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RESUMO
Atualmente, a manutenção da política mundial sobre drogas pautada na “guerra contra as drogas”
traz perplexidade pelo fato deque, passados mais de cinquenta anos de trajetória, esta não alcançou
seus objetivos declarados, que atualmente giram em torno dos Direitos Humanos Internacionais,
trazendo como resultado, justamente, a violação daquilo que supostamente sempre buscou tutelar –
a vida, a saúde e a segurança. O presente artigo pretendeu responder o motivo pelo qual, apesar de
ser um fracasso, do ponto de vista da materialização dos objetivos declarados, se tem a insistência
na mencionada política. Além disso, questionou-se também, se a política de “guerra contra as
drogas” encobre uma finalidade oculta que é o controle das classes baixas. Sob análise, a hipótese
de que apesar de não cumprir suas finalidades jurídicas declaradas,a“guerra contra as drogas”,desde
sempre, tem cumprido objetivos políticos e atualmente estes objetivos ocultos podem ser decifrados
pelo estudo dos diagramas de poder no Neoliberalismo. Como metodologia, as propostas de Michel
Foucault sobre as relações entre Poder e Saber no discurso, a questão da “política da verdade”, da
polivalência tática dos discursos, paradesvelar os discursos, não a partir de uma filosofia que
encerram, mas a partir dos efeitos que garantem no plano da realidade. A partir da noção de Poder
em Foucault, a temática do governo dos homens foi analisada pelo o que denominou
de“Governamentalidade” e “Racionalidades políticas”, o que permitiu decifrar a lógica das
“políticas de drogas” em diferentes momentos no século XIX, a compreensão de seus “inimigos”
desde o surgimento do probicionismo até a consolidação mundialde uma política que declara
“guerra contra as drogas” e desenha a faceta de um novo inimigo e de uma nova forma de
racismo.Pela análise da racionalidade neoliberal,o artigo percorreu temas pertinentes como seu
1
Guilherme Gustavo Vasques Mota – É Mestre em Ciência Política pela PUC/SP. É advogado e Professor
Universitário. Leciona no CIESA as disciplinas Criminologia, Direitos Humanos e Direito Constitucional. É
Coordenador de Trabalho de Curso do Curso de Direito do CIESA. Leciona no Curso de Ciências Militares da
UEA a disciplina Direitos Humanos.
2
Maria Nazareth Vasques Mota – É Mestre em Ciências Penais pela UCAM e Doutora em Ciência Política pela
PUC de São Paulo. É Promotora de Justiça aposentada, Advogada e Professora Doutora da UEA. Coordena o
Mestrado em Direito Ambiental da UEA. É professora do CIESA e da Faculdade Marta Falcão. Leciona as
disciplinas de Direitos Humanos e Criminologia.
surgimento na Alemanha e nos Estados Unidos, a “teoria do capital humano” da Escola de Chicago,
a política criminal de tolerância zero. Ao final,com Nils Christie foi possível constatar que a “guerra
contra as drogas” é utilizada como forma de controle das classes baixas e, nos dias de hoje, a
seleção penal cumpre o papel de ceder a matéria prima necessária para a existência de um indústria
que fatura com a criminalização e traz como reflexo uma nova forma de racismo que passa
despercebida da fiscalização do Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos, um
racismo determinado pelo mercado.
ABSTRACT
Currently , the maintenance of world politics , based on the " war on drugs " brings perplexity by
the fact that , after more than fifty years of history, has not achieved its stated objectives , which
currently revolve around Human Rights International , bringing as a result precisely what the
violation allegedly always sought to protect- life , health and safety . This paper aims to answer why
, despite being a failure from the point of view of realization of stated objectives , it is the insistence
on the policy of the drug war . Furthermore , it is also questioned whether the policy of " war on
drugs " masks a hidden purpose that is control of the lower classes . Following analysis , the
hypothesis that despite not fulfilling their legal purposes declared , " The war on drugs " has always
served political purposes and currently these hidden objectives can be deciphered by studying the
diagrams of power in Neoliberalism . As methodology, proposed by Michel Foucault on the
relationship between power and knowledge in the discourse , the question of " politics of truth " ,
the tactical polyvalence of discourses to unveil the speeches, not from a philosophy that close , but
from ensure that the effects in terms of reality. From the notion of power in Foucault , the subject of
the government of men was analyzed by what he termed governmentality and political rationalities
that bring new regimes of tolerance and punishment from new political goals , which allowed
decipher the logic of " political drug " at different times in the nineteenth century , the
understanding of their " enemies " of the emergence of probicionism until the consolidation of a
global policy that declares " war on drugs " and draws the facet of a new enemy and a new form of
racism. For the analysis of neoliberal rationality , the article ran pertinent topics as their emergence
in Germany and the United States , the " human capital theory " of the Chicago School , the
criminal policy of zero tolerance . At the end , with Nils Christie was established that the " War on
drugs " is used as a way to control the lower classes , and these days , the selection criminal plays
the role of giving the raw material necessary for the existence of a industry that bill with the
criminalization and as a result brings a new form of racism that goes unnoticed surveillance System
International Protection of Human Rights , a racism determined by the market .
APRESENTAÇÃO
Em Junho de 2013, a Comissão de Narcóticos do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas
e Crime (UNODC) lançou sua versão anual do World DrugsReport(ONU, 2003), o Relatório
Mundial sobre Drogas, sendo esse o primeiro passo para a revisão da Declaração Política e Plano de
Ação para a questão das drogas.
Apesar da insistência da ONU e de alguns Estados signatários, entre eles, Estados Unidos e
Brasil, a “guerra contra as drogas” mostrou um efeito no máximo modesto, pois tantos anos após a
deflagração dessa política, não se alcançou uma diminuição significativa no uso de quaisquer das
substâncias que proíbe, alcançando no máximo uma estabilidade. O mercado global de drogas, a
despeito de toda a política internacional capitaneada pela ONU, atualmente gira em torno de US$
320 bilhões de dólares enquanto o gasto dos Estados Unidos na manutenção dessa política, nos
últimos 40 anos foi de mais de um trilhão de dólares (UNODC, 2012).
O Brasil é signatário das Convenções sobre drogas da ONU e aberto às políticas dos Estados
Unidos sobre o modelo de política criminal para os países da América Latina. Assim como os
Estados que a integram, o Brasil têm colhido os nocivos efeitos da “guerra contra as drogas”, seja
pelos gastos bilionários do Estado em operações e investimentos em segurança, seja pelas mortes,
de policiais, de pessoas envolvidas com o tráfico, de usuário de drogas, de pessoas que habitam os
bairros mais vulneráveis do ponto de vista social além da superlotação dos presídios.
A manutenção da política da “guerra contra as drogas” pela ONU gera assim perplexidade,
pois seus efeitos mais nocivos têm como principal alvo, justamente os bens declarados que
“juridicamente” legitimam o seu exercício – a vida, a saúde, a proteção ao erário e, nos dias de hoje,
a luta contra o crime organizado internacional – trazendo o engrandecimento absoluto das
populações carcerárias, mortes em massa, gastos públicos exorbitantes com a militarização e
fomento do crime organizado, sendo uma política no mínimo contraditória.
