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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

PABLO DA CONCEIÇÃO MOURENTE

RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL E FRAUDE


NA EXECUÇÃO CIVIL

VITÓRIA-ES
2011
PABLO DA CONCEIÇÃO MOURENTE

RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL E FRAUDE


NA EXECUÇÃO CIVIL

Monografia apresentada à banca


examinadora de Processo Civil da
Universidade Federal do Espírito
Santo como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em
Direito.
Orientador: Prof. Doutor Marcelo
Abelha Rodrigues.

VITÓRIA-ES
2011
Ao meu pai, pela educação de esmero que me deu;
À minha mãe, pelo carinho e pelo amor de mãe;
Aos meus avós, que, mesmo à distância, sempre me apoiaram;
À minha namorada, que sempre me incentivou.
AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer à Universidade Federal do Espírito Santo, por simplesmente


me ensinar TUDO que sei em Direito.
Ao meu professor orientador Marcelo Abelha Rodrigues, que me despertou, em suas
aulas, ainda no sexto período, o interesse pelo assunto do presente trabalho, e por
ter me orientado brilhantemente durante a elaboração do mesmo.
À minha namorada Lohanna, com quem travei discussões jurídicas homéricas, e que
me incentivou bastante.
Aos meus avós paternos e maternos que, incondicionalmente, sempre me apoiaram.
Aos meus pais, que sempre me incentivaram a batalhar na vida.
“É no problema da educação que assenta
o grande segredo do aperfeiçoamento da
humanidade.”
Immanuel Kant
RESUMO

A Responsabilidade Patrimonial e a Fraude contra Credores são temas dos mais


importantes no que diz respeito à satisfação dos exequentes na execução civil. Isso
porque, não fossem tais institutos, o jurisdicionado credor teria uma sentença
condenatória sem eficácia social. E é nesse sentido que se desenvolve o presente
trabalho, que tem por fim esclarecer os pontos que mais impedem a aplicação plena
de tais institutos na prática processual. Para tanto, divide-se a presente monografia
em dois capítulos: o primeiro relativo à Responsabilidade Patrimonial, seu
desenvolvimento na história do Direito, sua natureza e seus contornos, estes no
Direito Brasileiro e Alienígena. Assim, o primeiro capítulo, pressuposto lógico para o
segundo, dá lugar a este, que trata da Fraude contra Credores. Tratamos de seu
histórico, desde suas raízes no Direito Romano até os dias atuais, sua natureza, e
seus elementos, conforme doutrina e jurisprudência clássicas e modernas. Desse
modo, defendemos no presente trabalho quais os elementos necessários, ao nosso
ver, para a configuração da Fraude contra Credores, que, não por acaso, se
coadunam com a finalidade social de tal instituto, que nada mais é do que fornecer
mais segurança jurídica nas relações patrimoniais.

Palavras-chave: Responsabilidade Patrimonial. Fraude contra Credores. Tutela do


crédito.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................7

1 RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL................................................................10
1.1 HISTÓRICO........................................................................................................11
1.2 NATUREZA E CARACTERÍSTICAS...................................................................20

2 FRAUDE CONTRA CREDORES...........................................................................32


2.1 HISTÓRICO........................................................................................................35
2.2 CONCEITO, CARACTERÍSTICAS E INDIVIDUALIZAÇÃO................................38
2.3 ELEMENTOS......................................................................................................44
2.3.1 Existência de um crédito anterior................................................................45
2.3.2 Insolvabilidade do devedor – Eventus damni.............................................49
2.3.3 Elemento subjetivo – Consilium fraudis......................................................55

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................65

REFERÊNCIAS..........................................................................................................69
7

INTRODUÇÃO

No âmbito das relações jurídicas patrimoniais entre particulares, ou entre um


particular e o ente público (em que este último figure como credor), o que traz
segurança nos negócios é a Responsabilidade Patrimonial. Tal instituto funciona
como garantia patrimonial geral dos credores, um dos meios com que eles podem-
se satisfazer nos casos em que necessitem receber forçosamente valores em juízo.

Contudo, a existência da Responsabilidade Patrimonial não garante a efetiva


satisfação dos créditos em juízo, pois, não obstante o devedor seja obrigado a
responder com seu patrimônio presente (atual) e futuro1 pelas obrigações, ele pode
não ter patrimônio suficiente para satisfazer o crédito. E a inexistência desse
patrimônio no momento da satisfação do crédito em juízo pode advir de dois
motivos: ou o devedor já não o tinha desde a avença da obrigação, caso em que tal
risco deve ser suportado pelo credor; ou ele tinha patrimônio suficiente ao tempo do
nascimento da obrigação, mas o dilapidou de forma a que seu passivo superasse o
seu ativo. Ele poderá ter feito isso dolosa ou culposamente2, ou sem culpabilidade,
apenas no curso normal de seus negócios. No primeiro caso (doloso ou culposo) é
que temos a Fraude contra Credores e a Fraude à Execução. O que ocorre é que na
Fraude à Execução, segundo posição doutrinária majoritária, há presunção iuris et
de iure do dolo da conduta.

Toda essa temática tem relevância prática extraordinária, visto que é na execução
que o jurisdicionado tem de fato satisfeita a sua pretensão. E, infelizmente, no Brasil,
é muito comum o uso dos ardis dos dois tipos de fraude supramencionados, com o
fito de se enganar a justiça e se obter vantagem. E os tribunais, até mesmo os
superiores, ainda vacilam no tratamento desses institutos, não os utilizando sempre
que se faz necessário, e, mesmo quando os utilizam, o fazem, muitas vezes, de

1
Mais à frente explicaremos qual seria o referencial aos adjetivos “presente” e “futuro” aqui
empregados, segundo as teorias existentes.
2
Também posteriormente é que explicaremos melhor a definição e os limites dessa conduta dolosa
ou culposa aqui exigida.
8

forma errônea. Tudo isso contribui para a insegurança jurídica e descrença no Poder
Judiciário.
Com base em nossa pouca vivência jurídica, e também nos testemunhos de
advogados e magistrados que conhecemos, podemos afirmar com propriedade que
as problemáticas da Fraude contra Credores e da Fraude à Execução são, hoje, no
Brasil, o maior problema da eficácia executiva das Justiças Civil e Trabalhista.
Diríamos, inclusive, que, na cultura social brasileira, a Fraude contra Credores tem
sido mais danosa do que a Fraude à Execução, pois, ardilosamente, os devedores,
para se esquivarem de suas obrigações, alienam seus bens fraudulentamente muito
antes do início de qualquer processo3 (e até mesmo antes de contrair obrigações),
justamente pelo conhecimento de que assim se torna mais difícil o credor atacar
aquela alienação.

O que pretendemos com a presente monografia é tratar dos principais pontos do


instituto da Responsabilidade Patrimonial, sua importância e aplicação prática nos
tribunais, além de tratar de um instituto que dela decorre, qual seja, a Fraude contra
Credores. Não abordaremos de maneira específica a Fraude à Execução, pelas
limitações de se tratar de um trabalho monográfico de conclusão de curso. Não
obstante, mencionaremos incidentalmente tal instituto, quando for conveniente.

Mesmo no que concerne à Fraude contra Credores, não pretendemos esgotar tal
assunto, mas tratar tão somente dos pontos em que há divergências doutrinária e
jurisprudencial, e que obstaculizam a plena eficácia social de tais institutos. E
pretendemos fazê-lo de maneira bastante profunda, indo ao cerne das questões, e
qual o desdobramento delas na prática. Para tanto, o presente trabalho se divide em
dois capítulos.

O primeiro capítulo trata da Responsabilidade Patrimonial. Discorreremos acerca da


natureza de tal instituto, se civil ou processual, além de abordarmos o seu conceito e
as suas principais características. No segundo capítulo, entraremos no tema da
Fraude contra Credores, desde a sua origem no Direito Romano até os dias atuais,

3
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de execução civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2009, p. 76.
9

traçando também um paralelo de como é tal instituto atualmente no Direito


alienígena, além de apontarmos os remédios jurídicos cabíveis.

O método empregado para a pesquisa é o indutivo, tendo em vista que se parte de


noções concretas para se chegar a pontos mais gerais da discussão acerca dos
institutos.

Em toda esta pesquisa tentaremos retratar, além da doutrina, a jurisprudência a


respeito dos assuntos, visto que, não obstante o papel transformador da doutrina, é
no Poder Judiciário que realmente se realiza a Justiça. Esperamos que, com esse
trabalho, consigamos esclarecer os pontos de divergência no tratamento de tais
institutos, para que, talvez, o Judiciário uniformize o tratamento da causa, que, bem
tratada, só trará mais Justiça, Segurança Jurídica e Paz Social.
10

1. RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL

O instituto da Responsabilidade Patrimonial é algo que nem sempre esteve no plano


de fundo do direito obrigacional, visto que, no Direito Romano Arcaico (período da
legis actiones, que perdurou até o século II a.C) por exemplo, um cidadão podia
suportar com seu corpo o inadimplemento de alguma obrigação sua4.

Leciona Caio Mário da Silva Pereira, a respeito da Responsabilidade Patrimonial no


Direito Romano5:
“Focalizando o Direito romano, já encontramos o conceito de obrigação
bastante apurado mesmo nos primeiros tempos, e logo nitidamente
formulado, desde que lhe foi possível distinguir o direito de crédito dos
direitos reais, como um iuris vinculum hábil a prender um devedor a um
credor. Mas não é da primeira hora, senão do período clássico, o enunciado
de que se situa a substância da obrigação em aliquid dando, vel faciendo,
vel praestando. No princípio, em razão da pessoalidade do vínculo, o
devedor se achava comprometido e respondia com o próprio corpo pelo seu
cumprimento, estabelecendo-se o poder do credor sobre ele (nexum),
compatível com a redução do obrigado à escravidão (manus iniectio), se
faltava o resgate da dívida. Estas idéias eram tão naturalmente recebidas
que não repugnava impor sobre o devedor insolvente um macabro concurso
creditório, levando-o além do Tibre, onde se lhe tirava a vida e dividia-se o
seu corpo pelos credores, o que, aliás, está na Tábula III: “Tertiis nundinis
partis secanto; si plus minusve secuerunt se fraude esto.” Tal concepção,
logicamente, desconhecia completamente o valor fundamental do
ordenamento jurídico contemporâneo relacionado à dignidade da pessoa
humana. [...]
Com a Lex Poetelia Papiria, de 428 a.C., foi abolida a execução sobre a
pessoa do devedor, projetando-se a responsabilidade sobre os seus bens
(pecuniae creditae bona debitoris, non corpus abnoxium esse), o que
constituiu verdadeira revolução no conceito obrigacional.”

Com o desenvolvimento das sociedades, da Roma Antiga aos tempos atuais,


passando pelo Direito medieval, com seus retrocessos (como a volta da execução
corporal) e avanços (como o fim dos atos de autoridade privada) 6, e chegando
finalmente ao Direito moderno (por meio do fenômeno da recepção7), que, teve
como grande marco inaugural do conceito liberal de obrigação o Código
Napoleônico (que simbolizou a supremacia definitiva da responsabilidade patrimonial

4
DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 7 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 32.
5
SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de direito civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2008, v. II, p. 10-12.
6
DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 60.
7
LIEBMAN, Enrico Tullio apud ibidem, p. 62.
11

sobre a corporal8), passou-se para o conceito atual de obrigação da teoria dualista,


que divide o vínculo obrigacional em débito (Schuld), e responsabilidade (Haftung)9,
distinção inicialmente desenvolvida na doutrina alemã de Brinz 10.

E é nesta última idéia que repousa o art. 391 do Código Civil Brasileiro de 2002, que
reza o seguinte: “Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do
devedor”. No nosso atual Código de Processo Civil também há prescrição
semelhante, no art. 591: “O devedor responde, para o cumprimento de suas
obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições
estabelecidas em lei.”.

Podemos conceituar, então, a Responsabilidade Patrimonial, no Direito Brasileiro


atual, como “uma situação jurídica subjetiva de expectativa de vantagem em favor
do credor de satisfazer o seu crédito sobre os bens do devedor, caso este seja
inadimplente11.”

1.1 HISTÓRICO

Embora, no início, não se tratasse ainda de Responsabilidade Patrimonial, temos


por importante narrar um pouco a temática da responsabilidade executiva no Direito
Romano.
O Direito Romano teve três sistemas de processo que se sucederam: o da legis
actiones (período arcaico), o formular (período clássico) e o da extraordinaria
cognitio (período pós-clássico)12.

8
DANTAS, Rodrigo Emanuel de Araújo. Execução civil após as leis 11.232/05 e 11.386/06: enfoque
sobre a nova sistemática da penhora na perspectiva constitucional. Disponível em:
<http://www.esmarn.org.br/ojs/index.php/revista_teste1/article/viewFile/65/57>. Acesso em: 11 de
Junho de 2011.
9
ASSIS, Araken de. Comentários ao Código de Processo Civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2004, v. VI, p. 224.
10
LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 33, nota de
rodapé 23.
11
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de execução civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2009, p. 68.
12
CORREIA, Alexandre; SCIASCIA, Gaetano. Manual de Direito Romano. 5 ed. Rio de Janeiro:
Cadernos Didáticos., [198?], v. I, p. 76.
12

No período arcaico da Roma Antiga (sistema processual da legis actiones, que


perdurou até o século II a.C.), não havia distinção clara entre o corpo e o patrimônio
do obrigado, fazendo com que a execução pudesse ter caráter corporal 13. Inclusive,
havia até um respeito maior pelo patrimônio de uma pessoa do que pela pessoa em
si, fazendo com que a execução recaísse sobre o corpo do devedor e não sobre o
seu patrimônio14.

Além disso, somente a atividade cognitiva é que era judicializada, e encerrava-se aí


a tutela estatal. A execução, pessoal, era feita pelo próprio credor (manus injectio).
Segundo Emilio Betti, citado por Dinamarco, no século V a.C., a autotutela ainda não
estava completamente superada15:

“Como se vê, no século V a.C., o Estado ainda não conseguira impor-se


imperativamente aos súditos. Continuavam eles a exercer a faculdade de
autotutela de antes, simplesmente limitada pela necessidade daquela fase
inicial in jure; eram eles mesmos quem prendia (sic) o devedor, mantinha-o
(sic) preso, exibia-no (sic) no comitium, matava-o (sic), vendia-o (sic) trans
Tiberim.”

Apesar dessa prática executiva do Direito Romano Arcaico que certamente seria,
nos dias de hoje e na maioria dos países do mundo, tida como brutal e totalmente
inaceitável frente ao Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, o
patrimônio do executado, naquele mesmo sistema, era intocável.

Por meio do raciocínio “Cui licet quod est plus, licet utique quod est minus” (“quem
pode o mais, pode o menos”, em tradução livre), poderíamos pensar que, sendo
permitida ao credor a execução corporal (mais gravosa, sob a ótica contemporânea)
também seria permitida a execução patrimonial (menos gravosa, portanto). Todavia,
não era o que ocorria, pois não podia o exequente retirar do patrimônio do
executado a coisa ou a importância devida16. “Só depois da morte do devedor seria
possível (provavelmente) apoderar-se de seu patrimônio”.17

13
DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 7 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 32.
14
CUENCA, Humberto apud ibidem, p. 32.
15
BETTI, Emilio apud ibidem, p. 34.
16
DINAMARCO, Cândido Rangel, op.cit., p. 39.
17
CUENCA, Humberto apud ibidem, p.39.
13

Nos dias precedentes à finalização da execução corporal pelo exequente, ficava o


devedor, que já estava preso, e sua família, sob intensa pressão psicológica. Esse
sistema de ameaça de um mal maior em virtude do inadimplemento se trata da atual
execução indireta, por meio da qual se tenta “(...) convencer o devedor a satisfazer
voluntariamente o direito do credor, sem contudo se invadir o seu patrimônio.” 18

Um pouco menos antiga do que a manus injectio é a pignoris capio, que, junto com a
primeira, eram as duas únicas relativas ao processo executivo das legis actiones19.
Por meio da pignoris capio, a execução se dava sobre o patrimônio do devedor, e
não mais sobre a pessoa deste. Todavia, além de ser restrita “especificamente ao
cumprimento de certas obrigações públicas ou sacras previstas em lei ou
designadas pelos costumes”20, a pignoris capio ainda possuía um viés de castigo,
pois o procedimento era o seguinte21:

“Apanhava o credor apanhava um objeto do devedor e o mantinha consigo


durante determinado prazo, a ver se ele se resolvia a pagar (pressão
psicológica”. Não feito o pagamento no prazo, ele podia destruir o bem ou
(segundo alguns) tê-lo para si, para satisfação do crédito.”

O início substancial da passagem da Responsabilidade Corporal para a


Responsabilidade Patrimonial se deu com a Lex Poetelia, aproximadamente do
século III ou IV a.C.,, que: proibiu a morte e o acorrentamento do devedor; permitiu
que o credor, mediante juramento de que tinha bens suficientes para satisfazer o
crédito, repelisse a mão que o prendia; entre outras inovações. A mais importante
dessas inovações foi, contudo, a extinção do nexum, fazendo com que o devedor
passasse “(...) a responder por suas obrigações com o patrimônio que tivesse, não
mais com o próprio corpo (pecuniae creditae bona debitoris, non corpus obnoxium
esset).” 22

Na transição do período arcaico (legis actiones) para o período clássico (formular),


houve o surgimento da bonorum venditio, bonorum cessio, e bonorum distractio, em

18
DINAMARCO, Cândido Rangel, op. cit., p.39.
19
CORREIA, Alexandre; SCIASCIA, Gaetano. Manual de Direito Romano. 5 ed. Rio de Janeiro:
Cadernos Didáticos, [198?], v. I, p. 77.
20
DINAMARCO, Cândido Rangel, op. cit., p.41.
21
DINAMARCO, Cândido Rangel, op. cit., p.42.
22
CORREIA, Alexandre; SCIASCIA, Gaetano, op. cit., v. I, p. 59.
14

que, a grosso modo, por meio de um procedimento envolvendo o magistrado e o


credor (portanto, não ainda totalmente sob a tutela puramente estatal), vendiam-se
os bens do devedor para saldar a dívida, respeitando-se, inclusive, os bens
necessários à subsistência do devedor, ampliou-se a superação da responsabilidade
corporal pela patrimonial.23

No período clássico (formular) da Civilização Romana acentuou-se mais ainda a


limitação à execução corporal, e a difusão da execução patrimonial. O procedimento
executivo ordinário passou a ser o já citado bonorum venditio24. Já na
responsabilidade patrimonial, foi notória também a evolução dela no que diz respeito
à restrição da invasão patrimonial, já se podendo delimitar o embrião do “princípio do
menor sacrifício possível”, em que a execução se ajustava na estrita medida do
débito.

