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ensamento de
KARL POPPER
Copyright © 2012
ISBN
978-85-65531-02-3
Inclui bibliografia.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 4
Conselho Editorial
Prof. Dr. Agemir de Carvalho Dias – FEPAR
Prof. Dr. Edilson Soares de Souza – FTBP
Prof. Dr. Eduardo Rodrigues Cruz – PUCSP
Prof. Drª Etiane Caloy Bovkalovski – PUCPR
Prof. Dr. Euclides Marchi – UFPR
Prof. Dr. Gerson Albuquerque de Araújo Neto – UFPI
Prof. Dr. Jean Lauand – USP
Prof. Dr. Jean-Luc Blaquart – Universidade Católica de Lille (França)
Prof. Dr. João Carlos Corso – UNICENTRO
Prof. Dr. Joaquín Silva Soler – PUC-Chile
Prof. Drª Karina Kosicki Bellotti – UFPR
Prof. Dr. Lafayette de Moraes – PUCSP
Prof. Drª Márcia Maria Rodrigues Semenov – UNISANTOS
Prof. Drª Maria Cecília Barreto Amorim Pilla – PUCPR
Prof. Dr. Paulo Eduardo de Oliveira – PUCPR
Prof. Dr. Silas Guerriero – PUCSP
Prof. Dr. Uipirangi Franklin da Silva Câmara – FTBP
Prof. Drª Wilma de Lara Bueno – UTP
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 5
Nota do Organizador
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 8
SOBRE OS AUTORES 14
APRESENTAÇÃO
Karl Popper é a principal referência da epistemologia
contemporânea e suas ideias, como escreveu Imre Lakatos,
“constituem o mais importante desenvolvimento da filosofia
do século XX”. Para David Miller, um de seus discípulos e
principal assistente ao longo de muitas décadas, “poucos
filósofos sentiram uma sede de conhecimento tão revigorante e
insaciável”. Segundo o professor Leônidas Hegenberg,
tradutor da edição brasileira de A lógica da pesquisa científica,
Popper “se revela um dos pensadores mais fecundos de nosso
tempo, digno sucessor de Kant e Russell, e que só tem uns
poucos rivais de nota, como Carnap e Quine”.
A grandeza de seu pensamento decorre da
fecundidade e alcance de sua obra, traduzida em mais de 20
idiomas, cujos principais títulos, em forma de livro, são: A
lógica da pesquisa científica (1934), A miséria do historicismo (1944-
1945), A sociedade aberta e seus inimigos (1945), Conjecturas e
Refutações (1963), Conhecimento Objetivo (1972), Autobiografia
intelectual (1974), O eu e seu cérebro, escrito em parceria com
John C. Eccles (1977), Os dois grandes problemas da teoria do
conhecimento (preparado na década de 1930, mas publicado
apenas em 1979), a trilogia Pós-Escrito à Lógica da Pesquisa
Científica (1982-1983), Um mundo de propensões (1990) e O mito
do contexto (1994). Entre as publicações póstumas, destacam-se:
Em busca de um mundo melhor (1995), A lição deste século (1996),
O mundo de Parmênides (1998) e A vida é aprendizagem (1999).
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 9
1POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1972, p. 39.
2 POPPER, Karl. A sociedade aberta e seus inimigos. São Paulo: EDUSP; Belo
Horizonte: Itatiaia, 1974, vol. 2, cap. 24, p. 232.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 13
SOBRE OS AUTORES
GERSON ALBUQUERQUE DE ARAUJO NETO
Graduado em Engenharia Civil e Filosofia pela UFPI. Fez
Mestrado em Filosofia pela PUC-SP e Doutorado em
Comunicação e Semiótica pela mesma universidade. Fez Pós-
Doutorado em Filosofia pela UERJ. É professor Associado da
UFPI, onde leciona no Departamento de Filosofia e no
Mestrado em Ética e Epistemologia.
NEY MARINHO
Psiquiatra e Psicanalista. Membro Efetivo com funções
didáticas da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de
Janeiro (SBPRJ). Coordenador dos cursos: Estudo da obra de
W.R.Bion e Investigação Psicanalítica das Psicoses, no Instituto
da SBPRJ. Doutor em Filosofia (PUC-Rio). Pós doutorando no
Programa História das Ciências, Técnicas e Epistemologia
(COPPE/UFRJ). Realiza atualmente pesquisa sobre a noção
de loucura na Comunidade de Países de Língua Portuguesa
(CPLP).
GELSON LISTON
Gelson Liston é Doutor em Filosofia (UFSC, 2008) e Bolsista da
CAPES (Proc. BEX 9362/11-8). Atualmente, é professor
Adjunto do Departamento de Filosofia da Universidade
Estadual de Londrina. Atua principalmente na Graduação em
Filosofia e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia.
RAQUEL SAPUNARU
Graduada em Física pela UFRJ, mestrado e doutorado em
Filosofia pela PUC-Rio. Atua como professora adjunta do
Instituto de Ciência e Tecnologia da UFVJM, onde ministra as
disciplinas de Fundamentos e Técnicas de Trabalho
Intelectual, Científico e Tecnológico, Questões de Sociologia e
Antropologia da Ciência e Questões de História e Filosofia da
Ciência e coordena o Núcleo de Filosofia e História da Física
Matemática (NUFIHM).
GUSTAVO CAPONI
Doutor em Lógica e Filosofia da Ciência (UNICAMP, 1992), é
Professor do Departamento de Filosofia da Universidade
Federal de Santa Catarina e bolsista do CNPq. Ele é autor de:
Georges Cuvier: un fisiólogo de museo (UNAM: México, 2008);
Buffon (UAM: México, 2010) e La segunda agenda darwiniana
(Centro Lombardo Toledano: México, 2011).
