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RESPONSABILIDADE SOCIAL E INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO:


ENTRE O DISCURSO E A EVIDENCIAÇÃO

SOCIAL RESPONSIBILITY AND PRIVATE SOCIAL INVESTMENT:


BETWEEN DISCOURSE AND DISCLOSURE

MARCO ANTONIO FIGUEIREDO MILANI FILHO


Professor Associado do Departamento de Contabilidade do Centro de Ciências Sociais Aplicadas e
Pesquisador do Núcleo de Estudos do Terceiro Setor da Universidade Presbiteriana Mackenzie
E-mail: mmilani@usp.br

RESUMO

Esta pesquisa objetivou investigar se as empresas que se declaram socialmente responsáveis divulgam informações
financeiras específicas sobre os recursos gastos em benefício público (investimento social privado) e, também,
verificar se há diferença significativa da dimensão desses gastos entre empresas cujos produtos estão associados a
externalidades negativas e as organizações participantes do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da Bolsa
de Valores de São Paulo (Bovespa). A amostra foi formada por 52 empresas, segregando-se em: 34 organizações
participantes do ISE e 18 empresas das indústrias de fumo, bebidas alcoólicas e armas. Os dados foram obtidos
dos relatórios anuais dos exercícios de 2005 e 2004, páginas eletrônicas e balanços sociais das respectivas empresas,
do banco de dados eletrônicos da Bovespa e, ainda, de questionários enviados aos gestores cujas empresas não
explicitavam, publicamente, seus projetos sociais. Os resultados apontaram que nem todas as organizações que
declaram realizar investimentos sociais evidenciam tal fato. Na amostra, 11,8% das entidades componentes do
ISE e 72,2% das organizações vinculadas a externalidades negativas, não divulgam informações financeiras sobre
o valor de gastos sociais, gerando dúvidas sobre a existência ou a dimensão dos investimentos à comunidade.
As duas únicas empresas de fumo (CTA Continental e Souza Cruz) que evidenciam informações, entretanto,
destacam-se por apresentarem média de investimentos sociais maiores do que a das empresas do ISE, indicando
que há incentivos específicos para tal comportamento.

Palavras-chaves: Responsabilidade social. Investimento social privado. Evidenciação. Externalidades negativas.

ABSTRACT

This study aims to investigate if companies that declare themselves socially responsible divulge specific financial
information on resources spent in public benefit (private social investment) and, also, if the dimension of these
expenses is significantly different between companies whose products are associated to negative externalities and the
organizations members of the Corporate Sustainability Index (CSI) of the São Paulo Stock Exchange (Bovespa). The
sample consisted of 52 companies, separated in: 34 CSI participant organizations and 18 companies from the tobacco,
alcoholic beverages and arms industries. The data were obtained from annual reports (fiscal years 2005 and 2004),
websites, social statements and the Bovespa electronic database. Questionnaires were sent to managers of companies
that did not disclose their social projects. Although most of the companies declare themselves socially responsible, the
results appointed that 11.8% of CSI companies and 72.2% of organizations associated with negative externalities do
not divulge financial information on social expenses, generating doubts about the existence or the dimension of their
investments in the community. Only two tobacco companies (CTA Continental and Souza Cruz) used to disclose social
information. They stand out because they present higher average levels of social investments than CSI companies,
suggesting that they have specific incentives for such behavior.

Keywords: Social responsibility. Private social investment. Disclosure. Negative externalities.

Recebido em 10.02.2007 • Aceito em 07.08.2007 • 2ª versão aceita em 17.08.2007


Artigo originalmente apresentado no 7º Congresso USP de Controladoria e Contabilidade, São Paulo-SP, 26 e 27 de julho de 2007.

