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Mídia, Tecnologia e

Linguagem Jornalística
Mídia, Tecnologia e
Linguagem Jornalística

Organizadores:
Emilia Barreto
Virgínia Sá Barreto
Cláudio Cardoso de Paiva
Sandra Moura
Thiago Soares

Editora do CCTA
João Pessoa
2014
Capa
Emilia Barreto
Projeto Gráfico
Emilia Barreto
Filipe Almeida
Diagramação
Filipe Almeida

Ficha catalográfica elaborada na Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba

M629 Mídia, tecnologia e linguagem jornalística / Emilia Barreto...[et


al.], organizadores.- João Pessoa: Editora do CCTA, 2014.
231p.
ISBN: 978-8567818-04-7
1. Comunicação de massa. 2. Mídia. 3. Comunicação -
aspectos tecnológicos. 4. Linguagens jornalísticas. I. Barreto,
Emília.

CDU: 659.3
Sumário

APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................... 6

Midiativismo, tecnologias móveis e cobertura jornalística


D@niel na cova dos leões: Mídia Ninja no programa Roda Viva
Claudio Cardoso de Paiva ...................................................................................................................... 10

Jornalismo em mobilidade: redes sociais e cobertura de protestos “ao vivo” e da rua


Fernando Firmino da Silva
Adriana Alves Rodrigues ........................................................................................................................ 26

Midiativismo, redes e espaço público autônomo: as novas mídias


na redefinição das relações de poder
Thiago D’angelo Ribeiro Almeida
Claudio Cardoso de Paiva ...................................................................................................................... 44

Jornalismo Colaborativo, rotina e produção da notícia


A TV Digital interativa e a reconfiguração do processo de produção de notícias
Luciellen Souza Lima
Sandra Moura .......................................................................................................................................... 60

As rotinas jornalísticas na Era da Rede: um estudo sobre as transformações


na produção da notícia no jornal Correio da Paraíba
Amanda Carvalho de Andrade
Joana Belarmino ..................................................................................................................................... 75

Telejornalismo colaborativo: o uso de materiais da internet


e de novas plataformas no JPB da Rede Globo
Roberta Matias ......................................................................................................................................... 90

Ética e resistência jornalística


50 Anos do golpe militar no Brasil: uma análise do
jornalismo de resistência na Paraíba
Sandra Moura
Emília Barreto ........................................................................................................................................ 105
Ética jornalística sob uma perspectiva bucciniana:
The Newsroom, o fantasma da manipulação midiática e o jornalismo ideal
Sinaldo de Luna Barbosa ...................................................................................................................... 119

Fotografia em sites de redes sociais: análise de imagens de uma manifestação popular


Raul Augusto Ramalho
Luiz Custódio da Silva .......................................................................................................................... 133

Cultura da mídia, corpo e recepção telejornalística


Midiatização, convergência e circulação: apontamentos para
os estudos de recepção em telejornalismo
Virgínia Sá Barreto ................................................................................................................................ 148

Jornalismo e cultura da mídia: contribuição de Douglas Kellner


na abordagem analítica dos produtos jornalísticos
Thiago Soares ......................................................................................................................................... 159

Corpo e discurso no movimento “Passe Livre”:


Patrícia Poeta, estratégias enunciativas do JN e críticas nas redes sociais
Amanda Falcão Evangelista
Virgínia Sá Barreto ................................................................................................................................ 173

Midiatização, teoria da experiência e


políticas públicas de comunicação
A natureza mediática da experiência
Adriano D. Rodrigues
Adriana A. Braga ................................................................................................................................... 188

Processo midiático e o vínculo entre parte e todo


Pedro Benevides .................................................................................................................................... 202

Mensagem ao Congresso Nacional: democracia e diálogo no governo Lula


Ana Paula Costa de Lucena
Heitor Costa Lima da Rocha
Patrícia Rakel de Castro Sena .............................................................................................................. 217
Apresentação

Metáforas servem para explicar, ou poetizar, fenômenos.


Pensemos na metáfora do terremoto. Placas tectônicas em
movimento. Desestabilidade. Destruição. Queda. Ruínas? Foi
através da imagem das placas tectônicas em movimento que
Clay Shirky comentou sobre o estado atual do jornalismo:
a instabilidade de novas práticas ancoradas nas lógicas da
cibercultura e das redes sociais no enfrentamento das dinâmicas
hegemônicas da “grande imprensa”. Há algo de instável, de
fato, no jornalismo. E é desta instabilidade que emerge uma
série de questões que permeiam este livro que apresentamos
como resultado de investigação de um conjunto de professores,
pesquisadores e estudantes do Mestrado Profissional em
Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), mais
precisamente, do Laboratório de Tecnologia e Linguagem
Jornalística (TecJor). Como um trabalho que emerge do campo
produtivo, há um “gancho jornalístico” que abre as discussões:
reflexões evocadas pelos protestos de junho de 2013, em que a
atividade de repórteres, produtores e “praticantes” do jornalismo
foram colocadas em confronto. Por isso, não é à toa, que, dividida
em cinco partes, a obra é aberta com uma discussão sobre
Midialivrismo e cobertura jornalística. Como se costuma dizer
no jargão jornalístico, trata-se do tema “quente”, da reflexão “da
hora”, para que possamos construir pontes teóricas.

