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Espelho 1ª Verificação de Aprendizagem

1) Explique a dicotomia entre o público e o privado no CC/16?

PARTE HISTÓRICA: É cediço que o direito Romano apresentou as primeiras


feições do Direito Civil.

No direito Romano a ciência jurídica era dividida em: i) direito civil; ii) direito
penal. E era civil tudo o que não era penal.

O direito civil era tudo, e quem quer ser tudo talvez não consiga ser
rigorosamente nada. Este era o grande problema do direito civil, pois ele
englobava todas as matérias que não eram penais. E por conta disto, o direito
civil apresentava-se com uma grande feição, apresentando-se dentro do direito
civil: o direito do trabalho, o direito processual civil, o direito empresarial, o
direito administrativo.

Com a presença do absolutismo estatal o direito civil passou a ter correlação


com os interesses do rei, por isso o direito administrativo situava-se dentro do
campo civil.

Toda esta concatenação tem como limite a Revolução Francesa, que tinha por
ideais a igualdade, liberdade e fraternidade, haja vista que instaurou uma nova
ordem social.

A partir deste momento começa a se estruturar o direito civil moderno, isso em


1804. Neste momento surgiu o “Code de France” (Código Napoleônico), que
está em vigor até hoje. A finalidade deste código foi retirar o Estado do Direito
Civil, concebendo uma engenharia jurídica que preserva-se a propriedade
privada, a autonomia privada, era necessário que se garantisse aos
particulares o direito de contratar livremente. Foi com o Código da França que
se separou pela primeira vez o direito em: público e privado. O direito público
era o direito administrativo, ao passo que o direito privado era o direito civil.

Napoleão queria garantir à burguesia tudo que se entregou a ele, para derrubar
o absolutismo estatal (causou a queda da bastilha). Napoleão garantiu a
propriedade privada, a autonomia privada contratual (que se chamava pacta
sunt servanda).

Napoleão, em outro passo, também garantiu a supremacia do interesse público


sobre o privado em matéria de direito público. Se tiver interesse público,
prevalece o interesse público, caso contrário, o particular terá autonomia.

Devemos lembrar que todo o Código traz consigo certos valores. Quais eram
os valores deste Código? O Código da França era:

i) Patrimonialista;
ii) Individualista.
O direito civil construiu-se a partir da referência da propriedade privada e do
pacta sunt servanda. Portanto, o direito civil quis garantir a liberdade no campo
privado, mas sem violar a supremacia do interesse público sobre o privado.

Temos uma grande comparação quase que idílica (figurado) entre um jardim e
uma praça. Esta é uma metáfora apresentada pelo grande professor Nelson
Saldanha de Pernambuco. Nelson Saldanha compara o público vs. Privado
com um jardim e uma praça. A praça é o espaço do público, ao passo quo
jardim é o espaço privado. Na praça só posso fazer o que a lei permite. Já no
jardim posso fazer tudo, exceto o que a lei proíbe.

Nas pegadas do Código Civil Francês, surge em 1896 um segundo Código da


era moderna, qual seja: Código da Alemanha (“BGB”), que possuía as mesmas
diretrizes do Código Francês.

No Brasil, a primeira manifestação do direito civil foi em 1824, por meio da


Constituição Imperial, que estabeleceu que em 1 (um) ano deveriam ser
elaborados um Código Civil e um Código Penal. O Código Criminal do Império
foi elaborado em 1832. Quanto ao Código Civil o legislador foi muito lento,
sendo que em 1855 o Brasil contratou o Baiano Augusto Teixeira de Freitas
para elaborar o primeiro Código Civil brasileiro, que era um homem visionário e
acima dos padrões da época, e rapidamente começou os estudos.

Teixeira de Freitas então em 1862 apresentou o seu Projeto de Código Civil,


que ele humildemente chamou de “esboço de Código Civil”, que tinha quase 7
mil artigos, e tratava de matérias inusitadas, tais como: a proteção do nascituro;
revisão judicial de contratos; e divórcio. O Governo nem deu andamento ao
projeto de Teixeira de Freitas, afinal era muito evoluído para a época.

Teixeira de Freitas enlouqueceu após isso, sendo até mesmo interditado.

