, nós fizemos dela uma condição para perpetuar valores, manter
necessidades, buscar respostas para nossos problemas e lutar pela superação. Mas a
educação também foi o meio de submeter o “estranho” dominado ao dominador. A educação
que o ocidente impôs sobre as áreas coloniais europeias tinha este interesse.

A presença de uma educação catequética no território colonial brasileiro tinha esta intenção:
se impor. Garantir o interesse do conquistador dando ao dominado uma imagem de mundo
concebida a partir do poder europeu. Uma Europa que vivia a crise da identidade cristã, da
vida econômica, da incerteza de um continente em mudança.

Muitos desses conflitos se transferiram para a área colonial e marcaram a vida daqueles que
viveram na colônia. A imposição do cristianismo e dos valores que ele expressou no território
brasileiro marcou o nosso futuro. Mas não se consolidou por toda a colônia esta educação
catequética, ela não terminou sua obra, os jesuítas foram expulsos.

A educação dita “laica” que foi implantada após a expulsão dos padres da Companhia de
Jesus não teve o efeito que os antecessores promoveram, não atingiu a mesma dimensão.
Fixou-se em áreas litorâneas mais desenvolvidas, não alterou a realidade dos que viviam à
margem e continuam, até hoje, de certa forma, marginalizadas.

A formação do estado nacional brasileiro não teve a participação popular, não foi um projeto da
sociedade organizada. A formação do estado nacional não foi uma realização de manifestações
culturais de identidade comum que poderia se chamar “brasileiros”.

Essa condição demonstra que não há uma educação que expresse a identidade comum.
O manuseio de uma língua portuguesa ficou restrito a determinadas regiões, os paulistas
falavam o guarani. A língua indígena era o meio prático da educação em diversas regiões. O
regionalismo, por sinal, será uma forte característica do país ao longo da história.

Foi e será o estado, como veremos em nossa próxima unidade, que fará da educação um
instrumento de construção do estado nacional. Uma imposição que nos fez, como tantas
imposições construiu nossa história até nossos dias.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 161


Aqui temos Chico Buarque, canto e compositor clássico brasileiro, falando da obra “O Povo Brasileiro”
de Darcy Ribeiro. A formação da índole do povo, do seu perfi l contraditório é o tema. Vale a refl exão
de assumirmos o que somos.
<http://www.youtube.com/watch?v=bv9DqymwzBc&feature=related>.

Há algo para se deliciar neste vídeo, o encontro entre o elemento europeu e o indígena. O olhar eu-
ropeu sobre um povo que via os “recém-chagados” como divindades, mas na prática o início de uma
grande transformação que forjou o que somos, “O Brasil”.
<http://www.youtube.com/watch?feature=endscreen&v=hzGAcqGiV0g&NR=1>.

Uma mensagem de Darcy Ribeiro, e uma série que retratou sua obra “O Povo Brasileiro”. A origem das
terras que Portugal deu sentido, “O Brasil”. Destaque para os ÍNDIOS.

<http://www.youtube.com/watch?v=2gqz4BHYcck&feature=related>.

ATIVIDADE DE AUTOESTUDO

1. A implantação de uma educação catequética sobre os nativos, mas também sobre os


colonos, tinha um interesse para o Estado Português que se estabeleceu. Esse interesse
estava relacionado aos conflitos religiosos que se deram Europa logo após a Reforma
Protestante. A reação da Igreja Católica por meio da Contrarreforma levou à implantação
da Ordem Jesuíta que se estabeleceu no Brasil. Como podemos justificar essa intenção
pela forma que era estruturada a educação nos primeiros séculos da história brasileira?

2. Mas a Ordem Jesuíta se transformou em um problema para o Estado Português. O mesmo


estado que se beneficiou dos elementos religiosos trazidos pelos padres da Companhia
de Jesus agora se via com um inimigo dentro do território. O Marquês de Pombal acaba
por expulsar os padres da ordem. Descreva este fato e por que ele se deu.

3. Com a independência do Brasil (1822), a educação não estava presente como mudança.
Ao final, pouca coisa mudou na própria vida da sociedade. Quais fatores podem ser
apontados para justificar essa manutenção das condições da educação como havia se
estabelecido no período colonial?
162 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância
UNIDADE V

DA VELHA REPÚBLICA À REPÚBLICA NOVA


Professor Me Gilson Aguiar

Objetivos de Aprendizagem

• Reconhecer que a mudança de regime – da monarquia para a república – não mu-


dou a realidade da educação no país.

• Compreender a história da educação como um instrumento de implantação do po-


der público, mas sem atingir o objetivo ao que se propôs.

• Entender os limites da educação na atualidade como uma consequência histórica.

• Identificar velhos problemas na educação e que ainda não foram superados.

Plano de Estudo

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:


• A educação na República Velha, a manutenção das estruturas da monarquia e
a falta de proposta de uma educação popular

• O governo Vargas e as mudanças na educação com a política de nacionaliza-


ção. A educação a serviço da construção do país

• A educação popular discutida na república populista

• Ditadura Militar e a educação técnica e profissionalizante

• A redemocratização e os dilemas da educação popular


INTRODUÇÃO

A república não veio acompanhada de uma mudança na melhora da qualidade de vida para os
brasileiros. As mesmas condições que a cidade viveu durante a monarquia se mantiveram na
primeira fase da república. O que explica essa continuidade são as lideranças políticas que se
colocaram à frente do novo governo. Uma república proclamada pela elite agrária, com a ação
dos oficiais do exército e intelectuais, que estiveram no início do regime, mas depois foram
afastados pelos interesses dos grandes proprietários de terra. A república foi proclamada sem
a participação popular, “que assistiu bestializada a proclamação”, segundo Aristides Lobo, um
dos intelectuais que participou de sua proclamação.

