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A Dialetica Do Conceito de Democracia em O Capital de Karl Marx - Carlos Prado PDF
A Dialetica Do Conceito de Democracia em O Capital de Karl Marx - Carlos Prado PDF
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Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
mais imediata, mais abstrata do modo de produção capitalista.1 Por que partir da riqueza, a
categoria mais abstrata e ilusória dessa sociedade? “Trata-se de partir do modo de produção
capitalista como ele aparece para a consciência atual mais imediata e alienada, consciência
ainda adormecida pela ideologia burguesa, consciência sem nenhum desenvolvimento”
(BENOIT, 1997, p.13). Dessa maneira, a exposição se inicia pela forma mais aparente da
sociedade capitalista.2 A partir dessa forma abstrata serão introduzidos, pouco a pouco, pelo
desenvolvimento dialético da exposição os pressupostos históricos, sociais e econômicos que
compõem a sociedade capitalista.
No primeiro capítulo, a mercadoria aparece como a “riqueza” da sociedade
capitalista, como um “objeto externo ao homem”, “uma coisa”, que por meio de suas
propriedades satisfaz necessidades humanas. Assim, a mercadoria é apresentada como “valor
de uso”. No entanto, mesmo Marx permanecendo na forma mais abstrata do modo de
produção capitalista, as contradições surgem. A contradição interna da mercadoria se expressa
devido ao seu duplo caráter. Pois, a mercadoria é portadora de “valor de uso” que se
manifesta como suporte do “valor de troca”, que por sua vez é a manifestação de outro
conteúdo, o “valor”. Da contradição interna da mercadoria entre “valor de uso” e “valor”,
surge a contradição externa entre “valor de uso” e “valor de troca”. Esse antagonismo exige a
existência da forma dinheiro (que aparece como moeda e ainda não como capital), que exerce
o papel de equivalente universal de troca.
Nesse nível da exposição, o que ocorre é um aparente intercâmbio de equivalentes,
na qual a única relação econômica que surge é uma relação comercial, onde um vendedor de
uma mercadoria indeterminada se relaciona com um comprador de mercadorias. As
mercadorias aparecem como “produtos de trabalhos privados, exercidos independentemente
uns dos outros” (MARX, 1983, p. 71). O operário e o burguês não aparecem como tal, mas
apenas o proprietário da mercadoria e o proprietário do dinheiro.
1
No Prefácio da Primeira Edição, Marx salientou que: “Todo começo é difícil; isso vale para qualquer ciência. O
entendimento do capítulo I, em especial a parte que contém a análise da mercadoria, apresentará, portanto, a
dificuldade maior”. (1983, p. 11).
2
“Marx inicia a crítica da sociedade burguesa e a exposição de seus conceitos e momentos fundamentais,
tomando como ponto de partida as representações mais sensíveis e grosseiras que os agentes da produção, tanto
operários quanto capitalistas, possuem sobre o próprio capitalismo. Toma como ponto de partida a opinião que
ambos formam sobre a riqueza da sociedade burguesa e desta, escolhe a mercadoria singular para análise e
crítica. Toma como ponto de partida, portanto, a própria temporalidade presente, imediata, cotidiana, destes
agentes. Toma como ponto de partida em primeiro lugar, as representações mais sensíveis presentes na
consciência mais imediata das duas classes fundamentais da sociedade burguesa e, simultaneamente, toma como
ponto de partida histórico temporal o tempo presente destes agentes.” (ANTUNES, 2005, p. 38).
No processo de intercâmbio de mercadoria, a relação comercial é apresentada da
seguinte forma: M – D – M. Portanto, o dinheiro aparece apenas como o mediador dessa
relação. O fim do processo de troca aparece apenas como a satisfação da necessidade de
ambas as partes envolvidas na relação comercial, portanto, o objetivo final é o valor de uso.
Com o desenvolvimento das contradições da forma dinheiro, ele deixa de ocupar a posição de
mediador da relação de troca e se transforma em fim último do processo. A relação agora é: D
– M – D. Assim o objetivo final da relação se tornou o valor de troca.
Depois dessa conclusão, Marx se atenta para uma importante questão. Como o
dinheiro se desenvolveu e se transformou em Capital? Está problemática é investigada no
capítulo IV, “A transformação do dinheiro em capital”. Essa relação na qual o dinheiro é a
finalidade do processo só faz sentido se ao final do intercâmbio houver uma diferença
quantitativa. Assim, a fórmula é: D – M – D’. Esse aumento quantitativo do valor inicial é o
que converte o dinheiro em capital. E é justamente esse excedente que Marx chama de mais-
valia.
Uma nova questão surge, onde a mais-valia é produzida? Na esfera da circulação?
