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Paula Prux1
Bacharel em Direito pela FACNOPAR (Apucarana – Paraná).
Especialista em Ministério Público pela Fundação Escola do Ministério Público –– UNOPAR, Londrina.
Membro do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa”, da UFJF.
paulaprux@hotmail.com
SUMÁRIO:
1. INTRODUÇÃO;
2. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE;
2.1 IGUALDADE FORMAL E IGUALDADE MATERIAL;
2.2 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988;
3. AS AÇÕES AFIRMATIVAS E O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS
HUMANOS;
4. AS AÇÕES AFIRMATIVAS COMO PROMOÇÃO DA IGUALDADE;
5. A INCORPORAÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS AO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO;
6. CONCLUSÃO.
1
Especialista em Ministério Público – Estado Democrático de Direito, pela Fundação Escola do Ministério
Público – FEMPAR, Universidade Norte do Paraná – UNOPAR, Londrina.
1
1. INTRODUÇÃO
2. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE
se: Quem são os iguais e quem são os desiguais? Qual a medida da desigualdade entre eles? E
qual o critério legítimo capaz de distinguir as pessoas, separá-las em grupos e conceder-lhes
um tratamento jurídico diferenciado, conforme o grupo em que se encaixem, sem ferir o valor
da isonomia? Somente a busca por essas respostas é que conduzirá uma reflexão sobre o que
significa igualdade no Estado Democrático de Direito em que vivemos.
Para alcançar a efetividade do princípio da igualdade, a própria lei dispensa
tratamento desigual às pessoas. Esse tratamento jurídico desigual pauta-se em alguns critérios
de discriminação estabelecidos, também, por lei. Assim, cada pessoa é única e diferente de
todas as demais, sendo que uns são altos, outros baixos; uns têm a pele escura, outros têm a
pele clara; uns possuem escolaridade, outros não; enfim, existem milhares de critérios pelos
quais se pode diferenciar as pessoas, inclusive legalmente, mas há limites para tanto.
De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello2,
[...] o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem
quebra da isonomia se divide em três questões:
a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação;
b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator
erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento
jurídico diversificado;
c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os
interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados.
Desta forma, o autor explica que, para que não haja desrespeito à isonomia, é
necessário examinar com cautela o critério discriminatório adotado, buscar as justificativas
para a adoção deste critério no caso específico e examinar se tais justificativas são ou não
relevantes e aceitas pelo nosso sistema jurídico constitucional, tendo em vista os valores
zelados pelo mesmo. 3
De fato, a imposição de tratamento desigual em determinadas situações, deve ser
feita levando-se em consideração o nosso ordenamento jurídico como um todo, a análise dos
fins a que se presta a norma, e tendo como premissa básica o respeito ao ser humano, e a
efetivação de seus direitos e garantias fundamentais. Somente com uma visão solidária, livre
de preconceitos, desprendida de interesses pessoais, é que se pode desigualar para alcançar a
igualdade.
2
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2000. p. 21-20.
3
Idem.
3
São vários os conceitos apresentados para a igualdade formal e material, mas buscar-
se-á compreender, de maneira simplista, o significado destes termos.
A igualdade formal pode ser sintetizada na fórmula: “todos são iguais perante a lei”.
Refere-se, portanto, a uma enunciação abstrata, geral, dirigida a todos indistintamente. Este
conceito de igualdade surgiu num período de regime absolutista dos séculos XVIII e XIX,
como resultado de movimentos que buscavam um novo regime e o desenvolvimento de um
rol mínimo de direitos que pudessem oferecer proteção contra as arbitrariedades do Estado.
Assim, a igualdade formal foi, inicialmente, revelada pela Declaração de Direitos do Bom
Povo da Virgínia, em 1776; e, posteriormente, pela Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, em 1789. A partir de então, passou a ser reconhecida mundialmente. Apesar de
crucial para a abolição gradativa de privilégios, esta idéia de igualdade não é suficiente para a
efetivação dos valores a que se preza.
Segundo o Walter Claudius Rothenburg4, “nessa diferenciação entre igualdade
formal (de direito) e material (de fato), reproduz-se a distância entre o esperado (no plano
normativo) e o acontecido (no plano da realidade), e a distinção corresponde a uma suposta
diferença entre teoria (igualdade formal) e prática (igualdade material)”.