O desenvolvimento da economia agrária também gerou o crescimento de um mercado interno,


incentivou a imigração de europeus e asiáticos, formou novas forças sociais como a classe
média e a classe operária. As cidades passaram a ter um papel importante na vida política.
Dessas novas composições, emergiram as forças que levaram à desestabilização do regime
que, aliadas ao contexto mundial da crise cafeeira, permitiram a ascensão de Getúlio Vargas
ao poder.

Por meio da ação tecnocrata do Estado, a educação serviu aos interesses do poder estabelecido,
mas nunca a uma construção de um projeto de educação que demonstrasse eficiência
e criasse condições de superação da sociedade de suas condições de marginalização no
mercado de trabalho. Mesmo durante o período em que Vargas esteve no poder (1930 a 1945),
a educação técnica ficou a serviço dos centros econômicos e não preparam a população de
regiões marginais com a qualificação que atraísse investimentos.

No Regime Militar (1964 a 1985), o sistema educacional se modernizou, mas ainda permaneceu
com resultados precários para as classes populares. Os programas de alfabetização de adultos
e a multiplicação das instituições públicas não vieram acompanhados de qualidade, o que, de
certa forma, ainda é um dilema na educação nacional.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 165


O REGIME REPUBLICANO: EDUCAÇÃO DE SALIVA E PAPEL

Com o advento da república (1889), a educação passou a estar presente na retórica dos
homens públicos, mas sem um efeito prático. Mesmo que a Constituição de 1891 viesse a
prever a alfabetização para a garantia do voto ao cidadão, a escola não conseguiria executar
esta inclusão para a maioria dos brasileiros. Não se multiplicaram as instituições de ensino
público, como idealizaram políticos e intelectuais como Rui Barbosa. Os imigrantes, por
exemplo, que ingressaram no país desde o império, eram alfabetizados. O elemento nacional
não tinha por parte do estado esta prerrogativa.

Uma das contradições da República Velha era que uma das exigências para o exercício da
cidadania seria o voto, restrito aos alfabetizados, homens acima de 21 anos, além de ser
facultativo. O processo de instrução permaneceu cerceado à maioria da população, em sua
maioria residente na zona rural, à mercê de grandes proprietários de terras, os “coronéis”.

Outro dado curioso do regime republicano instalado no Brasil foi o papel que as mulheres
passaram a desempenhar nas instituições de ensino. Incentivadas a se dedicarem à educação,
mas com baixos salários, elas foram incorporadas ao sistema de ensino para cuidar do ensino
fundamental e normal. Elas passaram a ter uma escolha a mais em um destino marcado
pela submissão à figura masculina. Para a maioria das mulheres, o destino era casar, serem
operárias, trabalhadoras agrícolas, lavadeiras ou parteiras.
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM

166 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Com a proclamação do regime republicano, a Igreja Católica deixou de ser agregada ao
Estado. Na Constituição, o poder público se tornava laico e as instituições públicas e católicas
foram separadas. Esta medida tirou a educação em massa da Igreja e transferiu ao estado a
responsabilidade de gerir a instrução.

O discurso de importância da educação para a formação do brasileiro deveria se estender à


primeira idade. Desta forma, foram criados os primeiros “jardins da infância”. Nome dado aos
estabelecimentos de ensino que deveriam iniciar a instrução à primeira idade. Em 1895, surge
o primeiro Centro de Educação Infantil. As crianças permaneciam até os sete anos em casa.
Depois começavam sua vida na escola.

Mas a educação infantil não atingiu a todos os brasileiros. As fábricas que se multiplicaram na
Primeira República arregimentavam um grande número de crianças para o trabalho operário.
Principalmente durante e após a Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918), foi necessária a política
de substituição de bens importados. Associado ao número de trabalhadores assalariados no
país, o mercado interno brasileiro aumentou a demanda de bens de consumo.

Longas jornadas de trabalho, algumas de 10 a 12 horas, mulheres e crianças eram exploradas


de forma violenta nas indústrias de cerâmica, têxtil ou de alimentos. Os poderes públicos
municipais e estaduais, aproveitando-se da autonomia prevista na Constituição, criaram
mecanismos que facilitaram o uso do trabalho feminino e infantil com remunerações menores
que a dos homens79.

As primeiras organizações operárias tentaram remediar, inicialmente, este tipo de prática


sustentando escolas para os filhos dos trabalhadores, as quais eram mantidas por associações
dos trabalhadores. Posteriormente, com o advento dos primeiros sindicatos, se mantiveram
escolas e a luta para romper com o trabalho infantil se iniciou.
79
Em cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo, os dois principais centros industriais brasileiros do período, os
governos municipais compactuaram com a exploração do trabalho infantil. Mesmo existindo leis que proibiam
esse tipo de prática, os fiscais do poder municipal visitavam as fábricas no horário comercial. Contudo, as
crianças entravam para cumprir a jornada de trabalho a noite e varavam a madrugada nas linhas de produção.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 167


O discurso nacional e a Escola Nova

A humanização da educação e a proposta de uma escola que desenvolvesse o conhecimento


a partir das condições biológicas e psíquicas dos alunos chegaram ao Brasil no início dos anos
de 1920. Essa nova forma de pensar a educação e a realidade do aprendiz fez parte de uma
tendência nacionalista, que veio com um discurso modernizador que viria a promover o projeto
político da Era Vargas (1930 a 1945).

