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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE ARTES E LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

SIMPÓSIOS DE ESCULTURA: PROCESSOS DE INTERAÇÃO E


PRODUÇÃO ESCULTÓRICA NA CONTEMPORANEIDADE

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Catiuscia Bordin Dotto

Santa Maria, RS

2016
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SIMPÓSIOS DE ESCULTURA: PROCESSOS DE INTERAÇÃO E PRODUÇÃO


ESCULTÓRICA NA CONTEMPORANEIDADE

Catiuscia Bordin Dotto

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação


em Artes Visuais, Área do Conhecimento em Arte e Cultura, da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM/RS) como requisito parcial para o título de
mestre.

Orientador: Prof. Dr. Lutiere Dalla Valle

Santa Maria, RS, Brasil

2016
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Universidade Federal de Santa Maria

Centro de Artes e Letras

Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação de


Mestrado

SIMPÓSIOS DE ESCULTURA: PROCESSOS DE INTERAÇÃO E PRODUÇÃO


ESCULTÓRICA NA CONTEMPORANEIDADE

elaborado por

Catiuscia Bordin Dotto

como requisito parcial para obtenção do grau de

Mestre em Artes Visuais

COMISSÃO EXAMINADORA:

Lutiere Dalla Valle, Dr.

(Presidente/Orientador)

Rebeca Lenize Stumm, Drª. (UFSM)

Paula Viviane Ramos, Drª. (UFRGS)

Altamir Moreira, Dr. (UFSM- suplente)

Santa Maria,
Março de 2016.
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RESUMO

Este trabalho propõe investigar os Simpósios de Escultura e suas provocações no


campo artístico contemporâneo a partir de uma narrativa autobiográfica. Tendo
em vista que tais Simpósios de Escultura reúnem escultores em residência
artística durante determinado período em torno da produção e discussão de
esculturas públicas, e que tal ação desenvolve-se também em espaços públicos,
o objetivo é analisar como esses eventos constituem-se enquanto espaços de
produção e formação artística, considerando, a partir da narrativa da autora, suas
potencialidades e reverberações no panorama contemporâneo da arte. A
investigação motiva-se na própria experiência da autora e sua inserção neste
circuito de Simpósios de Escultura. A partir dos encontros vivenciados;
percepções e questionamentos singulares que foram emergindo neste trabalho
buscam estabelecer reflexões que dizem respeito aos espaços provocados por
esses eventos. Resgatando a vivência como artista participante e como artista
propositora destes Simpósios, o texto busca refletir, entre imagens e fragmentos
da memória e do diário da autora, como tais eventos se configuram na
contemporaneidade: que aspectos são elencados no que diz respeito as
transformações que provocam em um sujeito envolvido e nas localidades onde
são realizados. Para tanto, o marco teórico-metodológico utilizado constrói-se a
partir da perspectiva narrativa autobiográfica, proposta por Hernandez e Rifá
(2011). A respeito dos Simpósios de Esculturas foram tomadas como referências
Bulhões e seus diversos escritos que tratam de reflexões sobre tais eventos, a
partir de sua vivência e Abreu (2006) que constitui registro histórico sobre os
mesmos. Os escritos do escultor Francisco Gazitua são evidenciados no que diz
respeito aos Simpósios na América Latina, da mesma forma, pela ótica subjetiva.
No que tange a prática artística contemporânea busco em Basbaum (2013)
fomentos para pensar a ação do artista como agente do circuito contemporâneo.

Palavras chave: Simpósios de Escultura. Escultura. Arte Contemporânea.


Trajetória Artística.
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ABSTRACT

This paper aims to investigate Symposiums of sculpture and their provocations in


the contemporary art field from an autobiographical narrative. Given that such
Sculpture Symposiums gather sculptors in artistic residency during a certain period
around the production and public sculptures discussion, and that such action also
develops in public spaces, the goal is to analyze how these events constitute
themselves as production spaces and artistic training, considering, from the author
of the narrative, its potential reverberations in contemporary art scene. This
research is motivated in the author experience itself and her inclusion in the
Sculpture Symposia circuit. From the experienced meetings; perceptions and
unique questions that emerged in this work seek to establish reflections that relate
to the spaces caused by these events. Rescuing the experience as a participating
artist and as an artist proponent of these Symposia, the text aims to reflect,
between images and fragments of memory and the diary of the author; as such
events are configured in contemporary society: what aspects are listed as regards
the changes that cause the subject involved and the locations where they are
performed. Therefore, the theoretical and methodological framework used is
constructed from the autobiographical narrative perspective proposed by
Hernandez and Rifá (2011). Concerning the Sculpture Symposia were taken as
references Bulhões and her various writings that deal reflections on such events,
from her experience and Abreu (2006) constituting historical record on them. The
writings of the sculptor Francisco Gazitua are highlighted in respect of Symposia
in Latin America in the same way, from the subjective perspective. With regard to
contemporary art practice seek in Basbaum (2013) skills to think the action of the
artist as contemporary circuit agent.

Keywords: Symposiums of sculpture. Sculpture. Contemporary art. Artistic


trajectory.
6

LISTA DE IMAGENS

Figura 01 – Autora brincando na areia nas margens do Rio Uruguai, Itaqui(RS).


Acervo Pessoal................................................................................................. 18

Figura 02 – Osterreich – Tisch, 88 x 143 x 425 cm, realizada por Karl Prantl em
1969 em uma edições do Simpósio organizado pelo escultor. Fonte:
http://www.katharinaprantl.at.............................................................................30

Figura 03 – Vista parcial do Parque de Esculturas Guillermo Franco Espinoza, em


Valdívia, Chile, 2014. Acervo Pessoal.........................................................36

Figura 04 – Escultor Gonzalo Tobella finalizando sua escultura em Playa Chica,


Chile, 2014.Fonte: divulgação do escultor por e-mail........................................38

Figura 05 – Autora trabalhando como ajudante em uma das esculturas do I


Encontro Internacional de Escultores de Santa Maria (RS), 2011. Acervo
pessoal...............................................................................................................44

Figura 06 – Integrantes do Grupo Arte Pública, a partir da esquerda: Pablo Fronza,


Juliano Siqueira, Andre Marcos, Catiuscia Dotto e Roberto Chagas, em frente ao
atelier na Gare, Santa Maria Brasil, 2009. Acervo pessoal.................46

Figura 07 – Atuação do Grupo Arte Pública durante a Virada Cultural em 2010,


Praça Saldanha Marinho, Santa Maria(RS)........................................................48

Figuras 08 e 09 – Atuação do Grupo Arte Pública na Virada Cultural em 2009,


Largo da Gare. Santa Maria(RS)........................................................................48

Figura 10 – Grupo Arte Pública no encerramento da Virada Cultural, em 2010.


Santa Maria(RS)................................................................................................48

Figura 11 – Vista geral da mostra (ex)cultura realizada pelo Grupo Arte Pública no
MASM, agosto de 2009. Acervo pessoal.....................................................50
7

Figura 12 – Público visitando a ExpoGare, uma das ações desenvolvidas pelo Arte
Pública no atelier da Gare. Acervo pessoal...............................................51

Figura 13 – Ao fundo Rully, organizador do evento em Cañada de Gomez, Peciar,


artista Uruguaio e eu. Sentado André Marcos e Juliano Siqueira à sua direita,
todos trabalhando na produção das maquetes em isopor, 2012, Cañada de
Gomez, Argentina. Acervo Pessoal .............................................................54

Figura 14 – estudos realizados pelo grupo de artistas em Cañada de Gomez,


Argentina. Acervo Pessoal.................................................................................54

Figura 15 – Trabalho no local de permanência das obras que podem ser vistas
ainda em processo. Cañada de Gomez, Argentina. Acervo Pessoal.................54

Figura 16 – colagem com imagens da experiência em Cañada de Gomez.


Destaca-se a colaboração para executar o trabalho do Peciar; os deslocamentos
que levam a outros encontros, como a visita ao Paseo de las Esculturas, na cidade
de Concórdia; os espaços de convivência, o espaço transformado e os espaços
de trabalho.2012. Acervo pessoal........................................................57

Figura 17 – Escultores participantes do Simpósio em Coyhaique, na primeira noite


do evento. Chile, 2013. Acervo pessoal....................................................58

Figura 18 – A autora finalizando a escultura em Coyhaique, 2013. Acervo


pessoal...............................................................................................................60

Figura 19 – Colagem com imagens do processo na madeira em atelier, 2013.


Acervo pessoal...................................................................................................62

Figura 20 – Colagem com imagens do trabalho coletivo em Coyhaique, Chile,


2013. Acervo pessoal.........................................................................................64

Figura 21 – Pedra bruta a qual entalhei na Bolívia, recebida através de sorteio.


Samaipata, 2014. Acervo pessoal......................................................................67

Figura 22 – Pedra bruta a qual entalhei em Tarija.............................................73

Figura 23 – esboço de forma a ser trabalhada, realizado a partir da forma da pedra,


2015.......................................................................................................73
8

Figura 24 – Armando, meu ajudante e eu, durante o Simpósio em Tarija,


Bolívia,2015. Acervo pessoal.............................................................................74

Figura 25 – Esculturas realizadas no I Encontro Internacional de Escultores de


Santa Maria expostas no Largo da Gare. 2011. Acervo pessoal......................81

Figura 26 – Colagem com imagens realizadas durante o I Encontro Internacional


de Escultores de Santa Maria, 2011. Acervo pessoal.......................................86

Figura 27 – Autora com grupo de escultores no Simpósio de Coyhaique, Chile,


2013, Acervo pessoal........................................................................................90

Figura 28 – Grupo de escultores a partir de Rosana Modernell (de joelhos), em


sentido horário, Stefano Sabetta, Roberto Chagas, Catiuscia Dotto, Luiz Albayay,
Gonzalo Tobella, Wicha Mastronardi, Andres Figueroa, Jaime Lopez, Marco Soto
e Carlos Vargas, em horário de almoço, no XIX Simpósio Internacional de
Escultura de Valdívia, 2014, Acervo pessoal.....................................................91

Figuras 29 e 30 – O público observa o trabalho dos escultores no I Simpósio


Internacional de Escultura em Madera, realizado na Plaza de Armas no centro da
cidade de Coyhaique, Chile, 2013, Acervo pessoal...................................100

Figura 31 – Criança interagindo com a obra do escultor italiano Stefano Sabetta,


realizada no III Simpósio Internacional de Escultores de Santa Maria enquanto
esta ainda encontrava-se exposta no Largo da Gare, 2015. Acervo pessoal...102

Figura 32 – Escultura realizada durante o IV Simpósio Internacional de Escultores


de Santa Maria, pelo artista boliviano Luis Fernando Chumacero. A imagem
registra os primeiros momentos após sua instalação na Av. Medianeira, Santa
Maria, 2016. Acervo pessoal.................................................................110

Figura 33 – Arlindo Arez, Open to Love, 2011, Arenito, 2 x 1,10, 1,20 m, Escultura
realizada durante o I Encontro de Escultores em Santa Maria e instalação em
frente ao Museu de Arte da cidade. Acervo pessoal........................................112

Figura 34 – Canteiro na Rua Alberto Pasqualine, Santa Maria, antes da instalação


de escultura....................................................................................117
9

Figura 35 – José Miguel Carcamo, Sem título, 2015, mármore, 1,10 x 0,80 x 0,60
m,. Escultura realizada no III Simpósio Internacional de Santa Maria. Acervo
pessoal.............................................................................................................117
10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

1 – PRIMEIROS ENCONTROS 18
1.1 O percurso que leva ao encontro 19
1.2 A escultura no espaço público – breves apontamentos 23
1.3 Simpósios de Escultura 28

2 – TRAJETÓRIA PESSOAL DE AÇÃO 44


2.1 O Grupo Arte Pública 45
2.2 Memórias de um percurso iniciado 52
2.2.1 O cimento: experiência primeira de deslocar 52
2.2.2 A madeira: encontrar-se 58
2.2.3 A pedra: desafiar-se 65
2.2.4 É mais fácil mover escultores do que mover esculturas 74
2.3 Simpósio Internacional de Escultores de Santa Maria: uma história pela
perspectiva da artista proponente 82

3 - ESPAÇOS PROVOCADOS 90
3.1 Espaço de estar e de encontrar 91
3.2 O público encontra a arte e o artista 96
3.3 O artista provoca o próprio circuito 103
3.4 A paisagem redesenhada 111

CONSIDERAÇÕES 119

REFERÊNCIAS 126
11

INTRODUÇÃO

“Este vagar sin rumbo por


nuestra América me ha cambiado mas de
lo que crei. Yo ya no soy yo; por lo
menos no soy el mismo yo interior”

Ernesto Guevara, retirado do


filme Diários de Motocicleta

Nos primórdios o homem foi nômade, vagava pelo mundo em busca de


sanar suas necessidades, as quais diziam respeito às questões de sobrevivência.
Historicamente, em determinado momento, os homens passam a estabelecer
lugares específicos para viver, porém, não abandonam o “perambular”. A
necessidade de deslocamento territorial – por sua vez, podendo ser considerada
um instinto primitivo do ser humano – se faz presente em pleno século XXI. Para
suprir esse desejo, a humanidade foi capaz de desenvolver as mais diversas
ferramentas que encurtam o tempo das distâncias geográficas. Se o homem
primata percorria o território em busca de alimento para sua sobrevivência, nesta
escrita vou tratar de um percorrer em busca de experiências para a existência.

Antecipo que o que mobiliza minha trajetória investigativa neste trabalho


parte do interesse pelos Simpósios de Escultura. A relação com esses eventos,
como artista participante e como organizadora, levou-me a inquietações que
fomentam a reflexão sobre os mesmos quanto espaços de ação artística na
contemporaneidade. Busco, a partir das experiências vivenciadas, tecer relações
e reflexões a respeito da realização destes eventos. O objetivo é discutir e analisar
os Simpósios de Escultura e suas potencialidades quanto espaços de formação e
interação artística, a partir de minhas vivências e percepções narradas. Dessa
forma proponho uma contextualização destes simpósios no cenário artístico
contemporâneo, constituindo-se enquanto circuito de arte e pensando suas
reverberações para o artista e para a comunidade. A questão geradora de toda a
reflexão gira em torno de como estes eventos se constituem enquanto espaços de
formação e interação artística na atualidade. Proponho pensar a partir do que são
os Simpósios de Escultura e que transformações e desdobramentos sua
12

realização sugere. Que transformações provocam nos sujeitos envolvidos, ou


seja, nos artistas e no público? Como prolongam-se no lugar onde ocorrem? Como
me constituo quanto artista, em constante processo formativo, a partir de minha
experiência nesse contexto? Que espaços provocam no cenário contemporâneo
da arte, no que diz respeito à produção escultórica, à formação artística, à criação
de redes de produção e ação, à reflexão?

Através de uma narrativa autobiográfica, reaproximo-me dos


deslocamentos vivenciados durante minha trajetória no campo das Artes Visuais,
evidenciando, a partir da minha experiência de vida, alguns aspectos da produção
artística contemporânea dentro dos Simpósios de Escultura, refletindo estes
espaços coletivos de produção como espaços da minha formação enquanto
artista. Para chegar a esta memória mais recente de minhas vivências, é
necessário resgatar aspectos iniciais da minha formação que levaram à este
caminho.

Uma investigação de caráter biográfico narrativo, nas palavras de


Hernández e Rifá (2011, p.7) “significa falar não de si, mas a partir de si ” e assim
desafiar-se a transitar entre a subjetividade e a objetividade dentro do campo da
pesquisa científica. Estou disposta ao desafio de apresentar um relato de vida que
possua importância social para o campo das artes, pois concordo com o que
afirma Reed-Danahay (in Hernandez e Rifá, 2011) quando diz que “os modos de
escritura pessoais e autobiográficos são vitais para a produção de conhecimento
nas ciências sociais”. Adotar essa perspectiva metodológica, para Brokmeier (in
Hernandez e Rifá, 2011, p.15) “significa interpretar e reconstruir experiências
significativas, colocando-as em relação com os discursos sociais do nosso tempo”
possibilita trazer à tona, através de fragmentos da memória e outros registros, a
experiência vivenciada, elucidando questões de origem nos processos de
subjetivação, possibilitando contextualizá-la com as reflexões contemporâneas. É
importante ter em vista que as formas de escrita devem estar vinculadas às
emoções da experiência narrada, permitindo uma visualização que para os
autores significa que “a troca de fontes, a introdução de narrativas visuais, não
possuem um caráter de adorno, mas sim um caráter de mostrar como se
estabelecem os diferentes planos do relato” (Hernandez e Rifá, 2011, p.15)
13

Assim sendo, utilizo também fragmentos de relatos oriundos dos meus


diários os quais foram realizados ao longo de toda a trajetória, especialmente
durante as viagens para participar de Simpósios. De acordo com Zabalza (2004,
p.137) “Não é a prática por si mesma que gera conhecimento. No máximo permite
estabilizar e fixar certas rotinas. A boa prática, aquela que permite avançar para
estágios cada vez mais elevados no desenvolvimento profissional, é a prática
reflexiva.” E é através dos relatos apreendidos e reinterpretados nos diários que
se pode olhar para a prática e repensá-la; configurá-la como uma narrativa, tendo
em vista que “o que temos escrito é mais fácil de contar e compartilhar do que o
que simplesmente sabemos, pensamos ou sentimos” (Zabalza, 2004, p.29). Os
diários, por fim, constituem em documentação desta prática, relatando, na maioria
das vezes, emoções e percepções as quais o tempo não permite permanecerem
com total vigor na memória.

Deste relato da experiência pretendo estabelecer um diálogo com a arte


pelos atravessamentos que a prática me propõe. O enfoque principal são os
Simpósios de Escultura como espaços de legitimação de minha investigação no
campo das artes, através dos quais posso elencar situações referentes à forma
como o estar em coletivo e o estar trabalhando em público, e ainda, em um
determinado espaço de tempo, geram transformações na constituição enquanto
artista e, portanto, investigadora. Assim, a discussão que proponho a partir da
minha experiência é sobre a produção em arte dentro de um Simpósio de
Escultores no sentido de refletir a respeito de que ação artística é esta e quais são
as transformações que o processo em coletivo sugere no processo criativo
singular. Desta forma, refletir sobre as percepções e relações provocadas nos
artistas e no público a partir desta ação e, como este espaço dialoga com as
demais produções da arte na contemporaneidade.

Entre transcrições de meu diário e imagens revisitadas, elementos que


narram os fatos, busco construir um texto poético, ao mesmo tempo em que
reconstruo a experiência vivida. Esse texto, embora o considere resultado de uma
pesquisa em arte, não fala diretamente de meu trabalho plástico, mas sim, da
experiência no coletivo que impulsiona minha produção. Mais especificamente da
experiência dentro dos Simpósios de Escultura nos quais atuo como organizadora
e como artista participante. Para tanto, resgatam-se fragmentos e reflexões de
14

experiências pessoais dentro destas práticas articulando diálogos e possibilidades


de análise reflexiva. Este resgate e suas percepções buscam elencar pontos
fundamentais da constituição dos Simpósios, pretendendo analisar a
potencialidade destes eventos enquanto espaços de interação, produção e de
formação artística no contexto da Arte Contemporânea. Por fim, constituem uma
escrita que rememora um processo iniciado, o qual, embora eu considere iniciante,
já constitui uma década de ação.

Para Manen (2003, p. 51) “Realizar una investigación en un sentido


fenomenológico representa ya, imediatamente y siempre converter algo en
discurso”, porém, esse trabalho em algum momento parecerá um memorial das
ações, através das quais se desenvolve a investigação, pois “A arte não é
discurso, é ato. A obra se elabora através de gestos, procedimentos, processos,
que não passam pelo verbal e não dependem deste” (CATTANI, in BRITES e
TESSLER, 2002, p.37). Neste interim, Cattani segue falando sobre a característica
plástica da obra de arte. No meu caso não falo exatamente da obra, mas do
processo no qual ela é desenvolvida. E este processo está permeado pela
interpretação, pela memória, pela mirada do outro, pela inserção em outros
contextos, pela relação indivíduo/coletivo. Está impregnada pelo afeto.

Considerando que “para o artista a obra é ao mesmo tempo um “processo


de formação” e um processo no sentido de processamento, de formação de
significado, penso que ocorre justamente nessa borda, “entre procedimentos
diversos, transpassados por significações em formação e deslocamentos, que se
instaura a pesquisa” ( REY, in BRITES e TESSLER, 2002, p.126). Os processos
de instauração de uma obra, bem como a experiência processual do artista, em
constante (trans)formação são o objeto de investigação de uma pesquisa em Artes
Visuais, onde, segundo a autora, é mais importante encontrar questionamentos
do que respostas.

Tendo em vista que meu ponto de partida na realização desta investigação


requer examinar meu próprio percurso, faço uso de abordagens metodológicas
que permeiam processos biográficos narrativos na construção desse trabalho.
Desta forma, fragmentos de sensações e ações, simbolizados por imagens e
textos resgatados, reconstituem a experiência vivida, considerando que
15

[...] investigações impregnadas de práticas não são apenas agregadas à


vida de alguém, mas são a própria vida deste, de modo que “quem se é
torna-se completamente emaranhado naquilo que se sabe e faz... Aqui,
pesquisa já não é mais percebida a partir de uma perspectiva científica
tradicional, mas sim de um ponto de vista alternativo, onde investigar é
uma prática viva intimamente ligada às artes e à educação. (DIAS e
IRWIN, 2013 p.28)

Neste contexto de pesquisa em arte ligada à vida, esta investigação elabora


uma perspectiva singular dos Simpósios de Escultura. A escrita e a imagem
constituem elementos que buscam apontar o contexto que é narrado e oferecem
pistas para uma reflexão sobre o mesmo, conduzindo à resignificá-lo, tendo em
vista que, assumir a prática de contar aquilo que foi vivido, é colocar-se perante o
desafio de que:

(...) podemos decir que la esencia o la naturaleza de una experiência


habrá sido descrita adecuadamente mediante el lenguaje, si la
descripción nos permite hacer revivir o nos muestra la calidad y
significación vivida de la experiência de un modo más completo y
profundo (MANEN, 2003, p. 29 )

Isto significa atuar no limiar entre apenas contar ou realmente propor uma
investigação dos fenômenos narrados, privilegiando a singularidade da
experiência. Conforme MANEN (2003, p.29) “La ciência humana fenomenológica
es el estúdio de los significados vividos o existenciales; pretende describir e
interpretar estos significados hasta um certo grado de profundidad e riqueza”.
Portanto, se não passamos da descrição não encontramos a essência dessa
experiência que, ao ser narrada já está sendo interpretada a partir da perspectiva
singular, mas que em sua natureza se materializa no coletivo. E quando narrada,
é sua essência o ponto de partida para o outro sujeito interpretar, questionar,
analisar, reelaborar, etc. Embora, seja preciso reconhecer o quanto é difícil
desprender-se de uma escrita rigidamente esquematizada, tanto quanto outros
trabalhos nessa linha metodológica.

De Moraes Silveira (2015) na abertura de sua tese, a qual se constitui de


uma narrativa autobiográfica, apresenta um convite em que sugere ao leitor uma
16

experiência com o texto próxima à vivenciá-lo como em uma conversa junto aos
participantes. Nesse “convite” a autora traduz a perspectiva metodológica
instaurada na narrativa pessoal, evidenciando os elementos constitutivos de sua
escrita, como imagens e relatos pessoais, propondo, ao leitor um diálogo, ou seja,
uma não-passividade na leitura.

Minha narrativa ainda se desenvolve com uma certa rigidez, como se, a
cada linha escrita uma censura fosse instaurada, talvez pelo temor de tornar a
mesma apenas um relato pessoal. Porém, as imagens que apresento, em grande
parte do texto provenientes de arquivo pessoal, constituem parte dos registros
guardados de todo o meu processo. E devo confessar que, o número de registros
imagéticos supera, de forma inigualável, qualquer outra forma de registro.
Algumas imagens existem no corpo do trabalho acompanhadas de relações
tecidas pela linguagem textual. Outras, compartilham minha memória, talvez de
uma forma muito mais digna do que eu poderia escrever. Certas imagens apenas
apresentam paisagens que, talvez, para o leitor mais formal, não tenham sentido
dentro do texto, porém, fazem parte do meu trajeto e, de alguma forma, me
tocaram. É importante ter ciência de que praticamente toda a escrita se
desenvolve a partir de imagens removidas em uma gaveta de guardados (na
contemporaneidade isso corresponde à um HD externo, já os diários são
tradicionais, manuscritos em diferentes tipos de papel.). Considerando que as
narrativas que as imagens contém “nos permitem a compreensão de processos
relacionados à tessitura de conhecimentos e significações, dentro das múltiplas
redes cotidianas em que estamos atuando e criando, ‘praticando’”. (ALVES, 2009,
p.12 in DE MORAES SILVEIRA, 2015, p. 20).

Segundo Canton, Walter Benjamim assim define o narrador:

[...] o narrador seria igualmente a figura de um trapeiro, o catador de


sucata, esse personagem das grandes cidades que recolhe os cacos, os
restos, os detritos. Movido pela pobreza, mas também pelo desejo de
não deixar nada se perder, nada ser esquecido, o narrador sucateiro não
tem por alvo recolher grandes feitos: deve apanhar aquilo que é deixado
de lado, como algo sem muita significação, que parece não ter nem
importância nem sentido, algo com que a história oficial não sabe o que
fazer. (CANTON, 2011, p.28)
17

O exercício ao qual me comprometo em narrar diz respeito ao recolher entre


minhas memórias os “restos” e recriar um significado. Dessa coleta, tecer uma
narrativa. Se na Arte Contemporânea a memória é resgatada, é vasculhada para
a criação poética, como afirma Canton (2011, p.21) “A memória, condição básica
de nossa humanidade, tornou-se uma das grandes molduras da produção artística
contemporânea, sobretudo a partir dos anos 1990”. Como investigadora no campo
da arte permito-me vasculhar a memória de minha trajetória artística para a
construção da narrativa. Trazer à tona a memória de todo o processo artístico
pode ser compreendido da mesma forma que um artista ao evocar a memória no
campo das artes, quando:

Implica a construção de um lugar de resiliência, de demarcações de


individualidade e impressões [...] É também o território de recriação e de
reordenamento da existência – um testemunho de riquezas afetivas que
o artista oferece ou insinua ao espectador, com a cumplicidade e a
intimidade de quem abre um diário. (CANTON, 2011, p. 22)

Desta maneira, tecer essa narrativa a partir da ação de revisitar minha


trajetória dentro dos Simpósios de Escultura conduziu-me para uma reflexão a
respeito de meu processo artístico. Contribuiu para tomar consciência do sujeito
agente dentro do campo das artes o qual me constituo enquanto artista e enquanto
pesquisadora. Pensar a própria prática configura-se, neste caso, em um registro
de ações artísticas que se originam na cidade de Santa Maria, onde inicio minha
formação e minha produção e que passa a reverberar em outros contextos da
América Latina. O texto que segue, materializa e recolhe informações que dizem
respeito a momentos da arte, nestes contextos. As ações que descrevo na Cidade
de Santa Maria, tratam de um registro histórico a respeito das Artes Visuais nessa
cidade. As narrativas que compõem os Simpósios de Escultura tratam de um
contexto, a realização dos simpósios, sobre a qual pouco existem referências. As
abordagens realizadas narram tais assuntos de uma perspectiva interna e
singular; porém, constituem-se em documentação para futuras investigações que
digam respeito aos mesmo.