6 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Outra característica marcante no conjunto da obra que
lhe confere uma especificidade e cumpre aqui destacá-la, é a
experiência vivenciada no campo profissional em interação
dinâmica com o exercício de investigação científica. No amplo
espectro de uma coletânea voltada para apreciar as mídias, as
tecnologias e linguagens, instalam-se aqui subtemas diversos,
os quais se apresentam sob o signo dos protestos, engajamento,
netativismo, eticidade, inteligência coletiva conectada, o quarto
poder da imprensa, o empoderamento social, as identidades dos
jornais e dos jornalistas, os atos de fala, gramática da empresa,
sintaxe dos repórteres.
O resultado é rico à medida que as problematizações
dos textos somam a “paciência do conceito” ao savoir faire dos
profissionais, a partir da atualização das “estratégias de linguagem”,
da necessidade de dominar a linguagem (o software) e o modo
de usar os equipamentos (o hardware), partes indissociáveis da
comunicação contemporânea.
Para além dessas questões, a obra se compromete com a
discussão social do jornalismo, com seu “lugar de praça pública”,
na era da virtualidade real (na rua e nas redes sociais) e em outros
momentos históricos, a exemplo da ditadura brasileira, com
fins de pensar as bases críticas para o exercício da comunicação
libertária e das mídias alternativas. As formulações teóricas,
epistemológicas e metodológicas propostas buscam encontrar
“palavras geradoras de sentido” para a reflexão sobre o jornalismo
e suas profundas transformações atuais. As pistas para a
compreensão dessas mutações e experiências no amplo espectro
jornalístico espalham-se nas teias de sentido que formam o
livro. Os textos se estruturam em temáticas que organizam
proximidades, alinhando tópicos: midialivrismo, tecnologias
móveis e cobertura jornalística; jornalismo colaborativo, rotina
e produção da notícia; ética e resistência jornalística; jornalismo
e cultura da mídia; cultura da mídia, corpo e recepção
telejornalística, concluindo com valiosas contribuições de textos
sobre temas transversais ao jornalismo no tópico “a natureza
midiática da experiência e políticas públicas de comunicação”.

Apresentação 7
O livro pode despertar o interesse dos leitores
preocupados com as formulações que intentam configurar
expressivas modalidades para interpretar (e explicar) os
paradoxos e controvérsias atuais. Com efeito, são apreciados na
obra os objetos, processos e interfaces no campo da comunicação
(e do jornalismo), com atenção às mutações que envolvem
a problemática trazida pelos processos de midiatização da
sociedade que criam as condições para fenômenos como o
“neojornalismo” (Ramonet). No mais, o livro é instigante, na
maneira como introduz – criticamente a (des)ordem causada
pela conjunção, disjunção e transmutação das palavras e as
coisas no universo desse novo jornalismo.

8 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Midiativismo, tecnologias móveis
e cobertura jornalística
D@niel na cova dos leões:
Mídia Ninja no programa Roda Viva
Claudio Cardoso de Paiva1

Resumo
A informação compartilhada pela Mídia Ninja (e circuito
FORA DO EIXO) tem gerado “surpresas” para o jornalismo
tradicional, ameaçado pelo seu modus operandi (ação direta,
liberdade e resistência do grupo). A divulgação dos protestos
urbanos e da repressão policial, junho 2013 – em tempo real –
concedeu evidência ao grupo ativista. E a entrevista com seus
mentores (Bruno Torturra e Pablo Capilé) no programa Roda
Viva (TV Cultura) reforçou a visibilidade do fenômeno, que
exige um olhar crítico, analítico, problematizador, pois mobiliza
questionamentos no campo do jornalismo e da comunicação.
Propomos uma interpretação do significado e da qualidade
do fenômeno Mídia Ninja, observando a entrevista, e sua
repercussão nas matérias monitoradas no site Observatório da
Imprensa, referência básica para a pesquisa em comunicação.

Palavras-chave: Mídia Ninja; Programa Roda Viva; Observatório


da Imprensa.