De fato, tanto a igualdade formal quanto a igualdade material possuem aspectos
fundamentais na construção do valor igualdade. A igualdade formal, apesar de não ser, por si
só, suficiente, representa uma conquista, um primeiro passo em direção à implementação
efetiva do Direito, dentro do Estado Democrático. Já a igualdade material significa a efetiva
realização da igualdade, a partir da concretização dos direitos humanos, e levando em
consideração as desigualdades presentes na sociedade.
4
ROTHENBURG, Walter Claudius. Igualdade Material e Discriminação Positiva: o Princípio da Isonomia.
Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/32745/public/32745-40386-1-
PB.pdf> Acesso em: 22 nov. 2009.
4
5
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros. 2005. p.122.
5
[...] fortalece-se a idéia de que a proteção dos direitos humanos não se deve
reduzir ao domínio reservado do Estado, isto é, não deve se restringir à
competência nacional exclusiva ou à jurisdição doméstica exclusiva, porque
revela tema de legítimo interesse internacional. Por sua vez, esta concepção
inovadora aponta para duas importantes conseqüências;
1) a revisão da noção tradicional de soberania absoluta do Estado, que passa
a sofrer um processo de relativização, na medida em que são admitidas
intervenções no plano nacional, em prol da proteção dos direitos humanos;
isto é, permitem-se formas de monitoramento e responsabilização
internacional, quando os direitos humanos forem violados;
2) a cristalização da idéia de que o indivíduo deve ter direitos protegidos na
esfera internacional, na condição de sujeito de Direito”.
Neste contexto do pós-guerra, em 1945, foi criada a Organização das Nações Unidas
e, em 1948, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que trouxe uma visão
contemporânea dos direitos humanos ao valorizar a universalidade e indivisibilidade dos
mesmos. Tanto a universalidade quanto a indivisibilidade são características lógicas de
6
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. atual. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 32.
6
direitos que são comuns a todo ser humano. Assim, os direitos humanos são universais,
porque se aplicam a todas as pessoas e são indivisíveis, porque estão, inevitavelmente,
relacionados a outros direitos, como aos direitos sociais e econômicos.
A Declaração Universal de 1948, além de ter delimitado uma nova concepção dos
direitos humanos, foi a alavanca inicial para o desenvolvimento do Direito Internacional dos
Direitos Humanos, pois, a partir dela, surgiram inúmeros tratados internacionais visando à
proteção dos direitos fundamentais.
Atualmente, existem dois sistemas paralelos de proteção dos direitos humanos: o
sistema normativo regional, que visa à internacionalização dos direitos humanos no âmbito
regional, principalmente na África, América e Europa e o sistema global. Este último é
composto por instrumentos de cunho geral, como os Pactos Internacionais de Direitos Civis e
Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, e por instrumentos que
possuem um cunho específico, como as Convenções internacionais que visam à proteção dos
direitos da mulher, do negro, do idoso, etc.
Os sistemas global e regional são complementares, interagem, e formam o universo
jurídico de proteção aos direitos humanos. Diante de uma violação dos direitos humanos, cabe
ao indivíduo lesado encontrar, dentro dos sistemas existentes, a proteção mais adequada ao
direito violado e, provavelmente, encontrará garantias dentro do sistema de alcance global, de
alcance regional, referente à matéria geral e específica7.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos é um ramo do Direito Internacional
que, indubitavelmente, vem conquistando considerável espaço na ordem jurídica global,
principalmente, após a segunda metade do século XX, momento da História em que a pessoa
humana tem ganhado maior importância como sujeito de Direito Internacional.
Até a Segunda Guerra Mundial, apesar de terem sido elaborados documentos
importantes para o desenvolvimento do estudo dos direitos humanos, não existiam
documentos que, realmente, consagrassem a dignidade e a igualdade, em todas as suas
formas, protegendo o ser humano por meio da consolidação e efetivação de seus direitos.