O texto, portanto, está organizado em três partes. Cada uma destas partes
é inaugurada com uma imagem, compondo um conjunto que diz respeito ao meu
18

processo formativo, dentro de uma cronologia. Estas três partes poderiam muito
bem ser denominadas três fases, relacionando cada espaço do texto com um
espaço de vida. À primeira corresponde aquela que é a experimentação curiosa,
os sabores das descobertas que nos maravilham e que muitas vezes acontecem
por acaso. O trilhar o caminho sem medo, entregando-se, acontece nessa primeira
fase, na qual apresento de onde parti. Um resgate dos primeiros encontros com a
arte referenciado no relato de outros artistas que também buscaram, em suas
origens, ponto de partida para o desenvolvimento de suas pesquisas, em variados
âmbitos e contextos. Além do encontro com a arte, também o encontro com o tema
dos Simpósios, o que sugere a necessidade de uma breve contextualização sobre
os mesmos. São ainda raras as referências bibliográficas que tratam ou analisam
os Simpósios de Escultura em nosso contexto. Desta maneira, os primeiros
passos para a construção deste trabalho consistiram na busca por referenciais
que auxiliassem uma compreensão estrutural e histórica de tais eventos.

A segunda parte é permeada pela experimentação da primeira, pelas


descobertas. Trata-se de continuar de maneira produtiva o caminho; parte desta
escrita constitui-se da experiência. Construo um memorial de minhas
participações em Simpósios de Escultura, narrativa a qual remete a diversos
aspectos que dizem respeito à produção escultórica nesse contexto. Apresento o
Simpósio Internacional de Escultores de Santa Maria a partir da perspectiva da
organização; inserindo-me no processo, articulando a experiência de quem
organiza e de quem percorreu alguns simpósios, com aspectos da produção
contemporânea em arte. Transcorre um diálogo entre a minhas vivências e as
reflexões que utilizo para legitimar e ampliar as questões conceituais e
metodológicas abordadas. Existe uma identificação evidente com o discurso de
Basbaum (2013), especialmente quando ele trata dos demais papéis do artista na
contemporaneidade.

Por fim, a terceira trata de uma reflexão a partir dessa experiência narrada.
Busca compreender, dentre os aspectos apontados na narrativa, quais são
pertinentes de discussão, considerando questões que dizem respeito aos
Simpósios de Escultura quanto processos formativos para os artistas, quanto
espaços de relações que afetam ou não o processo criativo de cada participante,
quanto proposta que estabelece uma relação singular entre arte e comunidade.
19

Consiste ainda em apresentar uma análise de como se constituem os Simpósios,


tendo em vista aspectos evidenciados na narrativa. Essa análise perpassa pelo
ambiente de encontro, sendo assim, o caráter de residência, interação e
deslocamento que estabelecem esses eventos. Da mesma forma, considerando a
proposta de encontro do público com a arte e com o artista; evidenciando seus
aspectos relacionais ao que o público presencia como prática artística.
Contextualizando tais ações no cenário da Arte Contemporânea.
20

PRIMEIROS ENCONTROS

“Década de 1980, não sei precisamente o ano, mas acredito


que 84 ou 85... às margens do Rio Uruguai, o mesmo que no
futuro cruzaria diversas vezes para modelar a forma; com a arte
transformar a alma...

Figura 01: Autora brincando na areia nas margens do Rio


Uruguai, Itaqui(RS). Acervo Pessoal
21

1.1 O percurso que leva ao encontro

“Quando criança, minhas brincadeiras se traduziam em organizar as casas para minhas


bonecas. O fazia com pedras e construções em argila coletada após a chuva. O tempo passava
de uma forma que eu nem percebia, até a noite, neste devaneio de construir objetos sonhados
com esses materiais. E no final, as bonecas nunca habitavam tais espaços, o lúdico estava no
construir. A parte destes momentos, estão frescas em minhas memórias as tardes percorrendo
com carros, também feitos de pedras, os caminhos desenhados na areia. Sempre tive meu
próprio monte de areia no quintal de casa. É da infância que surge a essência do que faço
atualmente em arte. ”1

Na solidão a criança pode acalmar seus sofrimentos. Ali ela se sente filha do cosmos,
quando o mundo humano lhe deixa a paz. E é assim, que nas suas solidões, desde que se torna
dona dos seus devaneios, a criança conhece a ventura de sonhar, que será mais tarde a ventura
dos poetas. (BACHELARD, 2009, p. 94)

É ainda na infância que, de forma não racional, talvez nos definamos


artistas. E qualquer pessoa envolvida com o ato de criar poderia realizar esse
retorno ao ponto de origem, na infância, buscando referências daquilo que produz.
Louise Bourgeois (1911 – 2010) descreve claramente o nascimento do seu
processo escultórico: “Comecei a modelar ainda criança, na mesa de jantar, como
artifício para ficar na minha, numa época em que crianças eram supostamente
para ser vistas, não para serem ouvidas” (Bourgeois, 2000, p. 92) É através de
sua produção escultórica que a artista se faz ser ouvida, no seu trabalho grita tudo
o que por muito tempo calou dentro de si mesma.

Richard Serra (1939) relata uma experiência determinante de quando tinha


quatro anos de idade e seu pai o levou ao estaleiro, onde trabalhava, para ver a
inauguração de um navio:

[...] quando chegamos o cargueiro coberto de aço preto, azul e laranja,


estava equilibrado num poleiro. Ele era desproporcionalmente horizontal
e, para um menino de quatro anos como eu, tinha as laterais grandes
como um arranha-céu. Eu me lembro de passear ao redor do casco com
meu pai e olhar a enorme hélice de cobre, espiando através dos
suportes. Então, numa lufada repentina de atividade, as estacas, as

1
Fragmento retirado do diário da autora. Diário realizado a partir da participação nos Simpósios de
Escultura.
22

vigas, as placas, os postes, as barras, os blocos da quilha, toda proteção


foi removida; os cabos foram cortados, as correntes foram soltas, as
travas foram abertas.... À medida que a estrutura de apoio foi desfeita, o
navio começou a se mover para baixo, ao longo da calha, em direção do
mar... O navio havia passado por uma transformação: de um enorme
peso morto para uma estrutura brilhante, livre, flutuante e à deriva... O
peso é um valor para mim. (SERRA, 2014, p.147)

Não apenas o peso deste navio é elemento presente na obra de Serra.


Suas esculturas, contendo algumas toneladas de aço, encontram-se à deriva,
flutuando em espaços urbanos. Estão ali, à espera da interação, para que possam
proporcionar ao público a mesma experiência e frenesi que Serra relata terem
sentido as pessoas que celebraram o navio pela primeira vez em movimento.
Talvez essas esculturas, formadas por grandes chapas de aço, buscam provocar
nas pessoas a mesma impressão de imensidão que o artista, quando criança, teve
ao olhar a estrutura imóvel do cargueiro. O próprio artista confessa: “Toda a
matéria-prima de que eu precisava está contida no reservatório dessa lembrança”
(Serra, 2014, p.232).

Robert Smithson (1938 - 1973) afirma em uma entrevista que, no porão da


sua casa, durante sua infância, seu pai construiu uma espécie de museu natural,
com fósseis e conchas. Esses elementos eram trazidos dos mais variados lugares
por onde viajavam, e afirma que viajavam muito:

[...] para lugares diferentes. Logo depois da guerra, em 1946, fomos para
o Oeste eu tinha uns oito anos de idade. Foi um período impressionante.
Eu comecei a me envolver na coleta (de fósseis e conchas) naquele
momento. Estava interessado no campo, em coisas naturalistas, à
procura de insetos, pedras e tudo. (SMITHSON,1972)

O artista segue, afirmando que essas experiências da infância se


relacionam com o trabalho que vinha desenvolvendo “de uma forma engraçada eu
acho que não há uma diferença entre o que eu sou agora e minha infância”
(SMITHSON, 1972).

Ao contato com esses relatos retomo minhas memórias para encontrar em


cada ação do passado aquilo que sugere o que venho fazendo atualmente em
arte. A escolha pela área da escultura não poderia ser diferente. Sempre gostei
23

do contato com a terra, quase como uma necessidade vital, e da mesma forma
buscava desenvolver minhas próprias construções; fossem elas os brinquedos
improvisados, ou mesmo propostas mais ousadas, como as fracassadas
tentativas de construir outros objetos. Para Bachelard:

Sonhamos enquanto nos lembramos. Lembramos enquanto sonhamos.


Nossas lembranças nos devolvem um rio singelo que reflete um céu
apoiado nas colinas. Mas a colina recresce, a enseada do rio se alarga.
O pequeno faz-se grande. O mundo do devaneio da infância é grande,
maior que o mundo oferecido ao devaneio de hoje. Do devaneio poético
diante de um grande espetáculo do mundo do devaneio da infância há
um comercio de grandeza. Assim, a infância está na origem das maiores
paisagens, nossas solidões de criança deram-nos as imensidades
primitivas. (BACHELARD, 2009, p. 96)

Seguindo este pensamento, propor-se ao devaneio poético exige


envolvimentos antes não necessários para o devaneio infantil. Não existe a
mesma liberdade, e é preciso construir um caminho que o permita. E é preciso
buscar referências que o orientem e espaços que o legitimem. Muitas vezes é
preciso construir, na força do coletivo, estes espaços.

A partir de minha formação em escultura surge a necessidade do coletivo.


Estar com outros sujeitos me parece inerente ao fazer escultórico. Foi assim que
aprendi. É essa a necessidade que tenho. Passei a constituir, junto com outros
dois colegas escultores, o Grupo Arte Pública2. Esta ação de pertencer ao coletivo
permitiu que continuasse minha investigação no campo das artes. Foi através
deste coletivo que tive conhecimento da existência de eventos os quais reuniam
escultores para produzir obras públicas. Foi também neste coletivo que nasceu a
motivação em realizar um evento semelhante na cidade de Santa Maria, bem
como, de passar a fazer parte deste circuito.

2 O Grupo Arte Pública é um coletivo formado pelos escultores Catiuscia Dotto, Roberto Chagas e
Andre Marcos os quais vivem na cidade de Santa Maria/RS onde os mesmos dividem um atelier
na antiga Estação Férrea e desenvolvem projetos artísticos e culturais, entre eles o Simpósio
Internacional de Escultores de Santa Maria. No decorrer do texto retomaremos o surgimento e
importância deste coletivo para meu processo formativo, bem como trataremos especificamente
da história deste evento.
24

No ano de 2011 realizamos em Santa Maria o I Encontro Internacional de


Escultores3. Em julho de 2012, juntamente ao grupo, ocorreu minha primeira
experiência em participar como escultora de um Simpósio, durante o 7º Encuentro
Internacional de Escultores, em Cañada de Gómez, na Argentina. Neste momento,
passei a participar de alguns eventos de escultura em países da América Latina.
No ano de 2013 participei do I Simpósio Internacional de Escultura en Madera –
Patagônia , em Coyhaique, Chile. Em 2014 estive no XIX Simpósio Internacional
de Escultura, na cidade de Valdívia, Chile, no 4º Simpósio Internacional de
Escultura – Concórdia, na Argentina e IV Bienal Internacional de Escultura en
Piedra, Samaipata, Bolívia. Em 2015 participei do I Encuentro de Escultura en
Piedra Masamaclay, em Tarija, também na Bolívia e do 10º ARCART Encuentro
de Escultores em Palmar, no Uruguai. Além de organizar na cidade de Santa Maria
mais três edições do Simpósio Internacional de Escultores, em dezembro de 2013,
e janeiro e dezembro de 2015. A partir dessas experiências intensificaram-se os
encontros, e o percurso que vinha sendo construído dentro do campo artístico
tornou-se também territorial.

O termo percurso refere-se, segundo o dicionário HOUAISS (2011, p. 715):


“1. Ação ou efeito de percorrer. 2. Espaço percorrido 3. Movimento 4. Caminho,
giro trajeto em geral” Já o termo esculpir possui os seguintes significados:
“1.Cinzelar, entalhar, lavrar figuras ou ornamentos em matéria dura: Esculpir uma
estátua. Esculpiu-a no mármore. 2 Modelar em argila ou cera a representação
de. 3 Deixar impresso, esculpir uma inscrição; gravar”. Nesta narrativa, tanto
percurso quanto esculpir estão propostos como ação. É neste movimento que me
permito, ao percorrer essa trajetória por diferentes lugares, dar continuidade à
minha formação artística, em constante processo de transformação. Assim como
penso que vou “imprimindo inscrições”, no ato de esculpir a matéria, ao mesmo
tempo vou percebendo que os encontros desse percurso vão “gravando” em mim
suas inserções. São as participações nestes eventos que permitem e motivam
minha produção em escultura, assim como o trabalho dentro do atelier acontece
impulsionado pela oportunidade de um novo Simpósio.

3Evento realizado de 08 a 16 de dezembro de 2011, onde foram convidados cinco escultores da


Argentina, Portugal, Uruguai e Brasil para produzirem esculturas em pedra arenito que hoje
encontram-se instaladas no Centro Integrado de Cultura Evandro Behr.
25

É neste percurso que me estabeleço enquanto artista e investigadora no


campo das artes. Este deslocamento geográfico provoca um desacomodar das
percepções pré-estabelecidas. Origina novas reflexões, ao mesmo tempo em que
amplia minha rede de relações humanas tangenciadas pela arte. Traçar um
percurso, encontrando outras pessoas que atuam com arte em outros contextos,
conduz a repensar as ações no nosso próprio contexto, a perceber diferentes
formas de realizar o trabalho artístico e o trabalho de produção cultural. É no
compartilhamento com outros indivíduos que se percebem as diferenças, e a partir
da reflexão a respeito destas diferenças que se pode construir uma aprendizagem.
Embora ainda consista tímida experiência dentro deste circuito, já acenam
questionamentos em busca de entendê-lo como ação artística na
contemporaneidade. Estar em movimento e estar em contato com o outro, em
distintas situações, geraram transformações significativas. e permanecem
produzindo modificações, mesmo quando situo-me no ponto de partida por estar
à espera de um próximo encontro. Tais modificações dizem respeito ao meu
processo artístico, o qual encontra-se em constante reelaboração, e ainda na
maneira de pensar como produção cultural. As relações estabelecidas dentro do
circuito conduzem a um processo de aprendizagem, observando as diferenças
nas formas de ação, não restringindo-se a apenas o seu próprio contexto.

1.2 A escultura no espaço público – breves apontamentos

A escultura, uma das mais antigas manifestações artísticas desenvolvidas


pelo homem, teve no processo histórico das artes o espaço público como seu
território. Na contemporaneidade esta prática, de ocupar o espaço público,
estende-se a outras diversas manifestações artísticas. Mas a escultura ainda
permanece como presença matérica no cotidiano das cidades. É importante, neste
momento inicial, estabelecer uma reflexão sobre a presença da escultura no
espaço público no contexto da contemporaneidade, com um sentido de
contextualizar a ação narrada e discutida. Pensando que os Simpósios de
26

Escultura são processos de instauração dessa presença, o que vou tratar mais
adiante, é importante entender historicamente as manifestações públicas da
escultura, bem como, pensar nas configurações de financiamento que levam a
arte ao cotidiano das cidades. O que apresento é um recorte deste contexto, com
alguns exemplos de financiamento de arte pública, podendo existir outros
aspectos aqui não citados.

Segundo o escultor chileno Francisco Gazitua (1944), há cerca de 30 ou 40


mil anos atrás o homem inicia sua interferência no espaço; essas primeiras
interferências são escultóricas, o espaço era todo público4: “Quando o primeiro
homem pré-histórico colocou três pedras sobre um morto, começou a escultura.
Muito antes da música ou da poesia, muito antes que o homem fosse homem”
(GAZITUA, 2006, p.96). Para Gazitua, este continua sendo o espaço da escultura
“Um escultor deve aceitar que a sua relação com as pessoas será sempre arcaica.
Um a um. Sem pressa. Em uma temporalidade sem tempo” (GAZITUA, 2006,
p.96) e afirma que esta relação acontece “na praça”.

Na contemporaneidade, especialmente a partir das décadas de 1960 e


1970, essa presença da escultura no espaço público vem se modificando. Ao
analisarmos a escultura pública historicamente, teremos grandes períodos em que
permaneceu aliada à arquitetura, como elemento desta. É o caso de quase toda
a manifestação escultórica da Idade Média. No Renascimento a escultura volta, a
exemplo da Antiguidade, a existir de forma espacialmente autônoma. É no século
XIX que ocorre uma proliferação de monumentos escultóricos, como nos afirma
Wittkower (2001, p.243): “quando nos voltamos para a escultura do século XIX,
vem à mente uma série infindável de monumentos históricos dos mais vulgares”
Essa “febre estatuária”, como denomina Gazitua (2006), invade a América Latina
onde sua prática se prolonga pela primeira metade do século XX. Isto ocorre
devido a muitas escolas de arte latino-americanas serem, ainda nesse momento,
academias com programas idênticos ao da escola de Belas Artes de Paris, como
exemplo a escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, no Brasil e a Escola de Artes
da Universidade do Chile, naquele país. Para perceber essa influência, um

4Pensamos o espaço público como todo o lugar livre para a circulação de público. Tomamos
como definição de Arte Pública aquela arte que não apenas está no espaço público, mas que
está exposta para um público involuntário, conforme ALVES, 2010.
27

exemplo denso é percorrer algumas cidades do Uruguai e logo evidenciar a


presença desta estatuária em suas praças; bustos, figuras equestres e imagens
comemorativas, ligadas à história, sobrevivem imponentes no espaço público.

É na segunda metade do século XX que começam a ocupar tal espaço


propostas distanciadas dessa ideia apresentada pela estatuária como monumento
das classes dominantes. Surgem as primeiras esculturas públicas abstratas, e
ainda a ideia de antimonumento5. É também nesse período que temos o conceito
da escultura no campo expandido, teorizada por Rosalind Krauss (1985) e que
define o espaço e o tempo como novos elementos do trabalho. Podemos tomar
como exemplos as manifestações minimalistas de Donald Judd (1928 -1994), que
propunha uma nova relação corpo/espaço a partir da introdução do objeto
matérico; Robert Morris (1931), que apresenta o tempo como elemento das
“ações” de seus objetos e ainda a Land Art, quando artistas como Robert Smithson
realizam interferências em paisagens as quais devem ser “penetradas” para existir
de fato uma experiência estética a partir da “obra”. (KRAUSS, 2001)

Precedendo estas manifestações, Constantin Brancusi (1876 -1957)


instaura entre 1937 e 1938 um conjunto escultórico na cidade romena de Tirgu
Jiu, composto por A coluna infinita, A porta do Beijo e A mesa do Silêncio. Essas
três peças, segundo Tucker:

[...] apontam para um papel radicalmente novo para a escultura, cuja


forma e estrutura seriam ordenadas não mais por referência ao mundo
externo, ou pelo universo ideal e estático “do objeto”, mas pela
articulação direta da percepção do espectador, em cujo mundo a
escultura penetrou. (TUCKER,1999, p.142)

Assim, para Tucker, inaugurando uma proposta escultórica no espaço


público, a qual caminha em direção à abstração, mas que ao mesmo tempo refere-
se à objetos do cotidiano, resignificando elementos utilitários, o escultor
estabelece uma nova relação entre a escultura e os transeuntes desse espaço

5 O antimonumento vai opor-se ao monumento, deslocando a forma e a função do ato de


comemorar, propõe uma nova forma plástica de o fazer. Por exemplo o Judenplatz Holocaust
Memorial em Viena; onde a escultura refere-se àqueles que não foram os vitoriosos, é realizada
para memorar um fato que não foi heróico, ao contrário do tradicional monumento. (ALVES, 2011)
28

público. Nessa nova relação, a experiência do público já não será a de


contemplação.

Podemos entender que, em um processo paralelo à essa abstração da arte


pública, a mesma vivencia uma redução do financiamento através de
encomendas, como historicamente acontecia. Alguns escultores buscam, então,
novas formas de permanecer nesse espaço das ruas e praças, em contato com o
público. É na década de 1980 que surgem as grandes coleções corporativas de
arte, nos EUA e na Inglaterra, devido a políticas tributárias desses governos que
facilitam às empresas a aquisição de obras de arte. Segundo Chin- Tao Wu (2006)
é o setor imobiliário que investe na aquisição de esculturas, então “uma forma de
arte que não tem a preferência da maioria dos colecionadores”, com o objetivo de
qualificar seus imóveis. Como nos coloca a autora:

A inclusão de arte em um imóvel não acrescenta valor ao edifício em


termos de aumento imediato do valor do aluguel. Mas havia a noção de
que essa oferta se aliava a um aumento da facilidade de lançamento de
um imóvel, cujas recompensas eram vistas em termos de facilidade de
promoção e de uma maior rapidez de aluguel ou venda. (WU, 2006, p.
265)

É com esta iniciativa que tais coleções corporativas de fato ocupam os


espaços públicos. Embora espaços públicos privatizados, estão acessíveis à um
grande número de pessoas, mesmo que não se permita um acesso
verdadeiramente democratizado.

As políticas tributárias de aquisição de obras de arte estendem-se em


diversos países no século XX. E muitas se destinam especialmente a colocação
de arte em espaços públicos6 onde existe investimento privado e contrapartida de
isenção tributária por parte de prefeituras. Segundo Alves (2011) os Estados
Unidos concentram o maior número destes programas. Na Alemanha, como forma
de reconstrução do país após a Segunda Guerra Mundial, o próprio governo se
responsabilizou em destinar uma porcentagem de suas construções para

6É importante ressaltar que, ao contrário dos monumentos do século XIX, onde os escultores
deveriam realizar um trabalho a partir de um tema comemorativo, essas novas políticas permitem
que obras autorais sejam incorporadas aos espaços públicos.
29

programas de instalação de arte no espaço público, movimentando assim a


economia cultural e valorizando a produção dos artistas. Barcelona possui um
grande acervo ao ar livre, que ocupa as ruas da cidade e foi constituído com o
objetivo de qualificar os espaços urbanos. Na América Latina e em especial no
Brasil esse processo de comissionamento encontra-se atrasado em relação aos
países citados. Existem algumas iniciativas nas cidades de Recife, Vitória, Belo
Horizonte, Florianópolis e em Porto Alegre, onde é obrigatória a inserção de obra
de arte em edificações maiores que 1000 metros quadrados. Essa obra, que não
necessariamente uma escultura, deve ter caráter público no sentido de que seja
visualmente acessível às pessoas que não utilizam tal edificação.

Em Porto Alegre especificamente podemos enumerar a Bienal de Artes


Visuais do Mercosul, que em 2015 realizou sua 10ª edição, como órgão
financiador de esculturas públicas. A 1ª Bienal realizada em 1997 criou o Jardim
de Esculturas no Parque Nacional da Marinha onde foram instaladas mais de dez
esculturas de caráter permanente. Na 4ª edição, no ano de 2003 foi instalada em
espaço público uma obra do artista gaúcho Saint Clair Cemin (1951) e em 2005,
na realização da 5ª Bienal foram realizados quatro grandes esculturas públicas
que funcionam como mobiliários urbanos na orla do Guaíba. Para Alves (2006, p.
27) “Essa característica da Bienal do Mercosul em deixar obras de arte como um
dos legados de cada mostra é sui generis em se tratando de um evento no
universo de tantas bienais pelo mundo” evidenciando a relação deste evento
temporário com o cotidiano da cidade.

Laranjo (2010) em seu mapeamento sobre esculturas públicas na cidade


de Algarve, em Portugal, confirma serem os Simpósios de Escultura o grande
fenômeno de produção de obras públicas do século XXI, percebendo, no local
investigado, um crescimento progressivo de esculturas no espaço público a partir
desses eventos.

Os Simpósios de Escultura são uma nova forma de arte no espaço público,


pois, antes das esculturas realizadas estarem permanentemente habitando esse
espaço, existe a produção das mesmas, que ocorre também às vistas do público.
É um novo contato proposto, o do artista em seu processo de criação e execução
com o público. Como nos coloca Laranjo:
30

[...]os participantes não dialogam apenas entre si, o trabalho que


desenvolvem é dirigido aos espectadores que se relacionam com os
escultores enquanto estes produzem as obras. O objetivo principal
destes eventos tem sido o de estabelecer um intercâmbio de informações
entre produtores e usufruidores de arte, promovendo a criação de
espetáculos cujo resultado permanece no local da sua realização e com
o qual o não artista se relaciona com maior facilidade, uma vez que
participou e pode até ter tido intervenção na sua concretização.
(LARANJO, 2010, p. 11)

Embora para muitos escultores os Simpósios de Escultura tenham sua


maior força na ação que se desenvolve durante o evento, tendo em vista o
intercâmbio com outros artistas, com outras culturas e com o próprio público,
dentro do espaço de residência que se permite, o fato é que esses eventos geram
um patrimônio de obras públicas para os locais onde acontecem. Tais acervos, a
forma como se constituem e como permanecem, merecem uma problematização.
É preciso pensar em questões que investiguem se os artistas que participam de
Simpósios teriam outra oportunidade de realização de uma escultura em grande
escala, como as que esses eventos permitem. Ainda, se essas cidades onde tais
eventos acontecem, financiariam obras públicas pensadas desde o atelier dos
escultores e quais critérios se utilizaria para definir a temática ou mesmo a estética
destas obras, caso não fossem realizadas em um Simpósio? Como se instaura
essa proposta de realização de esculturas públicas a partir de Simpósios, nos
aspectos que envolvem a arte pública na contemporaneidade?

