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CONSIDERAÇÕES SOBRE O AMOR NA ADOLESCÊNCIA: A EXPERIÊNCIA NO PROADOLESCER

Joyce de Paula e Silva


(Mestre em Saúde Mental e Psicanálise pela UERJ, Professora assistente II no curso de
Psicologia da USS, Supervisora de estágio específico em Psicanálise com crianças e
adolescentes da USS. Pesquisadora do Proadolescer IPUB/UFRJ.

Christianne Dutra Alves Pereira


(Especialista em Saúde Mental da Infância e Adolescência pelo IPUB/UFRJ.
Pesquisadora do Proadolescer IPUB/UFRJ).

A adolescência é uma categoria estabelecida pela sociedade ocidental moderna


no fim do século XVIII. Diferente da puberdade, que é o termo que se refere às
transformações corporais dessa fase, a noção de adolescência só pôde ser concebida
quando o mundo infantil e o mundo adulto passaram a ser vistos como espaços
separados, o que não acontecia na Idade Média. O adolescente passou a ser, na
modernidade, aquele que precisa atravessar de um mundo ao outro, sem pertencer a
nenhum dos dois. Nem criança nem adulto, nem dentro nem fora da família, o
adolescente passou a constituir um mundo à parte.
A adolescência também é marcada, muitas vezes, por um descompasso entre as
modificações corporais e os processos psíquicos. Nessa fase de perdas e rupturas, o
adolescente precisa elaborar os lutos da infância: o luto do corpo infantil e o luto dos
pais da infância. O corpo familiar da primeira infância é perdido e em seu lugar aparece
um mal-estar em relação ao novo corpo, visto agora como estranho. É sob o olhar do
outro que o corpo adolescente muda de estatuto e de valor, perdendo a exclusividade do
olhar dos pais. A genitalidade passa a ocupar uma posição dominante para o sujeito e a
estruturação da imagem corporal é posta à prova através das transformações impostas
pela puberdade.
Freud utiliza a palavra puberdade para falar do momento "onde operam-se
mudanças destinadas a dar à vida sexual infantil sua forma final normal" (1905, p.213),
mudanças estas decorrentes do crescimento manifesto dos órgãos genitais externos. A
puberdade marca um período de transformações que se inicia com as mudanças físicas e
se estende até a eleição do objeto sexual. É nesta fase que há o encontro do adolescente
com o sexo, ou seja, com as questões sobre a assunção de um posicionamento na
separação dos sexos. É na passagem do corpo infantil não sexuado, inicialmente preso à
problemática de ser o falo da mãe, ao corpo sexuado que se dá a saída do Édipo.
É na adolescência que os modelos identificatórios infantis começam a se
afrouxar. Ao crescer, a criança vai sendo capaz de perceber aos poucos a fragilidade dos
pais, constatando que eles não são tão mágicos, perfeitos e poderosos quanto antes
achava. O reconhecimento da castração do Outro remete o adolescente ao desamparo
fundamental, exigindo um grande trabalho de elaboração. Assim, o adolescente tem a
possibilidade de se voltar para o mundo externo e encontrar seu próprio jeito, sua
própria identidade. Desinvestindo as figuras edípicas, o adolescente investirá em novos
objetos sexuais. O trânsito entre alienação e separação é constante e nesta época é
bastante evidente nos comportamentos dos adolescentes. Para se exercer como um
sujeito desejante é preciso poder se separar. Essa tarefa não é fácil, mas necessária para
o atravessamento da adolescência e escolha de um objeto amoroso.
Na busca do adolescente por sua identidade e independência, o luto dos pais da
infância torna-se essencial. Segundo Freud, “o afeto de uma criança por seus pais é sem
dúvida o traço infantil mais importante que, após revivido na puberdade, indica o
caminho para sua escolha de um objeto (...)” (1905, p.235). O corpo púbere já estaria,
pelo menos fisicamente, preparado para a relação sexual. Segundo Sonia Alberti (2004),
além do encontro com o sexo no que diz respeito à relação sexual propriamente dita, a
adolescência implica um encontro com as questões sobre a exigência de um
posicionamento na partilha dos sexos.
O final da infância é marcado pela definitiva incorporação dos pais idealizados.
Os pais são os primeiros objetos de amor da criança, deixando uma espécie de herança
emocional para relacionamentos posteriores. Quanto maior a herança dos pais, com suas
referências primárias, mais fácil para o adolescente realizar suas escolhas e tomar suas
decisões. Segundo Alberti, “só é possível fazer alguma coisa efetivamente quando já
não se espera que o Outro o faça” (2004, P.24), apesar de na clínica nos deparamos com
situações onde o sujeito ainda demanda um reconhecimento do Outro, ao invés de
assumir seu próprio desejo. Mateus, 16 anos em sua fala demonstra isso: “Mostro para
minha mãe no MSN todas as conversas que eu tenho com a menina que eu quero ficar
para ver o que minha mãe acha, ela também gostou dela...”
A transição entre o mundo familiar e um círculo social ampliado é um problema
fundamental na travessia do período adolescente. Na tentativa de encontrar o amor na
adolescência, a identificação com os pares é importante, pois pode oferecer um amparo
na sustentação das escolhas amorosas, assim como os pais na infância desempenhavam
esse papel frente aos impasses da vida infantil. Jorge 1, 17 anos, ilustra a partir de um
relato: “Quando eu to com meus amigos é mais tranquilo ficar perto dela, mas quando
eu to sozinho com ela, não sai nada...”. É possível ainda ouvir dos adolescentes diversas
queixas sobre seus investimentos amorosos, como a dificuldade de abordagem inicial:
“o problema é que eu não consigo chegar nas meninas...” ; “se eu fico na frente dela,
quero falar e não consigo. Tremo todo e começo a gaguejar...”
Numa perspectiva ética da psicanálise, pensar no amor é levar em conta o
encontro sempre faltoso do sujeito com a sexualidade. Buscamos o objeto perdido de
uma satisfação primeira na esperança de uma completude. Podemos pensar no amor
como uma tentativa de fazer desaparecer a falta original do desejo. Porém, essa tentativa
fracassa no momento em que nos damos conta de que o que falta ao sujeito, o objeto
amado também não possui.
Portanto, no amor, assim como na adolescência, o que está em jogo é o
reconhecimento da castração do Outro, que remete ao desamparo fundamental. Poder
vivenciar o amor na adolescência requer elaborar a crise da adolescência, ou seja, exige
do sujeito um posicionamento diante do objeto amoroso, uma escolha desejosa e,
portanto faltosa.
Momento de definições diversas nos campos social, sexual, profissional e
familiar, a adolescência lança questões que alguns indivíduos não se sentem capazes de
contornar. A possibilidade dessa crise da adolescência desencadear transtornos mentais
sérios parece aumentar com a expansão da sociedade moderna, de caráter individualista.
Muitos adolescentes mostram dificuldades para responder aos desafios que essa
sociedade propõe, assim como o encontro com o sexo, com o amor e com a castração,
podendo gerar respostas sintomáticas do sujeito, algumas graves. O Proadolescer2, um
programa ambulatorial de atenção aos adolescentes em grave sofrimento psíquico,
oferece a escuta psicanalítica como uma opção aos jovens por questões diversas,
incluindo os que sofrem dos males do amor. Atende jovens pertencentes a famílias de
baixa renda da região metropolitana do Rio de Janeiro e emprega um conjunto de
cuidados que inclui a psicanálise, a psicofarmacoterapia, a terapia de família e a atenção