1 Prof. Associado, Departamento de Comunicação – CCTA/UFPB; Programa de Pós Graduação


em Comunicação/UFPB; Programa de Pós Graduação – Mestrado Profissional em Jornalismo/
UFPB; pesquisador em Mídias Digitais, Jornalismo, Cultura Midiática Audiovisual. Autor dos
livros: Dionísio na Idade Mídia. Ed. UFPB, 2010; Hermes no Ciberespaço. Ed. UFPB, 2013.
claudiocpaiva@yahoo.com.br

10 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Introdução

A informatização, a internet, as redes sociais e a comunicação colaborativa


implicam mutações radicais nas esferas da economia, política, arte, educação,
entretenimento, e de forma marcante no jornalismo. O ciberespaço alterou os modos
de produção, as formas de circulação, as estratégias de consumo e compartilhamento
da informação. Mais do que isso, a engenharia da informação distribuída pelas
inteligências coletivas conectadas – como no caso Mídia Ninja2 (e sua base logística
e operacional no circuito Fora do Eixo3) – tem gerado “surpresas”. A Pós-TV, como
uma expressão do “neojornalismo” (sem editoria, sem pauta, sem patrão) enfrenta o
monopólio das empresas jornalísticas, que parecem ameaçadas pelo modus operandi
da nova mídia (ação direta, liberdade radical, resistência e ocupação).
Apostamos no ethos comunitário que norteia as ações das mídias livres
(Ninjas), dos circuitos alternativos (Fora do Eixo) e do jornalismo colaborativo (Pós-
TV).
Os protestos no Brasil, em junho de 2013 - filmados e distribuídos pela Mídia
Ninja - ficarão na memória social pelas imagens do despertar do “gigante adormecido”,
projetadas em cartazes na rua e narrativas da internet. As multidões protestam em
rede contra os abusos do Estado e do Capital, e a Mídia Ninja compartilha as suas
imagens e vozes, ampliando o espectro da indignação e as estratégias de luta pela
liberdade.
Essa experiência, de matizes sociotécnicos e ético-políticos sem precedentes,
concedeu evidência às táticas do grupo Mídia Ninja e a notícia se irradiou pelas
capilaridades midiáticas, imprensa, internet, redes sociais (Facebook, Twitter,
YouTube). Entretanto, a ação afirmativa Mídia Ninja adquiriu mais popularidade (no
Brasil e no mundo) após a entrevista no programa Roda Viva, da TV Cultura.

2 MÍDIA NINJA (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação), grupo de mídia formado em 2011. Sua
atuação é conhecida pelo ativismo político e como alternativa à imprensa tradicional. As transmissões da
Mídia Ninja são em fluxo de vídeo em tempo real, pela internet, usando câmeras de celulares e unidade
móvel montada em um carrinho de supermercado. A estrutura da Mídia Ninja é descentralizada e
faz uso das redes sociais, especialmente o Facebook, na divulgação de notícias. O grupo teve origem
por meio da Pós-TV, mídia digital do circuito Fora do Eixo. Wikipedia, 2013. Disponível em: <http://
migre.me/gnS4S>. Acesso em: 24.10.2013
3 FORA DO EIXO, originalmente Circuito Fora do Eixo, é uma rede de coletivos atuando na área da
cultura em todo o Brasil, mais alguns países da América Latina. Iniciada em 2005, por produtores e
artistas de estados brasileiros fora do eixo Rio-São Paulo, inicialmente focava no intercâmbio solidário
de atrações e conhecimento sobre produção de eventos, mas cresceu para abranger outras formas de
expressão como o audiovisual, o teatro e as artes visuais, ainda que a música ainda tenha uma maior
participação na rede. Disponível em: <http://migre.me/gnSXP>.

D@niel na cova dos leões: Mídia Ninja no programa Roda Viva 11


O enfoque do programa Roda Viva é importante, pois flagra o momento em
que a Mídia Ninja penetra no espaço blindado da “mídia corporativa”. E registra o
instante em que a mídia radical se transforma em notícia, multiplicada por todas as
outras mídias, escancarando o momento histórico, quando o povo invade as ruas e o
debate sobre a economia, a política e a narrativa da mídia global é colocado na ordem
do dia4.
Para entender a Mídia Ninja é preciso compreender o sentido da comunicação
colaborativa e o estado da arte do jornalismo, na era da conexão e da mobilidade.
Logo, interessante escutar os argumentos de seus mentores (Bruno Torturra e Pablo
Capilé), que causaram rebuliço, inquietação e solidariedade na entrevista do Roda
Viva.
O método que norteia esta reflexão parte de uma arqueologia das notícias
em circulação na internet. Recorremos às reportagens, comentários e críticas sobre
a participação dos Ninjas no programa Roda Viva, uma escolha gratificante, pois o
evento se irradiou como vírus pelos sites, blogs, redes sociais. Mas é preciso prestar
atenção na qualidade da informação. É necessário separar o conteúdo e a embalagem
da notícia porque a internet é um terreno fértil, mas poluído. Assim, capturamos
os dados na rede, relativos à Mídia Ninja e à entrevista no programa Roda Viva, e
rastreamos as matérias publicadas e monitoradas no site Observatório da Imprensa,
um ambiente privilegiado para o exercício da pesquisa em jornalismo, tecnologia e
política.

