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SEGUNDO ATO

QUADRO 21
(O espetáculo retoma de onde parou. Aparece a noiva e os convidados. Vem com um vestido
preto da moda de mil e novecentos.)

(Movimentos dos convidados e da família. Mulher beija a noiva.)

Música “Despertem a noiva”

Texto

MÃE (ao Pai) — Mas esses aí também vieram?


PAI — São da família. Hoje é dia de perdão!
MÃE — Eu calo, mas não perdôo.
NOIVO — Com a grinalda, dá gosto ver você.
NOIVA — Vamos logo para a igreja!
NOIVO — Está com pressa?
NOIVA — Sim. Quero ser sua mulher e ficar sozinha com você, e só ouvir sua voz, mais
nenhuma.
NOIVO — É assim que eu quero!
NOIVA — E só ver os seus olhos, mais nada. E você há de me abraçar tão forte que, mesmo
ao ouvir o chamado de minha mãe, que está morta, eu não possa me soltar.
NOIVO — Eu tenho força nos braços. Vou abraçá-la quarenta anos seguidos.
NOIVA (dramática, agarrando-lhe o braço) — Sempre!

Música “Despertem a noiva”

(Começam a sair. Leonardo e sua mulher ficam sós.)

Música “Dorme, Cravo meu”

Subtexto

MULHER — Venha comigo. Já não agüento mais! Por que me olha assim? Você tem um
espinho em cada olho. Só sei de uma coisa: me jogaram fora. Mas tenho um filho. E outro que
vem.
LEONARDO (levantando-se) — Vamos.
MULHER — Mas comigo!
LEONARDO — É. (Pausa.) Ande, vá! (Saem.)

QUADRO 19
(Entra Yerma com incensos.)
(Música)

Subtexto

JOÃO - Para viver em paz, precisa-se estar tranqüilo.


YERMA - E tu não estás?
JOÃO - Não estou. As ovelhas no redil e as mulheres em sua casa. Tu sais muito.
YERMA - Alerta? Por quê? Vivo submissa a ti, e o que sofro, guardo pregado à minha carne.
Saberei levar a minha cruz como melhor puder. Deixa-me com os pregos da minha cruz.
JOÃO - Não te privo de nada. Falta-te alguma coisa? Dize-me. Responde!
YERMA (Com intenção e fitando firmemente o marido.) – Sim, falta-me.
(Pausa)
JOÃO - Por que não trazes um filho de teu irmão para criar? Eu não me oponho.
YERMA - Não quero cuidar de filhos dos outros. Quero beber água e não há copo nem água;
quero subir no monte e não tenho pés; quero bordar as minhas anáguas e não encontro os fios.
JOÃO - Tu não és uma mulher verdadeira, e buscas a ruína de um homem sem vontade.
Quando vierem conversar contigo, fecha a boca; e lembra-te de que és uma mulher casada.
YERMA (Com assombro) – Casada!
(João sai e Yerma se vai, em seguida.)

QUADRO 20
(Entram Bernarda, as filhas e La Poncia).

Texto

BERNARDA - Qual de vocês? (Silêncio.) – Respondam! (Silêncio.) (À La Poncia) – Revista os


quartos, procura nas camas. Nisso dá não trazê-las atadas mais curto. Mas agora hão de ver!
(Todas estão de pé em meio de embaraçoso silêncio.)
BERNARDA - Fazem que eu beba no final de minha vida o veneno mais amargo que uma mãe
pode suportar. (À La Poncia.) – Não o achaste?
LA PONCIA (Entrando.) – Aqui está.
BERNARDA - Onde o descobriste?
LA PONCIA - Estava. . .
BERBARDA - Fala sem receio.
LA PONCIA (Estranhando.) – Entre os lençóis da cama de Martírio,
BERNARDA (À Martírio.) – É verdade?
MARTÍRIO - É.

Subtexto

BERNARDA (Avançando-lhe e batendo-lhe.) – Bons bofetes merecias, mosca morta!


