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A dialética do conceito de Democracia em O Capital de Karl Marx

Carlos Batista Prado*

A questão da democracia é, desde o final do século XIX, uma problemática


fundamental para os estudiosos de Marx. Essa questão já foi o cerne de inúmeros debates,
discussões e controvérsias entre os pensadores marxistas. Investigar o conceito de democracia
no pensamento marxiano tem sido uma tarefa na qual, vários estudiosos já se arriscaram.
Todavia, é interessante notar que vários autores quando questionam o conceito de democracia
em Marx, desprezam a análise de O Capital, pois compreendem que sua obra magna é uma
obra de Economia e que, portanto, temas pertinentes à política não estão presentes, como por
exemplo, o próprio conceito de democracia.
Ao buscarmos compreender o conceito de democracia em O Capital, pensamos ser
necessária uma análise da esfera política a partir das determinações econômicas da produção
capitalista, evidenciando que a própria constituição organizativa da política está em relação
direta com a base econômica que regulamenta a produção capitalista. Assim, como os
interesses políticos são sempre fundadas em interesses econômicos a própria organização
política e a democracia são também determinados pelas relações econômicas. Para Marx uma
compreensão mais exata e minuciosa de categorias determinantes da superestrutura política é
inseparável de uma investigação precisa sobre a base econômica.
O presente artigo se apóia no pressuposto de que é possível desenvolver o conceito
de democracia em O Capital, seguindo o modo de exposição dialético da obra. Partindo,
fundamentalmente da análise da estrutura dialética do Livro Primeiro, temos o objetivo de
analisar como o conceito de democracia é exposto pela obra, ou seja, pretende-se investigar
como ele é posto pelo modo de exposição dialético.

Democracia na esfera da circulação de mercadorias


No livro I, nas duas primeiras seções que compreendem os capítulos I a IV, Marx
permanece na esfera da circulação. A exposição começa analisando a mercadoria, a forma

*
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
mais imediata, mais abstrata do modo de produção capitalista.1 Por que partir da riqueza, a
categoria mais abstrata e ilusória dessa sociedade? “Trata-se de partir do modo de produção
capitalista como ele aparece para a consciência atual mais imediata e alienada, consciência
ainda adormecida pela ideologia burguesa, consciência sem nenhum desenvolvimento”
(BENOIT, 1997, p.13). Dessa maneira, a exposição se inicia pela forma mais aparente da
sociedade capitalista.2 A partir dessa forma abstrata serão introduzidos, pouco a pouco, pelo
desenvolvimento dialético da exposição os pressupostos históricos, sociais e econômicos que
compõem a sociedade capitalista.
No primeiro capítulo, a mercadoria aparece como a “riqueza” da sociedade
capitalista, como um “objeto externo ao homem”, “uma coisa”, que por meio de suas
propriedades satisfaz necessidades humanas. Assim, a mercadoria é apresentada como “valor
de uso”. No entanto, mesmo Marx permanecendo na forma mais abstrata do modo de
produção capitalista, as contradições surgem. A contradição interna da mercadoria se expressa
devido ao seu duplo caráter. Pois, a mercadoria é portadora de “valor de uso” que se
manifesta como suporte do “valor de troca”, que por sua vez é a manifestação de outro
conteúdo, o “valor”. Da contradição interna da mercadoria entre “valor de uso” e “valor”,
surge a contradição externa entre “valor de uso” e “valor de troca”. Esse antagonismo exige a
existência da forma dinheiro (que aparece como moeda e ainda não como capital), que exerce
o papel de equivalente universal de troca.
Nesse nível da exposição, o que ocorre é um aparente intercâmbio de equivalentes,
na qual a única relação econômica que surge é uma relação comercial, onde um vendedor de
uma mercadoria indeterminada se relaciona com um comprador de mercadorias. As
mercadorias aparecem como “produtos de trabalhos privados, exercidos independentemente
uns dos outros” (MARX, 1983, p. 71). O operário e o burguês não aparecem como tal, mas
apenas o proprietário da mercadoria e o proprietário do dinheiro.