As inúmeras atrocidades do período nazista e da Segunda Guerra Mundial deixaram
claro que os direitos humanos deveriam ter proteção no âmbito internacional. A idéia de
soberania, quando significar absoluta liberdade e autonomia jurídica para um Estado, deve ser
descartada em prol da valorização do ser humano. Para que haja evolução de pensamento e
7
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. atual. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 39-41.
7
progresso da Humanidade, deve haver, primeiramente, a relativização das idéias, uma vez que
o absolutismo, via de regra, gera injustiças.
Em 1945, a estruturação da Organização das Nações Unidas abriu as portas à criação
de um dos mais importantes, se não o mais importante, documento da história dos direitos
humanos, que é a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em dezembro de
1948, em Paris. A Declaração tem um texto bastante amplo que contém, seja de forma
expressa, seja implicitamente, os princípios substanciais dos direitos humanos. A Declaração
não representa, no entanto, uma obrigação para os Estados que a adotaram, visto que constitui
uma resolução da Assembléia da Organização das Nações Unidas.
Essa fase de proteção aos direitos humanos, desenvolvida num contexto pós guerra,
tem cunho generalíssimo, abstrato, e consagra a idéia de igualdade formal. O ser humano,
destinatário dos inúmeros tratados e convenções internacionais que se realizavam, era
protegido de forma geral, abstrata, sem atenção maior às suas peculiaridades.
Com o tempo, contudo, viu-se que era preciso ir além do que já se havia conquistado,
ampliando a proteção dos sujeitos de direitos às suas reais necessidades, abrangendo sua
particularidades, suas características singulares, para a promoção da igualdade, agora não
mais apenas formal, e sim, material. Nas palavras de Flávia Piovesan8,
Assim, passaram a ter uma tutela especial, por exemplo, as crianças e adolescentes,
os idosos, os indígenas, os afro-descendentes, as mulheres, os trabalhadores rurais, bem como
vários outros grupos vulneráveis e carentes de uma proteção singular. O direito à diferença
tornou-se uma vertente do direito à igualdade, pois este não se realiza sem que as diferenças
sejam, de fato, respeitadas.
Nessa ótica, trazendo à tona uma nova fase de proteção aos direitos humanos, foi
aprovada, em 1965, pelas Nações Unidas, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação Racial, ratificada pelo Brasil desde 1968. Essa Convenção tornou-
8
PIOVESAN, Flávia. Ações Afirmativas da perspectiva dos direitos humanos, publicado em: Cadernos de
Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 124, jan/abril.2005, pg. 46. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742005000100004> Acesso em: 14 out.
2009.
8
se solo fértil para a criação e execução de políticas de ações afirmativas que visem combater
doutrinas e práticas racistas. Em 1979, sob o mesmo enfoque de promoção da igualdade
material, eliminação de quaisquer formas de discriminação e elevação da dignidade da pessoa
humana, foi adotada, pela ONU, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher, ratificada pelo Brasil desde 1984. Tanto uma quanto a outra
fazem parte do nosso ordenamento jurídico, posto que ratificadas pelo Brasil, e evidenciam a
necessidade de punir discriminações, bem como promover ações afirmativas no sentido de
fomentar a igualdade. Além destas Convenções, outras foram elaboradas para a proteção de
sujeitos específicos, como, por exemplo, a Convenção sobre os Direitos da Criança e a
Convenção Internacional contra a Tortura, que merecem destaque por terem marcado essa
nova era de tutela especial dos direitos humanos, voltada a grupos pormenorizados, bem como
por incentivar as políticas de ações afirmativas e promover a igualdade material a partir da
discriminação positiva.
Por fim, importante mencionar que o sistema geral (que alcança a todos,
indistintamente) e o especial (que visa a grupos determinados), ambos norteados pelo
princípio da primazia da pessoa humana, complementam-se na defesa dos direitos
fundamentais. Assim, quando uma pessoa é específica destinatária de um documento
internacional, seja por sua cor, sua idade, sua origem, seu sexo, ou qualquer outro fator que
demande proteção especial, ainda pode utilizar-se dos princípios gerais contidos em
documentos como A Declaração Universal dos Direitos Humanos; o Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos; e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais.
As ações afirmativas essenciais na busca pela igualdade efetiva e, para uma melhor
compreensão do tema, não se pode deixar de conhecer, em princípio, alguns conceitos
apresentados pela doutrina.
