Você está na página 1de 9

STONEHENGE ESPAÇO CONFINADO

O QUE
ESTÁ
FALTANDO?
4040
REVISTA
REVISTA
PROTEÇÃO
PROTEÇÃO FEVEREIRO
FEVEREIRO//2015
2015
Em clima de reconhecimento de uma im- rio do Trabalho e Emprego, que coordenou
portante conquista para a melhoria da saúde o Grupo de Trabalho Tripartite da NR 33 e
e da segurança dos trabalhadores brasileiros, também um dos autores do Guia Técnico
em dezembro de 2006, foi publicada a NR da Norma, Sérgio Augusto Letizia Garcia.
33, normatização que passou a vigorar em Após a publicação da norma, porém, sur-
março de 2007 e trata com exclusividade da giram dúvidas sobre a aplicação de muitos
questão dos espaços confinados. pontos, além de dificuldades de interpreta-
Vista por especialistas como uma norma ção, como lembra Garcia. Foi grande a quan-
bastante eficaz, a NR 33 trouxe às empre- tidade de q­ uestionamentos que lhe chama-
sas importantes diretrizes sobre este tipo ram a atenção e do enge­nheiro de Segurança
de atividade que está presente em diversos do Trabalho, e tecnologista Sênior da Fun-
segmentos da economia – na agricultura, in- dacentro, professor Francisco Kulcsar Neto.
dústria de transformação, construção, setor Eles resolveram então lançar a semente de
petroquímico e muitos outros. um trabalho que veio complementar e con-
“A elaboração da NR 33 ocorreu a partir da tribuir para sanar as dúvidas sobre a norma
ocorrência de diversos acidentes em es­paços regulamentadora - o Guia Técnico da NR
confinados e a constatação de que grande 33, lançado em 2013 e publicado na íntegra
número de profissionais da área de Segu- nesta edição a partir da página 50 até a 71.
rança e Saúde no Trabalho não identificava Apesar dos importantes avanços no que
o local como confinado, não entendiam as tange à regulamentação e oferta de dire-
suas causas, nem as medidas de prevenção. trizes de segurança para as empresas com
Os trabalhadores também não reconheciam espaços confinados, um fato preocupante
a existência de riscos graves para a sua segu- reconhecido pelo setor de SST é que mui-
rança e saúde”, aponta o engenheiro civil e de tos acidentes ainda ocorrem nesses locais,
Segurança no Trabalho, mestre em Engenha- e, o que é pior, em sua maioria, envolvem
ria de Produção e Auditor Fiscal do Ministé- vítimas fatais.

O trabalho em espaço confinado tem hoje uma norma específica


e um guia técnico que complementa a NR 33.
Contudo, os acidentes nestes locais não diminuíram