1
Os nomes utilizados são fictícios.
2
Programa Ambulatorial para Adolescentes de Risco, alocado no Serviço Infanto-Juvenil do Instituto de
Psiquiatria da UFRJ, transformado recentemente em pesquisa, com aprovação no Conselho de Ética do
instituto.
aos aspectos reabilitativos e sociais. Ao contrário das intervenções usuais, o grande
diferencial do programa é o uso de uma estratégia de tratamento integrando diversas
ações terapêuticas e reabilitativas. Sempre atento às demandas específicas a cada caso, o
programa visa impedir a entrada desses jovens num processo de cronificação que os
conduza a uma carreira de doentes mentais, excluindo-os dos processos comuns de
sociabilidade.
O Proadolescer atende adolescentes entre 12 e 18 anos e seus familiares,
encaminhados de diversos serviços públicos de saúde, escolas, conselhos tutelares ou
advindos por procura espontânea. Desde sua criação, há 19 anos, o programa já atendeu
mais de 500 adolescentes e suas famílias, com um alto nível geral de adesão ao
tratamento. Os adolescentes atendidos, saindo do círculo familiar característico da
infância, apresentam dificuldades em estabelecer laços sociais mais amplos, o que
resulta em abandono da escola ou em faltas recorrentes às aulas. Além do isolamento
social, observa-se uma grande desorganização familiar com frequentes conflitos e
falência das funções parentais. Em suma, nossa clientela se caracteriza pela combinação
de sintomas severos e comprometimento dos laços sociais, identificados na
adolescência.

BIBLIOGRAFIA:
- ALBERTI, S. O Adolescente e o Outro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

- FREUD, Sigmund. Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade. In: Edição Standard
Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976
(1950) [1905]).
- SAGGESE, E. Adolescência e Psicose: transformações sociais e os desafios da
clínica. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2001.

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