E toda essa evolução correspondeu, não por acaso, ao fortalecimento do Estado


Romano, e à publicização da atividade executiva, restringindo, cada vez mais, os
casos de autotutela.

No período pós-clássico (extraordinaria cognitio), o monopólio da guarda e da venda


dos bens do executado passou a ser dos órgãos auxiliares do magistrado
(apparitores), numa espécie do que se chama hoje no Brasil “oficial de justiça”.
Deixaram, desse modo, de procederem à guarda e à venda desses bens os
credores. Nesse período, após os apparitores realizarem a penhora, “nascia para o
exeqüente um direito de prelação sobre o objeto, de modo que, salvo resíduos, este
não poderia servir à satisfação de outros credores”25. Aprofundou-se ainda mais a
limitação à execução corporal e a difusão da execução patrimonial.26

Com as invasões bárbaras, vieram os institutos de Direito de tais povos, que em


muito diferiam dos institutos que haviam se desenhado ao longo do tempo no Estado
Romano. No Direito daqueles povos (em linhas gerais, pois eram vários e distintos
os povos bárbaros, como os visigodos, os lombardos, os ostrogodos, etc., cada um
23
DINAMARCO, Cândido Rangel, op. cit., p.44-45.
24
CORREIA, Alexandre; SCIASCIA, Gaetano, op. cit., v. I, p. 87.
25
DINAMARCO, Cândido Rangel, op. cit., p.48.
26
Ibidem, p. 50.
15

com sua própria cultura), ainda havia uma grande dose de autonomia e autotutela, e
o Estado ainda não havia monopolizado a execução. E a responsabilidade do
devedor pelas obrigações ainda não havia evoluído para a patrimonialidade, ainda
incidindo sobre o próprio corpo do devedor27.

Após isso, os institutos romanos e germânicos foram se fundindo durante a Idade


Média, no que conhecemos hoje como Sistema Romano-Germânico. Nesse período,
segundo Cândido Dinamarco, “Não há agressão patrimonial alguma sem prévia
cognição (salvo os casos, já referidos, dos títulos executivos extrajudiciais) e estão
afastados os atos de autoridade privada.28Restringiu-se a execução corporal, e,
mesmo a “branda” prisão por dívida foi tendo a sua aplicação diminuída a casos
restritos.29

E, a partir do fenômeno da recepção30, o Direito Medieval, fruto do sincretismo entre


o Direito Romano e o Direito dos povos bárbaros, chegou até a península ibérica e
foi cultivado pelos jovens do recém-criado Reino de Portugal que eram enviados à
Universidade de Bolonha para estudar Direito. Nessa universidade, havia uma forte
tendência da repristinação do Direito Romano, por meio do método das glosas do
Corpus Juris Civilis31 e dos brocardos. Logo no início de seu reconhecimento como
Estado independente dos Reinos de Leão e Castela, Portugal coloca-se como
feudatário da Santa Sé, devendo a ela pagar tributos32. Isso contribuiu para a
influência do Direito Canônico na cultura jurídica portuguesa33.Nos fins do Século
XIII, foi fundado o “Estudo Geral de Lisboa”, atual Universidade de Coimbra. Nessa
instituição, foi incluída uma cátedra destinada ao estudo do Direito Romano.

27
ibidem, p.52-53.
28
ibidem, p.60.
29
ibidem, p.61.
30
LIEBMAN, Enrico Tullio apud ibidem, p. 62.
31
O Corpus Juris Civilis foi uma codificação empreendida por Justiniano, Imperador do Império
Romano do Oriente (Império Bizantino), no século VI d.C, que reúnia uma compilação e
reorganização das leis romanas, com o intuito de salvaguardar a herança do Direito Romano. Era
composto por quatro partes: Institutas, Digesto, Código, e Novelas. Na verdade, tal conjunto só
recebeu a denominação de Corpus Juris Civilis por Dionísio Godofredo, romanista francês, já no
século XVI. (CORREIA, Alexandre; SCIASCIA, Gaetano, op. cit., v. I, p. 303-314).
32
SIMÕES, Fernando José Corte Real Cunha. História de Portugal de 1097-2005. Disponível em:
<http://www.cunhasimoes.net>. Acesso em: 12 de Junho de 2011.
33
DINAMARCO, Cândido Rangel, op. cit., p.63
16

Nesse contexto de influências do Direito Romano e do Direito Canônico, foram


editadas, no séc. XV, as Ordenações Afonsinas34. Nestas, a execução era estatal, e
havia a possibilidade de prisão do devedor (Livro IV, Título LXVII), todavia, não
entendemos ser ainda uma espécie de execução corporal, como era no início do
Direito Romano, Isso porque a prisão do devedor perdurava somente até o
adimplemento da dívida35, funcionando assim como as atuais astreintes, ou seja, um
elemento que visava a conseguir a satisfação do credor com a colaboração do
devedor. No Direito Romano, diferentemente disso, a execução tinha um caráter
penal, em que, passado o momento em que o executado tinha para cumprir
espontaneamente a obrigação, ele poderia ser, entre outras coisas, morto, ou
vendido além do Tibre. Não poderia mais o executado, após certo momento, cumprir
espontaneamente a obrigação para livrar-se da execução corporal.

Seguiram-se às Ordenações Afonsinas, as Ordenações Manoelinas as Filipinas.


Nestas, reproduziu-se sobre as mesmas bases o instituto da prisão civil por dívidas
(Ordenações Manoelinas, Livro IV, Título VII; Ordenações Filipinas (Livro IV, Título
LXXVI)36. Nas duas últimas - as Manoelinas e as Afonsinas - havia a determinação
de bens inexpropriáveis:

“com privilégios de fidalgos e cavalheiros, cujos cavalos, armas, livros,


roupas, estavam a salvo (em princípio), da responsabilidade executiva; e
com a proteção dos lavradores, mediante proibição de penhorar bois de
37
arado e sementes.”

Isso demonstrava uma maior humanização da responsabilidade, já plenamente


patrimonial. Em 20 de Junho de 1774, foi editada uma lei processual que continha
preceitos de limitar a agressão patrimonial ao executado aos limites do necessário38.

Com a Independência do Brasil, em 1822, de início não havia, por óbvio, leis
nacionais que pudessem tratar a respeito de todos os assuntos, e, por outro lado,
34
Ibidem, p.64.
35
ARENHART, Sérgio Cruz. A prisão civil como meio coercitivo. Disponível em:
<http://ufpr.academia.edu/SergioCruzArenhart/Papers/143282/A_PRISAO_CIVIL_COMO_MEIO_CO
ERCITIVO >. Acesso em: 12 de Junho de 2011.
36
ARENHART, Sérgio Cruz. A prisão civil como meio coercitivo. Disponível em:
<http://ufpr.academia.edu/SergioCruzArenhart/Papers/143282/A_PRISAO_CIVIL_COMO_MEIO_CO
ERCITIVO >. Acesso em: 12 de Junho de 2011.
37
DINAMARCO, Cândido Rangel, op. cit., p.68.
38
Ibidem, p.69.
17

não podia ter-se como revogadas todas as leis portuguesas que até então vigiam,
pois haveria assim uma total anarquia. “Dessa forma, as Ordenações Filipinas e a
legislação portuguesa subsequente continuaram em vigor no Brasil mesmo após a
Independência”39. Assim, à falta de um Código de Processo Civil, as Ordenações
Filipinas ainda vigeram, no campo processual civil, até 1850, quando foi então
editado o famoso Regulamento n. 737 (Decreto 737/1850), que fez às vezes de um
código processual40. Tal regulamento tratava, contudo, somente do processo
comercial.

Com esse Regulamento, a execução continuou sendo uma atividade estatal e,


manteve-se a evolução da legislação portuguesa anterior, com a inexpropriabilidade
de bens (arts. 529-531 do Regulamento n. 737), e, inovou, disciplinando pela
primeira vez, a Fraude de Execução (art. 494)41:

“Art. 494. Consideram-se alienados em fraude da execução os bens do


executado:
§ 1.º Quando são litigiosos ou sobre elles pende demanda.
§ 2.º Quando a alienação é feita depois da penhora, ou proximamente a
ella.
§ 3.º Quando o possuidor dos bens tinha razão para saber que pendia
demanda, e outros bens não tinha o executado por onde pudesse pagar.”

Havia também nesse Regulamento, o instituto da “Detenção Pessoal”, em que, o


devedor era preso em algumas hipóteses em que tentava se ausentar sem quitar a
dívida. Contudo, tal instituto não tinha caráter de execução corporal, por motivos
dantes já expostos quando tratamos do assunto da responsabilidade nas
Ordenações Afonsinas. Isso porque a Detenção Pessoal cessava: a) pelo
pagamento; b) pela fiança ou depósito; c) pelo decurso de dois meses de prisão 42.
Devido à sua aplicabilidade restrita ao Processo Comercial, durante a vigência do
Regulamento n. 737, a disciplina processual referente às causas cíveis comuns

39
Ibidem, p.70.
40
LOPES, José Reinaldo de Lima. In: WOLKMER, Antonio Carlos (Org.). Fundamentos de história
do direito. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 375.
41
BRASIL. Regulamento n. 737. Decreto nº 737 de 25 de Novembro de 1850. Determina a ordem do
Juizo no Processo Commercial. Rio de Janeiro, 1850. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1800-1850/D737.htm>. Acesso em: 12 de Junho de
2011.
42
BRASIL. Regulamento n. 737. Decreto nº 737 de 25 de Novembro de 1850. Determina a ordem do
Juizo no Processo Commercial. Rio de Janeiro, 1850. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1800-1850/D737.htm>. Acesso em: 12 de Junho de
2011.
18

ainda ficou à mercê das Ordenações Filipinas, e, subsidiariamente, do Direito


Romano.

Diante de tal lacunosidade, sobreveio a Lei nº 2.033/1871. Tal lei teve papel
determinante na disciplina do processo civil no Brasil, pois:

“(...) determinava, em seu artigo 29, §14º, a execução de uma Consolidação


das Leis de Processo Civil, tarefa essa incumbida ao Conselheiro Antônio
Joaquim Ribas, dando-se, em homenagem ao seu autor, o nome de
“Consolidação Ribas”. O texto formulado tornou-se obrigatório em virtude da
aprovação do Poder Executivo, dada pela resolução da Consulta de 28 de
43
dezembro de 1876”

A Consolidação Ribas, fiel às Ordenações, manteve a prisão do executado que


retardasse dolosamente a execução por mais de três meses (art. 1.204), que
alheasse ou ocultasse os bens de modo a impedir a execução, e, sendo casado e
tendo bens móveis e imóveis, os alienasse ou ocultasse, a fim de sujeitar os bens da
mulher à execução, prejudicando-a (art. 1.205)44.

Mais tarde, em 1.890, foi editado o Decreto 763/1890, que mandava observar, nas
causas cíveis em geral, o disposto no Decreto 737/1850.

Com a Constituição Republicana de 1891, a competência para editar normas de


processo civil foi delegada aos Estados45, que, em geral, mantiveram os contornos
da legislação federal anterior46. Contudo, importante destacar que, já durante a fase
dos Códigos de Processo Civil Estaduais, já desaparecera a prisão civil “seja como
meio executório, seja como sanção pelo não cumprimento do dever de lealdade ou
pela recusa de colaborar com a Justiça.”47 Restaram, contudo, as prisões civis do
depositário, do comerciante que se recusa a apresentar em juízo os livros

43
OLIVEIRA, José Sebastião de apud CLEMENTEL, Fabiano Kingeski. O marco inicial da fraude à
execução: um aspecto polêmico. Disponível em:
<http://www.pucrs.br/direito/graduacao/tc/tccII/trabalhos2007_1/fabiano_kingeski.pdf>. Acesso em: 12
de Junho de 2011.
44
GRECO, Leonardo. O processo de execução. 1. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, v. I, p. 42.
45
LOPES, José Reinaldo de Lima. In: WOLKMER, Antonio Carlos (Org.). Fundamentos de história
do direito. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 377.
46
DINAMARCO, Cândido Rangel, op. cit., p. 74.
47
GRECO, Leonardo. op. cit., v. I, p. 45.
19

comerciais, dos leiloeiros que se recusam a prestar contas e a fazer a entrega do


produto dos leilões e do falido, nos casos previstos na legislação específica.48

Em 1939, já no Estado Novo, a competência em matéria de processo civil voltou a


ser da União, sobrevindo assim o Código de Processo Civil de 1939. E já sob a
égide desse código, os casos de prisão civil ficaram restritos aos casos: a) do
depositário infiel; b) e ao devedor de pensão alimentícia. Posteriormente, inclusive, a
Constituição de 1946 limitou a prisão civil a esses dois casos, em seu art. 141, § 32,
o que foi reproduzido nas Constituições posteriores.49 Reproduziu-se também, nesse
código, o instituto da Fraude de Execução (art. 888), inaugurado pelo Regulamento
n. 737.

Em 1973 foi editado o novo Código de Processo Civil, que é o que vigora
atualmente. Tal código não trouxe inovações consideráveis no que tange à
Responsabilidade Patrimonial, apenas ampliando, originalmente e por meio das
pequenas reformas que sofreu, o rol dos bens impenhoráveis, limitando ainda mais a
Responsabilidade Patrimonial do devedor. Foi mantido o instituto da Fraude de
Execução.

Importante destacar que o instituto da Responsabilidade Patrimonial somente


ganhou normas próprias e expressas definindo seus contornos no Código de
Processo Civil de 1973 (art. 591), e com o Código Civil de 2002 (art. 391). O Código
Civil de 1916 tratava apenas timidamente do tema, em seu art. 1.518.
Para encerrar este tópico referente à retrospectiva histórica do instituto da
Responsabilidade Patrimonial, trazemos importante trecho de autoria de Cândido
Rangel Dinamarco, que muito bem resume toda a história desse instituto50:

“Dos primórdios até então, já evoluíra o homem o suficiente para reprimir os


ímpetos de vingança e submeter-se ao Estado como única entidade
preparada a oferecer e impor soluções socialmente adequadas para seus
conflitos. E já evoluíra o Estado o suficiente para se impor aos particulares e
assumir essa tarefa que é essencial à vida da sociedade. A execução, por
isso, deixara de ser corporal, saiu da autotutela e já chegara plenamente ao
monopólio estatal.

48
Ibidem, p. 45.
49
Ibidem, p. 46.
50
DINAMARCO, Cândido Rangel, op. cit., p. 78-79.
20

(...)
Como já foi exposto, da irracional e desumana execução corporal evoluiu o
sistema executivo romano no sentido da mínima agressão patrimonial
possível, através da bonorum venditio, que cedeu passo à bonorum
distractio e esta ao pignus in causa judicati captum. Este veio a dar na
execução moderna, em que existem bens fora da responsabilidade pelas
obrigações do devedor (impenhoráveis), em que os bens penhorados são
avaliados, em que se procura evitar uma alienação a preço vil e ruinoso
para o executado, em que os familiares deste podem evitar a perda do bem,
mediante a remição etc.”

1.2 NATUREZA E CARACTERÍSTICAS

Após discorrermos acerca de toda a evolução histórica da responsabilidade


executiva – da corporal à patrimonial – é necessário traçarmos um conceito dela,
nos termos do Direito Brasileiro atual.

Na doutrina de Caio Mário da Silva Pereira51, a obrigação civil decompõe-se em três


elementos essenciais: sujeito, objeto, e vínculo jurídico. Para parte da doutrina, a
denominada doutrina unitarista, este último vínculo apresenta duas facetas: a do
débito, e a da responsabilidade. Desse modo, “a dívida (débito) é o dever de prestar
sob coação da ordem jurídica, que pode conduzir ao adimplemento voluntário ou
forçado. Assim, a responsabilidade é decorrência do vínculo obrigacional” 52. Nesse
sentido, o vínculo jurídico da obrigação seria o dever de prestar sob coação da
ordem jurídica53. São adeptos dessa teoria, entre outros, Caio Mário da Silva
Pereira54 e Orlando Gomes55. Fredie Didier56 também enuncia como adeptos a essa
teoria: Karl Larenz, Von Tuhr, Antunes Varela, Ovídio Baptista, Ruggiero, Marcelo
Junqueira Calixto, Alcides de Mendonça Lima, José Frederico Marques, Washington
de Barros Monteiro e Sérgio Cavalieri Filho.

51
Aderem a ele Washington de Barros Monteiro, César Fiuza, e Maria Helena Diniz. Orlando Gomes,
entretanto, defende haver ainda como elementos estruturais da relação obrigacional, além dos já
citados, o conteúdo e a causa (GOMES, Orlando. Obrigações. 17. ed. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2008, p. 21)
52
DIDIER, Fredie. Curso de direito processual civil. 2. ed. Salvador: Jus Podivm, 2010, p. 250.
53
VARELA, João de Matos Antunes apud ibidem, p. 252.
54
SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de direito civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2008, v. II, p. 29.
55
GOMES, Orlando. Obrigações. 17. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p. 18-20.
56
DIDIER, Fredie. Op. cit., p. 251.
21

Interessante destacar, dentro da teoria unitarista, a posição de Judith Martins-Costa,


citada por Fredie Didier, e por ele acompanhada, que vê a relação jurídica
obrigacional (vínculo jurídico) como uma relação dinâmica, cujas facetas não são
somente o débito e a responsabilidade, mas um conjunto de situações jurídicas,
como direitos subjetivos, deveres jurídicos, poderes, pretensões, ônus jurídicos,
sujeições e exceções.

Já para a doutrina moderna dualista, o vínculo jurídico obrigacional decompõe-se,


por sua vez, em dois fatores: o débito (Schuld), e a responsabilidade (Haftung).57 É
este último que seria o objeto de estudo que aqui se pretende conceituar.