Reportagem de Litiane Klein

FEVEREIRO
FEVEREIRO//2015
2015 REVISTA PROTEÇÃO 41
REVISTA PROTEÇÃO 41
ESPAÇO CONFINADO
Pelas características que os envolvem preditas na NR 33 ser fundamental pa- estavam com EPIs, mas as máscaras eram
– falta de ventilação, espaço reduzido, ra a identificação desses locais e a con- para poeira e não para proteger de gases”,
ambiente não projetado para ocupação sequente redução de acidentes com a conta. Com as janelas fechadas em função
humana, e outros – tudo que ocorre em adoção de medidas preventivas, o pro- do frio característico do Sul do país, o am-
um espaço confinado acaba gerando um fissional de acesso por corda nível III e biente se tornou nocivo e, em consequên-
risco maior. Um simples escorregão pode instrutor em NR 33, Elton Renan Fagun- cia, os trabalhadores ficaram intoxicados.
se tornar um acidente com mais de uma des, da Stonehenge Mountain - Alpinis- Dessa forma, destaca Fagundes, locais
vítima fatal. mo Industrial, sublinha que é necessário que não são espaços confinados quando
Os problemas que envolvem a seguran­ avaliar ainda o tipo de trabalho que será analisados em um primeiro momento, po-
ça nos espaços confinados, porém, come­ executado no local, para reconhecer se dem vir a apresentar características de es-
çam na identificação desses locais. Con- ele pode vir a ter condições semelhantes paços confinados, a depender do tipo de
forme a NR 33, “espaço confinado é qual- ao espaço confinado. trabalho que será executado e das condi-
quer área ou ambiente não projetado para Fagundes cita o exemplo de um traba- ções em que ele será realizado.
ocupação humana contínua, que possua lho de remoção de carpete que foi reali-
meios limitados de entrada e saída, cuja zado na sala de um diretor de uma empre- CONCEITOS
ventilação existente seja insuficiente pa- sa. Embora o local fosse projetado para a A coordenadora nacional da NBR
ra remover contaminantes ou onde pos- ocupação humana, alguns pontos fizeram 14.787 para prevenção de acidentes em
sa existir a deficiência ou enriquecimento com que se instalasse uma atmosfera de espaços confinados da ABNT, membro
de oxigênio”. risco. “Como estavam com dificuldades do GT Tripartite da NR 33, e docente em
Apesar da definição que consta na nor- de remover o carpete, os funcionários empresas nos temas “Prevenção de aci-
ma, dúvidas surgiram em relação à carac- de­cidiram utilizar um solvente. Os gases dentes em espaços confinados e radia-
terização destes espaços, especialmente liberados tornaram a atmosférica tóxica. ção eletromagnética” Paula Encarnacion
se a qualificação como EC ocorre apenas Os funcionários tinham máscaras, ou seja, Scardino Mancebo, aponta a importância
quando todos os itens citados na NR es- da compreensão dos conceitos de espaço
tão presentes. confinado perturbado e não perturbado.
O auditor fiscal da SRTE/SP, Luís Car- Espaço confinado não perturbado é on-
los Lumbreras Rocha, destaca que três de se estudam os riscos inerentes ao es-
pontos devem ser avaliados para definir paço em si, seus riscos e contaminantes.
espaço confinado – a possibilidade de ha­ Conhecido também por riscos estáticos (a
ver contaminantes, o fato do ambiente menos que o contaminante seja modifica-
não ser projetado para ocupação humana do). Nesse caso, as medidas de controle
contínua e a existência de dificuldades de de riscos são norteadas pela PET (Per-
acesso (entrada e saída). missão de Entrada e Trabalho), explica
“A definição é que, para ser espaço a consultora.
confinado, estes três elementos têm que Espaço confinado perturbado é onde
estar presentes. Muitos consideram que se verificam os riscos inerentes à ativi-
a norma deixa isso dúbio. De qualquer dade que será executada no interior do
forma, o Guia Técnico da NR 33 esclare- espaço, a forma como evoluem os riscos
ce muitas das dúvidas que a norma possa do EC não perturbado, cujas medidas de
deixar”, ressalta. controle de riscos são norteadas pela APR
Kulcsar observa que é fundamental a (Análise Preliminar de Risco).
caracterização dos riscos em espaços con- “Estes conceitos não foram compreen-
finados. “A principal característica do es- didos. Se a NR 33 estabeleceu dois do-
paço confinado é possuir uma atmosfera cumentos, a PET e a APR, fica claro que
perigosa, deficiente de oxigênio, tóxica eles gerenciam situações diferentes. Sem
ou prejudicial à saúde, ou inflamável ou o entendimento desse conceito principal,
explosiva”, define. perdemos o controle da situação”, opina.
A segunda característica inerente a um
espaço confinado, conforme ele, é não ser DIVERSIDADE
projetado para ocupação humana contí- Espaços confinados são encontrados
nua. “De posse das duas características, nas mais variadas atividades econômi-
ou seja, da atmosfera interna de risco e de cas. Segundo Kulcsar, eles podem ser
não ser projetado para ocupação humana en­contrados na indústria, no campo, no
contínua, podemos de forma simples ca- porto, nas cidades, no setor de serviços e
racterizar um espaço confinado”, aponta. em meios de transporte como nos navios,
nos aviões, nos caminhões e nos vagões
PARTICULARIDADES ferroviários.
Apesar da avaliação das principais ca- “Eles podem estar espalhados em pra-
racterísticas dos espaços confinados, ticamente todos os lugares como na agri-