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 17
CAPÍTULO 1
TEORIA DAS PROPENSÕES
publicada pela Edusp, com o título A Lógica da Pesquisa Científica, em 1993, 9ª ed.,
página 160, afirma: “continua a faltar uma definição coerente e satisfatória de
probabilidade, ou, o que vale aproximadamente dizer o mesmo, continua faltar um
sistema satisfatório para o cálculo de probabilidades”. Uma nota de esclarecimento
precisa ser feita. As citações por nós utilizadas algumas vezes aparecem em inglês,
outras vezes aparecem em português. Na escolha, utilizou-se o critério de maior
clareza.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 20
insatisfatória situação atual em que os físicos se encontram, fazendo amplo uso das
probabilidades sem estarem habilitados a dizer, coerentemente, o que pretendem
dizer com ‘probabilidade’”.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 21
CRÍTICAS A POPPER
A teoria das propensões de Popper recebeu diversas
críticas. Ele mesmo classifica a mais séria:
REFERÊNCIAS
POPPER, Karl. The logic of scientific discovery. London and New York:
Routledge, 1987. A edição brasileira está intitulada A Lógica da pesquisa
científica. 9 ed. trad. Leônidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. São
Paulo: Cultrix/Edusp, 1993.
SCHILPP, Paul (ed.). The Philosophy of Karl Popper. La Salle: Open Court,
1974.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 32
CAPÍTULO 2
O PLURALISMO DA TESE DO MUNDO 3 DE POPPER
2. O QUE É METAFÍSICA?
O que fizemos até agora foi mostrar a razão de Popper
admitir que ciência sem metafísica não é possível. Mas, o que é
metafísica, para Popper? Popper diz pouca coisa a respeito do
que seria metafísica (mesmo porque ele dá pouca importância
para perguntas do tipo “o que é isto ou aquilo?”, por essas nos
levarem ao essencialismo). Contudo, há alguns elementos
importantes. Em primeiro lugar, Popper é adepto do realismo
metafísico. Isso ele deixa claro. Em diversas ocasiões, ele faz
referência a essa posição como sendo a melhor que dispomos. O
realismo metafísico é um pressuposto na filosofia popperiana,
e é um importante elemento para entendermos o que é
metafísica e a “sua” metafísica. Diz Popper: “o realismo de
cunho metafísico – a concepção segundo o qual existe um
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 37
3. QUAL METAFÍSICA?
Popper discordava, em relação ao Círculo de Viena,
que um critério de demarcação separasse ciência e metafísica.
Para Popper, um critério de demarcação deveria separar
ciência e pseudociência. Quanto à ciência e à pseudociência, a
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 39
Tal como imaginei na primeira vez que foi objeto de minha atenção,
o problema da demarcação não era o de traçar fronteiras entre
ciência e metafísica, mas separar Ciência e pseudociência. Naquela
época, a Metafísica não me interessava. Foi somente mais tarde que
estendi meu critério de demarcação à Metafísica (POPPER, 1977, p.
48).
4. O M3 DE POPPER
Popper passa a explicar a natureza e a existência do
M3, pensando na matemática. Ora, como M1 é o mundo físico,
o M2 o mundo psicológico e o M3 o mundo da lógica, não
dificultou mais a situação a introdução do M3, uma vez que
somente a postulação da existência e realidade de um M2
interagindo com o M1 já abriu um intenso debate? Popper tem
em vista os objetos matemáticos, também. Como se explica a
existência e a realidade desses objetos? Assim, o centro do
debate não é mais a interação entre os três mundos somente,
mas a existência e a realidade do M3. Qual é a realidade
objetiva do M3? A resposta desta questão explica a natureza e
a existência de objetos matemáticos para Popper. Popper já
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 42
7 Tradução nossa: “Sirva como exemplo o fato de que os Fundamentos de Frege foi
escrito e publicado em parte quando este deduziu, a partir de uma carta escrita por
Bertrand Russell, que havia uma autocontradição em seus fundamentos.
Objetivamente, essa autocontradição estava ali durante anos. Frege não tinha se dado
conta. A autocontradição não estava ‘em sua mente’ [...] Russell nem produziu, nem
inventou a inconsistência, mas descobriu-a [...] Se a teoria de Frege não fosse
objetivamente inconsistente, não poderia ter sido aplicada a prova de inconsistência
de Russell e não teria se convencido a si mesmo desse modo do caráter insustentável.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 45
CONCLUSÃO
Mesmo que não aceitemos o anti-realismo, por ser uma
mera tautologia, não podemos ter uma ideia simplista do
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 48
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 3
POPPER, A DEMARCAÇÃO DA CIÊNCIA E A ASTROLOGIA
9 O Círculo de Viena (anos 1920 a 1930) formou-se por filósofos e cientistas, sob a
pelo paradigma. Segundo Kuhn (1996, p. 59-60), eles não são os problemas mais
importantes, tendo em vista que os mais importantes, por exemplo, a paz duradoura,
talvez não tenham solução, mas os quebra-cabeças, ao contrário, certamente têm
solução, porque são compatíveis com o paradigma. Constituem, dessa maneira, os
únicos problemas aceitos como científicos pela comunidade e caracterizam-se por
regras bem definidas, enunciados reconhecidos e limitação de soluções aceitáveis.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 55
por sua vez, também se define pelo paradigma –, mas não viciada, constituindo uma
fonte de dificuldades reais.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 56
prevalece sobre o ‘quantitativo’” (BARBAULT, 1990, p. 69). Para entender melhor essa
citação, é importante saber que a pesquisa de Gauquelin apresentou alguns indícios
de que há uma correlação entre certas posições planetárias no horizonte e no
meridiano e certas profissões, o chamado “efeito-Marte”, mas, em relação às posições
dos planetas nos signos, nenhuma frequência estatisticamente significativa foi
encontrada.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 64
17Um dos três movimentos básicos do nosso planeta, o movimento do eixo de rotação
da Terra, que se assemelha ao movimento de um pião parando e se dá em um período