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1 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, é crescente a quantidade de em- de práticas socialmente responsáveis poderia contribuir
presas que informam, publicamente, a adoção de práticas para a melhoria de percepção dessa imagem pelos públicos
socialmente responsáveis, ainda que não exista um con- envolvidos ou, ainda, internalizar, sob a ótica econômica,
senso acadêmico e empresarial sobre a conceituação e a parte das externalidades negativas.
abrangência de Responsabilidade Social. Basicamente, tais Ações voltadas à satisfação de necessidades do pú-
práticas direcionam-se aos públicos interno e externo da blico interno, como treinamento e benefícios a funcioná-
organização, buscando atender aos interesses e expecta- rios, convertem-se em investimentos no capital humano
tivas dos diferentes stakeholders. Essas práticas, ainda, se e tornam a empresa mais competitiva. Ações direcionadas
relacionam aos conceitos de sustentabilidade e governança a melhorar o relacionamento com determinados stakehol-
corporativa. ders externos, como fornecedores, favorecem a obtenção
Os proprietários das empresas (as quais são apenas de melhores condições de aquisição e de pagamento pelos
entidades legais) respondem, em última instância, pelo fatores produtivos, aumentando a competitividade da em-
desempenho da organização. Nesse sentido, a adoção de presa. O cumprimento de obrigações legais, como o pa-
práticas socialmente responsáveis liga-se aos interesses gamento de tributos, evita penalizações à empresa e aos
dos proprietários e insere-se no contexto estratégico em- seus gestores. O investimento em equipamentos de pro-
presarial de sobrevivência, rentabilidade e valor de mercado teção ambiental evita multas por danos ao meio-ambiente
da organização. e processos jurídicos de entidades ambientalistas. Todas
Considerando-se os problemas de agência existentes essas medidas estão diretamente relacionadas com a sus-
entre propriedade e controle, os proprietários definem tentabilidade da organização e, supostamente, contribuem
objetivos e estabelecem metas para os gerentes, além de para melhorar os resultados futuros e aumentar o valor de
acompanhá-los conforme os mecanismos disponíveis para mercado da empresa.
reduzir a assimetria informacional entre as partes. Estru- Para este estudo foram consideradas somente as ações
turas internas que propiciem instrumentos de governan- destinadas à comunidade para efeito comparativo entre
ça eficazes aumentam a confiança do investidor externo. as empresas, pois tais ações são mais facilmente segre-
Práticas socialmente responsáveis, então, podem reduzir gadas dos gastos operacionais das entidades e reflete um
a assimetria de informações entre investidores e gestores, aspecto fundamental na avaliação do investimento social
especialmente sob o enfoque da governança corporativa. privado (que tem como característica o benefício público).
Assumindo que empresas sustentáveis geram valor Não foram considerados elementos qualitativos para essa
para o acionista no longo prazo, pois, supostamente, estão comparação.
mais preparadas para enfrentar riscos econômicos, sociais A principal motivação desta pesquisa foi descobrir a
e ambientais, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) freqüência de empresas do ISE que se declaram socialmen-
lançou, em 2005, o índice de Sustentabilidade Empresa- te responsáveis e promovem ações diretas à comunidade.
rial (ISE), composto por empresas abertas, selecionadas Outra motivação foi verificar se os gastos em ações sociais
por possuírem práticas de Responsabilidade Social sob os das empresas produtoras de cigarro, bebidas alcoólicas e
seguintes enfoques: econômico-financeiro, social, ambien- armas são, proporcionalmente, maiores que os das empre-
tal, governança corporativa e natureza dos produtos. Para sas componentes do ISE (consideradas referências de com-
o biênio 2006/2007, a carteira do ISE é formada por 34 portamento socialmente responsável entre as empresas
empresas de diferentes setores. abertas).
Organizações relacionadas a externalidades negativas, Espera-se que este trabalho exploratório contribua para
como as indústrias de cigarro, bebidas alcoólicas e armas, a discussão acadêmica sobre o tema, considerando a ca-
apesar de legalmente estabelecidas e autorizadas a comer- rência de pesquisas empíricas brasileiras sobre investimen-
cializarem bens e serviços sob controles específicos, são tos sociais privados. Procura-se, ainda, incentivar novos
motivos de discussão quando também se declaram social- estudos sobre a relação entre: gastos sociais de empresas,
mente responsáveis e divulgam manter padrões éticos de vantagem competitiva, externalidades negativas e susten-
comportamento com os públicos interno e externo. Com a tabilidade.
imagem institucional vinculada a custos sociais, a adoção

2 RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA – RSC

Desde a Revolução Industrial, o papel social das empre- Garriga e Mele (2004), Brown et al. (2006), entre muito
sas privadas vem sendo debatido nos meios acadêmicos, outros, levantaram diversas questões sobre esse papel e
empresariais e governamentais. Autores como Friedman sobre as responsabilidades inerentes às organizações.
(1962), McClaughry (1972), Hester (1973), Ramanathan O interesse empresarial em divulgar o comprometi-
(1976), Wood (1991), Waddock (2001), Fischer (2002), mento com práticas de responsabilidade Social Corporati-

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va (RSC) faz com que a quantidade de informações dispo- Brown et al. (2006), explorando os problemas de agên-
nibilizadas publicamente aumente gradativamente, como cia envolvidos nas decisões de se adotarem práticas de
demonstrado por Esrock e Leichty (1998), cuja pesquisa RSC, estimulam a reflexão sobre modelos de governança
apontou que 82% das grandes empresas americanas tra- corporativa capazes de aliar o objetivo de maximização da
tavam, explicitamente, de questões sobre responsabilidade riqueza dos acionistas com os interesses de gestores e ou-
social em seus relatórios anuais. tros stakeholders. Sob a perspectiva utilitarista, a promo-
Apesar da farta literatura existente, com indiscutível ção de práticas sociais podem favorecer os interesses de
predominância de autores estrangeiros, não houve uma gestores e membros do conselho de administração, além
consolidação sobre o conceito de RSC, mas há aspectos de contribuir com a melhoria da percepção da imagem ins-
genéricos que delineiam o seu significado. titucional da empresa. O aumento no valor da empresa de-
Para o Instituto Ethos (2006), Responsabilidade Social correria da obtenção de vantagens competitivas.
Corporativa (ou Empresarial), integra o conjunto de interes- O trabalho de Brown et al. (2006) constatou, também,
ses das empresas e de seus stakeholders, além de fomentar que o volume das transferências diretas de recursos financei-
o desenvolvimento socioeconômico das comunidades do ros à comunidade depende do tamanho do conselho e das ca-
entorno. Para tanto, os tipos de relacionamento entre as racterísticas de concentração acionária existentes. Conselhos
partes envolvidas, formalizados contratualmente ou não, menores e uma quantidade reduzida de blocos de acionistas
expressarão a complexidade de interesses e expectativas tenderiam a ser mais receptivos às idéias de patrocínio de pro-
dos diferentes agentes e serão avaliados sob três dimen- jetos sociais e doações a entidades filantrópicas.
sões (Tripple Bottom Line): econômica, social e ambiental. Johns (2006), pesquisando as práticas de RSC de em-
As práticas socialmente responsáveis desenvolvem- presas fabricante de produtos nocivos à saúde, particular-
se, portanto, nos relacionamentos estabelecidos com os mente a indústria de tabaco, discute a situação paradoxal
stakeholders, dentro da cadeia de negócios das empresas, dessas empresas, que se declaram socialmente responsá-
de forma a gerar condições favoráveis para a sustentabili- veis apesar dos custos sociais gerados por seus produtos.
dade empresarial. Nesse sentido, o investimento social privado seria parte de
O caráter dinâmico da RSC faz com que se assemelhe a um conjunto de medidas estratégicas de marketing para
um processo ininterrupto de monitoramento do ambiente reduzir a rejeição popular à natureza do negócio e con-
e das relações e não se fixe, estaticamente, em grupos es- tribuir para influenciar os legisladores ante as leis e ações
pecíficos (BORGER, 2001; FISCHER, 2002). Esse dinamis- reguladoras contra o tabaco que afetariam negativamente
mo reflete o grau de adaptabilidade da empresa ante as seus resultados.
condições do próprio mercado.