42 REVISTA PROTEÇÃO FEVEREIRO / 2015


ESPAÇO CONFINADO
cultura, agroindústria, serviços de águas

DOMINGOS ALPHANO/CONSTRUCAP
e esgotos, lixo, gás, eletricidade, telefo-
nia, TV a cabo, indústrias químicas e pe-
troquímicas, indústria naval e operações
marítimas, construção civil, siderúrgicas
e metalúrgicas, beneficiamento de mine-
rais, indústria de papel e celulose, indús-
tria gráfica, indústria alimentícia, indús-
tria da borracha, indústria do couro, in-
dústria têxtil”, cita.
Dessa forma, a gestão destes espaços se
torna mais complexa em função da neces-
sidade de se fazer análises que abordem
os casos específicos de cada segmento,
opina o mestre em Sistemas de Gestão,
engenheiro mecânico e de Segurança do
Trabalho, docente, sócio diretor da ADMC
- Serviços de Consultoria e representante
da Força Sindical no GTT da NR 33, Ar-
mando Campos.
Equipe deve ser preparada e treinada para o serviço
“A aplicação da NR 33 é dificultada por-
que não se aprende que não se pode aten- (identificação/análise/avaliação) bem fei-
der uma norma sozinha, deve-se atender ta, e é preciso inserir seu resultado no Ca-
também o que está nas outras normas re- dastro de Espaços Confinados, para que
gulamentadoras. Por exemplo, quando se esse possa ser usado no p ­ lanejamento
fala em silo, tem de se ir à NR 31, só que das atividades, na capacitação dos traba­
fazer este link não é fácil”, aponta. lhadores e pelo grupo de Emergência e
O engenheiro destaca que os maiores Salvamento.
problemas que ele tem encontrado nas Para Kulcsar, em primeiro lugar, deve
empresas são a ausência de planejamen- se estabelecer um Programa de Gerencia-
to para execução da atividade; a falta de mento que inclua exames médicos, treina-
detectores de gás; erros na interpreta- mento, procedimentos seguros de traba-
ção dos dados do detector de gás - por lho - como a PET (Permissão de Entrada
exemplo, não saber o que é alarme TWA; e Trabalho), Equipamentos de Proteção
Permissão de Entrada e Trabalho (PET) Individual, Equipamentos de Proteção Co-
incompatível com a realidade dos riscos letiva e Equipamentos de Resgate.
da empresa; capacitação insuficiente ou “Ao se identificar um espaço confinado
inadequada; cadastro de espaço confinado ele deve ser sinalizado, isolado e bloquea-
sem consistência (distante do realizado); do de preferência com cadeado. Em qual-
terceirização selvagem; falta de uma ava- quer caso de entrada em espaço confinado
liação de risco psicossocial voltada para deve se assegurar a saúde e segurança do
o processo e não para pessoas individu- trabalhador por meio do preenchimento
almente e falta de um BRAT (Busca, Res- de uma folha de permissão de entrada,
gate, Atendimento – Primeiros Socorros, medição da atmosfera, boas condições de
Transporte) eficaz. ventilação, purga, lavagem, uso de EPIs,
possibilidades de resgate, transporte e
RISCOS comunicação, além de exames médicos
Os principais riscos existentes em es- e treinamento”, detalha.
paços confinados estão ligados à ventila-
ção, como deficiência de oxigênio, into- CASCATA
xicação por agentes químicos e incêndio. Um dos problemas que ocorre em es-
Outros riscos para a segurança e saúde do paços confinados é o chamado “efeito
trabalhador são soterramentos, quedas, cas­cata”, que acaba fazendo com que os
escorregões, quedas de objetos, engol- trabalhadores que vão fazer o resgate da-
famentos, calor ou frio excessivos, baixa queles que sofreram o acidente sejam vi-
iluminação e ruído. timados também.
Armando Campos lembra, porém, que De acordo com Erny Francisco Pereira
espaços confinados são complexos, o que Filho, técnico de Segurança do Trabalho
leva à necessidade da Avaliação de Riscos e consultor da área, a alta gravidade do