O primeiro fator – Schuld - se trata do dever mesmo que o devedor, ou sujeito


passivo da relação obrigacional, tem de prestar uma certa atividade – um dare, um
facere ou um non facere. Tal fator, segundo Caio Mário, “facilmente se identifica,
mas não deve ser confundido com o objetivo da obrigação”58. Dentro ainda do
primeiro fator se encontra a faculdade do sujeito ativo da obrigação, ou credor, de
exigir do reus debendi o cumprimento da prestação antes mencionada.

Complementarmente a isso, também o credor tem o direito de reclamar a força


cogente estatal para assegurar o cumprimento da obrigação. É neste último direito
do credor que reside a responsabilidade (Haftung), que “permite ao credor carrear
uma sanção sobre o devedor, sanção que outrora ameaçava a sua pessoa e hoje
tem sentido puramente patrimonial, já que não é lícito impor a alguém, a prestação
específica de um fato (nemo ad factum precise cogi potest).”59
É de se ressaltar que o segundo fator do vínculo obrigacional – a responsabilidade,
ou Haftung – se destaca mais após o inadimplemento da obrigação, visto que é após
esse momento que vai o credor se valer do princípio da responsabilidade. Por força
desta última constatação é que alguns criticam a teoria dualista60:

“Observando que vastas vezes a obrigação se executa espontaneamente,


tiram alguns contra a teoria dualista o argumento de que, nesse caso, não
haveria o segundo elemento. Da explicação de Betti vem, muito sensível, a

57
SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Op. cit.., p. 30.
58
Ibidem, p. 30.
59
Ibidem, p. 30.
60
Ibidem, p. 30-31.
22

réplica, pois ensina ele que a responsabilidade é um estado potencial,


continente de dupla função: a primeira, preventiva, cria uma situação de
coerção ou procede psicologicamente, e atua sobre a vontade do devedor,
induzindo-o ao implemento; a segunda, no caso de a primeira falhar, é a
garantia, que assegura efetivamente a satisfação do credor.”

Outro ponto importante a se destacar é que nem sempre os dois elementos – Schuld
e Haftung – andam juntos, visto que, por exemplo, o segundo elemento pode nascer
com autonomia, posteriormente ao primeiro, como no caso em que se garante uma
dívida preexistente, por meio de uma fiança, ou de uma hipoteca. Nesse caso, nasce
uma nova61 responsabilidade posteriormente, no momento em que se contrata a
garantia.

E não é só quanto ao momento de seu surgimento que o débito e a responsabilidade


podem se separar, mas também quanto ao sujeito em que recai. Isso porque, é
plenamente possível, e comum, que o débito recaia sobre um sujeito e a
responsabilidade somente sobre outro, ou que débito e responsabilidade recaiam
sobre um mesmo sujeito, mas que sobre um terceiro recaia uma outra
responsabilidade, relativa àquele mesmo débito.

Do caso de responsabilidade sem débito temos o exemplo de alguém que celebra


um contrato de aluguel de imóvel urbano residencial, na condição de locatário,
avocando o débito e a responsabilidade para si. Posteriormente, um terceiro celebra
um contrato de fiança com locador e locatário, tornando-se fiador da dívida de
aluguel do locatário, assumindo, dessa forma, uma nova responsabilidade – sem
débito (que se cumula com a responsabilidade do locatário).

Dá-se o nome de responsabilidade patrimonial secundária aos terceiros sobre os


quais recai a responsabilidade sem débito. Ela pode ser legal ou convencional. O
art. 592, I, II e IV, do CPC nos dá exemplos de responsabilidade patrimonial
secundária legal. O fiador e o avalista seriam exemplos de responsáveis

61
Diz-se “nova” pois é claro que, em se tratando de obrigações civis, há, necessariamente, um
nascimento de um Haftung simultaneamente com o Schuld. O que se quis explicar e exemplificar,
nesse trecho, foi o nascimento de uma nova responsabilidade posteriormente, com a contratação de
uma garantia, em que não haveria o nascimento de um novo débito, mas sim somente se
acrescentaria uma nova garantia ao débito já existente (que já possuia também uma garantia
preexistente).
23

patrimoniais secundários convencionais. Já quando responsabilidade e débito


recaem sobre a mesma pessoa, temos a responsabilidade patrimonial primária.

Há, contudo, casos em que há obrigações sem responsabilidade, e nem mesmo


débito. São as chamadas “obrigações naturais”. Têm os dois primeiros elementos
essenciais enunciados por Caio Mário – sujeito e objeto. Porém, falta-lhes o último
elemento, que é o vínculo jurídico. Faltando o vínculo jurídico, não há
responsabilidade – um de seus fatores. São exemplos de obrigações naturais as
dívidas de jogo (exceto os legalmente permitidos) e as dívidas prescritas.
Em contraposição a toda a teoria de responsabilidade patrimonial acima
conceituada, que se trata de doutrina predominantemente civilista, há também “(...) a
escola dos processualistas (Carnelutti, Brunetti, Liebman) que identifica a Haftung
como o elemento publicístico, não integrante do direito subjetivo por traduzir-se no
direito à prestação jurisdicional do Estado”.62

Para tal escola, o fator “responsabilidade” da noção de vínculo jurídico não pertence
ao direito privado, ao direito subjetivo material. Implicaria então, tal fator, uma
realidade processual, pois importaria a susceptibilidade do patrimônio do devedor à
execução, para satisfação da dívida, típica relação de direito processual 63.
Washington de Barros Monteiro explica muito bem essa posição dos
processualistas, embora não seja a ela aderente64:

“Em posição muito mais interessante colocaram-se os processualistas.


Procuram estes afastar a controvérsia do campo do direito privado para
levá-la para o campo do direito judiciário civil, e, pois para o campo do
direito público.
Não negam seus adeptos a presença na obrigação dos dois elementos,
débito e responsabilidade; apenas contestam que o segundo, isto é, o
fenômeno da responsabilidade, seja privatístico, de direito subjetivo
material. Ao inverso, afirmam, esse elemento constitui vínculo de direito
judiciário, implica uma realidade processual, destinada a satisfazer o credor
através da prestação jurisdicional. A responsabilidade, elemento integrante
da obrigação, não advém do direito privado, mas constitui expressão do
poder soberano do Estado, o direito do credor é direito à ação do Estado.
Eis, em linhas gerais, os fundamentos da teoria publicística, preconizada na

62
Ibidem, p. 32.
63
DIDIER, Fredie. Op. cit., p. 250.
64
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, v. 4: Direito das Obrigações, 2ª
parte: das modalidades das obrigações, da transmissão das obrigações, do adimplemento e
da extinção das obrigações, do inadimplemento das obrigações. 32. ed. São Paulo: Saraiva,
2003, p. 27.
24

Itália por ENRICO TULLIO LIEBMAN e BRUNETTI, além de CARNELUTTI,


que lobriga, no direito do credor, interesse ao gozo de um bem do devedor,
garantido por sanções e cuja aplicação depende de sua vontade. No direito
a essas sanções ele entrevê todas as formas destinadas à colocação da
máscara civilística a um direito processual.”

Liebman aduz que a Haftung não pode estar no âmbito do direito privado, visto que
não cabe ao credor, e sim ao Estado, se utilizar do poder de coerção para invadir o
patrimônio do devedor. Desde muito tempo, segundo ele, é o Estado, por meio de
sua soberania, o único autorizado a afetar o patrimônio alheio. O direito que caberia
ao credor, seria, nesse sentido, unicamente o direito de ação para provocar a
65
coação necessária por meio do órgão público competente .

Para o jurista italiano, seria a responsabilidade, portanto, vínculo de direito público


processual “consistente na sujeição dos bens do devedor a serem destinados a
satisfazer o credor, que não recebeu a prestação devida, por meio da realização da
sanção por parte do órgão judiciário”.66

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart também pertencem à corrente


dualista processualística, pois, segundo eles, caberia ao direito processual regular a
exigibilidade judicial do cumprimento das prestações. Tais autores vêem uma
implicação prática de tal posicionamento: em caso de sucessão de leis sobre a
responsabilidade patrimonial, deveria ser adotado o critério do isolamento dos atos
processuais, “aplicando-se a lei nova aos atos processuais (penhoras, alienações,
etc.) ainda não ocorridos e preservando-se os atos realizados antes da edição do
novo regime, independentemente do momento em que a obrigação tenha sido
constituída”67.

Alexandre Freitas Câmara também adere a esta corrente, aduzindo68:

“A responsabilidade patrimonial opera, como dito, no campo processual, e


não no campo substancial Isto se dá porque a responsabilidade patrimonial
não corresponde à uma relação entre credor e devedor, mas entre o Estado

65
LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 36-37.
66
Ibidem, p. 37.
67
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. 2. ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2008, p. 256.
68
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Editora
Lumen Juris, 2008, v. II, p. 192.
25

e o responsável, podendo aquele invadir o patrimônio deste, para o fim de


sujeitar bens que o integram, para permitir, assim, a atuação da vontade
concreta do direito objetivo.”

Humberto Theodoro Junior, também partidário a este posicionamento, destaca69:

“A obrigação, como dívida, é objeto do direito material. A responsabilidade,


como sujeição dos bens do devedor à sanção, que atua pela submissão à
expropriação executiva, é uma noção absolutamente processual.”

Quanto à controvérsia entre as correntes dualistas privatística e processual, estamos


com a posição muito esclarecida de José Frederico Marques, que bem distingue a
responsabilidade patrimonial (de que no presente capítulo deste trabalho estamos
tratando) da responsabilidade processual. A primeira seria, segundo tal autor, nítido
princípio de direito material, “de que alguém que se obriga responde com o seu
patrimônio pelo cumprimento da obrigação”70. A segunda é que seria princípio de
direito processual, que com o procedimento executivo, “vincula o devedor à relação
processual e seus bens à execução forçada”71. Frederico Marques, citando
Salvatore Pugliatti, continua, aduzindo que “embora constitua, no processo
executivo, situação autônoma de sujeição, deve estar conexa à anterior situação de
responsabilidade atinente ao direito substancial”72.

Não fosse assim, entendemos, todos os direitos potestativos que devam ser
exercidos mediante atuação do Poder Judiciário seriam de natureza processual, e
não material. Por exemplo: os direitos de requerer o despejo do inquilino
inadimplente, e de requerer o levantamento da quantia depositada no pagamento
por consignação73, embora sejam potestativos e só possam ser exercidos por meio
da via processual, são incontroversamente materiais. Por outro lado, fosse a
responsabilidade patrimonial instituto de direito processual, não haveria substrato
jurídico para se discutir a pertinência dos bens alienados em fraude contra credores
ao patrimônio penhorável, pois seriam anteriores a tal responsabilidade.

69
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e
processo cautelar. 30. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 95.
70
MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. 1. ed. Campinas: Bookseller,
1997, p. 69-71.
71
Ibidem, p. 70.
72
Ibidem, p. 70.
73
AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 201-202.
26

Apenas ilustrativamente, também citamos a posição dos irmãos Mazeaud, que


entendem haver três fatores do vínculo obrigacional, quais sejam, a dívida, a
responsabilidade em caso de inexecução e o constrangimento. Os dois últimos
seriam, portanto, mero desdobramento da Haftung.74

Não podemos deixar de esclarecer, entretanto, que a corrente prevalecente no


direito brasileiro atual não é, segundo Washington de Barros Monteiro, nem a binária
ou dualista (privatística ou processual), nem a unitária, mas sim uma mescla das
doutrinas privatística unitária e binária acerca do vínculo obrigacional75:

“Parece-nos que a verdade se encontra numa posição intermédia. Os dois


elementos são igualmente essenciais, tanto o pessoal, que vincula o
devedor ao credor, como o patrimonial, que submete os bens do primeiro,
para sujeitá-los à disposição do segundo.
O exemplo ministrado por BARASSI clareia devidamente os termos da
questão: Tício deve mil liras a Caio. Segundo a teoria clássica, a essência
da obrigação repousa no dever primário que toca ao devedor, de satisfazer
mencionada prestação, com o correlato direito do credor de demandá-la. Já
para a teoria dualista, ela consistirá precipuamente na responsabilidade do
devedor, que garantirá a execução com os próprios bens. Finalmente, para
a teoria eclética, a obrigação sustentar-se-á na conjunta ação dos dois
elementos (espiritual e moral), que se reúnem e se completam. Por outras
palavras, o conceito que melhor exprime a essência é a vantagem que o
vínculo oferece ao credor e a limitação que sofre o devedor.
Essa terceira corrente, que corresponde na atualidade à communis opinio, é
a mais satisfatória, sobretudo perante o Código Civil Brasileiro de 2002,
constantemente preocupado com o aspecto cultural e moral das relações
jurídicas. Ela não faz, como a teoria dualista, abstração dos valores
humanos, ideais e espirituais, mas, ao inverso, reconhece-lhes a
importância e significação”

No ordenamento jurídico brasileiro, atualmente, o princípio da responsabilidade


patrimonial se encontra guarido no art. 391 do Código Civil de 2002 76: “Art. 391. Pelo
inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor”.

Também está expresso no art. 591 do Código de Processo Civil 77: “Art. 591. O
devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus
bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.”
74
LIEBMAN, Enrico Tullio. Op. cit., p. 26.
75
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, v. 4: Direito das Obrigações, 2ª
parte: das modalidades das obrigações, da transmissão das obrigações, do adimplemento e
da extinção das obrigações, do inadimplemento das obrigações. 32. ed. São Paulo: Saraiva,
2003, p. 26.
76
BRASIL. Novo Código Civil. Lei nº 10.403 de 10 de janeiro de 2002. Aprova o novo código civil
brasileiro. Brasília, DF, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>.
Acesso em: 13 de Junho de 2011.
27

O ordenamento jurídico brasileiro vacila, portanto, entre a natureza do princípio da


responsabilidade patrimonial, se vínculo jurídico de natureza material ou processual.
De toda forma, colocou o legislador brasileiro, nos diplomas material e processual,
tal princípio. Deixou os pormenores, no entanto, para a disciplina processual.

Desde uma primeira análise do citado art. 591, já podemos inferir que, assim como
já se esboçava desde o período clássico romano, não era ilimitada a
responsabilidade patrimonial. O próprio dispositivo em comento já alude a possíveis
restrições, desde que estabelecidas em lei.

A respeito de uma possível responsabilidade pessoal no caso de execução de


prestação alimentícia (art. 733 do CPC), em que é cabível a prisão civil, entendemos
que não se trata de responsabilidade pessoal, pelos motivos já expostos
anteriormente quando da exposição histórica da responsabilidade no período das
Ordenações Afonsinas. Tanto assim é que a prisão civil cessa após o pagamento da
prestação alimentícia (art. 733, §3º).

Como a própria parte final do art. 591 do CPC diz, nem todos os bens do
responsável patrimonialmente são garantia da execução. O art. 649 de tal diploma
apresenta um extenso rol de bens, que por opção legislativa, foram tidos como
impenhoráveis. Opção essa, diga-se de passagem, não meramente discricionária,
mas que realmente tem importância para dar coerência a todo o ordenamento
jurídico.

De todo modo, o que mais nos importa em relação ao tema da Responsabilidade


Patrimonial, e de como ela se liga à Fraude à Execução e à Fraude contra Credores,
é a questão temporal, consubstanciada nos termos “presente” e “futuro” presentes
no art. 591 do CPC, que julgamos importante transcrever mais uma vez: “O devedor
responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens
presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.”.

77
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de
Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L5869.htm>. Acesso em: 13 de
Junho de 2011.
28

Obviamente ambos os adjetivos - “presentes” e “futuros” - não poderiam se referir


unicamente ao momento do ajuizamento da ação, pois, se os únicos bens que
garantissem uma obrigação fossem os presentes em tal momento ou que surgissem
depois, não existiriam o instituto da Fraude contra Credores, pois bastaria ao
devedor que alienasse todos os seus bens antes do ajuizamento da ação para que
tornasse infrutífero qualquer processo. Em sentido aparentemente contrário,
Alexandre Freitas Câmara entende que tais adjetivos referem-se aos bens presentes
e futuros à instauração do módulo processual executivo. Todavia, excetua os bens
sobre os quais haja uma garantia real, ou que tenham sido alienados em Fraude
contra Credores ou Fraude à Execução78.

Prosseguindo, induzimos que tais adjetivos devem se referir a um momento anterior


ao do ajuizamento da ação, momento esse que não permitisse que o devedor agisse
dolosamente para frustrar eventual necessidade do credor de exigir o crédito pelo
Poder Judiciário. E tal momento é o da formação da obrigação, seja ela uma
obrigação contratual, ou extracontratual, decorrente de ato ilícito ou decorrente de
um dever legal, por exemplo. Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior79 e Marcelo
Abelha Rodrigues80.
Cremos haver o mesmo efeito prático no nosso posicionamento ou na interpretação
de Câmara, supracitada.

Vale destacar também que, no projeto de lei original do Código Civil de 2002, Projeto
634/1975, havia presente, no que acabou se transformando no art. 391 de tal
diploma, a expressão “presentes e futuros” para se referir aos bens do devedor que
respondiam pelo inadimplemento das obrigações. Todavia, por força de emenda no
projeto, proposta pelo Deputado Fernando Cunha, foi suprimida tal expressão, sob a
alegação de que:

“o descumprimento da obrigação onera os bens, pouco importando se


presentes ou futuros. Claro é que se o devedor adquire outros, não se

78
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit., v. II, p. 193.
79
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e
processo cautelar. 30. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, § 112, 726.
80
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de execução civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2009, p. 72.
29

precisa dizer que os mesmos respondem pelas obrigações. Somente os


possuídos antes, transferidos no tempo, ou antes da dívida ou da ação, por
elas não respondem, mas isso também não precisa ficar dito porque tais
81
bens já não são do devedor” .