de 26 mil anos aproximadamente, define um círculo no céu dos pólos. Assim como a
rotação e a translação são percebidas da Terra de maneira diferente, definindo
respectivamente o dia e o ano terrestres (temos a impressão de que a esfera celeste gira
de leste para oeste diariamente e acompanhamos o movimento aparente anual do Sol
em meio às constelações), o movimento do eixo de rotação é percebido na Terra como
a precessão dos equinócios, ou seja, um fenômeno contínuo de deslocamento do ponto
equinocial vernal (1o a cada 72 anos), no sentido contrário à ordem das constelações,
ou seja, a cada 2 mil anos, aproximadamente, há um movimento aparente de
retrogradação de 30o do ponto equinocial vernal em relação às constelações. Com isso,
signos e constelações só se encontram sobrepostos a cada 26 mil anos,
aproximadamente, o que não afeta em nada a astrologia ocidental, já que esse sistema
astrológico baseia-se nos signos (12 divisões de exatamente 30o da eclíptica), e não nas
constelações. Cf. Machado, 2006, p. 71-3.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 65
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base no estudo apresentado neste capítulo,
percebe-se a limitação do modelo normativo de filosofia da
ciência defendido não só por Popper, mas também pelo
Círculo de Viena, que pretendiam dizer como a ciência deveria
ser. Além disso, ainda que Kuhn não estivesse propriamente
propondo um critério de demarcação nos mesmos moldes, a
sua concepção do que é ciência ou não também pode ser
criticada. O critério de Thagard, por sua vez, que pretende dar
conta do problema da demarcação, mostrando as limitações
dos critérios anteriores para definir o estatuto da astrologia,
parece igualmente insuficiente para estabelecê-la como
pseudociência. O próprio Thagard reconhece, posteriormente,
que a forma lógica que ele utilizou é imprópria, apesar de não
abrir mão da ideia de que ainda seja possível definir um
“perfil de pseudociência” (THAGARD, 1993, p. 157-173).
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 67
REFERÊNCIAS
_______. Normal science and its dangers. In: LAKATOS, I.; MUSGRAVE, A
(Org.). Criticism and the growth of knowledge. London: Cambridge
University Press, 1970.
CAPÍTULO 4
POPPER E A QUESTÃO DA PSICANÁLISE19
Ney Marinho
19Este trabalho é dedicado ao Prof. Carlos Alberto Gomes dos Santos, que com
paciência, tolerância e extrema competência me apresentou ao pensamento
popperiano e ao debate epistemológico anglo-saxão, em toda a sua complexidade.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 71
21 Em sua Autobiografia Intelectual (1977), Popper conta-nos que nessa época trabalhava
22 Dividimos a obra de Popper em três fases, para cada uma elegemos um de seus
P1 → TT → EE → P2
Em que:
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 77
23 “Libido é uma expressão tomada da teoria das emoções. Chamamos por este nome a
energia, vista como uma magnitude quantitativa (ainda que no momento não seja
realmente mensurável), daqueles instintos relacionados com tudo o que pode ser
compreendido sob a palavra ‘amor’. O núcleo do que queremos dizer por amor
consiste (e isto é o que comumente é chamado amor, e aquilo que os poetas cantam)
naturalmente do amor sexual com a união sexual como seu objetivo. Mas não
separamos disto – o que em qualquer caso tem uma participação no termo ‘amor’-
quer o amor por si mesmo (self-love), quer o amor pelos pais ou filhos, amizade e
amor pela humanidade em geral, e também a devoção a objetos concretos e a ideias
abstratas. Nossa justificação jaz no fato de que a pesquisa psicanalítica nos ensinou
que todas essas tendências são uma expressão dos mesmos impulsos instintivos; nas
relações entre os sexos esses impulsos forçam seu caminho em direção à união sexual,
mas em outras circunstâncias eles se afastam de seu objetivo ou são impedidos de
alcançá-lo, ainda que sempre preservem bastante de sua natureza original para
manter sua identidade reconhecível (em traços como o anseio pela proximidade, e o
auto-sacrifício)” (FREUD, 1921, S.E. 18, p. 90-91).
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 79
psicanálise e nos grupos [BION, (1970) 1973], onde o autor, através da utilização de
novos conceitos (continente/contido; mudança catastrófica, etc.), estuda problemas da
psicologia dos grupos até então não enfrentados pelas teorias psicológicas, tais como:
qual o mecanismo de mudanças súbitas nos grupos, dos cismas, ou, da substituição de
lideranças.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 80
consideravam um autor “muito cerebral”, Luigi Pirandello faz uma bela e convincente
defesa da liberdade e independência da criação artística. Realça a diferença entre
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 82
estenderá até a anexação, o Anschluss (1938), e que pode ser acompanhado por uma
vasta bibliografia, da qual fazem parte muitos dos personagens do ambiente
popperiano (como o Círculo de Viena, Ludwig Wittgenstein, Paul Feyerabend, entre
outros). Uma ótima referência, dentre muitas, é A Viena de Wittgenstein (JANIK e
TOULMIN, 1991).
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 86
REFERÊNCIAS
FREUD, S. Group psychology and the analysis of the ego. S.E. XVIII (1921).
CAPÍTULO 5
ALGUMAS NOTAS SOBRE A COSMOLOGIA DE KARL POPPER*
1. CONHECIMENTO E REALIDADE
A obra The Logic of Scientific Discovery parte da
constatação de que a atividade científica é um procedimento
de teste de enunciados, e busca descobrir o que demarca sua
*
Para o meu amigo Rogério Gobetti, uma verdadeira rocha em todos os momentos
difíceis.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 90
gerais, a partir das quais, por pura dedução, se adquire a imagem do mundo.
Nenhum caminho lógico leva a tais leis elementares. Seria antes exclusivamente uma
intuição a se desenvolver paralelamente à experiência” (EINSTEIN, 1981, p. 140).
31 Nessa passagem, já temos clara a analogia com o darwinismo. Cabe ressaltar,
entretanto, que este tipo de interpretação não é, em absoluto, uma questão pacífica; cf.,
por exemplo, WATKINS, 1995.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 91
a) Leis Relevantes;
b) Condições Iniciais;
c) Prognose - fato a ser explicado.