Semeadura de vidros!
MARTÍRIO (Feroz.) – Não me toque, mãe!
BERNARDA Tanto quanto eu quiser!
MARTÍRIO - Se eu deixar! Ouviu? Afaste-se!
BERNARDA - Nem lágrimas te vêm aos olhos.

Texto

MARTÍRIO - Será que não posso fazer uma brincadeira com minha irmã? Para que o ia
querer?
ADELA (Saltando cheia de ciúmes.) – Não foi brincadeira, porque não gostaste nunca de
brincar. Foi outra coisa que te oprimia o peito querendo sair. Dize francamente.
MARTÍRIO - Cala-te e não me faças falar. Se falo, vão-se unir as paredes umas com as outras
de vergonha.
ANGÚSTIAS - Não tenho culpa de que Pepe Romano me tenha preferido.
ADELA - Pelo teu dinheiro!
ANGÚSTIAS - Mãe!
BERNARDA - Silêncio!

Subtexto
BERNARDA - Eu via tormenta chegar, mas não acreditava que estivesse tão perto. Ai, que
saraiva de ódio deitaram sobre meu coração! Fora daqui! (As filhas saem, fica La Poncia.
Bernarda se sente desolada. Bernarda reage, dá uma pancada no chão.) Terei de submetê-las.
Bernarda, lembra-te que esta é tua obrigação.

QUADRO 22

Texto

BERNARDA - Angústias tem de se casar logo com Pepe Romano.


LA PONCIA - Sem dúvida. É preciso tirá-la daqui.
BERNARDA - Não a ela. A ele!
LA PONCIA - E acreditas que ele quererá ir-se daqui?

BERNARDA - Tens algo a prevenir?


LA PONCIA - Eu não acuso, Bernarda. Eu apensa digo. Abre os olhos e verás.
BERNARDA - E verás o quê?
LA PONCIA - Sempre foste esperta. Vias o mal a cem léguas. Muitas vezes acreditei que
adivinhavas os pensamentos. Mas os filhos são os filhos. Agora estás cega.
BERNARDA - Fala de Martírio?
LA PONCIA - Bem, a Martírio. . . (Com curiosidade.) – Por que é que terá ela escondido o
retrato?
BERNARDA (Querendo resguardar a filha.) – Afinal, ela disse que foi uma brincadeira. Que
mais poderia ser?
LA PONCIA (Velhaca.) – Crês que foi assim?
BERNARDA (Enérgica.) – Não creio. Foi assim! Como te agradaria ver-nos a mim e a minhas
filhas a caminho do bordel!
LA PONCIA - Ninguém pode saber do seu fim!
BERNARDA - Eu sim, sei qual é o meu! E o de minhas filhas! O bordel fica para alguma mulher
já defunta.
LA PONCIA - Bernarda, respeita a memória de minha mãe!
BERNARDA - Então não me persigas tu com teus maus pensamentos!
(Pausa.)
LA PONCIA - Mas não é possível. Não te parece que Pepe estaria melhor casado com Martírio
ou...sim!, com Adela?
BERNARDA - Não me parece.
LA PONCIA - Adela. Essa é a verdadeira noiva de Romano.
BERNARDA - Cá estamos outra vez!. . . Insinuas para encher-me de pesadelos. Felizmente
minhas filhas me respeitam e nunca torceram minha vontade.
LA PONCIA - Sim. Mas se as deixares às soltas comerão sobre a tua cabeça.
BERNARDA - Deixa-as comigo!
LA PONCIA - Mas o que são as coisas! É preciso ver o entusiasmo de Angústias com o noivo.
Na sua idade! Ele também parece muito animado. Ontem meu filho mais velho me contou que
às quatro e meia da madrugada, quando passou pela rua com os bois, eles estavam falando
ainda.
BERNARDA - Às quatro e meia?
ANGÚSTIAS (Entrando.) – Mentira!
LA PONCIA - Foi o que me contaram.
BERNARDA (À Angústias.) – Fala!
ANGÚSTIAS - Faz mais de uma semana que Pepe se vai à uma. Que Deus me mate se eu
minto.
MARTÍRIO (Entrando.) – Eu também o senti partindo às quatro .
BERNARDA - Viste com teus olhos?
MARTÍRIO - Não quis fazê-lo. Vocês não se falam agora pela janela do beco?
ANGÚSTIAS - Falo pela janela do meu quarto.
(Aparece Adela na porta.)
MARTÍRIO - Então. . .
BERNARDA - Que está havendo aqui?
ANGÚSTIAS - Tenho direito de saber de tudo.
BERNARDA - Não tens outro direito que o de obedecer. Não dou ouvidos a ninguém. (À La
Poncia.) – E tu, mete-te lá com os assuntos da tua casa! Aqui não se voltará a dar mais um
passo sem que eu perceba.
(Todas saem)