Podemos considerar que o Brasil estava descobrindo o “Brasil”. Mas não seria uma descoberta
fundada na pesquisa e no autoconhecimento dos brasileiros por si. O Estado teria a batuta dos
conteúdos que poderiam ser conhecidos e os maquiaria para justificar sua autoridade.

Após uma série de movimentos culturais conhecidos como “Modernismo”, a Semana de Arte
Moderna (1922)80 foi o grande exemplo, a produção literária e a intelectualidade brasileira tinha
expoentes dedicados ao sonho de uma nação do futuro. O desejo de construir uma nação para
o futuro viria, infelizmente, pelo intervencionismo do Estado.

O que pronunciou a autoridade estatal sobre a vida social foi o Movimento Tenentista. Jovens
oficiais se organizaram para a defesa do que consideravam o bem público maior, a pátria.
Mas seu conceito de valor patriótico vestia “verde oliva”, nome que acabou sendo dado ao
Clube fundado pelos “tenentes”. Hermes da Fonseca, marechal que já tinha sido presidente da
república, foi o presidente honorário da associação dos jovens militares.

Levantes militares marcaram os anos de 1922 a 1926. O primeiro no Rio de Janeiro, depois em
São Paulo e no Rio Grande do Sul. E, por fim, desembocou na Coluna Preste, uma tentativa
de derrubar o governo de Arthur Bernardes, mas que naufragou. O descontentamento

80
A Semana de Arte Moderna buscava o resgate da brasilidade, ou pelos menos entender suas origens. Em
diversos campos da cultura, literatura, artes plásticas, música, autores e artistas se destacaram. Parte
considerável desses símbolos da cultura do país integrou o aporte da intelectualidade do período varguista
(1930 a 1945). Como, por exemplo, Carlos Drummond de Andrade, Oswald de Andrade, Heitor Villa-Lobos,
Cecília Meireles e Cândido Portinari.

168 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


generalizou-se entre as corporações militares, intelectualidade, grupos econômicos e, por fim,
contou com a adesão inócua de instituições populares81.

EIS QUE GETÚLIO SE ESTABELECE: O MODELO IMPOSTO

Um dos personagens de maior importância da modernização da educação brasileira foi Anísio


Teixeira. O advogado, intelectual baiano, assumiu diversos cargos no poder executivo, tanto na
Bahia como no Rio de Janeiro. Além do Governo Federal.

Anísio Teixeira se destaca pela preocupação com a integração da educação no país. Unir o
destino do brasileiro na escola pública à universidade. Promover condições para que todos
tivessem acesso à instrução, que, para Teixeira, era a forma de conter o atraso do país.

A democratização do conhecimento também era uma preocupação do educador baiano. Foi


dele a fundação do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador, que daria modelo aos
atuais CIAC (Centro Integrado de Atendimento à Criança), criado em 1991, durante o governo
de Fernando Collor de Melo.

O nacionalismo defendido por Anísio Teixeira se traduziu em uma tendência da política


educacional no país no momento em que os movimentos sociais se articulavam para implantar
mudanças contra as oligarquias regionais e a desigualdade latente do projeto econômico
brasileiro.

O Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (1932) declara abertamente a educação para todos
e como uma obrigação do estado, afirmando a defesa do interesse de formar a população para
superar a desigualdade instalada no país, uma herança do seu passado.

Sempre bom lembrar que a grande maioria da população não esteve presente nessas ações. Distante, o povo
81

assistiu aos desdobramentos dos fatos tentando sobreviver em condição de miséria. O desconhecimento das
relações de poder e a ausência de mecanismos políticos em que se fizesse ouvir condenavam os populares à
margem de toda a ação social de relevância dentro do estado. Tanto como massa de manobra, mas sempre no
centro dos discursos, o povo se constituía como um vazio na teoria e um excedente de uma realidade imutável.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 169


A Escola Nova passou a ter a simpatia dos governos desenvolvimentistas e nacionalistas
que se estabeleceram após a “Revolução de 30”. O projeto de crescimento econômico foi
inspirador para incentivar a educação nacional como um dos mecanismos para tirar o país do
atraso. Contudo, não ocorreu como o “planejado”.

O desenvolvimento do capital industrial e a regulação do estado sobre as atividades econômicas


e sociais necessitaram de uma política de cunho nacionalista e com o sentimento de assistência
do poder público na vida do cidadão. Era preciso proliferar as instituições públicas e promover
a assistência à população para garantir a autoridade do estado em todos os cantos do país.

A escola seria fundamental na formação do ideário brasileiro, na construção de um sentido


patriótico que tivesse no líder, o presidente da república, a personificação do país. Não foi
por acaso que a história de Getúlio Vargas ganhou nas cartilhas do DIP (Departamento de
Imprensa e Propaganda) destaque. No dia do aniversário do ditador, 19 de abril, crianças
prestavam homenagem a Vargas. Assim como ele era personagem de inspiração para a
alfabetização de crianças. Um “bom” exemplo que, obrigatoriamente, deveria ser seguido.

A educação também tinha como prioridade a formação sintonizada com o mundo do trabalho.
Para isso, os cursos profissionalizantes passaram a ser uma das prioridades do Estado.
A reforma da educação promovida pelo então Ministro da Educação e Saúde, Gustavo
Capanema, priorizou essa meta.

Capanema foi ministro da Educação de 1934 a 1945. Ele foi o que mais tempo permaneceu
à frente do ministério e promoveu mudanças para estrutura da educação contemporânea no
país. Entre as suas realizações está a reforma que leva seu nome “Capanema”.