32 Popper é, no mínimo, ambíguo nessa questão. No Realism and the Aim of Science,
33 É provável que esse tipo de receio leve alguns intérpretes a subestimar o papel da
em torno das influências externas que conduziram Popper a redigir o argumento que
apresentaremos a seguir baseados fundamentalmente no Capítulo V de The Logic of
Scientific Discovery.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 94
enquadrado a partir das demandas teóricas, nesse sentido talvez seja oportuna a
seguinte observação de Ian Hacking: “Não existe filósofo da ciência europeu no século
vinte mais influente do que Karl Popper. No entanto, Popper escreve sobre a
experiência como se fosse um mero apêndice da teorização” (HACKING, 1992, p. 21);
o mesmo se dá com Thomas Kuhn, que virtualmente não teria dito nada sobre a
experiência (cf. p. 23ss).
36 Discuti as implicações políticas dessa questão em Pereira (1993).
37 Grifos de Popper. Referimos à edição em português, porque esta passagem não se
38 Alan Musgrave (1994) argumenta que mesmo em The Logic of Scientific Discovery é
possível perceber o Realismo. Confesso não reconhecer isso com a mesma nitidez que
Musgrave.
39 A esse respeito Gattei (2009, p. 52) concorda conosco.
40 “Temos aqui o que parece um exemplo quase perfeito de uma mudança de
3. INDETERMINISMO E PROPENSÕES
A questão que se impõe agora é a seguinte: se nos foi
dado argumentar que o Realismo, enquanto metafísica, é um
pressuposto necessário da epistemologia de Popper, cabe
reconhecer que isso acarreta pelo menos uma espinhosa
dificuldade. A realidade nos garante a testabilidade, mas se
afirmamos a sua independência e, ao mesmo tempo, o fato de
ser essa dotada de regularidades - sem as quais noções como
teste, corroboração etc., não fariam o menor sentido -, então
por que, por exemplo, a indução não é admissível? Conciliar
Realismo e Indeterminismo torna-se, assim, uma tarefa
imperativa para a sustentação do pensamento de Popper.
O argumento que Popper julga decisivo contra o
determinismo metafísico, e que lhe permite propugnar a
defesa de um Realismo Indeterminista, é o argumento
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 99
42 Popper (1992 b, § 29). O argumento é bem mais complexo e extenso do que estamos
apresentando aqui; nós o resumimos por uma questão de espaço; ainda assim, David
Miller (1995 e 2007) apresenta várias ressalvas quanto a esse argumento.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 100
43 Talvez essa minha afirmação reflita certo otimismo. Niinluoto (2006, p. 59), por
exemplo, afirma que a tese dos 3 Mundos é ignorada pela maioria dos filósofos que
trabalham com questões similares. Por outro lado, no universo popperiano, ela nos
parece central, não apenas para o ponto que estamos discutindo, como também em
outros aspectos da filosofia de Popper. O’Gorman (2008) aponta sua importância para
a epistemologia da economia; Shearmur (1996, p. 78ss) sublinha seu papel na política;
fizemos o mesmo quanto a ética em Pereira (2009); Gorton (2006, cap. 2 e 3), a discute
enquanto fundamento das ciências sociais.
44 Para nossos propósitos, dois textos serão nossa referência principal: Popper e Eccles
P¹ → TE → EE → P²
45 No prefácio de The Self and its Brain, Popper e Eccles apontam essa questão como um
de seus pontos de divergência: Eccles julga que essa distância é bem maior do que
pensa Popper.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 110
REFERÊNCIAS
GORTON, William A. Karl Popper and the Social Sciences. Albany: State
University of New York Press, 2006.
NIINLUOTO, IIkka. World 3: A Critical Defence. In: JARVIE, Ian et alie (ed.)
Karl Popper: A Centenary Assessment, Volume II. England: Ashgate, 2006.
_______. e ECCLES, John C. The Self and its Brain. London: Routledge,
1993.
_______. Popper and Darwinism. In: O’HEAR, Anthony (org.). Karl Popper:
Philosophy and Problems. Cambridge: Cambridge University Press, 1995.
CAPÍTULO 6
O REALISMO EM POPPER E PEIRCE: UM CONTRAPONTO
49 Sobre o tema do “Mundo 3”, veja-se o capítulo 2 deste livro: O pluralismo da tese do
50Essa é a forma clássica de citação da obra Collected Papers of Charles Sanders Peirce,
dividida em oito volumes. CP indica o nome da obra, o número imediatamente após a
vírgula indica o volume e o número após o ponto, o parágrafo.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 121
52É a categoria da percepção que indica a resistência que a mente encontra em relação
aos fatos do mundo. Na tríade das categorias de Peirce, a “primeiridade” corresponde
ao acaso e a “terceiridade” à generalidade ou lei. Para uma explanação mais completa
sobre estas três categorias, cf. Ibri (1992).
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 124
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não pudemos aqui, pelas limitações óbvias desse tipo
de trabalho, tecer todas as considerações acerca da filosofia
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 132
REFERÊNCIAS
POPPER, Karl R. The logic of scientific discovery. London and New York:
Routledge, 2002.
_______. Realism and the aim of science: postcript to the Logic of Scientific
Discovery, vol. I. London and New York: Routledge, 1992.
CAPÍTULO 7
A HISTÓRIA DA CIÊNCIA E A EPISTEMOLOGIA DE POPPER
ciência e filosofia [...]” seria “uma das principais causas para a queda da filosofia
contemporânea [...]”, e “ameaça seriamente o futuro desenvolvimento da Civilização
Ocidental.” [citado em SUPPE, 1989, p. 6]. Consequências igualmente trágicas são
extraídas das mesmas causas por autores à primeira vista tão diversos quanto Popper
e Feyerabend.