Para Nilo Batista (1998, p. 77-78), no que concerne às políticas criminais, as autoridades
dispõem de “critérios diretivos enunciados ao nível normativo”, mas também, outros critérios: como
“aqueles silenciados ou negados pelo discurso jurídico”, porém legitimados socialmente, trazendo a
constatação de que os objetivos jurídicos declarados muitas vezes mascaram usos políticos ocultos.
Em “Política criminal com derramamento de sangue”, Nilo Batista (1998) destacou a visão de
Clausewitzsobre a “Guerra do ópio”, no sentido de que “a guerra é um instrumento da política”, por
trazer necessariamente a marca da política que a rege.
Na Guerra do Ópio, o discurso da política era incontroverso, “[...] a rainha Vitória nada sabe
sobre droga, mas se preocupa sim, com [...] o confisco do ópio [...] as indenizações por perda de
estoque de ópios confiscados”, não havendo contradição entre discurso declarado e efeito
alcançado, podendo-se notar a “marca da política” (os traços dessa política), identificá-la nos
esboços dessa guerra a favor do comércio de drogas (BATISTA, 1998, p.78).
Contudo, segundo Nilo Batista, quando a guerra é determinada pela proibição das drogas
como é o caso da politica mundial de drogas instaurada há mais de cinquenta anos, será necessário
percorrer o raciocínio inverso para vislumbrar na política, a “marca da guerra”. Considerando o
reconhecimento de Batista (1998), de que a política criminal é uma extensão da “política social”,
para decifrar os objetivos políticos da manutenção da “guerra contra as drogas” será necessário
visualizar as relações de poder a partir da atual tendência da Política nos Estados ocidentais, o
Neoliberalismo3.
3
Em “Nascimento da Biopolítica” Foucault teoriza sobre o Neoliberalismo, não como sistema econômico, mas como
tendência ou lógica política de governo (FOUCAULT, 2008-b).
governo das pessoas do que ao embate ou uma luta como defendeu Nietszche. Na análise da
“governamentalidade” e das racionalidades políticas, sendo estas últimas, tendências de governo
determinantes da natureza de intervenção a ser realizada pela organização política na sociedade, a
partir de objetivos políticos específicos, será possível verificar a assertiva da constatação de Batista
(1998) ao afirmar que as políticas criminais representam a incorporação dos objetivos que se busca
politicamente, como ocorre na política de drogas sob a égide do Neoliberalismo.
Questiona-se assim, o fracasso da atual “guerra contra as drogas”, não a partir do discurso
jurídico, pois este traria a constatação imediata de um fracasso, mas a partir dos efeitos de poder
garantidos no plano da realidade pela análise das relações de poder engendradas pelo
Neoliberalismo que traz novas utilizações da lei e do Direito.
Para alcançar tal diagnóstico, se optou pela metodologia de analise das relações entre poder e
saber em Foucault percorrendo necessariamente a discussão da verdade, das políticas da verdade e
da polivalência tática dos discursos, em que se analisa a utilização política de um discurso a partir
de critérios como a “profundida tática” e a “integração estratégica” como será visto em momento
oportuno.
Neste sentido, partindo da compreensão de que com diferentes objetivos de governo surgem
novas relações de tolerância e punição, será verificado o surgimento do Neoliberalismo na
Alemanha e Estados Unidos, sua concepção e objetivos, a “Teoria do capital humano” desenvolvida
pela Escola de Chicago e o sujeito que se busca produzir no Neoliberalismo. Inversamente é
possível identificar a nova figura do inimigo, aquele que não se adequa aos fins políticos buscados.
Aderindo a algumas conclusões de Nils Christie (1993), se adentrará a discussão da guerra
contra as drogas, como guerra contra aqueles que compõem as denominadas “classes perigosas”,
sendo possível notar a mudança do discurso das drogas na passagem do Estado Social para um
modelo de Estado pautado na orientação da ordem de mercado em que a forma de lidar com as
adversidades é empresarial.
Conforme já disse Nilo Batista (2002), a utilização do sistema punitivo como forma de
neutralizar obstáculos ou entraves ao progresso de determinada lógica política é algo tradicional nas
transições políticas.
No decorrer das transições das políticas de drogas, com discursos declarados e efeitos
desejados, constata-se uma mudança nos critérios de seleção penal, um racismo que passa a ser
orientado não mais pela temática do conflito de raças, ou dos saberes psiquiátricos do Estado, que
influenciaram campos da Criminologia como o “Positivismo”, mas da teorização de economistas
fundadores da “Teoria do capital humano”: o improdutivo –engendrando uma nova forma de
racismo biológico de Estado determinado pelas relações de poder no Neoliberalismo.
Esse atual racismo biológico de Estado que alimenta uma indústria passa despercebido por
todas as convenções da ONU, em meio às balas trocadas e mortes esperadas em um palco de
tolerância universal internacional que defende uma Guerra. Ao final, será possível verificar que o
Brasil adere à política de controle do crime e lota presídios com traficantes, mostrando que aqui, o
empreendimento Neoliberal está a pleno vapor.
Em recente artigo para o Wall Street Journal, Gary Becker (2013), conhecido economista
neoliberal estadunidense da Escola de Chicago, admite o fracasso da “guerra contra as drogas”,
anunciada explicitamente por Nixon na transição da década de 60 para 70. Segundo o autor, a
expectativa naquele momento era de que o tráfico de drogas poderia ser amplamente reduzido em
poucos anos pela polícia. Contudo, passados mais de 40 anos, se percebe sinais de fracasso
associados aos números referentes à perda de vidas, dinheiro e bem-estar dos americanos,
principalmente nos campos da saúde e educação.
Segundo Becker (2013), estima-se o custo total anual da guerra contra as drogas, seja pela
militarização, aumento de contingentes e utilização da Justiça Criminal, em mais ou menos 40
bilhões por ano, além de outros dados de difícil quantificação como a evasão de 25% no Ensino
médio voltada principalmente para a situação dos negros e hispânicos que ao experimentarem
escolas e bairros sem infraestrutura mínima buscam a sorte na venda de drogas.
Atualmente, o total de pessoas encarceradas nos presídios federais e estaduais nos EUA subiu
de 330.000 (1980) para 1,6 milhão (2013). Tal resultado é explicado pelo excesso de condenações,
expansão da justiça criminal e aplicação de penas severas.
Assim, a estratégia seria intervir no ambiente do tráfico e direcionar a repressão policial para
garantir que o usuário iniciante se deparasse com valores altíssimos para a aquisição da droga, de
forma a convencê-lo a largar o vício. Já para os usuários dependentes, tanto faria o valor da droga,
pois de qualquer forma estes iriam adquiri-la e nesse sentido era melhor que os valores fossem
baixos, pois se não conseguisse pagar cometeria crimes para financiar seu vicio.
Contudo, atualmente, o próprio autor assume que quanto mais os governos intensificam o
combate, mais os preços da droga sobem para compensar os riscos gerando lucros maiores para os
traficantes que conseguem se manter em liberdade.