1.3 - Simpósios de Escultura

Dentro deste contexto da produção escultórica, podemos perceber uma


ênfase das relações da escultura com o espaço e com o tempo, quando a
escultura deixa de ser um objeto apenas e passa elaborar o espaço e/ou o tempo
como elementos, então, de uma proposta tridimensional. É neste ínterim que
31

proponho pensar os Simpósios de Escultura quanto ações artísticas que também


possibilitam uma experiência através da presença, no que diz respeito à relação
do público com a arte. Para tanto, é pertinente compreender a estrutura e a
natureza de tais ações, as quais, embora tenham sempre suas especificidades
locais, trazem como esfera principal a reunião de escultores em torno da produção
de obras públicas em um processo que acontece em espaço público. Portanto,
trata agora de entender afinal o que são Simpósios de Escultura?
A palavra Simpósio significa “uma reunião de pessoas que, durante um
período de tempo tratam de um tema específico a fim de alcançar avanços em sua
elucidação.” (Houaiss, 2011, p. 863) e geralmente os presentes são especialistas
no assunto a ser discutido. Atualmente este termo é utilizado com um caráter
acadêmico, e além dos especialistas, pessoas não especializadas podem
participar assistindo às discussões. Porém, a palavra simpósio origina-se de
sumposium, que do grego significa banquete, festim, afinal, as discussões
intelectuais na Grécia antiga eram precedidas por banquetes com vinho e música.
Nos Simpósios de Escultura, aliados à discussão do tema, está intrínseco
o fator social de convivência que sugere o “banquete” e ainda, a discussão teórica
do tema acontece aliada à prática escultórica. Nancy Camillis assim define os
Simpósios de Escultura:

[…] um encontro de escultores convidados que vivem e trabalham em


conjunto por várias semanas para produzir peças individuais que serão
exibidas ou permanentemente instaladas gerando um ambiente
escultural, como um parque de esculturas ou um centro de arte. 7
(CAMILLIS apud Abreu 2006, p. 3)

Segundo Abreu (2006) o mais antigo Simpósio de Escultura do qual se


tem registro aconteceu na Áustria, no ano de 1959. Organizado pelo escultor Karl
Prantl (1923 -2010), este que pode ter sido o primeiro a acontecer, no modelo
semelhante aos que acontecem atualmente, reuniu doze artistas em uma pedreira;
“A pedreira se tornou tanto estúdio como espaço de exposição. As mãos
entrelaçadas se ajudavam, a experiência e o diálogo caiu em solo fértil. Isto foi

7
Tradução nossa para “a gathering of invited sculptors who live and work together for several weeks to
produce individual finish pieces that are exhibited or permanently installed in a sculptural setting, like a
sculpture park or an art center.”
32

seguido por Simpósios em todo o mundo, em muitas formas e formulações


diferentes”8

Figura 02: Osterreich – Tisch, 88 x


143 x 425 cm, realizada por Karl
Prantl em 1969 em uma edições do
Simpósio organizado pelo escultor.
Fonte: http://www.katharinaprantl.at

É difícil situar como, a partir dessa primeira experiência, os Simpósios de


Escultura difundiram-se por outros países e tomaram a dimensão que hoje
possuem, acontecendo simultaneamente em todos os continentes. Também é
uma tarefa complexa mapear todos esses Simpósios. Portanto, busco neste

8
Tradução da autora para trecho do site http://www.katharinaprantl.at/bildhauersymposion/index.html
acesso em 28/02/2015.
33

momento, estabelecer uma concepção de como constituem-se a partir de


exemplos específicos, descrevendo aqueles nos quais participei acrescentados
de outros que determinam-se por sua importância histórica, restringindo-me aos
que ocorrem na América Latina.
Os Simpósios de Escultura, também chamados de Bienais de Escultura ou
ainda de Festivais9, consistem em eventos que acontecem em diversos países os
quais reúnem escultores por determinado período na cidade sede com a finalidade
de produzir esculturas. Posteriormente, as esculturas em geral são destinadas a
localizações em espaços públicos, e um dos aspectos mais relevantes é que esta
produção sempre ocorre em espaços de acesso ao público. Assim sendo, Abreu
(2005, p. 26) define que: “[...] são ateliers abertos reunindo artistas, empresas e
poderes públicos que têm constituído momentos privilegiados de encontro e de
confronto de experiências e de técnicas, a nível internacional”. Segundo Bulhões,
estes se estabelecem como uma rede artística autônoma, interligada por seus
participantes:

Ela é constituída por um grande número de eventos, de pequeno, médio


e grande portes, realizados em diferentes regiões do mundo, em zonas
rurais, como Rachana, Aubazime ou Morittzburg, em pequenas vilas
como Sam Blasen, Vadodara ou Obera, ou mesmo em grandes cidades,
como Guadalajara, Santiago ou Changchum. Cada um desses
Simpósios tem seu calendário particular, em geral anual; alguns já estão
na décima oitava edição, outros não passam de uma ou duas.
(BULHÕES, 2013, Você conhece essa rede de arte?, p.1)

A forma como os escultores são escolhidos, o número de participantes, o


período de tempo em que acontece e os materiais utilizados são diferentes de
acordo com cada Simpósio e geralmente vinculados a forma de financiamento,
também variável. Existem algumas organizações que selecionam os artistas

9
“Simpósios de Escultura” é a denominação utilizada quando o evento sugere acontecer anualmente. Para
o mesmo formato também encontramos a denominação Encontro de Escultores, porém, para alguns
artistas esta segunda expressão não remonta ao evento a mesma importância da primeira tendo em vista
que o termo “simpósio”, como vimos, caracteriza a reunião de especialistas em determinado assunto a
reunir-se para discuti-lo enquanto que “encontro” refere-se apenas ao ato de encontrar-se, o que pode ser
casual. ( HOUAISS, dicionário Conciso, 2011). O termo “Bienais de Escultura” refere-se aos eventos que
acontecem em intervalos de dois anos. Geralmente a denominação “Festivais” é utilizada para eventos em
neve, gelo ou fogo Em qualquer das nomenclaturas a estrutura básica do evento permanece. Neste
trabalho usamos o termo Simpósios de Escultura referindo a reunião de escultores em torno da produção
de esculturas em espaço público.
34

através de convite, pressupondo um prévio conhecimento do currículo deste


artista. Outras, abrem editais de seleção, de forma que qualquer escultor possa
concorrer com o seu projeto. As formas de financiamento destes eventos
geralmente definem-se a partir do poder público, existindo casos onde a iniciativa
privada assume parcial ou integralmente. Os propositores, em alguns casos, são
escultores, de maneira individual ou coletiva, que buscam parcerias financeiras;
ou então, próprios agentes da administração pública através do setor da cultura
ou do turismo. O recurso investido está diretamente ligado ao número de artistas
participantes e o período de permanência para a produção, tendo em vista que o
artista é financiado durante este período pelo órgão propositor do evento. Em
alguns casos o artista ainda recebe o pagamento das despesas com transporte e
um pro labore.
Os materiais disponibilizados para a produção das esculturas geralmente
são aqueles tradicionalmente utilizados: pedra, madeira, ferro, além de outros
materiais como cimento e fibra de vidro. Muitas vezes dizem respeito à demanda
de material de cada localidade, outras vezes, permanece vinculado às
possibilidades financeiras do evento. Existem Simpósios nos quais a proposta é
trabalhar com elementos da própria paisagem, resultando, algumas vezes, em
produções efêmeras10, embora a maioria esteja destinada a permanência em
espaços públicos.
O que define a relação entre todas essas manifestações, permitindo uma
análise que as delimitem como uma ação artística, é o fato de que, em todos os
Simpósios, os escultores são reunidos em uma espécie de residência, e
conduzidos a produzir em um espaço de relação com o público. Trata-se do
objetivo de produzir esculturas públicas em lugares de acesso onde a comunidade
que sedia pode acompanhar, dia após dia, o desenvolvimento do fazer destes
trabalhos, que posteriormente irão habitar o cotidiano da cidade. É relevante
pensar sobre as relações que fomentam entre os sujeitos envolvidos e o caráter
de ação artística destas no cotidiano, o que talvez não perpasse de forma
consciente aqueles que as propõem. Neste aspecto relacional, encontra-se a
importância desses eventos quanto ambientes de formação artística ao

10
As produções efêmeras geralmente dizem respeito aos trabalhos realizados com neve, gelo, fogo ou
interferências na paisagem ligadas ao conceito de Land Art.
35

possibilitarem para o escultor a saída de seus contextos e do atelier fechado,


levando o processo criativo ou a execução do mesmo, para o público.
Francisco Gazitua (2006) define os Simpósios de Escultura, ao mesmo
tempo em que, também os situa como o retorno da escultura aos espaços públicos
na década de 1970, agora sem o caráter de monumento que acompanhou essa
linguagem durante todo o século XIX, da seguinte maneira:

[...] os simpósios foram nessa época, para mim e todos os escultores, o


primeiro passo para o trabalho em escala maior ocupando a paisagem
ou a cidade. Constituíram as instâncias iniciais onde nos juntamos a
compartilhar teoria e prática durante um tempo prolongado. (GAZITUA,
2006, p.102)

Nessa colocação o escultor salienta três pontos de relevância na


compreensão destas propostas: a possibilidade de produção de esculturas em
escala monumental, a escultura e a sua relação com o público e o ambiente de
interação entre artistas.

Os Simpósios constituem-se atualmente como importantes espaços de


produção em termos de arte para o espaço público, em muitos dos contextos onde
acontecem. Levam a este espaço poéticas contemporâneas, pois a escolha dos
projetos a serem executados ocorre de forma horizontal, seja ela realizada por
uma equipe de organizadores, ou estabelecida a critério do próprio artista, que
selecionado elege o projeto a executar. Conforme Abreu (2005, p. 280) os
simpósios proporcionam esculturas para o espaço público “[...] no âmbito de um
formato inovador, menos limitador da criatividade artística e propiciador do
intercâmbio de experiências”. Portanto, se democratiza o acesso das diversas
investigações plásticas no espaço público dentro de suas diversidades e
singularidades. Desconstituindo, dessa forma, aquela ideia de que esculturas
colocadas em espaços públicos possuem estéticas ou temas pré-definidos por
aqueles que as financiam.

Isabel Laranjo (2010), em seu estudo sobre a escultura pública na região


de Algarve, em Portugal, enfatiza que, em grau comparativo, a presença de obras
em espaço público, após a evidência dos Simpósios, tornou-se mais diversificada,
nos termos que antes apenas escultores locais acabavam por desenvolver
36

esculturas, ao passo que através dos eventos, permite-se ter esculturas de artistas
de diversos países nas ruas. E desta maneira define:

Os simpósios de escultura, acontecimentos inéditos no Algarve,


sucederam-se e promoveram encontros em que artistas de todo o mundo
se reuniram para a realização e produção de obras em pedra. A maioria
das peças foram construídas em tempos paralelos, resultado da
atividade de inúmeros escultores trabalhando ao mesmo tempo, num
mesmo espaço, imaginando e concretizando projetos que transportam
influências estéticas de tantas proveniências do mundo quantas são as
terras de origem dos autores. (LARANJO, 2010 p. 156)

Na América do Sul os Simpósios mais antigos ainda em atividade são a


Bienal do Chaco (1988) na Argentina e o Simpósio Internacional de Escultura de
Valdivia (1996) no Chile. Registros apontam para outros que ocorreram, nessa
mesma época, no Chile. Maria Amélia Bulhões escreve suas percepções em
vivenciar o I Simpósio Internacional de Escultura en La Ciudad Empresarial, no
ano de 1998 onde a ação dos escultores era exatamente a de afirmar a escultura
como viva, existente, e abrir o diálogo desta linguagem artística com as pessoas
e no espaço público:

Buscan recuperar su espacio investigativo, estabeleciendo diálogos con


la arquitetura, con el paisaje y con los transeuntes, de modo que sus
obras se ubiquem entre lo construído y lo vivido. Desarollando el
sentimiento de una presencia inestable en el cuerpo del processo
creativo, estos artistas contribuyen para poner en crisis las convenciones
de la escultura objeto y abren un espacio para que nuevas formas
simbólicas puedan llegar a ser validadas aún en este fin de siglo”
(BULHÕES, 1998, p.1)

No ano de 1992 foi realizado aquele que provavelmente tenha sido o


primeiro Simpósio a acontecer no Chile, também na cidade de Santiago, o I
Simpósio Ibero-Americano e Caribenho. Sobre o qual nos escreve Gazitua:

Fue un grande intercâmbio de ideas guiado por Maria Amélia Bulhões


(Brasil), y donde participaran los escultores Irineu Garcia (Brasil), Carlos
Medina (Venezuela), José Ramon Villa Soberón (Cuba) y Sebastián y
Hernán Dompé (Argentina), algunos europeos y muchos chilenos, entre
los cuales me contaba, junto a Félix Maruenda (ya falecido), Ximena
Rodriguez, Marcela Correa y otros jóvenes, ahora profissionales
(GAZITUA, 2006, p. 91)
37

Afirmando que após esta realização iniciou-se o desenvolvimento de um


circuito de escultores a atuarem em escala monumental. Gazitua certamente foi
um dos precursores na organização de Simpósios na América do Sul. Por ter
vivido muitos anos na Europa e ter participado desses eventos naquele continente,
ao voltar para seu país o descreve como um lugar onde a escultura não estava:
“Me fue a vivir entre sus piedras y desde allí mire mi ciudad de Santiago. Habia
crescido al doble, poblada por gente amable que, parecia, no haber escuchado
nunca la palabra escultura” (GAZITUA, 2006, p. 101)

O Simpósio Internacional de Escultura de Valdívia, realizou no ano de 2016


sua 21º edição, sendo o Simpósio que há mais tempo vem sendo realizado de
forma ininterrupta (anualmente) no continente Latino Americano, e a partir do qual
muitos outros surgiram, especialmente no Chile. No ano de 1996 aconteceu pela
primeira vez organizado pela Sociedad Amigos Del Arte e pela Corporación
Cultural Municipal. Nesse momento reuniram-se dez escultores, entre chilenos e
os convidados Jorge Gamarra da Argentina e Carlos Medina, da Venezuela.
Desde então, anualmente o evento reúne aproximadamente dez escultores,
durante uma semana do mês de fevereiro, entre chilenos e estrangeiros. No site
da Corporación Cultural, onde encontramos um rápido histórico desse simpósio,
existe uma ênfase na relação da arte com o público como objetivo central do
evento:

El encuentro escultórico es un esfuerzo del municipio y su Corporación


Cultural por acercar una disciplina artistica a la comunidad, superando
los espacios formales para el arte y llevandola a una dimensión pública
y cercana con la gente, sobre la base del trabajo in situ y la observación
directa11

Inicialmente os escultores trabalharam apenas em madeira, mas aos


poucos outros materiais foram disponibilizados, como o metal e a pedra. As
esculturas, realizadas durante essas quase duas décadas, tomam conta de
diversos espaços urbanos da cidade de Valdívia, porém, a maior concentração

11
Simpósio De Escultura, Disponível em http://www.ccm-valdivia.cl. Acesso em 07 de dezembro de 2014.
38

está no Parque Saval, compondo o Parque de Esculturas Guillermo Franco


Espinoza, onde é possível visitar mais de uma centena de esculturas, junto à
paisagem verde, de autoria de escultores das mais diversas nacionalidades.

Figura 03: Vista parcial do Parque de


Esculturas Guillermo Franco
Espinoza, em Valdívia, Chile, 2014.
Acervo Pessoal

Um exemplo que contrapõem a trajetória já consolidada em Valdívia e


comprova que novas propostas permanecem surgindo é o Simpósio Internacional
de Escultura en Madera – Patagônia, realizado na cidade de Coyhaique, na
Província de Aysén. Este é um dos mais jovens simpósios chilenos, realizado
pela primeira vez no ano de 2013 quando reuniu na Plaza de Armas da cidade,
durante uma semana, oito escultores do Chile, Argentina, Uruguai e Brasil. Em
fevereiro de 2016 aconteceu sua terceira edição. O Simpósio de Coyhaique é um
exemplo no qual a iniciativa parte de artistas, pois é promovido pelo jovem escultor
Simon Jimenez (1983), a exemplo de outros que vivenciou no seu país e pela
ausência que sentia deste tipo de ação no extremo sul do Chile, onde passou a
viver há alguns anos. Ao contrário de Valdívia, as esculturas deste Simpósio
39

permanecem expostas em um espaço cultural no Centro da Cidade, de forma


temporária. Outro fator importante a destacar é o fato de o Simpósio acontecer na
praça principal da cidade, modificando o cotidiano através da presença dos
escultores de diversas nacionalidades e suas barulhentas motosserras. Enquanto
em Valdívia dezenas de artistas enviam projetos para serem executados em
madeira, pedra ou metal, a partir dos quais são selecionados; em Coyhaique o
próprio organizador do evento convida artistas para trabalhar com a madeira.

O Primer Encuentro Independiente Nano Land Art- Povera, também


realizado no Chile, é ainda mais recente que o citado anteriormente, porém, a
relevância em citá-lo está no caráter de trabalho que propõe. Tratou-se de um
encontro local no qual cinco escultores chilenos se reuniram, a partir de convite,
de 20 a 23 de outubro de 2014, na localidade de Playa Chica, Laguna Verde,
cidade de Valparaíso. A proposta foi interferir na paisagem a partir do que a própria
natureza possibilitava. Este é um dos poucos eventos de escultura na América
Latina que promove a interferência na paisagem e resulta em propostas efêmeras.
As palavras de seu idealizador, Gonzalo Tobella, permitem aproximar-se do
espírito deste evento:

Amigo mio. He dedicado muchas horas para producir un pequeño


simposio , muy local, no exento de problemas y sin financiamiento. Pese
a ello, salió adelante. Cinco personas alojadas en mi casa de playa, muy
pequeña, y muy cerca de ésta, nos reunimos durante cinco días a crear
con el paisaje. La tendencia en particular es Land Art , una
manifestación que intenta una conexión simple , cercana en equilíbrio
con el entorno y nuestras geografías interiores.12

O evento aconteceu de maneira informal, não foram solicitadas


autorizações legais aos órgãos governamentais para sua realização, não havendo
também a disponibilidade de financiamento por parte de alguma instituição. Foi
uma ação desenvolvida de forma autônoma por seus participantes. Toda e
qualquer divulgação ocorreu após a finalização do Simpósio, realizada por seus
participantes e direcionada à rede de escultores à qual mantém contato, deixando
como registro da experiência algumas imagens fotográficas e vídeos.

12
E-mail enviado pelo escultor Gonzalo Tobella a autora em 22 de novembro de 2014. Imagens do mesmo
podem ser vizualizadas em um pequeno vídeo de divulgação no link http://vimeo.com/110748925
40

Figura 04: Escultor Gonzalo


Tobella finalizando sua escultura
em Playa Chica, Chile,
2014.Fonte: divulgação do
escultor por e-mail

Estes exemplos buscam apresentar a diversidade na estrutura que permeia


estes eventos, no que diz respeito a quem os propõem e suas intenções, bem
como as formas de financiamento e materiais que são disponibilizados.

Entretanto, é na Argentina que acontece o evento mais antigo ainda em


atividade da América do Sul, a Bienal Internacional de Esculturas da cidade de
Resistência na província do Chaco. Devido à grande quantidade de esculturas já
realizadas – em torno de 600 – a cidade de Resistência leva o título de Ciudad de
las Esculturas. Iniciado no ano de 1988, quando da realização do Concurso
Nacional de Escultura en Madera, o evento passou a ser trienal por algum tempo
e desde 1998 passou a uma realização Bienal, reunindo artistas de diferentes
nacionalidades. Os materiais também mudaram, da madeira, utilizada nas
primeiras edições, atualmente se produz em aço inoxidável ou pedra. Diferente
41

dos demais simpósios apresentados, a Bienal del Chaco tem um caráter


competitivo, determinando que, além do pro labore recebido por cada escultor,
são distribuídos prêmios. Outra característica é o fato de a cada edição existir um
tema a partir do qual devem ser elaborados os projetos.

Este caráter competitivo da Bienal, também mantido em outros eventos


semelhantes é contestado pela maioria dos escultores, pois modifica o objetivo
original de um simpósio de escultura, que consiste em criar redes de colaboração
e intercâmbio entre os artistas além de promover uma aproximação desta
manifestação artística, a escultura, com o público. Em caráter competitivo, onde
geralmente o público deve escolher o vencedor, acredita-se que perde-se a
percepção de que cada escultor desenvolve uma investigação singular, e que
todas possam coexistir, enfatizando o entendimento de que “uma coisa precisa
ser melhor que a outra”. A imposição de um tema para a realização da escultura
também é outro fator que gera polêmica entre os escultores, os quais, por sua vez,
preferem desenvolver livremente suas próprias poéticas.

A Bienal del Chaco, como popularmente é conhecida, alcançou um ápice


quanto evento artístico o qual poucos dos demais Simpósios citados possuem.
Toda a comunidade envolve-se em seu acontecimento, que é cercado por uma
vasta programação artística e cultural. Realizada pela Fundação Urunday,
instituição que objetiva promover a arte e a cultura na região, a Bienal Del Chaco
recebe financiamento da UNESCO.13 Este reconhecimento se deve ao longo
período em que a mesma vem acontecendo, o que acaba por envolver os diversos
setores da comunidade de forma mais intensa.

Outra Bienal vem tomando força no contexto Sul Americano e passando a


ocupar um lugar de grande importância para o cenário, é a Bienal Internacional de
Escultura en Piedra, promovida desde 2008, na Bolívia, pelo Museu Nacional de
Arte.14 Surge a partir da realização do Simpósio de Escultura en Piedra, no ano
de 2007, na cidade de Tiwanaku, onde se reuniram vinte escultores Bolivianos e
Peruanos. O objetivo deste Simpósio foi de perceber-se capaz, quanto instituição,
de realizar uma Bienal. E assim, já em 2008, na mesma cidade aconteceu a

13
Dados disponíveis em http://www.bienaldelchaco.com/ acesso em 08 de dezembro de 2014.
14
Memória de la piedra, La paz: Museo Nacional de Arte, 2011.
42

primeira edição. Uma particularidade desta Bienal é o seu caráter itinerante; a


cada edição é escolhida uma nova cidade boliviana para ser sede e a organização
é compartilhada entre o Museu e instituições culturais da cidade. Assim, além de
Tiwanaku aconteceu também em Tupiza, Tarija e a última na cidade de
Samaipata, em novembro de 2014. Outra característica importante deste evento
é que fomenta diretamente a formação de artistas. A organização remunera alunos
de artes para atuarem como ajudantes, os quais visualizam a possibilidade de
futuramente participarem como escultores.

Um último exemplo a se referir é o ARCART Encuentro Internacional de


Escultores, realizado há dez anos na localidade de Palmar, Municipalidade de
Soriano, no Uruguai. Por sua vez, o encontro de Palmar tem sua origem na
intenção de uma pessoa não relacionada diretamente à arte. Um policial que, na
sua juventude, propôs a criação de um encontro a partir do qual as pessoas
pudessem trocar experiências através de suas práticas artísticas. O encontro é
peculiar, em relação aos demais apresentados, especialmente pelo número de
pessoas que reúne dentro de determinado tempo. Todos os anos, no começo do
mês de abril, uma semana depois do feriado da páscoa, em torno de uma
centena15 de escultores se reúnem durante três dias. Entre essa centena de
pessoas permeiam as mais distintas trajetórias artísticas, desde estudantes de
arte, autodidatas, artesões e grandes nomes da escultura uruguaia, consolidados
internacionalmente. Outra peculiaridade deste encontro é que são intercaladas
edições nas quais, um ano a proposta é apenas a discussão teórica, possuindo
um painel de falas que vão desde assuntos técnicos até discussões a respeito da
escultura na contemporaneidade; no outro a proposta é prática e grupos de
artistas executam esculturas com os mais diversos materiais.

Reafirmo que é complexo realizar um mapeamento destes eventos em toda


a América Latina, o que também não consiste no objetivo deste estudo. Essa não
deixa de ser uma tarefa pertinente para o registro histórico das manifestações
artísticas contemporâneas, tendo em vista que a fonte de informação são registros
geralmente vinculados à divulgação dos eventos, e que, as poucas publicações

15
No ano de 2014 foram mais de 90 escultores participantes, esse número foi crescente a cada edição
segundo os relatórios fornecidos pela organização do evento.
43

existentes são de âmbito local. A história dos Simpósios de Escultura é uma


história que necessita ser escrita, não exatamente neste momento. Descrever
alguns desses eventos consiste em uma forma de visualizar sua estrutura geral e
algumas especificidades que se repetem em todo o circuito. Existe, na realização
destes simpósios, uma estrutura básica que se reinventa em cada lugar onde
acontece.

No Brasil não existe uma tradição tão forte na realização destes eventos
comparando a países como Chile e Argentina, nos quais, como vimos, acontecem
desde a década de 1980. Destaca-se aqui, de forma sucinta, um pequeno
panorama, que busca evidenciar algumas realizações em nosso país. O mais
antigo do qual se encontra registros foi realizado de 29 de julho a 09 de agosto de
1998 na cidade de São Caetano do Sul (SP). Na ocasião reuniram-se 19 artistas
de 12 países16 para realizar esculturas monumentais em aço inox. Não existem
disponíveis grandes registros sobre este evento, ao que tudo indica, aconteceu
apenas uma vez.

Em junho de 2011 a cidade de Valinhos (SP) também realiza o 1º Simpósio


Internacional de Escultura Monumental no qual os artistas trabalharam com aço
inox durante quinze dias. Da mesma forma, não existem registros de que tenham
ocorrido novas edições.

Um dos Simpósios mais consolidados que aconteceu em nosso país foi o


Simpósio Internacional de Escultura na cidade de Brusque (SC), realizado entre
os anos de 2001 e 2007. Além dos escultores participantes, em cada edição havia
um escultor homenageado que também deixava na cidade uma obra, entre esses
estiveram Amílcar de Castro (1920 – 2002) e Xico Stockinger (1919 - 2009). O
resultado deste simpósio é um parque com mais de cem esculturas em pedra. No
ano de 2014 este parque passou por uma restauração e foi reinaugurado para
visitação turística e da comunidade, depois de um período de abandono. O evento
deixou de acontecer no ano de 2008 devido a problemas financeiros.

16
http://www.dgabc.com.br/Noticia/134099/sao-caetano-a-cidade-dos-
monumentos?referencia=navegacao-lateral-detalhe-noticia
44

Outros três eventos surgiram quase que concomitantemente em nosso país


e continuam se desenvolvendo. Em dezembro de 2011 realizou-se o I Encontro
Internacional de Escultores na cidade de Santa Maria (RS), o qual teve sua
segunda edição no ano de 2013 e a quarta em dezembro de 2015. Este simpósio
surgiu sob influência da participação de um dos artistas do coletivo Arte Pública,
responsável pela organização do evento, em um encontro de arte e cultura, na
cidade de La Pedrera, no Uruguai. Financiado pela Prefeitura Municipal em sua
primeira, terceira e quarta edições, e pelo Governo do Estado na segunda, o
evento busca consolidar-se no circuito. Volto a tratar deste evento com mais
detalhes sob a perspectiva de pertencer a organização do mesmo.

No ano de 2012 foi realizado o I Simpósio Internacional de Escultura, na


cidade de Bento Gonçalves (RS) o qual realizou sua terceira edição em 2014. Este
Simpósio desenvolveu-se sempre em pedra e contou com financiamento do
Governo do Estado do Rio Grande do Sul através de Leis de Incentivo Fiscal. É
realizado pelo Instituto Tarcísio Vasco Michelon.

Em abril de 2014 aconteceu também o I Simpósio de Escultura Arxo, em


Piçarras (SC), organizado pelo escultor Jorge Schroder (1962) e totalmente
financiado pela iniciativa privada, no caso a empresa Arxo. Este evento, segundo
Jorge em conversa com a autora, pretende tornar-se uma Bienal e as esculturas
serão destinadas a um parque a ser construído pela própria empresa na cidade.
Embora existam estas aspirações, uma segunda edição não foi efetivada. Porém,
o escultor Jorge Schroder permanece organizando diversas outras propostas,
reunindo artistas nacionais, reunindo apenas artistas de Santa Catarina bem como
eventos de caráter totalmente internacional, todos no Estado de Santa Catarina.

Estas ações citadas em um primeiro momento, das quais estou mais


próxima, não descartam a existência de diversas outras propostas que fui tomando
conhecimento ao longo dessa pesquisa, em outras regiões do Brasil. Novamente,
os dados sobre esses eventos constituiriam uma pesquisa histórica de relevância
para o registro da arte na contemporaneidade.

Este panorama aponta algumas ações dentro da rede formada por


Simpósios de Escultura, as quais permitem uma perspectiva da diversidade
existente, ao mesmo tempo em que deixa perceber os pontos culminantes que
45

levam os artistas ao percurso. As especificidades citadas sobre cada evento,


voltarão a ser discutidas em outras etapas da dissertação.
46

TRAJETÓRIA PESSOAL DE AÇÃO

“Dezembro de 2011.Essa é uma das primeiras vezes que


trabalho em uma pedra. Também é a primeira vez que
organizo um evento. Não sabia a dimensão que tomaria, não
sabia em que se desdobraria, era a experiência vivenciada ao
máximo como se fosse a primeira e a última vez.”

Figura 05: Autora trabalhando como ajudante em uma das


esculturas do I Encontro Internacional de Escultores de Santa
Maria (RS), 2011. Acervo pessoal.
47

2.1 O Grupo Arte Pública

A importância de estar em coletivo, dentro do campo da arte, não surge


apenas em 2008, quando oficialmente o grupo é formado na cidade de Santa
Maria. Desde meus primeiros passos dentro do atelier de escultura ouvia do
professor sobre a “impossibilidade” de fazer escultura sozinho. Logo viveria isto,
pois a escultura é um fazer individual que depende do coletivo. O escultor precisa
de seus pares, ao menos para mover a madeira ou para girar a pedra. Os
processos escultóricos, enquanto processos matéricos, exigem a força. Falar
sobre a formação do coletivo Arte Pública, é falar sobre meus começos. É mostrar
de onde parti quanto artista e quanto gestora de arte, é reconhecer que me
motivou, e é registrar uma pequena presença da arte em Santa Maria.