1
No Prefácio da Primeira Edição, Marx salientou que: “Todo começo é difícil; isso vale para qualquer ciência. O
entendimento do capítulo I, em especial a parte que contém a análise da mercadoria, apresentará, portanto, a
dificuldade maior”. (1983, p. 11).
2
“Marx inicia a crítica da sociedade burguesa e a exposição de seus conceitos e momentos fundamentais,
tomando como ponto de partida as representações mais sensíveis e grosseiras que os agentes da produção, tanto
operários quanto capitalistas, possuem sobre o próprio capitalismo. Toma como ponto de partida a opinião que
ambos formam sobre a riqueza da sociedade burguesa e desta, escolhe a mercadoria singular para análise e
crítica. Toma como ponto de partida, portanto, a própria temporalidade presente, imediata, cotidiana, destes
agentes. Toma como ponto de partida em primeiro lugar, as representações mais sensíveis presentes na
consciência mais imediata das duas classes fundamentais da sociedade burguesa e, simultaneamente, toma como
ponto de partida histórico temporal o tempo presente destes agentes.” (ANTUNES, 2005, p. 38).
No processo de intercâmbio de mercadoria, a relação comercial é apresentada da
seguinte forma: M – D – M. Portanto, o dinheiro aparece apenas como o mediador dessa
relação. O fim do processo de troca aparece apenas como a satisfação da necessidade de
ambas as partes envolvidas na relação comercial, portanto, o objetivo final é o valor de uso.
Com o desenvolvimento das contradições da forma dinheiro, ele deixa de ocupar a posição de
mediador da relação de troca e se transforma em fim último do processo. A relação agora é: D
– M – D. Assim o objetivo final da relação se tornou o valor de troca.
Depois dessa conclusão, Marx se atenta para uma importante questão. Como o
dinheiro se desenvolveu e se transformou em Capital? Está problemática é investigada no
capítulo IV, “A transformação do dinheiro em capital”. Essa relação na qual o dinheiro é a
finalidade do processo só faz sentido se ao final do intercâmbio houver uma diferença
quantitativa. Assim, a fórmula é: D – M – D’. Esse aumento quantitativo do valor inicial é o
que converte o dinheiro em capital. E é justamente esse excedente que Marx chama de mais-
valia.
Uma nova questão surge, onde a mais-valia é produzida? Na esfera da circulação?
Para Marx a resposta é negativa, pois “Se forem trocados equivalentes, não nasce daí mais-
valia, e se forem trocados não-equivalentes, ainda assim também não nasce nenhuma mais-
valia. A circulação ou troca de mercadorias não cria qualquer valor” (1983, p.136). A mais-
valia não tem sua origem no mercado, na abstrata troca de equivalentes. Nessas condições,
Marx ao final do capítulo IV, faz um convite ao leitor: “Abandonemos então, junto com o
possuidor de dinheiro e o possuidor da força de trabalho, essa esfera ruidosa, existente na
superfície e acessível aos olhos, para seguir os dois ao local oculto da produção” (1983,
p.144).
Para desvelar os segredos da produção da mais-valia é necessário abandonar a esfera
aparente e enganosa da circulação, na qual o que reina é mais pura democracia. Segundo
Marx:
A esfera da circulação ou do intercambio de mercadorias, dentro de cujos limites se
movimentam compra e venda de força de trabalho, era de fato um verdadeiro éden
dos direitos naturais do homem. O que aqui reina é unicamente Liberdade,
Igualdade, Propriedade e Bentham. Liberdade! Pois comprador e vendedor de uma
mercadoria, por exemplo, da força de trabalho, são determinados apenas por sua
livre-vontade. Igualdade! Pois eles se relacionam um com o outro apenas como
possuidores de mercadorias e trocam equivalente por equivalente. Propriedade! Pois
cada um dispõe apenas sobre o seu. Bentham! Pois cada um dos dois só cuida de si
mesmo. (1983, p. 145).

Na esfera da circulação todos os homens se relacionam entre si, como livres e iguais,
ou seja, os princípios essenciais da democracia é o que orienta o intercâmbio e a circulação
das mercadorias. O modo de exposição se inicia ao nível mais imediato e abstrato da
sociedade capitalista. O importante a se destacar é que nesse nível da exposição, as classes
sociais estão ocultadas e aparecem na forma de proprietários livres, autônomos, independentes
e iguais que se encontram no mercado e trocam mercadorias equivalentes. As determinações
históricas da produção capitalista ainda não aparecem, estão apenas pressupostas.
Na esfera da circulação simples de mercadorias, reina a democracia, ou seja,
liberdade e igualdade entre os produtores de mercadorias. A democracia reina justamente
porque as classes estão encobertas e aparentemente não existem, estão encobertas na forma de
proprietário livres e autônomos. Neste primeiro momento da exposição, trata-se da afirmação
da democracia, é o momento positivo, a sociabilidade burguesa é tratada da maneira mais
abstrata, desprovida de conteúdo e determinações históricas.