QUADRO 23

Música “Despertem a Noiva”

Texto

MÃE (entrando) — Até que enfim!


PAI — Somos os primeiros?
CRIADA — Não. Há pouco chegou Leonardo com sua mulher. Correram como o diabo. A
mulher estava morta de medo. Chegaram tão rápido como se tivessem vindo a cavalo.
PAI — Esse aí está procurando desgraça. Tem sangue ruim.
MÃE — E que sangue podia ter? O mesmo da família toda. Vem do bisavô dele, que começou
matando, e continua em toda essa ralé maldita, gentalha de faca pronta e de sorriso falso.
PAI — Não ligue para ele.
CRIADA — Como é que não vai ligar?
MÃE — Isso me dói até na ponta das veias. Olho para cada um deles e só vejo a mão com que
mataram o que era meu. Está me vendo assim? Não pareço louca? Louca, sim, por não ter
gritado tudo o que meu peito precisa. Trago no peito um grito sempre de pé, que tenho de
castigar e esconder entre os mantos. Mas levam os meus mortos, e tenho que calar. Depois, o
povo critica. (Tira o manto.) Quando cheguei para ver meu filho, estava caído no meio da rua.
Molhei minhas mãos no sangue e as lambi, com esta língua. Porque era sangue meu. Você
não sabe o que é isso. Se eu pudesse, guardava a terra encharcada pelo sangue numa jarra
de cristal e de topázios.
PAI — Agora você tem que esperar. Minha filha tem ancas largas, e seu filho é forte.
MÃE — Espero que sim.
PAI — Prepare as bandejas de trigo.
CRIADA — Já estão prontas.
MULHER DE LEONARDO (entrando) — Que sejam felizes!
MÃE — Obrigada.
LEONARDO — Vai haver festa?
PAI — Pouca coisa. O pessoal não pode demorar.
CRIADA — Já estão chegando!
(Todos saem)

QUADRO 24

Texto

(Entra Yerma e arruma a casa).