56 Popper e seguidores – particularmente J. Agassi (cf. AGASSI, 1963) – certamente
atomística seria, segundo Popper, icônico. De acordo com a História, Boltzmann foi,
ao menos ao longo de sua vida, derrotado. Entretanto, conclui Popper, se o juízo
histórico foi desfavorável a Boltzmann, isso apenas desqualifica aquele juízo: “Tanto
pior para a História” (POPPER, 1974b, p. 125). A redenção historiográfica é um mito, e
injustiças gnosiológicas podem muito bem ser chanceladas historicamente.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 139
7).
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 141
REFERÊNCIAS
_______. Realism and the Aim of Science. London, New York: Routledge,
2000.
CAPÍTULO 8
AS RELAÇÕES ENTRE POPPER E KUHN
puzzle solving que se vincula, aqui, ao conceito de enigmas. O uso do itálico ajudará o
leitor a se recordar deste sentido que o termo assume. [Nota do organizador].
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 155
Mas isso não significa que essa teoria tenha sido verificada,
pois não é possível a verificação de teorias ou leis universais.
Divergindo da posição de Popper, Kuhn defende a
ideia de que, no âmbito da prática científica, uma teoria não é
substituída por outra só porque uma situação particular a
contradiz, ou porque a teoria não se aplica a ela. Pois, entende
que é contestando observações e ajustando teorias que o
conhecimento científico progride.
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 9
VERDADE E VEROSSIMILHANÇA NA EPISTEMOLOGIA
DE POPPER
Gelson Liston
P1 → TT → EE → P2...
63 A metáfora também aparece como epígrafe desta obra de Popper: “As hipóteses são
REFERÊNCIAS
_______. “On the Comparison of False Theories by their Bases”. In: British
Journal for the Philosophy of Science, 25, p. 178-188, 1974b.
_______. Realism and the Aim of Science. London and New York:
Routledge, 1992.
CAPÍTULO 10
NOTAS SOBRE A “PROPENSÃO QUÂNTICA” POPPERIANA
Raquel Sapunaru
64Ressalto que, para Popper, quanto maior o conteúdo empírico, maior a testabilidade
da teoria. Sobre esta afirmação, Popper exemplificou: “Seja a a sentença ‘Choverá na
sexta-feira’; b a sentença ‘O tempo estará bom no sábado’; e ab a sentença ‘Choverá na
sexta-feira e o tempo estará bom no sábado’: é obvio que o conteúdo informativo da
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 187
última sentença, a conjunção ab, será maior que sua componente a e também que sua
componente b. E também a probabilidade de ab (ou, o que dá no mesmo, a
probabilidade de ab ser verdadeira) será menor que cada um de seus componentes”
(POPPER, 2002, p. 295). Assim, para o filósofo, o conteúdo informativo não é dado
pelo cálculo da probabilidade, visto que Ct(a)Ct(ab)Ct(b) ≠ p(a)p(ab)p(b).
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 188
67 Cabe observar que, para Popper, uma teoria não-determinista difere de uma teoria
E ainda:
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 11
APROXIMAÇÃO POPPERIANA À DISTINÇÃO
EXPLICAÇÃO-COMPREENSÃO
Gustavo Caponi
COMPREENSÃO E RACIONALIDADE
Pode-se caracterizar a compreensão objetiva como
obedecendo a uma estrutura silogística muito simples, cuja
conclusão (C) é uma descrição da ação ou opção que queremos
compreender e cujas premissas são: (A) uma descrição das
supostas metas do agente e (B) uma descrição, não só das
informações e das teorias, mas também das pautas axiológicas
às quais obedece a sua opção. Assim, é possível representar
esse tipo de raciocínio com este esquema geral:
REGRAS METODOLÓGICAS
Na Lógica da Pesquisa Científica, na apresentação do
modelo nomológico-dedutivo de explicação, Popper (1980, p. 59)
afirma que, no contexto de uma reflexão metodológica como a
que ali está sendo desenvolvida, não é necessário introduzir
nenhuma afirmação relativa à aplicabilidade universal desse
modelo de explicação, tal como o seria um princípio de
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 202
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É necessário entender, por fim, que esse deslocamento
no modo de interrogar a experiência tampouco deve ser
pensado em termos de auxílio ou de complemento. A
compreensão não está chamada a completar, a socorrer, ou
mesmo a suplantar a explicação causal quando esta enfrenta
fenômenos muito complexos ou muito especiais: ambas as
operações respondem a interesses cognitivos diferentes, a
modos distintos de interrogar os fenômenos que ficam
plasmados em duas regras metodológicas também diferentes.
A compressão não pode responder às perguntas que pedem
por uma explicação causal, e as explicações causais não
satisfazem nossos esforços por compreender. Quando
deixamos de considerar um comportamento em termos
puramente fisiológicos, quando deixamos de considerá-lo
como um movimento ou uma reação passível de explicação, e
começamos a entendê-lo como uma ação digna de
compreensão, não é porque careçamos de recursos para
responder às perguntas do fisiologista, mas porque as próprias
perguntas mudaram.
O que queremos saber, o que ignoramos, já não é o
mesmo. E o que mudou é, antes de tudo, a própria forma da
nossa interrogação: ela passou a ser guiada por outra regra
metodológica. Eis aí, pois, a primeira e fundamental diferença
entre compreensão e explicação causal que esse outro enfoque
popperiano da questão nos permite visualizar e destacar.
Por fim, e retornando agora ao jogo de analogias entre
os princípios de racionalidade e de causalidade, no qual antes me
demorei, quero também insistir no fato de que as duas regras
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 208
REFERÊNCIAS
_______. La sociedad abierta y sus enemigos, Vol. II. Buenos Aires: Orbis,
1985.
CAPÍTULO 12
A FILOSOFIA DE KARL POPPER E SUAS IMPLICAÇÕES
NO ENSINO DA CIÊNCIA68
A LÓGICA DEDUTIVA
Segundo Popper, a lógica dedutiva desempenha papel
de importância capital dentro do método da ciência. Ela é:
a) transmissora da verdade;
b) retransmissora da falsidade; e
c) não retransmissora da verdade.