RESPOSTA: Em abril de 1899 o Brasil convidou Clóvis Beviláqua, que


ensinava direito civil comparado na faculdade de Olinda (afinal o Brasil ainda
não tinha um Código Civil). Em 6 meses Beviláqua entregou o projeto de
Código Civil (outubro de 1899). O referido projeto ficou sendo debatido no
Congresso até 1936, quando foi aprovado para entrar em vigor em 1917 o
Código Civil de 1916. Esse Código elaborado em 1899 só podia receber as
influências da referência da época, e, portanto, recebeu direta influência do
Código Civil Francês e do Código Civil Alemão (BGB), sendo assim, era o
Código Civil de 1916 individualista e patrimonialista, e este Código Civil
conseguiu com perfeição respirar os ares do público e do privado.

Para o nosso Código de 1916 onde estava o direito público não poderia estar o
privado, ou seja, não poderíamos ter a um só tempo um “mix” entre público e
privado. E naturalmente o Código de 1916, trazendo essa feição entre público e
privado, cuidava somente de relações patrimoniais (para garantir a propriedade
privada, o pacta sunt servanda). Este Código não admitia interferência do
Estado nas relações privadas. Onde estava o Poder Público não poderia estar
o particular, pois havia supremacia do público sobre o privado.

2) A) O que vem a ser CONSTITUCIONALIZAÇÃO do Direito Civil?

Com o advento da CF/88. O direito civil ganha um grande movimento advindo


da Itália para o Brasil, denominado de Constitucionalização do direito civil,
que tem por fundamento a percepção de que o Código Civil não tinha
condições de manter um sistema. De acordo com Orlando Gomes “o Código
Civil perdeu sua completude e generalidade”. Somente uma lei superior
conseguiria (re)unificar o direito civil (o direito civil já havia sido unificado, mas
agora deveria ser reunificado no eixo constitucional, e não mais no eixo do
Código). O movimento de constitucionalização do direito civil ou direito civil
constitucional nada mais significa do que a interpretação dos clássicos
institutos do direito civil conforme a Constituição. Não significa que existam dois
direitos civis: um no Código Civil e outro na Constituição! O direito civil é um só.
Toda a compreensão do direito civil tem de se dar conforme a Constituição.
Portanto, o direito civil se constitucionalizou, e aqueles institutos que só
estavam presentes no Código Civil (a exemplo da propriedade, o contrato, a
família etc) tem agora previsão na Constituição.

A Constituição passou a disciplinar o público e o privado.

Daniel Sarmento e Luiz Roberto Barroso entendem que hoje a divisão do


direito em público e em privado é meramente acadêmica, pois tanto o público,
bem como o privado brotam da Constituição. A Constituição apresenta os
pilares da Constituição de um e de outro, consequentemente, a divisão é
meramente acadêmica.

ATENÇÃO: Cuidado para não confundir Constitucionalização do direito Civil


com Publicização do Direito Civil (CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO
CIVIL ≠ PUBLICIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL).

Constitucionalização do direito civil = É a compreensão dos institutos do


direito civil conforme a Constituição, vale dizer, é a vinculação do tecido
normativo infraconstitucional às normas constitucionais. Todas as normas
infraconstitucionais precisam ser interpretadas conforme a Constituição.

Na ADI 4277 há um espetacular exemplo de constitucionalização do direito


civil. Discutiu-se nesta ADI se o conceito de união estável poderia alcançar as
uniões heteroafetivas e também as homoafetivas. O artigo 1.723 do Código
Civil diz assim: A união estável é entre homem e mulher (é heteroafetiva).
Contudo, o STF entendeu que de acordo com os valores da Constituição
(dignidade humana, solidariedade, liberdade, igualdade) o art. 1.723 do CC tem
que ser interpretado que a união estável entre pessoas do mesmo sexo é
possível.

Publicização (Dirigismo contratual)= é a episódica e casuística intervenção


do Estado em uma relação privada para garantir igualdade entre as partes. O
Estado percebe que determinadas relações privadas precisa do Estado,
justamente para se manter a isonomia entre as partes. Ocorre quando o Estado
penetra em uma relação privada visando a isonomia entre as partes. Exemplo:
atuação das agências reguladoras, entre as quais algumas vão se imiscuir nas
relações com os Planos de Saúde. A Seguradora só pode aumentar a
contribuição de acordo com os índices estabelecidos pelo governo. A União
penetra em uma relação privada para estabelecer limites. É um claro exemplo
de dirigismo contratual.