Nota-se que, mesmo partindo da premissa que os bens que constituem a


responsabilidade do devedor são desde os existentes à época da formação da
obrigação, na prática, há sujeitos maliciosos que escapam até a esse entendimento,
pois alienam todos os seus bens até mesmo antes de se vincularem a obrigações,
de modo a que possam ficar “imunes” a quaisquer processos que por ventura
possam surgir de obrigações a que ainda nem mesmo se comprometeram. São
sujeitos que, muitas vezes, vivem uma vida de luxos, porém com todo o patrimônio,
que na prática a eles pertence, em nome de terceiros. Existem, no entanto,
ordenamentos jurídicos alienígenas que sujeitam à responsabilidade patrimonial, em
certas situações, até bens anteriores a obrigações. É o caso do atual Código Civil
Português, em seu art. 610, a:82

“SUBSECÇÃO III
Impugnação pauliana
Artigo 610.º
(Requisitos gerais)
Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não
sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se
concorrerem as circunstâncias seguintes:
a) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto
realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do
futuro credor;‖

(grifo nosso)

Também o Código Civil Italiano, em seu art. 2.901, 1, prevê tal responsabilidade de
bens anteriores, no mesmo caso previsto no Código Civil Português.

81
DA SILVA, Regina Beatriz Tavares (org.). Novo Código Civil Comentado. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2007.
82
PORTUGAL. Código Civil. Decreto-Lei nº 47.344, de 25 de Novembro de 1966. Aprova o Código
Civil e regula a sua aplicação - Revoga, a partir da data da entrada em vigor do novo Código Civil,
toda a legislação civil relativa às matérias que o mesmo abrange. Lisboa, Ministério da Justiça, 25 de
Novembro de 1966. Disponível em: <http://www.portolegal.com/CodigoCivil.html>. Acesso em: 13 de
Junho de 2011.
30

No Brasil, embora não conste em texto expresso, há correntes doutrinárias no


sentido de se admitir, em certos casos, esse tipo de responsabilidade patrimonial de
bens anteriores ao crédito. Na lição de Carvalho Santos: 83

“Outra hipótese pode ocorrer e é quando a fraude é visada para o futuro.


Entendem alguns tratadistas que, nessa hipótese, o credor posterior (à
dívida) pode anular o ato, como vítima da fraude, embora o seu crédito não
fosse passado senão depois do ato lesivo.”

Podemos citar ainda acórdão do TJRS acolhendo tal posicionamento, afirmando que
a anterioridade do crédito: 84

“no entanto, é afastável quando ocorre a fraude predeterminada para atingir


credores futuros. Assim, por exemplo, quando o fiador, com o objetivo de
tornar vã a garantia prestada, despoja-se de seus bens e se constitui em
estado de insolvência, embora antes de ser constrangido a suportar as
conseqüências da garantia”

Interessante deixar anotado que o STJ acolheu o entendimento de Yussef Said


Cahali no sentido de ser possível a Responsabilidade Patrimonial de bens anteriores
ao crédito, no REsp 10.096, publicado no DJ em 25/06/1992, de relatoria do Ministro
Cláudio Santos. Também em recentíssimo acórdão do STJ, de relatoria da Ministra
Nancy Andrighi, foi reconhecida tal85:

“PROCESSO CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL.


FRAUDE PREORDENADA PARA PREJUDICAR FUTUROS
CREDORES. ANTERIORIDADE DO CRÉDITO. ART. 106, PARÁGRAFO
ÚNICO, CC/16 (ART. 158, 2º, CC/02). TEMPERAMENTO.
1. Da literalidade do art. 106, parágrafo único, do CC/16 extrai-se que a
afirmação da ocorrência de fraude contra credores depende, para além da
prova de consilium fraudis e de eventus damni , daanterioridade do crédito
em relação ao ato impugnado.
2. Contudo, a interpretação literal do referido dispositivo de lei não se
mostra suficiente à frustração da fraude à execução. Não há como negar
que a dinâmica da sociedade hodierna, em constante transformação,
repercute diretamente no Direito e, por consequência, na vida de todos nós.
O intelecto ardiloso, buscando adequar-se a uma sociedade em ebulição,
também intenta - criativo como é - inovar nas práticas ilegais e manobras

83
CARVALHO SANTOS apud CAHALI, Yussef Said. Fraudes Contra Credores. 3. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 158-159.
84
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 1ª CC, 26.11.1980, RJTJRS 90/258. No mesmo
sentido: BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. 6ª CC do TJSP, 09.11.1989, maioria, RJTJSP
124/33.
85
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.092.134-SP; Relatora Ministra Nancy
Andrighi. Órgão Julgador: Terceira Turma. Data do julgamento: 05/08/2010. Data da publicação/fonte:
DJe 18/11/2010. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 29 de Maio de 2011.
31

utilizados com o intuito de escusar-se do pagamento ao credor. Um desses


expedientes é o desfazimento antecipado de bens, já antevendo, num futuro
próximo, o surgimento de dívidas, com vistas a afastar o requisito
da anterioridade do crédito, como condição da ação pauliana.
3. Nesse contexto, deve-se aplicar com temperamento a regra do
art. 106, parágrafo único, doCC/16. Embora a anterioridade do
crédito seja, via de regra, pressuposto de procedência da ação pauliana,
ela pode ser excepcionada quando for verificada a fraude
predeterminada em detrimento de credores futuros.
4. Dessa forma, tendo restado caracterizado nas instâncias ordinárias o
conluio fraudatório e o prejuízo com a prática do ato ao contrário do que
querem fazer crer os recorrentes e mais, tendo sido comprovado que os
atos fraudulentos foram predeterminados para lesarem futuros credores,
tenho que se deve reconhecer a fraude contra credores e declarar a
ineficácia dos negócios jurídicos(transferências de bens imóveis para as
empresas Vespa e Avejota).
5. Recurso especial não provido.”

Também Orlando Gomes assevera que:

“De regra, só é anulável a transmissão feita depois de ter sido contraída a


dívida, mas não há razão para essa limitação porque o ato de alienação
praticado anteriormente pode ser dolosamente preordenado, a fim de
86
prejudicar a satisfação do futuro credor.”

No Direito Norte-Americano, a despeito de a legislação em matéria de execução ser


predominantemente estadual, existe uma limitação curiosa no que tange à
Responsabilidade Patrimonial: a execução não pode alcançar bens ou dinheiro do
devedor adquiridos depois do início da execução87.

Em linhas gerais, os pontos que foram destacados neste capítulo são os


fundamentais e mais importantes da Responsabilidade Patrimonial e sua relação
com a Fraude Contra Credores e com a Fraude à Execução.

86
GOMES, Orlando. Op. cit., p. 277.
87
GRECO, Leonardo. O processo de execução. 1. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, v. I, p. 93.
32

2. FRAUDE CONTRA CREDORES

A Fraude Contra Credores é, segundo doutrina de Caio Mário da Silva Pereira 88,
uma espécie de defeito do negócio jurídico, mais precisamente um vício social 89.
Para entender o que seria um vício social, é necessário entender a definição de
negócio jurídico. Tal seria, segundo o citado autor, “toda declaração de vontade,
emitida de acordo com o ordenamento legal, e geradora de efeitos jurídicos
pretendidos.”90

Nesse sentido, são três, portanto, os pressupostos do negócio jurídico: a existência


de uma declaração de vontade; a conformidade dessa declaração com o
ordenamento legal; e a capacidade dessa declaração de vontade de gerar efeitos
jurídicos pretendidos. Há de se verificar, portanto, a ocorrência de cada um desses
pressupostos. Para a existência do negócio jurídico, basta a ocorrência desses três
pressupostos. No entanto, para o mesmo ser válido, é necessário ir mais adiante,
perquirindo-se cada um dos pressupostos.

“É que pode ter ocorrido uma declaração de vontade, mas em circunstâncias tais
que não traduza a verdadeira atitude volitiva do agente, ou persiga um resultado em
divórcio das prescrições legais.”91. Em ambos os casos temos um negócio jurídico
defeituoso. Quando ocorre o primeiro caso (relativo à atitude volitiva), temos um
vício do consentimento. Já no segundo caso, é que temos um vício social, de que é
espécie a Fraude contra Credores.

Assim, na Fraude contra Credores, o agente realiza um negócio jurídico emitindo


uma declaração perfeita de acordo com a sua vontade, mas condenável pelo

88
A doutrina nacional é unânime em tal assertiva, que, na verdade, apenas interpreta o modo como a
questão é posta , tanto no Código Civil de 2002, como no anterior. Apesar disso, de lege ferenda,
alguns defendem que o instituto deveria ter sido posicionado em outra categoria jurídica, pois não se
alinha com os demais defeitos do negócio jurídico. Reconhecem tratar-se, do modo como está
desenhado no atual Código Civil, de defeito do negócio jurídico, entre outros: MONTEIRO,
Washington de Barros. Curso de Direito Civil, v. I: Parte Geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1966,
18; RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Parte Geral. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 183;
FIUZA, Cesar. Direito Civil – Curso Completo. 6 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, 175.
89
SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de direito civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2004, v. I, p. 536.
90
Ibidem, p. 478.
91
Ibidem, p. 513.
33

ordenamento jurídico. E por que a Fraude contra Credores seria condenável pelo
Direito?

É porque tal vício prejudica terceiros, quais sejam, credores. Para Silvio Rodrigues,
“diz-se haver fraude contra credores, quando o devedor insolvente, ou na iminência
de tornar-se tal, pratica atos suscetíveis de diminuir seu patrimônio, reduzindo,
desse modo, a garantia que este representa para resgate de suas dívidas.”92

Ao contrário da Fraude contra Credores, que, no ordenamento jurídico brasileiro foi


inserida no âmbito do Direito Civil, mais precisamente como defeito do negócio
jurídico (classificação inadequada, segundo alguns93), a Fraude à Execução foi
inserida no âmbito do Direito Processual Civil, no Código de Processo Civil.

Não obstante ser, no Brasil, matéria de processo e não de direito material, a Fraude
à Execução é definida por muitos como sendo uma “especialização” da Fraude
contra Credores94. Trata-se de instituto sem similar no direito estrangeiro95,

O que ocorre, em verdade, é que o que aqui se reconhece como Fraude à


Execução, instituto com tratamento diferenciado da Fraude contra Credores, é visto
e tratado, no direito alienígena, de forma idêntica a este último instituto, sendo que
não há, in casu, uma maior reprobabilidade por parte do ordenamento jurídico pelo
fato de a alienação fraudulenta ter sido feita no curso do processo. Para o Direito
Norte-Americano, por exemplo, o fato de a alienação ter sido feita durante o
processo seria apenas mais um indício de fraude (badge of fraud, como já citado no
capítulo anterior). Da mesma forma, no Direito Italiano96.

92
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Parte Geral. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 228.
93
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Fraude contra credores: a natureza da sentença pauliana. 2.
ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 124-125; CAHALI, Yussef Said. op. cit., p. 52;
94
RODRIGUES, Marcelo Abelha. op. cit., p. 83; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Fraude contra
credores: a natureza da sentença pauliana. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 132;
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Editora
Lumen Juris, 2008, v. II, p. 200-201; CAHALI. Yussef Said. op. cit, p. 79-81.
95
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Fraude no processo civil. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
2001, p. 100.
96
PUGLIA, Ferdinando apud CAHALI. Yussef Said. op. cit, p. 85.
34

A maior reprobabilidade da Fraude à Execução, se comparada à Fraude contra


Credores, no Direito Brasileiro, advém do fato de que, nesse caso, a fraude não
seria só prejudicial ao credor, mas também à função jurisdicional, pois seriam
despendidos tempo e dinheiro da máquina pública em um processo, que, ao final,
não satisfaria materialmente a pretensão do credor por força de um ato malicioso do
devedor. Nesse sentido, muito valiosa a doutrina clássica de Liebman97:

“A fraude toma aspectos mais graves quando praticada depois de iniciado o


processo condenatório ou executório contra o devedor. É que então não é
só mais patente que nunca o intuito de lesar os credores, como também a
alienação dos bens do devedor vem constituir verdadeiro atentado contra o
eficaz desenvolvimento da função jurisdicional já em curso, porque lhe
subtrai o objeto sobre o qual a execução deverá recair. Por isso, ainda mais
eficaz se torna a reação da ordem jurídica contra o ato fraudulento. Sem
necessidade de ação especial, visando a destruir os efeitos prejudiciais do
ato de alienação, a lei sem mais nega-lhes reconhecimento. Isto é, o ato de
alienação, embora válido entre as partes, não subtrai os bens à
responsabilidade executória; eles continuam respondendo pelas dívidas do
alienante, como se não tivessem saído de seu patrimônio. Além disso, a lei
dispensa a prova do elemento subjetivo da fraude, do consilium fraudis. A
intenção fraudulenta está in re ipsa; e a ordem jurídica não pode permitir
que, enquanto pende o processo, o réu altere a sua posição patrimonial,
dificultando a realização da função jurisdicional.”

Cabe também, antes de adentrarmos nas especificidades do assunto, fazermos uma


advertência: apesar da nomenclatura dada ao instituto objeto do presente estudo,
ele não se aplica somente no que se refere a alienações feitas durante o
procedimento executivo, mas sim também durante o procedimento cognitivo, desde
que condenatório98. Existem autores, com os quais concordamos, que defendem até
a possibilidade de Fraude à Execução durante demandas declaratórias,
constitutivas, cautelares, e até penais99.

97
LIEBMAN, Enrico Tullio. op. cit., p. 108.
98
CAHALI. Yussef Said. op. cit, p. 558.
99
Temos como exemplo de demanda constitutiva em desfavor da qual pode ocorrer Fraude à
Execução a demanda de divórcio, em que muitas vezes um dos cônjuges aliena bens a terceiros com
o propósito de excluí-los da meação. Também nas demandas constitutivas ou declaratórias, pode
haver condenação em pedidos acessórios, como custas, perícias, dano processual e honorários
advocatícios, que têm como lastro os bens de uma das partes. Demandas cautelares preparatórias,
como o arresto, também devem ser consideradas suficientes para preencher o requisito da existência
de demanda em curso para configuração da Fraude à Execução. Já quanto à Ação Penal, sua
existência não é, para a maioria da doutrina e da jurisprudência, requisito suficiente. Nesse caso,
seria necessário o trânsito em julgado de tal ação para que se considerasse uma alienação feita pelo
réu como Fraude à Execução. Há, porém, posicionamento doutrinário contrário, com o qual
concordamos, entendendo que bastaria o recebimento da denúncia para preencher o requisito de
demanda em curso capaz de ensejar o referido instituto fraudatório. Defendendo este último
posicionamento e com texto magistral a respeito da natureza do processo em curso quando da
alienação, ver CAHALI, Yussef Said. Fraudes Contra Credores. 4. ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2008, p. 422-429.
35

2.1 HISTÓRICO

Após a passagem da execução corporal para a execução patrimonial,


pormenorizada no item 1.1 do presente trabalho, já na passagem para o período
formular (período clássico), o devedor, com os expedientes da bonorum cessio e
bonorum distractio, não perdia a disponibilidade dos seus bens, o que o possibilitava
aliená-los em malefício de seus credores. Assim, houve a necessidade de criar-se –
e criaram-se - remédios jurídicos para a defesa preventiva de seu crédito: a) a actio
pauliana poenalis; b) o interdictum fraudatorium; e c) o restitutio in integrum.100
O primeiro desses remédios, respectivamente, visava a uma reparação pecuniária
pelo ilícito da fraus creditorum, que consistia na prática consciente, pelo devedor, de
atos que resultavam em sua insolvência ou agravamento de sua situação patrimonial
perante o credor101. Assim, por meio da actio pauliana poenalis, o réu era
condenado a uma pena pecuniária, que podia ser evitada caso o bem
fraudulentamente alienado fosse restituído ao patrimônio do devedor 102. O segundo
– o interdictum fraudatorium – visava à recuperação, por meio de uma decisão do
magistrado, de um bem saído do patrimônio do devedor (via administrativa). Já no
terceiro, rescindia-se judicialmente determinada saída do patrimônio do devedor103.

Foi já no direito justinianeu – em que foi compilado o já citado Corpus Juris Civilis –
que se fundiram o primeiro remédio – a actio pauliana poenalis – e o segundo – o
interdictum fraudatorium, conformando a Ação Pauliana que conhecemos no Direito
Contemporâneo. Tal nome se deveu ao fato de haver sido criada pelo Pretor Paulus,
por meio de um édito romano104.

100
CAHALI, Yussef Said. Fraudes Contra Credores. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2002, p. 82-83.
101
CORREIA, Alexandre; SCIASCIA, Gaetano. Op. cit.., v. I, p. 227.
102
SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de direito civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2004, v. I, p. 540.
103
FERNANDES, Roberta Silva Melo. Breves Comentários sobre a Impugnação Pauliana no Direito
Luso-Brasileiro. Disponível em: <
http://www.cmpadvogados.com.br/artigos/privado/10/a_impugnaaao_pauliana_nos_ordenamentos_jur
adicos_brasileiro_e_portuguas >. Acesso em: 23 de Maio de 2011.
104
FERNANDES, Roberta Silva Melo. Breves Comentários sobre a Impugnação Pauliana no Direito
Luso-Brasileiro. Disponível em: <
http://www.cmpadvogados.com.br/artigos/privado/10/a_impugnaaao_pauliana_nos_ordenamentos_jur
adicos_brasileiro_e_portuguas >. Acesso em: 23 de Maio de 2011.
36

Adverte Humberto Theodoro Júnior que a Fraude contra Credores implicava, já


àquele tempo, não a anulação do ato alienatório, mas a ineficácia do mesmo. Pois
se tratava “simplesmente de uma preservação da responsabilidade patrimonial que
pesava sobre o bem alienado.”105.

Não se tem muitas informações acerca do instituto da Fraude contra Credores no


Direito Medieval. Tem-se, contudo, que o instituto fora recepcionado do Direito
Romano106.
Merece destaque o tratamento rigoroso dado ao instituto na Baixa Idade Média,
especificamente na legislação estatutária107 italiana das comunas italianas, que
efervesciam comercialmente. Em tal contexto jurídico, havia presunção de fraude em
certos casos, como em alienações entre pessoas com vínculo de parentesco, ou
realizadas em determinado período de tempo precedente à insolvência, tendo em
conta a natureza do negócio108.