3 DISCLOSURE SOCIAL

A complexidade da economia moderna ampliou os gru- recidos é conhecido como Disclosure Social (ANDERSON;
pos que têm interesses legítimos no desempenho das em- FRANKLE, 1980).
presas e, dessa maneira, exige-se que as informações divul- No Brasil, a maior parte das informações sobre as ati-
gadas por elas atendam a diferentes usuários, não somente vidades sociais das empresas é divulgada de maneira vo-
investidores (HENDRIKSEN; VAN BREDA, 1999). luntária, mas a simples divulgação de notícias em seus we-
Ramanathan (1976) foi um dos precursores a tratar, bsites sobre a existência de políticas e programas sociais,
sob a ótica contábil, a questão da Responsabilidade Social sem a evidenciação dos fatos, não comprova o comprome-
e a evidenciação dos impactos sociais gerados pelas em- timento nem dimensiona as ações sociais da organização
presas privadas. O autor levantou questões centrais para junto aos diferentes públicos.
um arcabouço teórico da Contabilidade Social corporativa Para favorecer a redução da assimetria informacional
(diferente do conceito em Economia que trata dos agre- entre a organização e seus stakeholders, alguns instru-
gados macroeconômicos) e estimulou o debate sobre as mentos de evidenciação e certificação são utilizados,
relações existentes entre empresa, mercado e comunidade. como: NBR 16001 (Associação Brasileira de Normas Téc-
Ainda que alguns pontos de sua proposta conceitual mere- nicas), GRI Sustainability Report (Global Reporting Initia-
cessem ser revistos (ver TIPGOS, 1977 e BURTON, 1977), tive), SA 8000 (Social Accountability Institute), AA 1000
outros podem ser considerados atuais e relevantes, como a (Institute of Social and Ethical Accountability), Indicadores
necessidade de mensuração, avaliação e comunicação dos de Responsabilidade Social (Instituto Ethos), além do Ba-
eventos relacionados a diferentes stakeholders, prestação lanço Social.
de contas (accountability) e a demonstração do valor eco- Ullmann (1985), após analisar diferentes pesquisas e
nômico agregado à sociedade. correlacionar o nível de disclosure voluntário das informa-
A divulgação pública de um conjunto de informações ções sociais com a postura estratégica da empresa, a força
sobre o envolvimento da empresa com a comunidade, fun- de pressão dos stakeholders e os desempenhos econômico
cionários, meio-ambiente e benefícios dos produtos ofe- e social, destaca as seguintes situações:

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• o desempenho social é positivamente correlaciona- não-financeiros e pautando-se pelas dimensões da Tripple


do com a força de pressão dos stakeholders; Bottom Line (econômica, social e ambiental).
• o desempenho social apresenta correlação indeter- Conforme afirma Santos (2003), o Balanço Social é
minada com desempenho econômico; elaborado sobre a base contábil de dados, demonstrando
• o disclosure social é positivamente correlacionado que a função social da Contabilidade extrapola a simples
com o desempenho social; prestação de informações aos proprietários e credores, re-
• o disclosure social apresenta correlação indetermi- presentando o elo de comunicação entre a entidade legal
nada com a postura estratégica. (empresa) e a sociedade que a envolve.

O trabalho de Ulhman (1985) sinaliza que o desem- 3.2 Investimento Social Privado - ISP
penho social da empresa é mais influenciado pela pressão Investimento Social Privado (ISP) é um conceito que
exercida por grupos de interesse do que pelo desempenho apresenta diferentes interpretações, mas é caracterizado,
econômico e, ainda, que o disclosure social esteja direta- basicamente, pela transferência voluntária de recursos de
mente relacionado com o desempenho social, ou seja, as empresas privadas para projetos sociais, ambientais e cul-
empresas aumentem a quantidade de informações divul- turais de interesse público.
gadas voluntariamente quanto mais favoráveis forem os Segundo Fischer et al. (2005), no Brasil, o ISP é ma-
resultados sociais. terializado em projetos sociais desenvolvidos a partir de
parcerias ou alianças entre o Segundo e o Terceiro Setor.
3.1 Balanço Social Sob essa perspectiva, as empresas direcionam recursos
O Balanço Social não é uma peça obrigatória, mas para organizações não-governamentais sem fins lucrativos
constitui-se num dos principais relatórios sobre as carac- para a promoção de determinada ação social.
terísticas da empresa e seu relacionamento com diferentes Já para o Grupo de Instituto, Fundações e Empresas (GIFE,
públicos, por isso é considerado relevante para a identifi- 2002), o ISP é caracterizado pelo direcionamento de recursos
cação e avaliação do envolvimento da organização com a privados de pessoas jurídicas ou físicas para projetos e ações
Responsabilidade Social. sociais, sem a necessidade de parceria ou alianças com orga-
Iudícibus et al. (2003) afirmam: nizações do Terceiro Setor, mas com o comprometimento de
“O Balanço Social tem por objetivo demonstrar se monitorarem e avaliarem os projetos desenvolvidos para
o resultado da interação da empresa com o meio em diferenciá-los de práticas assistencialistas. Nesse sentido,
que está inserida. Possui quatro vertentes: o Balan- espera-se que o investidor social se envolva com as ações e
ço Ambiental, o Balanço de Recursos Humanos, De- os resultados proporcionados à comunidade.
monstração do Valor Adicionado e Benefícios e Con- Outros autores, como Brown et al. (2006), adotam uma
tribuições à Sociedade em geral.” (IUDÍCIBUS et al., conceituação mais abrangente e consideram que o ISP englo-
2003, p. 33) ba, também, a transferência direta para entidades de assis-
tência social na forma de doações, sem o comprometimento
Para Tinoco (2001), Balanço Social é um instrumento explícito de monitoramento de resultados. O conjunto des-
gerencial que procura evidenciar, de forma transparente, sas práticas vincula-se ao termo Filantropia Corporativa.
informações sociais e econômicas do desempenho das O ISP, entretanto, não se confunde com os recentes
entidades aos diferentes usuários. projetos de Parceria Público-Privada (PPP), cujos contratos
Os principais modelos adotados pelas empresas bra- prevêem retorno financeiro às empresas pelos investimen-
sileiras para a elaboração do Balanço Social são disponibi- tos realizados em obras de interesse público.
lizados pelo Instituto Ethos e pelo Instituto Brasileiro de Contabilmente, investimentos e gastos possuem sig-
Análises Sociais e Econômicas (Ibase). Ambos os modelos nificados mais restritos do que sob a ótica de outras dis-
são estruturados para que as empresas divulguem informa- ciplinas acadêmicas. Para este trabalho, gasto social foi
ções relevantes sobre seus relacionamentos com os públi- utilizado como sinônimo de investimento social.
cos interno e externo, servindo-se de dados financeiros e