Estes dois movimentos podem estar juntos (Constitucionalização +


Publicização), a exemplo do direito do trabalho e direito do consumidor.

B) Qual foi a contribuição desse instituto para a teoria contratual


moderna?

Este movimento de constitucionalização (de compreensão do direito civil


conforme a Constituição) gera preocupação com o ser e não com o ter. Se o
Código de 1916 preocupava-se fundamentalmente com a proteção do
patrimônio (do ter), a Constituição preocupou-se com “o ser”.

A tábua de valores da Constituição Federal (tábua axiológica da CF/88) revela


essa preocupação com o “ser”.

Quais são os valores da Constituição? Liberdade, Igualdade e solidariedade


social.

A Constituição estabelece uma espécie de “revival” (ela volta no tempo), pois


resgata no tempo a liberdade, a igualdade e a solidariedade como tábua de
valores, com o objetivo de se garantir a dignidade da pessoa humana.

Esta preocupação com o “ser” faz com que direito adapte-se a isso. E teremos
com isso no direito civil um movimento de (re)personalização, sendo que o
direito civil passa a se preocupar com a pessoa humana. Não quer dizer que o
direito civil deixou de proteger o patrimônio. Continua-se protegendo-se o
patrimônio (a propriedade continua privada, o contrato continua submetido ao
pacta sunt servanda). Ele apenas agora tem como proteção precípua
(fundamental) a dignidade humana.

O direito civil antevê uma grande proteção da pessoa humana.

Esse movimento inaugura uma nova era denominada de: Direito Civil Mínimo,
que significa intervenção mínima do Estado na relação privada. O Estado só
deve intervir na relação privada quando for necessário para garantir: dignidade,
igualdade, solidariedade e liberdade. Se não há necessidade de preservar
estes valores, vale a autonomia das partes (autonomia privada).

É esse movimento de Direito Civil Mínimo, que faz com que o Estado
intervenha para proteger a pessoa.

C) A constitucionalização do direito civil implica em uma mudança


estrutural do Direito Civil?

O direito civil é, foi e será para sempre ramo do direito privado. O direito civil
cuida das relações privadas, indiscutivelmente. E a relação privada é
propriedade, contrato e família. O que o direito civil sofreu foi uma modificação
valorativa e não estruturante (a estrutura é a mesma, mas os valores foram
modificados). Se os valores do Código de 1916 eram patrimonialismo e
individualismo, a Constituição estabeleceu novos valores (liberdade, igualdade
e solidariedade), passamos com isso a ter uma incompatibilidade no sistema. O
Código Civil era incompatível com a Constituição. Assim, percebeu-se a
necessidade da criação de um novo Código Civil (CC/2002).

3) Operabilidade, socialidade e eticidade são os valores do CC/02.


Conceitue cada um desses valores.

A operabilidade é a utilização dos institutos do direito civil de forma fácil. A


utilização dos institutos não deve ser complexa, não deve ser com apego ao
tecnicismo. O direito civil deve ser facilmente compreendido. Aqui serve o
exemplo da distinção entre prescrição e decadência, em que o direito civil
facilitou a compreensão destes institutos.

NORBERTO BOBBIO, em sua obra “Da estrutura à função”, apresentou esses


elementos que hoje foram incorporados ao nosso Código Civil, quais sejam:
eticidade, socialidade e operabilidade.

Na própria Exposição de Motivos do Código Civil escrita por MIGUEL REALE


revela-se esses três paradigmas (eticidade, socialidade e operabilidade).

A socialidade é a compreensão dos institutos do direito civil com uma


preocupação com a sua função social. Os institutos do direito civil precisam
cumprir uma função social, não podendo o direito civil ter mais uma visão
individualista (precisa ter compreensão social). É a função social do contrato, é
a função social da propriedade.

A eticidade significa compreensão ética de uma relação.

Eticidade é um neologismo para dizer que todas as relações privadas precisam


ser compreendidas conforme a ética.

Ética não se confunde com a moral. Ética é coletiva, é aquilo que se espera de
todos (não tem uma conotação moral). Exemplo de eticidade: boa-fé objetiva.
Se um dia os contratos foram interpretados pelo pacta sunt servanda (contratou
tem que cumprir! Morra, mas cumpra!), agora tem que ser interpretado
conforme a ética (boa-fé objetiva – é a ética que se espera das relações
contratuais).

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