Para Marx a resposta é negativa, pois “Se forem trocados equivalentes, não nasce daí mais-
valia, e se forem trocados não-equivalentes, ainda assim também não nasce nenhuma mais-
valia. A circulação ou troca de mercadorias não cria qualquer valor” (1983, p.136). A mais-
valia não tem sua origem no mercado, na abstrata troca de equivalentes. Nessas condições,
Marx ao final do capítulo IV, faz um convite ao leitor: “Abandonemos então, junto com o
possuidor de dinheiro e o possuidor da força de trabalho, essa esfera ruidosa, existente na
superfície e acessível aos olhos, para seguir os dois ao local oculto da produção” (1983,
p.144).
Para desvelar os segredos da produção da mais-valia é necessário abandonar a esfera
aparente e enganosa da circulação, na qual o que reina é mais pura democracia. Segundo
Marx:
A esfera da circulação ou do intercambio de mercadorias, dentro de cujos limites se
movimentam compra e venda de força de trabalho, era de fato um verdadeiro éden
dos direitos naturais do homem. O que aqui reina é unicamente Liberdade,
Igualdade, Propriedade e Bentham. Liberdade! Pois comprador e vendedor de uma
mercadoria, por exemplo, da força de trabalho, são determinados apenas por sua
livre-vontade. Igualdade! Pois eles se relacionam um com o outro apenas como
possuidores de mercadorias e trocam equivalente por equivalente. Propriedade! Pois
cada um dispõe apenas sobre o seu. Bentham! Pois cada um dos dois só cuida de si
mesmo. (1983, p. 145).
Na esfera da circulação todos os homens se relacionam entre si, como livres e iguais,
ou seja, os princípios essenciais da democracia é o que orienta o intercâmbio e a circulação
das mercadorias. O modo de exposição se inicia ao nível mais imediato e abstrato da
sociedade capitalista. O importante a se destacar é que nesse nível da exposição, as classes
sociais estão ocultadas e aparecem na forma de proprietários livres, autônomos, independentes
e iguais que se encontram no mercado e trocam mercadorias equivalentes. As determinações
históricas da produção capitalista ainda não aparecem, estão apenas pressupostas.
Na esfera da circulação simples de mercadorias, reina a democracia, ou seja,
liberdade e igualdade entre os produtores de mercadorias. A democracia reina justamente
porque as classes estão encobertas e aparentemente não existem, estão encobertas na forma de
proprietário livres e autônomos. Neste primeiro momento da exposição, trata-se da afirmação
da democracia, é o momento positivo, a sociabilidade burguesa é tratada da maneira mais
abstrata, desprovida de conteúdo e determinações históricas.
3
“O paradoxo da noção de acumulação primitiva de capital consiste em que ela é uma acumulação de capital que
se realiza sem o capital, é uma acumulação necessária para formar o capital. Diferente da noção de acumulação
primitiva é a noção de acumulação de capital. Esta se realiza a partir da existência do capital e, por isso, o tem
como pressuposto. A acumulação de capital se realiza convertendo o resultado do capital, a mais-valia, em novo
capital, se realiza a partir, portanto de um capital já formado. A acumulação primitiva de capital é a acumulação
necessária para formar o primeiro capital e não parte, portanto, de um capital já formado, mas, ao contrário, parte
da inexistência do capital” (ANTUNES, 2005, p. 490).
escravos, os servos etc., nem os meios de produção lhes pertencem, como por exemplo, o
camponês economicamente autônomo” (MARX, 1984, p. 262).
O trabalhador se tornou livre e no reino da democracia e liberdade burguesa ele não
pôde mais satisfazer suas necessidades básicas, e para produzir sua vida material, passou a ser
necessário que ele vendesse a sua força de trabalho. Essa divisão da sociedade em duas
classes distintas, proprietários e não-proprietários dos meios de produção é a condição
necessária para o desenvolvimento do modo de produção capitalista.4 Era preciso que se
produzisse mão-de-obra assalariada em escala crescente, ou seja, trabalhadores desprovidos,
expropriados, alienado dos meios de produção, o camponês economicamente autônomo não
deveria mais existir. “A assim chamada acumulação primitiva é, portanto, nada mais que o
processo histórico de separação (Sheidung) entre produtor e meio de produção. Ele aparece
como “primitivo” porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção que lhe
corresponde” (MARX, 1984, p. 262).
A grande preocupação de Marx é, portanto, desvendar como ocorreu a separação do
trabalhador direto das condições objetivas do trabalho. O que interessa é demonstrar como o
antagonismo entre a classe burguesa e proletária se fundou historicamente. No segundo item
do capítulo XXIV, “Expropriação do povo do campo de sua base fundiária”, são descritos os
vários momentos da violenta separação do camponês aos seus meios de produção: O item
seguinte, “Legislação sanguinária”, evidencia o papel disciplinador das leis. O camponês
expropriado era açoitado e marcado a ferro para se enquadrar a nova ordem.