4 MÉTODO DA PESQUISA

O objetivo geral desta pesquisa exploratória foi o de dos investimentos sociais entre empresas com produtos
investigar se as empresas que se declaram socialmente res- associados a externalidades negativas e organizações par-
ponsáveis e financiadoras de projetos sociais divulgam in- ticipantes do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE)
formações financeiras específicas sobre os recursos gastos da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa).
em benefício público, evidenciando o investimento social A amostra foi composta pelas 34 empresas componen-
privado e contribuindo para reduzir a assimetria informa- tes do ISE e por 18 empresas representativas (participam,
cional entre a empresa e seus stakeholders. Procurou-se, em conjunto, com mais de 90% dos mercados em que atu-
ainda, verificar se há diferença significativa da dimensão am) das indústrias de fumo, bebidas alcoólicas e armas.

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Por uma questão de conveniência, as empresas de bebidas em que:


alcoólicas foram restringidas às produtoras de cerveja. As PGS = participação dos gastos com ações sociais direcio-
empresas pesquisadas e seus setores de atuação estão re- nados à comunidade;
lacionados nos Quadros 1 e 2 . GS = valor médio dos gastos sociais direcionados à comu-
Como métrica comparativa, utilizou-se a participação nidade nos exercícios de 2004 e 2005;
dos gastos em ações sociais no valor do resultado opera- RO = valor médio dos resultados operacionais da empresa
cional das empresas. obtidos nos exercícios de 2004 e 2005.
GS
PGS = (1) Optou-se por utilizar o resultado operacional como
RO denominador considerando-se que ele também é utilizado

Empresa Setor Empresa Setor


Dasa Análises e Diagnósticos Iochp-Maxion Material de Transporte

Perdigão Carnes e Derivados Aracruz Papel e Celulose

Celesc Energia Elétrica Suzano Papel Papel e Celulose

Cemig Energia Elétrica VCP Papel e Celulose

Coelce Energia Elétrica Braskem Petroquímicos

Copel Energia Elétrica Petrobras Petroquímicos

CPFL Energia Energia Elétrica Suzano Petr Petroquímicos

Eletropaulo Energia Elétrica Ultrapar Petroquímicos

Energias BR Energia Elétrica Natura Produtos de Uso Pessoal e Limpeza

Tractebel Energia Elétrica Localiza Serviços de locação

CCR Rodovias Exploração de Rodovias Acesita Siderurgia e Metalurgia

Bradesco Intermediação Financeira Arcelor Siderurgia e Metalurgia

Banco do Brasil Intermediação Financeira Gerdau Siderurgia e Metalurgia

Itaubanco Intermediação Financeira Gerdau Met Siderurgia e Metalurgia

Itausa Intermediação Financeira ALL Transporte Aéreo e Ferroviário

Unibanco Intermediação Financeira GOL Transporte Aéreo e Ferroviário

Embraer Aeroespacial TAM Transporte Aéreo e Ferroviário

Quadro 1 Empresas e setores - ISE

Fumo Bebidas (Cerveja) Armas e Munições


Alliance One Brasil Ambev Boito

Brasfumo Baden Baden CBC

CTA-Continental Cerpa Imbel

Intab Cintra Taurus

Philip Morris do Kaiser


Brasil
Schincariol
Souza Cruz

Sudamax

Universal Leaf

Quadro 2 Empresas e setores associados a externalidades negativas

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como base de referência nos modelos atuais de balanço para sua realização foram atendidas e sua aplicação é
social. mais flexível que o teste paramétrico de médias para duas
Os dados foram coletados nos relatórios anuais, we- amostras (STEVENSON, 1981). Para as demais compara-
bsites ou balanços sociais disponibilizados pelas empre- ções de dados com o grupo do ISE, utilizou-se o teste de
sas. Na ausência de informações públicas, as empresas significância de uma amostra, em que foram utilizados
foram contatadas através dos canais de comunicação como valores de referência as médias dos gastos sociais
eletrônica para atendimento ao consumidor ou ao in- das empresas dos setores de Fumo, Bebidas Alcoólicas e
vestidor e receberam uma carta de apresentação, por Armas.
correio eletrônico, com os objetivos da pesquisa e so- O programa estatístico utilizado para os cálculos foi o
licitando-lhes as informações necessárias para este es- SPSS 11.
tudo. Não foi objetivo desta pesquisa a divulgação isolada de
Para a comparação de médias entre o grupo com 34 dados das organizações pesquisadas, mas as empresas fo-
empresas do ISE e o grupo de 18 empresas associadas ram mencionadas quando necessário para esclarecimento
a externalidades negativas, optou-se pelo teste não-pa- de tópicos relacionados.
ramétrico de Mann-Whitney, uma vez que as condições