44 REVISTA PROTEÇÃO FEVEREIRO / 2015


INVESTINDO NO RESGATE
Com mais de 10 anos de experiência em destes equipamentos”, lembra Fagundes.
paradas de SST e resgate em espaços con- Outro ponto é planejar o resgate. “É ne-
finados, o profissional de acesso por corda cessário que se avalie o que será feito, co-
nível III e instrutor da NR 33, Elton Renan mo será feito, relatar e planejar os proce-
Fagundes, aponta que o comportamento dimentos conforme a situação e os riscos,
seguro é o ponto principal para evitar que os equipamentos e pessoal necessário. Não
acidentes ocorram e que atinjam grandes adianta simplesmente entrar para fazer o
proporções nos espaços confinados. resgate sem saber o que vai ser feito e co-
“O principal questionamento nos treina- mo fazê-lo. Dessa forma, a possibilidade de
mentos é sobre como agir quando o aci- o resgatista virar vítima torna-se reduzida”,
dente ocorre. O mais importante é focar aponta o especialista.
na prevenção, e is­so se aplica também ao Em relação à necessidade da equipe de
resgate. Por exemplo, os equipamentos têm plantão, Fagundes diz que a empresa deve
que estar montados com antecedência e fi- avaliar o risco. “Quando um serviço tem ris-
carem à disposição e não lacrados e guar- co alto, é preciso que o resgate esteja dispo-
dados”, pondera. nível, acompanhando o processo”, pontua.
Para que a equipe de resgate – que de- Ele avalia que, em termos de normatiza-
ve ser preparada, treinada e qualificada ção, a NR 33 deveria ter aprofundamento
para este serviço – não se torne vítima, é relativo ao resgate. “Se poderia avaliar a
preciso avaliar, em caso de acidentes, os necessidade até mesmo de haver uma
equipamentos necessários para a vítima nor­ma apenas para esta questão, tanto em
acidente em espaço confinado está ligada
e para o resgatista. “Por exemplo, em caso espaços confinados quanto para trabalho
à baixa frequência de ocorrências – que
da necessidade de um respirador, é preci- em altura. Não há muito material no Brasil
acaba fazendo com que os cuidados sejam so considerar que as vítimas e as pessoas sobre resgate para orientar as empresas”,
negligenciados - e falta de conhecimento, que vão entrar para resgate vão necessitar conclui.
bem como ausência de procedimentos
adequados de SST. para executar uma determinada tarefa, agressiva que interfere em sua capacida-
“O cenário do acidente normalmente é normalmente de baixo risco, e quando de de auto resgate, ou seja, normalmen-
traiçoeiro, constituindo verdadeiras ar- chegam aos pontos mais profundos des- te perdem os sentidos, não conseguindo
madilhas para as pessoas que adentram ses locais, se deparam com uma atmosfera mais sair sem ajuda”, aponta.