4 Em 05.08.2013 estiveram no programa Roda Viva o jornalista Bruno Torturra e o produtor cultural
Pablo Capilé, ambos idealizadores do grupo Mídia Ninja. O projeto ficou conhecido por transmitir
em tempo real os principais protestos que eclodiram pelo Brasil. O jornalismo é feito com ativismo,
mas sem ligações diretas com partidos políticos. Eles criticam a imprensa convencional pela falta de
imparcialidade e dizem que a ideia é disseminar essa nova forma de transmitir a notícia – segundo eles,
sem filtro: “Um dos objetivos é se tornar desnecessário”, diz Capilé. Sobre os rumores de ligação com
partidos políticos, o produtor afirma: “Não somos organizados por partidos, não somos financiados
por partidos e não nos encontramos apenas com o PT”. Pablo explica que procuram diálogos com
representantes dispostos a ouvi-los. Nas mãos, um celular potente, na mochila, um notebook para
servir de bateria e a cara e a coragem de ir atrás da informação: assim trabalha um “Mídia Ninja”. O
trabalho dos jornalistas independentes ainda é visto com receio na mídia tradicional e Torturra diz
que acha curioso as pessoas questionarem se o que fazem é jornalismo. “O que pode ser discutido é a
forma como ele é feito”. O coletivo pretende agora ampliar o alcance e conseguir mais estrutura para
o trabalho. Estiveram na bancada de entrevistadores Suzana Singer, ombudsman da Folha de S. Paulo;
Alberto Dines, editor do site e do programa Observatório da Imprensa; Eugênio Bucci, colunista d’O
Estado de S. Paulo e da revista Época; Wilson Moherdaui, diretor da revista Telecom; e Caio Túlio
Costa, professor da ESPM e consultor de mídia digital. O programa foi conduzido por Mario Sergio
Conti e contou com a participação fixa do cartunista Paulo Caruso. In: site da TV Cultura – Roda Viva,
02/08/13.

12 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Visão e vertigem do programa Roda Viva

São estratégicos os usos e apropriações das tecnologias colaborativas pelos


ativistas, pois estes atualizam - de modo semiótico, cognitivo e político – os protestos e
manifestações sociais, revigorando as estratégias de mediação, interação e colaboração,
como a Mídia Ninja, o circuito Fora do Eixo e a Pós-TV.
A inserção da Mídia Ninja, no âmbito dos protestos urbanos, ocorreu desde a
Marcha pela Legalização da Maconha (2011), mas teve como estopim o Movimento
Passe Livre, em junho de 2013. O fenômeno Ninja se tornou o foco das atenções, após
a participação de Torturra e Capilé, no Roda Viva. Isto é algo como um “choque entre
dois mundos”, uma mudança importante no estado da arte da comunicação (e do
jornalismo), um momento de passagem e de transição.
O Roda Viva é apreciado pelo público de várias camadas sociais, ideológicas e
goza de prestígio entre os jornalistas, professores, estudantes, políticos, profissionais
de várias áreas. Muitos dos seus participantes já foram ativistas, militantes e conhecem
os meandros da mídia alternativa, a resistência e a contracultura.
Os entrevistadores estão naturalmente dispostos a provocar um debate de
qualidade, sabem que este é um acontecimento histórico: é uma espécie de confronto
entre os rebeldes do passado (hoje, mais conformados) e os rebeldes do presente
(atópicos, inconformistas, querendo mudar o mundo).
O programa sabiamente se empenha na arte de promover controvérsias, flagrar
contradições e arrancar confissões dos entrevistados, fisgando o interesse (e a audiência)
do “grande público”. Tem-se assim a modelação de uma esfera pública midiatizada,
um espaço crítico, cuja característica principal é interrogar os entrevistados, numa
arena conversacional giratória, em que as perguntas vêm de varias direções, o que
impõe dinâmica, movimento e vitalidade ao formato do programa.
É um produto consagrado pelas entrevistas com celebridades nacionais
e estrangeiras, convidados ilustres, formadores de opinião5. Isto lhe confere a
legitimidade enquanto um prestigiado “lugar de fala”, de produção de discurso e de
sentido que – virtualmente – pode esclarecer os telespectadores.
Os compromissos financeiros, publicitários, políticos, ideológicos não
obliteram a sua importância nos espaços intelectuais, no debate econômico, político
e cultural. Com efeito, a aproximação de fronteiras entre o Roda Viva e a Mídia Ninja
não deixa de causar formidáveis discussões no âmbito da crítica da economia política
da mídia.