Ou seja, além de todos os problemas mencionados, a guerra contra as drogas pode gerar mais
dependência e aumento do número de viciados.
De forma inesperada, o neoliberal Gary Becker (2013), aponta como caminho a observância a
modelos europeus recentes, como o de Portugal que descriminalizou a o uso de qualquer substância.
Nos EUA já se observa alguns Estados descriminalizando a maconha e obtendo valiosos resultados
como a diminuição da dependência mediante o incremento da possibilidade de tratamentos
institucionais.
No mundo, a “guerra às drogas” apresenta números que a remete ao fracasso e,no Brasil não é
diferente. Embora tais efeitos sejam sentidos em todas as unidades da Federação Brasileira, é no
Rio de Janeiro que a guerra mais vitima. De acordo como o Relatório das milícias4, embora o
número de policiais mortos seja estável, de 138 no ano de 2000 para 144 em 2006, o número de
civis mortos na guerra contra o tráfico pulou de 300 no ano de 1997 para 1330 em 2007. Além das
mortes desnecessárias, a guerra é ineficaz, pois não torna as cidades mais seguras e o número de
apreensão de drogas e de armas é decrescente: entre 2006 e 2007, as apreensões de drogas e armas,
diminuíram respectivamente de 13.312 em 2006 para 11.062 em 2007 (drogas) e 10.793 para
10.178 (armas) (RIBEIRO; DIAS; CARVALHO, 2008).
Assim, apesar dos anos de “batalha”, segundo os dados do Mapa da Violência dos Municípios
Brasileiros, da Organização dos Estados Ibero-americanos para Educação, a Ciência e Cultura
(OEI), o Rio de Janeiro ainda se classifica em terceiro lugar na taxa de homicídios, sendo de 50 para
cada 100.000 habitantes, o que se intensifica quando se trata de jovens – 100 para cada 100.000
habitantes.
Segundo Roberta Pedrinha (2008), no Rio de Janeiro, os principais alvos da repressão são os
traficantes nas favelas, com índices de morte de aproximadamente 1.000 pessoas por ano, sendo que
desde a democratização já morreram mais de 30.000 pessoas e só em 2007 mais de 1.260 homens.
Conforme mostrou a autora, o Relatório preliminar da ONU sobre a política de drogas em 2008,
considerou a política “contraproducente”, e no Rio de Janeiro é mais grave, pois baseada em ações
de extermínio e criminalização da pobreza. Além dos casos de morte de civis e policiais, o
traficante costuma ser o principal alvo da guerra.
4
Relatório das Milícias. Disponível em http://br.boell.org/downloads/Relatorio_Milicias_completo.pdf. Acesso
em 10 de Julho de 2013.
2. METODOLOGIA DE ANÁLISE DOS DISCURSOS E RELAÇÕES DE PODER EM
FOUCAULT.
Sobre a discussão da verdade, Foucault parte da visão de Nietzsche para conceber a tarefa da
filosofia, como exercício do “diagnóstico” e não como busca da “verdade intertemporal”, como os
filósofos desde sempre proclamaram. O trabalho de “diagnóstico” é concebido na forma de criar
uma história da verdade, indicando que existem interesses implícitos e inerentes à criação do
verdadeiro e do falso.
Não seria suficiente, assim, realizar a história da política mundial de drogas e analisar a
condução a uma determinada verdade, que seria a necessidade de proteção de direitos humanos e da
sociedade, mas sim, buscar uma história dessa declarada verdade.
Na busca pela “ história da verdade” sobre o proibicionismo das drogas, não será verificado
assim, o quão próximo um determinado discurso se aproximou da verdade, mas sim, a verdade
como uma determinada relação que discurso e o poder mantêm “consigo mesmo”.questionando se
essa relação “[...] não é, ou não tem ela mesma uma história” (FOUCAULT, 2000-b, 233.).
Sobre as “histórias da verdade”, Foucault (1999) distingue uma “história interna da verdade”,
que se atualiza a partir de seus próprios princípios de regulação e que é desenvolvida pela ciência,
como é o caso do discurso dos Direitos Humanos declarado pela ONU. Por outro lado, uma
“história externa da verdade”, em que se determina “regras do jogo” emitidas pelos diversos
governos, subjetividades, tipos de saberes e domínios, como se vê, por exemplo, na utilização do
proibicionismo na política de drogas.
A partir de um discurso, a separação entre o verdadeiro e o falso não será “[...] nem arbitrária
nem modificável, nem institucional, nem violenta”. Tal separação estará assim em outra escala, em
que se coloca a questão de saber a partir de determinado discurso, a vontade de verdade imposta
durante o decorrer da história, sua forma mais geral para que a partir daí possa ser concebido um
sistema de exclusão que será sempre caracterizado por ser histórico modificável e
institucionalmente coercitivo e constrangedor (FOUCAULT, 2004, p. 3).
Pela relação entre poder, saber e verdade, se vislumbra o caráter histórico e modificável do
“verdadeiro” e do “falso”. Neste sentido, Foucault (2004),menciona a época dos poetas gregos do
século VI a.C, o discurso verdadeiro era pronunciado por quem tinha o direito de fazê-lo, segundo o
ritual requerido, o que despertava respeito e terror, pronunciava a justiça, profetizava o futuro,
dizendo o que ia se passar, mas já contribuindo para a sua realização.
Um século mais tarde, na verdade dos discursos, entre Hesíodo e Platão, se estabeleceu uma
determinada divisão que separou o discurso verdadeiro e o discurso falso; dali em diante, o discurso
verdadeiro não é mais o discurso “precioso” e “desejável”, porque não é mais o discurso ligado ao
exercício de poder. O discurso verdadeiro deixava para trás o ato ritualizado (FOUCAULT, 2004).
Uma questão se mostra relevante: se o discurso da verdade não está mais, desde os gregos,
relacionado ao desejo ou ao exercício do poder, o que há na vontade de verdade que não o desejo e
o poder.
Pela discussão da “politica da verdade” de Foucault (2004) é possível situar a verdade como
criação deste mundo em virtude de múltiplas correções, possuindo efeitos regrados de poder ao se
generalizar em cada sociedade. Está relacionada ao discurso que essa sociedade aceita e faz
funcionar como verdadeiros a partir de mecanismo que permitem a distinção do verdadeiro e do
falso, a relação entre os discursos e os procedimentos que sugerem a possibilidade de obtenção da
verdade.
Assim, a análise dos discursos não deve ser orientada a partir da vontade de verdade ou do
pressuposto moral que se defende, mas sim, a partir da polivalência tática dos discursos5.
5
Pela regra da polivalência tática dos discursos Foucault traz um método que consiste em analisar os discursos,
não como simples tela de projeção dos mecanismos de poder, pois é “[...] justamente no discurso que vem a se
articular poder e saber. E por essa mesma razão, deve-se conceber o discurso como uma série de segmentos
descontínuos, cuja função tática não é uniforme nem estável. Mais precisamente, não se deve imaginar um
mundo do discurso dividido entre o discurso admitido e o discurso excluído, ou entre o discurso admitido
Segundo considera essa metodologia, a multiplicidade de elementos discursivos desempenha
diferentes papeis a partir de diferentes estratégias. Neste sentido, Foucault (1977) apresenta como
critérios da utilização, a “profundidade tática” e a “integração estratégica”.