Na lição da Dra. Flávia Piovesan9, as ações afirmativas “constituem medidas
especiais e temporárias que, buscando remediar um passado discriminatório, objetivam
acelerar o processo de igualdade, com o alcance da igualdade substantiva por parte de grupos
vulneráveis, como as minorias étnicas e raciais, as mulheres, dentre outros grupos”.
A doutrinadora afirma, também, que:
9
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 199/200.
9
10
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 199/200.
11
GOMES, Joaquim Barbosa. Ação Afirmativa: princípio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro: Renovar,
2000, p. 40.
12
Projeto Geração XXI. Projeto Geração XXI ganha prêmio da ADVB. Disponível em:
<http://integracao.fgvsp.br/projetos24.htm> Acesso em: 25 jan. 2010.
13
GELEDÉS – Instituto da Mulher Negra. Disponível em: <http://www.geledes.org.br/institucional/geledes-
instituto-da-mulher-negra.html> Acesso em: 26 jan. 2010.
14
ONG – Comissão Pró-Yanomami. Disponível em: <http://www.proyanomami.org.br/v0904/index.asp>
Acesso em: 26 jan. 2010.
10
De fato, na implementação das ações afirmativas, não se pode esperar que o Poder
Público seja o único responsável. Cada pessoa tem uma parcela de responsabilidade na
efetivação do valor igualdade, seja por meio da criação de projetos, ou simplesmente por meio
do efetivo exercício da cidadania, de forma individual, incentivando, e praticando a
solidariedade.
Seguindo no conceito acima exposto, não se pode dizer que todas as ações
afirmativas têm caráter temporário. Algumas, precisam de um longo período de
implementação para alcançar seus objetivos; outras precisam tornar-se definitivas a fim de
produzirem os resultados almejados. Exemplo de ações de caráter definitivo são aquelas que
buscam assegurar os direitos das populações indígenas, quilombolas e ciganas. A
implementação de uma política por tempo determinado, nesses casos, certamente não bastaria,
sendo necessária uma atuação constante do Estado em torno desses grupos minoritários.
Ainda, as ações afirmativas podem se apresentar de maneira compulsória ou
voluntária. Um exemplo de ação compulsória encontra-se na Portaria nº 115615, de 20 de
dezembro de 2001, do Ministério da Justiça, a qual dispõe, em seu artigo 2º, inciso IV, que
nas contratações de empresas prestadoras de serviços, bem como de técnicos e consultores no
âmbito dos projetos desenvolvidos em parceria com organismos internacionais, será exigida a
observância da presença de afrodescendentes, mulheres e portadores de deficiência, em
percentagem ali estabelecida.
Por sua vez, como exemplo de ação voluntária, cumpre mencionar a Lei
11.096/200516 (conversão da Medida Provisória nº 213, de 10 de setembro de 2004, editada
pelo Governo Federal), que instituiu o Programa Universidade Para Todos (PROUNI),
prevendo a concessão de bolsas de estudo, pelas instituições privadas de ensino superior, a
alunos que cursaram todo o ensino médio em escola da rede pública ou em instituições
privadas na condição de bolsista integral, a estudantes portadores de necessidades especiais e
a professores da rede de ensino pública, mediante a isenção de impostos e contribuições aos
que aderirem ao referido Programa.
Dando continuidade à análise do tema, importante fazer alguns breves comentários
acerca de como se desenvolveu o conceito de ações afirmativas, no mundo e, posteriormente,
no Brasil.
15
Portaria n. 1156 do MJ, de 20 de dezembro de 2001. Disponível em:
<http://www.mp.ba.gov.br/atuacao/cidadania/gedef/legislacao/portaria_1156_01.asp> Acesso em: 26 jan. 2010.
16
LEI No 11.096, DE 13 DE JANEIRO DE 2005. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/LEI/L11096.htm> Acesso em: 16 dez. 2009.
11
A expressão affirmative action foi, pela primeira vez, empregada durante o governo
do Presidente dos Estados Unidos, Jhon F. Kennedy, por meio da Executive Order nº 10.925,
de 06 de março de 1961, que proibia a discriminação de candidato a emprego, ou de
trabalhador, em razão de sua raça, credo, cor ou nacionalidade. Logo depois, em 1963, no
governo do mesmo presidente, foi aprovado o Equal Pay Act, que impunha a não
discriminação, por parte do empregador, em matéria de contraprestação salarial, com base
unicamente no sexo do empregado.