FEVEREIRO / 2015 REVISTA PROTEÇÃO 45


ESPAÇO CONFINADO
Conquista a ser ampliada Francisco Kulcsar da Fundacentro,
também estava conduzindo estudos so-
bre espaços confinados e, juntamente com
Implementação efetiva da NR 33 requer mais conhecimento Paula, criou o primeiro projeto em 1995.
“O Ministério do Trabalho não tinha esta-
Sempre há pontos a serem melhorados trabalhador passava mal pela inalação de tísticas de acidentes em ECs, então cria-
em uma norma regulamentadora, mas a algum gás ou vapor tóxico e os colegas mos um dossiê e o encaminhamos. Como
NR 33 é vista pelos profissionais do setor entravam no espaço confinado para efe- houve demora para a formação da Comis-
de SST como uma norma bastante com- tuar o resgate sem o uso de equipamentos são Tripartite para conduzir o assunto, em
pleta, que traz muitas diretrizes e solu- adequados, inclusive sem proteção respi- janeiro de 2001, conseguimos formar um
ções para os problemas do trabalho em ratória”, relembra. Grupo na ABNT”, detalha Paula.
espaços confinados. A especialista Paula Scardino aponta No ano de 2006, foi então formada a
Apesar disso, muitos apontam que fal- que, antes da NR 33, foi elaborada a Nor- Comissão Tripartite para os trabalhos
ta ainda uma aplicação mais abrangente ma Técnica ABNT 14.787, publicada em normativos, resultando na NR 33, publi-
da norma nas empresas, além de uma vi- dezembro de 2001. Este foi o primeiro cada em dezembro daquele mesmo ano,
são global, que leve à gestão de forma in- norteamento técnico brasileiro sobre o com entrada em vigor em março de 2007.
tegrada dos sistemas, métodos, regras e assunto. “Em 1993, houve a solicitação O objetivo principal foi o de definir me-
processos nesses ambientes. do Grupo Telebrás para a empresa em didas de controle dos riscos em espaços
“A NR 33 é uma normatização exce- que trabalhei, Wandel & Goltermann, de confinados, com medidas separadas em
lente. Evidentemente, toda norma tem estudo do assunto para a proteção dos blocos: técnicas, administrativas, pesso-
um processo de aprimoramento, mas ela trabalhadores de telecomunicação que ais e de emergência.
foi muito bem elaborada, e o que poderia estavam sofrendo acidentes em redes
ser melhorado, que está relacionado com subterrâneas em todo o território nacio- DESAFIOS
algumas dúvidas que surgiram na aplica- nal. Naquele ano comecei os estudos de A principal dificuldade, diz Paula, foi
ção, foi feito no Guia da NR 33”, opina o tecnologia de controle atmosférico por a de se estabelecer uma regra geral pa-
auditor fiscal do MTE Luís Carlos Lum- meio de instrumentação já utilizado na ra atender diversos segmentos, cada um
breras Rocha. época nos Estados Unidos, Inglaterra e com seu grau de especificidade. “Era pre-
Ainda assim, ele, que vivencia o dia a Alemanha”, conta. ciso proteger trabalhadores de complexos
dia das empresas nas fiscalizações desta-
ca que a maior parte dos acidentes ocor-
re por desconhecimento da norma. “Isso
PROTEÇÃO RESPIRATÓRIA É FUNDAMENTAL
acontece especialmente na agricultura e Os problemas de proteção respiratória se encontra numa concentração considera-
pequenas indústrias quando se lida even- – falta de oxigenação, contaminantes e ou- da IPVS (Imediatamente Perigosa à Vida ou
tualmente com espaços confinados, o que tros - são grandes causadores de acidentes a Saúde)”, comenta.
faz com que não haja uma rotina de apli- em espaço confinado. A proteção correta e
cação da NR 33”, pondera. “Dessa forma, a análise dos riscos são fatores de vital im- SELEÇÃO
ocorre a falta de uma gestão efetiva, dei- portância para os trabalhadores que atuam Para utilizar a proteção respiratória ade-
nesses locais. quada, destaca Torloni, o profissional pode
xando a prevenção restrita a medidas iso-
O engenheiro químico, professor asso- utilizar o critério de seleção indicado no PPR
ladas”, observa.
ciado aposentado da Escola Politécnica da da Fundacentro. Para ele, o profissional que
O auditor cita um exemplo – acidentes USP, membro da ABHO e da International consegue entender em profundidade esse
em silos. “São comuns, pois, por falta de Society for Respiratory Protection, coorde- roteiro encontrará a solução para a maioria
uma avaliação mais criteriosa antes da li- nador da Comissão Técnica do Programa dos casos. Isto exige uma discussão apro-
beração da permissão de entrada, não se de Proteção Respiratória da Fundacentro fundada de cada item para que o profissio-
leva em conta que, apesar de ser um lo- e da Comissão de Estudos de Equipamen- nal julgue os múltiplos aspectos envolvidos.
cal de armazenamento de grãos, por ser tos de Proteção Respiratória do CB 32 da A ventilação é uma ferramenta essencial
matéria orgânica, o conteúdo pode sofrer ABNT, engenheiro Mauricio Torloni, aponta na atenuação das condições existentes nos
decomposição e liberar gases”, aponta. que as condições nos espaços confinados, espaços confinados. Por essa razão esse
quando não avaliadas previamente, levam deveria ser um tema obrigatório nos treina­
a situações agudas de exposição seja aos mentos, diz o engenheiro, tanto na teoria
CONTEXTO
agentes químicos ou pela deficiência de co­mo na prática. “Tendo conceitos básicos
O auditor fiscal que coordenou o GTT
oxigênio, levando as vítimas ao óbito. sobre agentes químicos e deficiência de
da NR 33, Sérgio Garcia conta que a elabo- “O principal risco ligado à questão res- oxigênio é feita uma análise preliminar da
ração da norma ocorreu a partir da ocor- piratória é a deficiência de oxigênio. É um situação. Definem-se as prováveis causas
rência de diversos acidentes em espaços inimigo invisível, que não dá sinais de alerta do problema e se traça uma estratégia de
confinados e da constatação de que um e está presente com mais frequência do que solução: inertização, ventilação diluidora,
grande número de profissionais da área se imagina. Outro risco está relacionado à ventilação exautora”, pontua.
de Segurança e Saúde no Trabalho não presença de gases tóxicos em concentra- Para a elaboração do PPR, Torloni aponta
identificava o local como confinado. ções que mesmo não sendo muito elevadas, como itens mais importantes a seleção do
“Prova disso era a frequência com que resultam em uma queda acentuada do teor respirador, treinamento, ensaios de veda-
ocorriam as mortes em série. Isto é, um de oxigênio, o que acaba sendo fatal porque ção, e exames médicos mais específicos.