5 Cf. Compilação no livro do ex-apresentador, Paulo Markun, O melhor do Roda Viva (2005).

D@niel na cova dos leões: Mídia Ninja no programa Roda Viva 13


Os interesses, as intenções, a filosofia e o modus operandi são distintas para a
velha e a nova mídia e é preciso discerni-las, reconhecendo as virtudes e defeitos de
cada uma, respeitando as suas limitações e apreciando os seus avanços.

Antecedentes do Movimento Passe-Livre

É sempre a experiência vivida, em carne e osso, que informa os pesquisadores


em mídia, sociedade e política (a salvo em seus laboratórios). Contudo, há um novo
dado na espessura sociocultural, um ethos midiatizado (SODRÉ, 2002), que imprime
um novo sentido aos movimentos sociais. Esta experiência dos grupelhos em rede,
em curso desde o pós-68, retorna com força no século XXI6.
Com efeito, as manifestações em rede e em tempo real, aquecem a temperatura
social e têm influência direta nas rotinas do mercado, da política, da educação e demais
estruturas da vida cotidiana.
Considerando que o Movimento Passe Livre (jun.2013) parece ser o pivô das
contestações, convém listar alguns exemplos de luta similares que o precederam, no
Brasil, para compreendermos o significado dos protestos mais recentes:

Revolta do Buzu (Salvador, 2003); Revolta da Catraca (Florianópolis,


2004/2005); Fórum Mundial Social (POA, 2005); Encontro Nacional
Movimento Passe Livre (S. Paulo, 2006); Luta contra o Aumento
Transporte (BSB, 2008); Aprovação Passe Livre Estudantil (BSB, 2009)
/ Ocupação Secretaria de Transportes (SP, 2009); Luta contra Aumento
Transportes (SP, 2010); Luta contra aumento em SP e outras capitais
(2011); Lutas na região metropolitana de São Paulo / Jornadas de Junho
conquistam revogação do aumento em mais de cem cidades (2013).

In: Cidades Rebeldes, 2013, p. 18.

Guardando as especificidades locais e históricas, esses eventos têm em comum


o fato de se realizarem em rede. Isto é, mediados pelos equipamentos interativos
(celulares, câmeras, notebook) conectados às redes telemáticas de distribuição.
Não têm lideranças no sentido clássico do termo, seus objetivos são difusos, não se
restringem a uma única causa, mas enredam-se com outras formas de contestação. São
movimentos pacíficos, mas freqüentemente atravessados pelas ondas violentas dos

6 MICHEL MAFFESOLI (entrevista). ‘Vejo esses movimentos como Maios de 68 pós-modernos’. In:
Jornal O Globo, 22.06.2013. Disponível em: http://migre.me/gmsmh Acesso em: 21.10.2013.

14 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


grupos radicais e agentes da repressão infiltrados, que invertem o sentido democrático
das manifestações.

Imprensa alternativa e mídia radical: encontros & confrontos

O jornalismo alternativo, historicamente, tem se empenhado nas formas de


resistência aos regimes autoritários, como a ditadura de Vargas, a ditadura militar
e nos protestos (na Nova República e na era Collor). Seja como militância ou
como sátira, tem atuado na desmontagem e reconstrução do sentido, mostrando
as formas opressivas e violentas, a exemplo da contracultura digital, hoje em fluxo
nas redes sociais. Em tempo, caberia citar o livro recente, As Capas da História
(Ricardo Carvalho, 2013), compilando as capas dos jornais alternativos, que
podem sinalizar os caminhos estratégicos, as raízes e antenas dos protestos, para
as novas gerações rebeldes.
É justo citar os periódicos de resistência, primeiramente para mostrar que os
jornalistas têm uma tradição de participação nas lutas políticas, mesmo invisíveis na
construção social da realidade; depois, para mostrar como os atores sociais sempre
foram sensíveis às narrativas do cotidiano, permanentemente em tensão e conflito.
Finalmente, cabe mostrar como a Mídia Ninja sofre hoje as mesmas críticas que os
jornalistas veteranos e as proezas deste grupo netativista já fazem parte do imaginário
coletivo e da cultura política nacional7.

O Programa Roda Viva: o Espaço Público Eletrônico

Dentre os programas de TV, no âmbito da grande mídia, o Roda Viva


se destaca pela atitude interativa e democrática, e sua dinâmica favorece à
configuração de um estilo singular de programa de entrevistas; consiste numa

7 A existência do (circuito) Fora do Eixo, e por conseqüência da Midia Ninja, está atrelada a
transformações por que passamos nos últimos anos com o surgimento de novas formas de comunicação
pela internet. Está longe de ser um fenômeno no qual se esgota a possibilidade de compreensão e os
rumos que pode tomar. Mas, é importante frisar, o FdE, como a Mídia Ninja, é fruto de um momento
em que está em pauta uma nova maneira de se provocar debates no nível da cultura e no fluxo das
notícias. Mas parece claro que, como fenômeno de mídia, estamos diante de uma situação que coloca
em xeque a maneira habitual com a qual lidamos com a comunicação de massa. Na era das redes
sociais, para o bem e para o mal, o alcance de uma notícia, de um acontecimento contornável, está
além do que qualquer canal de comunicação antes podia sonhar, até a Rede Globo. Cf. In: site Fora do
Eixo, 21.08.2013.