Por esta reforma, a educação deveria exaltar o civismo associado ao valor do trabalho e à
qualificação da sociedade em seus diferentes segmentos. Preparar o operário, mas também
qualificar as elites. As universidades deveriam estar preparadas para o desenvolvimento
da liderança com caráter patriótico. O trabalhador deveria ser qualificado e voltado a uma

170 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


especialidade em benefício do desenvolvimento do país82. Até mesmo as mulheres deveriam
receber uma educação adequada para a complementação da educação doméstica.

O discurso nacionalista teve um papel de destaque na reforma do ministro do Estado Novo.


Seu interesse era fortalecer a imagem do governo utilizando os meios educacionais para a
hegemonia do poder federativo. O presidente é o representante da pátria. O DIP, instrumento
de propaganda do governo Vargas, aliou-se a este interesse, como falamos anteriormente.

Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
A alfabetização de adultos passou, também, a ser preocupação do Estado Brasileiro. Era
preciso tirar uma grande leva de brasileiros da ignorância por meio das letras e prepará-los
para as atividades profissionais. A urbanização fortalecida pelo êxodo rural e a redução da
imigração europeia impunham a necessidade de preparação do elemento nacional.

Uma das realizações de Capanema, em sua reforma, foi a instituição do SENAI (Serviço Nacional de
82

Aprendizagem Industrial), criado pelo estado e hoje sobre o controle de instituições privadas do setor. O
interesse era preparar o trabalhador com o ensino técnico para a indústria brasileira, desenvolvendo habilidades
direcionadas para fins específicos do parque industrial em desenvolvimento no Brasil.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 171


A redemocratização populista e a educação popular

A queda do Estado Novo, em 1945, não significou uma mudança na política econômica do
país, já que a saída de Getúlio Vargas do poder manteve os grupos políticos, parcialmente,
que lhe deram suporte na esfera de comando do estado. Sempre é importante lembrar que
as classes populares eram afastadas dessa discussão. Os dados sobre a população eram
trabalhados por especialistas. Eles é que desenhariam a estratégia para resolver o problema
do analfabetismo, por exemplo.

O nome de destaque no contexto da alfabetização de adultos foi Paulo Freire. O educador


pernambucano que se dedicou à alfabetização das classes populares, acabou sendo
conhecido pelo trabalho com adultos. Seu destaque inicial foi ter alfabetizado em 45 dias, 300
adultos, em 1963. Seu método “revolucionário” ganhou fama.

Adaptado ao projeto nacionalista e desenvolvimentista do país, marcado pela necessidade de


superar o legado amargo do passado, enterrando os brasileiros no analfabetismo, Paulo Freire
era a possibilidade de encurtar o tempo para a qualificação necessária.

Formado em direito, nunca tendo exercido a profissão, preferiu trabalhar como professor de
língua portuguesa em Recife. Acabou sendo indicado para o cargo de Secretário de Estado da
Educação, Cultura e Serviço Social de Pernambuco (1946). Encontrava-se nessa oportunidade
a possibilidade prática de colocar seu método em funcionamento.

Quando recebeu apoio do governo federal, na presidência de João Goulart, com as Reformas
de Base83, para propagar seu método de ensino em todo o país, o Regime Militar (1964 a 1985)
se estabeleceu e foi abortada a iniciativa de Freire.

O Método Paulo Freire, como ficou conhecido, buscava alfabetizar a partir da realidade que
a pessoa vivia. O seu cotidiano e elementos de existência seriam a matéria-prima para a
orientação à ciência. Desta forma, considerava fundamental que a consciência fosse o

83
As Reformas de Base foi um amplo programa de reformas enviado pelo presidente da república ao Congresso
Nacional. O documento buscava uma nova orientação do país para diversos temas, como reforma agrária,
política de saúde pública, desenvolvimento econômico industrial e educação entre outros. O conteúdo da
proposta não foi recebido bem pelos setores conservadores da sociedade, os quais passaram a se organizar
contra os interesses de Goulart.
Tentando minar o poder do Congresso em debilitar seu mandato, o presidente da república incentivou o apoio
popular as suas medidas. Manifestações foram organizadas no país. A mais famosa foi a concentração da
população na Central do Brasil quando o presidente assinou em público as Reformas de Base.
172 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância
elemento de impulso para a aquisição do conhecimento formal. Para ele, a liberdade do ser
humano está ligada diretamente à capacidade de racionalizar a existência dentro da condição
que o cerca. Por isso, parte considerável de seus postulados metodológicos está ligada às
tendências de esquerda. Por isso, acabou sendo perseguido pelo Regime Militar84.

O REGIME MILITAR E A EDUCAÇÃO ABAIXO DE BOTAS

O Golpe Militar instalado no Brasil em 1964 foi um desdobramento da crise política que o país
vivia desde final da Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945). O desenvolvimentismo como uma
política de crescimento econômico permitiu a transformação da educação como elemento de
profissionalização, o aumento do capital estrangeiro no país modernizou a economia, mas
aprofundou as diferenças regionais.

O analfabetismo e qualificação do trabalhador continuavam como prioridade, mas distante de


ser atingida rapidamente. Neste contexto, o Método Paulo Freire foi um importante avanço,
mas colocava uma ameaça, a conscientização dos trabalhadores aliada à alfabetização. A
educação não podia libertar os cidadãos das classes populares, a massa sem instrução não
poderia questionar as formas de dominação que já existiam no país havia séculos.