5 APRESENTAÇÃO DOS DADOS

5.1 Envolvimento com Práticas mento social da empresa. A realização de ações sociais,
de Responsabilidade Social portanto, deveria ser uma das práticas regulares das en-
A comunicação pública, pela empresa, de que há po- tidades para serem caracterizadas como socialmente res-
líticas e práticas relacionadas à Responsabilidade Social, ponsáveis.
supõe o envolvimento empresarial com a melhoria das re- A proporção de organizações que evidenciam, finan-
lações com seus stakeholders. Na Tabela 1 , é possível ceiramente, a promoção e o apoio de ações direcionadas à
verificar a proporção de entidades (agrupadas) que comu- comunidade é apresentada na Tabela 2 .
nicam possuir tal envolvimento, conforme seus relatórios O fato de não haver a evidenciação não exclui a pos-
anuais ou websites: sibilidade de que ações sociais sejam realizadas, mas uma
As organizações componentes do ISE e todas as em- vez que não são evidenciadas, pressupõe-se a inexistência
presas do setor de Fumo declaram seguir políticas ou pro- Gráfico 1 .
moverem ações relacionadas à Responsabilidade Social. Dentre as componentes do ISE, 11,8% (4 empresas)
Apenas 50% do grupo de 4 empresas produtoras de armas não informaram desenvolver projetos com a comunidade
(Imbel e Taurus), assim como 50% das 6 produtoras de ou transferir recursos para organizações do Terceiro Setor.
bebidas alcoólicas/cerveja (Ambev, Baden Baden e Schin- Contatadas pelos canais de atendimento ao consumidor
cariol), declaram-se envolvidas com práticas socialmente ou ao investidor, 2 gestores de empresas afirmaram apoiar
responsáveis. A Tabela 1 não mostra o grau de envolvimen- projetos sociais mas não souberam informar o gasto médio
to empresarial com as práticas de Responsabilidade Social, dessas ações, e as outras 2 empresas não colaboraram com
mas permite identificar as empresas que consideram rele- esta pesquisa.
vante essa divulgação. Apesar de 100% das produtoras de fumo declararem
em seus websites que atuam diretamente nas comuni-
5.2 Promoção de Ações Sociais dades relacionadas e apóiam projetos sociais, apenas
Considerando que, conceitualmente, Responsabili- 25% delas (CTA Continental e Souza Cruz) forneceram
dade Social implica no atendimento de necessidades dos evidências financeiras sobre o investimento social priva-
públicos interno e externo, atender somente a um desses do, ou seja, 75% das entidades analisadas desse setor
públicos torna parcial o envolvimento e o comprometi- divulgaram informações que desenvolvem projetos para

Tabela 1 Empresas que comunicam envolvimento com práticas de Responsabilidade Social

Grupos Empresas que comunicam Part. Empresas que não comunicam Part.
ISE 34 100,0% 0 0,0%

Fumo 8 100,0% 0 0,0%

Armas e Munições 2 50,0% 2 50,0%

Bebidas Alcoólicas (cerveja) 3 50,0% 3 50,0%

Fonte: Elaborada pelo autor

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Tabela 2 Evidenciação de Ações Sociais

Qtde de Com evidências Sem evidências


Setores Part. Part. Total
empresas de ações sociais de ações sociais
1 Aeroespacial 1 1 100,0% 0 0,0%

2 Análises e Diagnósticos 1 0 0,0% 1 100,0%

3 Carnes e Derivados 1 1 100,0% 0 0,0%

4 Energia Elétrica 8 8 100,0% 0 0,0%

5 Exploração de Rodovias 1 1 100,0% 0 0,0%

6 Intermediação Financeira 5 5 100,0% 0 0,0%

7 Material de Transporte 1 1 100,0% 0 0,0%

8 Papel e Celulose 3 3 100,0% 0 0,0%

9 Petroquímicos 4 4 100,0% 0 0,0%

10 Produtos de Uso Pessoal 1 1 100,0% 0 0,0%

11 Serviços de locação 1 0 0,0% 1 100,0%

12 Siderurgia e Metalurgia 4 3 75,0% 1 25,0%

13 Transporte Aéreo e Ferroviário 3 2 66,7% 1 33,3%


Total (1) 34 30 88,2% 4 11,8% 100%
1 Fumo 8 2 25,0% 6 75,0%

2 Bebidas Alcoólicas (cerveja) 6 2 33,3% 4 66,7%

3 Armas e Munições 4 1 25,0% 3 75,0%


Total (2) 18 5 27,8% 13 72,2% 100%

Fonte: Elaborada pelo autor

Evidenciação de ações sociais – Grupos

Fumo,
bebidas e 27,8% 72,2%
armas

ISE 88,2% 11,8%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

com evidências sem evidências


Gráfico 1 Evidenciação de Ações Sociais

a comunidade, mas não apresentaram evidências que empresas do setor de Bebidas Alcoólicas (Ambev e Schin-
permitam o devido dimensionamento dessas ações. As cariol) oferecem informações sobre a promoção de ações
6 entidades sem ações sociais evidenciadas foram conta- sociais.
tadas, mas nenhuma manifestou-se sobre a ausência de Na amostra, 27,8% do grupo das empresas de fumo,
informações. cerveja e armas evidenciaram ações sociais, ante 88,2%
Dentre as 4 empresas do setor de Armas, apenas uma das empresas do ISE.
(Imbel) promove e evidencia ações para a comunidade, es- Na Tabela 3 , são apresentadas as médias de gastos
pecificamente nas áreas de educação e assistência social. As sociais por setores no biênio 2004-2005.
outras 3 pesquisadas não disponibilizaram informações. A média de gastos entre as 30 empresas do ISE que eviden-
Também com baixa participação, apenas 33,3% das ciaram investimentos sociais no período, foi de 1,22% sobre