Pelo critério da “profundidade tática”, se busca saber quais os efeitos recíprocos de poder e
saber, os discursos buscam garantir e a partir da “integração estratégica”,se questiona que
conjunturas, quais relações de força, fazem com que determinado discurso seja necessário em
determinado momento.
Partindo já mencionada premissa de Nilo Batista, de que quando a guerra é determinada pela
proibição das drogas como é o caso da atual “politica mundial” de drogas, instaurada há mais de
cinquenta anos, será necessário buscar na política, a “marca da guerra”. Neste sentido, para decifrar
o que determina o perfil do proibicionismo atual será necessário visualizar as relações de poder a
partir da atual tendência da Política nos Estados ocidentais, o Neoliberalismo.
Já o governo das pessoas é tema que tem seus primeiros relatos oriundos da cultura do povo
hebreu e posteriormente, sem muito destaque, na Grécia e no período socrático. Está relacionado ao
ofício do pastore segundo Foucault, trata-se da:
dominante e o dominado, mas ao contrário, como uma multiplicidade de elementos discursivos que poder entrar
em estratégias diferentes” (FOUCAULT, 1977, p. 95).
[...] benevolência individualizada que se dá no acompanhamento da
vida,na qual a responsabilidade do pastor não se refere somente à vida
de suas ovelhas, mas de todas as suas ações; a relação entre o pastor e
suas ovelhas é individual e total; aquele deve conhecer o que se passa
nos aspectos na vida de suas ovelhas, até, nos campos íntimos; o
pastor deve conduzir suas ovelhas no cotidiano, neste mundo, o que
denominou de poder pastoral.
Na visão de Platão não havia assim relação entre o papel desempenhado pelo político e pelo
pastor, uma vez que este último era reconhecido por realizar atividades que acompanhavam a vida
das pessoas, como o médico, o agricultor, o ginasta, o pedagogo. Compartilhavam assim, de um
objetivo único, o de manter a vida dos indivíduos, acompanhando-os, vigiando-os, velando por eles,
de forma individualizada.
Dessa forma, Foucault chama atenção para o seguinte detalhe: a atuação do político não tem
como objeto direto, os homens, mas sim, a cidade:
[...] esse pastorado, esse poder pastoral não pode ser assimilado ou
confundido com os procedimentos utilizados para submeter os homens
a uma lei ou a um soberano. Tampouco pode ser assimilado aos
métodos empregados para formar crianças, os adolescentes e os
jovens. Tampouco pode ser assimilado às receitas que são utilizadas
para convencer os homens, persuadi-los ou arrastá-los contra a
vontade deles. Em suma, o pastorado não se confunde nem com uma
política, nem como pedagogia, nem com uma retórica. É uma coisa
inteiramente diferente. É uma arte de governar os homens (Foucault,
2008-c, p. 219).
No processo que conduziu à formação dos Estados modernos, o pastorado cristão constituiu
um prelúdio do que denomina governamentalidade, por constituir “[...] um sujeito cujos méritos são
identificados de maneira analítica, de um sujeito que é sujeitado em redes contínuas de obediência,
de um sujeito que é sujeitado pela extração da verdade que lhe é imposta” (Idem).
A“Guerra do Ópio” permite a visualização da utilização das drogas orientada por fins
econômicos mercantilistas na Inglaterra. Tais medidas, à época, buscaram neutralizar interesses
econômicos e políticos, como forma de combater a sucesso da China na balança comercial em
relação aquele país, resultando na reinserção do Opio na China, ao passoque aInglaterra lucrava
reativando o vício popular em ópio, forçando a China a abrir sua economia.
Como se percebe, não havia qualquer contradição entre objetivos declarados e efeitos
políticos desejados, pois o determinante da utilização dessa política de drogas foi simplesmente o
objetivo da potência Inglesa de enriquecer com a venda do ópio. O perfil dessa política pode ser
decifrado pela análise de um estilo de racionalidade política que até o século XVII foi predominante
na Europa Ocidental, a “razão de Estado”, que se manifestou como consideração política para todas
as questões públicas, tendo como objetivo a preservação, a expansão e a “felicidade” do Estado.
Nesse período de ascensão do Estado moderno, o objetivo era expandir a presença estatal para
possibilitar dominação, não só por pelo alargamento de suas instituições por todo o território, mas
também, na fiscalização de fronteiras e principalmente, para toda a vida das pessoas. Como se
percebe, nesse período, não havia preocupação com saúde, vida ou direitos humanos, pois a
tendência política não era a da exploração da força de trabalho do homem, mas do enriquecimento
pelo acúmulo de riquezas, algo que se relacionava à lógica do mercantilismo, o que justificou
inclusive as grandes navegações.
Contudo, essa “arte de governar” não conseguiu alcançar amplitude e consistência antes do
século XVIII, se manifestando limitada no interior da forma da monarquia administrativa. Tal
racionalidade política permaneceu assim, “prisioneira de suas estruturas” por algumas razões
históricas que bloquearam essa arte de governar como a “guerra dos trinta anos”, com devastações e
ruínas, grandes revoltas rurais e urbanas, além do problema do exercício da soberania ao mesmo
tempo como questão teórica e princípio de organização política (Foucault, 2008-c).
A grande mudança na política de drogas se dá com o final da Guerra do Opio, em que surge
um ação inversa: o proibicionismo e com ele um tendência de ocultar os objetivos políticos, e
manifestar objetivos jurídicos.
Na análise das relações de poder, a transição do perfil da política de drogas pode ser explicada
por uma transição das Racionalidades políticas que se dá com o surgimento do Liberalismo. As
consequências desta mudança de modelo de governo, que agora terá como objetivo a população
são: 1) o desaparecimento do modelo familiar; 2) a população como objetivo último do governo; 3)
o surgimento de um saber próprio do governo que se denomina “economia política”.
Com a “economia política”, percebeu-se no Liberalismo que seria mais lucrativo investir na
vida da população, mas não como se fez na “razão de Estado”, em que se buscou com isso o
enriquecimento e expansão do próprio Estado, mas de usar tal conhecimento, para governar a
população em um determinado sentido, em que possibilitasse utilizá-la para produzir e criar
riquezas.
No Liberalismo, se reativou uma nova formatação do poder pastoral, que a partir do século
XVIII, se apresentará como “biopoder”, que faz intervenções no corpo, individualmente
considerado, e também enquanto população e que irá determinar novos regimes de tolerância e
punição.
Considerando o Liberalismo, enquanto racionalidade política, o poder pastoral foi
desempenhado mediante a sociedade disciplinar que buscava criar sujeitos úteis e dóceis pela
normalização, sendo o inimigo será tudo aquilo que se relaciona ao anormal e à desordem. Cabe
informar que o tratamento do inimigo se deu mediante os saberes que buscavam atestar a
normalidade como a medicina e a psiquiatria.