Democracia na esfera na produção


Na seção III, é investigada “A produção da mais-valia absoluta”, no interior do
processo produtivo. As contradições, já manifestadas na esfera da circulação, não
desaparecem ou são resolvidas na esfera da produção, mas, pelo contrário, são desdobradas
em novos antagonismos. Na fábrica se encontram o trabalhador que vende sua força de
trabalho e o capitalista que a compra por um salário. No exame sobre a produção da mais-
valia absoluta, aparecem discussões como limitação da jornada de trabalho. E a voz do
operário ecoa: “Exijo a jornada normal de trabalho, porque exijo o valor de minha
mercadoria, como qualquer outro vendedor” (MARX, 1983, p. 239).
O operário luta pela regulamentação do tempo diário de trabalho e por um salário
“justo”. A consciência que no início da exposição era a mais aparente possível já sofreu
transformações e a aparente democracia, liberdade e igualdade fundamentada pela troca de
equivalentes evaporou e, o que se revela é o antagonismo entre a classe possuidora e não-
possuidora dos meios de produção. A luta dos trabalhadores nesse momento é exigir que se
aplique também nessa relação trabalho-capital, a lei de troca de equivalentes, ou seja, redução
da jornada de trabalho e um salário que corresponda ao valor da sua força de trabalho.
Nessa altura da exposição, a luta de classe é posta. No exame da mais-valia absoluta
às contradições se aprofundam. Aqui, se revela a sede vampiresca do capitalista em sugar
trabalho vivo. Surge o antagonismo entre uma classe que cria valor e outra que se apropria
desse valor, se apropria do trabalho alheio. “As contradições e a crítica começam a mostrar-se
como perpassadas pela luta histórica, a luta cujos personagens começam a tornar-se classes
determinadas, classes em luta, e não meras categorias econômicas ou lógicas, não meros
possuidores individuais de mercadorias” (BENOIT, 1996, p. 29).
Se a primeira vista, se relacionavam no mercado homens livres e autônomos, agora
se relacionam trabalhador e patrão, as classes são determinadas de maneira concreta. No chão
da fábrica, trabalhador e capitalista são postos frente a frente e se revela claramente os
antagonismos entre as classes que se confrontam na produção. A exploração de uma classe
sobre a outra se revela com a investigação em torno da duração jornada de trabalho, das
péssimas condições de trabalho nas fábricas, da exploração do trabalho infantil e feminino,
etc.
Quando “A produção da mais-valia relativa” é analisada por Marx na seção IV, se
revela que o desenvolvimento das máquinas possibilitou a diminuição da jornada diária de
trabalho, mas a melhor produtividade das máquinas tem como verdadeiro objetivo apenas
melhorar a produtividade do trabalho do operário. O desenvolvimento das forças produtivas
(divisão do trabalho, cooperação, manufatura e indústria) aumenta a produtividade e a
intensidade do trabalho, mas não liberta a classe trabalhadora das relações coercitivas no
interior do processo produtivo, apenas desenvolve as contradições, aumenta a exploração e
acirra ainda mais a luta entre as classes.
Nesse segundo momento da exposição, trata-se a negação da democracia. É o
momento negativo no qual a liberdade e a igualdade que reinavam num primeiro momento
são superados dialeticamente e se convertem no seu contrário direto. A liberdade e a
igualdade deram lugar ao que Marx denomina de “despotismo de fábrica”, ou seja, na
exploração da classe trabalhadora, na não-liberdade e não-igualdade.
A noção de liberdade e igualdade entre os homens se transformou em liberdade
apenas para o capital. No interior da fábrica as classes foram reveladas e postas em luta. Ao se
revelar a extração da mais-valia, processo no qual o capitalista se apropria de trabalho alheio
não pago, as noções de troca de equivalente que garantiam a igualdade foi negada. Com os
debates acerca da duração da jornada de trabalho e sobre o valor do salário se revelou
claramente que capitalistas e proletários possuem interesses antagônicos e contraditórios. No
interior da fábrica se revelou a exploração da classe capitalista sob a classe proletária;
jornadas de trabalho extensivas, salários rebaixados, péssimas condições de trabalho, saúde
fragilizada e moradias precárias são apenas alguns exemplos.