Em seguida, no dia 02 de julho de 1964, no governo de Lyndon B. Johnson, foi
promulgada a Lei dos Direitos Civis (Civil Right Act), que novamente tratou sobre a
necessidade de promoção da igualdade nas relações trabalhistas.
Interessante transcrever um pequeno trecho do discurso proferido por Lyndon B.
Johnson, em 1965, na Howard University, pois registra um momento histórico em que aquele
presidente dos Estados Unidos reconhece a necessidade de se promover ações afirmativas
para a efetivação dos direitos humanos, posto que apenas a previsão dos aludidos direitos não
era mais suficiente:
Ainda no ano de 1965, um importante passo, em sede de ações afirmativas, foi dado
com a adoção, pela Resolução nº 2.106-A, da Assembléia das Nações Unidas, da Convenção
Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, que excluiu do
âmbito da discriminação todas as medidas especiais voltadas à concretização do princípio da
igualdade. A Convenção, ratificada pelo Brasil no dia 27 de março de 1968, dispõe em seu
artigo 1º, parágrafo 4º, que:
17
No texto original: “But freedom is not enough. You do not wipe away the scars of centuries by saying, "Now
you are free to go where you want, and do as you desire, and choose the leaders you please." You do not take a
person who, for years, has been hobbled by chains and liberate him, bring him up to the starting line of a race
and then say, "You are free to compete with all the others," and still justly believe that you have been completely
fair. Thus it is not enough just to open the gates of opportunity. All our citizens must have the ability to walk
through those gates”. (AMERICAN EXPERIENCE. Disponível em:
http://www.pbs.org/wgbh/amex/eyesontheprize/sources/ps_bakke.html Acesso em: 06 jan. 2010.
12
18
Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial. Disponível em:
<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/discriraci.htm> Acesso em: 27 jan.
2010.
13
19
MELLO, Marco Aurélio. Ótica Constitucional: A Igualdade e as Ações Afirmativas. In: MARTINS, Ives
Gandra Silva (Coord.). As vertentes do Direito Constitucional Contemporâneo. Rio de Janeiro: América
Jurídica, 2002. p. 39.
14
reserva de cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência; o artigo 230,
§ 2°, que assegura aos maiores de sessenta e cinco anos a gratuidade dos transportes coletivos
urbanos, bem como inúmeros outros.
Estes são apenas alguns exemplos de dispositivos que embasam as ações afirmativas,
no entanto, vários outros preceitos constitucionais voltam-se à promoção da igualdade
material e, fundamentalmente, levam à valorização da dignidade da pessoa humana. É obvio
que a Constituição Federal, por mais minuciosa que seja, não pode contemplar a proteção de
todos os grupos vulneráveis da sociedade, no entanto, ampara quaisquer políticas de ações
condizentes com seus princípios.
Além da Constituição Federal, que merece destaque por ser a base de todo o
ordenamento jurídico, existe, no Brasil, uma vasta legislação extravagante que prevê a
execução de ações afirmativas e, de forma mais ampla, a proteção de grupos vulneráveis,
como homens e mulheres afro descendentes, pessoas portadoras de necessidades especiais,
mulheres trabalhadoras, indígenas, crianças, idosos etc.
Por fim, concluí-se que as ações afirmativas contam com o um sólido aparato
jurídico, formado por tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil, pela
Constituição Federal de 1988 e, ainda, por uma série de normas que integram o ordenamento
interno.
vista com cautela, visto que uma mera interpretação gramatical da lei, neste caso, não resolve
as questões práticas atinentes à matéria.
O parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição Federal assegura que os direitos e
garantias nela expressos não excluem outros decorrentes de tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte. Dizer que os direitos e garantias assegurados por
tratados internacionais não são excluídos pela Constituição Federal significa dizer que estão
inclusos em seu rol de direitos fundamentais, o que confere aos tratados internacionais de
direitos humanos status constitucional. Valério de Oliveira Mazzuoli20 ensina:
20
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 3ª ed., rev., atual. e ampl., São
Paulo: RT, 2009. p. 764.