46 REVISTA PROTEÇÃO FEVEREIRO / 2015


ESPAÇO CONFINADO
químicos, petroquímicos, siderúrgicos, cia, surgiram muitas dúvidas sobre a sua

STONEHENGE
concessionárias, empresas graneleiras. aplicação. O entendimento equivocado
Enfim, praticamente todos os segmentos de alguns itens da norma ficava evidente
têm espaços confinados”, analisa. nas auditorias dos programas de Gestão
Ainda assim, a discussão transcorreu de Segurança e Saúde dos espaços confi-
de forma harmônica entre as bancadas, nados elaborados e implementados pelas
destaca Garcia. “Não tivemos problemas empresas, lembra ele.
maiores nem no Grupo Técnico, nem no “A grande quantidade de questiona-
Grupo de Trabalho Tripartite”, completa. mentos encaminhados para o Departa-
A principal mudança desde a norma, pa- mento de Segurança e Saúde do Trabalho
ra ele, foi a capacidade dos profissionais e - DSST/SIT e para a Fundacentro t­ ambém
trabalhadores reconhecerem um espaço chamavam atenção. Neste contexto, o
confinado e a percepção da presença de tec­nologista Francisco Kulcsar Neto e
riscos, principalmente os atmosféricos. eu concluímos que a publicação de um
“Acredito que a capacitação prevista Guia Técnico se fazia necessária. A ideia
na NR 33 foi fundamental neste proces- foi muito bem recebida pelo DSST/SIT. A
so. Nas empresas, posso citar a fixação de divulgação do Guia Técnico foi feito no
placas para sinalização dos espaços confi- site do MTE e com a impressão de cinco
nados, a aquisição de equipamentos tipo mil cópias”, detalha.
Capacitação para trabalhadores autorizados, supervisores
‘multigás’ para avaliação do percentual de Para Erny, a NR 33, acrescida da NBR
oxigênio, contaminantes e atmosfera ex- 14.787 e apoiada pelo Guia Técnico da ge às medidas técnicas de prevenção, ad-
plosiva, e a implementação da Permissão NR 33 são suficientemente abrangentes ministrativas, pessoais e de emergência e
de Entrada e Trabalho”, avalia. no que diz respeito à atribuição de res- salvamento, com ênfase na capacitação,
ponsabilidades com relação ao assunto multiplicando informação e sistematizan-
DÚVIDAS segurança e saúde nos trabalhos em es- do práticas de identificação de perigos e
Após a publicação da NR 33, conta Gar- paços confinados, e também no que tan- riscos e adoção de adequadas medidas de
controle. “Lembro ainda que o Guia Téc-
DE OLHO NA SAÚDE nico da NR 33 é ferramenta importante
para possíveis dúvidas no que diz respei-
Um dos aspectos que pode culminar em Bonciani é que o trabalhador possa revelar to à operacionalização dos requisitos da
um acidente de trabalho são os problemas quando não está se sentindo bem. “Existem norma. O Guia tira dúvidas com relação
ligados à saúde do funcionário. Em caso de fatores que exames e avaliações superfi- a itens como ‘testar os equipamentos de
trabalho em espaços confinados, diversos ciais podem não revelar, como estresse, má medição antes de cada utilização’, valida-
fatores associados às condições de saúde alimentação, dificuldades na vida particular, de da PET e acrescenta conteúdo técni-
devem ser observados. questões que influenciam na saúde física e
co importante sobre ventilação de espaço
Embora existam acompanhamentos ne­ mental do trabalhador e podem causar, por
confinado”, descreve.
cessários, especialmente para casos de exemplo, um mal súbito, o que, em espaço
trabalhadores com problemas cardíacos, confinado, é muito grave”, frisa.
Um dos pontos que falta para que os
vas­culares, diabéticos e hipertensos, o Nesse sentido, Bonciani acredita que o i­tens da NR 33 possam ser aplicados de
mais importante, na opinião do médico e trabalhador deve ser acompanhado tanto forma mais ampla, para Garcia, está na sua
auditor fiscal do Trabalho aposentado, Mário pelo médico do Trabalho quanto por ­outros divulgação e disseminação. “O material
profissionais do SESMT, no sentido de impresso esgotou rapidamente e o aces-
STONEHENGE

