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Esparta e Atenas representam, em muitos aspetos, dois polos distintos da

realidade da antiga Hélade. Encontramos uma e outra nas extremidades de vários eixos
de tensão, de que poderíamos realçar, por exemplo: a liderança da Liga do Peloponeso e
da Liga de Delos; uma oposição entre um mundo mais ligado à manutenção do que é
mais tradicional e rural, a um mundo mais aberto à inovação, ao exterior, ao comércio; e
uma tensão entre uma organização política de tipo oligárquico e uma outra de tipo
democrático. Mas estes elementos não são exclusivos. Olhando com atenção pode-se
ver que também na organização de Esparta existiam elementos democráticos, que havia
uma recusa da tirania, e uma submissão do indivíduo ao coletivo. Da mesma maneira,
em Atenas, a oligarquia sempre foi fazendo a sua pressão, a tirania em vários momentos
mostrou a sua face, e o interesse próprio de alguns ter-se-á sobreposto ao comum.

Na tensão deste eixo entre a oligarquia e a democracia, ao longo de séculos,


ambas as polis foram evoluindo. Partilhando aspetos culturais, linguísticos e
geográficos, em ambas ocorrem os processos conducentes a uma progressiva
cristalização no século V a.C. (período maior da história grega, pelos seus desafios e
pelas suas realizações), de formas políticas próprias e originais. Nesse século que será
marcado pela Guerra do Peloponeso, vamos encontrar expressões políticas que são
respostas específicas de cada região a problemas e processos históricos que partilharam.
Diz-nos assim José Ribeiro Ferreira: "Essa luta com os condicionalismos de cada pólis
origina sociedades diferentes, com constituições e modos de vida diferentes, criando
instituições novas e alterando mais ou menos substancialmente as existentes1". E se cada
uma produz as suas próprias formas de regulação, a origem comum é visível no facto de
terem ambas, como estrutura base, uma assembleia de cidadãos, um conselho (mais
restrito), e magistrados. Em Esparta teremos a Apela, a Gerúsia e os Éforos, em Atenas
a Ecclesia, o Areópago e os Arcontes. Em outras pólis da Hélade encontram-se formas
semelhantes de organização.

O modo como evoluíram politicamente foi pois correlativo da forma como


socialmente e economicamente se desenvolveram. Numa sociedade como a espartana,
cuja estrutura política esteve especialmente ligada a uma divisão igualitária da terra,
mantendo a sua base económica rural como sustentação de uma sociedade virada para a
guerra, vemos uma estrutura política oligárquica, e sobretudo, hierárquica, como no

1
FERREIRA, José Ribeiro, A Grécia Antiga. Lisboa: 2ª ed., Edições 70, 2004, p.26.
campo de batalha, e essa terá sido certamente, não apenas a forma natural, mas também
a forma mais eficiente de se organizar para o seu objetivo.

Em Atenas, por se terem feito outro tipo de reformas (sociais e económicas) e


por se ter apostado numa economia mais virada para o comércio, para a pequena
indústria e para o mar, a evolução da sua estrutura política foi no sentido de uma maior
abertura e inclusão, respondendo a uma necessidade evidente de mais organização,
perante novos desafios e novas realidades sociais e económicas.

Chegamos por esta via ao texto de Aristóteles, que releva os aspetos mais
importantes da democracia ateniense. Da mesma forma que ele diz que "O fundamento
da constituição democrática é a liberdade" poderíamos dizer a propósito de Esparta, que
"o fundamento da constituição espartana é a sujeição do indivíduo". A isonomia, que é
hoje tão querida às sociedades modernas, e que era em Atenas um ideal, assim como
também uma resposta aos novos tempos, seria não apenas contrária ao ideal espartano,
mas contrária à necessidade espartana de uma sociedade que pudesse responder como
um corpo único. A tiragem à sorte dos Arcontes introduzida por Temístocles, a
mistoforia de Péricles, assim como a rotatividade nos cargos, elementos por alguns
apontados como a base da democracia, e referidos no texto de Aristóteles, não só não
faziam parte dos hábitos e tradições de Esparta como dificilmente se poderiam
compreender e aplicar numa sociedade cuja fundamental medida de sucesso era a do
sucesso militar, e onde a experiência, a ordem, a hierarquia, pontuavam.

Poderíamos talvez até dizer, que a isonomia, a isogoria e a isocracia, o estado de


direito, a liberdade de expressão e os direitos de cidadania, como os chamamos hoje,
saíram de uma situação nova, em que homens com ideais, mas também com suprema
inteligência, souberam criar, quase do nada, os instrumentos novos que permitem que
sociedades mais complexas, mais abertas e mais ricas se possam gerir de forma mais
eficiente, ainda que não isenta de defeitos, como é próprio de tudo o que é humano.

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