Abstemo-nos de repetir aqui a evolução e transição na história do Direito, como se


passou do Direito Romano ao Medieval, a volta dos estudos acerca do Direito
Romano, sua influência na formação do Direito Português, etc., em virtude de já
termos delimitado nitidamente tais contornos no item 1.1 do presente trabalho,
quando tratamos da evolução histórica do instituto da Responsabilidade Patrimonial.

No Direito das Ordenações (Afonsinas, Manoelinas e Filipinas), faltava uma


disciplina autônoma do instituto da Fraude contra Credores, mas havia algumas
passagens legislativas que denotavam casos em que a sentença poderia ser
executada contra terceiro não-devedor, em situações de Fraude contra Credores ou
Fraude à Execução (que não tinha distinção, à época)109. Como exemplos dessas
passagens, podemos citar, nas Ordenações Filipinas, o § 14, do Título LXXXIV, que
impedia que o devedor condenado a indenizar quantia em dinheiro se desfizesse de

105
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Fraude contra credores: a natureza da sentença pauliana. 2.
ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 75.
106
CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 111.
107
Tal expressão diz respeito à legislação local das cidades italianas, ainda não unificadas em um
Estado Nacional, à época.
108
CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 111.
109
CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 121.
37

“bens de raiz”, exceto se permanecesse com o patrimônio apto a honrar suas


dívidas110.

Após a Independência do Brasil, já sob a égide de um Direito Brasileiro, a Fraude à


Execução ganhou disciplina específica, inicialmente aplicável somente ao processo
comercial, por meio do Decreto nº 737, de 1850, e depois aplicável também ao
processo civil comum, por meio do Decreto nº 763, de 1890.
Pela importância histórica, repetimos aqui o já anteriormente transcrito art. 494 do
Decreto nº 737/1850, que tratava da Fraude de Execução111:

“Art. 494. Consideram-se alienados em fraude da execução os bens do


executado:
§ 1.º Quando são litigiosos ou sobre elles pende demanda.
§ 2.º Quando a alienação é feita depois da penhora, ou proximamente a
ella.
§ 3.º Quando o possuidor dos bens tinha razão para saber que pendia
demanda, e outros bens não tinha o executado por onde pudesse pagar.”

Ganhou também disciplina específica a Fraude contra Credores, chamada pelo


Decreto nº 737 de “fraude dos credores”. Tal instituto foi tratado pelo Código
Comercial (Lei nº 556, de 1850), em seu art. 828112:

“Art. 828 - Todos os atos do falido alienativos de bens de raiz, móveis ou


semoventes, e todos os mais atos e obrigações, ainda mesmo que sejam de
operações comerciais, podem ser anulados, qualquer que seja a época em
que fossem contraídos, em quanto não prescreverem, provando-se que
neles interveio fraude em dano de credores.”

Por sua topologia, contudo, tal instituto ainda era, à época, restrito às relações
comerciais, não abrangendo as relações civis comuns.

As legislações estaduais, que regulavam a disciplina processual civil nos estados no


período entre a Constituição de 1891 e a Constituição de 1937, não alteraram

110
LUBE, Rodrigo. Fraude contra credores. Monografia (Graduação) - Curso de Direito,
Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. 2005.
111
BRASIL. Regulamento n. 737. Decreto nº 737 de 25 de Novembro de 1850. Determina a ordem
do Juizo no Processo Commercial. Rio de Janeiro, 1850. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1800-1850/D737.htm>. Acesso em: 12 de Junho de
2011.
112
BRASIL. Código Comercial. Lei nº 556, de 25 de Junho de 1850. Rio de Janeiro, 1850. Disponível
em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L0556-1850.htm>. Acesso em: 23 de Maio de 2011.
38

significativamente a disciplina da Fraude, contra Credores e à Execução, disposta no


Decreto 737/1850 e no Código Comercial.

Foi em 1917, com a entrada em vigor do Código Civil, que se teve inovações na
matéria, pois tal Código tratou da Fraude contra Credores, nos arts. 106 a 113.
Todavia, deixou a descoberto a disciplina da Fraude à Execução113, que continuou
tendo sua aplicação restrita às relações comerciais, pois ainda era previsto somente
no Código Comercial.
Foi em 1939, já de novo competente a União para legislar em matéria de Processo
Civil – por força da Constituição de 1937 - que foi editado o Código de Processo
Civil, que tratou da Fraude à Execução em seu art. 895.

A partir deste momento – entrada em vigor do Código de Processo Civil de 1939 -


podemos dizer que a questão adquiriu os contornos quase exatos que tem hoje, pois
os dispositivos que tratam da Fraude contra Credores e da Fraude à Execução
atualmente – o Código Civil de 2002 e o Código de Processo Civil de 1973 –
reproduziram quase fielmente o tratamento dado a questão pelos textos anteriores.

2.2 CONCEITO, CARACTERÍSTICAS E INDIVIDUALIZAÇÃO

Partimos, então, da premissa de que a Fraude contra Credores é um vício social,


espécie do gênero “defeitos do negócio jurídico”. Nesse sentido, tal vício torna o
negócio jurídico que dele padece anulável (rectius, ineficaz), e não “nulo”, portanto.
É importante destacar a posição majoritária da doutrina114 e da jurisprudência115
pátrias no sentido de que, ao contrário da literalidade do art. 171, II, do Código Civil,
o negócio jurídico reconhecido judicialmente em Fraude contra Credores é ineficaz,
e não anulável. E isso, a despeito de parecer mais um embate acadêmico sem
repercussão prática, tem extrema relevância na solução de casos concretos. Isso

113
AMERICANO, Jorge apud CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 88.
114
LIEBMAN, Enrico Tullio. Op. cit., p. 105-107; LIMA, Alvino. A fraude no direito civil. São Paulo:
Saraiva, 1965, n. 20, p. 144; n, 55, p. 183-186; CAHALI. Yussef Said. Op. cit, p. 102-103; GAGLIANO,
Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. 12. Ed, São Paulo: Saraiva,
2010, v. I, p. 425.
115
Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, n. 10, Julho de 1969, pág. 50;
39

porque os efeitos da Fraude contra Credores vão se restringir a demandante e


demandados. Explique-se: ao se “desfazer” uma venda, por exemplo, de um bem do
devedor, tal bem “voltará ao seu patrimônio”, mas não estará disponível a qualquer
credor, mas tão somente àquele autor da Ação Pauliana. Tal entendimento foi
lentamente adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, que, já em 1997 editou a
súmula 195116:

“Em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra
credores”

Ousamos discordar do pensamento do ilustre civilista da nova geração Pablo Stolze


Gagliano que entende retratar, a súmula 195, a tese da anulabilidade do negócio
jurídico pelo reconhecimento da Fraude contra Credores117. Isso porque apesar de,
à primeira vista, possa parecer que a presente súmula retrata um entendimento do
STJ de que se trata a Fraude contra Credores de caso de anulabilidade, podemos
visualizar, após uma leitura dos precedentes que a nortearam (REsp 58343-RS,
EREsp 46192-SP, EREsp 24311-RJ, e REsp 20166-RJ, etc.) de que já aí o Superior
Tribunal tendia a acolher a teoria da ineficácia, mas uma ineficácia superveniente,
ao contrário da ineficácia originária da Fraude à Execução. Daí o motivo de não se
admitir o reconhecimento daquela em embargos de terceiro, ao contrário do que
ocorre com esta.

Corroborando nosso entendimento, o STJ atualmente já se pacificou no


entendimento de se tratar a Fraude contra Credores de caso de ineficácia, não
obstante ainda estar em vigor a súmula 195, conforme se vê no julgado abaixo118:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALÍNEA C. AUSÊNCIA DE


DEMONSTRAÇÃO DO DISSÍDIO. FRAUDE CONTRA CREDORES.
NATUREZA DA SENTENÇA DA AÇÃO PAULIANA. EXECUÇÃO.
EMBARGOS DE TERCEIRO. DESCONSTITUIÇÃO DE PENHORA SOBRE
MEAÇÃO DO CÔNJUGE NÃO CITADO NA AÇÃO PAULIANA.

116
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 185; Órgão Julgador: Corte Especial. Data do
julgamento: 01/10/1997. Data da publicação/fonte: DJ 09/10/1997. Disponível em: <www.stf.jus.br>.
Acesso em: 31 de Maio de 2011.
117
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit., p. 426.
118
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 506312-MS; Relator: Min. Teori Albino Zavacski.
Órgão Julgador: Primeira Turma. Data do julgamento: 15/08/2006. Data da publicação/fonte: DJ
31/08/2006. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 31 de Maio de 2011.
40

1. O conhecimento de recurso especial fundado na alínea c do permissivo


constitucional exige a demonstração analítica da divergência, na forma dos
arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ.
2. A fraude contra credores não gera a anulabilidade do negócio — já
que o retorno, puro e simples, ao status quo ante poderia inclusive
beneficiar credores supervenientes à alienação, que não foram vítimas
de fraude alguma, e que não poderiam alimentar expectativa legítima
de se satisfazerem à custa do bem alienado ou onerado.
3. Portanto, a ação pauliana, que, segundo o próprio Código Civil, só
pode ser intentada pelos credores que já o eram ao tempo em que se
deu a fraude (art. 158, § 2º; CC/16, art. 106, par. único), não conduz a
uma sentença anulatória do negócio, mas sim à de retirada parcial de
sua eficácia, em relação a determinados credores, permitindo-lhes
excutir os bens que foram maliciosamente alienados, restabelecendo
sobre eles, não a propriedade do alienante, mas a responsabilidade
por suas dívidas.
4. No caso dos autos, sendo o imóvel objeto da alienação tida por
fraudulenta de propriedade do casal, a sentença de ineficácia, para produzir
efeitos contra a mulher, teria por pressuposto a citação dela (CPC, art. 10, §
1º, I). Afinal, a sentença, em regra, só produz efeito em relação a quem foi
parte, "não beneficiando, nem prejudicando terceiros" (CPC, art. 472).
5. Não tendo havido a citação da mulher na ação pauliana, a ineficácia do
negócio jurídico reconhecido nessa ação produziu efeitos apenas em
relação ao marido, sendo legítima, na forma do art. 1046, § 3º, do CPC, a
pretensão da mulher, que não foi parte, de preservar a sua meação,
livrando-a da penhora.
5. Recurso especial provido.”
(grifo nosso)

A sentença de mérito proferida na Ação Pauliana teria, segundo doutrina de Yussef


Said Cahali, com a qual concordamos, natureza declaratória119, e não constitutiva,
como defendem doutrinadores do mais alto prestígio, como Pontes de Miranda 120,
Frederico Marques121, e Mendonça Lima122. E pode-se demonstrar a natureza
declaratória de tal sentença pelo exemplo da ação pauliana extinta pela satisfação
do crédito por bens outros não compreendidos no ato123. Nesse caso, não há que se
negar que, embora tenha havido o dano pauliano, o negócio jurídico não precisou
ser desfeito.

Tal vício é claramente distinto do outro vício social existente no ordenamento jurídico
brasileiro, qual seja, a simulação. Difere deste, pois na Fraude contra Credores a
declaração de vontade do agente alinha-se com o seu querer íntimo, e causa um

119
CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 102.
120
PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de Direito Privado. 4. Ed, São Paulo: RT, 1974, t. IV, §
503, p. 485.
121
MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense,
1960, V, n. 1.345, p. 448.
122
LIMA, Alcides de Mendonça. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 1974, n. 1.103, p. 495.
123
CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 102-103.
41

prejuízo a terceiro, qual seja, o credor. Já na simulação a vontade real sempre se


dissocia da vontade declarada, e o prejuízo de terceiro nem sempre querido e/ou
ocorre, como na chamada “simulação inocente”.

Aliás, aqui, com mais acuidade científica, e aprofundando o que já mencionamos na


introdução deste trabalho, destacamos que o prejuízo causado a terceiro na “Fraude
contra Credores” nem sempre é objetivado pelo agente, ou seja, nem sempre é
dolosa. Segundo Caio Mário, parafraseando Ruggiero e Mario, basta, para
configuração desse vício social, quanto ao elemento subjetivo, que o agente tenha a
consciência de produzir o dano.124

Comparando a Fraude contra Credores com a Simulação, ambos vícios sociais,


escreve Caio Mário125:

“Há, sem dúvida, certa semelhança entre a fraude e a simulação, porque


em ambas o agente procede maliciosamente e do negócio pode resultar
(simulação) ou resultará sempre (fraude) um dano a terceiro. Mas não se
confundem os dois institutos, porque pela simulação a declaração de
vontade se disfarça na consecução de um resultado que tem a aparência de
um ato negocial determinado, enquanto na fraude o ato é real, a declaração
de vontade está na conformidade do querer íntimo do agente, tendo como
efeito um resultado prejudicial a terceiro.”

Há um tipo de simulação, entretanto, que muito se assemelha com o vício social


tema deste capítulo. Trata-se da chamada “alienação simulada in fraudem
creditorum”. Nesta, o objetivo do agente é, assim como na Fraude contra Credores,
escapar à responsabilidade patrimonial. Dessa forma, quando o credor promover a
execução, nada encontrará para torná-la frutífera. A diferença é que, enquanto neste
vício o devedor apenas finge (simula) que alienou bens, naquele outro ele realmente
o fez. Neste (alienação simulada), o caso é de nulidade (art. 167 do Código Civil)126.
Naquele outro, de anulabilidade (art. 171, II, do mesmo diploma). Tal vício se trata,
na classificação doutrinária das espécies de simulação, uma simulação absoluta,

124
RUGGIERO, Roberto; MAROI, Fulvio apud SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de
direito civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. I, p. 537.
125
Ibidem, p. 537.
126
BRASIL. Novo Código Civil. Lei nº 10.403 de 10 de janeiro de 2002. Aprova o novo código civil
brasileiro. Brasília, DF, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>.
Acesso em: 13 de Junho de 2011.
42

pois almeja fingir uma relação jurídica que não existe, ao contrário da simulação
relativa, que pretende encobrir uma relação jurídica diversa da declarada127.

É muito comum a alienação simulada a parentes do devedor. Quanto à comparação


prática entre a Simulação Fraudulenta e a Fraude contra Credores, assevera
Mendonça Lima128:

“Para o credor, é indiferente que o devedor apenas simule ou que,


realmente, com fraude, faça a alienação ou oneração de seus bens em
favor de terceiro; num e noutro caso, o bem “desapareceu” do patrimônio do
devedor, criando-se o problema para o credor, quando esse tiver
necessidade de exigir o cumprimento da obrigação, contando com os bens
daquele; (...)”

Por se tratar de caso de nulidade, a Simulação Fraudulenta deve prevalecer sobre a


Fraude contra Credores. É o que defende Flávio Tartuce129:

“Como exemplo, ilustre-se a situação em que um pai doa imóvel para filho,
com o devido registro no Cartório de Registro de Imóveis, mas continua
usufruindo do mesmo, exercendo os poderes do domínio sobre a coisa.
Mesmo o ato sendo praticado com intuito de fraude contra credores,
prevalece a simulação, por envolver ordem pública, sendo nulo de pleno
direito.”

Além de bastante comum, na Simulação Fraudulenta é muito mais benéfica a tutela


do ordenamento jurídico ao credor por ela prejudicado do que o prejudicado pela
Fraude contra Credores. Isso porque, prevendo o Código Civil de 2002 a sanção de
nulidade para esse vício social (o Código de 1916 previa apenas anulabilidade),
passa a ser outro o tratamento processual da matéria. Ao contrário da Fraude contra
Credores, em que a declaração de anulação ocorre apenas em benefício dos
credores legitimados, na Alienação Fraudulenta a declaração de nulidade é
concedida erga omnes. Sendo esta caso de nulidade, pode ser reconhecida ex
officio pelo juiz. Além disso, ela não necessita de uma ação autônoma para ser
decretada pelo juiz, podendo ser reconhecida incidentalmente em embargos de
terceiro, por exemplo.

127
SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de direito civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2004, v. I, p. 636-637.
128
LIMA, Alcides de Mendonça apud CAHALI, Yussef Said. Fraudes Contra Credores. 3. ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 55-56.
129
TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Lei de Introdução e Parte Geral. 6. ed. São Paulo: Método,
2010, p. 403-404
43

Nesse sentido, acórdão do Supremo Tribunal Federal130:

“Embargos de terceiro. Simulação fraudulenta. Desnecessidade de ação


anulatória. Provada à evidência a simulação fraudulenta do título de
propriedade de terceiro, que, aliás, não tinha a posse, seus embargos
devem ser repelidos desde logo, sem que haja necessidade de o
embargado intentar ação anulatória. Impõe-se ao juiz o dever de obstar
conluio ou simulação dos que lhe batem as portas, pois assim o determina
imperativamente o art. 115 do CPC”

Também a argüição de uma Simulação Fraudulenta é mais vantajosa ao credor pois


o interesse processual para declará-la é muito mais amplo do que o restrito campo
de interesse do credor na Ação Pauliana131, tendente a decretar a Fraude contra
Credores. Para declarar aquele vício, basta que quem o argúi tenha sofrido qualquer
lesão de direito, não importando a sua natureza, não se limitando assim ao titular
anterior de um crédito quirografário, ameaçado de frustração do pagamento pela
deterioração da garantia patrimonial, como acontece na Ação Pauliana. Desse
modo, não é necessária a insolvabilidade do devedor, elemento que por vezes
causa entrave à demonstração da Fraude contra Credores.

Afigura-se como a melhor solução ao credor lesado, entendemos nós, a cumulação


das ações simulatória e pauliana, como bem defende Yussef Said Cahali132:

“A jurisprudência é pacífica no sentido de admitir que se cumulem no libelo


as ações simulatória e pauliana, cautela que, aliás, se mostra conveniente
sempre que haja dúvida quanto à exata definição jurídica do instituto
aplicável aos fatos impugnados pelo autor.”