auxiliarem na identificação de problemas. so ao Guia Técnico por meio eletrônico


“O exame periódico pode ser muito pobre ainda é muito restrito”, observa.
para identificar alguns casos. Por isso, o
supervisor que está diretamente com este TREINAMENTO
trabalhador e os profissionais do SESMT
Desde a sua publicação, a NR 33 sofreu
precisam fazer esse acompanhamento e
apenas uma alteração, conta Garcia, re-
dialogar”, completa.
Embora esteja previsto na NR 33 que
lacionada à capacitação dos supervisores
o trabalhador pode recusar a entrada em de entrada. Inicialmente os trabalhadores
espaço confinado quando identificar ris- autorizados e vigias deveriam receber ca-
co à sua segurança – o que inclui quando pacitação periódica a cada 12 meses, com
não está se sentindo em condições físicas carga horária mínima de 16 horas. Para
ou psicológicas – o médico destaca que é supervisores de entrada a capacitação
preciso que a empresa crie condições para periódica era obrigatória apenas quando
que o trabalhador evite o trabalho quando ocorresse mudança nos procedimentos,
não está bem. “Ele não pode se sentir cons- condições ou operações de trabalho, al-
trangido, ou achar que é melhor forçar uma
gum evento que indicasse a necessidade
situação. Precisa ter claro que deve se ma-
de novo treinamento ou a existência de
Mal súbitos precisam ser evitados nifestar quando tem um problema”, conclui.
desvios nos procedimentos de entrada nos