Dessa forma, o que liga o monstro humano à figura do anormal do século XIX é justamente o
fato de tratar-se de indivíduos incorrigíveis, e que requerem intervenções especificas. As
intervenções normalizadoras devem ser relacionadas às técnicas familiares corriqueiras de
educação, disciplina e correção consolidadas com a expansão do carcerário. Situando-se no eixo da
incorrigibilidade, o anormal no século XIX será um monstro “empalidecido e banalizado”,
incorrigível, sendo o centro de toda aparelhagem social.
A "degeneração" foi formulada em 1857 por Morel em uma época em que “[...] Baitlarger,
Griesinger, Luys propõem modelos neurológicos do comportamento anormal [...] época em que
Lucas percorre o domínio da hereditariedade patológica” (Foucault 2002, p. 401).
Nesse momento foi a “ciência biológica, anatômica, psicológica, psiquiátrica” que permitiu o
que poderia ser “validado e o que deve ser desqualificado ”. Segundo Foucault, a combinação do
“impossível e o proibido” foi utilizada por Lombroso para lidar com os delinquentes, tendência
adotada no final do século XIX e início do século XX. O anormal passa a ser entendido como um
monstro cotidiano, um monstro banalizado, que representa os indivíduos a serem corrigidos.
Com o fim da escravidão, será o tema da “mestiçagem” como condição de inferioridade que
vai substituir a inferioridade que era atribuída ao escravo negro, fazendo com que a relação entre
“raça” e “crime” ganhe nova dimensão. No relato dos antropólogos, a mistura das raças era vista
como um empecilho ao progresso social. Segundo Foucault (1999-b, p. 73), trata-se de um aspecto
do racismo:
Todos os discursos biológico-racistas sobre a degeneração, mas
também todas as instituições que, no interior do corpo social, vão
fazer o discurso da luta das raças funcionar como principio de
eliminação, de segregação e, finalmente, de normalização da
sociedade [...] Não será: ‘Temos de nos defender contra a sociedade’,
mas, ‘Temos de defender a sociedade contra todos os perigos
biológicos dessa outra raça, dessa sub-raça, a que estamos, sem
querer, constituindo’. Nesse momento, a temática racista não vai mais
parecer ser o instrumento de luta de um grupo social contra um outro,
mas vai servir de estratégia global dos conservadorismos sociais.
Assim, isso pode ser vislumbrado no exemplo da utilização do modelo sanitário. Tanto no
Brasil quanto nos EUA, a utilização desse modelo rendeu efeitos diferentes motivados por
necessidades políticas internas, contudo, pode-se dizer que a utilização do discurso como forma de
atuação política, decorreu da racionalidade política liberal. Segundo os diagramas de poder do
Liberalismo, a solução para as classes indesejadas percorreu necessariamente essa relação médico-
tribunal.
Neste primeiro exemplo, segundo Rosa del Olmo (1975, p. 52) as condenações por drogas nos
Estados Unidos aumentaram em 10 vezes entre 1916 e 1926, período satisfatório para as
autoridades que viabilizaram a retirada de pessoas, em sua maioria migrantes e pobres, pessoas
marginalizadas dos grandes centros, remetendo-os às periferias mostrando que a utilização da
política de drogas permitia o “governo de pessoas”.
Antes do surgimento da ONU, é possível anotar ainda a 2ª Convenção sobre o ópio de 1925
que determinou aos governos nacionais a implementação de medidas proibicionistas visando a
produção, a fabricação e mesmo o consumo, com a criação do sistema de monitoramento de drogas
em nível internacional e as Convenções de Genebra de 1931 e 1936 direcionadas principalmente
àcontenção do tráfico de drogas inaugurando o que Nilo Batista (1998) e Salo de Carvalho (1997)
denominaram de “controle internacional das Drogas” mediante o sanitarismo que perdurou até a
década de 60.
Com o surgimento da ONU,inicia-seuma segunda ordem mundial que encerrou o sistema
westfaliano de Estados. A nova ordem mundial, trazida pela ONU, no pós-guerra em 1945
representou as condições necessárias para a consolidação de algo como uma política mundial de
drogas, uma vez que o novo sistema estava pautado na relativização das soberanias externas e
internas e na cooperação internacional por parte dos Estados signatários (PIOVESAN, 2013).
É a partir de 1961 que a ONU cria um novo paradigma do controle de drogas mundial com a
criação da Convenção Única sobre Entorpecentes responsável pela tradicional base do
“proibicionismo internacional” – proibição tanto do uso como da venda – determinando a aplicação
de tipificação e de penas para o simples uso não medicinal trazendo pela primeira vez a articulação
entre proibição de substância e tutela de Direitos Humanos(ZAFFARONI; PIERANGELLI, 1997).
Buscou-se tornar a questão da droga, uma pauta não só internacional, mas também, universal
a partir de monitoramentos de órgãos de controle internacional que buscaram além do controle, a
erradicação da droga em países onde esta era culturalmente aceita, como na Bolívia e Colômbia
manifestando a difusão internacional de uma “política de verdade sobre as drogas” pautadas no
proibicionismo, demarcando o fim do “sanitarismo” e o início de uma política que representou o
início da “guerra contra as drogas” mas que nesse momento tinha como maior determinante , a
“guerra fria”
Com a instalação do regime militar no Brasil, mais uma vez o controle das drogas passa a ser
instrumento de combate aos contestadores do sistema. Surge a política da Segurança nacional que
coloca tal valor acima de qualquer outro e usa a justificativa de combate as drogas como forma de
capturar insurgentes.
Neste período, foi evidente a visão seletiva do sistema, o que pode ser constatado não
raciocínio deNilo Batista, abaixo:
A visão seletiva do sistema penal para adolescentes infratores e a
diferenciação no tratamento dado aos jovens pobres e aos jovens ricos, ao
lado da aceitação social que existe quanto ao consumo de drogas, permite-nos
afirmar que o problema do sistema não é a droga em si, mas o controle
específico daquela parcela da juventude considerada perigosa. (BATISTA,
2003, p. 135)
Com o fim da década de 60 ocorreu uma nova transição, e com Nixon, em 1969, que se
retorna ao proibicionismo mais rigorosos com as drogas, o que permitiu um ambiente fértil para que
Reagan, na década de 80. Ao passo em que passa a prevalecer as lideranças neoliberais, o
consumidor deixa de ostentar a condição de doente e passa a ser considerado cliente de um sistema
que lucra com o comércio ilegal de drogas. Nesse sentido, o consumidor passa a ser visto mais uma
vez como delinquente que apóia o crime organizado.
Nesse momento, a utilização desse tipo de política de drogas permite o controle dos
imigrantes, o controle de países da América Latina, a partir da justificativa do combate as drogas.
Uma nova imposição surge: os países desenvolvidos passam a ser os maiores consumidores e, os
países em desenvolvimento com pouco desenvolvimento passam a ser mal vistos e suscetíveis a
intervenções justificadas pela defesa dos Direitos Humanos.
A guerra contra as drogas declarada explicitamente a partir de Nixon e continuada por Reagan é
posteriormente desenvolvida pelo George W. Bush na década de 90 e, início do Século XXI pelo
Bush filho.