D@niel na cova dos leões: Mídia Ninja no programa Roda Viva 15


mesa redonda eletrônica, ágil, crítica e questionadora, uma modalidade rara de
telejornalismo, no ar desde 20028.
Na atual cultura de convergência, quando os jornais, revistas, rádio, TV, mídias
impressas e audiovisuais migram para o ciberespaço, cria-se uma hipermídia que
concorre para a elucidação dos acontecimentos, com novos olhares. Pode-se apreciar
melhor a atuação das mídias livres, ao se reconhecer que estas abrem o caminho para a
liberação das vozes e imagens ocultas, historicamente reprimidas, e para a articulação
dos sistemas mentais e tecnológicos de resposta do coletivo.

A Mídia Ninja e a mediação do Observatório da Imprensa

“Os Ninja, capazes de entender o conceito de renovação, poderão dar


sentido e direção a uma mídia engessada e baratinada”. DINES, OI,
20/08/2013.

O desafio de separar as verdades e ilusões no que respeita à reportagem


dos protestos se coloca, de maneira crucial, para jornalistas, pesquisadores e
especialistas, considerando-se a atuação das manifestações por todo o país, em
2013, às vésperas de um ano excepcional, devido à realização da Copa do Mundo
no Brasil e às eleições.
Para decifrar o fenômeno, é preciso dissipar as nuvens de dados, fazer uma
depuração nos arquivos e se eleger um dispositivo de monitoramento das notícias
em circulação, atento aos movimentos sociais, aos protestos e, ao comportamento
ético da imprensa, dos jornalistas e profissionais de mídia, incluindo as mídias
livres.
Nessa direção se destaca a atuação do Observatório da Imprensa, que serve
de mediador entre as diversas camadas de informação acerca da Mídia Ninja no
programa Roda Viva. Primeiramente, porque em sua ambiência comunicacional
circulam as notícias, narrativas e conversações que atualizam o imaginário político
nacional; depois porque os comentários e análises dos fenômenos jornalísticos passam

8 O cenário (do programa Roda Viva) é circular, com três bancadas em terços de círculo, separadas
por três corredores relativamente estreitos. Atrás das três bancadas, outras três em um nível mais
alto completam o palco da ação – na forma de dois círculos concêntricos, em meio aos quais ficará o
convidado, em uma cadeira giratória, de modo a poder voltar-se rapidamente para qualquer ponto desse
panóptico, de onde lhe virá a próxima questão. A referência ao panóptico não é casual – o convidado
é visto por todos os lados e não sabe de onde será assestada a próxima pergunta. Cf. BRAGA, 2006.

16 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


pelo crivo da crítica rigorosa, avaliação coletiva dos conteúdos e monitoramento dos
especialistas.
Jornalistas, educadores e profissionais – em rede – formam uma massa
cognitiva conectada que legitima o Observatório como vigoroso dispositivo mediador.
A aparição dos Ninjas na TV, após as manifestações de protesto, em mais de
cem cidades no Brasil, catalisou a vontade geral de saber acerca dos acontecimentos
de junho, pelas vozes das multidões, veiculadas pelos Ninjas, testemunhos oculares
da indignação social. Os Ninjas no Roda Viva consiste num acontecimento marcante,
pois representa o encontro dos jovens jornalistas engajados com os grandes arcanos
do jornalismo brasileiro, numa entrevista inflamada e de duração relativamente longa.
A título de avaliação recolhemos uma lista na internet, sublinhando as dez
frases mais marcantes nas falas dos entrevistados, que podem esclarecer o significado
da experiência Mídia Ninja e sua atuação no Roda Viva, que atingiu altos índices de
audiência, gerando milhares de micronarrativas, de cunho ativista, nas redes sociais.

“A gente faz jornalismo sim. Acho até curioso que ainda é uma dúvida
se o que a gente faz é ou não jornalismo.” (Bruno Torturra, respondendo
se o Mídia Ninja faz jornalismo ou não); “O PSDB tem como política não
dialogar com os movimentos sociais” (Pablo Capilé, sobre os apoios de
partidos); “Dependendo do partido é cartel, dependendo do partido é
quadrilha” (Pablo Capilé, sobre a postura da grande mídia); “Seria mais
honesto se ela assumisse uma parcialidade” ( Pablo Capilé, sobre a
imparcialidade da grande mídia); “Não acredito que exista um arauto da
imparcialidade” (Pablo Capilé, sobre o mesmo assunto); “A grande mídia
precisa entender que a nova objetividade vem da transparência” (Bruno
Torturra, sobre a objetividade); “Não somos organizados pelo PT. Não somos
financiados pelo PT” (Pablo Capilé, sobre o suposto apoio do PT); “É uma
pauta que a mídia não tem coragem ou não tem estudo suficiente para entrar
como deveria” (Bruno Torturra, sobre a postura da mídia frente ao assunto
drogas); “A mídia, em geral, tem muito medo de assumir a obviedade do
fracasso da guerra às drogas” (Bruno Torturra, sobre o mesmo assunto).