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Tabela 3 Divulgação de Ações Sociais - ISE

G.Sociais/Res.Op.
Setores/ISE Qtde de Empresas 2005 2004 média
Intermediação Financeira 5 2,35% 1,88% 2,12%

Petroquímicos 4 1,64% 1,49% 1,56%

Aeroespacial 1 1,55% 1,26% 1,40%

Energia Elétrica 8 1,20% 1,46% 1,33%

Produtos de Uso Pessoal 1 1,08% 1,08% 1,08%

Exploração de Rodovias 1 1,01% 1,01% 1,01%

Transporte Aéreo e Ferroviário 2 0,71% 1,30% 1,00%

Siderurgia e Metalurgia 3 0,49% 0,88% 0,69%

Papel e Celulose 3 0,36% 0,77% 0,56%

Material de Transporte 1 0,47% 0,30% 0,39%

Carnes e Derivados 1 0,44% 0,30% 0,37%


Total (empresas ISE com ações sociais) 30
Média (setores com ações sociais) 1,03% 1,06% 1,05%

Desvio padrão 0,63% 0,49% 0,54%


Média (30 empresas) 1,21% 1,24% 1,22%

Desvio padrão 1,42% 1,14% 1,23%


Análises e Diagnósticos 1 0,00% 0,00% 0,00%

Serviços de locação 1 0,00% 0,00% 0,00%

Siderurgia e Metalurgia 1 0,00% 0,00% 0,00%

Transporte Aéreo e Ferroviário 1 0,00% 0,00% 0,00%


Total (empresas ISE sem ações sociais) 4
Total ISE 34
Média (todos os setores) 0,75% 0,78% 0,77%

Desvio padrão 0,71% 0,64% 0,66%


Média (34 empresas) 1,07% 1,09% 1,08%

Desvio padrão 1,37% 1,12% 1,20%

Fonte: Elaborada pelo autor

o resultado operacional. Considerando-se as 4 empresas que nidade, as 2 entidades do setor de Fumo (CTA Continen-
não evidenciaram esse tipo de investimento, a média de gastos tal e Souza Cruz) destacaram-se com média de gastos de
por empresa foi de 1,08% sobre o resultado operacional. 2,61%, ante a média de 1,27% das produtoras de cerveja
O setor que mais investiu socialmente no período foi (Ambev e Schincariol). A Imbel, única representante do se-
o de Intermediação Financeira, com média de 2,12% por tor de Armas a evidenciar seus gastos sociais, apresentou
empresa. Os setores de Análise e Diagnóstico (represen- uma participação média de 0,29% sobre o resultado ope-
tado pela Dasa) e Serviços de Locação (representado pela racional.
Localiza) não apresentaram evidências financeiras de gas-
tos sociais. 5.3 Testes Comparativos
A Tabela 4 permite verificar que todos os setores 5.3.1 Comparação entre amostras
associados a externalidades negativas possuem empresas independentes: Grupo ISE X Grupo
que investem socialmente. A média de gastos sociais do Fumo, Bebidas e Armas
grupo formado pelos 3 setores (fumo, bebidas alcoólicas e Para a comparação do grupo formado pelas 34 empre-
armas) é de 0,69% sobre o resultado operacional. sas do ISE com o grupo de 18 empresas associadas a exter-
Dentre as empresas que evidenciaram ações à comu- nalidade negativas, utilizou-se o teste não-paramétrico de

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RESPONSABILIDADE SOCIAL E INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO: ENTRE O DISCURSO E A EVIDENCIAÇÃO 97

Tabela 4 Divulgação de Ações Sociais – Setores de Fumo, Bebidas Alcoólicas e Armas

G.Sociais/Res.Op.
Setores/ISE Qtde de Empresas 2005 2004 média
Fumo 2 3,10% 2,13% 2,61%

Bebidas Alcoólicas (cerveja) 2 1,18% 1,37% 1,27%

Armas e Munições 1 0,26% 0,31% 0,29%


Total (empresas com ações sociais) 5
Média (setores com ações sociais) 1,51% 1,27% 1,39%

Desvio padrão 1,45% 0,91% 1,17%


Média (5 empresas) 1,76% 1,46% 1,61%

Desvio padrão 1,55% 0,84% 1,18%


Fumo 6 0,00% 0,00% 0,00%

Bebidas Alcoólicas (cerveja) 4 0,00% 0,00% 0,00%

Armas e Munições 3 0,00% 0,00% 0,00%


Total (empresas sem ações sociais) 13
Total de empresas 18
Média (3 setores) 0,76% 0,63% 0,69%

Desvio padrão 1,23% 0,90% 1,06%


Média (18 empresas) 0,49% 0,41% 0,45%

Desvio padrão 1,11% 0,78% 0,94%

Mann-Whitney, com a hipótese nula (H0) de que os grupos


não possuem diferença significativa entre os gastos sociais
Descriptive Statistics Descriptive Statistics

N Mean Std. Deviation Minimum Maximum Mean Sum of


EXTERN N
EMPR 52 ,8607 1,14848 ,00 5,21 Rank Ranks
EMPR 0 34 31,38 1067,00
EXTERN 52 ,35 ,480 0 1
1 18 17,28 311,00