Neste sentido, segundo Oliveira (2005-b), esse investimento tão amplo e grande e em escala
mundial é explicado pela utilização tática da prevenção. A partir dos dispositivos jurídicos, será
possível conduzir qualquer discussão a um tribunal, que irá equacionar punições conforme a
necessidade de sobrevivência da política nos termos introduzidos inicialmente pelo Liberalismo:
por trás da defesa de um direito fundamental de liberdade da pessoa, está sempre uma possibilidade
de promoção de atividades econômicas, o que é condição de sobrevivência para o capitalismo.
De fato, se olharmos o atual cenário americano, que política criminal é essa que
contempla operações militares em territórios estrangeiros, que distingue grupos
aliados e beligerantes, promove acumulação e intercâmbio de informações em
âmbito internacional e intervenção permanente na rede diplomática, administra
orçamentos astronômicos, celebra crescentemente tratados que versam desde
compromissos criminalizadores até a erradicação de culturas e extradições, passando
por patrulhas marítimas e helicópteros, e na qual se pretende envolver a cada dias,
mais intensamente, as forças armadas.
Considerando que os discursos são resultantes das relações de Poder e este, por sua vez, mais
da ordem do governo, como explica Foucault (2010, 2008-b), surgiu o objetivo de relacionar a
manutenção da atual política de drogas com os objetivos de governo neoliberal.
Em uma exposição sucinta é possível mostrar como o Neoliberalismo nasce na Alemanha e
nos Estados Unidos com uma lógica bem parecida: enquanto o Liberalismo procurou governar
menos e normalizar, o Neoliberalismo buscou a ascensão de uma ordem de mercado que permita
uma sociedade de empresas.
Apesar das pressões dos Estados Unidos que faziam imposição de modelos denominados de
“planismo”, como a política do New Deal, de ampla intervenção do Estado na economia e de
criação de planos econômicos que buscavam principalmente igualar rendas, a solução adotada pela
Alemanha foi o inverso: adotaram o Neoliberalismo que buscava assim, transformar a sociedade em
um jogo de empresas pautado na concorrência (FOUCAULT, 2008).
Assim a intervenção do Estado somente seria possível mediante a lei, intervenções formais –
o direito passa a ser regra de jogo econômico. Em razão dessa intervenção, o modelo foi
denominado por muitos de Liberalismo positivo.
Nos Estados Unidos pode-se dizer que se tem um Neoliberalismo muito mais radical. Partindo
da visão da Escola de Chicago, os neoliberais se inspiram em um dogma: qualquer relação pode ser
vista e decifrada pelo olhar econômico. Essa é uma tendência presente também na Alemanha, mas
desenvolvida de forma muito mais radical nos Estados Unidos.
Assim, a visão econômica migra para analisar campos “não econômicos” que a
tradicionalmente não se concebia uma análise econômica. Um dos exemplos extremosé o caso da
relação entre mãe e filho que integra inclusive a “teoria do capital humano”.
Ao visualizar o homem como um ser racional, um homem econômico que dosa perdas e
ganhos nas relações, o criminoso é qualquer pessoa que tenha uma “oportunidade” de cometer um
ato pelo qual poderá sofrer uma pena, ou seja, disposto a correr um risco especial, não havendo
assim grande diferença entre o agente de um crime de trânsito e de um homicídio.
O controle social informal, aquele realizado pela família, pelos membros da vizinhança, da
escola e do clube é muito visível em pequenas cidades em que a criminalidade é quase inexistente.
Contudo, com o surgimento das grandes metrópoles, a noção de mobilidade social e migração, põe
abaixo a pretensão de utilização de um controle social informal, pois as pessoas habitam lugares
transitoriamente, trabalham durante todo o dia e retornam somente a noite, não permitindo a criação
de um elo social fundamental ao para o exercício de tal controle que é a proximidade afetiva
(SHECAIRA, 2004).
Além disso, outro elemento chave na compreensão dos teóricos de Chicago é o conceito de
desorganização social, em que os índices de criminalidade são mais altos em locais desfalcados em
condições de desenvolvimento humano, desvelando que existem cidades dentro de uma cidade
(IDEM).
O controle social formal, aquele formado pelas agências estatais e mais especificamente, do
sistema penal, como policiais civis, militares, delegados, promotores de justiça e juízes é tido como
menos eficaz, pois quase todos os seus representantes atuam após o cometimento do delito, o que
dificulta o controle penal (IDEM).
Dessa forma, partindo dessas premissas, a Escola de Chicago concebe que a criminalidade é
um efeito gerado pela cidade, e assim, a intervenção deve se dar na cidade, visão que rendeu ao
pensamento da Escola, a alcunha de Ecologia criminal.
Assim, além do movimento lei e ordem, muito propagado pela Mídia6 se tem também o
chamado “tolerância zero” um modelo de política criminal neoliberal inspirado na literatura de um
autor estadunidense neoconservador –Q. Wilson – que devaneou sobre a prevenção mediante o
conto “das janelas quebradas”. Para ele, aumentando a prevenção e assegurando a punição
(tolerância penal zero) seria possível um melhor controle do crime (MATHIESEN, 2003).
O Tolerância Zero é claramente uma inspiração neoliberal, uma vez que Q.Wilson buscou
analisar o comportamento humano pela grade de inteligibilidade do homem econômico. Segundo
trabalhou em sua obra, o criminoso pode ser qualquer pessoa, e é um ser racional que reage a
estímulos e considera em suas ações critérios de perdas e ganhos.
Nils Christie em “A indústria do controle do delito” inicia suas análises a partir do tema do
excesso da população, destacando os “mãos vazias”como problemas surgidos desde o início da
industrialização considerados como tais, por causar pelo menos dois tipos de problema: distúrbios
relacionados à ordem pública e à criminalidade (CHRISTIE, 1993).
6
O discurso dominante das agências de criminalização secundária, entre as quais está a mídia, “é reforçado nas
chamadas campanhas de lei e ordem (law and order, GesetzundOrdnung), que divulgam uma ampla mensagem:
a)reivindicam maior repressão; b)afirmam, para isto, que não se reprime suficientemente”. O discurso dominante
está tão introjetado entre aqueles que são clientes dessas campanhas quanto entre aqueles que cometem ilícitos,
de modo que a própria campanha de lei e ordem tem um efeito multiplicador, à guisa de incitação pública.
ZAFFARONI, Raul E. e BATISTA, Nilo, Direito Penal Brasileiro I, Rio de Janeiro: Revan, 2003 (Pg. 63).
Segundo Christie, o“sistema das casas de trabalho forçado”falhou, pois os Estados eram
relativamente pobres e havia falta de infra-estrutura. No pós-guerra, com o fim desse
empreendimento, surgiram novos fatores que determinaram o aumento da busca pelo trabalho e isso
se intensifica com o ingresso da mulher no trabalho e o crescimento da sociedade industrial
(IDEM).
O problema neste momento não era a falta de trabalho, mas da falta de trabalho remunerado.