Sendo cumulados os pedidos, seriam alternativos, entretanto, devendo-se analisar,


primeiramente, o pedido de nulidade por simulação. É o que, pacificamente, aceita a
jurisprudência:

“Cabe a a cumulação sendo alternativo o pedido, ficando subordinado ao


julgamento do ato simulado para, na hipótese de não reconhecida a
simulação, e portanto real e existente o ato, ser apreciada a fraude
(Carvalho Santos, Código Civil interpretado, II/406). No caso, não foi isso
que o autor requereu. Quer que se considere ao mesmo tempo simulado e

130
Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, vol. 70, Outubro de 1974, pág.
124.
131
Mais à frente trataremos mais pormenorizadamente desse remédio contra a Fraude contra
Credores.
132
CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 64.
44

fraudulento o ato, sem a alternativa que lhe propiciaria a cumulação de


133
ambos os pedidos”

“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REVOCATÓRIA - CRÉDITO CONSTITUÍDO


ANTERIORMENTE AO ATO DE DISPOSIÇÃO DO BEM - PRESCRIÇÃO
NÃO CONFIGURADA - FRAUDE CARACTERIZADA - PRINCÍPIO DA
FUNGIBILIDADE - SIMULAÇÃO EVIDENCIADA. RECURSO
DESPROVIDO.
Tratando-se de simulação ou de fraude contra credores, o entendimento
jurisprudencial e doutrinário predominante é no sentido de que o termo
inicial do prazo prescricional descrito no artigo 178 do Código Civil de
1916 não deve ser interpretado literalmente. Admite-se que o prazo inicial
seja contado do efetivo conhecimento do ato fraudulento pelo credor
frustrado. Tendo em vista que sutilezas processuais não devem ser
utilizadas para referendar processos ilícitos, a jurisprudência tem admitido
que, "provada a simulação do ato jurídico e demonstrado o seu prejuízo
para terceiro, certa é a decisão que acolhe como simulatória ação proposta
134
como revocatória ou pauliana"

“NÃO ATENTA CONTRA OS PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL A


AÇÃO QUE INVOCA OS PRESSUPOSTOS DA PAULIANA E
FUNDAMENTA TAMBÉM O PEDIDO NA SIMULAÇÃO DE ATOS
135
JURIDICOS.”

2.3 ELEMENTOS

A Fraude contra Credores está prevista, no ordenamento jurídico brasileiro atual,


nos arts. 158 a 165 do Código Civil de 2002136, ipsi literis:

“Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de


dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à
insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores
quirografários, como lesivos dos seus direitos.

§ 1o Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.

133
Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, n. 323, Dezembro de 1960, pág.
112.
134
BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível 185167; Relator: Des. Dionizio
Jenczak. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil. Data do julgamento: 15/07/2005. Data da
publicação/fonte: DJe 29/07/2005. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 13de Junho
de 2011.
135
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 24444; Relator: Min. Abner de
Vasconcelos. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do julgamento: 27/09/1956. Data da
publicação/fonte: DJ 01/01/1970. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 13de Junho de
2011.
136
BRASIL. Novo Código Civil. Lei nº 10.403 de 10 de janeiro de 2002. Aprova o novo código civil
brasileiro. Brasília, DF, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>.
Acesso em: 13 de Junho de 2011.
45

§ 2o Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a


anulação deles.

Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor


insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser
conhecida do outro contratante.

Art. 160. Se o adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver
pago o preço e este for, aproximadamente, o corrente, desobrigar-se-á
depositando-o em juízo, com a citação de todos os interessados.
Parágrafo único. Se inferior, o adquirente, para conservar os bens, poderá
depositar o preço que lhes corresponda ao valor real.

Art. 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra
o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação
considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de
má-fé.

Art. 162. O credor quirografário, que receber do devedor insolvente o


pagamento da dívida ainda não vencida, ficará obrigado a repor, em
proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores,
aquilo que recebeu.

Art. 163. Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as


garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor.

Art. 164. Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários


indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou
industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família.

Art. 165. Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante


reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso
de credores.

Parágrafo único. Se esses negócios tinham por único objeto atribuir direitos
preferenciais, mediante hipoteca, penhor ou anticrese, sua invalidade
importará somente na anulação da preferência ajustada.”

Nesse sentido, analisando o que prescrevem os dispositivos supratranscritos, a


doutrina estabelece para a Fraude contra Credores três elementos para a sua
ocorrência: a existência de um crédito; a insolvabilidade do devedor; e o elemento
subjetivo. Analisemos pormenorizadamente cada um deles:

2.3.1 Existência de um crédito anterior

Via de regra, para que alguém possa atribuir a um negócio jurídico praticado por
outrem o defeito da Fraude contra Credores, é preciso que essa pessoa que se
sente prejudicada possua um direito de crédito anterior à realização do negócio
jurídico atacado.
46

Tradicionalmente dizia-se que só poderia ser prejudicado por tal vício o credor
quirografário. Isso porque um credor com garantia real não poderia ser prejudicado
pela alienação do bem gravado com o ônus real, pois, pelo direito de seqüela,
poderia ele alcançar esse bem na execução não importa quem fosse o proprietário.
Mas o que ocorre é que a garantia real pode não ser suficiente para satisfazer o
crédito do credor beneficiário dessa garantia, tendo que se valer tal credor da
garantia patrimonial geral. Nesse caso, tal credor poderia atacar um negócio jurídico
praticado pelo devedor em Fraude contra Credores com um bem não gravado com
ônus real137. Estaria esse credor, quanto a esse bem, na posição de um credor
quirografário qualquer. Sem essa previsão expressa no Código Civil de 1916,
discutia a doutrina e a jurisprudência essa possibilidade. Já àquela época, havia
entendimentos de que poderia o credor com garantia real valer-se da Ação Pauliana
contra fraude intentada por devedor seu, caso a garantia não fosse suficiente. Nesse
sentido, acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul à época138:

“Sabida a inferioridade do crédito hipotecário em face daqueles trabalhistas


e fiscais, não se pode inviabilizar a ação pauliana ao credor assim
garantido, ajustando-se o Código Civil ao direito hodierno.”

Todavia, o Código Civil de 2002 passou a prever expressamente essa possibilidade


em seu art. 158, §1º, encerrando de vez a celeuma. Nesse sentido, o Enunciado nº
151 do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, aprovado na
III Jornada de Direito Civil139:

“o ajuizamento da ação pauliana pelo credor com garantia real (art. 158,
§1º) prescinde de prévio reconhecimento judicial da insuficiência da
garantia”.

Interessante é ainda a aferição de quando o crédito pode se considerar existente


para que o seu possuidor possa se considerar lesado pela Fraude contra Credores.

137
CAHALI, Yussef Said. Fraudes Contra Credores. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2002, p. 130-141. Também nesse sentido, SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de direito
civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. I, p. 542.
138
Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, n. 202, Outubro de 2000,
pág. 376.
139
BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado 151. Aprovado na III Jornada de Direito Civil.
Disponível em: <http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IIIJornada.pdf>. Acesso em: 09 de Junho de
2011.
47

A questão gira em torno, portanto, de se determinar em que momento nasce o


crédito. Assim, nos vários tipos de créditos há de se perquirir em que momento
podemos considerá-los nascidos. Desse modo, podemos citar alguns exemplos: na
obrigação alimentar, o crédito nasce com a necessidade daquele que o demanda140;
no crédito trabalhista de salários, estes nascem periodicamente com a execução dos
trabalhos141; já na obrigação de indenizar por ato ilícito, o crédito nasce com a
prática do ilícito (extracontratual ou contratual) 142; etc.

Em relação ao crédito alimentar, importante citarmos aqui decisão do Tribunal de


Justiça do Rio Grande do Sul que conferiu legitimidade ativa ao nascituro para
intentar Ação Pauliana contra o pai, que alienou bens durante a gravidez da mãe143:

“Ação Pauliana. Crédito alimentar. Investigação de paternidade. Alienação


feita para irmãos durante a gravidez. Bens que retornam à esposa. Direitos
do nascituro. Pressupostos de fraude contra credores. Ônus probatório.
Presunção que deriva do negócio com familiar. Ineficácia e não nulidade da
alienação.”

O que se pode ter como regra geral para todos os tipos de crédito é que, em
primeiro lugar, mesmo o crédito não reconhecido judicialmente, ou liquidado, pode
se enquadrar como um crédito que dá ao credor o cumprimento de um dos
requisitos para se ter como lesado por aquele vício 144. Em segundo lugar, a doutrina
e jurisprudência majoritárias entendem que o crédito precisa somente existir, ter
nascido, e não necessitando, desse modo, ser exigível145.

Portanto, um credor de título ainda não vencido pode ser lesado por Fraude contra
Credores. É muito comum, inclusive, que, antecipando-se, um devedor malicioso
desfaça-se dos seus bens antes mesmo do vencimento da obrigação que já sabe
que não vai cumprir.

140
CAHALI, Yussef Said. Fraudes Contra Credores. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2002, p. 150.
141
Ibidem, p. 150-152
142
Ibidem, p 152-155.
143
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 700.039.206.34; Relator Des.
José Carlos Teixeira Giorgis. Órgão Julgador: Sétima Câmara Cível. Data do julgamento: 12/06/2002.
Data da publicação/fonte: DJ 19/06/2002. Disponível em: <http://www3.tjrs.jus.br/servicos/revistas/rj-
indicegeral22.pdf>. Acesso em: 09 de Junho de 2011.
144
CAHALI, Yussef Said. op cit., p. 146.
145
Ibidem, p. 149
48

Por fim, há ainda, conforme já mencionamos no capítulo referente a


Responsabilidade Patrimonial, entendimento – minoritário, reconhecemos - no
sentido de que, em certos casos, admite-se o reconhecimento da Fraude contra
Credores futuros, ou seja, contra credores que não o eram no momento da prática
do negócio jurídico dito fraudulento. Isso ocorreria em situações de fraude
predeterminada para atingir credores futuros. Nesse sentido, alguns julgados do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

“O pressuposto da anterioridade do crédito relativamente à alienação


gratuita para a procedência da ação pauliana pode ser afastado, ocorrendo
fraude predeterminada para atingir credores futuros. Age com dolo e má-fé,
cometendo fraude predeterminada, quem induz em erro o mutuante,
preenchendo ficha cadastral aparentemente correta, com indicação de bens
imóveis, e, logo após a realização do cadastro, às vésperas da assinatura
do contrato de financiamento, doa aos filhos menores todos os bens
imóveis, restando insolvente. A mesma conduta do avalista configura o
146
mesmo tipo de fraude.”

“ Ação pauliana – Alienação de bem após informações prestadas ao Banco


147
– Fraude caracterizada – Ofensa a boa-fé.”

Apesar de já mencionado no capítulo concernente à Responsabilidade Patrimonial,


importante voltarmos a frisar que o STJ acolheu o entendimento de Yussef Said
Cahali no sentido de ser possível a Fraude contra Credores futuros, no REsp
10.096, publicado no DJ em 25/06/1992, de relatoria do Ministro Cláudio Santos.
Também em recentíssimo acórdão do STJ, já transcrito no primeiro capítulo destre
trabalho, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi – Resp 1.092.134-SP, foi
reconhecida a tese da Fraude contra Credores futuros148. Também nesse sentido, e
conforme já citado no referido capítulo, doutrina de Orlando Gomes149.

146
Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, n. 146, Novembro de 1988
pág. 327.
147
Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, n. 151, Dezembro de 1990,
pág. 635.
148
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.092.134-SP; Relatora Ministra Nancy
Andrighi. Órgão Julgador: Terceira Turma. Data do julgamento: 05/08/2010. Data da publicação/fonte:
DJe 18/11/2010. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 29 de Maio de 2011.
149
GOMES, Orlando. Obrigações. 17. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p. 277.
49

Foi a lacuna legislativa que fez com que parte da jurisprudência tivesse que fazer
construções no sentido de que se pudesse atacar negócios fraudulentos
preordenados a atingir credores futuros150.
Conforme já mencionado no capítulo referente à Responsabilidade Patrimonial, em
outros países, como em Portugal, em seu art. 610, a, de seu Código Civil, e na Itália,
em seu art. 2.901, 1, é prevista na própria legislação a Fraude contra Credores
futuros.

Poderia o Brasil, inspirando-se nessas legislações, e na jurisprudência nacional já


existente, reformar o instituto da Fraude contra Credores, prevendo também o caso
dos credores futuros.

2.3.2 Insolvabilidade do devedor – Eventus damni

O segundo requisito para o reconhecimento da Fraude contra Credores é a


insolvabilidade do devedor, que caracteriza o Eventus Damni, que é o efetivo
prejuízo ao credor, dando-lhe interesse processual para atacar o negócio jurídico
fraudulento por meio da Ação Pauliana.

Visto, no primeiro capítulo deste trabalho, que a Responsabilidade Patrimonial é a


garantia geral que os credores têm para se satisfazerem em caso de
inadimplemento da obrigação pelo devedor, podemos deduzir que qualquer quebra
dessa garantia resultará em prejuízo para o credor, configurando assim, o eventus
damni, um dos requisitos que torna um determinado negócio jurídico viciado pela
Fraude contra Credores.

Nesse sentido, a manutenção da garantia patrimonial geral dos devedores


(consubstanciada na imputação, pelo ordenamento jurídico, do vício da Fraude
contra Credores a negócios jurídicos contrários a essa garantia) funciona como uma

150
FERNANDES, Roberta Silva Melo. Breves Comentários sobre a Impugnação Pauliana no Direito
Luso-Brasileiro. Disponível em: <
http://www.cmpadvogados.com.br/artigos/privado/10/a_impugnaaao_pauliana_nos_ordenamentos_jur
adicos_brasileiro_e_portuguas >. Acesso em: 23 de Maio de 2011.
50

limitação ao direito constitucional do art. 5º, XXII, qual seja, o direito de propriedade.
Isso porque não poderá o devedor dispor de seus bens de maneira totalmente livre,
devendo manter um mínimo de seu patrimônio para garantir seus débitos151.

E somente o credor que tiver o prejuízo específico de ver impossibilitada a


satisfação de seu crédito por um devedor INSOLVENTE é que poderá (aliado aos
outros dois requisitos) argüir a Fraude contra Credores. Em outras palavras, mesmo
que o devedor se encontre em situação financeira difícil, isso não será suficiente
para caracterizar o requisito do eventus damni, embora, por vezes, não se possa
negar um prejuízo ao credor em tais casos. É o que aduz Yussef Said Cahali,
citando Carnelutti:
“Conforme adverte Carnelutti, se, apesar da alienação, o credor encontra
com que cobrar-se no (resíduo) patrimônio do devedor, está claro que não
há necessidade do remédio: a ineficácia do ato é uma conseqüência muito
grave que a lei não pode querer sem que haja absoluta necessidade; o
dano (eventus damni) consiste, pois na insuficiência do (resíduo) patrimônio
152
do devedor para satisfazer, mediante a execução, o débito.”

Deve-se, entretanto, registrar que parte da doutrina e da jurisprudência entende que


não apenas a insolvência absoluta, mas também a relativa, pode ensejar a
ocorrência da Fraude contra Credores. A insolvência relativa ocorreria quando há
sacrifício ao credor nas despesas ou riscos de uma execução, como no caso em que
há bens, mas estes se encontram em países longínquos, de difícil ou impossível
acesso, tornando inexeqüível a cobrança da totalidade dos créditos. Nessas
situações, seria desarrazoado obrigar o autor que promovesse tal execução
dificílima, que demandaria longas pesquisas e retardamento do processo, para
provar que o réu está realmente insolvende, “ao passo que bastaria a este alegar a
existência de bens, indicando os respectivos lugares.”153. Nesses casos, “o eventus
damni viria a equivaler a um autêntico perigo de dano.”154

Embora não aceito majoritariamente pela doutrina, tal posicionamento chegou a ser
aceito em alguns julgados, como o que segue, do Tribunal de Justiça de São Paulo:

151
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de execução civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2009, p. 72-73
152
CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 150.
153
AMERICANO, Jorge apud CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 183.
154
CAHALI, Yussef Said. Op. cit, p. 184.
51

“O perigo de dano suficiente para caracterizar o eventus damni, de acordo


com a moderna doutrina, está presente. O que importa, na lição de Nicolò, é
que, em conseqüência do ato do devedor, se concretize a simples
possibilidade de que a situação coativa dos direitos do credor corre o risco
155
de ser, no todo ou em parte, frustrada”

Tema dos mais conturbados e que causam grande parte das controvérsias na
aplicação da Fraude contra Credores é a questão da prova da insolvência e a quem
tal prova compete (ônus probatório). Nesse sentido, por se tratar de prova negativa –
da AUSÊNCIA de bens do devedor, normalmente tal questão é resolvida com base
em presunções legais. E um dos casos mais comuns de presunção é a que se tem
com o raciocínio seguinte: Iniciada uma execução, faculta-se ao exeqüente indicar
bens do executado à penhora. Não conhecendo bens do executado, ou por qualquer
motivo não ocorrendo essa indicação por parte do exeqüente, passa o executado a
ter o ônus de indicar bens seus à penhora, por força do art. 652, § 3º, do CPC156, in
verbis:

“Art. 652. O executado será citado para, no prazo de 3 (três) dias, efetuar o
pagamento da dívida.
(...)
§ 3o O juiz poderá, de ofício ou a requerimento do exeqüente, determinar, a
qualquer tempo, a intimação do executado para indicar bens passíveis de
penhora.”

Caso, ocorrendo tal intimação do executado para indicar bens à penhora, ele não
indique, passa a operar uma presunção relativa de insolvência do mesmo, por força
do art. 750, I, do diploma processual brasileiro157, in verbis:

“Art. 750. Presume-se a insolvência quando:


I - o devedor não possuir outros bens livres e desembaraçados para nomear
à penhora;
(...)”

Assim decidiu em vários casos o Tribunal de Justiça de São Paulo 158. Em outra
decisão, o referido Tribunal acolheu exatamente o raciocínio aqui aclarado, que

155
Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, n. 80, Setembro de 1982, pág. 106.
156
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de
Processo Civil.
157
Ibidem.
158
Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, n. 66, Abril de 1980, pág. 258; Op.
cit., n. 84, pág. 38;
52

combina os arts. 652 e 750, do CPC. Tal decisão foi transcrita pelo STJ no Recurso
Especial 867.502-SP, in verbis159:

―Aparelhada a execução, cabe ao devedor nomear bens à penhora (art.