Democracia na esfera da acumulação capitalista


Na sétima seção de “O Capital”, a exposição avança para as formas mais concretas
da produção capitalista e a luta de classes revela-se em sua forma mais violenta. Na esfera da
acumulação capitalista são investigadas a reprodução simples e ampliada do capital, a
transformação da mais-valia em capital e a tendência geral da acumulação capitalista. Nesse
nível da exposição, a negação da democracia ganha formas ainda mais concretas.
Quando na seção VII, capítulos XXI e seguintes, analisam a “Reprodução Simples”,
“Transformação da Mais-Valia em Capital”, “A Lei Geral da Acumulação Capitalista” e
finalmente o processo de “Acumulação Primitiva” se revela à natureza do modo de produção
capitalista na sua totalidade, essência. A origem do capital, apesar de presente desde o
primeiro capítulo (A mercadoria), este pressuposto aparece somente ao final da exposição
como posto, somente aí se revela enquanto ex-posto. Depois de mostrar o capital na esfera da
circulação e na esfera da produção, Marx investiga a origem daquilo que estudou nos
capítulos anteriores.

Viu-se como dinheiro é transformado em capital, como por meio do


capital é produzida mais-valia e da mais-valia mais capital. A
acumulação do capital, porém, pressupõe (Voraustzt)a mais-valia, a
mais-valia a produção capitalista, e esta, por sua vez, a existência de
massas relativamente grandes de capital e força de trabalho nas mãos
de produtores de mercadorias. Todo esse movimento parece, portanto,
girar num círculo vicioso, do qual só podemos sair supondo uma
acumulação “primitiva” (previous accumulation em A. Smith),
precedente à acumulação capitalista, uma acumulação que não é
resultado do modo de produção capitalista, mas sim seu ponto de
partida (Ausgangspunkt). (MARX, 1984, p.261).

A última afirmativa da concepção econômica burguesa é desvendada pela


acumulação originária do Capital.3 Marx elucida a violência como ponto de partida da gênese
burguesa, ou seja, ponto de partida da formação do capital. A mercadoria e o dinheiro para
sua transformação em capital requerem certas condições materiais. As relações capitalistas
para se desenvolverem necessitam “de um lado, possuidores de dinheiro, meios de produção e
meios de subsistência (...) do outro, trabalhadores livres, vendedores da própria força de
trabalho” (MARX, 1984, p. 262). Mas, trabalhadores livres em que sentido? “Trabalhadores
livres no duplo sentido, porque não pertencem diretamente aos meios de produção, como os

3
“O paradoxo da noção de acumulação primitiva de capital consiste em que ela é uma acumulação de capital que
se realiza sem o capital, é uma acumulação necessária para formar o capital. Diferente da noção de acumulação
primitiva é a noção de acumulação de capital. Esta se realiza a partir da existência do capital e, por isso, o tem
como pressuposto. A acumulação de capital se realiza convertendo o resultado do capital, a mais-valia, em novo
capital, se realiza a partir, portanto de um capital já formado. A acumulação primitiva de capital é a acumulação
necessária para formar o primeiro capital e não parte, portanto, de um capital já formado, mas, ao contrário, parte
da inexistência do capital” (ANTUNES, 2005, p. 490).
escravos, os servos etc., nem os meios de produção lhes pertencem, como por exemplo, o
camponês economicamente autônomo” (MARX, 1984, p. 262).
O trabalhador se tornou livre e no reino da democracia e liberdade burguesa ele não
pôde mais satisfazer suas necessidades básicas, e para produzir sua vida material, passou a ser
necessário que ele vendesse a sua força de trabalho. Essa divisão da sociedade em duas
classes distintas, proprietários e não-proprietários dos meios de produção é a condição
necessária para o desenvolvimento do modo de produção capitalista.4 Era preciso que se
produzisse mão-de-obra assalariada em escala crescente, ou seja, trabalhadores desprovidos,
expropriados, alienado dos meios de produção, o camponês economicamente autônomo não
deveria mais existir. “A assim chamada acumulação primitiva é, portanto, nada mais que o
processo histórico de separação (Sheidung) entre produtor e meio de produção. Ele aparece
como “primitivo” porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção que lhe
corresponde” (MARX, 1984, p. 262).
A grande preocupação de Marx é, portanto, desvendar como ocorreu a separação do
trabalhador direto das condições objetivas do trabalho. O que interessa é demonstrar como o
antagonismo entre a classe burguesa e proletária se fundou historicamente. No segundo item
do capítulo XXIV, “Expropriação do povo do campo de sua base fundiária”, são descritos os
vários momentos da violenta separação do camponês aos seus meios de produção: O item
seguinte, “Legislação sanguinária”, evidencia o papel disciplinador das leis. O camponês
expropriado era açoitado e marcado a ferro para se enquadrar a nova ordem.
Ao desmascarar a violenta origem da sociedade capitalista, o último item do capítulo
XXIV, “Tendência histórica da acumulação capitalista”, aponta para o fim do modo de
produção capitalista. “O que está agora para ser expropriado já não é o trabalhador
economicamente autônomo, mas o capitalista que explora muitos trabalhadores [...] Soa a
hora final da propriedade privada capitalista. Os expropriadores são expropriados” O
movimento dialético se completa. “Lá, se tratou da expropriação da massa do povo por
poucos usurpadores, aqui trata-se da expropriação de poucos usurpadores pela massa do
povo” (MARX, 1984, p. 293 - 294).
Ao investigar o processo de formação do primeiro capital, a violência aparece como
o motor da produção capitalista. Todas as ilusões de liberdade, igualdade e independência
evaporaram. A democracia que reinava na esfera do mercado foi submetida ao movimento
dialético e converteu-se em seu contrário direto. O conceito de democracia se revelou,