A solução no âmbito do modelo do Estado social buscou garantir que não houvesse pessoas
desempregadas e garantindo trabalho remunerado a todos.
As criticas foram no sentido de que essa forma de solução era antieconômica, aberta à fraude
e corrupção. Contudo representou uma garantia de que todos iam experimentar o trabalho
remunerado. A partir dessas críticas e do surgimento hegemônico de modelos concorrenciais
pautados nas forças de mercado Christie (1993) sinaliza uma ausência de alternativas, fazendo
surgir novamente a mesma questão de “como controlar os improdutivos” que em maioria formam as
chamadas classes perigosas.
O princípio básico do controle social era lidar com o contingente da população mais difícil de
lidar e quais seriam estas? A princípio se ouviu que as classes mais difíceis de gerir seriam as
classes mais altas, pois tudo podem e as classes mais baixas, por não ter nada a perder, fazem de
tudo, abraçando a visão deJongman (CRISTIE, 1993).
Contudo, uma crítica que se faz é que em tempos em que o desemprego é massivo, o melhor
controle é o da pobreza relativa e não da pobreza absoluta. Essa percepção é oriunda da observação
da crise na década de trinta em que houve um desemprego massivo, pois quando é irrisória a taxa de
desemprego, essas pessoas atribuem a culpa do desemprego a si mesmo, mas quando existe um
desemprego maciço, as pessoas acham que há uma má distribuição de oportunidades (IDEM).
Como realizar um controle das classes baixas que não seja por meio da investigação das
denuncias. Assim, a “guerra contra as drogas” surgiu como uma forma de controle dessa demanda
de pessoas improdutivas. As populações que se envolvem com a venda de drogas trazem dois
problemas: mostram que ganham sem trabalhar e que usam o dinheiro que ganham investindo em
outras formas delituosas.
Com a sugestão da guerra das drogas surge a possibilidade de controle. Nils Christie compara
a atual situação no Neoliberalismo com o período da lei seca em que houve um desemprego em
massa e a saída percorreu a “guerra contra as drogas” pelo controle das classes ociosas (CHRISTIE,
1993).
Essa equiparação é possível, uma vez que os efeitos no Neoliberalismo são devastadores
como já dissertou Nilo Batista (2002, p. 272):
A guerra contra as drogas preparou um terreno para a guerra contra as populações perigosas e
pessoas consideradas inúteis, uma desculpa para violação de direitos. Representam uma fonte de
distúrbios e um indicativo de que os objetivos não estão sendo alcançados.
Então no período do Estado social a política do pleno emprego desenvolvia resultados quando
surgiram os hippies e depois, infratores além de traficantes. Os idealizadores do sistema social
começaram a se questionar o que estaria ocorrendo e a resposta teve as seguintes interpretações:
“existe uma deficiência no sistema”, ou “de alguma forma a desigualdade tomou conta” ou
simplesmente as“drogas são uma possibilidade de destruição de qualquer sociedade avançada”.
Obviamente os idealizadores de um sistema não iriam apontar uma deficiência e foi assim que
começou a luta contra as drogas sob a égide do Estado social.
Nesse período, na vigência do Estado social que buscava “proteger a sociedade”, a droga era
um male e deveria ser resolvido e em outro sentido as pessoas que cometem males devem ser
controladas. Os envolvidos com drogas passaram em alguns momentos a sofrer tratamentos típicos
dos Estados de bem-estar.Contudo, com o passar do tempo se percebeu o encarceramento de
usuários de drogas, que na verdade estavam lá por serem inúteis para a sociedade e não por serem
usuários.
Tal constatação remete à política estatal denominada por Foucault de “o racismo moderno de
Estado”, que representa no domínio da vida (biopoder) um corte: “o corte entre o que deve viver e o
que deve morrer” pautado na qualificação de “certas raças como boas, e de outras, ao contrário,
como inferiores”, o que nos remete aos incivilizados tão reprimidos pelas práticas de tolerância zero
(FOUCAULT, 1999-b, p. 304).
O racismo biológico de Estado representa uma reinscrição do conceito de raça pelo Estado
moderno. Segundo Foucault, o conceito de raça pode ser entendido de duas formas: opondo-se duas
raças, em um primeiro sentido, se estaria falando de grupos que não têm a mesma origem local, nem
falam a mesma língua, nem a mesma religião. Em outro sentido nessa oposição de raças, haveria
dois grupos que coabitam a mesma sociedade, mas não tem os mesmos costumes e os mesmos
direitos (FOUCAULT, 1999-b).
No segundo sentido, (este que orienta o racismo de Estado), raça é raça biológica. Essa nova
formatação do racismo estabeleceu uma ruptura na continuidade biológica da espécie humana
relacionada a quem deve e quem não deve viver estabelecendo uma seleção: “a morte do outro
melhora minha vida”.
Assim, em termos biológicos muda-se a ideia de guerra que não será mais a que retrata a
vitória sobre o adversário, mas da eliminação de um perigo com o qual se convive no interior da
sociedade.
Neste sentido, no Neoliberalismo, essas práticas estarão voltadas contra aquele considerado
biologicamente inferior, visualizado na teoria do capital humano dos neoliberais, como o que não
possui o aparelho biológico necessário para se comportar conforme as exigências dessa
racionalidade – viver como empresa – e a partir dos diagramas da sociedade de controle, por não
possuir a capacidade intelectual de produzir; fugindo as possiblidades de captura e práticas de
assujeitamento pelo intelecto, representando assim uma resistência aos objetivos da sociedade de
controle.
Foucault, explica nas linhas que se transcreve abaixo, como se deu esse retorno ao poder de
matar na sociedade disciplinar, plena sociedade de normalização:
De uma parte, de fato, o racismo vai permitir estabelecer, entre a minha vida
e a morte do outro, uma relação que não é a relação militar e guerreira de
enfrentamento, mas uma relação do tipo biológico: ‘quanto mais às espécies
inferiores tenderem a desaparecer, quanto mais os indivíduos anormais forem
eliminados, menos degenerados haverá em relação à espécie [...] A morte do
outro não é senão a minha vida, na medida em que seria minha segurança
pessoal; a morte do outro, a morte da raça ruim, da raça inferior (ou do
degenerado, ou do anormal) é o que vai deixar a vida em geral, mais sadia;
mais sadia e pura (FOUCAULT, 1999 b. 305).
Passetti explicabem a consolidação de um novo racismo, não mais relacionado às raças, mas
sim à pobreza, trazendo à tona, a configuração de um novo inimigo, não aceito, indesejado do ponto
de vista político:
No caso particular dos programas de “tolerância zero” se enraíza, como se verá a seguir, nestas
guerras e em particular, a “guerra contra as drogas” partir de 1970, sendo o conceito de “classes
perigosas” o principal conceito a garantir legitimidade da gestão do contingente pobre, mediante a
orientação do “Racismo de Estado”, permitindo resultados após a realização de prisões em massa –
as populações carcerárias –mostram números que permitem dizer que já está em funcionamento
uma “Indústria do controle do delito” no Brasil que fatura altos valores.