VICTOR - João está?
YERMA - Está.
YERMA (Chamando.) – João!
VICTOR - Venho despedir-me. (Estremece levemente, mas logo torna a serenar.)
YERMA - Vais com teus irmãos?
VICTOR - Assim o quer meu pai.
YERMA - Já deve estar velho.
VICTOR - Está: muito velho.
(Pausa.)
YERMA - Fazes bem em mudar de campo.
VICTOR - Todos os campos são iguais.
YERMA - Não. Eu iria para muito longe.
VICTOR - Tudo é o mesmo. As mesmas ovelhas têm a mesma lã.
YERMA - Para os homens, sim; mas nós mulheres somos outra coisa. Nunca ouvi dizer a um
homem, comendo: como são boas estas maçãs! Ides ao que é vosso, sem reparardes nas
delicadezas. Por mim, posso dizer: detesto a água destes poços.
VICTOR - Pode ser.
(A cena está numa suave penumbra.)
YERMA - Victor.
VICTOR - Fala.
YERMA - Por que te vais? Aqui, as pessoas te querem.
VICTOR - Portei-me bem.
(Pausa.)
YERMA - Portaste-te bem. Quando eras rapazote, levaste-me uma vez nos braços, não te
lembras? Nunca se sabe o que vai acontecer.
VICTOR - Tudo muda.
YERMA - Algumas coisas não mudam. Há coisas fechadas dentro de paredes, que não podem
mudar porque ninguém as ouve.
(Há uma pausa, os dois estão bem próximos e se olham).
YERMA - Mas se saíssem de repente, e gritassem, encheriam o mundo.
JOÃO (Entra.) – Já estás de partida?
VICTOR (Se afastando de Yerma) - Quero passar o porto antes do amanhecer.
JOÃO - Levas alguma queixa de mim?
VICTOR - Não. Foste bom pagador.
JOÃO (a Yerma.) – Comprei-lhe os rebanhos.
YERMA - É?
VICTOR (a Yerma.) – São teus.
YERMA - Não sabia.
JOÃO (Satisfeito.) – Pois é.
VICTOR - Teu marido há de ver sua fazenda repleta.
YERMA - (Sombria.) O fruto vem às mãos do trabalhador que o procura.
VICTOR - Desejo a esta casa a maior felicidade. (Dá a mão a Yerma.) 38
YERMA - Deus te ouça! Saúde!

(Victor deixa João passar e, a um movimento imperceptível de Yerma, volta-se.)


VICTOR - Dizias alguma coisa?
YERMA (Drástica.) – Disse-te “Saúde”!
VICTOR - Obrigado.
(Saem. Dirige-se rapidamente para a esquerda e apanha um xale e cobrindo a cabeça
rapidamente, sai). (A cena está quase na escuridão. Soam os búzios dos rebanhos.)
Voz (baixa) – Yerma!
Voz (mais alto.) – Yerma!
Voz (imperiosa.) – Yerma!
(Ouvem-se os búzios e as cornetas dos pastores. A cena está escuríssima).

QUADRO 25

Texto

Trecho inicial de Adela e Martírio foi transferido para o início do quadro 29.

(Ao fundo, cruza a cena uma mulher sendo arrastada por homens enquanto grita e pede
socorro).

BERNARDA - Que está havendo?


LA PONCIA ou OUTRO - A filha solteira da Librada teve um filho não se sabe de quem.
ADELA - Um filho?
LA PONCIA ou OUTRO - E para ocultar sua vergonha o matou e colocou debaixo de umas
pedras. Mas uns cães, com mais coração que muitas criaturas, o tiraram, e, como levados pela
mão de Deus, o puseram junto à sua porta. Agora querem matá-la. BERNARDA - Sim, que
venham todos com varas de oliveira e cabos de enxadas, que venham todos para matá-la!
ADELA - Não, não. Para matá-la não.
MARTÍRIO - Sim, e vamos também sair nós todas
BERNARDA - E que pague a que se tornou indigna.
ADELA - Deixem-na escapar! Não saiam daqui!
MARTÍRIO (Fitando a Adela.) – Que pague o que deve!
BERNARDA – Acabem com ela antes que cheguem os guardas! Deitem carvão ardente no
sítio do seu pecado!
ADELA (Com as mãos no ventre.) – Não! Não!
BERNARDA - Matem-na! Matem-na!
(Entra a noiva sozinha e se coloca no meio do palco, Bernarda e as filhas a observam por um
instante e saem).

QUADRO 26
(Começa a tocar uma música, de tempos em tempos ouvem-se conversas e gargalhadas
vindas de fora. A noiva permanece sozinha em cena, parada, sem expressão, seu sofrimento
cresce conforme as pessoas vão surgindo).