In: site AdNews, 06.08.2013.

Mídias velhas, novas mídias e o mito da imparcialidade

A Mídia Ninja tem sido vista como um processo que traduz uma nova
modalidade de jornalismo, pois cumpre a função de reportar o acontecimento,
informar a opinião pública e criar quadros de referência para os telespectadores
formarem juízos de valor e tomarem decisões. Entretanto, há o problema da

D@niel na cova dos leões: Mídia Ninja no programa Roda Viva 17


credibilidade das fontes, há ausência de pautas e falta de elaboração da notícia, como
na clássica redação de jornal.
E há também a questão da “imparcialidade”, uma das mitologias das empresas
jornalísticas, cujas intenções se mostram democráticas, mas são reféns dos interesses
dos patrões, dos anunciantes, do Estado ou dos grupos ideológicos que o apóiam.
Ou seja, não há imparcialidade. O comunicólogo Mauro Wolfe, em suas Teorias da
Comunicação (2001), formula uma crítica do “mito da imparcialidade”, através dos
conceitos de “agenda setting”, “news making” e “gate keeper”, que revelam as estratégias
corporativas de “agendamento”, “fabricação” e “blindagem” das notícias.
Cobraram a “imparcialidade” dos Ninjas e do Grupo Fora do Eixo. Aliás, a
maior parte da crítica, no que respeita à entrevista, referiu-se justamente à insistência
dos entrevistadores em bater na tecla do financiamento do projeto Fora do Eixo pelas
instâncias governamentais, colocando em dúvida a sua suposta autonomia.
Com efeito, não pouparam os Ninjas quanto às ligações com o PT e os
poderes instituídos, buscaram ainda vincular suas ações às experiências complexas,
como a defesa da “legalização da maconha”. Buscaram apontar as contradições
entre o projeto utópico de autonomia e liberdade, encampado pela Mídia Ninja e
pelo Fora do Eixo.
Todavia, é forçoso se reconhecer a qualidade do programa, na medida em
que instiga o debate no espaço público eletrônico. Mas os Ninjas foram corajosos
enfrentando os temas-tabus, e sobretudo, falaram com desembaraço e perspicácia.
Contudo, o programa perdeu a chance de problematizar o fundamental: as
novas estratégias operacionais e discursivas no âmbito do jornalismo colaborativo,
o novo empoderamento da esfera pública através das mediações tecnológicas
que favorecem a ampliação da inteligência coletiva e politização da comunidade
conectada.

Os jovens jornalistas Bruno Torturra e o produtor cultural Pablo Capilé,


fundadores da rede de jornalismo independente Mídia Ninja, realmente
deram olé nos entrevistadores. Começaram dando um corte perfeito à
pergunta que o mediador Mario Sergio Conti fez se o que eles fazem é
jornalismo. Destaque para a resposta que deram à eterna armadilha da
imparcialidade que a mídia os acusa de não ter, como se algum veículo
no Brasil fosse imparcial. Expuseram na cara da ombudsman da Folha
a parcialidade da Folha e de Veja no tratamento do escândalo dos trens
do Metrô e confrontaram Conti com a parcialidade da TV Cultura
no episódio da demissão do Heródoto a mando do PSDB. Há outros
pontos que responderam bem, como a questão do vandalismo durante
as manifestações. Demonstraram o fracasso da grande imprensa em

18 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


tentar entender os manifestantes que fazem o quebra-quebra durante
os protestos. Conseguiram a todo momento fugir da lógica Fla x Flu a
que eram empurrados a responder.

Luis Nassif (blog), 06.08.2013.

Os depoimentos e conversações sobre os tabus instigam reflexões,


lançando à esfera do debate ético uma temática tradicionalmente restrita às
seções do jornalismo policial, aos estudos clínicos, terapêuticos e às revistas
sensacionalistas. Logo, a entrevista historicamente significa elevação da qualidade
do debate público na TV.
A Mídia Ninja é considerada uma forma legítima de jornalismo por muitos
profissionais de respeito, conforme se pode depreender dos argumentos que se seguem:

O modelo tradicional de jornalismo anda abalado pelo desenvolvimento


da web, que veio bem antes dos ninjas e que mudou, de forma drástica,
a maneira como nos informamos. Na web, todo cidadão pode ser, em
tese, fornecedor de notícias. O mérito da Mídia Ninja é reunir alguns
desses cidadãos num projeto comum, oferecendo-lhes o canal para
chegar ao público; é juntar debaixo do mesmo teto virtual fabricantes
de conteúdo que, antes, se espalhavam pelas mídias sociais, dando-
lhes, de quebra, a oportunidade de mostrarem o que vêem em tempo
real.