No vislumbre dos dados de população carcerária existe uma tendência em comum: a maior
porcentagem dos crimes é de delitos contra a propriedade, contra ordem e relacionados à droga:
As estatísticas nacionais mostram que a maioria (65 por cento) dos delinquentes são enviados
à prisão por delitos contra a propriedade ou contra a ordem e relacionados com drogas. Um número
considerável de detentos (15 por cento) não são julgados como culpados de nenhum delito, contudo
voltam ao cárcere por violar as “condições” da liberdade condicional. Por exemplo, violação de
horários, negativa a participar de algum programa, comprovado usa de drogas, etc. (IDEM, p. 99).
A partir da lógica neoliberal, a questão do controle do crime passa obrigatoriamente por uma
questão: como tornar o problema da eliminação dos efeitos anticoncorrenciais como a criminalidade
e os criminosos, uma atividade rentável? Descobriu-se que “cárcere quer dizer dinheiro, pois o
investimento será alto: se gastará em edifícios, equipamentos, administração, empresas privadas
(serviços de assistência médica, comida), compra de materiais de segurança” (IDEM, p. 106).
CONCLUSÃO.
O aumento repentino dos dados relativos à população carcerária em todo mundo é um sinal
que demonstra que o empreendimento neoliberal está em pleno vapor. Segundo Thomas Mathiesen,
a eficiência dos modelos de “desabilitação coletiva”, como os propostos por políticas criminais de
tolerância zero em todo o mundo, nunca foi comprovada empiricamente pelos seus defensores,
sendo seus efeitos considerados imprecisos e somente secundários em relação ao índice da
delinquência e da segurança dos cidadãos (MATHIESEN, ANO, 157-158).
Quanto à prevenção geral, tão presente nas justificativas das propostas de tolerância zero, que
crê na lógica de que a resposta pela punição faz com que pessoas não cometam delitos, sendo
obedientes, esta também se mostrou um fracasso, pois como já mostrou Nilo Batista, o Direito
Penal não pode ser utilizado para solucionar problemas sociais.
Embora os defensores dessas políticas não tenham comprado suas eficácias, elas continuam
sendo implementadas por governos neoliberais em todo mundo. A escolha dessa política, como se
viu, não está relacionada a uma vontade dos Estados em resolver o problema da criminalidade, mas
em uma necessidade de dar uma solução a essas classes perigosas que são, por sua vez, também
resultantes da sistemática neoliberal.
O Brasil atualmente possui a 4ª maior população carcerária do mundo7, com 496.251 presos,
ficando atrás somente dos Estados Unidos, China e Rússia, tendo duplicado desde 2000 e triplicado
desde 19958.
Entre 1995 e 2005 a população carcerária do Brasil saltou de pouco mais de 148 mil presos
para 361.402, o que representou um crescimento de 143,91% em uma década. A taxa anual de
crescimento oscilava entre 10 e 12%.
Os motivos que levam estes milhares de pessoas para trás das grades são quase sempre os
mesmos: tráfico de drogas (125 mil presos) e crimes patrimoniais, como furto, roubo e estelionato
(240 mil presos). Em suma, o infográfico revela que apenas nove modalidades criminosas são
responsáveis por 94% das prisões.
7
Dados extraídos do King`s Collegge London, disponível emhttp://www.kcl.ac.uk/index.aspx. Acesso em 20 de
Dezembro de 2011.
8
Disponível em http://www.conjur.com.br/2011-jun-13/populacao-carceraria-dobrou-dez-anos-taxa-
crescimento-caiu. Acesso em 20 de Dezembro de 2011.
crimes de tráfico. Entre as causas para o aumento súbito da população carcerária está a reincidência
no crime de tráfico ambém é uma das causas da superlotação carcerária
Das 15.263 mulheres que passaram nos últimos cinco anos, a fazer parte da população
carcerária brasileira, 9.989 (65%) foram acusadas de tráfico de drogas. “Basicamente são mulheres
não brancas, têm entre 18 e 30 anos e baixa escolaridade”, afirmou a ministra do Superior Tribunal
de Justiça Eliana Calmon, Corregedora Nacional de Justiça.9
Esse dado sobre a escolaridade é particularmente importante, pois como já disse Nilo Batista
(1998), “(...) quando a Polícia mensalmente executa (...) um número constante de pessoas,
verificando ademais que estas pessoas tem a mesma extração social, faixa etária e etnia” se percebe
o exercício de uma política direcionada. No caso do tráfico de drogas, os que respondem pelo crime
são comprovadamente, pessoas improdutivas.
À luz da teoria do capital humano, que define os critérios desse novo racismo, o racismo
contra aquele que não possui o aparelho biológico necessário para comportar-se como empresa, se
seleciona aqueles que serão aproveitados não pela capacidade de produzir, mas pela capacidade de
ser consumidor dos serviços de uma nova indústria, que é a indústria da prisão, que gera o
investimento.
9
Disponível em: http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/dependencia-quimica/crack-chama-
a-atencao-para-dependencia-quimica/populacao-carceraria.aspx
O Brasil dá sinais de que adere ao mercado do controle do crime. Entre 2003 e 2009,
conforme dados oficiais da Secretaria Nacional de Segurança Pública10, o governo investiu mais de
R$ 1 bilhão na construção de 97 estabelecimentos penais, além de ter ampliado e reformado outros
37, valor que não inclui equipamentos ou reaparelhamento na área de segurança o que certamente
também deve ter autorizado o dispêndio grandes quantias.
A partir da leitura de tais efeitos foi possível achar a marca de guerra na política neoliberal.
Ao final da presente análise, se percebe como, após aproximadamente 15 anos da publicação do
artigo “Políticas criminais com derramamento de sangue”, os motivos apresentados por Nilo Batista
(1998) continuam atuais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1997. (Pg. 146).
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Graduação em Direito – Faculdadede Direito da Universidade de São Paulo, 2006).
CARVALHO, Salo de. A Política Criminal de Drogas no Brasil. Rio de Janeiro: Luam, 1997, p.
20.
CARVALHO, Salo. RODRIGUES, Thiago. Narcotráfico: uma guerra na guerra. São Paulo:
Desatino, 2003.
CHRISTIE. Nils. “La indústria delcontróldel delito”. Editora “Editores Del Puerto”, Buenos
Aires/Argentina, 1993.
10
Disponível em http://www.conjur.com.br/2011-jun-13/populacao-carceraria-dobrou-dez-anos-taxa-
crescimento-caiu. Acesso em 20 de Dezembro de 2011.
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2008._________________. “A história da sexualidade”, Vol. I: “A vontade de saber”. Graal, Rio
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PASSETTI, Edson. “Anarquismos e Sociedade de Controle”, Editora Cortez, São Paulo 2003.]
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uma Reflexão Crítica. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008.
PIOVESAN. Flávia. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional. 14ª Edição, Saraiva,
2013.
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ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELI, JoséHenrique. Manual de direito penal brasileiro. São
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UNODC. Disponível em http://www.onu.org.br/crime-organizado-transnacional-gera-870-bilhoes-
de-dolares-por-ano-alerta-campanha-do-unodc/.