Texto

MÃE (Entra e fala no ouvido da noiva, andando ao redor dela) — As bênçãos pesam muito.
Mas não devem pesar. Você tem que ser leve como uma pomba.
(Mãe se coloca no fundo, à esquerda, virada pra direita. A noiva permanece no meio).
MULHER (Entrando) — Espero que seja feliz, minha prima! Os dois, aqui; sem sair nunca e
construindo a casa. Bem que eu queria viver longe assim!
(Vai para o fundo e se coloca à direita, na frente da mãe, olhando pra ela).
CRIADA (Entrando, dando um abraço e um beijo na noiva) - Olhe: lá para a meia-noite, como
vocês não vão dormir mesmo, vou deixar umas fatias de presunto e uns copos grandes de
vinho velho. Na despensa, embaixo. Se precisarem...
(Sai e se coloca atrás da mulher, olhando também para a esquerda)
PAI (Entrando) - Gosto de ver tudo isso. Que mudança para esta casa!
(Vai pra trás da mãe do noivo, de frente para a criada).
(Temos portando um corredor com dois personagens de cada lado, a noiva mais à frente está
no meio dele).
(O noivo entra e passa pelo meio do corredor e vai até a noiva que permanece imóvel).
(O noivo, muito devagar, abraça a noiva por trás, beija seu pescoço e passa a mão por seu
corpo. Ela continua imóvel).
(O noivo sai e se coloca na frente da mãe, virado para a direta).
(Entra Leonardo, rapidamente e abraça a noiva pro trás, repete os mesmos movimentos do
noivo, mas agora a noiva se deixa levar, fecha os olhos, sente prazer).
(Leonardo sai e se coloca do lado esquerdo, de frente para o noivo).
(A música volta a tocar, dessa vez uma percussão intensa se inicia)
(A noiva sai correndo)
(O que antes era um corredor se transforma em uma roda, os atores tiram suas roupas de
casamento e as deixam jogadas no chão, por baixo, vestem roupas cor da pele).
(Entram mais atores para compor a cena)
(Surge Yerma).

QUADRO 28

Texto

(Da roda sai a Velha, a roda avança em Yerma e tira suas roupas, por baixo, também tem
roupas cor de pele).
(Permanece a música alta)
(A Velha anda ao redor de Yerma, passa as mãos por ela, como quem faz uma reza).
(A música para de repente)
VELHA - Agora terás um filho. Podes ter certeza.
YERMA - Hei de tê-lo, por força. Ou não entendo o mundo.
VELHA - Yerma! (Repetindo o tom dos chamados anteriores.)
YERMA - Sei que os filhos nascem do homem e da mulher. Ai, se os pudesse ter sozinha!
VELHA - Pensa que teu marido também sofre.
YERMA - Não sofre, não. O que acontece é que ele não deseja filhos. Vejo-lhe isso nos olhos.
E, como os não deseja, não mos dá. Não o quero, não o quero, e, no entanto, é a minha única
salvação. Por honra e por casta. Minha única salvação.
(Entra João)
JOÃO -. Que fazes neste lugar? Agüento tudo, menos isso. Desde o próprio dia da boda que o
está fazendo. Mirando-me com duas agulhas, passando as noites em claro, com os olhos
abertos, a meu lado, e enchendo de maus suspiros os meus travesseiros.
YERMA - Cala-te!
JOÃO - E eu não posso mais. Porque é preciso ser de bronze para ver-se ao lado de uma
mulher que te quer enterrar os dedos no coração; e que sai de sua casa, em busca de quê?
Dizeme! Procurando o quê? As ruas estão cheias de machos. Nas ruas não há flores para
cortar.
YERMA - Não te deixo falar nem mais uma palavra. Nem mais uma. Sabes que a minha casta
não teve nunca nada que ocultar. Anda. Chega perto de mim e cheira os meus vestidos: vem!
Vê se encontras um cheiro que não seja o teu, que não seja o do teu corpo. Põe-me nua no
meio da praça e cospe-me. Faz comigo o que quiseres, já que sou tua mulher; mas livra-te de
pôr nome de homem em cima dos meus peitos!
JOÃO - Não sou eu quem o põe: és tu, com a tua conduta. E eu não sei o que busca uma
mulher a toda hora fora de casa.
YERMA (Num arranco, abraçando-se ao marido.) – Busco-te a ti. Busco-te a ti, – é a ti que
busco dia e noite, sem encontrar sombra onde respirar. É teu sangue e teu amparo o que
desejo.
JOÃO - Afasta-te!
YERMA - Não me afastes, e une ao meu o teu querer!
JOÃO - (Fita-a e afasta-a bruscamente.) – Deixa-me de uma vez!
(Yerma cai no chão.)
YERMA - (Aos gritos.) – Maldito seja meu pai, que me deixou seu sangue de pai de cem filhos!
Maldito seja meu sangue que os busca aos trancos pelas paredes!
JOÃO - Cala-te, já disse!
YERMA - Deixe-me livre ao menos a voz, agora que vou entrando no mais
escuro do poço. Deixe que do meu corpo saia ao menos essa coisa bela – e que encha os
ares!
JOÃO - Cala-te! (Chuta Yerma que ainda está no chão)
(João sai)
(A roda mais uma vez avança em direção à Yerma e a levanta do chão).
(A música aumenta).