Na luta pelo poder, o presidente João Goulart (1961 a 1964) buscou na população o apoio que
não conseguia no Congresso Nacional. Entre os meios para atingir o poder, o presidente lançou

84
Mesmo tendo sido perseguido pelo Regime Militar e tendo sido preso e depois exilado, na Bolívia primeiramente,
o educador brasileiro passou a frequentar importantes instituições de ensino internacionais. Acabou sendo
convidado como professor visitante em Harvard, atuou também em órgãos da ONU (Organização das Nações
Unidas) e nos países de língua portuguesa. Em 1971, publicou sua mais importante obra, “Pedagogia do
Oprimido”. O livro foi publicado em diversas línguas, mas no Brasil, por causa do regime militar, só foi publicado
em 1974.
Freire voltou ao país com a anistia, em 1979. A partir daí passou a trabalhar na busca de implantar seu método.
Filiou-se ao PT (Partido dos Trabalhadores) e desenhou a estratégia educacional do partido. Em prefeituras
onde a administração petista está presente, o método ganha destaque, mesmo em administrações municipais
orientadas por outras tendências partidárias.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 173


as Reformas de Base. O que gerou o ambiente para a ação dos militares, apoiados nos grupos
econômicos dominantes, aliados ao capital multinacional e a classe média conservadora.

Em primeiro de abril de 1964, uma junta militar tomou o poder e o entregou ao General Castelo
Branco.

No regime dominado pelos generais, o domínio sobre as instituições educacionais foi constante,
impedindo que se colocasse contra os interesses do estado uma camada social crítica, uma
vez que era dentro dessas instituições que estavam expressões da intelectualidade que
discordavam das ações do regime.

A construção de uma política centralizadora implicava em anular os meios em que a educação


se tornava um mecanismo representativo. Dessa forma, interferir nas instituições de ensino
e reprimir as manifestações representativas seria fundamental. E o regime militar fez isso.
Uma das primeiras medidas foi o Decreto Lei 477. Por ele, o regime militar fechou os centros
acadêmicos, prendeu professores e fechou instituições.

O regime, de forte caráter tecnicista, ampliou o número de universidades no país, ao mesmo


tempo em que implantou o vestibular. A justificativa era permitir que um maior número de
alunos ingressasse nas instituições superiores, mas selecionar a vaga por desempenho em
uma prova de conhecimento. Os cursinhos pré-vestibulares se proliferaram.

Na base da pirâmide, a Ditadura Militar negou e reafirmou, contraditoriamente, o processo de


alfabetização de adultos. Se Paulo Freire, o educador das Reformas de Base, foi expurgado
do país, seu método serviu como base para a implantação do MOBRAL (Movimento Brasileiro
de Alfabetização). Um ato, no mínimo, contraditório.

Mas a experiência de alfabetização dos militares não foi bem-sucedida. Impregnado por
corrupção e falta de uma ação mais eficaz para fazer executar o plano de alfabetização
nacional, a proposta minguou.

174 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Na interferência dos conteúdos, o regime substitui disciplinas humanistas como História e
Geografia e introduziu Estudos Sociais e Educação Moral e Cívica – esta desdobrada nos
demais anos de ensino como OSPB (Ordem Social Política Brasileira) e EPB (Estudo de
Problemas Brasileiros).

Nas escolas de ensino médio, chamados de Colegial, se implantou o ensino técnico e


profissionalizante. As escolas públicas se dedicaram à formação média associada a uma
profissão técnica, a qual já havia sido prioridade dos regimes que antecederam a ditadura.

As duas medidas mais significativas do regime foram a implantação das Leis 4.024 e 5.692. A
primeira deu ao regime condições de interferência direta nas instituições de ensino, a segunda
implantou as diretrizes e bases da educação, em 1971. Ironicamente foi a primeira LDB
nacional, implantada por um regime autoritário.

Dentro de uma diretriz ideológica, sintonizada com o contexto mundial, a educação proposta
pelos militares teve uma carga ideológica anticomunista. O que fez do regime, de certa forma,
“uma caça às bruxas”, ironicamente a educação seria, para os generais, o caldeirão dos ideais
de esquerda.

Como ocorre em toda ditadura, a busca pela perpetuação desgasta a sociedade. O autoritarismo
excessivo fez com que setores que apoiaram o regime inicialmente começassem a declinar e
engrossar a oposição aos militares.

A economia mundial ampliou o descontentamento, principalmente após a crise mundial do


petróleo (1973). A crise mundial restringiu o crédito internacional e encerrou a sequência de
crescimento a que o país assistia desde 1969, o que foi chamado de “milagre econômico”.

A falta de recursos por parte do Governo Federal fez com que se paralisassem obras de
grande envergadura que davam sentido ao regime e propunham a construção de uma potência
econômica no futuro. Discurso que predominou em diversos governos, como um ideário a ser
cumprido, mas que nunca se realizou.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 175


A partir de 1974, com a eleição de Ernesto Geisel, o penúltimo presidente do regime militar,
inicia-se um processo de abertura, lento e gradual. Contanto, com retrocessos no caminho
da liberdade política. O encerramento deste processo se deu durante o governo João Batista
Figueiredo (1979 a 1985) e foi nele que se anistiaram os exilados políticos em 1979.

A transição para uma democracia se mostrou conservadora. Apesar do movimento pelas


“Diretas Já”, que desejava implantar eleições ainda em 1984 para a escolha de um presidente
da república, o governo, de forma habilidosa, retardou a escolha pelo voto e promoveu as
eleições indiretas por meio do congresso. Em 1985, Tancredo Neves foi eleito para a sucessão
presidencial, com José Sarney como vice.