652 do C. P. C.), considerando-se mesmo ato atentatório à dignidade
da justiça a omissão (art. 600, IV, do C. P. C.). E a fraude caracteriza-se
tanto quando não há indicação de bens pelos devedores (cf., do
extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil, RT 613/117, Rel. Juiz
Osvaldo Caron), como também quando ocorre indicação imprestável,
pois isso conduz à incidência de presunção de insolvência, a qual
deve ser derribada por prova em contrário, a cargo porém de quem
alega a solvabilidade (cf. STJ RT 700/193, Rel. Min. Cláudio Santos).
A boa doutrina inclina-se no mesmo sentido. Araken de Assis acentua com
precisão: "Exigir que o credor prove a inexistência de bens penhoráveis
constitui exagero flagrante, provocando as dificuldades inerentes à prova
negativa: neste caso, o ônus toca ao executado, principalmente quanto à
titularidade de bens móveis, ou imóveis situados fora do juízo da execução"
( "Manual do Processo de Execução", Ed. RT, 2ª ed., 1995, p. 333). É o
caso dos autos.”

(grifo nosso)

Também o mesmo tribunal já decidiu ser possível provar tal insolvência até mesmo
por indícios160, visto que, não havendo norma jurídica dispondo forma especial para
a prova da insolvência, vale o art. 212 do Código Civil Brasileiro 161.

A respeito da questão da prova da insolvência, assevera Araken de Assis 162:

“Exigir que o credor prove a inexistência de bens penhoráveis constitui


exagero flagrante, provocando dificuldades inerentes à prova negativa, a
despeito de lhe tocar o ônus da prova. Cabe invocar a presunção de
insolvência, decorrente da falta de bens livres para nomear à penhora (art.
750, I). Em outras palavras, basta a devolução do mandado executivo,
acompanhada da certidão do oficial de que não localizou bens penhoráveis
(art. 659, § 3º). Ao alegar existirem bens livres, o ônus toca ao executado
(art. 652, § 3º), principalmente quanto à titularidade de bens móveis, ou
imóveis situados fora do juízo da execução (art. 656, § 1º).”

Afora os casos de presunção da insolvência, resta muito difícil a prova da


insolvência. E há mesmo casos em que não poderá se operar a presunção, como na

159
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 867.502-SP; Relatora Ministra Nancy
Andrighi. Órgão Julgador: Terceira Turma. Data do julgamento: 09/08/2007. Data da publicação/fonte:
DJe 20/08/2007. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 29 de Maio de 2011.
160
Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, n. 31, Setembro de 1974, pág. 80.
161
BRASIL. Novo Código Civil. Lei nº 10.403 de 10 de janeiro de 2002. Aprova o novo código civil
brasileiro. Brasília, DF, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>.
Acesso em: 13 de Junho de 2011.
162
ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 12. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2009, p. 279-280.
53

Ação Pauliana anterior ao ajuizamento do processo, em que não houve ainda o


momento de indicação de bens à penhora por parte do devedor.

Por tal dificuldade de prova é que a jurisprudência brasileira, atualmente, na esteira


de alguns julgados mais antigos, já se pacificou no sentido de que cabe ao devedor
a prova de sua própria solvência. Nesse sentido, há vários julgados de vários
tribunais, inclusive do STF, acompanhando emblemático Recurso Extraordinário
71.368, cujo trecho mais importante para nós aqui transcrevemos163:

“Reconheço ser controvertida, assim na doutrina como na jurisprudência, a


questão de se ao autor da ação pauliana é que cabe fazer a prova da
insolvência do réu, ou se a este é que cabe, para elidir a ação, fazer a prova
de sua própria solvência, a despeito dos atos de alienação nela
impugnados. Tenho que a segunda orientação é a melhor e a que mais
afina com o espírito do art. 106 do Código Civil, o qual, como os demais
subordinados à rubrida Da fraude contra os credores, que encima a Seção
V do Cap. II do mesmo Estatuto, visa primordialmente à proteção dos
credores e não lhes haveria, por isso, de impor o ônus da prova dificílima,
quiçá impossível, de não restarem ao devedor alienante, em lugar algum,
bens de qualquer natureza que ainda possam bastar à satisfação de seus
débitos.(...)”

É importante destacar que, ao contrário do Brasil, que, por falta de legislação


expressa, teve que construir jurisprudencialmente o entendimento de que cabe ao
devedor o ônus de provar sua própria solvabilidade, no direito português há
disposição legislativa expressa esposando tal entendimento164:

“Artigo 611º
(Prova)
Incumbe ao credor a prova do montante das dívidas, e ao devedor ou a
terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado
possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.”

Outro ponto de maior avanço da legislação portuguesa se comparada com a


brasileira diz respeito à configuração do eventus damni. Isso porque nosso
ordenamento jurídico ainda prescreve a necessidade da insolvência absoluta para
caracterização do eventus damni. Já mencionamos anteriormente que uma pequena

163
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 71368-SP; Relator Ministro Xavier de
Albuquerque. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do julgamento: 10/09/1973. Data da
publicação/fonte: DJ 19/20/1973. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 29 de Maio de 2011.
164
PORTUGAL. Código Civil. Decreto-Lei nº 47.344, de 25 de Novembro de 1966. Aprova o Código
Civil e regula a sua aplicação - Revoga, a partir da data da entrada em vigor do novo Código Civil,
toda a legislação civil relativa às matérias que o mesmo abrange. Lisboa, Ministério da Justiça, 25 de
Novembro de 1966.
54

parte da jurisprudência brasileira já flexibilizou a configuração do dano pauliano,


porém é certo que ainda estamos presos ao requisito formal da insolvência absoluta.
Já o Código Civil Português não define expressamente o dano pauliano como sendo
a insolvência absoluta, permitindo que a jurisprudência e doutrina lusitanas
majoritárias entendam no sentido de que a impossibilidade prática de recebimento
do crédito também seja considerada como eventus damni165:

“Impugnação pauliana
Artigo 610.º
(Requisitos gerais)
Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não
sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se
concorrerem as circunstâncias seguintes:
(...)
b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a
satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa
impossibilidade.‖

(grifo nosso)

Desse modo, a análise do patrimônio do devedor passa a ser feita “em função de
sua capacidade prática de realização do direito do credor, o que se convencionou
chamar de substância patrimonial”166.

Nos Estados Unidos da América, o Uniform Fraudulent Transfer Act (UFTA), adotado
por muitos dos estados federados, prevê a anulabilidade de alienações por parte de
credores futuros em seu §4º, que prevê um vasto leque de casos, especificamente
desenhados naquela lei, não só quando a alienação provoca ou agrava a insolvência
do devedor, mas também em certos casos em que o devedor tenha a intenção de
obstruir, postergar, ou fraudar credores, OU efetue uma alienação de bens por
valores abaixo do razoável, e: a) os ativos restantes do devedor não sejam
compatíveis em relação ao contexto econômicos dos negócios em que o devedor
estava inserido; ou b) tenha conhecimento, ou razoavelmente devesse ter, de que o

165
PORTUGAL. Código Civil. Decreto-Lei nº 47.344, de 25 de Novembro de 1966. Aprova o Código
Civil e regula a sua aplicação - Revoga, a partir da data da entrada em vigor do novo Código Civil,
toda a legislação civil relativa às matérias que o mesmo abrange. Lisboa, Ministério da Justiça, 25 de
Novembro de 1966.
166
FERNANDES, Roberta Silva Melo. Breves Comentários sobre a Impugnação Pauliana no Direito
Luso-Brasileiro. Disponível em: <
http://www.cmpadvogados.com.br/artigos/privado/10/a_impugnaaao_pauliana_nos_ordenamentos_jur
adicos_brasileiro_e_portuguas >. Acesso em: 23 de Maio de 2011.
55

seus débitos seriam superiores à sua capacidade de adimpli-los à medida que eles
vencessem167.
Observe-se que mesmo as alienações cujo objetivo do devedor seja tão somente
obstruir (tornando mais dificultosa, embora ainda possível) ou retardar a satisfação
dos credores são passíveis de anulação em tal ordenamento jurídico.

Tal prescrição da norma norte-americana é salutar e deveria, segundo entendemos,


ser objeto de apreciação do nosso parlamento quando da reforma do instituto da
Fraude contra Credores, pois possibilita a anulação de alienações sem que se cogite
da insolvência do devedor (nem mesmo relativa), escapando assim à difícil prova de
sua ocorrência (cujo ônus algumas vezes ainda é atribuído ao credor pela
jurisprudência mais conservadora) e de seu conhecimento por parte do devedor, e
principalmente, de terceiros.

2.3.3 Elemento subjetivo – Consilium fraudis

Terceiro e último dos elementos caracterizadores da Fraude contra Credores, o


elemento subjetivo, ou Consilium Fraudis (quando relativo ao devedor) e o Scientia
Fraudis (quando relativo ao terceiro adquirente), e a questão de provar este último, é
o que mais gera dificuldades para que a Fraude contra Credores tenha a eficácia
social pretendida.

Poderíamos dizer, inclusive, que é tal elemento o mais característico e peculiar do


referido vício social do negócio jurídico. Isso porque, pelo direito constitucional de
propriedade, não se poderia negar ao devedor dispor livremente de seus bens, e até
se arriscar em negócios jurídicos de duvidoso proveito econômico. O que não é
permitido é que o devedor faça isso com intuito de suprimir a garantia patrimonial de
seus credores. Não só com o propósito direto para tanto, o chamado animus
nocendi168, mas também culposamente, com a consciência de isso causar a sua

167
ALCES, Peter A; DORR, Luther M. A Critical Analysis of the New Uniform Fraudulent Transfer Act.
Disponível em: <http://scholarship.law.wm.edu/facpubs/300>. Acesso em: 06 de Junho de 2011.
168
CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 217.
56

insolvabilidade, como já adiantamos na introdução do presente trabalho. Nesse


sentido, e conforme preleciona Caio Mário da Silva Pereira169:
“Mais modernamente, e digamos, com mais acuidade científica, não se
exige que o devedor traga a intenção deliberada de causar prejuízo (animus
nocendi); basta que tenha a consciência de produzir o dano.”

E tal corrente doutrinária, hoje prevalecente, defensora da “consciência do dano”


como suficiente para a satisfação do elemento subjetivo também tem
importantíssima aplicação prática. Isso porque, se assim não for interpretado, será
“extremamente difícil, senão mesmo impossível, fazer-se a prova de um elemento
subjetivo tão íntimo como aquele representado pelo animus nocendi.”170. E impor-se
a necessidade de tal prova ao credor seria tornar inócuos o seu direito de crédito e o
instituto da Fraude contra Credores.

E pelos motivos expostos é que a doutrina brasileira atual majoritária considera


dispensável o requisito do animus nocendi, bastando o simples conhecimento, que o
devedor efetivamente tivesse ou devesse ter, de que aquele ato poderia torná-lo
insolvente171. E como se presume que o devedor conhece o estado de seu próprio
patrimônio, e, consequentemente, sua possível insolvência, tal requisito, segundo
entendimento jurisprudencial e doutrinário atual, é presumido. Exceção à
caracterização do elemento subjetivo é o caso, já tratado neste trabalho, de Fraude
contra Credores Futuros, em que, conforme Alvino Lima172, o dolo deve ser
específico – animus nocendi – não bastando, nesse caso, a consciência do dano.

Importante destacar uma outra exceção, desta vez à presunção de má-fé do


devedor cujo raciocínio foi construído acima. Trata-se da norma do art. 164 do
Código Civil de 2002 que também diz respeito a uma presunção, mas, ao revés, o
que aqui se presume é a boa-fé do devedor e do terceiro no tocante aos negócios
ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural,

169
SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de direito civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2004, v. I, p. 537.
170
CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 219..
171
Ibidem, p. 221.
172
LIMA, Alvino apud CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 223.
57

industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família. Exemplificando


magnificamente esse dispositivo, preleciona Maria Helena Diniz173:

“Se o devedor insolvente vier a contrair novo débito, visando beneficiar os


próprios credores, por ter o escopo de adquirir objetos imprescindíveis ao
funcionamento do seu estabelecimento mercantil, agrícola ou industrial,
evitando a paralisação de suas atividades e consequentemente a piora de
seu estado de insolvência e o aumento do prejuízo aos seus credores, o
negócio por ele contraído será válido, ante a presunção em favor da boa-fé”

O Direito Positivo brasileiro não previu expressamente o elemento subjetivo do


devedor. Pontes de Miranda já mencionava essa lacuna do nosso Direito Positivo,
ao comentar a respeito do Código Civil de 1916, que, nesse ponto, foi reproduzido
fielmente no Código Civil de 2002. Nas palavras desse mestre174:

“No Código Civil, arts. 106-113, não aludiu ao consilium fraudis; no Decreto-
Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, fala-se de “intenção de prejudicar
credores”, acrescentando-se “provando-se a fraude do devedor e do terceiro
que com ele contratar”. “Fraude, aí, está por intenção, consilium; e,
referindo-se ao terceiro, por scientia fraudis (...)”

Explicada a questão do elemento subjetivo do devedor, divide-se agora o assunto


nos dois principais175 tipos de Fraudes contra Credores: a que inquina um negócio
jurídico de transmissão gratuita de bens, e a que macula um negócio jurídico de
transmissão onerosa de bens.
Isso porque, segundo a construção de tal instituto no Direito Civil brasileiro, há
distinção no tratamento dessas duas diferentes hipóteses de fraude. Em casos de
negócio jurídicos gratuitos, basta o elemento subjetivo do devedor, nos moldes já
apresentados retro, conforme art. 158 do Código Civil de 2002, ipsi literis176:

“Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de


dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à

173
PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de Direito Privado. 4. Ed, São Paulo: RT, 1974, t. IV, §
494, p. 458-459.
174
DINIZ, Maria Helena apud GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso
de Direito Civil. 12. Ed, São Paulo: Saraiva, 2010, v. I, p. 425.
175
Dizemos principais pois, a par dos negócios jurídicos de transmissão de bens, há também outros
negócios, menos freqüentes, que podem ser inquinados pela Fraude contra Credores, como
constituições de garantia, remissão de dívida, renúncia a herança, etc.
176
BRASIL. Novo Código Civil. Lei nº 10.403 de 10 de janeiro de 2002. Aprova o novo código civil
brasileiro. Brasília, DF, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>.
Acesso em: 13 de Junho de 2011.
58

insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores


quirografários, como lesivos dos seus direitos.”
(grifo nosso)

Esse tratamento especial às hipóteses de transmissão gratuita de bens é histórico, e


vem se repetindo nas legislações desde o Direito Romano. Atente-se contudo que,
subdividindo-se este último em suas diferentes fases – período arcaico, período
clássico, período pós-clássico, etc. – vemos que nos momentos primitivos da Actio
Pauliana a regra era única, havendo necessidade, mesmos nos casos de
transmissão gratuita de bens, do Consilium Fraudis do adquirente. Apenas
posteriormente é que o Direito Romano passou a diferenciar os casos de
transmissão gratuita de bens, admitindo a Ação Pauliana mesmo nos casos em que
o adquirente ignorasse a fraude177.

E o tratamento especial reservado às hipóteses de transmissão gratuita de bens,


embora, por se tratar de opção legislativa, não precise nem mesmo ser investigado,
tem a sua razão de ser, que motivou – com acerto, entendemos – o legislador pátrio
a assim tratar o tema. Isso porque, nesses casos, há o confronto de dois direitos, a
saber: o do credor lesado, de evitar o seu prejuízo, e o do donatário, de assegurar
um ganho. Como o donatário não teve uma contraprestação a fazer, deve prevalecer
o direito do credor lesado, para que aquele não se enriqueça às custas do prejuízo
deste. Já nos casos de transmissão onerosa, o terceiro adquirente também teve
uma contraprestação a fazer, assim como o credor lesado. Nesse caso, como as
posições de ambos são idênticas, deve prevalecer a do terceiro adquirente, pois é
possuidor (in pari causa melior est conditio possidentis - in pari causa possessor
potior haberi debet)178.

É na alienação onerosa de bens que se encontram a maioria dos casos de Fraude


contra Credores, e em que a ocorrência desse instituto começa a ficar mais difícil de
ser provada, pois passa a se tornar necessário o elemento subjetivo não só do
devedor, mas também do terceiro adquirente, que Pontes de Miranda nomina

177
PLANIOL, Marcel. apud CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 226.
178
CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 231-232.
59

Scientia Fraudis, em contraposição ao Consilium Fraudis, que seria o elemento


subjetivo do devedor179:

Alguns acórdãos foram vitimas de comentadores que confundiram o


consilium fraudis, que é o conhecimento, pelo devedor, da insolvência
existente ou suscitada, e a scientia fraudis, que é o conhecimento pelo
beneficiado pelo ato fraudulento (e.g., Câmara do Tribunal de Apelação da
Paraíba, 2 de setembro de 1943, RF 59/256).

Na dicção do Código Civil de 2002, esse elemento subjetivo do terceiro adquirente


consiste no conhecimento, efetivo ou potencial, da insolvabilidade do devedor180:

“Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor


insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser
conhecida do outro contratante.“
(grifo nosso)

Nesse sentido, destrinchando o artigo supramencionado, temos dois requisitos


alternativos, no que tange ao elemento subjetivo do adquirente, em casos de
alienação onerosa de bens: a) a insolvência notória; e b) a insolvência conhecida
pelo terceiro adquirente (efetiva ou presumidamente – presunção relativa).