Música

1ª MULHER –
Senhor, que a rosa floresça!
Não fique na sombra presa.
2ª MULHER –
Nesse corpo que se engelha,
floresça a rosa amarela!
No ventre das tuas servas,
a chama escura da terra.
CORO DE MULHERES –
Senhor, que a rosa floresça!
Não fique na sombra presa.
(Ajoelham-se.)

(Yerma está no meio da roda, apenas os homens permanecem de pé)


YERMA –
Senhor, abre um roseiral
nesta murcha carne minha.
(Levantam-se.)
2ª MULHER –
Senhor, acalma esse fogo
de sua face incendida!
YERMA –
Escuta uma penitente
desta santa romaria;
abre em mim a tua rosa,
embora espinhos me firam.
CORO –
Senhor, que a rosa floresça
e não fique em sombra presa.
YERMA
Sobre a murcha carne minha,
a rosa da maravilha!
(Saem as mulheres correndo, com longas fitas nas mãos. As mulheres agitam as fitas ao redor
dos homens).
1 º HOMEM
Ai, tão murcha de amores,
com o vento e a água!
2 º HOMEM
Que diga por quem espera!
1 º HOMEM
Que diga por quem aguarda!
2 º HOMEM
Ai, com seu ventre seco
e a cor tão desmaiada!
(Vão-se a bailar ao som de palmas, com sorrisos).
(Yerma dá mostras de cansaço e vê-se que uma idéia fixa lhe atormenta a cabeça.)

VELHA – A culpa é de teu marido. Mas tu tens pés para abandonares a casa.
YERMA - Abandoná-la? Nunca o faria. Achas que posso conhecer outro homem? Onde pões a
minha honra?
VELHA (Forte.) – Pois continua assim. É do teu gosto. Como os cardos das terras secas,
espinhosa, murcha.
YERMA (Forte.) – Murcha, sim, já sei. Murcha! Não é preciso que me esfregues isso na boca.
(Yerma sai com raiva)
(A música volta. Todos saem).

QUADRO 29

Trecho inicial do quadro 25.

Texto

MARTÍRIO - Agradece ao acaso eu não ter desatado a língua.