Sarney assumiria o governo após a morte de Tancredo, enfermo e afastado do poder. A posse
de eleito foi simbólica, feita pelo seu vice. O titular jamais saiu de hospitais onde foi tratado até
a morte, em abril de 1985.

A posse de José Sarney fazia da transição um processo extremamente conservador. Ele


havia sido representante da ditadura militar no Congresso e fiel aos interesses dos militares.
Sua dissidência era imediatista e sua presidência uma fatalidade para quem desejava uma
democracia que reiniciasse com mais originalidade histórica.

Em 1988, ficou pronta a Constituição do país que coroava a reabertura política e a defesa
da democracia. Para a educação, as verbas foram estabelecidas em porcentagens acima do
que o governo militar designava – União deveria investir 18%, estados-membros 25% – o que
acabou não se realizando na prática, com manipulações de recursos para outros fins, tirados
da educação.

Em 1996, a nova LDB (Leis de Diretrizes e Bases da Educação) é aprovada. Nela, a educação
infantil é incluída como parte do processo educacional e obrigatória sua oferta pelo estado.
São as novas formas de organização do ensino fundamental. A educação média também é
reformulada, assim como, o ensino superior85.

A educação superior passa a ter sua organização curricular fundada no regime seriado, substituindo o regime
85

de crédito. Buscava-se com isso a integração da educação universitária e lhe dar autonomia na organização
dos currículos. O ensino de EPB é abolido e as disciplinas de Geografia e História retornaram ao ensino médio
e fundamental.

176 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


A proliferação das instituições privadas de ensino superior foi também uma marca da educação
brasileira nos últimos 15 anos. Com um número cada vez maior de cursos ofertados, o país
viveu uma procura imensa pelas cadeiras universitárias, as quais agora apresentam ociosidade.

O número de alunos que abandonam o ensino superior após o primeiro ano chega a 20%. Um
desperdício que também chega às instituições públicas de ensino. Associada a isso, a qualida-
de da educação superior, média e fundamental se torna uma ameaça no país. Investiu-se em
quantidade, mas a qualidade é cada vez mais duvidosa.

Diante da necessidade de garantir qualidade às instituições educacionais, o governo federal


implantou o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), que vem acompanhado da implantação
do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e da Prova Brasil. A maioria destes
sistemas de avaliação ocorre desde 1998 e foram complementados nos anos seguintes.

Outro grande avanço na educação nacional foi o ProUni, instituído pelo governo do presidente
Lula, ele permite o financiamento do ensino superior em universidades privadas, mas
condicionado as notas do ENEM e com comprovação de carência de recursos por parte do
candidato.

Outros temas têm tomado a educação no país, como a inclusão na escola. A polêmica sobre
as cotas nas instituições de ensino superior, ou a educação de excepcionais nas escolas de
ensino fundamental e médio. A questão racial tem sido debatida nos conteúdos de história,
literatura e geografia. Além disso, há o desafio de incluir na educação 660 mil brasileiros entre
7 e 14 anos que ainda estão fora da escola.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 177


Amanda Cieglinski
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Apenas 35% das pessoas com ensino médio completo podem ser consideradas plenamente
alfabetizadas, e 38% dos brasileiros com formação superior têm nível insuficiente em leitura e escrita.
É o que apontam os resultados do Indicador do Alfabetismo Funcional (Inaf) 2011-2012, pesquisa
produzida pelo Instituto Paulo Montenegro e a organização não governamental Ação Educativa.
A pesquisa avalia, de forma amostral, por meio de entrevistas e um teste cognitivo, a capacidade de
leitura e compreensão de textos e outras tarefas básicas que dependem do domínio da leitura e es-
crita. A partir dos resultados, a população é dividida em quatro grupos: analfabetos, alfabetizados em
nível rudimentar, alfabetizados em nível básico e plenamente alfabetizados.
Os resultados da última edição do Inaf mostram que apenas 26% da população podem ser considera-
das plenamente alfabetizadas – mesmo patamar verificado em 2001, quando o indicador foi calculado
pela primeira vez. Os chamados analfabetos funcionais representam 27% e a maior parte (47%) da
população apresenta um nível de alfabetização básico.
“Os resultados evidenciam que o Brasil já avançou, principalmente nos níveis iniciais do alfabetismo, mas
não conseguiu progressos visíveis no alcance do pleno domínio de habilidades que são hoje condição
imprescindível para a inserção plena na sociedade letrada”, aponta o relatório do Inaf 2011-2012.
O estudo também indica que há uma relação entre o nível de alfabetização e a renda das famílias: à
medida que a renda cresce, a proporção de alfabetizados em nível rudimentar diminui. Na população
com renda familiar superior a cinco salários mínimos, 52% são considerados plenamente alfabetiza-
dos. Na outra ponta, entre as famílias que recebem até um salário por mês, apenas 8% atingem o
nível pleno de alfabetização.
De acordo com o estudo, a chegada dos mais pobres ao sistema de ensino não foi acompanhada dos
devidos investimentos para garantir as condições adequadas de aprendizagem. Com isso, apesar da
escolaridade média do brasileiro ter melhorado nos últimos anos, a inclusão no sistema de ensino não
representou melhora significativa nos níveis gerais de alfabetização da população.
“O esforço despendido pelos governos e também pela população de se manter por mais tempo na
escola básica e buscar o ensino superior não resulta nos ganhos de aprendizagem esperados. Novos
estratos sociais chegam às etapas educacionais mais elevadas, mas provavelmente não gozam de
condições adequadas para alcançarem os níveis mais altos de alfabetismo, que eram garantidos quan-
do esse nível de ensino era mais elitizado. A busca de uma nova qualidade para a educação escolar
em especial nos sistemas públicos de ensino deve ser concomitante ao esforço de ampliação de escala
no atendimento para que a escola garanta efetivamente o direito à aprendizagem”, resume o relatório.
A pesquisa envolveu 2 mil pessoas, de 15 a 64 anos, em todas as regiões do país.
Veja quais são os quatro níveis de alfabetização identificados pelo Inaf 2011-2012:
Analfabetos: não conseguem realizar nem mesmo tarefas simples que envolvem a leitura de palavras