MÉTODO HIPOTÉTICO-DEDUTIVO
Não é tarefa da lógica do conhecimento a
“reconstrução racional” das fases que conduziram o cientista à
descoberta da teoria científica (POPPER, 1985, p. 32). Não há
caminho estritamente lógico que leve à formulação de novas
teorias e, como veremos mais adiante, a história da ciência
mostra com frequência o surgimento de novas teorias
inspiradas não em fatos novos, mas em teorias metafísicas.
Para Popper a tarefa da epistemologia ou da filosofia
da ciência é reconstruir racionalmente “as provas posteriores
pelas quais se descobriu que a inspiração era uma descoberta
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 214
O PROBLEMA DA DEMARCAÇÃO
Outro problema da filosofia da ciência com que Popper
se preocupou é o chamado “problema da demarcação”, ou,
como ele mesmo formula, “como é que se pode distinguir as
teorias das ciências empíricas das especulações
pseudocientíficas, não científicas ou metafísicas?” (POPPER,
1987, p. 177).
Para os indutivistas, a demarcação entre ciência
empírica e pseudociência, não ciência e metafísica era
realizada pelo “método indutivo”. As teorias científicas eram
obtidas a partir dos fatos e podiam por eles ser verificadas.
Além disso, os positivistas (indutivistas) tomaram o termo
metafísico como pejorativo: as ideias metafísicas não tinham
qualquer importância para a ciência, pois, na sua opinião,
careciam de sentido.
Para Popper, ao contrário, o critério de demarcação é
dado pela refutabilidade ou testabilidade. As teorias das
ciências empíricas podem em princípio ser refutadas pelos
fatos; porém, as teorias pseudocientíficas, não científicas ou
metafísicas não são testáveis, ou seja, não há fatos que as
possam refutar.
Sol era o astro mais importante e por isso não poderia girar em
torno da Terra, esta é que deveria girar em torno do Sol.
Kepler foi um seguidor de Copérnico e, assim como
Platão, estava imerso em ensinamentos astrológicos. Kepler
procurava descobrir a lei aritmética subjacente à estrutura do
mundo (misticismo numerológico dos pitagóricos), que
forneceria, entre outras coisas, os raios das órbitas circulares
planetárias. Ele nunca encontrou o que procurava, não
descobriu, nos dados de Tycho Brahe, a desejada confirmação
da crença que Marte girava em torno do Sol em movimento
circular uniforme. Os dados de Tycho Brahe levaram-no a
refutar a hipótese de órbita circular. Depois de diversas
tentativas, adotou a hipótese de órbita elíptica e pôde então
notar que as observações astronômicas podiam se ajustar a
essa nova hipótese somente se admitisse que Marte não se
deslocava com velocidade constante. “As observações
astronômicas não provaram que a hipótese elíptica estava
correta, mas podiam ser explicadas por essa hipótese –
ajustavam-se a ela” (POPPER, 1982, p. 215). Apesar da
inspiração metafísica, Kepler foi um crítico. Aceitou a
refutação da sua teoria pelos fatos e formulou uma nova
teoria.
A ideia metafísica que talvez tenha motivado o maior
número de descobertas científicas foi a da “pedra filosofal”
(existe uma substância capaz de transformar metais vis em
ouro). Esses e outros exemplos da história de ciência mostram
que a metafísica pode servir como ponto de partida para as
teorias científicas e que, portanto, teorias metafísicas não são
necessariamente sem sentido.
Para os positivistas, era muito importante justificar de
onde o cientista formulou a teoria e a única fonte válida para a
formulação da teoria estava nos fatos. Para Popper, a questão
epistemológica importante não tem a ver com as fontes da
teoria (todas as fontes são válidas e bem-vindas), mas tem a
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 222
A TEORIA DO CONHECIMENTO
Popper denomina de “teoria do balde mental” a
concepção de que nosso conhecimento consiste em percepções
acumuladas ou em percepções assimiladas, separadas e
classificadas. “O ponto de partida desta teoria é a doutrina
persuasiva de que, antes de podermos conhecer ou dizer
qualquer coisa acerca do mundo, devemos ter tido percepções
– experiências de sentido” (POPPER, 1975, p. 313).
Os empiristas ingênuos aconselham-nos a interferir o
mínimo possível no processo de acumular conhecimento.
Segundo eles, o conhecimento verdadeiro está livre de
preconceitos, ele é constituído da experiência pura e simples.
Popper contesta a “teoria do balde”, notando que o que
tem valor para o conhecimento é mais do que a simples
percepção, é a observação. Esta é um processo ativo, é uma
percepção planejada e organizada. Qualquer observação é
precedida de um problema, uma hipótese que a orienta. As
observações são sempre seletivas e pressupõem um princípio
de seleção. Não é possível observar tudo, aquilo que se
observa já é antecedido por algo teórico. Assim, todas as
observações estão impregnadas de teoria.
então, que a força que ele aplica no corpo sobre a mesa cessa
quando ele perde o contato com o corpo. A experiência
mostrará que a cessação do movimento ocorrerá algum tempo
depois da perda do contato. O professor observará a existência
de outras ações sobre o corpo, em especial a da mesa na
direção paralela à superfície (força de atrito), que não cessam
quando ele deixa de agir. Uma possibilidade de evitar essa
refutação é formular a hipótese ad hoc de que a força que o
professor fez ficou impressa, capitalizada no corpo;
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 13
POPPER E A ECONOMIA: EXISTE UM MÉTODO PRÓPRIO PARA AS
CIÊNCIAS DA SOCIEDADE?