ADELA - Eu também teria falado.
MARTÍRIO (Avança contra Adela) - Não o seguirás muito tempo.
ADELA - Hei de tê-lo todo!
MARTÍRIO (Pegando o rosto de Adela) - Eu acabarei com teus abraços.
ADELA (Suplicante.) – Martírio, deixa-me!
MARTÍRIO - Não será de nenhuma!
ADELA - Ele me quer em sua casa!
MARTÍRIO - Vi bem como te abraçava!
ADELA - Mas eu não queria. Foi assim como se me arrastassem por uma corda.
MARTÍRIO - Antes houvesse morrido!
ADELA - Por isso fazes tudo para que eu não me vá com ele. Não te importa que abrace
aquela a quem não ama. A mim também não me importa. Pode ficar cem anos com Angústias,
mas que me abrace te parece terrível, porque também o amas! Também o amas!
MARTÍRIO (Dramática.) – Sim! Deixa-me dizê-lo sem disfarces. Sim! Deixa que o meu peito se
rompa como uma romã de amargura. Eu o amo!
ADELA (Num ímpeto de ternura e abraçando-a) – Martírio, Martírio, eu não tenho culpa.
MARTÍRIO - Não me abraces! Não penses em me abrandar. Meu sangue já não é o teu.
Mesmo que te quisesse ver como irmã, não podia: não vejo mais que a mulher. (Rechaça-a)
ADELA - Aqui já não se pode remediar nada. A que tiver de se afogar que se afogue. Pepe
Romano é meu.
MARTÍRIO - Não admito!
ADELA - Já não suporto o horror desta casa depois de ter provado o gosto da sua boca. Serei
o que ele quiser que eu seja. Todo o povoado está contra mim, queimando-me com seus dedos
de fogo. Sinto-me perseguida pelos que dizem que são decentes. Mas me porei a coroa de
espinhos que se destina àquelas que são amantes de algum homem caso.
MARTÍRIO - Cala-te!
ADELA Sim. Sim. (Em voz baixa.) – Vamos dormir, vamos deixar que se case com Angústias.
Já não me importa. Mas eu irei para uma casa só minha, onde ele me verá quando bem
desejar.
MARTÍRIO - Isso não acontecerá enquanto me restar uma gota de sangue.
ADELA - Não a ti, que és fraca. A um cavalo empinado sou capaz de pôr de joelhos com a
força de meu dedo mindinho.
MARTÍRIO - Não levantas essa voz irritante. Tenho no coração uma revolta que, sem eu
querer, me sufoca.
(Ouve-se um assovio e Adela corre para a porta. Mas Martírio se põe diante dela.)
MARTÍRIO - Aonde vais?
ADELA - Sai da frente!
MARTÍRIO - Passa, se puderes!
ADELA - Afasta-te! (Luta.)
MARTÍRIO (Aos gritos.) – Mãe! Mãe!
(Surge Bernarda. Em anágua, com um xale negro.)
BERNARDA - Fiquem quietas!
MARTÍRIO (Apontando Adela.) – Estava com ele! Olha essa anágua cheia de palha!
BERNARDA - A palha é a cama das malnascidas! (Dirige-se furiosa para Adela.)
ADELA (Enfrentando-a) – Aqui se acabaram as vozes de prisão! (Adela arrebata a bengala das
mãos da mãe e a parte em duas.) – Faço isto com a vara da tirana! Não dê nem mais um
passo. Só Pepe manda em mim.
MADALENA (Entrando.) – Adela!
(Entram La Poncia e Angústias.)
ADELA - Eu sou uma mulher. (À Angústias.) – Fica sabendo, Ele está aí fora, respirando como
se fosse um leão.
ANGÚSTIAS - Meu Deus!
BERNARDA - A espingarda! Onde está a espingarda? (Sai correndo.)
(Martírio a acompanha e não volta).
ADELA - Ninguém poderá comigo! (Vai saindo.)
ANGÚSTIAS - Daqui não sais com esse ar de quem venceu. Ladra! Desonra da nossa casa!
LA PONCIA - Deixa-a! Que se vá para onde não a vejam nunca mais!
BERNARDA (Entrando.) – Atreve-te a buscá-lo agora!
ANGÚSTIAS (Entrando.) – Acabou-se Pepe Romano!
ADELA - Pepe! Meu Deus! Pepe! (Vê o corpo de Pepe sem sair de cena. Reação.)
(Todas saem)

QUADRO 30

Texto

(A criada entra rapidamente; desaparece correndo pelo fundo).