Total 52

Test Statisticsa

EMPR
Mann-Whitney U 140,000

Wilcoxon W 311,000

Z –3,250

Asymp. Sig. (2-tailed) ,001

a. Grouping Variable: EXTERN

médios. Os seguintes resultados foram obtidos:


Considerando o valor de significância, pode-se afirmar, com 5.3.2 Teste de Significância:
95% de confiança, que há diferenças significativas entre os Grupo ISE X média das Empresas
grupos analisados, rejeitando-se H0. Assim, os valores gastos do Setor de Fumo
em ações sociais pelo grupo das 18 empresas de fumo, bebidas Hipótese nula (H0): não há diferença significativa entre
alcoólicas (cerveja) e armas, proporcionalmente aos respectivos a média de gastos sociais do grupo ISE (34 empresas) e
resultados operacionais, são significativamente diferentes (nes- a média (0,65%) de gastos sociais do setor de Fumo (8
se caso, inferiores) aos valores do grupo das empresas do ISE.

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98 Marco Antonio Figueiredo Milani Filho

One-Sample Test

Test Value = 0.65


95% Confidence Interval
Mean
t df Sig. (2-tailed) of the Difference
Difference
Lower Upper
ISE_34 2,086 33 ,045 ,4298 ,0106 ,8489

empresas).
Conforme o resultado observado, pode-se afirmar, com 5.3.3 Teste de significância entre empresas
95% de confiança, de que há diferença significativa entre com ações sociais: ISE X Setor de Fumo
as médias comparadas, rejeitando-se H0. Assim, os valores Hipótese nula (H0): o valor médio dos gastos sociais
gastos em ações sociais pelo grupo ISE, proporcionalmente das 30 empresas do ISE que evidenciam ações à comuni-
aos respectivos resultados operacionais, são significativa- dade não difere, significativamente, da média (2,61%) dos
mente diferentes (nesse caso, superiores) aos valores do gastos sociais das 2 empresas do setor de Fumo que tam-
grupo de 8 empresas de fumo.
One-Sample Test

Test Value = 2.61


95% Confidence Interval
Mean
t df Sig. (2-tailed) of the Difference
Difference
Lower Upper
ISE_30 –6,283 29 ,000 –1,3863 –1,8375 –,9351

bém evidenciam seus gastos sociais.


Conforme observado, o resultado do teste permite afir- 5.3.4 Teste de Significância:
mar que há diferença significativa entre as médias, rejeitan- Grupo ISE X média das empresas
do-se H0. Os valores proporcionais gastos em ações sociais do Setor de Bebidas
pelas empresas do ISE são, significativamente, diferentes Hipótese nula (H0): a média de gastos sociais do gru-
(nesse caso, inferiores) da média das empresas do setor de po ISE (34 empresas) difere, significativamente, da média
Fumo (CTA Continental e Souza Cruz) que também evi-
denciam investimentos sociais.
One-Sample Test

Test Value = 0.4233


95% Confidence Interval
Mean
t df Sig. (2-tailed) of the Difference
Difference
Lower Upper
ISE_34 3,186 33 ,003 ,6565 ,2373 1,0756

(0,42%) das 6 empresas do setor de Bebidas.


Conforme o resultado observado, pode-se rejeitar 5.3.5 Teste de significância entre empresas
H0, com 95% de confiança. Assim, a média dos valores com ações sociais: ISE X Setor de Bebidas
gastos em ações sociais pelo grupo de 34 empresas do Hipótese nula (H0): o valor médio dos gastos sociais
ISE, proporcionalmente aos respectivos resultados ope- das 30 empresas do ISE que evidenciam ações à comunida-
racionais, são significativamente diferentes (nesse caso, de não difere, significativamente, do valor médio (1,27%)
superiores), aos valores do grupo das 6 empresas do setor dos gastos sociais das 2 empresas do setor de Bebidas que
de Bebidas.

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RESPONSABILIDADE SOCIAL E INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO: ENTRE O DISCURSO E A EVIDENCIAÇÃO 99

One-Sample Test

Test Value = 1.27


95% Confidence Interval
Mean
t df Sig. (2-tailed) of the Difference
Difference
Lower Upper
ISE_30 –,210 29 ,835 –,0463 –,4975 ,4049

também evidenciam ações sociais.


Conforme observado, o resultado do teste não permite 5.3.6 Teste de Significância:
afirmar que há diferença significativa entre a média do grupo Grupo ISE X média das empresas
ISE e o valor de referência, aceitando-se H0. Os valores pro- do Setor de Armas
porcionais gastos em ações sociais pelas empresas do setor Hipótese nula (H0): a média de gastos sociais do
de Bebidas (Ambev e Schincariol) não apresentam diferenças grupo ISE (34 empresas) não difere, significativamente,
significativas com a média das empresas do ISE que também da média (0,07%) das empresas do setor de Armas (4
evidenciam investimentos sociais à comunidade.
One-Sample Test

Test Value = 0.07


95% Confidence Interval
Mean
t df Sig. (2-tailed) of the Difference
Difference
Lower Upper
ISE_34 4,901 33 ,000 1,0098 ,5906 1,4289

empresas).
Conforme o nível de significância apresentado, pode- 5.3.7 Teste de significância entre empresas
se afirmar que há diferença significativa entre os valores com ações sociais: ISE X Setor de Armas
comparados, rejeitando-se H0. Assim, os valores gastos Hipótese nula (H0): o valor médio dos gastos sociais
em ações sociais pelo grupo das 34 empresas do ISE, pro- das 30 empresas do ISE que evidenciam ações à comunida-
porcionalmente aos respectivos resultados operacionais, de não difere, significativamente, do valor médio (0,29%)
são significativamente diferentes (nesse caso, superiores) da empresa do setor de Armas que também evidencia seus
à média das 4 empresas do grupo de armas.
One-Sample Test