Ao desmascarar a violenta origem da sociedade capitalista, o último item do capítulo
XXIV, “Tendência histórica da acumulação capitalista”, aponta para o fim do modo de
produção capitalista. “O que está agora para ser expropriado já não é o trabalhador
economicamente autônomo, mas o capitalista que explora muitos trabalhadores [...] Soa a
hora final da propriedade privada capitalista. Os expropriadores são expropriados” O
movimento dialético se completa. “Lá, se tratou da expropriação da massa do povo por
poucos usurpadores, aqui trata-se da expropriação de poucos usurpadores pela massa do
povo” (MARX, 1984, p. 293 - 294).
Ao investigar o processo de formação do primeiro capital, a violência aparece como
o motor da produção capitalista. Todas as ilusões de liberdade, igualdade e independência
evaporaram. A democracia que reinava na esfera do mercado foi submetida ao movimento
dialético e converteu-se em seu contrário direto. O conceito de democracia se revelou,
4
“A relação capital pressupõe a separação entre os trabalhadores e a propriedade das condições da realização do
trabalho” (MARX, 1984, p. 262).
portanto, na essência em violência da luta de classes. A exposição dialética revelou que a
violência impera como o fundamento da sociedade burguesa, fundamento que já está
pressuposto desde a análise da mercadoria no primeiro capítulo, mas que só é posto enquanto
ex-posto ao final da exposição.
Considerações finais
Marx diz que o proletário é preso por fios invisíveis, o que fez a exposição dialética,
foi tornar esses fios visíveis e por as claras todos os mecanismos de dominação e exploração
que se desenvolvem na relação capital-trabalho. No Livro Primeiro de O Capital, Marx
desenvolveu minuciosamente as contradições e antagonismos inerentes ao processo de
produção do capital. Ele revelou a violência da classe capitalista exercida sobre a classe
trabalhadora e que qualquer forma de liberdade e igualdade, símbolos que são tomados de
empréstimo e apropriados pela democracia são apenas formas aparentes e ilusórias que
apagam e encobrem a luta de classes.
A exposição de O Capital revelou que, ao contrário do que afirma a literatura
pertinente ao tema, capital e democracia não estão em contradição. Enquanto boa parte das
pesquisas sobre essa problemática afirmam que o desenvolvimento e ampliação da
democracia se chocam e negam os princípios capitalistas, afirmamos o contrário. A
democracia é o regime político apropriado para a sociedade burguesa, pois a democracia tem
a faculdade de igualar todos os homens a um mesmo plano, no qual todos aparecem como
livres, iguais, independentes e autônomos e, dessa forma, a democracia legitima a dominação
do capital sob o trabalhador.
O que atualmente se costuma chamar de liberdade e igualdade é o resultado do
desenvolvimento do mercado capitalista que ao longo de séculos destruiu todos os resquícios
de qualquer modo de produção pré-capitalista, seja o feudalismo na Europa ou o modo de
produção asiático na Índia, China e em partes da América. Por toda parte do globo as forças
capitalistas destruíram todos os entraves, que impediam a liberdade dos produtores privados,
que encontra sua melhor tradução na livre circulação das mercadorias e na igualdade entre os
seus guardiões. Tal democracia, tal liberdade e igualdade são necessários e adequados ao
modo de produção capitalista, pois são fundamentos para a realização das mercadorias e
ampliação do capital.
Todo o processo de exploração e dominação do capital sobre os trabalhadores ocorre
mediado pelos princípios democráticos que regem e regulam o mercado. É a própria
democracia que possibilita e garante a reprodução do capital. Na democracia as distinções
entre as classes desaparecem, pois juridicamente nenhuma classe tem poder sobre a outra. A
exploração capitalista, fundamentada por contraditórias relações sociais de trabalho
estabelecidas entre as classes possuidora e não-possuidora dos meios de produção é apagada
pela democracia.
A democracia é apenas mais uma forma fantasmagórica da sociedade capitalista,
produto de suas próprias relações de produção, cuja faculdade é apagar e distorcer a luta de
classes travada no seio da sociedade produtora de mercadorias. A democracia pode ser
entendida como mais um desenvolvimento dessas formas mistificadoras e enganadoras da
consciência. O fetiche da democracia encobre a luta de classes e faz com que a desigualdade e
exploração “passe as costas do trabalhador”, criando a ilusão de um mundo encantado no qual
a liberdade e a igualdade reinam entre os homens. A liberdade e igualdade entre os homens se
revelam mera aparência, mas trata-se de uma aparência necessária e produzida para a própria
manutenção e preservação da reprodução capitalista e, portanto, não é contraditória a
produção de mercadorias, mas imanente.
BIBLIOGRAFIA
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sci_arttext&tlng=.> Acesso: 03 de abril de 2008.
WHEEN, Francis. O Capital de Marx: uma biografia. Tradução de Sérgio Lopes. Rio de
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