Ao finalizar a minha graduação já começava a me preocupar, talvez como


todo estudante de artes, a respeito “do que fazer depois”. O mercado de trabalho
é árduo para os artistas; no contexto de Santa Maria, esse mercado, muitas vezes,
parece não existir. Portanto, é nesse intuito que os vínculos estabelecidos dentro
do porão do prédio 40, o Centro de Artes e Letras da Universidade Federal de
Santa Maria, onde se localizava o Atelier de Escultura coordenado pelo Professor
José Francisco Goulart, tornam-se uma proposta coletiva na cidade. Esta é uma
tendência da arte a partir dos movimentos modernistas segundo afirma Basbaum,
e que se torna quase uma exigência da existência artística na contemporaneidade:

[...] de algum modo, a prática da arte está relacionada a construção de


grupos, à constituição de certos caminhos para que a obra circule, está
relacionada mesmo a esta noção, que está tão em voga ultimamente, de
comunidade. Se a gente pensar em toda a história da Arte Moderna,
mesmo as vanguardas modernas, no início do século, as vanguardas
históricas estão todas relacionadas a esses agrupamentos, muitas vezes
rápidos, muitos fugazes. (...) não dá para não pensar realmente na
produção de arte como um conjunto de eventos isolados, como artistas
errantes absolutamente isolados uns dos outros.” (BASBAUM, 2013,
p.108)
48

Nasceu o Grupo Arte Pública, oficialmente fundado no ano de 2008 pelos


escultores André Marcos, Catiuscia Dotto, Roberto Chagas, Juliano Siqueira e
Pablo Fronza. O objetivo principal era unir forças para desenvolver propostas
artísticas das mais distintas naturezas. Particularmente, o Grupo respaldava as
ações poéticas individuais de cada integrante. Nos primeiros anos, o Arte Pública
desenvolveu uma diversidade de trabalhos com um vínculo mais comercial. Esses
projetos de execução foram importantes para a afinidade e continuidade do
coletivo, e, a partir da realização de alguns destes, contatos foram se
estabelecendo. O Grupo Arte Pública passa a conquistar um território na cidade
de Santa Maria, tornando-se conhecido por executar grandes encomendas na
área tridimensional.

Figura 06: Integrantes do Grupo Arte


Pública, a partir da esquerda: Pablo
Fronza, Juliano Siqueira, Andre Marcos,
Catiuscia Dotto e Roberto Chagas, em
frente ao atelier na Gare, Santa Maria
Brasil, 2009. Acervo pessoal.
49

Deste primeiro espaço, cada integrante do grupo passa a, gradualmente,


desenvolver suas propostas poéticas, e ocupar território para as mesmas. Os
trabalhos por encomenda, que permaneciam como atividade do Arte Pública,
sustentavam, em todos os sentidos, os primeiros projetos artísticos do coletivo,
sempre respeitando a singularidade de cada integrante. As reuniões, sempre
informais, delineavam todos os projetos, alguns esquecidos dentro de instantes,
para sempre, outros anotados e poucos, em relação ao quanto era planejado,
colocados em prática.

As primeiras ações do Grupo, firmavam a proposta do “estar com o outro”,


de trabalhar a singularidade dentro do coletivo. Em direção ao que afirma
Basbaum (2013, p.111) a respeito dos coletivos de artistas como uma possível
emergência de uma nova configuração do circuito de arte no Brasil: “Isto significa
perceber a necessidade desses agrupamentos como fontes de incentivo à
produção dos artistas, ao apoio à sua produção ou à construção de alianças com
outros artistas, com outros centros, etc.” Esse sentimento de “estar com o outro”
reverbera no fortalecimento das propostas de cada integrante, que encontrou no
coletivo o espaço propulsor para o seu trabalho. E a questão da reconfiguração
de um circuito o qual se desenvolveria futuramente onde os integrantes do Grupo
Arte Pública passariam a ser propositores, interagindo com outros sujeitos da arte.
Já era uma característica presente nessas ações a interação com o público,
quando as propostas geralmente consistiam em produzir em espaços de grande
circulação pública.

A prática de levar o trabalho artístico para a rua, o fazer do artista para a


comunidade, que hoje é a característica mais forte do principal projeto deste
grupo, existia já nas suas primeiras ações. A participação em eventos culturais da
cidade já delineava este interesse. Entre outras, estão as duas participações em
um projeto da Secretaria Municipal de Cultura de Santa Maria, chamado Virada
Cultural. Uma cópia clara do que se fazia em outras cidades do país, como em
São Paulo, e que consistia em 24 horas de atividades artísticas ininterruptas. Nas
duas participações, nos anos de 2009 e 2010, o Grupo Arte Pública montou seu
atelier no espaço aberto, primeiro, no Largo da Gare da Estação, no segundo na
Praça Saldanha Marinho, centro da cidade, desafiando-se à produção escultórica
sob o olhar do público.
50

Figura 07 (alto da página): Atuação do Grupo


Arte Pública durante a Virada Cultural em 2010,
Praça Saldanha Marinho, Santa Maria(RS)

Figuras 08 e 09 (centro da página): Atuação do


Grupo Arte Pública na Virada Cultural em 2009,
Largo da Gare. Santa Maria(RS)

Figura 10: Grupo Arte Pública no encerramento


da Virada Cultural, em 2010. Santa Maria(RS)

Pode-se observar nas imagens os espaços de


produção coletiva e de interação que consistiam
as propostas. Acervo pessoal
51

A primeira exposição realizada pelos integrantes do coletivo, aconteceu no


ano de 2009. Sob o título de (ex)cultura, foram realizados processos que
apresentavam a possibilidade escultórica de determinados materiais, porém, em
sua condição primitiva, com pouca ou nenhuma intervenção do artista. Partindo
desta ideia, cada integrante do grupo desenvolveu suas propostas, as quais foram
expostas com uma assinatura coletiva. Ou seja, não existiam trabalhos individuais,
o que reforça e assume, naquele momento, a importância para cada integrante
em fazer parte daquele processo e daquele grupo.

(ex)cultura foi uma exposição pensada para a reabertura das atividades do


Museu de Arte de Santa Maria, que há algum tempo estava fechado. O museu
reabriu sem condições de abrigar obras de arte; ou seja, como artistas iniciantes
ali estava a oportunidade de expor no MASM, porém, com a consciência de que
não seria o espaço apropriado. A mostra teve o intuito de provocar, desde seu
título, até a sua concepção, a respeito do fato de estar num espaço não
apropriado, mas que era um museu municipal de arte; e de uma cidade que
carrega uma marca pela cultura produzida, mas que muitas vezes deixa a desejar
nos espaços para seus produtores. Essa era a realidade que o grupo percebia
enquanto adentrava no circuito. A exposição depois foi exibida também na cidade
de Bento Gonçalves - RS, na Casa de Cultura, onde outra realidade foi
presenciada, em termos de infraestrutura, levando a uma ressignificação das
obras. (ex)cultura foi o primeiro “atravessar fronteiras”, do qual faço parte, do
Grupo Arte Pública. Essa exposição foi marcante para o Grupo, no sentido de
valorização de sua produção. Ao mesmo tempo, os contatos nesse momento
iniciados reverberaram na concretização de futuros projetos, como o Simpósio de
Escultores.
52

Figura 11: Vista geral da mostra (ex)cultura


realizada pelo Grupo Arte Pública no MASM,
agosto de 2009. Acervo pessoal.

No decorrer dos anos as ações do Arte Pública foram consolidando uma


trajetória. Ainda no ano de 2009 foi cedido, pela Prefeitura Municipal de Santa
Maria, através de um “convênio” na execução de uma encomenda, o espaço que
o grupo ocupa atualmente como atelier, na antiga estação de trens da cidade, a
Gare. Um prédio histórico o qual delimita, fisicamente, duas realidades de Santa
Maria, entre o centro e a periferia. Espaço que carrega a história do
desenvolvimento desta cidade, inclusive cultural como afirma Foletto:

Ponto de chegada e de partida de trens, cargas e pessoas, a Gare da


Viação Férrea simboliza uma época de desenvolvimento comercial e
efervescência cultural na cidade. Pelos trens chegavam e partiam
mercadorias vindas de diferentes pontos do estado e do país; caixeiros
viajantes e representantes comerciais, que negociavam na cidade e se
dirigiam a outras localidades; cantores de óperas, músicos, artistas de
teatro que passavam em direção a Buenos Aires ou São Paulo e em
53

Santa Maria apresentavam seu talento para uma população atenta e


curiosa. (FOLETTO, 2008, p.70)

A partir desse ponto geográfico, o atelier na Gare, as ações do grupo em


direção ao público e à comunidade artística da cidade tornaram-se mais sólidas.
Inicialmente consistiam em propostas voltadas para a ocupação integral deste
espaço, pensando-o como um espaço para muitos. Essa ocupação consistia na
realização de feiras de arte, encontros mensais entre artistas, ações práticas de
produção; iniciativas que, em sua maioria, permanecem se desenvolvendo até
hoje. O espaço tornou-se um local alternativo de convivência entre pessoas
ligadas à área cultural e dispostas a estabelecerem relações além dos seus
campos de atuação, ideia de uso que vem se fortalecendo permanentemente.
Nesse percurso alguns integrantes do grupo seguiram por outros caminhos, a
buscar novos espaços. Atualmente o Arte Pública é composto por André Marcos,
Roberto Chagas e Catiuscia Dotto.

Figura 12: Público visitando a ExpoGare, uma das ações desenvolvidas pelo Arte Pública no
atelier da Gare. Acervo pessoal.
54

Em dezembro de 2011, porém, aconteceu aquele que seria o projeto de


maior relevância para todos nós, depois de quatro anos de tentativas
concretizamos o I Encontro Internacional de Escultores, sobre o qual falaremos
mais adiante no texto. Começaria um novo percurso.

2.2 Memórias de um percurso iniciado

2.2.1 O cimento: experiência primeira de deslocar

A escultura, realizada em cimento, possui em torno de 2,50 m de altura. A


forma origina-se de estudos realizados anteriormente, para serem trabalhados em
grande dimensão. A organicidade dos volumes e curvas está presente; o interior
se traduz em escuridão quase imperceptível aos que seguirão passando em
ambas as margens daquele canteiro, em seus velozes veículos. Mas quem sabe
ali poderá habitar a vida. Do amarelo ouro que autorizei, de forma ainda insegura,
que outro artista aplicasse em toda a sua superfície, tenho apenas uma imagem
de um dos ângulos que menos gosto desta peça. Da escultura, a imagem que
primeiro revive em minha memória é justamente o sabor de ter sido capaz de
realizar no espaço de tempo realizado, mesclado com o sabor de refresco de
pomelo pela primeira vez experimentado. As memórias referentes ao trabalho
reaparecem inundadas das experiências vivenciadas.

É a partir da realização do Simpósio de Escultores em Santa Maria que se


inicia a minha trajetória dentro desta rede, realizando minhas demarcações e
gerando em mim um novo processo de atuação e transformação. Para Basbaum
(2013, p.74) esse é um processo natural do qual devemos ter consciência quanto
artistas agenciadores pois nossa ação nesse campo “influe na trama de contatos
que constituem o circuito da arte - portas se abrem e se fecham a partir deste jogo
[...] que influe diretamente na recepção de sua própria produção”
55

No ano de 2012 recebo, juntamente com o Grupo Arte Pública, o convite


para participar de um evento onde realizaria a primeira de uma série de esculturas
que, dizem muito mais da experiência vivida do que da forma construída. Na
cidade de Cañada de Gomez, na Argentina, estava entre os quatro brasileiros,
dois argentinos e um uruguaio que, durante quinze dias do mês de julho, se
propuseram a uma convivência diária. Alojamo-nos todos na casa de um dos
organizadores do evento, em uma proposta que se traduzia em um ambiente
familiar. A convivência transcorreu como um aspecto forte e intenso. A
insegurança em realizar um trabalho na escala proposta, em poucos dias se
misturou, com a sensação do estar experimentando um deslocamento antes não
vivenciado. Um novo idioma, um outro país, descobertas relacionadas às
diferenças e as similaridades.

O objetivo inicial era formarmos um “bosque escultórico” através de um


conjunto de árvores artísticas. Essa proposta seria coordenada pelo experiente
artista e professor uruguaio, Silvestre Peciar (1935), um dos participantes. Logo
no primeiro dia, nos colocamos a trabalhar em pequenos projetos, desenvolver
estudos, que lembro bem, foram entalhados em isopor. Este fato é importante pois
foi a primeira grande desacomodação que estes eventos me proporcionaram; eu
precisava atuar em um material ao qual eu resistia. De toda forma algo se
resolveu, e o processo de ali realizar um estudo a ser executado foi uma forma de
organização mental para o que seria feito.
56

Figura 13: Ao fundo Rully, organizador do evento em Cañada de Gomez,


Peciar, artista Uruguaio e eu. Sentado André Marcos e Juliano Siqueira à
sua direita, todos trabalhando na produção das maquetes em isopor, 2012,
Cañada de Gomez, Argentina. Acervo Pessoal

Figura 14 (esquerda): estudos realizados pelo grupo de artistas em


Cañada de Gomez, Argentina. Acervo Pessoal.

Figura 15:Trabalho no local de permanência das obras que podem ser


vistas ainda em processo. Cañada de Gomez, Argentina. Acervo Pessoal
57

Da pequena forma executada em isopor, a qual cabia em minha mão, até


a grande escultura que permanece em Cañada de Gomez, existiu um longo
percurso, que durou apenas quinze dias, mas que persiste em minha existência.

A primeira fase da execução desta escultura aconteceu no atelier do grupo


que organizava o encontro. Cada artista em sua individualidade passou a executar
uma estrutura em ferro. Por um momento, ao menos para mim, a ideia de um
conjunto escultórico nunca existiu a não ser na proposta. Porém, ao final se
percebe que sim, foram as esculturas executadas em um individualismo coletivo,
pois cada momento de produção singular foi permeado pelo olhar do outro. Cada
escultor à sua maneira resolveu sua estrutura, considerando ou não as críticas e
sugestões dos demais. No meio deste percurso, a estrutura idealizada por Peciar
não condizia com o esforço possível por seu corpo quase octogenário; seguindo
suas orientações, em um incrível processo colaborativo, a forma foi colocada em
pé.

Em um momento de uma quase familiaridade com o ambiente


aconchegante daquele atelier – que curiosamente se tratava de um espaço em
uma antiga estação de trens, tal qual “nosso” atelier em Santa Maria – novamente
fomos transladados. A segunda fase propunha aplicar o cimento e finalizar as
esculturas em seu lugar permanente: o canteiro central de uma das principais
avenidas da cidade.

Um grande atelier improvisado, onde convivíamos com o vento minuano


que insistia em soprar, o barulho insistente de uma betoneira movida a óleo diesel
e o agito de um grupo de crianças que todos os finais de tarde nos visitavam, a
brincar com as luvas por um momento abandonadas, e com restos de cimento no
chão esquecidos. O mate nos obrigava a pausas. Embora a tensão tenha tomado
conta de todos. Diversos eram os fatores que nos levaram a crer que não
terminaríamos as esculturas no tempo previsto. Alguns problemas de organização
em relação aos prazos de disponibilização de materiais, atrasaram essa execução
com cimento. As diversas experiências de trabalho com esse material tornavam-
se pequenos enfrentamentos; especialmente quando se tratava de encontrar
soluções para o tempo que se extinguia. Eu já havia executado duas grandes
esculturas em cimento durante minha graduação. Foram duas esculturas
58

apresentadas para a banca inacabadas, pois naquele momento tratou-se mais da


experiência em propor algo com dimensões para o espaço público e experimentar
um novo material, do que qualquer outra coisa. Mas a minha experiência frustrada
me afirmava que deveríamos dispor do maior tempo possível para o cimento.
Cada material a ser trabalhado em escultura tem seu tempo e seus limites; um
simpósio, hoje sei, é sempre um desafio a ambos. A experiência dos amigos
argentinos, que não podemos esquecer, estavam nos recebendo em sua casa,
dizia que deveríamos agregar argila ao cimento, porém, uma argila inexistente.
Portanto, chegaram a sugerir que trabalhássemos todos em uma escultura por
vez, e terminássemos aquelas que fosse possível de acordo com o material
disponível. A ideia de voltar sem terminar meu trabalho simplesmente me
aterrorizou! Se eu não modelasse aquela massa sobre a estrutura com minhas
próprias mãos aquela não seria mais minha escultura. Em um consenso,
continuamos trabalhando. Buscamos outros materiais que substituíssem a tarefa
da argila de agregar plasticidade à massa do cimento. E por fim, acabei
executando a escultura com minha habitual mescla exclusivamente de areia e
cimento, na quantidade certa de água. Nos adaptamos todos ao que tínhamos
disponível.

As imagens dizem respeito ao que vivi. Traduzem momentos da experiência


e ajudam quando a memória não é clara. Dentre as ideias que persistem, na
narrativa e nas imagens, está o ambiente de trabalho colaborativo, a inserção em
uma outra cultura, e as descobertas que duas culturas, distintas, embora
semelhantes, proporcionam. A partir deste encontro passei a conhecer outros, o
caminho nunca mais deixaria de ser percorrido.

Figura 16 (página seguinte): colagem com imagens da


experiência em Cañada de Gomez. Destaca-se a
colaboração para executar o trabalho do Peciar; os
deslocamentos que levam a outros encontros, como a
visita ao Paseo de las Esculturas, na cidade de
Concórdia; os espaços de convivência, o espaço
transformado e os espaços de trabalho.2012. Acervo
pessoal.
59
60

2.2.2 A madeira: encontrar-se

“Estar pela primeira vez sozinha, em outro país, outro território, outra
cultura. Ter o desafio com o qual pela primeira vez me deparava; entalhar uma
madeira no período de dez dias, em um espaço público. Uma estrangeira sem
conhecer as pessoas com as quais iria conviver intensamente durante os
próximos dias. Mas assim que sentamos juntos para o primeiro jantar, percebi o
que confirmaria naqueles dias seguintes: eu estava entre os meus. Era como se
já os conhecesse. Naquele dia comecei a descobrir quem eu era, o que eu
realmente queria fazer. Naquele dia encontrei meu lugar.”17

Figura 17: Escultores participantes do Simpósio em Coyhaique, na


primeira noite do evento. Chile, 2013. Acervo pessoal.

17
Fragmento de diário da autora, 2014.
61

Assim se define a experiência na cidade de Coyhaique, na Patagônia


chilena. Foi preciso sair do meu “lugar” para descobrí-lo, para descobrir-me.
Compreender-me quanto artista na contemporaneidade foi uma tarefa difícil,
certamente ainda não concluída, mas ligada à legitimação daquilo que me
propunha a fazer desde a graduação; esta foi a primeira vez que realmente me
senti “legitimada”. Sinto ainda a pele arrepiada pelo medo do desafio em frente a
inexperiência. A proposta era a madeira, com a qual nunca havia me aventurado.
Já sabia manusear uma motosserra, porém, colocar duas dentro da mala e partir
para além fronteiras foi afirmar-me como escultora. Confesso que temia não dar
certo. Acreditei realmente que se concretizaria quando recebi por e-mail, um mês
antes daquele fevereiro de 2013, minha passagem aérea.

Entre a exaltação e o medo, começo a trabalhar a madeira em meu atelier.


Uma madeira de aproximadamente 1,80m vai tomando forma, uma forma
vinculada ao que desenvolvia na argila e no cimento. Descubro que o entalhe não
me permite em um único gesto encontrar a sutileza da linha. É preciso ter força, é
preciso dialogar com a ferramenta, é preciso se adaptar. O tempo é pouco. Essa
escultura só seria concluída muito tempo depois do meu retorno.

Um outono em fevereiro nos recebe no Chile. Somos oito artistas, sou a


única mulher. Também sou a única que fala português, que pela primeira vez se
propõem a uma escultura em madeira e que tem um quarto individual. Mas todo o
extranhamento termina no momento em que foi captada a imagem anterior; a
primeira cena.

No amanhecer do dia seguinte, as madeiras já nos esperavam na praça.


Bem no coração da cidade, onde todos passavam imersos nos seus pequenos
problemas cotidianos, o nosso “problema” era começar. Permanecíamos, nessa
primeira e angustiante decisão, de dividir as madeiras e pensá-las para cada
projeto, ainda quase despercebidos pela multidão de passantes, que logo seria
desperta de seu sono ambulante pela nossa poesia ruidosa. As madeiras eram
bem maiores do que representavam. Na insegurança, rompida apenas por um
desenho que ousava chamar de projeto perante aqueles 3,20 metros do que um
dia foi uma árvore, iniciei os primeiros cortes. A proposta desenhada quase repetia
a forma realizada no cimento em 2012, na Argentina. Talvez num sentido
62

involuntário de buscar um campo


seguro, logo desmantelado pelo
desafio do material desconhecido.
Talvez se não fosse esse convite
eu nunca teria trabalhado a
madeira. Talvez se não fosse esse
convite eu nunca teria tomado mate
no Chile.

Foram dias intensos que só


percebi que passaram quando
sentia, em cada músculo do meu
corpo, a reação da minha ação
escultórica. Foram dias de
encontrar o outro e de pensar o eu.
Minha postura sempre de aprendiz,
embora para aqueles passantes eu
era a artista. E muitos passantes! A
cada motor que rompia com o
cotidiano da praça, ao mesmo
tempo em que rompia com algum
pedaço de madeira, uma multidão
de olhares, orgulhosos ou
duvidosos se apoderavam do
nosso fazer. Em nenhum outro
momento presenciei um público tão
intenso, que por vezes, perturbava.
Em nenhum outro momento tantas
pessoas me davam sugestões
sobre como poderia proceder, ou
de como deveria atuar. Justo no
momento em que precisava estar
concentrada com minha ação, pois
Figura 18: A autora finalizando a escultura em
no entalhe, não se pode equivocar.
Coyhaique, 2013. Acervo pessoal.
63

Em nenhum outro momento imaginei que minha motosserra iria falhar. Ao ponto
do desespero, o tempo passa, todos prosseguem e é necessária uma solução. É
preciso se adaptar.

Essa imagem, captada nos últimos dias por um olhar atendo à minha
atenção à escultura, chega após meu retorno. Perturba e faz reviver o medo e
as decisões. Ao ver a madeira que me propuseram trabalhar, deitada ali na praça
no primeiro dia, pensava em cortá-la, não usar toda a sua dimensão. Porém, estar
trabalhando em coletivo é sempre um permear-se pelo outro. Aceito o desafio de
um experiente escultor chileno que me convence, talvez entre uma e outra copa
de vinho naquela primeira noite, a trabalhar toda a dimensão da madeira. Vejo
nele a figura do meu professor de escultura, me encorajando, disso me lembro
bem. Sim, foi uma decisão que me fez sofrer, uma decisão que alterou todo o
percurso do que viria a ser essa escultura, mas uma decisão que apenas tive
realmente sua dimensão ao receber esta imagem.

Talvez se não estivesse em um Simpósio, se não estivesse envolvida por


todas as ações que ocorriam em minha volta, se não estivesse imersa no espírito
e na energia daquele grupo naquele ambiente, jamais trabalharia em apenas oito
dias uma madeira de tamanha imponência. E então não teria desfrutado de todas
as experiências que deparar-me diariamente com ela me proporcionou. O
resultado não define, para mim, um logro, mas o processo sim. E assim, inicia,
neste retorno, uma investigação dessa matéria madeira relacionada com minhas
formas. A partir da experiência em Coyhaique é que passo a desenvolver o entalhe
em madeira em meu trabalho escultórico. “Se fue la Catiuscia de las bellas
cerâmicas...” me disse Emiliano Gonzalez, um escultor que trabalhava ao meu
lado naquela praça no Chile, e que por sinal já conhecia meu trabalho no
modelado, e percebia, naqueles ultimos dias, todo o meu ser enamorado pelo
encontro com a madeira.

Um ano de trabalho. Um ano que significou de fato minha retomada no


campo da produção artística. Experimentando a madeira da mesma forma que
em outros tempos havia me dedicado à argila. Investimentos em novas
ferramentas; uma produção escultórica motivada por um objetivo; continuar.
64

Figura 19: Colagem com imagens do


processo na madeira em atelier,
2013. Acervo pessoal.

Estas duas experiências também foram fundamentais para a continuação


do projeto de realização do Simpósio em Santa Maria, o qual não havia se
concretizado em 2012. Reestabelecer o contato com minha proposta plástica e
movimentar um circuito que me havia aceito foram frutos destes deslocamentos.
O deslocar-se geográfica e culturalmente provoca o deslocar-se em meu interior.
E no exercício de continuar eu retorno ao Chile para o que posso definir como
“encontros e reencontros”. Novos e velhos personagens, e também aqueles que
só no futuro conheceria, me mostram que estou em uma rede, que esta talvez seja
uma “aldeia”.

Volto para trabalhar a madeira. Não volto sozinha pois vai junto meu
companheiro de coletivo. Não volto sozinha pois vou reencontrar velhos/novos
amigos. É também fevereiro, e este é um evento ao qual vou ao encontro
carregada de grandes expectativas. Pelo período em que vem acontecendo, mais
de duas décadas, a curiosidade da gestora era quase maior que a apreensão da
escultora. Incrível como pensar em Valdívia me remete, em um primeiro momento,
65

a essas lembranças de reencontro. Reencontro com o país, com a madeira em


um Simpósio, com amigos. Assim que chego na pousada, sob uma chuva que
parecia o inverno em pleno fevereiro, logo localizo o paradeiro dos demais
escultores. “No final do corredor, último quarto”, confirma a senhora que nos
recebe; era exatamente de onde vinha o conhecido ruído de velhos amigos que
via pela segunda vez.
66

Figura 20: Colagem


com imagens do
trabalho coletivo em
Coyhaique, Chile,
2013. Acervo
pessoal.

Ser escultor é não


estar sozinho.
Considera-se nessas
imagens o processo
colaborativo que se
estabelece no
trabalho coletivo de
um Simpósio
67

2.2.3 A pedra: desafiar-se

“Cuando deje de tomar um cincel...

de transformar um trozo de metal...

de trabajar um pedazo de madera...

de tomar um bus o algun transporte para llegar a nuevos destinos...

de cargar uma piedra, no importa de donde ni hacia donde...

de superar recesos obligatórios temporales...

de disfrutar de mis chobinas...

de sentir al uña Fernando...

de empreender lo que para algunas gentes son locuras...

de remar siempre contra la corriente...

de seguir com esta pasion espinosa...

habré dejado de ser transeunte pero, es verdade, los escultores no podemos envejecer.”

Luis Fernando Chumacero,

escultor boliviano

julho de 2015

Essas palavras eu li quando já havia feito um pouco mais da metade do


caminho até Tarija, na Bolívia. Foram mais de dois mil quilômetros para o caminho
inteiro. O deslocamento vivenciado de uma maneira diferente, sentido
temporalmente, percebido através da paisagem que se transmutava perante o
olhar.

Reduzido, progressivamente a nada pelos diversos meios de transporte


e comunicação instantâneos, o meio geofísico sofre uma inquietante
desqualificação de sua profundidade de campo que degrada as relações
entre o homem e seu ambiente. Desta forma, a espessura ótica da
paisagem diminui rapidamente, resultando em uma confusão entre o
horizonte aparente sobre o qual toda a cena se destaca, e o horizonte
trans-aparente , fruto da amplificação ótica (eletro-otica e acústica) do
meio natural do homem. (VIRILIO, Paul, 1993, in CANTON , 2011, p. 65)
68

Canton explica que essa sensação de rapidez desencadeada pelos


recursos da contemporaneidade “achatam” os espaços, geram uma “diminuição
drástica da experiência dos deslocamentos, dos percursos, dos lugares como
percepção subjetiva.” Por isso, a importância em relatar essa viajem à Tarija, de
apresentar a paisagem e o tempo de deslocamento por terra, como elemento
significante da experiência. Essa experimentação desse deslocamento pelo
espaço geográfico, que pressupõem ao mesmo tempo sentir gradativamente o
deslocamento cultural.

Falar de deslocamento se tornou de uma significância distinta depois de


estar naquele país. Foi em Samaipata, uma pequena cidade boliviana, um ano
antes da experiência de Tarija, que conheci o Chumacero, foi lá que experimentei
o “deslocamento”.