Test Value = 0.29


95% Confidence Interval
Mean
t df Sig. (2-tailed) of the Difference
Difference
Lower Upper
ISE_30 4,232 29 ,000 ,9337 ,4825 1,3849

gastos sociais. rejeitando-se H0. Os valores proporcionais gastos em ações


Pode-se afirmar, conforme observado, que há diferença sociais pelas empresas do ISE são significativamente diferen-
significativa entre a média do grupo ISE e o valor de referência, tes (nesse caso, superiores) da média da empresa do setor

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100 Marco Antonio Figueiredo Milani Filho

6 CONCLUSÃO

Responsabilidade Social é um tema cada vez mais pre- nais, os testes não indicaram haver diferenças significativas
sente nos relatórios anuais e páginas eletrônicas das empre- com a média de gastos sociais de 30 empresas do ISE. O
sas no Brasil e envolve, basicamente, o aprimoramento das valor médio das ações sociais (0,29%) da Imbel (armas) foi
relações entre a organização e seus stakeholders de forma proporcionalmente menor que o de 30 empresas do ISE.
a criar condições favoráveis para o crescimento empresarial Examinando-se o fato de que os gastos em ações
sustentável e contribuir para o desenvolvimento sob os en- sociais das empresas de fumo (CTA Continental e Souza
foques sociais e ambientais. Nem todas as empresas que se Cruz) foram, proporcionalmente, maiores que a média das
declaram socialmente responsáveis, entretanto, apresentam empresas do ISE, supõe-se a existência de incentivos espe-
evidências da dimensão financeira de seus esforços nesse cíficos para tal comportamento e sugere-se a validade da
sentido. Nesta pesquisa, constatou-se que 100% das 34 afirmação de Johns (2005), a qual vincula o investimento
empresas do ISE declaram-se socialmente responsáveis, mas social dessas empresas como parte de um conjunto de me-
11,8% delas não apresentam evidências financeiras sobre didas estratégicas de marketing. Não foi objeto deste estu-
investimentos sociais realizados no biênio 2004-2005. do verificar se as empresas de tabaco que não evidenciam
As empresas associadas a externalidades negativas pos- ações sociais assumem um comportamento oportunista
suem, em seu conjunto, relevante participação de mercado denominado free-rider (efeito carona).
(participação total de mercado superior a 90% nos setores Por outro lado, o baixo valor investido socialmente pe-
de Fumo, Bebidas Alcoólicas/Cerveja e Armas) e verificou- las produtoras de armas indica não haver os mesmos estí-
se que 100% das 8 organizações do setor de Fumo, 50% mulos da indústria do fumo. Baseando-se na pesquisa de
das 6 produtoras de cerveja e 50% das 4 empresas do setor Ullmann (1985), pode-se supor que as empresas que não
de Armas declaram estar comprometidas com práticas de evidenciam ações sociais não sofrem pressões de grupos de
responsabilidade Social, mas somente as seguintes entida- interesse e/ou não apresentam desempenho social satisfa-
des evidenciaram investimentos sociais: CTA Continental tório, fazendo com o nível de divulgação das informações
e Souza Cruz (fumo); Ambev e Schincariol (bebidas alcoó- sociais (disclosure social) também seja baixo.
licas) e Imbel (armas). Considerando-se que, dentre as práticas de Responsa-
O valor médio de gastos sociais das empresas do ISE bilidade Social destacam-se as ações direcionadas à comu-
foi de 1,08% sobre os respectivos resultados operacionais. nidade, pode-se questionar a pertinência de se classificar
Destacam-se as entidades do setor de Intermediação Fi- empresas como socialmente responsáveis quando essas
nanceira com a maior média (2,12%), seguidas pelas orga- não evidenciam investimentos sociais. Isso não significa,
nizações do setor de Petroquímicos (1,56%). necessariamente, que devido ao fato de não haver mensu-
Os investimentos sociais das 18 empresas (fumo, be- ração e divulgação de ações sociais a empresa não possua
bidas alcoólicas e armas) apresentaram um valor médio políticas e práticas nesse sentido. Porém, quando as orga-
de 0,45%, significativamente menor que a média obtida nizações apresentam reduzidos níveis de disclosure social,
pelo grupo do ISE. Todavia, ao se compararem, somente, gera-se assimetria informacional entre a empresa e suas
os dados das empresas que evidenciaram ações sociais, há diferentes partes relacionadas, colocando-se em dúvida o
diferenças relevantes nos resultados. grau de comprometimento social corporativo.
O valor médio (2,61%) das empresas do setor de Fumo Para futuras pesquisas, sugere-se explorar o grau de
que evidenciaram investimentos sociais (CTA Continental investimento social privado entre empresas cujos produ-
e Souza Cruz) é superior, significativamente, ao valor de tos são, predominantemente, exportados e aquelas cujo
1,22% das 30 empresas do ISE que também dimensiona- mercado consumidor é nacional, para se verificar a suposi-
ram seus gastos sociais. Com relação às empresas de cer- ção de que quanto menor o envolvimento com o mercado
veja (Ambev e Schincariol), que apresentaram uma média local, menor será o investimento social empresarial.
de gastos sociais de 1,27% sobre os resultados operacio-

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RESPONSABILIDADE SOCIAL E INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO: ENTRE O DISCURSO E A EVIDENCIAÇÃO 101

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NOTA – Endereço dos autores


Universidade Presbiteriana Mackenzie
NETS - Núcleo de Estudos do Terceiro Setor
R. da Consolação, 900
Ed. Modesto Carvalhosa - 6º andar - sala 602
São Paulo – SP
01302-907

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