INTRODUÇÃO
A questão se as ciências sociais são realmente ciências,
no sentido forte da palavra, há muito vem provocando uma
acalorada discussão entre os filósofos que se debruçam sobre o
tema. Perguntar sobre o estatuto epistemológico dos
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 232
69 Uma conclusão semelhante é defendida por Hands (1985), que critica a utilização da
abordagem falseacionista como aquela mais adequada para a economia “The problem
with this strict falsificationist view of Popper is that it is inconsistent with what
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 235
Popper and the Popperians within philosophy of science have actually written about
economics and other social sciences. In the few places where Popper directly refers to
economics, he is almost never discussing his falsificationist approach to natural
science. Instead, economics is discussed in the context of his ‘situational analysis’ or
‘situational logic’ approach to historical and social explanation” (Hands, 1985, p. 84).
Hands considera que a lógica situacional oferece de fato uma proposta diferente para
o tratamento dos fenômenos sociais e propõe que se distingua entre as duas
abordagens, o PopperN (para as ciências naturais) e o PopperS (para as ciências
sociais).
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 236
2. A FASE DE TRANSIÇÃO
Neste momento da argumentação, concentramo-nos na
reflexão sobre alguns trabalhos do professor Popper nos quais
acreditamos encontrar indícios (de início tímidos, mas que
depois se tornam cada vez mais claros) que apontam para um
afrouxamento de sua defesa da unicidade metodológica para
as ciências, como entendido naquele primeiro momento de
meados dos anos trinta que analisamos acima; ou seja, no
sentido que equipara o método científico ao modelo
nomológico-dedutivo e, consequentemente, à explicação do
tipo causal.
Junto a essa modificação na concepção do método
científico, especialmente no que tange à concepção de uma
metodologia própria e característica para as ciências sociais,
surge em Popper a conscientização da impropriedade das
previsões específicas no âmbito social – inclusive na Economia,
área onde de início ele as aceitava.
Estes textos foram publicados nos anos 1960, como “A
Lógica das Ciências Sociais”, de 1961 – da coletânea de ensaios
homônima –, e “Sobre a Teoria da Mente Objetiva”, de 1968, do
livro Conhecimento Objetivo.
No texto de 1961, Popper propõe vinte e cinco teses
relacionadas à lógica das ciências sociais. Temos, então, uma
elaboração mais minuciosa do que denominou “compreensão
objetiva”. Nesse seu trabalho, percebe-se em Popper,
diferentemente do que ocorria em versões anteriores, quase
que uma defesa de um dualismo metodológico justamente
através do amadurecimento desse conceito. Ali, a compreensão
objetiva e o princípio da racionalidade (que Popper não distingue)
são já tratados como um tipo de operação teórica de natureza
distinta da explicação do tipo causal.
Tratar-se-ia da conscientização, por parte de Popper, de
que, em determinados domínios do conhecimento, o nexo
causal perderia importância se comparado ao nexo teleológico.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 240
70 Talvez essa seja sua maior diferença com John Stuart Mill, que acreditava poder
justamente fazê-lo.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 242
3. A POSIÇÃO DEFINITIVA
O propósito deste último item é a apresentação de
alguns desenvolvimentos da fase mais madura de Popper, que
adquirem um caráter que difere em muito daqueles que
apresentava nos anos 40 do século XX. Em seu ensaio “A
Pluralistic Approach to the Philosophy of History”, por exemplo,
Popper reafirma seu esquema do método de ensaio e erro
(apresentado pela primeira vez em sua Lógica), e o apresenta
em pormenores. Um esquema simplificado da metodologia
nas ciências seria o seguinte (POPPER, 1969, p. 140):
P1 → TT → DC → P2, onde:
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso objetivo, nesse capítulo, foi o de tentar mostrar
uma transformação da proposta inicial de Popper, ou seja: a
modificação de sua defesa inicial de que haveria um
isomorfismo lógico em termos metodológicos entre todas as
ciências em direção a uma postura de maior precaução no que
tange ao caso específico das ciências sociais.
Propusemos o seguinte esquema de desenvolvimento
da concepção metodológica popperiana para os três momentos
analisados:
- Lei Universal
- Condições Iniciais
_________________________
- Predições Específicas
- Princípio da Racionalidade
- Condições Iniciais
_________________________________________
- Previsão de Padrões de Ocorrência dos Eventos
REFERÊNCIAS
_______. “Lógica das Ciências Sociais”. In: POPPER, K. Lógica das Ciências
Sociais. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1978.
_______. “Ideal Types and Historical Explanation”. In: RYAN, A. (ed.) The
Philosophy of Social Explanation. Oxford: Oxford University Press, 1973.
CAPÍTULO 14
INTERVENÇÃO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO HUMANO
EM KARL POPPER
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento humano deve ser pensado,
segundo Karl Raimund Popper (1902-1904), a partir da
intervenção social mediante a tecnologia social gradual (em
contraponto à tecnologia social holista, conduzida pelo
pensamento totalitário), intervenção essa possível mediante a
aceitação de que o nosso conhecimento é limitado e falível.
Popper, assim, relaciona a sua proposta de intervenção social
com a epistemologia fundada no debate crítico, que considera
teorias e planos sociais simples como tentativas de soluções
aos problemas mais proeminentes das ciências e das
sociedades.
71Harris (1956) apresenta a teoria do progresso de John Stuart Mill, afirmando que, na
concepção de Mill, progresso significa desenvolvimento da capacidade para
autodireção, a socialização dos atributos humanos e uma melhora quantitativa dos
objetos de desejos dos homens. “Progresso não consiste primariamente em melhoria
material, mas em moral-aesthetic culivation”(p. 173).
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 254
the theory, or at least its claim that it can solve its problem
(POPPER, 1994, p. 160).
REFERÊNCIAS
_______. The Open Society and Its Enemies. Vol. I. London: Routledge e
Kegan Paul LTD, 1957.
_______. The Open Society and Its Enemies. Vol. II. Princeton and New
Jersey: Princeton University Press, 1966.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 273
_______. “Reply to my Critics”. In: SCHILPP, Arthur Paul (Ed.) (1974) The
Philosophy of Karl Popper. Books I and II, La Salle, Illinois: Northwestern
University and Sourthern Illinois University, 1974.