4
“A relação capital pressupõe a separação entre os trabalhadores e a propriedade das condições da realização do
trabalho” (MARX, 1984, p. 262).
portanto, na essência em violência da luta de classes. A exposição dialética revelou que a
violência impera como o fundamento da sociedade burguesa, fundamento que já está
pressuposto desde a análise da mercadoria no primeiro capítulo, mas que só é posto enquanto
ex-posto ao final da exposição.

Considerações finais
Marx diz que o proletário é preso por fios invisíveis, o que fez a exposição dialética,
foi tornar esses fios visíveis e por as claras todos os mecanismos de dominação e exploração
que se desenvolvem na relação capital-trabalho. No Livro Primeiro de O Capital, Marx
desenvolveu minuciosamente as contradições e antagonismos inerentes ao processo de
produção do capital. Ele revelou a violência da classe capitalista exercida sobre a classe
trabalhadora e que qualquer forma de liberdade e igualdade, símbolos que são tomados de
empréstimo e apropriados pela democracia são apenas formas aparentes e ilusórias que
apagam e encobrem a luta de classes.
A exposição de O Capital revelou que, ao contrário do que afirma a literatura
pertinente ao tema, capital e democracia não estão em contradição. Enquanto boa parte das
pesquisas sobre essa problemática afirmam que o desenvolvimento e ampliação da
democracia se chocam e negam os princípios capitalistas, afirmamos o contrário. A
democracia é o regime político apropriado para a sociedade burguesa, pois a democracia tem
a faculdade de igualar todos os homens a um mesmo plano, no qual todos aparecem como
livres, iguais, independentes e autônomos e, dessa forma, a democracia legitima a dominação
do capital sob o trabalhador.
O que atualmente se costuma chamar de liberdade e igualdade é o resultado do
desenvolvimento do mercado capitalista que ao longo de séculos destruiu todos os resquícios
de qualquer modo de produção pré-capitalista, seja o feudalismo na Europa ou o modo de
produção asiático na Índia, China e em partes da América. Por toda parte do globo as forças
capitalistas destruíram todos os entraves, que impediam a liberdade dos produtores privados,
que encontra sua melhor tradução na livre circulação das mercadorias e na igualdade entre os
seus guardiões. Tal democracia, tal liberdade e igualdade são necessários e adequados ao
modo de produção capitalista, pois são fundamentos para a realização das mercadorias e
ampliação do capital.
Todo o processo de exploração e dominação do capital sobre os trabalhadores ocorre
mediado pelos princípios democráticos que regem e regulam o mercado. É a própria
democracia que possibilita e garante a reprodução do capital. Na democracia as distinções
entre as classes desaparecem, pois juridicamente nenhuma classe tem poder sobre a outra. A
exploração capitalista, fundamentada por contraditórias relações sociais de trabalho
estabelecidas entre as classes possuidora e não-possuidora dos meios de produção é apagada
pela democracia.
A democracia é apenas mais uma forma fantasmagórica da sociedade capitalista,
produto de suas próprias relações de produção, cuja faculdade é apagar e distorcer a luta de
classes travada no seio da sociedade produtora de mercadorias. A democracia pode ser
entendida como mais um desenvolvimento dessas formas mistificadoras e enganadoras da
consciência. O fetiche da democracia encobre a luta de classes e faz com que a desigualdade e
exploração “passe as costas do trabalhador”, criando a ilusão de um mundo encantado no qual
a liberdade e a igualdade reinam entre os homens. A liberdade e igualdade entre os homens se
revelam mera aparência, mas trata-se de uma aparência necessária e produzida para a própria
manutenção e preservação da reprodução capitalista e, portanto, não é contraditória a
produção de mercadorias, mas imanente.

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