“O deslocamento... esse foi o mais forte que experimentei. Desde que cheguei na
Bolívia, o contraste cultural é percebido de maneira muito forte. Assim que apenas
hoje, quatro dias depois de estar aqui ‘começamos’ o Simpósio. Ontem nos
acomodamos, pois estávamos “acampados”. Tivemos hoje as primeiras rodas de
diálogos sobre escultura. Esses contrastes são tão fortes que o grupo de
escultores bolivianos não tem-se aberto muito ao diálogo. Acabamos por formar
um grupo de brasileiros, argentinos, uruguaios e chilenos. Isso me faz perceber as
feridas latino-americanas que narra Galeano. Esse povo ancestral que talvez
ainda nos veja como estrangeiro.

É lindo como preservam essa ancestralidade. Temos vivenciado diversos rituais


que nos conectam com a ‘pachamama’. Estamos onde se encontram a Amazônia,
o Chaco e os Andes. Lugar onde, por pouco tempo, viveram os Incas.

As pessoas vêm nos trazendo helados, sucos e frutas para regalar. Todavia, não
comecei a trabalhar, a pedra é pequena. Acertado o projeto, com ajuda da Eliana
que o viu de fora.

Escrevo a 1600 metros de altitude, sob sol ardente mas com uma brisa que dribla
os picos das montanhas. A mesma que trazia os cheiros para avisar a
aproximação de inimigos aos povos originários que aqui habitaram, a mesma que
usa o condor andino para planar, estou ao lado da pedra que vou entalhar. O que
deixo e o que levo? É o que me pergunto. Nós estamos a espera da eletricidade,
escuto o som das picaretas dos escultores bolivianos que já começaram,
manualmente, a entalhar a pedra”18

18
Anotação no diário da autora, 2014.
69

Figura 21: Pedra bruta a qual


entalhei na Bolívia, recebida
através de sorteio. Samaipata,
2014. Acervo pessoal.

Sobre a pedra, entre tantos sentimentos descritos em meu diário, esse não
Ser escultor é não estar sozinho.
registrei ali, mas o tenho guardado em mim: o sorteio. Foi a primeira vez que
participei de um sorteio de pedras. Sob o forte sol que nos queimava, e o vento
que permanecia, sem muito refrescar, existiam vinte e poucas pedras catadas na
beira de rios. Algumas me assombravam por sua monumentalidade, nenhuma era
como eu imaginava, nenhuma despertava tranquilidade ao meu projeto. E o
trabalho foi intenso assim que começado, não havendo tempo pra acompanhar o
desenvolvimento dos demais artistas.

O desafio do tempo para a pedra é outro, nos primeiros momentos pude


perceber, como já havia lido nas palavras de Bourgeois:
70

Caçar, seduzir, tratar uma pedra é realmente enfrentar uma resistência


terrível. Como você Vai transformar aquilo e fazer a pedra dizer o que
você quer, se ela diz “não” a tudo? Ela o proíbe. Você quer um buraco,
ela se recusa a fazer um buraco. Você quer suavidade, ela se parte sob
o martelo. É a pedra que é agressiva. É uma fonte constante de recusa.
Você tem que conquistar a forma. É uma luta até o fim, a cada instante.”
(BOURGEOIS, 2000, p.142)

Realizar estas duas esculturas em pedra na Bolívia desacomodaram meu


ser. Se quando pela primeira vez no Chile a madeira como enfrentamento me fazia
estremecer, desta vez, em Samaipata eu pela primeira vez experimentava a
pedra. Era o mesmo sentimento, com um tempo muito menor de trabalho. E ainda
concordando com Bourgeois quando escreve que a pedra seria um desafio maior
em relação à madeira: “A madeira é um material macio demais, e sobretudo
perecível, e não oferece resistência. Enquanto que a resistência que deve ser
superada na pedra é um estímulo” (BOURGEOIS, 2000, p. 184). Certamente foi
um estímulo. Da mesma forma como antes de ir para o Chile, no momento em que
recebi o edital da Bienal de Samaipata19 iniciei minhas primeiras esculturas em
pedra. Precisava, em pouco mais de dois meses, ter alguma escultura executada
nesse material. Querer estar nesse evento me fez iniciante neste material. E fui
determinada em fazer em Samaipata o melhor que poderia, pois sabia que o
resultado seria determinante para a participação em outros eventos em pedra,
além, claro, de ser um trabalho de minha autoria que ali se manifestava.

O desafio da pedra não foi o maior. O que ainda sinto até hoje, quando
retomo as memórias desta experiência, são os cheiros doces e azedos de quando
caminhei pelas primeiras quadras de Santa Cruz de la Sierra, e senti que era
distinto. O deslocamento não foi apenas geográfico, mas cultural. O desacomodar
não foi apenas pela matéria a ser trabalhada, sair do meu lugar me fez conhecer
o lugar onde eu vivia. Como todas essas situações afetam o fazer? Talvez eu
consiga desenvolver muitas outras questões a partir da reflexão destas
experiências, e não encontre objetivamente as respostas.

Para Samaipata eu fui com um projeto, minuciosamente entalhado em


sabão. O projeto não cabia na pedra. Foi preciso silenciar o corpo e a cabeça, pois

19
Refere-se à IV Bienal Internacional de Escultura en Piedra, realizada na cidade de Samaipata, na Bolívia,
em 2014.
71

eram tantas as novidades, eram tantas as cores para ver, havia tanto que aprender
sobre aquele lugar, que se tornava difícil concentrar, e, como escreve Bourgeois (
2000, p. 217) “A tarefa básica do artista é a concentração – conquistar o silêncio
total e amigo”. Foi preciso me colocar em contato com a pedra e com o espaço de
trabalho, articulado ao tempo restante para decidir como fazer. Foi imprescindível
compreender as distintas formas de organização, e saber que cada lugar possui
sua maneira e suas prioridades, para entender a demora da energia elétrica, para
aceitar as condições de trabalho.

Samaipata, segundo as pessoas que ali vivem, significa em língua quechua


“descanso nas alturas”. “um descanso de oito horas diárias ‘picando a pedra’ Hay
música. O corpo já avisa que depois que tudo acabar se manifestará. Porém,
agora anda, se permite ao extremo, passa do limite pois estamos só para isto. Mas
a mente descansa, assim como a alma, estou desligada de tudo, um isolamento
que me permite pensar apenas no trabalho. Viver para a escultura e para este
momento”20

Deslocamento, segundo o dicionário HOUAISS (p. 289) é “o ato ou efeito


de mover (- se) de um lugar para outro, uma transferência de espaço”. Por sua
vez deslocar “desarticular (-se) , mudar, tirando do lugar, ir de um ponto para o
outro, mover-se” e a palavra seguinte no dicionário, desconfio deste acaso, é
deslumbrar. Para Parker (in VASCONCELOS E BEZERRA, 2014, p.29) “O
deslocamento tem sido frequentemente enaltecido como ferramenta necessária
para os profissionais da arte, e isto se deve provavelmente à potência de mudança
que o deslocamento contextual carrega.”

Novamente me movo em direção à Bolívia, quando me deparo, em uma


das pausas do longo caminho, com as palavras do Chumacero que iniciam este
texto. Absolutamente utilizo todos os sentidos da palavra deslocar, no mover-se e
no desarticular-se, mudando ao sair do lugar, Todos esses caminhos são
processos de desconstrução, e logo, de uma transformação.

Desta vez, a caminho de Tarija, o caminho que deslumbra. São coisas que
nunca vi; cores, formas; existem outros tons de verde; existem outros sons. Vou

20
Anotações do diário da autora, 2014
72

pensando em pensar na pedra, mas é tão imenso o caminho, e existem tantas


coisas nele. Desta vez eu sei que a pedra que vou encontrar será designada em
um sorteio. E por mais que eu pudesse escolher entre todas que ali estiverem, sei
que será irregular, e tenho certeza da sua dureza. Talvez por isso desta vez eu
não tenha um projeto. Levo comigo um caderno de pequenos desenhos, capaz
um desses sirva à pedra. Existe um tema o qual não considerarei formalmente, a
Guerra do Chaco. Trabalhar a partir de um tema é talvez um incomodo. Não gosto.
Embora sempre se consiga manter sua proposta formal e relacioná-la sutilmente
com o tema proposto em um Simpósio, penso que temas limitam todas as relações
construídas dentro destes eventos. Os artistas perdem a liberdade sobre o seu
próprio trabalho; o público pensa que a arte deve ilustrar. Considerei, no caso de
Tarija, que apenas o fato de nos reunirmos a trabalhar em esculturas por uma
semana, já consistia em uma comemoração ao tema celebrado. Embora viajasse
para Tarija preparada para todos os desafios que encontrei em Samaipata, havia
coisas a descobrir.

Após três dias de viagem por terra, chegamos quando o sol entardecia
antecipadamente atrás das montanhas cor de terra. Nós (Roberto e eu) éramos
os únicos escultores estrangeiros, o que, logo deixou de ser. No dia seguinte, após
todas as cerimônias iniciais, participamos do sorteio das pedras, e, do sorteio dos
ajudantes. Tive azar no primeiro, mas muita sorte no segundo.

Primeiro sobre Armando, meu ajudante. Ele tem aproximadamente dez


anos a menos do que eu, e está cursando o último ano da escola de artes; sabe
manejar ferramentas, mas nunca trabalhou com a pedra. O mais incrível é que me
via como se eu fosse uma grande artista com muitas coisas a lhe ensinar. Por
muitas vezes nós dois percebemos que tínhamos coisas a aprender um com o
outro. Trabalhar com um ajudante foi uma experiência inédita. Nunca havia
desfrutado da oportunidade, ao mesmo tempo, reconheço que sou um pouco
centralizadora em minhas ações. Foi um aprender a dividir (o trabalho que, por
algum tempo, em minha cabeça era meu) e um permitir. Se não fosse Armando
eu não teria terminado, pois não sabia dos imprevistos que viriam.

Segundo sobre a pedra, que não foi minha. Um arenito, duro, duríssimo,
com aproximadamente dois metros de diâmetro e apenas uns quarenta
73

centímetros de espessura. Perfeito para um relevo, que eu não me propunha a


fazer. Atordoada, saí em busca de uma solução. Haviam outras pedras “sobradas”
logo, pensei que um dos desenhos que levava em meu diário poderia ser
realizado. Uma tarefa ousada para uma semana de trabalho, afinal, tratavam-se
de duas peças que compunham um conjunto. Como tinha grandes ferramentas, e
ainda, um ajudante, estava certa de que poderia fazê-lo. O tempo e as condições
de trabalho, no caso de um Simpósio, influenciam profundamente nessas
decisões. O escultor precisa calcular o que será capaz de executar. Nesse caso,
me remeto ao que Bourgeois descreve a respeito do processo escultórico com
ferramentas: “Esta peça21 só poderia ter sido feita no século XX. Orgulho-me muito
disso. Há necessidade de ferramentas poderosas – ferramentas poderosas e
muito especiais.” (Bourgeois, 2000, p.170). Para um Simpósio também há
necessidade de ferramentas, talvez não tão poderosas. A não ser que a proposta
do evento seja de usar apenas ferramentas manuais, nos demais casos é o uso
de ferramentas como esmirilhadeiras, motosserras, plainas, furadeiras, etc, que
permitem a execução do trabalho. O ajudante, no caso, facilita muito.

Provida de ferramentas, de um ajudante e de muita autoconfiança é que


estava nesse primeiro dia em Tarija. Pensava que seria meu melhor trabalho em
pedra dentro de um Simpósio. O que me fez desistir de realizar o conjunto
escultórico, foi o fato de um dos escultores participantes ter se apropriado de uma
das pedras que eu havia elegido. O trabalho dentro de um Simpósio nem sempre
é contido do melhor lado das relações. Embora o discurso aconteça de forma mais
intensa a narrar a riqueza na troca de experiências; existem também formas mais
incompletas, espaços um tanto agressivos; são seres humanos que estão
convivendo em situações desgastantes. Pois todos esses pequenos
acontecimentos foram delineando meu processo em Tarija. Uma terceira proposta
foi a que se concretizou. Uma pedra que ainda sobrava foi escolhida. E, ao
contrário do que se passou nas outras vezes em que trabalhei com entalhe, onde
o projeto de adaptou ao material, foi a partir da pedra que pensei o projeto. Sobre
essa forma de trabalhar Serra (2013, p. 117) escreve: “Não trabalho a partir de

21
Bourgeois se refere à execução de “A vela”, 1988, mármore, 152 x 76 x 177 cm. A escultura possui um
cilindro vazado que atravessa a pedra, para a execução do qual a artista se refere ao uso indispensável de
ferramentas.
74

ideias a priori e de proposições teóricas. As estruturas são o resultado de


experimentação e invenção. Em cada busca há sempre um grau de
imprevisibilidade, uma espécie de sentimento inquietante, um assombro depois
que o trabalho está completo, depois da conclusão” Lembro que, sob o sol
queimante da cordilheira, já com o ruído e a poeira dos demais escultores
invadindo todo o espaço, e, ainda, abarcada pelo olhar indagante de meu
ajudante, inquieto por iniciar, que passei algumas horas olhando para a pedra. Do
desenho da pedra desenhei minha forma. Do desenho da forma, um pouco a
pedra aceitou.

Iniciamos o trabalho, eu e meu ajudante. Nesse momento, inicia o trabalho


de conhecer a pedra, de compreender como deveria proceder, onde estava sua
maior dureza e onde havia fragilidade, em que parte poderia minha ação gerar
brilho, simbolizando o extremo da ação humana sob a rocha; em que lugares
deveria permitir à pedra mostrar sua natureza, e permanecer um diálogo entre
essas duas belezas. Posso definir que, com meu ajudante também foi necessário
esse posicionar-se e permitir. O mesmo processo entre escultora e pedra, e talvez,
muito mais sensível, entre escultora e ajudante. Passados os primeiros momentos
de incerteza e frieza, trabalhávamos já com a intimidade de quem há muito
trabalhava junto. Uma aproximação que, já viva pelo convívio ininterrupto de horas
de trabalho, se intensificou na dificuldade. No segundo dia de trabalho, calculadas
as etapas a serem vencidas a cada dia, como um cronograma de ação, ficamos
sem ferramentas. A pedra, que se apresentava duríssima em alguns momentos,
agora já não contava com a potência da esmirilhadeira de 9 polegadas para
esculpi-la. A partir desse momento, já não avançaríamos como previsto, talvez,
algumas adaptações seriam necessárias. Eu era a escultora, mas o fato de estar
Armando ali me fez dividir com ele também essa dificuldade. Já éramos dois
artistas enfrentando um problema. Se não fosse meu ajudante, seguramente eu
não teria terminado. Pois sua força física foi fundamental para ocupar a ausência
da potência da máquina.
75

Figura 22: Pedra bruta a qual entalhei em Tarija

Figura 23: esboço de forma a ser trabalhada,


realizado a partir da forma da pedra, 2015.

Acervo pessoal.

Ser escultor é não estar sozinho.


76

Figura 24: Armando, meu ajudante e


eu, durante o Simpósio em Tarija,
Bolívia,2015. Acervo pessoal.

Ser escultor é não estar sozinho.


2.2.4 É mais fácil mover escultores do que mover esculturas

É maio de 2014, somos um grupo de vinte e um artistas que se


deslocaram até a Praça “25 de Mayo”, na cidade de Concórdia, Argentina. Nesta
praça permaneceremos por dez dias a traduzir nosso imaginário em esculturas.
Olho ao redor, em um desses momentos em que, com o objetivo de descansar
os braços, paro de preparar massa de cimento, e o que vejo são vinte e uma
pessoas reunidas por um mundo lúdico. Todos cortando, colando, misturando;
como crianças em um jardim de infância.22

22
Diário da autora, 2014.
77

A imagem relatada, destes artistas produzindo em plena praça,


inteiramente imersos em seus fazeres, alheios à tudo que os circunda, pode ser
explicada por Bachelard, quando reconhece:

[...] a permanência, na alma humana, de um núcleo de infância, um


infância imóvel mas sempre viva, fora da história, oculta para os outros,
disfarçada em história quando a contamos, mas que só tem um ser real
nos seus instantes de iluminação – ou seja, nos instantes de sua
existência poética. (BACHELARD, 2009, p.94)

Podemos pensar que todo artista permite-se aos devaneios de infância.


Projeta-se à “solidão” da criança que encontra o sonho, e que se distancia da
“infelicidade” dos homens.

Areia e pedra são brincadeiras de infância que se traduzem na escultura.


Cimento, ferro e areia são minhas matérias primas em Concórdia, algum tempo
antes de desafiar-me na pedra. São suportes do meu imaginário. Entender essa
necessidade, de criar, de materializar o imaginário, é uma tarefa difícil, pois se
trata de algo definitivamente subjetivo e intimista. A poiésis, o ato de criar, como
escrever sobre ele? Como escrever sobre a própria criação se ela é um momento
que circula no irracional? Para Salles (1998) “O processo criador revela diferentes
instantes cognitivos, envolvendo gestos os mais diversos para alcançar esse
conhecimento.” Entre estes gestos está a percepção de coisas do mundo. É a
sensibilidade para capturar coisas que vivencia de forma sensível e singular.
Portanto, “a percepção é um modo de conhecimento não controlado, no sentido
de que não se dá, na maioria dos casos, de modo consciente” (Salles, 1998). Da
mesma maneira, Bourgeois fala que a forma é resultado de uma ação simbólica:
“você golpeia a madeira, você corta o mármore. [...] a forma da obra é gerada pelo
ato físico, e pela escolha dos materiais” (Bourgeois, 1990, p. 195).

É a partir destas percepções que o artista vai construindo sua investigação


artística. Metamorfoseando as informações que acumula. É também a partir
destas ações sofridas e exercidas que o artista vai se constituindo como
investigador. São as relações que o transformam, o criam, e o recriam como
78

sujeito dentro da investigação em arte. Iñiguez (2003) coloca “As pessoas e o


mundo social são o resultado, o produto, de processos sociais específicos. Isto
implica que, nem as pessoas nem o mundo possuem uma natureza determinada”.
O sujeito investigador no campo das artes, não se constrói de forma diferente.
Dentro de meu processo formativo, buscar a relação, estar em coletivo,
permanece sendo algo presente.

Estava tão confortável trabalhar em um material que eu já conhecia. Havia


um projeto e um cronograma de ações. Tudo deveria transcorrer naturalmente
com a realização da escultura, para que tivesse também a possibilidade de
desfrutar das pessoas que encontraria, ou que, reencontraria. Alguns dias antes
de cruzar o pampa em direção à Concordia escrevi em meu diário:

“Inicio estes escritos quinze dias antes de estar em Concordia, Argentina,


cidade onde participarei da minha quarta experiência em um simpósio,
como escultora. Escrevo hoje, pois, minha mente e meu espírito já estão lá.
Ainda pela manhã, no primeiro movimento de consciência percebi que em
exatamente quinze dias estarei despertando lá. Bem, mas essa ansiedade
e frenesi não iniciaram hoje. Agora pela manhã, enquanto trabalhava em
uma escultura pensava em toda a trajetória já percorrida. O quanto a
produção sofre uma “aceleração” neste momento pré-simpósio, que, na
verdade, é entre simpósios, pois ainda em fevereiro passado estive em
Valdívia, no Chile. A partir do que venho fazendo, em momento algum
negando minha investigação formal já estabelecida, o envio de um projeto
para Concordia trouxe um momento de intenso fazer, de mergulho, imersão
completa em meu processo criativo. Assim, surgem coisas novas, pela
insistência, pelo fato de fazer e fazer. Posso dizer que, a possibilidade de
participar deste simpósio trouxe uma série de novas peças que traçam
novos caminhos para a investigação plástica. A maquete escolhida para ser
executada está no meu quarto para que eu possa vê-la todos os dias. Existe
todo um estado de espírito que vai se instituindo. Ainda, me emociona saber
que vou reencontrar pessoas, e vou conhecer novos pares, estabelecer
novos contatos com pessoas que pensam a arte de maneira semelhante à
mim.”23

Essa foi uma das experiências que mais levou-me à reflexão. Quem sabe
pelas características do grupo – desenvolvi outros projetos com alguns dos artistas
que estavam nesse momento - as discussões sobre arte e, mesmo sobre a
participação em simpósios foi intensa. Muitas questões ali discutidas permeiam

23
Anotações no diário da autora, 2014.
79

até hoje meus pensamentos. Por qual motivo se trabalha um ano inteiro para
executar em apenas uma semana? Que desafio é este que nos propomos a nós
mesmos de deparar-se com problemas e ter que, de uma forma ou outra,
encontrar soluções? Essa segunda questão já não seria a resposta da primeira,
pensando no que diz Bourgeois (2000) a respeito da escultura ser um desafio?
Esse solucionar problemas leva a um processo intenso de aprendizagem, e ainda,
estar com outras pessoas as quais pode considerar para essa “solução”. A frase
“o simpósio me modifica” está registrada nas páginas do meu diário. Também em
mim.

Ainda no primeiro dia iniciam os “desafios”, somos um grupo muito grande


de escultores, a organização atende aquelas necessidades maiores da estrutura,
questões que sempre se apresentam no primeiro momento. Nesse período de
encontrar-se, escuto a notícia que me desestabilizaria: no último dia do evento, ou
seja, dentro de sete dias, as esculturas seriam transportadas para seus lugares
definitivos. Aquela zona confortável que descrevi anteriormente é devastada.
Minha experiência com cimento, e acredito que a de qualquer pessoa que tenha
o mínimo de conhecimento sobre, sabia que isto era impossível. Uma escultura
em cimento, ou deve ser feita no seu local permanente ou deve esperar a secagem
total do material para não sofrer danos. São das situações com as quais se depara
em um simpósio que te fazem tomar decisões. Muitas vezes decisões que te
levam ao equívoco. Uma semana depois ouviria de um dos escultores “ tu obra es
bella por que te permite el error”. Ainda não sei se o que podemos chamar de
“erro” foi inexperiência ou consequência apenas. Sobre o erro durante o processo,
a artista Vânia Mignone, em entrevista à Canton (2011, p. 55) fala que pelo fato
das coisas não serem premeditadas no seu trabalho: “ [...] ela (a obra) se
potencializa no acaso. Valorizo muito o erro. Quando erro alguma coisa tenho de
refazer e assim o trabalho fica mais forte e consistente.” Porém, durante um
simpósio nem sempre, ou geralmente, não há tempo ou/e forças para refazer.

Temendo uma escultura que não estivesse totalmente pronta para ser
transportada, mudei meu plano de trabalho, na tentativa de apressá-la. Como tinha
uma maquete, fui desenvolvendo a estrutura em ferro ao mesmo tempo em que a
recobria com cimento, diariamente. Os ajudantes que ali estavam, preferiam usar
o aparelho de solda com os artistas que trabalhavam em metal, do que carregar
80

água ou areia. Em algum momento “enquanto manipulava com as mãos o cimento,


pensava na forma como o Wilson (outro escultor que estava trabalhando com o
mesmo material) trabalha. São maneiras tão distintas de fazer, ele é tão técnico;
eu trabalho no caos. Isto se faz presente em mim, o toque, o corpo envolvido, o
fazer parte, modelar o cimento como material cerâmico. Existe uma proximidade
com a escultura que terá sempre o rastro de minhas mãos a acariciando” 24.
Concluo que esse meu caos, esse permitir-se ao erro resultou em uma não rigidez
ao projeto. Porém, ainda tentando seguir o projeto também não fui capaz de
analisar o contexto de trabalho. Certa vez um escultor amigo, Oscar Umpierrez
me disse que em um simpósio nunca se cambia a ideia original. É necessário
segui-la de toda maneira, por não haver tempo para imprevistos. Pois a escultura
de Concórdia carregará minhas decisões por muito tempo, instalada à beira do
Rio Uruguai, que talvez, em uma das suas cheias a carregue. Mas as águas desse
rio não vão carregar a reflexão que o fazer essa escultura plantou em mim.
Enquanto viajava até Concordia, pensava no que havia lido a respeito dos
escultores Irineu Garcia e Francisco Gazitua, em suas andanças por demarcar o
território latinoamericano. Pensava que, estamos, todos os envolvidos nessa rede,
colaborando para essa demarcação. Porém, no retorno me interrogava a respeito
de que marcas são estas? Que esculturas estamos deixando nesse espaço
público? Não estamos nos precipitando em querer fazer sob essas condições de
tempo? O pouco tempo, o cansaço não permitiram algumas ações que seriam
executadas caso essa escultura de Concordia estivesse sendo realizada em meu
atelier. A expressividade do projeto não estava presente na peça grande, e muitas
situações formais me desacomodavam. Essa não foi a primeira vez e nem seria a
última em que o resultado me desagradava. Porém, pela primeira vez assumia
isso para mim, percebia que ela estaria lá. É preciso concordar que, sempre, como
autores, estabelecemos critérios que não permitem aceitar o resultado ou que
realmente, o resultado de um Simpósio, para o escultor, é o colocar-se à prova, e
depois à um período de reflexão. O escultor reflete sua experiência, mas isto está
presente para quem fica com a escultura?

24
Fragmento do diário da autora, 2014
81

Pensando em todas as esculturas que executei, confesso que não gosto


muito de revê-las em imagens. É importante ter a ciência de que, uma escultura
realizada dentro de um simpósio, em um curto espaço de tempo, em condições
nem sempre ideais, nunca será executada como uma escultura dentro de um
atelier. No atelier existe tempo para amadurecer o trabalho. O que significa ter a
possibilidade de ficar dias apenas a contemplar a forma, e seguir apenas quando
se tem confiança da direção a ser tomada. No Simpósio essas decisões são
tomadas de forma mais impulsiva. Não permite-se pensar muito, é preciso fazer,
existe prazo para terminar. Em nenhum momento até agora pude rever
pessoalmente alguma dessas esculturas que deixei nos lugares onde estive... não
sei exatamente como foram instaladas em seus locais permanentes. De algumas
recebi imagens, de outras notícias de que estavam sendo restauradas. Porém,
guardo para mim esculturas compostas da experiência de tê-las realizado e tê-las
visto apenas por alguns instantes. Essas esculturas ainda se configuram das
imagens que fiz. Espero um dia refazer esse percurso. Estar novamente em cada
um dos lugares onde deixei uma escultura. “eu sonho em caminhar mais, em
desbravar outros lugares... mas eu penso em um dia refazer essa viagem.”25 Sim,
vou fotografar as peças, se ainda existirem. Mas não são apenas as esculturas
que quero rever, quero reviver o lugar. Sei, será diferente, será outra experiência,
provavelmente um percurso pelos vazios que compõem cada conjunto de obras
realizadas em um simpósio. Quem sabe me aproxime do sentimento que descreve
Bourgeois26:

Eram uma recriação das pessoas de quem eu sentia saudade. Eram


presenças e ocupavam o espaço todo. Representavam as pessoas que
eu deixara para trás, ou seja, meu pai, meu irmão [...] Pode-se dizer que
era uma espécie de memorial. (BOURGEOIS,2000, p. 192)

Embora nunca tenha, como disse, visitado uma escultura por mim realizada
em um simpósio, penso, também a partir da experiência de Santa Maria, que
essas esculturas vão simbolizar sempre a presença do que aconteceu,

25
Fragmento do diário da autora, 2015.
26
A artista se refere às suas primeiras instalações escultóricas, em entrevista à Trevor Rots, em 1990.
82

representando aqueles que ali estiveram. Muito mais que um monumento público,
essas peças são memoriais da ação. Que por sua vez, para mim seriam um vazio.
É sobre o vazio que sigo falando nas próximas páginas; o vazio que se refere a
não-presença da ação em que consiste a reunião de escultores em um Simpósio
de Esculturas. Esse vazio que diz respeito a relevância dessa ação e da
convivência, do espaço de interação que ela propõem, entre os artistas.

Figura 25(página seguinte): Esculturas


realizadas no I Encontro Internacional de
Escultores de Santa Maria expostas no
Largo da Gare. 2011. Acervo pessoal.

Ser escultor é não estar sozinho.