178 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


e frases ainda que uma parcela destes consiga ler números familiares.
Alfabetizados em nível rudimentar: localizam uma informação explícita em textos curtos, leem e es-
crevem números usuais e realizam operações simples, como manusear dinheiro para o pagamento
de pequenas quantias.
Alfabetizados em nível básico: leem e compreendem textos de média extensão, localizam informações
mesmo com pequenas inferências, leem números na casa dos milhões, resolvem problemas envol-
vendo uma sequência simples de operações e têm noção de proporcionalidade.
Alfabetizados em nível pleno: leem textos mais longos, analisam e relacionam suas partes, comparam
e avaliam informações, distinguem fato de opinião, realizam inferências e sínteses. Resolvem pro-
blemas que exigem maior planejamento e controle, envolvendo percentuais, proporções e cálculo de
área, além de interpretar tabelas, mapas e gráficos.
Fonte: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-07-17/menos-de-30-dos-brasileiros-sao-plena-
mente-alfabetizados-diz-pesquisa>. Acesso em: 24 ago. 2012.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) aluno(a), há muito que fazer pela educação brasileira, isso é uma certeza. Ela tem
muitos descaminhos, muitas vezes fantasias. Propostas de uma educação que esbarram no
idealismo estão expressas nos planos educacionais de muitas instituições de ensino.
Não podemos condenar a busca de um ideal, mas temos que ter algumas necessidades
básicas cumpridas na formação do ser humano para libertá-lo de seus limites: a
instrução básica, o acesso à informação escrita e a capacidade de entendimento sobre
o que se lê.

Propostas de uma educação melhor que esbarram no idealismo de quem projeta os planos
educacionais e pouco sentido prático de um ser humano que precisa ser educado com
mecanismos básicos e fundamentais para sua formação

Outro tema constante dentro da “sala de aula” brasileira é a desigualdade que rege nossas
vidas e se expressa no desempenho dos educadores e dos educandos. As incontáveis
pesquisas feitas sobre o desempenho da escola brasileira e as inúmeras demonstrações do
fracasso da educação pública revelam sua incapacidade de emancipar o homem e lhe dar
o mínimo. A instrução debilitada expressa a miséria em que muitos vivem, mais pela falta de
qualidade humana do que de condições materiais. A primeira precede a segunda. A instrução
debilitada expressa o foco da miséria.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 179


As mudanças que ocorreram nos últimos 30 anos devem ser consideradas, não há dúvida,
mas o que ainda permanece uma incógnita é o futuro da instrução pública no país. Os exames
implantados pelo governo federal, como o Prova Brasil e o ENEM merecem elogios. Podem
não ser precisos em sua medida, mas mede o que nunca foi denunciado antes, precisamos de
qualidade, mais que de quantidade. É isso que esta unidade procurou apontar.

HILSDORF, Maria Lucia Spedo. História da Educação Brasileira. São Paulo: Thomson
Learning, 2007.

ROMANELLI, Otaiza de Oliveira. História da Educação no Brasil. Rio de Janeiro: Editora


Vozes, 2001.

180 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Um vídeo que resume a educação no Brasil. Simples, mas um bom resumo.
<http://www.youtube.com/watch?v=eTYWvbW8XPw>.

Um comentário de Arnaldo Jabor para apimentar o incentivo à educação no Brasil.


<http://www.youtube.com/watch?v=rxUikoH0D8I>.

Uma entrevista com o Reitor de Ciência e Tecnologia de São Paulo sobre ensino técnico.
<http://www.youtube.com/watch?v=qqs_nvcoG_w>.

Paulo Freire é um bom educador. Ele agora é o Patrono da Educação Brasileira. Eis uma crítica entre
tantos elogios.
<http://www.youtube.com/watch?v=30JorAfWCBg&feature=related>.

ATIVIDADE DE AUTOESTUDO

1. Nós analisamos que a educação no Brasil, desde a instalação do processo colonial no país,
expressa o interesse do estado na formação da sociedade. Ou seja, uma marginalização
da educação popular. Quais os fatores que levaram a essa prática por parte do estado em
relação à educação?

2. Getúlio Vargas governou o Brasil em dois momentos. O primeiro foi durante o período
entre o golpe de 1930, que se convencionou chamar de “Revolução de 30” e o golpe
que o derrubou do poder em 1945, a segunda fase entre 1951 e 1954, quando foi eleito
presidente da república. Em sua primeira fase, a educação foi assumida e implantada.
Mas há um interesse nessa política educacional. Como podemos relacioná-la com o
desenvolvimento industrial que o país viveu no mesmo período que Getúlio governou?

3. Os governos populistas (1945 a 1964), assim como os militares, que governaram o país
entre 1964 a 1985, defendiam a alfabetização de adultos, mas ela nunca conseguiu
eficiência. Ainda hoje, o país convive com um grande número de analfabetos funcionais.
Analise essa questão e aponte os principais fatores históricos que geraram essa
incapacidade de as políticas educacionais superarem o analfabetismo.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 181


CONCLUSÃO

Em toda esta jornada, caro(a) leitor(a) e aluno(a), eu só tenho agradecer. Espero que a proposta
feita no início desta obra tenha se concluído. Se não em sua totalidade, despertando, então,
seu interesse em buscar mais informações sobre a formação do pensamento ocidental e a
história da educação no Brasil.