(Ouvem-se guitarras e algazarra.)
(Entra a mulher do noivo correndo e procurando por algo, sai rapidamente)
(Entra o pai da noiva também procurando por algo e sai)
(Entra a mãe do noivo, depois o noivo, a criada e assim se segue, todos procuram por algo que
não encontram, começam a entrar todos ao mesmo tempo, correm pelo palco, ainda a procura
de algo, se esbarram, saem novamente, entram. Conforme a velocidade dos movimentos
aumenta, vão soltando falas, uma atravessando a outra, sem preocupação em entender o que
dizem, as frases vão se repetindo cada vez mais alto. Até que um grito encerra os movimentos.
Pode ser o grito de Adela também).
MULHER — Meu marido passou por aqui?
PAI — Aqui não está!
NOIVO — Como não?
NOIVO — Lá não está.
CRIADA — E a menina, onde está?
MÃE — Mas o que é isso?
MULHER (Gritando, cessando todos os movimentos e falas) — Fugiram! Fugiram! Ela e
Leonardo. No cavalo. Iam abraçados, como um relâmpago.
PAI — Não é verdade! Minha filha, não!
MÃE — Sua filha, sim! Fruto de mãe devassa, e ele, ele também, ele. Mas já é a mulher do
meu filho!
NOIVO (saindo) — Vamos atrás deles! Quem tem um cavalo? (Para o público)
MÃE (Para o público) — Quem tem um cavalo, já, depressa, quem tem um cavalo? Que eu dou
tudo o que tenho, meus olhos e até minha língua...
VOZ — Aqui tem um.
MÃE (ao Filho) — Ande. Atrás deles! Essa gente mata depressa, e bem...
(Sai o noivo, seguido da mulher e da criada)
PAI — Não pode ser ela. Deve ter se atirado no poço.
MÃE — Na água se atiram as honradas, as limpas; essa, não! Mas já é mulher do meu filho.
Chegou outra vez a hora do sangue. Dois bandos. Você com o seu, e eu com o meu. Atrás
deles! Atrás!
(Saem). (Adela busca a corda para sua cena final.)

QUADRO 31

Texto

(Entra João, fica no meio do palco, sozinho).


(Entra Yerma, o abraça, o seduz. Ele ajoelha na frente dela e ela chuta seu peito, ele cai
deitado, ela fica em pé com ele no meio de suas pernas)
YERMA - Murcha, murcha mas segura. Agora, sim, que o sei com certeza. E sozinha! Vou
descansar sem ter de despertar sobressaltada para ver se o sangue me anuncia outro sangue
novo. Com o corpo seco para sempre. Que quereis saber? Não vos aproximei porque matei
meu filho, eu mesma matei meu filho!
(A cabeça de João cai pra trás)

Música “O Amor Daqui de Casa”, cantada por Adela.

(Enquanto Yerma fala, entra Adela no fundo carregando uma cadeira, sobe nela, amarra uma
corda em seu pescoço).
(A luz se apaga, ouve-se o barulho de uma cadeira caindo).
(Todos saem)

Quadro 32 cortado.

QUADRO 33

(Entram, a mãe do noivo, Yerma e Bernarda Alba ajoelhadas no chão, mexem em bacias com
água. Os movimentos vão aumentando e ficando mais violentos com o decorrer da música. A
água se transforma em sangue. Ao fundo, entram todos os atores com roupas pretas e velas
nas mãos, formando uma meia lua).
YERMA — Ai, há quatro rapazes chegando de ombros cansados!
MÃE — Ai, que vêm quatro moços trazendo a morte pelo ar!
TODAS —
Doces cravos,
doce cruz,
doce nome
de Jesus.
BERNARDA — Que esta cruz ampare a mortos e vivos.
(Continuam mexendo no sangue da bacia, até que as luzes se apaguem por completo).

FIM

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