83

vazio
84

2.3 Simpósio Internacional de Escultores de Santa Maria: uma história pela


perspectiva da artista proponente

Começo escrevendo pelo fim, pois quando inicio esta etapa da escrita, é
nesta fase em que me encontro. Como em um ciclo, já venho há alguns anos
vivenciando a experiência da expectativa, da euforia e do vazio. A imagem
anterior mostra as esculturas que foram realizadas no I Encontro
Internacional de Escultores, no ano de 2011, em Santa Maria. E vazio é a
sensação de ver as esculturas finalizadas na Gare, à espera de seus locais
permanentes, a cada edição deste evento. A presença das esculturas remete
ao vazio que figura a ausência do que foi vivido, e que não se reestabelece.
Poderão vir outros anos, outros grupos, a experiência sempre será outra,
redesenhada por seus atores. É importante ressaltar que é deste momento
que escrevo, pois certamente as palavras teriam outra euforia se eu
estivesse às vésperas do começo, e quem sabe, nem sairiam se eu
estivesse no meio. O espaço de tempo do qual escrevo vai desabrochar em
mim uma perspectiva, que em outra circunstância seria distinta. Nenhuma
negaria a essência daquilo que vou registrar, mas escrevo a partir do que
sinto agora, e é importante reconhecer que nossa escrita é atravessada por
aquilo que estamos sentindo.
É dezembro de 2011, são aproximadamente 10 horas da manhã do
dia 09. Não temos a dimensão do que estamos começando. A concretização
do I Encontro Internacional de Escultores de Santa Maria não simboliza
apenas a possibilidade de dez dias de intercâmbio que estavam por vir, a
partir da reunião de cinco artistas em torno do entalhe em pedras. Um outro
curso estará se inscrevendo a partir dessa ação. De forma ousada considero
que, para a cena cultural da cidade de Santa Maria; e com toda a certeza
para o grupo Arte Pública e para mim. Existe, em nossa trajetória artística,
um antes e um depois deste pertencer.
85

Quando passei a trabalhar na ideia de realizar um Simpósio de


Escultores em Santa Maria27, junto ao Grupo Arte Pública, não tinha a
dimensão do que este acontecimento viria a ser. Naquele primeiro momento,
o caminho tomado, mesmo sem uma total consciência, era para o que sugere
Basbaum:

Trabalhar sob circunstâncias locais, mas estabelecendo relações entre


uma rede global: esse é talvez o primeiro passo estratégico que grupos
independentes de artistas aprendem, como meio de se tornarem menos
amarrados às conexões locais, assegurando uma mobilidade política
necessária para produzir mudanças no ambiente em que atuam.
(BASBAUM, 2013, p. 64)

Esta realização não nasceu dos últimos meses que a precederam,


compostos do estabelecimento de novas alianças e de tramitações
burocráticas. No ano de 2008, Roberto Chagas, um dos integrantes do Arte
Pública esteve por pouco mais de uma semana na cidade Uruguaia de La
Pedrera, produzindo uma escultura, junto a artistas daquele país e da
Argentina. Retornou à Santa Maria tão inundado daquela experiência e
convicto de realizar algo semelhante em sua cidade. O grupo decidiu por
investir nesse projeto, que viria a ser o mais relevante de todos que executou.
Foram três anos de conversas, discussões, propostas, promessas. Foram
dezenas os grupos, artistas, pessoas, instituições procurados para dialogar e
estabelecer parcerias. Entre negativas e, afirmativas que eram falsas, o projeto
foi debatido em muitos momentos, e cada vez se reconfigurava. A ideia do que
Roberto havia vivenciado no Uruguai se transformava em algo muito particular,
agregando características de cada integrante do Arte Pública e peculiaridades
a partir do contexto em que se propunha a acontecer. Sobre essa identidade
do projeto com seus propositores, perceptível já antes de que acontecesse,

27
O Simpósio Internacional de Escultores de Santa Maria acontece no Largo da Gare, antiga Estação
Férrea da cidade. Das quatro edições realizadas, a de dezembro de 2013 foi financiada pelo Fundo de
Apoio à Cultura, do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, totalizando o valor de R$ 25.000. As demais,
realizadas em dezembro de 2011, janeiro de 2015 e dezembro de 2015 foram financiadas através de
convênio com a Prefeitura Municipal de Santa Maria, respectivamente foram disponibilizados R$ 60.000;
R$ 71.000 e R$ 99.800 reais. Todas as edições tiveram a duração de 10 dias de produção dos artistas. O
financiamento custeia o transporte, alimentação e hospedagem dos artistas convidados, assim como um
pró-labore simbólico; os custos de produção do evento; toda a infraestrutura proposta na Gare, bem
como todos os custos de materiais e insumos para a produção das obras.
86

podemos refletir a partir do que Basbaum afirma, pensando que era essa
direção que tomávamos:

Os artistas com os quais queremos trabalhar têm relações com o nosso


trabalho pessoal. Não queremos fazer um espaço com que não nos
vejamos também representados. Não deixa de ser um espaço para
também multiplicarmos o nosso trabalho e criarmos alianças.
(BASBAUM, 2013, p.128)

Delimitamos o espaço ao tempo em que criamos nossos próprios


territórios, com as caraterísticas as quais nos identificamos. Produzimos, no
papel de agenciadores, e não apenas de artistas, a partir daquilo que
acreditamos, pois é isso o que acontece quando artistas ocupam outros
lugares da arte que não apenas aquele da produção poética da obra.
Construímos, na contemporaneidade, especialmente, sítios pelos quais será
possível circularem nossas manifestações. Estes artistas, que Basbaum define
sob o termo de “artista–etc” atuam para criar espaços de produção e de
circulação:

Existem alguns artistas que não se isolam apenas enquanto produtores


do seu próprio trabalho, enquanto criadores mergulhados somente em
seu próprio universo poético e que também gastam o seu tempo ou
melhor, transformam o tempo de produção também em dedicação à
fomentação, à produção, ao agenciamento de outros eventos,
envolvendo outros artistas, outros criadores (BASBAUM, 2013, p.107)

Nesse momento iniciávamos nossa trajetória como “artistas-etc”.


Passamos a dedicar parte do tempo a algo além da nossa produção; que por sua
vez, viria a abrir novos caminhos para a mesma. Mas eu comecei sem saber.
O projeto se redesenhava a partir dos indivíduos que o pensavam, e das
suas ansiedades-necessidades-subjetividades. Consistia em um projeto ideal,
pois além de reunir artistas de diversos países para produção de esculturas, tinha
na sua formatação original a publicação de um catálogo, com textos de teóricos
reconhecidos na área; uma ação educativa, que ofereceria transporte,
mediadores e oficinas aos alunos de escolas de Santa Maria; auxiliares
remunerados para os artistas; além de uma excelente estrutura para o trabalho
dos escultores, no que diz respeito à produção das esculturas, que também
87

contariam com um considerável pro-labore. Naquela primeira edição, apenas a


reunião de artistas em torno da produção escultórica se concretizou.
Realizar um projeto cultural demanda a participação e a interlocução com
diversos agentes. Para o artista gestor a preocupação primordial é com os demais
artistas, e ainda, a maior relevância está na produção artística e em todas as
relações passíveis de serem construídas a partir da proposta. Em um primeiro
momento esse “artista gestor”, nem sempre é prático em suas aspirações; ele
idealiza. Mas a execução passa por outras demandas que reconfiguram a ideia
inicial, no caso desta primeira edição na cidade de Santa Maria foram fatores
financeiros que delimitaram a proposta, da mesma forma que afirma Basbaum:

[...] estariam envolvidas questões acerca da funcionalidade da arte e da


busca de resultados “em tempo real”: enquanto o contador checa o
balanço para auferir as contas em busca do saldo positivo ou crescente,
ansioso por transmiti-lo ao patrocinador, o poeta contabilizaria a
conquista de questões cuja conclusão permanece em aberto, problemas
no sentido de uma proximidade com os fluxos da vida e da existência,
traços de sensorialidade e percepção em atualização através da
experiência do aqui e agora. (BASBAUM, 2013, p. 71)

Portanto, assumir o papel da produção cultural, enquanto artista, consiste


em saber articular: a percepção artística, esse ponto de vista de que a arte
instaura-se como elemento de comunicação e como produção subjetiva no
mundo, alterando, de forma simbólica seu contexto; percepção política, pois
existem sempre jogos de interesses que permeiam as decisões, ou alianças que
devem ser preservadas em prol da continuidade (geralmente de disponibilização
financeira) do projeto; e, por fim, a percepção financeira que, por sua vez, acaba
por definir a concretude do que foi planificado.28 Trata-se de trabalhar com a
consciência de que os “resultados” de uma ação artística não são passiveis de
serem expressos em números, ao tempo que, quem financia tal produção, no

28
Delimito em três instâncias, enquanto Basbaum delimita em duas, pois, quando falo em percepção
financeira, trato exatamente da realidade do contexto que está financiando esse evento, ou seja, se é o
munícipio que vai financiar, que realidade de arrecadação tem esse município? Ou ainda, após a
disponibilização, que valor real existe para a execução do projeto? No caso do Simpósio de Santa Maria, já
o organizamos em “diversas” condições financeiras, e a cada situação, o valor disponível absolutamente
definia o projeto.
88

Figura 26: Colagem com imagens


realizadas durante o I Encontro
Internacional de Escultores de
Santa Maria, 2011. Acervo pessoal.

Ser escultor é não estar sozinho.


89

caso do Simpósio, o poder público, justamente percebe nas quantificações algum


resultado. Muitas vezes, é a longo prazo que se constroem novas percepções
através da arte.
Sobre as imagens da página anterior, tomadas na primeira edição do
evento em Santa Maria, em dezembro de 2011, começando pela superior, eu,
André Marcos, organizadores do evento, Martin e Emiliano, escultores
participantes, Hélio, ajudante. O grupo, que além do sorriso, tem em comum a
poeira sob o corpo, quase que provocando um disfarce, foi flagrado em um
momento de pausa, sentados à beira do local onde os demais artistas seguem
trabalhando. Esse momento da foto, é espaço onde acontecem conversas, muitas
conversas, as quais abordam os mais diversos temas. Na imagem que segue, um
círculo de pessoas, no sentido horário, eu, Jorge, escultor local participante,
Juliano, André, organizadores e novamente Hélio, o ajudante. Estamos no
intervalo entre o encerramento do trabalho do dia e a janta. Dentro do atelier
desfrutamos de um momento um pouco mais privado onde, quanto organização,
realizamos, provavelmente, um balanço do dia, ou quem sabe, planos de ação
para o dia seguinte. Abaixo dessa imagem, as duas menores imagens da página
apresentam dois momentos de refeição: a imagem mais à esquerda reúne artistas
e algumas figuras políticas em um restaurante; a outra reúne os artistas e a
organização em um almoço no próprio atelier ao lado de onde acontece o
simpósio. Na extrema direita dessas duas imagens, podemos ver o escultor Martin
mediando, em sua própria escultura em processo, a experimentação de dois
curiosos estudantes, dentro de um grupo de aproximadamente trinta, que
visitaram o simpósio. E por fim, na parte inferior da página uma vista geral do
simpósio, onde podemos localizar as cinco pedras em pleno processo de
transformarem-se em esculturas, abrigadas em lonas, sob o singular colorido do
entardecer da Gare.
Através destas imagens retornamos à primeira edição do evento e buscamos
ambientar a escrita. Essa colagem apresenta as diferentes formas de relação que
este evento possibilita: interação, diálogo, partilha de saberes e experiências. A
partir destas imagens também posso pensar nos espaços ocupados, desde o
espaço do artista, o espaço político que ocupa a arte, que não é o mesmo que o
espaço político que a arte ocupa; o espaço democrático, formativo, educativo; o
90

espaço público, o encontro; o espetáculo e a experiência singular de cada sujeito


envolvido.

Entre 2011 e 2015 foram quatro edições do evento em Santa Maria, o que
aponta para uma trajetória consolidada, porém, sempre com um futuro perene 29.
São, como disse, diversas vontades de diversos atores que vão ou não permitir a
continuidade, a cada ano.
Esses eventos, continuam se construindo a partir da proposta inicial,
idealizada pelo grupo Arte Pública, reformulada pelos diversos fatores que
interferem em sua execução. No decorrer das quatro edições realizadas até o ano
de 2015, o forte investimento do Governo Municipal têm consolidado a ação; o
que da mesma maneira evidencia sua dependência à situação governamental.
É importante ressaltar que foram quatro edições deste evento, que ao total
reuniu quatro distintos grupos de artistas na cidade de Santa Maria30. Tais
encontros resultaram em vinte e nove esculturas instaladas em espaços públicos
da cidade, em distintos materiais: pedra, madeira, cimento, ferro e fibra de vidro.
As esculturas são realizadas a partir da proposta poética de cada artista
convidado31, que possui liberdade na execução de sua proposta. Existe também,
um grande envolvimento da comunidade artística local. Grupos de artistas já
estabelecidos na cidade, assim como um grupo de voluntários, se incorporam

29
Este “futuro perene” diz respeito a ser uma inciativa artista que conta com o apoio da instituição
pública. Desta forma, depende de aprovação em editais de financiamento, ou do apoio direto da
Prefeitura, como vem acontecendo, e que é incerto sempre que uma nova gestão assume.
30
No ano de 2011 participaram: Arlindo Arez (Portugal) Emiliano Gonzalez (Argentina) Silvestre Peciar
(Uruguai), Martin Iribarren (Uruguai) e Jorge Goulart (Brasil). Os trabalhos foram realizados em blocos de
arenito extraídos de uma pedreira na cidade de Santa Cruz do Sul. A segunda edição aconteceu apenas em
dezembro de 2013, reunindo Oscar Umpierrez (Uruguai), José Francisco Goulart e Irineu Garcia (Brasil),
Gonzalo Tobella e Simon Jimenez (Chile) e Laura Marcos (Argentina). Nesta edição foram utilizados
troncos de madeira como material. A terceira edição aconteceu apenas em janeiro de 2015 reunindo
Stefano Sabetta (Itália), Oscar Aguirre (Cuba),Jose Miguel Carcamo (Chile), Douglas Dorneles, Maia e Jorge
Schröder (Brasil), Rodolfo Sória (Argentina), Eliana Pereira (Uruguai). Foram realizadas esculturas em
pedra e em cimento. A quarta edição, realizada em dezembro de 2015 reuniu Lorena Olivares (Chile), Luis
Fernando Chumacero (Bolivia), Andrey Makeev (Rússia), Sergio Olivera e Boris Romero (Uruguai), Renato
Brunello e Valquiria Navarro (Brasil), Xicotencalt Rivero (México), Gabriel Muñoz (Costa Rica) e Eduardo
Waxemberg (Argentina).
31
Os artistas participantes são convidados através de um processo de curadoria. Boa parte dos Simpósios
realizam seleções de projetos a serem executados. No caso de Santa Maria, os escultores organizadores
participam de Simpósios, onde conhecem o trabalhos de outros artistas. A partir desse mapeamento, a
curadoria acontece. Além do trabalho e da trajetória dos artistas, também são consideradas as condições
financeiras do evento, tendo em vista que inclusive custos de transporte são de responsabilidade do
evento. Dessa forma, uma seleção não seria justa, se, ao selecionar a partir de projetos inscritos fosse
necessário levar em conta a possibilidade financeira.
91

todos os anos na convivência que se estabelece na Gare, enfatizando o espaço


de interação que o simpósio oferece32. A cidade de Santa Maria passa a fazer
parte do calendário de Simpósios que acontecem pelo mundo, recebendo
manifestações de artistas de diversas nacionalidades. Em termos de recursos
financeiros, esse é um dos eventos de Artes Visuais com um dos maiores
investimentos do interior do estado do Rio Grande do Sul, porém, suas proporções
de alcance em termos de mídia estadual; e mesmo de reconhecimento no meio
artístico, especialmente aquele que se desenvolve dentro do meio acadêmico, não
condizem proporcionalmente.
É preciso pensar em que reflete para a comunidade santa-mariense tal
ação, quais são suas contribuições, como reverbera no circuito artístico da cidade.

Considerando que o evento em Santa Maria é promovido por artistas,


portanto, pensam a atividade não apenas como o espetáculo que se dá durante
seu ápice de acontecimento, ou seja, os dez dias de produção do grupo de
escultores na cidade. Mas sim, pensando nos desdobramentos que essa ação
gera para todos os envolvidos. Os espaços permeados pelos artistas que
“habitam” o simpósio ultrapassam as fronteiras nacionais. A inserção dos
propositores do Simpósio de Santa Maria, como artistas dentro dessa rede,
acarreta em uma maneira diferenciada de pensar todo o evento. À ideia inicial
agregam-se aspectos de outros eventos vivenciados, da mesma forma que cada
artista participante contribui com suas percepções que são compartilhadas de
forma horizontal; de artista para artista.

Essa construção coletiva vai originando um processo de transformação, assim


como modifica o simpósio e a forma como é organizado, a cada edição, modifica
também as pessoas que nele se envolvem33. Trata-se de um processo de

32
É importante ressaltar a participação do Grupo da Estação, que, além de oferecer seu espaço físico na
Gare como suporte está sempre presente na equipe de apoio. Ainda a partir da segunda edição, no ano de
2013 contamos com o apoio da Associação Piazito, a qual desenvolveu, naquele ano o documentário “O
nó da Madeira”, com direção de Daniel Paim e Mariangela Scheffer, a partir do Simpósio. Todos os anos
um grupo de estudantes do atelier de escultura da Universidade Federal de Santa Maria participa
auxiliando os artistas e auxiliando na infraestrutura do evento. Essa participação dos estudantes acontece
de forma voluntária, não existindo, embora tenha-se buscado anualmente, um apoio oficial da instituição
de ensino.
33
Embora trato de forma mais específica sobre o assunto na sequência, é importante registrar que,
através do envolvimento de todos esses sujeitos no Simpósio de Escultura realizado em Santa Maria,
diversas outras ações passaram a acontecer. Podemos citar, entre outras, a presença anual de um grupo
de artistas santa-marienses no Encontro de Escultores em Palmar do Uruguai, que acontece em abril; a
92

aprendizagem no campo da arte, um processo orgânico de aprendizagem. Cada


escultor que participa vai acrescentando suas experiências que são somadas. E
a afinidade bem como a afetividade são elementos operantes dessa ação.

realização de exposições individuais dos artistas Anita Monoscalco, da Itália; Rodolfo Sória e Lucas Llanos,
da Argentina na cidade de Santa Maria; tais ações constatam que Santa Maria passa a ser vista a partir de
outras perspectivas como uma espécie de polo cultural.
93

ESPAÇOS PROVOCADOS

“Fevereiro de 2013, no extremo sul do Chile. Além das águas do Rio


Uruguai, muitas foram as fronteiras que cruzei para ser personagem
dessa imagem. Fronteiras políticas, geográficas e aquelas que eram
minhas.

Umas duas ou três vezes por dia parávamos para o mate. Era esse
estar junto sendo de longe, conhecer o desconhecido que nos fazia
não querer voltar.”

Figura 27: Autora com grupo de escultores no Simpósio de


Coyhaique, Chile, 2013, Acervo pessoal.
94

3.1 Espaço de estar e de encontrar

“O que mais vale de tudo isso são as amizades que tu constrói e o respeito que tu tens
por essas pessoas. Agora ando pelo mundo todo e tu não faz ideia do carinho que encontro.”

Irineu Garcia, escultor34

Figura 28: Grupo de escultores a partir de Rosana Modernell (de joelhos), em sentido horário,
Stefano Sabetta, Roberto Chagas, Catiuscia Dotto, Luiz Albayay, Gonzalo Tobella, Wicha
Mastronardi, Andres Figueroa, Jaime Lopez, Marco Soto e Carlos Vargas, em horário de almoço,
no XIX Simpósio Internacional de Escultura de Valdívia, 2014, Acervo pessoal

Os Simpósios de Escultura estabelecem uma geografia cultural, instaurada


de forma flexível, sempre em movimento. Trata-se de uma estrutura orgânica, pois
seus agentes estão sempre a recriando, permitindo que se estabeleça a partir de
uma estrutura verdadeiramente horizontal, na qual existem espaços que podem
ser sempre reabitados.

34
Depoimento do artista a autora em 07 de março de 2015, Porto Alegre, RS
95

Percorrendo esta geografia, determinada por este circuito no qual se


instituem os Simpósios, os artistas deslocam sua produção dos espaços privados
de seus ateliês e desafiam-se a conviver com outros artistas em outro contexto.
Estarão, por determinado período, em ambientes criados para que direcionem-se
somente à sua produção, porém, é fato que serão afetados pelo deslocamento,
pela conjuntura do lugar e pelo convívio. Sobre essa mobilidade e as ações que
ela reverbera no artista Packer escreve:

De modo geral, acredito ser imprescindível entendermos que a


mobilidade não pode estar restrita ao mero deslocamento de corpos e
objetos de um ponto para outro, pois lida e constitui práticas e fenômenos
dos mais variados, respondendo a disposições locais e mundiais,
políticas, culturais, sociais, históricas, econômicas, e porque não
também lembrar, religiosas, produzindo subjetividades e constituindo
comunidades. (PACKER, Amilcar in VASCONCELOS E BEZERRA,
2014, p. 29)

A mobilidade atua sobre todos os sentidos e as sensações, desloca e


coloca o artista em distintas situações que condicionam suas ações e reformulam
seu pensamento. O trânsito pelo território é uma prática contemporânea na arte
como afirma Moraes:

Nesse sentido, é crucial pensar sobre processos de criação, em trânsito,


em deslocamento, como uma forma contemporânea de produção – na
qual conceitos como troca e vida coletiva se tornam fundamentais numa
estratégia de atuar –, como mecanismo de colaboração com a cena
artística local e, ainda, como meio de dinamização e circulação de
informação e de conhecimentos. (MORAES, Marcos in VASCONCELOS
E BEZERRA, 2014, p. 41)

É neste contexto da arte contemporânea e do fim da escultura como


monumento comemorativo que surgem os Simpósios de Escultura: “Os simpósios
de escultura sucederam-se e promoveram encontros em que artistas de todo o
mundo se reuniram para a realização e produção de obras de arte.” (LARANJO,
2010, p.05), citando o caso do Algarve em Portugal, mas que estende-se a
diversos outros locais. Em um primeiro momento percebe-se a importância dos
Simpósios diretamente relacionada à produção de esculturas, e seu resultado, às
96

obras que permanecem habitando as comunidades que sediam tais eventos. No


entanto, é evidente a importância das relações que se estabelecem durante o
período de realização dos mesmos. É necessário refletir a respeito do ambiente
que esses eventos proporcionam e quais relações e percepções provocam em
seus sujeitos.

Já na sua origem, tais eventos destinavam-se à troca de experiência entre


os artistas, caráter presente na fala de Karl Prantls, apresentada anteriormente,
um dos precursores na história dos Simpósios. Em toda minha experiência
narrada, evidencia-se que as relações construídas e os sabores experimentados,
são mais relevantes que as esculturas realizadas. As provocações exercidas pelo
contexto de deslocamento que se experimenta nestes eventos, assim como pela
presença do coletivo ressaltam reflexões ao processo de produção das esculturas,
que passa a possuir significância formativa e transformativa para o sujeito.

Portanto, é possível pensar os Simpósios de Escultura como espaços de


residência artística, tendo em vista que estas assim se definem:

É possível identificar as residências artísticas como espaços específicos


de criação artística, que se convertem em lugares de trocas e
reconhecimento, nos quais os artistas/criadores, com seus
trabalhos/intervenções recuperam a complexidade e a diversidade, o
significado e o valor das relações entre arte e vida. (MORAES, 2009, p.1)

Os Simpósios são ambientes voltados para a produção do artista. Permitem


que este possa se inserir por completo em seu processo de criação e no
desenvolvimento de seu trabalho. Da mesma forma, possibilitam o intercâmbio
cultural e à discussão teórica. Entretanto, dentro deste grande campo das
residências artísticas, os Simpósios mantêm suas especificidades; entre outras,
por tratarem apenas da área tridimensional, exatamente da escultura e geralmente
não estarem vinculados a instituições acadêmicas, embora consistam em espaços
de formação artística. Ainda, é relevante destacar o caráter de que o artista é
retirado de seu cotidiano, e é proporcionado a ele um ambiente propício à sua
produção; tanto no sentido de que todas as atividades deste período serão
relacionadas ao processo artístico, bem como, que lhe é possível realizar uma
97

obra de caráter monumental, em esfera pública, muitas vezes com materiais e


soluções técnicas inacessíveis em seu atelier. Outra situação é que estará inserido
em um grupo, junto com outros artistas que possuem o mesmo objetivo, como
uma espécie de confinamento em seus processos individuais, e com potência para
discussões no coletivo. Também, é importante ressaltar a forma como estes
escultores estão submetidos a distintas culturas, a outros costumes, tendo em
vista que estes Simpósios buscam estabelecer uma relação dos artistas
convidados com o que é característico da cultura, das formas de vida, do
pertencimento ao lugar que recebe.

Outro ponto importante na discussão sobre a residência artística é a


relação de cada artista com o “desconhecido” que se apresenta ao
aceitar um desafio para viver uma situação que rapidamente pode
converter-se em adversidade; não apenas visitar ou estar, mas
estabelecer vínculos com as pessoas, espaços e lugares, permitir-se
relacionar para produzir a partir desta interação; é preciso pensar, ainda,
que a ansiedade e o medo, peculiares aos seres humanos e muitas
vezes motivadores dessa forma de relação com o mundo são, neste
caso, elementos importantes como parte desse desafio do estar
deslocado e viver junto. Inserido em outro contexto, o artista não tem
mais o controle absoluto e se percebe como incapaz de deter isso em
suas mãos, ele lança-se em uma experiência-limite – e não em uma
aventura – que o toma por inteiro. (MORAES, Marcos in
VASCONCELOS E BEZERRA, 2014, p. 51)

Ou seja, embora esses simpósios insistam em deixar o território demarcado


com esculturas em escala monumental, ele também estará demarcado pela
presença de uma ação coletiva, de uma ação em colaboração. Da mesma forma,
cada indivíduo participante desta ação sofre transformações a partir desse
processo. O estar junto aos demais, o permitir-se, ver e ouvir o outro modifica o
sujeito. Este recriar, também motivado pela posição de deslocamento, de estar em
outro contexto, experimentar o cotidiano de outra cultura, transcorre em
intervenções no processo criativo, resultando em modificações no fazer artístico.
Pois, para Salles:

Ao emoldurar o transitório, o olhar tem de se adaptar às formas


provisórias, aos enfrentamentos de erros, às correções e aos ajustes. De
uma maneira bem geral, poder-se ia dizer que o movimento criativo é a
98

convivência de mundos possíveis. O artista vai levantando hipóteses e


testando-as permanentemente. (SALLES, 2004, p.27)

O artista permanece com o olhar atento ao mundo à sua volta, fazendo


“seleções apropriações e recombinações, transformando e traduzindo” tudo aquilo
que experimenta.

Participar de Simpósios, inserir-se nessa rede de deslocamento


caracteriza-se como uma experiência transformadora, pois o artista passa a
submeter-se ao novo, ao coletivo, ao outro. Ainda, propõem-se a um espaço
integral de relação com seu processo criativo, de imersão nas questões referentes
à arte. São espaços temporais construídos, reunindo artistas que buscam,
conforme Packer (2014, p. 32) operar fora de “eixos tradicionais do deslocamento
profissional, este que mais do que frequentemente reproduz os fluxos e as
narrativas coloniais”, criando o que ele chama de uma “re-territorialização” e
promovendo “temporalidades distintas das exigidas pelo vigente sistema de
aceleração da produtividade”. A movimentação buscada por esses artistas, refere-
se a uma descentralização das ações artísticas, democratizando a produção em
arte no momento em que se aproxima da comunidade e também em que possui
formas menos burocratizadas de inserção de artistas. Certamente que estas
modificações não devem ser pensamentos generalizados dentro da rede de
Simpósios, que possui diferenças em suas formas de atuação e que também
acaba por estabelecer processos de seleção, que muitas vezes excluem. Ainda
assim, atuam no sentido de “modificar os sentidos unidirecionais dos fluxos
artísticos”, como refere Packer, constituindo “relações de reciprocidade, que
permitam que todo lugar possa operar como centro, lugar de chegada,
acolhimento”. Relações estas possíveis de serem articuladas por quaisquer dos
sujeitos envolvidos.