_______. Search of a Better World. Lectures and essays from thirty years.
London and New Your: Routledge, 1992a.
CAPÍTULO 15
NOTAS EM TORNO DO DEBATE POPPER–ADORNO
Ou seja:
REFERÊNCIAS
_______. Sobre a Lógica das Ciências Sociais. In: Theodor W. Adorno. São
Paulo: Editora Ática, 1986, p. 46-61 (Coleção Grandes Cientistas Sociais).
POPPER, Karl. A Lógica das Ciências Sociais. In: POPPER, Karl. Lógica das
Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro/Brasília: Universidade de
Brasília, 1978a, p. 13-34.
CAPÍTULO 16
LINGUAGEM E CONHECIMENTO: KARL POPPER
E A QUESTÃO DA COMUNICAÇÃO
ter tido uma expectativa deste tipo quando se verifica que ela
não se realizou” (POPPER, 1991a, p. 46).
Vale lembrar Russell (1974, p. 176), ilustrando o
problema epistemológico pela história de Chuang-Tze dos
dois filósofos na ponte. Diz o primeiro: “vejam como os
pequenos peixes se movimentam rapidamente. Nisso consiste
o prazer dos peixes”. Replica o segundo: “como sabes, não
sendo peixe, no que consiste o prazer dos peixes?” A isto, o
primeiro retorque: “como sabes, não sendo eu, que eu não sei
no que consiste o prazer dos peixes?”.
“Minha posição é a do segundo filósofo. Se outros
filósofos sabem ‘o que seja o prazer dos peixes’, felicito-os;
mas não tenho tal dádiva”, diz Russell.
Por que será que Popper parecer-nos-ia dar uma
chance ao primeiro filósofo? Tal questão permanece em nós.
Em Três Concepções Acerca do Conhecimento Humano (POPPER,
1975b, p. 385), Popper mostra Galileu e Kepler fazendo
descobertas que hoje, podendo o homem olhar a Terra, de
fora, do espaço, são primárias e básicas. Todavia, como eles
sabiam que Copérnico estava certo? A resposta está em terem
estudado o sistema solar por intuição criativa, interpretação
matemática e pela visão evolucionária em relação aos fatos.
Lembremos que Popper exalta a tradição racionalista da
civilização ocidental, ativada por Galileu na discussão crítica na
busca da verdade. “Avalia-se a ciência por sua influência
liberalizadora – como uma das forças máximas que se dirigem
para a liberdade humana” (POPPER, 1975b, p. 386).
Voltando à ilustração epistemológica de Russell da
história de Chuang-Tze, entendemos que Popper aceitaria o
primeiro filósofo da ponte provisoriamente, dando-lhe a
chance de explicar sua ideia nova teoricamente e de abri-la à
refutação. De fato, Popper defende a flexibilidade necessária
do epistemólogo para dar à teoria a chance de corroborar sua
têmpera.
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 310
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO 17
ÉTICA E TOTALITARISMO: A CRÍTICA DE POPPER AO
HISTORICISMO E À DOUTRINA DO POVO ESCOLHIDO
11:15); “meu povo, [...] meu eleito” (Isaías 43:20); “Judá foi seu
santuário, e Israel seu domínio” (Salmos 114:2); “meus eleitos”
(Isaías 65:15).
A ideia de herança e de propriedade (como um
tesouro, a melhor parte) aparece como uma variação da ideia
de povo escolhido. Algumas passagens que refletem esta
doutrina são: “[Israel] tornou-se a minha herança” (Jeremias
12:8); “Israel, minha herança” (Isaías 19:25); “sereis a minha
propriedade peculiar dentre todos os povos” (Êxodo 19:5);
“são eles o teu povo e a tua herança” (Deuteronômio 9:29); “o
Senhor te escolheu, de todos os povos que há sobre a face da
terra, para lhe seres o seu próprio povo” (Deuteronômio 14:2);
“Israel, meu eleito” (Isaías 45:4). Em decorrência desse
sentimento de posse, que se atribui a Deus, acredita-se
também que a libertação do povo, pela ação divina, é motivo
de contentamento para o próprio Deus: “E tirou dali o seu
povo com alegria, e os seus escolhidos com regozijo” (Salmos
105:43). E o próprio Deus se confronta com as outras nações,
em defesa de seu povo escolhido: “Congregarei todas as
nações, e as farei descer ao vale de Jeosafá; e ali com elas
entrarei em juízo, por causa do meu povo, e da minha herança,
Israel, a quem elas espalharam entre as nações e repartiram a
minha terra” (Joel 3:2). Compreende-se, daí, que, como
sustenta Popper, a doutrina do povo escolhido implica uma
“interpretação da divindade como um deus tribal” (1987, v. II,
p. 29). Por essa razão, segundo Popper, até mesmo a
concepção de monoteísmo dos judeus é “tribal e exclusivista”
(1987, v. I, p. 305).
Subjaz, na doutrina do povo escolhido, a ideia de
distinção, de honra especial: “o Senhor teu Deus te escolheu,
para que lhe fosses o seu povo especial, de todos os povos que
há sobre a terra” (Deuteronômio 7:6). Disso decorre a ideia de
poder e grandeza, acima de todos os outros povos: “teu povo
que elegeste; povo grande, que nem se pode contar, nem
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 326
CONCLUSÃO
A crítica de Popper à doutrina do povo escolhido é um
componente de sua crítica global ao totalitarismo e ao
historicismo, raiz de sua compreensão do racionalismo crítico
como atitude ética (OLIVEIRA, 2011). Uma vez que “a
interpretação historicista pode ser comparada a um holofote
que focalizamos sobre nós mesmos” (1987, v. II, p. 277), tanto
do ponto de vista epistemológico quanto político social, o
ENSAIOS SOBRE O PENSAMENTO DE KARL POPPER 333
REFERÊNCIAS
OLIVEIRA, Paulo Eduardo de. Da ética à ciência: uma nova leitura de Karl
Popper. São Paulo: Paulus, 2011.
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