A respeito da insolvência notória, aduz Washington de Barros Monteiro 181:

“É notória, quando sabida de todos, pública, manifesta, de conhecimento


geral, mercê de protestos, publicações pela imprensa ou cobranças contra o
devedor”

Assim, a prova dessa notoriedade pode se dar por diversas formas, em que as mais
eficazes e comuns são: a existência de diversas ações judiciais em que o devedor
seja réu; e/ou a existência de diversos títulos protestados. Isso porque, a
notoriedade aqui exigida não significa o conhecimento amplo de toda a população,
mas o conhecimento de quem realiza negócios financeiros182, e que deve, não por
obrigação legal, mas por cautela, obter certidões negativas de distribuidores cíveis e

179
PONTES DE MIRANDA, F. C. op. cit., t. IV, § 494, p. 458-459.
180
BRASIL. Novo Código Civil. Lei nº 10.403 de 10 de janeiro de 2002. Aprova o novo código civil
brasileiro. Brasília, DF, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>.
Acesso em: 13 de Junho de 2011.
181
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, v. I: Parte Geral. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 1966, p. 218.
182
Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, n. 65, Dezembro de 1979, pág. 29.
60

negativas de protestos do alienante com quem está realizando um negócio. Isso


porque a Lei 7.433/85 e o Decreto 93.240/1986 exigem a apresentação, para a
lavratura da escritura pública de compra e venda de bens imóveis, somente as
certidões de ações reais e pessoais reipersecutórias relativas ao imóvel que se quer
alienar, não exigindo a apresentação de certidões de distribuição de quaisquer
ações em que o alienante seja réu, e tampouco a certidão negativa de protestos em
nome do alienante. Todavia, é de praxe, para quem negocia imóveis honestamente,
e almeja ser cauteloso, obter estas últimas certidões, antes de realizar um negócio.
E assim entende majoritariamente a jurisprudência pátria:

“Já, a parte autora, consoante o cadastro de fls. 15/16, logrou êxito ao


expor as inúmeras dificuldades do réu - devedor na execução - no
controle de suas contas pessoais. Circunstância essa que dá conta da
notoriedade da insolvência do devedor, na medida em que não torna
controvertido o fato de que, "ao tempo em que vendeu o veículo para o
segundo réu, tinha lançados contra ele dezenove protestos
cambiários" (fl. 68). Sua Excelência, o magistrado a quo, com proficiência
e denodo, expôs ainda, com absoluta razão, que o protesto, devido à sua
publicidade, não poderia servir de argumento à ignorância da situação
deficitário do executado.
Portanto, a presença do consilium fraudis é notória, neste caso, o que
afasta o primeiro argumento do apelo, até porque, neste julgamento,
183
adotam-se as convicções do nobre juiz”
(grifo nosso)

“Outro pressuposto da ação em comento, consubstanciado no "consilium


fraudis", ou seja, ciência dos adquirentes do estado de insolvência do
vendedor, encontra-se largamente demonstrado pela natureza publicista
dos atos notariais de protesto de títulos e haver contra o devedor-alienante
uma série de protestos, em datas anteriores ao negócio aqui referido, ou
seja, em 06.12.96 e 15.01.97, dentre outros (fl. 40) e ações de execução,
ajuizadas em datas anterior e posterior a 31.01.97 (fl. 39), registros estes
que se faz deduzir terem os adquirentes ciência inequívoca do dano que
estavam a causar a terceiros.
Desvaliosa se mostra a assertiva da recorrente de que "não agiram
imbuídos de má-fé" (fl. 146), porquanto, conforme se explicitou linhas atrás,
prescinde-se desse elemento a caracterizar a demanda em tela,
assinalando, a respeito, Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito
Civil, I/459) que, "mais modernamente e digamos, com mais acuidade
científica, não se exige que o devedor traga a intenção de causar prejuízo
('animus nocendi'); basta que tenha a consciência de causar o dano",
184
posição esta que se estende ao adquirente.”

183
BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação Cível 531.921-7; Relator Juiz de Direito
Substituto em Segundo Grau Fábio Haick Dalla Vecchia. Órgão Julgador: 15ª Câmara Cível. Data do
julgamento: 10/12/2008. Data da publicação/fonte: DJ 81 – 10/12/2008. Disponível em:
<www.tj.pr.gov.br>. Acesso em: 07 de Junho de 2011.
184
BRASIL. Tribunal de Alçada de Minas Gerais. Apelação Cível 296.769-9; Relator Juíza Jurema
Brasil Marins. Órgão Julgador: 3ª Câmara Cível. Data do julgamento: 25/10/2000. Data da
publicação/fonte: DJ 07/11/2000. Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em: 07 de Junho de
2011.
61

Inclusive o Superior Tribunal de Justiça também partilha de tal entendimento 185:

“O elemento concernente ao consilium fraudis também se evidencia.


Realizada a avença, ato jurídico de transmissão onerosa, tinha o
adquirente, considerando os elementos probatórios e fáticos colacionados
ao feito, ciência do estado de insolvência do promitente vendedor.
Conforme aduzido no voto condutor do julgado, o promissário comprador,
quando da celebração da avença, sabia da existência de dívidas fiscais e
tributárias do promitente vendedor, da existência de protesto de títulos e do
estado concordatário daquele.”

No mesmo acórdão, transcrevendo a sentença de primeira instância:


“(...)Assim, conclui-se que a Giacomini Engenharia e Construções Ltda.
sabiam das dificuldades financeiras enfrentadas pelos promitentes
vendedores e, também, que os adquirentes não agiram com cautela, pois
dispunham de vários meios para verificar a real situação econômica dos
promitentes vendedores, como certidões negativas de cartórios de protesto
de títulos, dos distribuidores judiciais e criminais dentre outras medidas, as
quais certamente não foram tomadas.”

Em relação à insolvência conhecida efetivamente e à conhecida presumidamente, é


claro que a diferença entre esta última e a insolvência notória é tênue, pois na
prática geralmente ambos os requisitos, que são alternativos, geralmente caminham
juntos, pois a notoriedade da insolvência é um dos pontos em que se apóia a
presunção de conhecimento do terceiro adquirente, “ainda que a recíproca não
possa ser afirmada, demonstrando-se o conhecimento presumido em função de
certas circunstâncias pessoais que envolvem especificamente os figurantes do
contrato”186.

Já definidos os contornos da insolvência notória, analisemos neste momento os


indícios que levam à presunção (relativa) do conhecimento da insolvência por parte
do terceiro adquirente. Aqui, leva-se em consideração situação pessoal deste em
relação ao devedor-alienante para presumir seu conhecimento da insolvência.

Os indícios tradicionalmente apontados pela doutrina e pela jurisprudência brasileira


são os seguintes: a) as relações íntimas de amizade ou relações de parentesco e/ou

185
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 710.810-RS; Relator Ministro João Otávio
de Noronha. Órgão Julgador: Quarta Turma. Data do julgamento: 19/02/2008. Data da
publicação/fonte: DJe 10/03/2008. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 07 de Junho de
2011.
186
CAHALI. Yussef Said. Op. cit, p. 237.
62

de afinidade e/ou de negócios comuns entre os contratantes; b) a venda do bem a


preço razoavelmente menor do que o de mercado; c) a clandestinidade do ato; d)
falta de causa; e) pela alienação de todos os bens. Estes três últimos, menos citados
na doutrina, mas muito freqüentes no dia-a-dia negocial, são citados por Jorge
Americano187.

A respeito do primeiro dos indícios apontados, assevera Butera188:


“Ou o devedor aliena o bem a pessoa de sua confiança, seja porque a
alienação é simplesmente aparente e se tem, então, a simulação
fraudulenta, ou porque a vende por um preço menor que o devido, ou enfim,
porque é confortado pela esperança de burlar os seus credores com seu
estado aparente de insolvência, e de retomar o bem quando retornar-lhe a
melhor sorte.”

Tratando-se, como dito, de presunção relativa 189, pode ser sempre elidida por prova
em contrário do adquirente.

O Direito Norte-Americano arrola, em seu já citado Uniform Fraudulent Transfer Act


(UFTA), uma série de indícios, já preconizados pelas Cortes Inglesas da Common
Law sob a rubrica “badges of fraud” (“indícios de fraude”, em tradução livre), que
devem nortear o julgador para a aferição da intenção do devedor ao realizar o
impugnado negócio: a) a realização da alienação a uma pessoa com ele relacionada
proximamente (insider) (amigo, parente, etc); b) a retenção da posse, mesmo após a
alienação, do objeto alienado; c) a ocultação da alienação (por uma cláusula de
sigilo, por exemplo); d) fato de o devedor ter sido, pouco antes da alienação,
demandado em juízo, ou ameaçado de sê-lo; e) a alienação, por parte do devedor,
de praticamente todos os seus bens; f) a evasão, do devedor, da jurisdição; g) a
ocultação de bens por parte do devedor (escondendo-os em um depósito, por
exemplo) h) a falta de equivalência razoável entre o valor da contraprestação
recebida e o valor do bem alienado; i) O agravamento ou surgimento da insolvência
do devedor logo após a realização da alienação; l) A realização da alienação logo
após o surgimento de um considerável débito do devedor; m) a alienação de bens a

187
AMERICANO, Jorge apud RODRIGUES, Silvio. Op. cit., v. 1, p. 233.
188
BUTERA, Antonio apud CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 243.
189
TARTUCE, Flávio. Op. cit., p. 393.
63

um terceiro que posteriormente aliena-os a uma pessoa relacionada proximamente


com o devedor (insider)190.

Apesar de os citados “badges of fraud” serem apenas exemplificativos, ou seja,


orientativos ao juiz, que pode tanto concluir pela fraude com base em outros
elementos que não os listados no UFTA quanto concluir pela ausência de fraude na
presença de algum(s) desses indícios191, certo é que, ao contrário da Justiça
Brasileira, que tem que se apoiar na doutrina (o que, por certo, aumenta o espectro
de divergência jurisprudencial) para apurar o elemento subjetivo da Fraude contra
Credores, a Justiça Norte-Americana possui, como repositório mínimo de indícios
que levam à presunção do elemento subjetivo, os supracitados, o que, ao nosso
entendimento, proporciona maior segurança jurídica ao mundo negocial.

De volta ao estudo de caso do nosso Ordenamento Jurídico, incumbe ao credor, em


todo caso, autor da Ação Pauliana, o ônus probatório desse elemento subjetivo do
terceiro adquirente, conforme doutrina e jurisprudência pátrias majoritárias, seguindo
o princípio de que, quem alega, prova (onus probandi incumbit actori). Como já
mencionado, o Direito Positivo Brasileiro contenta-se com a insolvência notória ou
presumidamente conhecida do terceiro, o que não exclui, por óbvio, a insolvência
efetivamente conhecida. O que ocorre é que esta última, por ser de prova quase
impossível, tem pouca ocorrência prática.

Já em relação ao elemento subjetivo do devedor, a doutrina e a jurisprudência


pátrias têm entendido que, pelo só fato de a alienação ter sido voluntária, o
consilium fraudis do devedor já se presume, pois os arts. 158 e 159 do Código Civil
de 2002 (arts. 106 e 107 do Código de 1916) não exigem expressamente o requisito
da má-fé do devedor, que, aliás, ordinariamente se presume192. Nesse sentido,
Jorge Americano defende que “a lei dispensa a prova da fraude, presumindo-a

190
ALCES, Peter A; DORR, Luther M. A Critical Analysis of the New Uniform Fraudulent Transfer Act.
Disponível em: <http://scholarship.law.wm.edu/facpubs/300>. Acesso em: 06 de Junho de 2011.
191
TERRIL, John A.. Preventing Fraudulent Transfers. Disponível em: <http://files.ali-
aba.org/thumbs/datastorage/skoob/articles/Chapter%2004_BK64_thumb.pdf>. Acesso em: 08 de
Junho de 2011.
192
BEVILÁQUA, Clóvis apud CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 228.
64

desde que haja insolvência”193. Também Humberto Theodoro Júnior trilha por esse
caminho194:

“Quanto à má-fé do devedor, não se exige prova alguma, porque este


conhece seu estado patrimonial e sabe dos efeitos que a alienação deverá
representar para seus credores”

Além disso, poderíamos chegar a esse entendimento com o seguinte raciocínio: se,
de acordo com o art. 159 do Código Civil, o elemento subjetivo do terceiro
adquirente se considera preenchido se a insolvência for notória ou haja motivos para
que seja conhecida do outro contratante, como poderá o devedor, para afastar o seu
elemento subjetivo, alegar que desconhecia o estado de seu próprio patrimônio? 195

193
AMERICANO, Jorge apud CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 228.
194
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Fraude contra credores: a natureza da sentença pauliana. 2.
ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 169.
195
PALÚ, Oswaldo Luiz. A fraude contra credores e as ações pauliana e revocatória. Disponível em:
<http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/23235/fraude_contra_credores_acoes.pdf?sequen
ce=1>. Acesso em: 08 de Junho de 2011.
65

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após discorrermos a respeito dos pontos mais relevantes e debatidos do Princípio


da Responsabilidade Patrimonial e da Fraude contra Credores, vimos o quão
importante é entendê-los a fundo, para que os tratemos de forma adequada, visando
a que, nos limites da lei, tais institutos cumpram sua função social, qual seja, a de
dar maior segurança jurídica e esperança a quem litiga em busca de ressarcimento
patrimonial.

Para tanto, empreendemos, primeiramente, uma conceituação da temática da


Responsabilidade Patrimonial, pressuposto lógico para a criação do segundo
instituto tratado. Discorremos acerca da evolução histórica dessa responsabilidade,
que, como vimos, passou primeiramente de corporal, no Direito Romano, para
patrimonial ilimitada, e posteriormente evoluiu para patrimonial limitada, nos moldes
como é hoje no ordenamento jurídico brasileiro.

Feita a retrospectiva histórica, situamos a Responsabilidade Patrimonial na doutrina


jurídica, como elemento, ou faceta, do vínculo jurídico, que por sua vez é elemento
essencial da obrigação civil. Tratamos de sua natureza, que como vimos, tem
posição controvertida na doutrina nacional e estrangeira, que, vacila entre situá-la
dentro do direito privado ou do direito público processual. Aderimos, como visto, à
tese de José Frederico Marques, que distingue responsabilidade patrimonial (que
seria, segundo ele, matéria de Direito Privado), da responsabilidade processual
(essa sim, pertencente ao Direito Público Processual)196.

Após isso, definimos sua abrangência, que defendemos conter, em regra, todos os
bens do devedor no momento da avença da obrigação, e os adquiridos
posteriormente a tal momento. Dissemos em regra, pois, como vimos, e
defendemos, há o caso específico da fraude predeterminada para atingir credores
futuros.

196
MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. 1. ed. Campinas: Bookseller,
1997, p. 69-71.
66

Apontamos ainda, no fim de tal capítulo – o primeiro – como alguns ordenamentos


alienígenas tratam o tema. Durante todo o capítulo também expusemos o
posicionamento da jurisprudência a respeito dos pontos controvertidos.

Já no segundo capítulo, mais uma vez posicionamos o instituto dentro das


categorias jurídicas existentes, e vimos que, de lege ferenda, alguns autores
defendem que tal instituto deveria ter sido posicionado pelo Código Civil em outra
categoria, pois não se alinha com os demais defeitos do negócio jurídico. Também
distinguimos tal instituto de outro – a Fraude à Execução.

A seguir, tratamos da evolução histórica do instituto, que tem raízes no Direito


Romano, cujos ensinamentos foram seguidos pelos ordenamentos jurídicos dos
vários Estados Nacionais, chegando ao Brasil, por meio da herança do Direito
Português das Ordenações, que vigeu em territórios tupiniquins ao tempo do Brasil
Colônia.

Partindo da premissa, já traçada no início do referido segundo capítulo, fomos mais


a fundo, iniciando o tratamento das questões controvertidas na doutrina e na
jurisprudência.

Tratamos da questão da consequência do reconhecimento da Fraude contra


Credores: se seria a anulabilidade do negócio, ou ineficácia do mesmo. Concluímos,
seguindo jurisprudência do STJ, tratar-se de ineficácia.

Outro ponto que mereceu destaque foi a comparação entre o instituto em estudo e a
Simulação Fraudulenta. Pugnamos pela tese de que, muitas vezes em que se pensa
estar diante de Fraude contra Credores, se está lidando com verdadeira simulação.
Aduzimos que seria muito valioso aferir com precisão a definição de qual instituto se
trata os casos com que nos deparamos, visto que o tratamento reservado à
simulação pelo ordenamento jurídico é muito mais benéfico à parte lesada do que o
tratamento dado àquele outro instituto.
67

Passamos então aos elementos pressupostos da Fraude contra Credores: a


existência de um crédito anterior, a insolvabilidade do devedor (eventus damni), e o
elemento subjetivo (consilium fraudis).

Em relação ao primeiro elemento, tema dos mais importantes é a fraude


predeterminada para atingir credores futuros, que é pouco explorado na prática
forense. Defendemos a sua possibilidade, apoiando-nos em doutrina e em
jurisprudência. Vimos ainda que em ordenamentos jurídicos alienígenas, como o
português e o italiano, tal tema é, ao contrário do que ocorre no Brasil, tratado
diretamente pela legislação. Ainda quanto a esse elemento – a existência de crédito
anterior – é muito decisivo se definir o momento em que o crédito passa a existir,
pois é aí que se inicia, em regra, a responsabilidade patrimonial.

Quanto ao segundo elemento, discorremos a respeito da mitigação da interpretação


literal do requisito, que pode – e deve, pensamos – abrir possibilidade à uma
insolvência relativa, ou onerosidade excessiva da execução. Mais uma vez, vimos
que algumas ordens jurídicas estrangeiras são mais avançadas no que a nossa
quanto ao tema, abrindo mão desse requisito, em certos casos, como ocorre no
Direito Português, e principalmente no Direito Norte-Americano. Ponto decisivo
também é o concernente à prova de tal elemento, que deve ser ônus de prova do
devedor, pensamos nós.

Por fim, último – e mais importante e decisivo, na prática – dos elementos requisitos
da Fraude contra Credores é o elemento subjetivo, ou consilium fraudis. Trata-se,
segundo doutrina majoritária, e com a qual concordamos, tão somente da
consciência do devedor, e, por vezes, do terceiro adquirente, do dano causado pelo
ato. Para esse elemento, cruciais para a sua prova são a notoriedade e/ou
presunção de conhecimento da insolvência do devedor por parte do terceiro
adquirente. Chega-se a tal presunção – relativa, diga-se de passagem – por meio de
indícios, que no Direito Americano são muito bem explorados sob a rubrica de
badges of fraud.

Apoiando-se nos pontos debatidos neste trabalho, imperioso se torna explorá-los


quando da litigância de casos concretos envolvendo os dois institutos –
68

Responsabilidade Patrimonial e Fraude contra Credores – visto que têm sido um


grande entrave a uma maior crença no Poder Judiciário, e, consequentemente, no
Estado.
69

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em vigor do novo Código Civil, toda a legislação civil relativa às matérias que o
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