Sobre os espaços de estar e de encontrar que os Simpósios provocam aos


seus participantes, muito ainda deve ser discutido. A partir das experiências
narradas de minha trajetória, são pontuados diversos aspectos que dizem respeito
à produção artística dentro desse contexto. Percebo que é necessário, para a
compreensão de suas reverberações no processo artístico dos participantes, um
99

estudo que envolvesse o diálogo de diversas narrativas, consistindo essa narrativa


inicial objeto de fomento para tal.

3.2 O público encontra a arte e o artista

[...] todo lugar da arte é, ou deveria ser, um lugar de encontro.”

(Nelson Brissac – Peixoto, 1998, p. 120)

Além do encontro entre artistas, os Simpósios de Escultura possuem como


característica o encontro do público com a arte. Este contato acontece em dois
momentos: no primeiro, quando os escultores estão em ação e o público pode
acompanhar o processo de produção das esculturas; no segundo, quando as
esculturas habitam de forma permanente os espaços públicos da cidade.

Sobre o momento em que a comunidade pode presenciar o evento e


acompanhar os artistas durante sua produção Laranjo (2010) afirma serem
espetáculos, que na verdade estão propondo a interação entre os diversos
agentes da arte com o público. O objetivo é fomentar intercâmbios, promover a
interação entre artista, arte e público, instituindo diálogos, em um primeiro
momento, entre o processo instaurado pelo artista na produção da obra em
direção ao público.

É nesse primeiro momento, quando os escultores encontram-se em um


atelier temporariamente montado, em praças, parques, enfim, em espaços abertos
à visitação, que o público pode presenciar a ação. A este público é permitido o
contato com os escultores em seu pleno ofício de entalhar, modelar, soldar, etc.
Essa ação nos provoca a mesma reação que descreve Silva (2014) ao
acompanhar a visita de um artista da 9ª Bienal do Mercosul em uma escola na
cidade de Santanna do Livramento (RS), quando então uma professora agradece
100

por levar aos alunos um artista “vivo”. A presença pessoal do artista nos espaços
de relação com o público levam a

[...] entender como o artista desempenha, então, esse papel social.


Como acontece um desvelamento de sua ação que transborda para
outras áreas em que as pessoas, em geral, não veem atuação do artista.
Esse papel, notadamente político, ocorre em duas vias: uma, como
agente de conhecimento especializado, ao ampliar aos outros sua práxis
através de novas práticas; outra, de estabelecer novas formas de
integração e interação do social como articulador, catalizador ou
organizador dessas práticas. (SILVA,2014 p. 105)

Esse mesmo sentimento que Silva descreve a partir de sua experiência,


provavelmente se desdobra durante a realização de um Simpósio. No caso de
Santa Maria, especificamente, não alcançamos de forma direta essa confissão do
público, pois, infelizmente ainda não existe, como era objetivo desde a idealização
do evento, repito, uma ação direcionada ao atendimento deste público. Embora os
grupos escolares que visitam o Simpósio, bem como as pessoas que se deslocam
até a Gare recebam acolhimento, não acontece ainda um processo formalizado.
Porém, essa é uma das situações presentes, a desmistificação da figura do artista,
que se apresenta como um “fazedor”. O artista que manipula as mesmas
ferramentas comuns de se ver nas mãos de um serralheiro ou de um madeireiro,
em sua práxis. Silva vai além, pois quando fala de participação e de colaboração,
por parte do público, não trata-se exatamente da postura do público de um
Simpósio, pois, se a ação colaborativa e participativa dentro do campo da arte
consiste em uma desconstrução da ideia de público quanto espectador (SILVA,
2014, p. 106), não afirmaria o mesmo para o caso dos Simpósios de Escultura. O
público não deixa totalmente de expectar o processo, que, por sua vez, carrega
um caráter de espetáculo. Considero que o público dos Simpósios está numa
perspectiva de deslocamento, enunciado pelo deslocamento do artista. Ou seja, o
público é apresentado a outro espaço-tempo da trajetória de produção da obra.

Esse encontro, que acontece de forma voluntária ou involuntária, entre o


público e o conjunto de artistas trabalhando pode nos remeter ao que Bourriaud
(2009) define como Estética Relacional, na década de 1990, onde existe a
101

preocupação em pensar a arte a partir das relações humanas que a mesma


propõe ou figura.

A Arte Relacional surge exatamente no momento em que “ o contexto social


restringe as possibilidades de relações humanas e, ao mesmo tempo, cria
espaços para tal fim” (BOURRIAUD, 2009, p.23). Essa restrição das relações se
desenvolve a partir do avanço das tecnologias mecânicas e da sua inserção no
cotidiano. O maior exemplo que podemos citar são os meios de comunicação, que
encurtaram as distâncias territoriais, e colocam praticamente todas as pessoas em
uma grande rede, inclusive excluindo, por diversas vezes, suas singularidades
culturais, anulando as individualidades. Ao mesmo tempo em que é possível uma
comunicação intercontinental pelos meios tecnológicos e virtuais, diminuem-se os
espaços comunicativos presenciais.

Bourriaud aponta que vivemos em uma sociedade onde são imensas as


possibilidades de comunicação assim como de mobilidade, o que gera a criação
de uma cultura mundial e urbanizada, contexto no qual as relações humanas
acontecem de forma fortuita. Dentro deste ambiente urbano a arte se transforma
de um “espaço a ser percorrido a uma duração a ser experimentada”
(BOURRIAUD, 2009, p.25). Embora defina que a arte sempre foi relacional, afinal,
uma escultura ou uma pintura sempre levam a um discurso e a um diálogo imersos
nas relações vividas pelo artista e ali codificadas, e essas vão gerar no espectador
uma série de novas relações a serem construídas. O autor argumenta que a arte
contemporânea possui um caráter relacional na sua essência, quando a relação
consiste na interação e na participação.
A facilidade de comunicação proporcionada pelos meios digitais; assim
como a facilidade que temos nos dias de hoje em termos de mobilidade
proporcionada através dos meios de transporte, são fatores que ampliam a rede
formada pelos Simpósios de Escultura. Esse mesmo desenvolvimento que
“afasta” as relações humanas de contato, é utilizado na arte para ampliá-las,
permite que esses encontros aconteçam de forma cada vez mais interligada
através de seus sujeitos. E dentro deste contexto, as relações que se vivenciam
no encontro podem determinar-se com uma importância artística tão relevante
quanto a forma material que se produz. As esculturas produzidas em um Simpósio
102

ficam na cidade sede do mesmo e são objetos que vão remeter a experiência
vivenciada.
Este encontro do escultor com o público, sugere ao artista uma nova posição,
a de estar produzindo fora das redomas do seu atelier, sob o olhar do público. E
esse olhar curioso passa a ser conhecedor do processo. Esta ação acontece de
forma semelhante a que usa Bourriaud (2009, p. 41) para descrever a
monumentalidade da performance: “Se desenrola no tempo do acontecimento,
para um público chamado pelo artista. Em suma a obra suscita encontros casuais
e fornece pontos de encontro, gerando sua própria temporalidade” E ainda: “eles
expõem e exploram o processo que leva aos objetos e ao sentido. O objeto é
apenas um happyend” (Bourriaud, p. 75).

Porém, não podemos propor os Simpósios como ações performáticas,


tampouco como arte relacional. Apontamos espaços na Arte Contemporânea com
os quais os Simpósios se relacionam e se assemelham, buscando uma
localização de fato para tais ações e a forma como se manifestam ao público. O
que acontece nesses eventos é que o artista encontra-se na realização do seu
trabalho, e esta realização, antes pertinente ao atelier, existe agora como uma
ação aos olhos do público ao encontro de que “Arte não é só o produto
considerado acabado pelo artista: o público não tem ideia de quanta esplêndida
arte se perde por não assistir aos ensaios” (LOUIS, Murray, 1992, in SALLES,
2004, p.25). Este encontro é proposto pelo grupo de artistas que se predispõem a
produzir neste espaço criado, no qual, como afirma Laranjo, acontece em um
caráter de espetáculo, no sentido de ser uma apresentação artística e pública que
atrai a atenção das pessoas para o processo de produção e não exatamente para
a obra em si.

É importante ressaltar que nem sempre essa interação entre o artista e seu
processo, ou mesmo entre a obra e o público são positivas. Tais encontros podem
provocar tensões que dizem respeito ao distanciamento que existe entre a
compreensão de arte da maioria das pessoas na contemporaneidade e a arte
produzida nesse mesmo período. Segundo Resende (in FERREIRA e COTRIM,
2012, p.360) “A arte está isolada. O acesso à sua linguagem tem sido controlado
pelas instituições (museu, crítica e mercado) e seu discurso se restringe a um
103

percurso dentro do próprio circuito de arte. “ o que delimita um confronto entre a


arte e o público no espaço público.

Figuras 29 e 30: O público observa o trabalho dos escultores no I Simpósio


Internacional de Escultura em Madera, realizado na Plaza de Armas no centro
da cidade de Coyhaique, Chile, 2013, Acervo pessoal.
104

O segundo encontro do público com a arte determina-se em relação às


esculturas que permanecem. Essas esculturas, geralmente habitam espaços
cotidianos da cidade e acabam muitas vezes por remeter a experiência vivida.
Contém a memória do que foi a ação. Pois são resquícios do que se passou,
deixam de ser esculturas de autoria de determinado escultor para se constituírem,
em um imaginário coletivo, nas obras realizadas durante o simpósio.

A partir do momento em que as obras são erguidas num espaço público,


elas se tornam uma preocupação das outras pessoas. Por seus valores
implícitos e explícitos, julgam pelo que excluem. Tornam-se críticas do
que negligenciam e julgam outras obras e seus contextos. A emergência
de novas relações entre coisas num contexto, mais do que a qualidade
intrínseca da coisa em si, sempre produz novos significados, novas
observações, novos modos de ver. O contexto é redefinido. (SERRA,
2013, p. 119)

Elas buscam modificar a relação dessas pessoas com o espaço, no momento


em que transformam o espaço em lugar. Essas esculturas inserem a poesia no
dia-a-dia, a presença de uma intenção subjetiva em um contexto praticamente
objetivo.

Tanto ação de artistas em atelier aberto, quanto esculturas finalizadas, são


processos de democratização do acesso à arte. Dizem respeito a despertar o
interesse em um público que, muitas vezes, desconhece tal processo. Tratam de
instigar o interesse por objetos/ações que não permitem uma leitura e
compreensão facilitadas. Levar a arte para a rua consiste em provocar a
aproximação daquele público que se mantem distante, porque desconhece. Tendo
em vista a constatação de Souza Silva (2008, p. 10) a respeito de que “as
primeiras oportunidades de acesso físico às obras de arte representaram um
interesse mais ligado à curiosidade do público popular do que o prazer estético
desse público.”, é preciso atiçar essa curiosidade. E propor que as interações
sejam livres, sejam lúdicas, sejam intensas, para assim serem significativas.
105

Figura 31: Criança interagindo com a obra do escultor italiano Stefano Sabetta, realizada no
III Simpósio Internacional de Escultores de Santa Maria enquanto esta ainda encontrava-se
exposta no Largo da Gare, 2015. Acervo pessoal.

Para Bulhões (1999) essas esculturas vão provocar um novo olhar para a
cidade que oferece cotidianamente uma série de situações visuais sobrepostas,
as quais não permitem espaço para o olhar contemplativo. Dessa maneira refere:

Cada escultura encontrará seu espaço na relação com a arquitetura e a


paisagem, criando novos fatos urbanos, reativando lugares,
determinando trajetos e ressemantizando a arquitetura. Elas indagarão
aos transeuntes sobre os pontos de vista e os ângulos que estão
habituados a ver, levando-os a forjar um novo olhar sobre a cidade. Sua
presença será um marco, dirigindo a percepção do solitário passante, a
suscitar diálogos, e estabelecendo leituras simbólicas. (BULHÔES,
1999, p. 02)

Encontrando seu espaço, provocando um novo olhar, a autora reafirma o que


percebo sobre essas esculturas existirem como objetos estéticos, mas como
objetos de memória, pois embora permanentes constituem “resultado de um
processo de produção ainda vivo e ostentavam a marca de um vir-a-ser. Criavam
106

um vasto lugar de trânsito em que se introduziam outros tempo e espaços”.


Remetem ao que foi vivenciado ao mesmo tempo em que incorporam à cidade e
aos olhar do transeunte uma nova informação da paisagem que diz respeito aos
simbólico.

3.3 – O artista provoca o próprio circuito

Uma possibilidade, neste contexto, é que, ser artista, na


contemporaneidade, não condiz com a ideia de estar isolado. O artista, há muito
já não mantém aquela imagem tradicional de estar produzindo recluso em seu
atelier. A partir do processo de globalização provocado pela tecnologia da
comunicação, o artista contemporâneo pode ser autor, não apenas da sua obra,
mas do seu sistema. Basbaum define a condição do artista na contemporaneidade
da seguinte maneira:

Ser ou não um artista não é algo de que se possa exigir limites rígidos
ou absolutos, revelando-se mais como um trânsito, um certo
deslocamento através das coisas, combinando com a produção de um
espaço particular de problemas [...] esse indivíduo (ou coletivo, é claro)
insere-se [...] numa rede de dinâmicas e num contorno de espacialidade
em que movimenta, deflagrando toda uma economia própria deste
conjunto de operações. (BASBAUM, 2013, p. 68)

O artista passa a agenciar os espaços em que circula, aqueles já


existentes, ou mesmo criando novos espaços, figurando outras ações que não
apenas a de criador no campo da arte. E mesmo como mencionamos
anteriormente, traça novas parcerias buscando relações globais com um sentido
de transformações locais. Nesse contexto, pode-se perceber a rede de simpósios
pelo mundo. Esses eventos instauram-se como um circuito não necessariamente
vinculado ao que se poderia chamar de “sistema da arte”, ou seja, todo o
mecanismo movimentado e legitimado por instituições como galerias e museus.
Trata-se de um circuito ou um sistema paralelo, com suas próprias regras e seus
107

próprios autores, e, gerido, geralmente pelos próprios artistas, apresentando


características muito diversas, bem como formas de acesso não
institucionalizadas ou burocratizadas. Sobre essa articulação de um sistema a
partir dos próprios produtores da arte, Basbaum fala a respeito de uma de suas
experiências em grupo, o MAGNET, que reunia pessoas de diferentes países,
artistas, curadores, produtores, em torno de articular ações artísticas:

[...] tipo de agrupamento estranho e (talvez) mutante (logo, fascinante):


cada um dos participantes carrega suas próprias experiências e
referências, seus registros de disputas contra ou a favor de
compromissos ou comprometimentos locais (será que o local é apenas
o lugar onde estamos agora? Existe um lugar ao qual “pertencemos”?) –
entretanto, que tipo de fantasia associamos à experiência “global”,
enquanto realidade ainda a ser construída, inventada, avaliada,
habitada? (BASBAUM, 2013, p. 58)

Pensando nesses aspectos, a rede formada pelos simpósios configura-se como


mutante: cada evento possui características globais, com peculiaridades locais35.
Mas, também é mutante considerando o surgimento e o desaparecimento de
eventos permanentemente; alguns se realizam há muito tempo, outros deixam de
ser realizados quando já parecem consolidados, e muitos não passam da primeira
edição. Porém a rede nunca deixa de existir, pois são os agentes os quais circulam
por esses espaços dos Simpósios que vão retroalimentando-a.

São também os participantes que permitem a rede em constante estado de


transformação: não apenas pelo fato de que, da mesma forma, alguns escultores
participam de muitos eventos, outros apenas tentam e outros não passam da
primeira participação. Mas pela forma como se estabelecem os agrupamentos. A
cada evento, em cada momento, podem se repetir pessoas, mas cada vez
acontecerá uma reconfiguração. Pois são essas experiências, são as vivências e
trajetórias singulares que, somadas, desenham uma nova realidade a ser
experimentada. Em cada encontro, um novo “lugar” é construído coletivamente. O
que pode ser entendido como sendo uma estrutura orgânica e viva, pois não

35Basbaum apresenta nesse mesmo texto, local definido por “ uma palavra de muitos sentidos,
que se altera de lugar para lugar, de contexto para contexto”, enquanto que global diz respeito à
uma complexa questão contemporânea que envolve aspectos sociais, econômicos e políticos
(BASBAUM, 2013, p. 65)
108

apresenta uma rigidez estrutural. Afinal, e, também pelo fato de que grande parte
destes eventos são gerenciados total ou parcialmente por artistas o que
“desenvolve um modelo mais orgânico e menos burocratizado e hierarquizado”
(BASBAUM, 2013, p. 72)

Basbaum ainda fala sobre a questão do global e do local, reconfigurados a


partir das diferentes experiências, questionando o pertencimento à um local. Como
artista participante, acredito que nos sintamos pertencentes às nossas vivencias
primeiras, à nossa cultura, ao nosso local. Porém, este “local” sofre
atravessamentos a partir dos “locais” dos outros; e quando essa relação se
estabelece de forma afetiva e, portanto, significativa, eu passo a ter esse
pertencimento pelo que é, do outro. É o meu conceito de “local” sendo reinventado.
Quando reunimos em Santa Maria dez artistas, dos seguintes países: Bolívia,
Argentina, Rússia, Uruguai, México, Costa Rica, Brasil e Chile; já temos uma série
de diferenças locais. Começamos pelo idioma, pelos costumes, alimentação,
bebidas; formação artística, conhecimento de ferramentas, técnicas, pensamento
artístico. Cada indivíduo vai, no decorrer da convivência, identificando-se ou não
com o que é diferente do outro; muitas vezes apropriando-se. E a comunidade
artística de Santa Maria, que convive com toda essa diversidade cultural de forma
muito intensa em seu contexto, também sofrerá influências dessa ação.

Além de se constituir quanto circuito de produção, de intercâmbio, ou


mesmo de formação, a rede dos Simpósios é um espaço de articulação para os
artistas que dela participam, legitimando-os ou não.

[...] artistas que negociam suas presenças no circuito a partir de uma


caracterização muito menos estreita de seus papéis enquanto
“produtores de arte”, deva passar pela percepção de que está em curso
um outro arranjo poético da cultura – um período de invenção de
estruturas de pertencimento e narrativas legitimadoras: há um desejo de
escrever (ou reescrever) inscrições, deslocar certos acomodamentos
para um arranjo mais dinâmico e produtivo, movimentar e reinventar
mecanismos e circulações. (BASBAUM, 2013, p. 74)
109

Realizar um simpósio em Santa Maria diz respeito à inserir-se, quanto


artistas propositores, dentro de um circuito36, mas diz respeito também a inserir
Santa Maria neste circuito. Consiste em constituir relações, estabelecer vínculos
com outros produtores, que, por sua vez pensam a arte de forma semelhante à
sua, o que novamente dialoga com a ideia de Basbaum expressa anteriormente
de que a arte e sua prática estão relacionadas com a ideia de comunidade, ou
ainda, como uma “aldeia dos escultores”, segundo a descrição de um dos
colaboradores do evento na cidade.

No caso de Santa Maria em específico, uma série de propostas artísticas


emanaram da realização do simpósio e dos vínculos que o permeiam. Apenas no
ano de 2015, três artistas, da Itália e Argentina, trouxeram suas mostras
individuais para serem exibidas na cidade. Ainda, uma proposta denominada
“Viajeros del Sur”, que consiste em uma exposição coletiva, da qual faço parte,
reunindo artistas do Brasil, Uruguai e Argentina, e que pretende circular nesses
três países, também se origina a partir das relações construídas nos simpósios.
Ou seja, são espaços de estabelecimento de novos pares, de outras conexões.
São artistas que se reúnem, e, a partir das amarrações afetivas, mas também
legitimadoras, passam a construir em conjunto novos espaços de inserção de seu
trabalho, fomentando a produção artística e cultural de cada local, com a
característica de ser afetada pelo global.

Santa Maria, a partir do momento que passa a sediar um evento dessa


rede, insere sua comunidade artística nesse contexto de trocas e multiplicidades
de ações. Permite aos seus artistas, mas apenas àqueles que estiverem
dispostos, um amplo campo de atuação de nível internacional.

Desde a segunda edição do Simpósio Internacional de Escultores de Santa


Maria, um grupo de estudantes, especialmente dos ateliês de escultura e pintura
do Cursos de Artes Visuais da UFSM tem participado assiduamente, e
voluntariamente, do evento. Os alunos frequentam diariamente o ambiente criado
na Gare durante o Simpósio, e passam a conviver com os artistas participantes,

36
Não considerando como nossa política uma troca de favores, ou seja, convido artistas que organizam
simpósios para ser convidada em seus eventos, o que, pode acontecer em outros contextos.
110

colaborando com seus processos de produção da obra. Assim, um processo de


formação para esses jovens se estabelece além dos formalizados pela academia.

A convivência com esses artistas e a diversidade mencionada que isso


implica, a observação do seu fazer e mesmo a participação, podem se constituir
em elementos decisivos na formação desses estudantes, pelo grau de intensidade
da experiência. Penso que, quando essas gerações estiveram de fato atuantes no
contexto artístico de Santa Maria, sua produção, no campo poético, ou na
produção cultural, estará permeada, como afirmam Foletto e Bisognin,
“influenciadas” por esse contexto que vivenciam em sua formação. Ainda, os
contatos que estão estabelecendo, com artistas de diversos países, podem vir a
tornar-se novas redes de produção e circulação desses artistas Santamarienses.
Bourgeois (2001, p. 214) assume sobre a impossibilidade de se ensinar arte “Não
está em meu poder ou minha responsabilidade, nem desejo tentar a meta
impossível de ensinar alguém a se tornar artista”, mas afirma que é possível
estabelecer espaços para que esses estudantes possam perceber-se artistas, ou,
perceber os espaços nos quais podem atuar.

E este é um contexto novo que se instaura na cena artística de Santa Maria.


Historicamente a grande efervescência da arte nesta cidade está vinculada à
existência de um polo formador na área através da Universidade Federal de Santa
Maria, como afirmam FOLETTO e BISOGNIN:

A cidade tem tradição na formação artística pois vários grupos de


músicos de diversas tendências se formaram e se projetaram a partir
dela, assim como grupos de teatro e escritores. Nas artes plásticas, a
cidade formou um número incontável de artistas, professores e
profissionais que passaram a atuar nas cidades da região e em Santa
Maria. Esses profissionais foram capacitados, quase que
exclusivamente, através dos cursos do Centro e Artes e Letras da
Universidade Federal de Santa Maria a partir dos anos sessenta.
(FOLETTO e BISOGNIN 2001, p.26)

Mesmo com a existência dessa instituição e toda a movimentação que a


produção gerada por seus alunos e professores gerou na cidade, sobre a qual
atestam as autoras “[...] passou a ser polo gerador de toda uma movimentação
artística [...] foi crescendo no sentido de aglutinar mais pessoas no fazer, no
111

apreciar , no adquirir as obras e na divulgação das mesmas pelos órgãos de


imprensa” (FOLETTO E BISOGNIN, 2001, p.41); a cidade ainda se caracteriza por
uma não aproximação da comunidade com a arte. O contexto artístico de Santa
Maria, embora definida como um polo cultural37 da região centro do estado do Rio
Grande do Sul possui um meio artístico composto pelos produtores e envolvidos
com essa produção artística e de outro lado:

[...] a apreciação, a comunidade santa-mariense. A circulação das obras


de arte se dá em espaços que podem ser comerciais (em pequeno
número) ou culturais, onde a comunidade tem acesso à elas. Apesar de
ele ser facilitado, a frequência às exposições não é muito numerosa e o
público basicamente se compõe dos próprios artistas, familiares,
intelectuais [...](FOLETTO E BISOGNIN, 2001, p. 26)

As dificuldades em se produzir arte, fora das redomas da Universidade


também são elencadas como fatores que não permitem um maior
desenvolvimento dessa cena artística na cidade, pois por ser uma cidade
interiorana “existem dificuldades inerentes a essa realidade para a veiculação,
promoção e sustentação de qualquer tipo de cultura” além da presença de “um
mercado mal estruturado, que vê na arte um objeto de decoração e compra,
preferencialmente, as obras figurativas” (FOLETTO E BISOGNIN, 2001, p.27).
Esses são fatores que levam a não consolidação de um sistema das artes em
Santa Maria, capaz de manter seus artistas.

O Simpósio de Escultores contribui em estabelecer uma nova circulação da


arte. Tal circulação se desenvolve por espaços ainda não circundados, por lugares
ainda não povoados, colocando-se aos olhos de quem não tinha a intensão de
olhar. Essa postura talvez gere alguma transformação nesse contexto descrito
sobre a arte em Santa Maria. A cidade, que, segundo as autoras, a respeito do
reconhecimento de sua arte em um nível estadual e nacional “é mencionada
superficialmente em textos que tratam do assunto. É citada muito rapidamente,
como um polo regional e formador de artistas, sendo alguns destacados”

37
FOLETTO e BISOGNIN (2001, p.25) apontam que “A cidade tornou-se polo cultural regional a partir da
segunda metade do século XX, pela existência de grande quantidade de estabelecimentos educacionais,
entre eles a Universidade Federal de Santa Maria”
112

(FOLETTO E BISOGNIN, 2001, p.28), agora é procurada por artistas de outros


países, para a participação no simpósio ou mesmo para exibição de seu trabalho.
Santa Maria, e logo sua comunidade artística envolvida, passa a inserir-se em
uma trama de ações internacionais, que perpassa fronteiras, sem
necessariamente seguir o caminho da capital Porto Alegre ou do eixo artístico
estabelecido Rio-São Paulo. São outras relações que se constroem, olhando
especialmente para nossas fronteiras latino-americanas, assumindo uma visão
não euro-centralizada. Nesse aspecto, o Simpósio passa, a valorizar artistas
latino-americanos, mas mantendo, ou buscando estabelecer um contato com a
rede que se perpetua na Europa, Ásia e Oriente, no sentido de criar uma “ponte”
que estabeleça o contato dos artistas latino-americanos com artistas e simpósios
nessas regiões.

De maneira geral, essa perspectiva diz respeito ao que Basbaum (2013)


coloca sobre os artistas que não apenas se limitam à sua produção poética, mas
que também acabam por gerarem, deslocarem, descentralizarem, ou seja,
recriarem o circuito, atuarem como “agenciadores do próprio caminho a percorrer”.

Figura 32( Página seguinte): Escultura realizada durante o IV


Simpósio Internacional de Escultores de Santa Maria, pelo
artista boliviano Luis Fernando Chumacero. A imagem
registra os primeiros momentos após sua instalação na Av.
Medianeira, Santa Maria, 2016. Acervo pessoal.
113

Anoitece em Santa Maria. Aos poucos as pessoas começam a tomar


o caminho para casa. Algumas talvez percebam, nesse momento, que existe
uma nova presença nesse caminho. Quem sabe outras levem dias para dar-
se conta, tão desatentas que já estão com a paisagem que diariamente não
oferece mudanças significativas. As pessoas, acredito, fazem seu percurso
sem olhar. Enquanto acompanhava a instalação das esculturas do último
Simpósio de Escultores na rua, pensava nestas transformações, ao mesmo
tempo em que, tinha uma certa forma de acesso à recepção do público. Em
determinado momento, passei a registrar o espaço onde a escultura iria ser
colocada, antes e depois de sua instalação; a presença. O trabalho seguia,
assim que se aproxima aquele caminhão carregado de “coisas” as quais os
olhos curiosos das ruas não conseguem identificar. Por serem uma carga
incomum, mais olhares surgem nas janela e sacadas.
114

3.4 A paisagem redesenhada

A escultura ao ar livre, no decorrer do século XX sofre grandes


transformações no sentido formal, nos significados e relações que propõe com o
seu entorno e nas suas formas de financiamento. No final do século XX e início
do século XXI, os Simpósios de Escultura se espalham por todos os continentes
como grandes fomentadores da colocação de obras no espaço público. A partir
da realidade de Santa Maria e das esculturas realizadas no seu Simpósio se
percebem os problemas enfrentados ao propor a colocação de uma escultura
pública. E logo se tem clareza de que esta não é uma situação isolada nesta
cidade.