21
MAZZUOLLI, Valério de Oliveira. Reforma do Judiciário e os Tratados de Direitos Humanos. Revista
Jurídica Eletrônica UNICOC. Disponível em:
<http://www.revistajuridicaunicoc.com.br/midia/arquivos/ArquivoID_63.pdf> Acesso em: 26 jan. 2010.
16
dezembro de 2008, (no Recurso Especial 466.343-SP), em que o Ministro Celso de Mello
aceitou a tese acima exposta, segundo a qual os tratados de direitos humanos têm status de
norma constitucional independentemente do seu quorum de aprovação no Brasil. A maioria
dos Ministros, no entanto, acompanhou o voto do Ministro Gilmar Mendes, que decidiu que
os tratados de direitos humanos não aprovados pelo quorum qualificado a que se refere o
parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição, ingressam no ordenamento jurídico interno em nível
supralegal e infraconstitucional. Ao menos, após esse julgamento histórico, o Supremo
Tribunal Federal deixou de equiparar os tratados internacionais de direitos humanos às leis
ordinárias, para colocá-los em posição supralegal.
Apesar de ainda não ter sido aceita pela Suprema Corte (posto que vencido o voto do
Ministro Celso de Mello), a tese que eleva os tratados de direitos humanos ao nível
constitucional, tendo ou não sido aprovados pelo quorum qualificado de que trata o parágrafo
3º do artigo 5º é, com toda a certeza, a mais condizente com a sistemática internacional de
proteção dos direitos humanos.
Toda essa discussão acerca da hierarquia dos tratados internacionais de direitos
humanos, no ordenamento jurídico interno, ganha relevo quando se pensa nos tratados
ratificados pelo Brasil. Ao aceitar-se que os tratados que vêm ampliar os direitos
fundamentais integram o ordenamento jurídico brasileiro com patamar de norma
constitucional, entende-se que eles devem ser respeitados e cumpridos como se estivessem
escritos na Carta de 1988.
Atualmente, com o desenvolvimento cada vez maior do direito internacional dos
direitos humanos, em que os sujeitos de direitos são identificados por suas peculiaridades,
inúmeros são os documentos ratificados pelo Brasil e ampliadores dos direitos fundamentais.
Esses documentos não podem ser engavetados, ignorados, não servem para “florear” nossa
legislação, mas muito pelo contrário, são vigentes, eficazes, e vêm acrescentar ao nosso
ordenamento jurídico novas metas a serem executadas, ideais a serem seguidos e princípios a
serem observados.
As ações afirmativas vêm expressamente previstas em vários desses documentos,
como, por exemplo, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a
Mulher, na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, na Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, etc. Isso se dá pela necessidade e urgência, em muitos
países do mundo, assim como no Brasil, de se regatar o valor da igualdade, desfigurado por
um passado de preconceitos e discriminações.
17
6. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, José Carlos Evangelista de. Ações Afirmativas e Estado Democrático Social de Direito.
São Paulo: Editora Letras, 2009.
18
BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva,
2002.
GOMES, Joaquim Barbosa. Ação Afirmativa: princípio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000.
KAUFFMAN, Roberta Fragoso Meneses. Ações Afirmativas à Brasileira: Necessidade ou Mito. São
Paulo: Livraria do Advogado, 2007.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 3ª ed., rev., atual. e ampl.,
São Paulo: RT, 2009.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2000.
MELLO, Marco Aurélio. Ótica Constitucional: A Igualdade e as Ações Afirmativas. In: MARTINS,
Ives Gandra Silva (Coord.). As vertentes do Direito Constitucional Contemporâneo. Rio de Janeiro:
América Jurídica, 2002.
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. atual. São Paulo: Max Limonad, 2003.
PIOVESAN, Flávia. Ações Afirmativas da perspectiva dos direitos humanos, publicado em:
Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 124, jan/abril.2005, pg. 46. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742005000100004> Acesso em:
14 out. 2009.
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005.
SOUZA, Osiel Francisco de. Ações Afirmativas como Instrumento de Concretização da Igualdade
Material. São Paulo: All Print, 2008.