48 REVISTA PROTEÇÃO FEVEREIRO / 2015


balhadores autorizados”, explica Garcia. rigorosos com relação à cobrança deste
Conforme a NR 33, a capacitação inicial quesito”, opina Erny.
para trabalhadores autorizados e vigias de Conforme a NR 33, o supervisor de en-
espaços confinados deve atender ao con- trada é o profissional que deve medir e
teúdo programático definido pela norma, observar o conjunto completo de riscos
ser realizada no horário de trabalho, por antes da liberação da entrada no espaço
instrutor com comprovada proficiência no confinado. “Porém, é muito difícil vermos
assunto e ter carga horária de 16 horas/ um supervisor de entrada indo ao EC an-
aula, explica o consultor Erny Francisco tes da liberação do trabalhador, ou seja,
Pereira Filho. faz uma medição apenas pela boca de vi-
Já a capacitação inicial para superviso- sita do EC e com isso assina uma PET.
res de entrada deve atender o conteúdo A escolha do supervisor de entrada pela
programático definido pela NR 33, ser rea- empresa é importantíssima, pois esse é o
lizada no horário de trabalho por instrutor profissional capacitado a tomar decisões
com comprovada proficiência no assunto baseadas em conhecimento aprofundado
e ter carga horária de 40 horas/aula. do tema”, sinaliza Paula Scardino.
Todos os trabalhadores autorizados, vi- A qualificação desses profissionais, po-
gias e supervisores de entrada devem re- rém, na análise de Paula, tem deixado a
ceber capacitação periódica a cada 12 me- desejar em muitas empresas. “Em servi-
e vigias têm regras importantes
ses, com carga horária mínima de 8 horas. ços que executo verificação de confor-
espaços confinados. midade com a NR 33, as entrevistas com
“No entanto, muitas empresas passaram QUALIDADE supervisores têm evidenciado que muitos
a capacitar trabalhadores autorizados e vi- “Podemos afirmar que as empresas que não reconhecem os riscos, não conhecem
gias como supervisores de entrada para têm implantada a NR 33, na maioria, têm instrumentação, entre outros. Isso preo-
não realizarem o treinamento periódico, levado a sério o programa de capacitação, cupa muito uma vez que, em caso de aci-
apesar dos trabalhadores jamais desem- promovendo, normalmente por meio do dente a responsabilidade civil e criminal
penharem esta função. Com a mudança, a seu RH, os treinamentos periódicos, até cairá sobre ele”, observa.
NR 33 passou a exigir capacitação perió- porque este é um item auditável dos sis- Há 10 anos, trabalhadores e profissio-
dica anual, com carga horária de 8 horas, temas de QSMS, e também porque os nais não tinham muitas referências sobre
para supervisores de entrada, vigias e tra- supervisores de entrada costumam ser segurança em espaços confinados. Até

FEVEREIRO / 2015 REVISTA PROTEÇÃO 49


ESPAÇO CONFINADO

mes­mo a sua identificação não era deter- empresas do ramo petroquímico, a emis-
minada de forma clara. são de um Sistema de Permissão de En-
Hoje, há uma norma que trata exclu- trada e Trabalho é um desafio. “Apesar
sivamente do assunto, além de um Guia da NR 33 não permitir, ainda ocorre re-
Técnico que complementa e detalha dúvi- validação da PET. Preenchimento prévio
das relacionadas à NR 33 (confira o Guia da PET para trabalhos em espaços con-
Técnico NR 33 após esta resportagem - finados durante paradas de manutenção
página 52 a 71). Ainda assim, embora não também é feito com frequência, devido
haja dados concretos sobre os acidentes ao tempo exíguo”, lamenta. Nas demais
em espaços confinados, é consenso que empresas, complementa ele, as medidas
eles podem ser reduzidos. não são implementadas de forma sistema-
“É preciso maior planejamento para en- tizada e a escolha e o dimensionamento
trada, trabalho e saída segura dos traba- do sistema de ventilação muitas vezes é
lhadores destes locais. Apesar da NR 33 feito de forma incorreta.
estabelecer um conjunto de medidas de Para Paula, a solução deve ser pela ges-
engenharia, administrativas e pessoais tão. “Acredito que a melhoria deve partir
para trabalhos em espaços confinados, do sistema de gestão em espaços confi-
alguns profissionais autorizam a entrada nados. O conhecimento inadequado dos
após uma única avaliação da atmosfera riscos irá comprometer a aplicação das
ou uma rápida ventilação do local, sem respectivas medidas de controle. Somen-
avaliar a possibilidade da formação ou li- te com uma base sólida, alcançaremos o
beração de contaminantes em elevadas objetivo de salvaguardar a vida de todos
concentrações durante a realização da os colaboradores envolvidos direta e indi­
atividade”, observa Garcia. retamente nas operações em espaços con-
Ele diz ainda que, especialmente em finados”, opina.

50 REVISTA PROTEÇÃO FEVEREIRO / 2015

Você também pode gostar