Da primeira edição do Simpósio de Escultores realizado em Santa Maria,


no ano de 2011 resultaram cinco esculturas em pedra arenito, cada uma com
aproximadamente 2 metros de altura e pesando em torno de 4 toneladas. Tais
obras encontram-se permanentemente alocadas no Centro Integrado de Cultura.
As esculturas realizadas por Silvestre Peciar, Martin Yrribarien e Jorge Goulart
localizam-se em frente ao Arquivo Histórico Municipal. A escultura de Emiliano
Gonzalez está em frente a sala de exposições Iberê Camargo e em frente ao
Museu de Arte de Santa Maria encontra-se o trabalho de Arlindo Arez. Antes disso,
tais esculturas ficaram, de dezembro de 2011 a setembro de 2013, no Largo da
Gare onde foram executadas. Embora nessa edição o evento tenha sido
financiado totalmente pela Prefeitura Municipal, só após mudanças na Secretaria
Municipal de Cultura houve apoio para o deslocamento das peças, atividade que
demandou de esforço coletivo entre os realizadores, o poder público e ainda,
contou com apoio da Base Aérea de Santa Maria, devido a monumentalidade das
esculturas. Esse intervalo entre a execução e o empraçamento das mesmas foi
permeado por inúmeras conversações para definir como se possibilitaria o
transporte e qual seria o espaço a recebê-las.
115

Figura 33: Arlindo Arez, Open to


Love, 2011, Arenito, 2 x 1,10, 1,20
m, Escultura realizada durante o I
Encontro de Escultores em Santa
Maria e instalação em frente ao
Museu de Arte da cidade. Acervo
pessoal.

A partir da obra de Arlindo Arez podemos pensar sobre o local onde essas
e as demais esculturas, realizadas nas posteriores edições do Simpósio, habitam
e que diálogo propõem com tais espaços. Ao mesmo tempo, é possível propor
uma reflexão a respeito do destino público das esculturas que resultam de
Simpósios. Em Santa Maria, Arlindo solicitou que sua obra fosse empraçada
circundada por um espelho d’água. O caminho que levaria até a peça deveria ser
coberto por uma calçada realizada com o mesmo tipo de pedra da escultura na
extensão de 7 x 3 m. Tal solicitação nunca pode ser atendida pelos organizadores;
hoje sua peça encontra-se numa área de aproximadamente 16 m² de grama entre
o edifício do Museu e a calçada da Av. Presidente Vargas. Dentre os fatores para
não atender a solicitação do artista, primeiro a indisponibilidade de recursos para
tal execução, segundo a diversidade de interesses na instalação das esculturas.
A definição do local exato onde cada trabalho será colocado permeia a vontade
do artista; a melhor possibilidade visualizada pelos organizadores, nesse caso
116

buscando contemplar o máximo possível o desejo do artista dentro das realidades


financeiras e a vontade do órgão financiador assim como do poder público, neste
caso a Prefeitura Municipal.

Assim, por parte da organização do Simpósio, a qual depende do órgão


público para que estas esculturas habitem os espaços da cidade, é necessário
ceder. Trata-se de uma decisão coletiva, ou deveria ser, buscando respeitar na
íntegra o projeto do artista, mas acaba por ser, no caso de Santa Maria, uma
execução dentro do que é realmente possível. Certamente que este não seja um
caso isolado, a dificuldade em instalar uma escultura pública é consequência de
diversos fatores. Richard Serra é protagonista de um dos casos mais conhecidos
na história da arte devido ao seu Arco Inclinado. Tal escultura, uma chapa de aço
cilíndrica de 36,3 x 3,7 x 0,06 m foi instalada na Praça Federal em Nova York no
ano de 1981, financiada pelo General Services Administration, órgão do próprio
governo norte-americano. Sofrendo diversas críticas, entre elas o fato de que
dificultaria a circulação de pedestres na praça, assim como evidenciava o acúmulo
de lixo e consequentemente a infestação de ratos, a situação passou por um longo
processo judicial até que a obra foi destruída. Por trás das acusações o próprio
escultor afirma existirem interesses políticos partidários (SERRA, 2014). O
desfecho da obra destruída é devido ao fato do escultor ter projetado a escultura
especificamente para aquele lugar, defendendo que a realocação da mesma
consistia em modificá-la. Este é um caso onde inicialmente se respeitou a
colocação do artista em acordo com as solicitações do governo, mas sofreu
interferências no decorrer de sua existência.

Outra escultura que podemos citar é Olhos Atentos, 2005, de José Resende
(1945), na Orla do Guaíba, em Porto Alegre. A intenção inicial do artista teve que
ser modificada ainda no projeto. A proposta de que este longo mirante de aço
estivesse sob a água do Guaíba foi extinta pelo risco do mal uso que poderia
evocar ao público, usando-o talvez como trampolim. Logo que inaugurada, a
escultura já sofreu outro uso inadequado. Grupos de pessoas pulavam na
extremidade dos 30 metros de aço suspensos, o que colocava em risco seus
ocupantes devido a oscilação que provocava. Em função disso a escultura
precisou receber reforço na sua base e a diminuição em cinco metros de sua
extensão, alterando-a esteticamente.
117

Em Santa Maria, logo após finalizado o primeiro Simpósio foi criada pela
Câmara de Vereadores a Alameda das Esculturas. Essa consiste em uma praça
da cidade destinada a receber as esculturas do evento. Para tal, nem artistas nem
organização foram consultados durante o processo. Na prática apenas se
modificou o nome de uma praça da cidade, sem prever condições físicas para que
a mesma recebesse as obras. É para este local que devem ser levadas,
temporariamente, as seis esculturas em madeira realizadas na segunda edição do
evento. As únicas que ainda não foram instaladas permanentemente. Novamente
a decisão da colocação das obras no espaço público ocorreu devido a
necessidades e não a intenções estéticas. O que determina a situação também
evidenciada por Laranjo em Portugal:

Se, em muitos casos, para colocação dos monumentos ou das esculturas


são eleitos lugares criteriosamente escolhidos, concebidos e
construídos, existindo a preocupação de integrar arquitetura e arte
pública, noutros percursos por onde se deambula é frequente encontrar
obras que nos surgem descontextualizadas do espaço, onde não se
encontra harmonia entre o objeto artístico exposto e o envolvimento que
o (des)enquadra.( LARANJO, 2010 p. 13)

No caso de Santa Maria o fato de existir na cidade uma Alameda das Esculturas,
que não continha obra alguma, foi um dos principais fatores que levou a sobrepor
a intenção da organização e dos artistas e deixar de ter critérios na escolha do
local de colocação das esculturas.

O escultor Richard Serra propõe esculturas que devem ser pensadas


unicamente a partir do espaço em que serão instaladas. Sua concepção da peça
parte sempre do lugar, o qual procura, como ele mesmo diz, subverter, modificar,
alterar, enfim, interferir. Para Serra a existência da escultura deve ser algo não
confortável naquele espaço. O que Serra está criticando são as esculturas por
“encomenda”, aquelas colocadas para agradar no espaço público: “[...] a maioria
desses objetos está colocada, indiscriminadamente nessa praça ou naquela.
Como esculturas, sua concepção condiz mais com o espaço interior, o espaço do
estúdio ou o espaço do museu, do que com os lugares onde foram largadas.”
(SERRA, 2013, p. 89). A sensação que tenho por vezes quando espalhamos pela
118

cidade de Santa Maria as esculturas realizadas no Simpósio, não deixa de ser


esta: a de largar as esculturas em praças com as quais elas não tem relação.
Afinal, não apenas Serra inaugura esse pensamento, mas tradicionalmente na
história da escultura, elas eram construídas pensadas para o espaço que
permanentemente ocupariam. Porém, ao mesmo tempo tínhamos imagens que
não representavam, de fato, a realidade da maioria das pessoas que habitavam
este espaços.

As esculturas do Simpósio não são pensadas para uma determinada


locação. Menos ainda, são pensadas para subverter os espaços onde são
colocadas. Tais locais são definidos posteriormente, sem a participação do artista,
geralmente buscando zonas de conforto. A forma como passam a habitar o espaço
público interfere, de maneira indireta, na continuidade do projeto. A aceitação,
tanto do poder público, quanto da população, são fundamentais quando se usa de
recursos públicos para desenvolver projetos artísticos no contexto de Santa Maria.
Quem sabe, o que colocamos nas ruas de Santa Maria são o que Serra chama de
“esculturas de praça”, é preciso admitir. Porém embora não instaladas dentro de
parâmetros ideais, algumas ao gosto de quem financia, outras buscando um
diálogo mais direto com o público, é importante saber que essas esculturas
passam a inserir-se na paisagem, buscando uma relação com esse cotidiano não
habituado à arte. Acabam por delimitar a presença de percepções estéticas
contemporâneas naturalizadas na paisagem, e, talvez, fruídas, afinal, é importante
lembrar que é valorizada, ao contrário de uma encomenda, a investigação poética
de cada artista.

Nesse momento entramos em uma discussão a respeito da Arte Pública.


Segundo Alves (2011), Arte Pública é aquela onde “o artista vai em direção a
comunidade e a comunidade em direção ao artista”. As esculturas do simpósio
encontram-se nesse meio; ao mesmo tempo em que não são apenas monumentos
encomendados para serem instalados em espaços públicos, e que são realizadas
de acordo com a poética de cada artista, que, por sua vez é selecionado dentro
de todo um contexto; elas são realizadas sob o olhar do público, mas não chegam
ao ponto de ter a colaboração ou interação. Algumas pessoas da comunidade, é
fato, participam mais ativamente deste processo, o que talvez já seria uma
representatividade. Para Bulhões (1999):
119

Essas esculturas no espaço público não são meros objetos ali colocados,
elas passam a fazer parte da cidade, são como palavras inscritas em
uma superfície, traçando leituras poéticas. Elas fazem falar os espaços,
evocam sentimentos e ideias, testemunham o indeterminado, o
inexprimível em sua luta contra a impotência da imaginação. Assim, o
resultado do Simpósio Internacional de Esculturas permanecerá na
malha urbana com os influxos dos vários cruzamentos que foram
oportunizados pela presença dos artistas de diversos espaços do
planeta, com diferentes vivencias culturais. São influências materiais,
concretamente percebidas nas obras que ficaram na cidade, mas são
também elementos mais sutis, sugestões estéticas, fragmentos de
sentido diferenciados que ali se instalaram. (BULHÔES, 2013, p. 1)

Quem sabe este começo, de ter agora vinte e nove esculturas espalhadas
pela cidade de Santa Maria, não seja a origem de uma percepção diferenciada da
arte, e passe a estimular nas pessoas a necessidade de ter esculturas em frente
as suas arquiteturas, ou mesmo em seus espaços privados, sem a necessidade
de uma legislação específica, como vimos existir em outras cidades, que
concretize isso. Pode ser que o simpósio venha dar a conhecer que é possível
buscar o acesso à arte, o que talvez, para muitas pessoas ainda seja algo distante
de suas realidades. Em um processo a longo prazo, a arte instalada no espaço
público pode transformar o transeunte em público da arte, refere às pessoas a
vontade de ir ao encontro da produção artística.

A presença de uma escultura provoca transformações na paisagem as


quais definem um espaço em um lugar no sentido de que “A palavra “espaço” é
utilizada genericamente, enquanto “lugar” se refere a uma noção específica de
espaço: trata-se de um espaço particular, familiar, responsável pela construção de
nossas raízes no mundo.” (CANTON, 2011, p.15). Essas transformações podem
se prolongar nas pessoas que experimentam esse lugar a partir dessa presença,
e o significam. De forma que:

O trabalho de arte, em toda a sua materialidade, exercita plenamente a


capacidade de funcionar como ponto de atração, um centro transitório
que reordena tudo à sua volta; essa potência de atração é resultado do
campo sensorial criado pelo trabalho, do padrão sensível de pensamento
que se dá com a intervenção... (BASBAUM, 2013, p.44)
120

Nesse caso, tanto os dias de ação do simpósio quanto as esculturas que


permanecem possuem esse caráter de ponto de atração, e, consequentemente,
ponto de transformação. O espaço de ação, assim como o espaço de colocação
da escultura, passam a existir carregados de outros significados simbólicos; sejam
eles estéticos ou afetivos.

Figura 34 (acima): canteiro na Rua Alberto Pasqualine,Santa


Maria, antes da instalação de escultura.

Figura 35: José Miguel Carcamo, Sem título, 2015,


mármore, 1,10 x 0,80 x 0,60 m,. Escultura realizada no III
Simpósio Internacional de Santa Maria. Acervo pessoal.
121

Porém, as esculturas simplesmente estão ali, são objetos inseridos no


cotidiano da cidade, transformando sua paisagem, e também sua identidade. As
pessoas passam a conviver com esses objetos. Quando se olha uma escada, um
muro, uma arquitetura, se conhece claramente com que finalidade esses
elementos foram realizados. Quando se vê, porém, uma escultura, uma reflexão
é gerada, o que é e para que foi feita, que mensagem carrega em sua
subjetividade. São essas pausas que podem causar as esculturas do simpósio
espalhadas pelas ruas de Santa Maria. Se a cidade é tão cotidiana, e tão funcional,
as esculturas se apresentam como pausas poéticas.
122

CONSIDERAÇÕES

O processo de transformação recorrente que sofre e narra a artista, também


acontece na investigadora. A construção e a escrita deste trabalho foram,
especialmente, um encontrar-se com a própria trajetória e repensá-la. Como um
exercício de olhar para o que venho construindo no campo da investigação
artística e esboçar os passos seguintes. Se a pesquisa em arte deve sugerir mais
questões do que respostas, como insinua Rey, é nesse espaço que me encontro.
A busca por respostas daqueles primeiros anseios originou maiores
questionamentos, como uma escultura que ao ser finalizada vai sugerindo a forma
da próxima a ser começada.

Este trabalho apresenta-se como mote inicial no estudo de situar o circuito


no qual me encontro inserida. Pensar minha prática e onde essa prática acontece,
estabelecendo relações com as práticas artísticas contemporâneas antecipa a
busca por novas reflexões. A relação construída trata de algo muito peculiar, pois
é uma observação a partir da ação desenvolvida dentro de um circuito
independente, o dos Simpósios de Escultura, sobre o qual poucas reflexões
existem dentro da academia. Reconstruir minha trajetória como participante e
como organizadora destes eventos elucidou um pensamento crítico a respeito de
minha prática como artista, de minha ação como gestora e das proposições que
tais eventos geram nos contextos onde acontecem. Esse pensamento diz respeito
a pensar uma localização no contexto contemporâneo para minhas ações
artísticas juntamente com a dos espaços pelos quais permeio e que me legitimam.
Acredito que essa seja a contribuição desta investigação para o campo da arte;
pensar essa pequena narrativa, que consiste em minha trajetória, e o contexto
onde ela se desenvolve, propondo uma reflexão e ao mesmo tempo um registro
dessas atuações e inserindo questionamentos que proponham caminhos para
novos estudos.

A diversidade de ações e de contextos na sociedade contemporânea,


interligadas em uma forma rizomática não poderiam sugerir outra realidade para
123

a produção artística e seus atores. A busca por um estabelecimento de vínculos


não institucionalizados, e a coletivização de ações singulares gerando campos de
força nas atuações artísticas locais as quais buscam estabelecer relações globais
são características da arte contemporânea presentes nas manifestações aqui
estudadas.

Os Simpósios de Escultura constituem-se eventos que estabelecem um


circuito artístico dinâmico, orgânico, vivo e em constante processo de mutação e
interlocução em um nível mundial. Minha trajetória no campo das artes levou-me
à inserção nesse circuito, que por sua vez, opera como espaço de legitimação de
minha produção nesse meio. Essa inserção implica em um novo processo, o da
investigação, que delimita-se na reflexão a partir da experiência nesse circuito.

Tais eventos permanecem acontecendo em diversas partes, impulsionados


inicialmente pela experiência de alguém em um outro que já tenha acontecido.
Transformados a cada contexto, mas sem nunca perder o fio condutor presente
que conhecemos como sua origem, vão se reconfigurando quanto sistema
independente de um grande circuito institucionalizado. Seus atores o
movimentam, e a partir do Simpósios, esses indivíduos movimentam suas
realidades, sejam elas delimitadas apenas pela própria produção artística, ou pelo
estabelecimento de novas ações que envolvam outras formulações em rede.

No caso de Santa Maria, a inserção original de alguns artistas no circuito


estabelece diversas alterações no contexto local. Além de constituir seu próprio
Simpósio, a partir dele a cidade presencia, pela ação do grupo envolvido na
execução desse Simpósio, uma reconfiguração no cenário artístico local. A
presença de relações externas atuando no local, geram reflexões que vão permitir
um outro horizonte para os sujeitos artísticos da área, pois sempre que culturas e
pensamentos distintos, assim como formas de fazer, encontram-se para o diálogo,
algo diferente emerge dessa ação. Essa interferência apresenta um círculo de
acontecimentos que dizem respeito à um momento específico da história artística
dessa cidade, e que pode provocar ou não o fomento de um outro pensamento
artístico por parte de produtores, da comunidade e dos órgãos públicos. Ações
dessa magnitude, no contexto de Santa Maria podem, supostamente, provocar
124

novas reações na continuidade de seu cenário artístico, seja para indivíduos que
persistem em envolver-se ou para o circuito de um modo geral.

Repensar o contexto local e os contextos a partir dos quais sofri


atravessamentos, possibilitou questionamentos a respeito das ações que
fomentam tais Simpósios. São questionamentos que dizem respeito à minha
experiência, mas que reverberam a voz coletiva desses eventos, pois, de toda
forma, tenho a consciência que me constituo, quanto artista e quanto
investigadora, de tudo aquilo que vivenciei, e de todos aqueles sujeitos com os
quais mantive/mantenho diálogo. Isso faz com que minhas questões e reflexões,
a respeito de toda a experiência construída, e nesse texto narrada, sejam também
deles e destes espaços.

Ao pensarmos, como propõem Brissac-Peixoto (1998), a arte como um


encontro, é a necessidade do reencontro de seus agentes que conforma o circuito.
Este, por ser processado no coletivo, prevalece de forma democrática, pois um
sujeito insere o outro, e como em uma grande “aldeia” encontram-se todos
interligados. Tal circuito instaura três diretrizes, evocadas no princípio deste texto,
que se referem aos Simpósios como espaços de produção de esculturas em
grande porte; espaços de relação entre arte e público e ambientes de interação
entre artistas. Tais diretrizes elaboram, ao serem pensadas, um complexo campo
de conceitos e discussões no contexto da Arte Contemporânea, pelo qual me
permiti transitar com o sentido de instigar percepções que originem reflexões.
Consciente de que produzi, ao longo dessa dissertação, mais questionamentos do
que respostas, apontando situações que podem ser pensadas, e não
pensamentos conclusos.

Tais diretrizes, que representam relações as quais os Simpósios permitem,


ou seja, encontros os quais refere Brissac-Peixoto, acontecem no espaço público.
“A praça pública passa a ser vista como lugar por excelência em que a obra expõe
suas credenciais ao reconhecimento como arte, na esperança de que ,
negociando com o usuário do espaço convertido em espectador; ela se veja
efetivamente reconhecida como arte.” (MONTES, in Arte Pública, 1998, p. 278) A
autora afirma que o espaço público apresenta-se como legitimador de uma ação
e dos objetos que dela resultam e nesse contexto a obra:
125

(...) torna-se uma criação infinitamente aberta à produção de novos


significados e à incorporação de novas funções(...)Ela sacraliza novos
espaços profanos: mudando a relação do homem com seu meio
ambiente; fazendo-o redescobrir, sob a cidade edificada, a sacralidade
arcaica da natureza; transfigurando a qualidade de seu convívio.
(MONTES, in ARTE PÙBLICA, 1998, p. 278).

Essa presença da arte na paisagem urbana, o que chamamos de Arte


Pública consiste em uma nova configuração no contexto contemporâneo da
cidade, essa realidade urbana contemporânea onde a paisagem é efêmera. A
presença da arte no espaço público contemporâneo, para Brissac-Peixoto (1998),
se refere ao deslocamento do artista e de seu processo criativo para dentro das
tensões que este espaço pode provocar, afirmando que provoca um local de
experiência do espaço e um local de encontro. Dentro do processo do Simpósio
acontece o que descreve o autor em relação ao que define como intervenções
urbanas, experiência em que “o artista é jogado em uma situação na qual a
produção do trabalho artístico é parte constitutiva do resultado final, em que sua
participação no processo como um todo é parte constitutiva da obra. (BRISSAC-
PEIXOTO, in Arte Pública, 1998, p. 117) E o público, por sua vez, vai se relacionar
com todo esse processo, e não apenas com o resultado final. Este fato rompe com
a forma tradicional de elaboração de esculturas para o espaço público, reelabora
a concepção destas esculturas que não determinam-se como monumentos
institucionalizados ligados à uma comemoração histórica, como tradicionalmente
se pensava a escultura. São inventários de pequenas existências, de pequenas
ações que buscam interlocução no espaço urbano onde podem encontrar um
público de forma democrática, da mesma forma que estabelecem encontros
democráticos entre os artistas. Para Brissac- Peixoto:

A obra de arte pode ser uma intervenção em um determinado espaço,


alterando a sua conformação, requerendo outra forma de apreensão,
provocando outras experiências. Ela pode ser essa afirmação de uma
presença, de uma manifestação particular, de uma particular interação
com o lugar e com outras obras. Nos dois casos, porém, é um
acontecimento. Em vez do monumentum erguido pela cultura
institucionalizada, é o momentum da criação artística. (BRISSAC, in Arte
Pública, 1998, p. 120)
126

Dessa maneira, talvez possa considerar que as esculturas de um Simpósio


são resquícios da memória dessa intervenção realizada pelo deslocamento do
artista ao mesmo tempo em que são essa presença no espaço público que
persiste em ser um novo acontecimento. Talvez, no que diz respeito a esses
eventos quanto manifestações públicas da arte, existe um lapso a ser pensado.
Em muitos momentos, a realidade da cidade, quanto cenário de locais contidos de
especificidades, não é considerada. Porém, toda a ação está sempre em
processo, e essa aproximação pode ser estabelecida em algum momento.

Esse deslocamento sugerido para o artista dentro do circuito dos


Simpósios, narrado na segunda parte desse trabalho a partir de uma perspectiva
subjetiva, corporifica a presença da escultura no espaço público no contexto da
produção contemporânea. Tal deslocamento, e minha inserção no coletivo,
originam reflexões a respeito do processo no qual estou inserida quanto artista e
permitem que o fazer a escultura seja permeado por um contexto que reverbera
em transformações e reflexões culturais. Tais transformações e reflexões frutos
dos Simpósios afetam artistas, sujeitos diretamente envolvidos, e as comunidades
onde acontecem.

Afeto é uma palavra que persiste a partir de minha experiência. Afeto no


que diz respeito à afeição; à afetar: “atingir, comover, sensibilizar, interessar...”
(HOUAISS, 2011, p. 27) Mas afeto também remete à afetividade, e ao falarmos
do afeto do qual se constituem os vínculos estabelecidos através da arte,
tornamos a ação de agenciar uma situação delicada. Pois é necessário ter
presente critérios de escolha que digam respeito ao trabalho artístico, à trajetória
do artista, à necessidade do contexto. Quando um artista ocupa o espaço de
agenciador, esse artista está vinculado aos seus pares. Ao mesmo tempo, os
Simpósios são propostas de convivência, de interação contínua, de imersão em
grupo, portanto, é necessário definir este grupo, desenhar esse coletivo não
apenas pelo trabalho artístico de cada um, mas pela experiência à qual vai vinculá-
lo. Tanto no que diz respeito à convivência dentro do grupo, quanto no que diz
respeito à aceitação das possibilidades de que possui o evento, do que se poderá,
quanto organização, oferecer de estrutura. Escolher por artistas com os quais se
tenha cumplicidade não deixa de ser importante para o resultado da ação. É
necessário, por vezes, colocar-se frente ao desconhecido para que novas alianças
127

sejam possíveis. O trabalho com arte, e principalmente, o trabalho de gerir um


Simpósio não deve ser realizado sem relações de afeto. E são também essas
relações que normalmente, emanam desses eventos.

E o afeto está presente no sentido de afetar. A forma como a inserção nesse


contexto me afeta quanto artista, interfere em minha produção artística. Este é um
ponto de discussão que pode ser melhor explorado a partir dessa investigação.
Como esse processo de inserção e atuação nos Simpósios interfere no processo
artístico de cada indivíduo? Alguns sinais são visíveis; a aprendizagem é presente,
em todas as suas formas, no que diz respeito ao fazer e no que se refere às
diferentes culturas às quais se propõem os eventos. Ainda, o processo entre-
simpósios, que acontece no atelier, em meu caso, sofre um direcionamento à
estes espaços. Penso minhas esculturas e seus materiais para um local
específico, o local da praça, o local do próximo Simpósio o qual não sei
exatamente onde será.

Podemos sugerir que, no contexto de produção dentro dos Simpósios, o


artista elabora, a partir de sua ação no campo da visualidade, outros processos
que dizem respeito aos demais sujeitos. Aí consideram-se os processos de acesso
ao público, quando o artista não apenas cria sua obra, mas sim, como prática na
contemporaneidade, designa propostas de democratização dessa produção. Da
mesma forma, projetos onde busca agregar seus pares à ação, originando e/ou
fomentando circuitos de produção, os quais, paralelamente, também
desencadeiam possibilidades para a produção individual.

Participar de Simpósios é um caminhar constante, simboliza estar em


movimento, em uma permanente inserção em outros contextos, em outras
culturas, com distintos grupos temporários. Essa ação de dispor-se ao inusitado é
pertinente ao artista contemporâneo e sugere, singularmente, um processo
constante de formação. Sigo a constituir-me quanto artista e a reconstituir-me a
cada nova experiência. E revigoro a investigação na espera por uma nova
experiência em participar de um Simpósio. Penso de forma ampliada meu trabalho
a partir dessa possibilidade, o que antes era uma investigação poética que dizia
respeito à minha singularidade, agora dialoga com diferentes materiais e diversos
olhares. Este desejar e permitir-se estar circulando no que chamo de geografia
128

cultural, a rede dos Simpósios, intervém constantemente no sujeito que estou, na


forma de construir ações e de pensar; elaborando com que eu intervenha em meu
contexto. Dessa forma, os Simpósios de Escultura nesse texto estão significados
pelo viés do envolvimento. O que não elimina a consciência, tomada de assalto já
no momento final dessa pesquisa, da necessidade de um olhar crítico, que permita
maiores questionamentos a respeito das problemáticas dessas ações.

Por fim, atuar nos Simpósios de Escultura significa propor esculturas para o
espaço público, e ainda, propor ações escultóricas ao mesmo. Na
contemporaneidade a arte no espaço público busca sentidos relacionados à
experiência e a presença neste espaço; resignificando-o, discutindo-o,
valorizando-o. Estar artisticamente presente no espaço público sugere uma
necessidade de afetar as pessoas, de levar a poesia para quem não a busca. E
assim, seguem os escultores demarcando territórios com suas esculturas. E
seguem essas esculturas a buscar uma relação na praça, a relação de um espaço,
que antes “era todo público” e que pode permanecer como o espaço de novos
diálogos, o espaço de dimensionar a arte.
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