Da mesma forma que confeccionar este trabalho foi fruto de um esforço que acarretou
mudanças no autor, espero que a leitura dele também tenha lhe modificado. Não teria sentido
me propor a trabalhar dois temas tão complexos, como a filosofia e a história da educação, se
ela não tiver um significado que reinterprete e desloque o nosso olhar para questões novas.

Quero apenas lembrá-lo(a) de que desde o início deste trabalho procurei trazer algumas
questões atuais a serem pensadas com os dilemas que nos acompanham há muito. Desde o
pensamento grego sobre o significado da vida, da verdade e da natureza, por exemplo, como
da educação em sua trajetória no Brasil.

O pensamento ocidental se notabilizou pelo aprimoramento da razão, pelo domínio da natureza


e pela superação dos limites do homem em dominar as leis que regem a natureza e sua
capacidade de organização. Hoje dominamos meios de comunicação, transporte, produção
etc, de forma brilhante e única. Crescemos enquanto um ser racional, mas essa razão não
tem sido cuidada e propagada como solução para nossa vida em sociedade. Diante do
desenvolvimento da ciência e da tecnologia que ela permite, estamos nos limitando.

A compreensão do mundo pela racionalidade, a capacidade de dar um sentido à existência


com profundidade, os legados culturais que gerações passadas produziram e precisam ser
repensados têm sido deixados de lado em detrimento do imediato. Do prazer niilista que
despreza tudo o que nos gerou e considera que não há nada a aprender com o passado. Ledo
engano, o passado nos condena ou absolve, nos dá uma medida de onde estamos indo, e
permite repensar que somos.

Quando analisamos a filosofia na antiguidade grega e romana percebemos que ela dá bases
ao pensamento medieval, escolástico; notamos o quanto a reinterpretação da filosofia grega
vai ser aprimorada no ocidente pelo ideário cristão, o ideário que incentivou a conquista do
homem ocidental usando a ciência que nasceu da complexidade que a filosofia representa.

182 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


Hoje a ciência e a filosofia estão desprendidas, costumam travar combates, mas é o filho que
se volta contra o seu progenitor por causa da maturidade. Os cientistas de nosso tempo estão
diante de um conhecimento complexo, com leis próprias e com um mar de descobertas por
ser navegado. A filosofia ficou para trás. Por isso, a emancipação da ciência em relação a ela.

Já a religiosidade é outro caso. O pensamento teológico cristão gerou alicerces para que a
filosofia promovesse sua capacidade de investigação que buscasse um significado universal
da existência e da relação do homem com a natureza, a qual por inúmeros pensadores foi
considerada o próprio Deus. Não teríamos chegado tão longe nas conquistas, no aprimoramento
da política e na conquista promovida pelo ocidente sem a influência do paradigma cristão.

O pensamento e conhecimento estão sempre lado a lado, assim como tudo o que eles são
capazes de produzir por meio da reflexão. Foi com esses elementos, aliados a outros, que
a economia capitalista conheceu o grau de sofisticação que apresenta nos dias de hoje.
Não seríamos nada sem o conhecimento científico, principalmente, sem a capacidade de
compreender este significado, o papel da filosofia.

Nós, brasileiros, estamos a todo o momento enfrentando números desfavoráveis sobre a nossa
produção científica, mais que isso, da nossa incapacidade de promover o crescimento do ser
humano e seu aprimoramento. A educação tem um papel central nessa questão. A história nos
dá uma importante resposta.

A produção da história da educação brasileira demonstra o quanto precisamos fazer mais


para divulgar a ciência e lhe dar o sentido necessário para mudar a condição de uma parte
considerável da população. Mas não acredito que isto dependa só da escola. Não concordo
com as “máximas” que costumam associar a educação ao “salvador da pátria”. Não podemos
esquecer que o consumo de bebidas alcoólicas aumenta na população feminina na proporção
em que frequentam a sala de aula86. Não é diferente para os segmentos da sociedade.

Para que a educação tenha um papel de importância na vida de cada um, ela tem que ter um
significado em nossa vida diária. Ir além da mera formalidade institucional. Ela tem que ser
todos os dias um meio de dar sentido as nossas ações. Por isso, a ciência tem que sair da sala
de aula, dos laboratórios escolares, tem que avançar sobre nossos dilemas e refazer nossa
imagem “rasa”, propagada muitas vezes pelos meios de comunicação.

86
Essa é a conclusão de um estudo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq - HC), publicado na
edição deste mês da revista científica Clinics.

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância 183


Hoje, mais do que em qualquer momento da história humana, a ciência faz muito por nós,
mas estamos distante de entender sua importância. O imediatismo tem tomado nossa
cultura de consumo. Nossa idolatria estética tem perdido a profundidade humana. Colhemos
a superficialidade de nossas relações com essa tendência. Não por acaso que na terceira
unidade deste trabalho, em sua parte final, analisamos a tendência da sociedade atual em
valorizar temas superficiais, eleitos como a preocupação coletiva.

Este trabalho, que chega agora a sua conclusão, será sempre um ponto de partida para uma
nova revisão. Uma necessidade constante de tudo o que se faz rever e buscar melhorar,
sempre, infinitamente. Espero que você também parte dele para mudanças, análises e o
supere. Supere-se sempre!

184 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância


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