Cora Ronái, O Globo – Cultura, 22.10.2013

A entrevista dos ativistas do Fora do Eixo e Mídia Ninja, Pablo Capilé


e Bruno Torturra, no Roda Viva desta segunda-feira (05), demonstra
com pouca margem à dúvida o total descompasso entre uma parte
significativa dos velhos jornalistas da velha mídia e a nova realidade
que se apresenta nas ruas e nas mídias, construída através de luta,
coletividade e protagonismo popular.

Jornalismo B (on line), 05.08.2013.

A disposição de Torturra para abrir o coração em público é, além


de inspirador, algo bonito e desconcertante. O debate acentuou em
mim a convicção de que o melhor jornalismo anda lado a lado com o
compromisso social. Foi assim com os grandes jornais, em especial o
Jornal do Brasil e o Estado de S. Paulo, que souberam aliar a qualidade
jornalística com a escolha do lado mais inglório durante o regime
militar: o lado dos que se opunham ao arbítrio imposto pela força e pela
tortura. Ou com a variada e criativa imprensa alternativa que floresceu
sobretudo nos anos finais da ditadura. Ou com a Folha de S. Paulo dos
anos 70 e 80, que, primeiro, levou pluralidade e inteligência para as

D@niel na cova dos leões: Mídia Ninja no programa Roda Viva 19


páginas de opinião e, depois, a audácia de se engajar no movimento
pelas diretas-já, também na contramão do poder. O Brasil de 2013
é um poderoso convite para que todos nós – jornalistas, veículos e
profissionais de comunicação em geral – lembremos que jornalismo
é, acima de tudo, serviço público. Quando o público começa a botar
fogo nos carros das empresas em que trabalhamos ou a nos hostilizar
com palavras e gestos, é porque, apesar dos nossos melhores esforços
(porque ô turminha que rala…), o nosso show não está agradando.
Por que será?

Congresso em foco (site), 06.08.2013

Entretanto cumpre estabelecer aqui os termos de uma abordagem do tema,


Mídia Ninja no Roda Viva, reconhecendo a sua complexidade. Lançamos um olhar
sobre o fenômeno, percebendo que este traduz os depoimentos dos jovens empenhados
na publicização e compartilhamento das imagens dos protestos, e confrontos policiais,
de maneira direta, sem a mediação das empresas jornalísticas e deste modo, fundam
um novo modo de “ver” e de “mandar ver” (FAUSTO NETO, 2006).
Como eles próprios afirmam, são vetores de novas narrativas midiáticas,
que vão fundo nas tensões e conflitos da vida social. Mais do que isso, suas ações
comunicativas são performativas, isto é, levam os atores sociais a pensar, falar e agir,
indicando-lhes o caminho seguro e a metodologia de ataque. Os Ninjas geram redes
de comunicabilidade e encorajam as biolutas, resistências e ocupações, cuidando de
defender a segurança dos manifestantes, dando-lhes voz e visibilidade, o que propicia
a emergência de novas reflexões, narrativas e ações afirmativas que enfrentam os
poderes opressivos.
É exemplar, neste sentido, o compartilhamento do vídeo do Ninja no camburão,
preso arbitrariamente, durante o protesto, em São Paulo, e em seguida liberado, graças
ao apoio popular estimulado pelas imagens da Pós-TV e da Mídia Ninja.
Não é muito fácil compreender o sentido da Mídia Ninja, principalmente
porque sua base ideológica operacional – o circuito Fora do Eixo – está ligada a
uma polêmica que envolve aspectos legais, financeiros, ideológicos e políticos pouco
claros; além disso, há a questão controversa da sua proximidade com os Black Blocs
(vistos pela grande mídia como “vândalos” e “baderneiros”, o que merece uma análise
particular).
No contexto geral da experiência política atual, há várias camadas de sentido,
multiplicidade de interesses e ações controversas, no plano da ética, do Direito, da cognição
e da política. Neste sentido, a filosofia e ciência da linguagem, formulada por Mikhail
Bakhtin (1995), pode nos ajudar a elaborar uma hermenêutica (uma interpretação) para

20 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


apreendermos o sentido da “atual complexidade histórica”, pelo viés de um “princípio
dialógico”. Há pluralidade com relação aos efeitos de verdade que nos chegam através das
várias mídias e mediações sociais; há uma “polifonia de vozes”.
Os fatos envolvem as noções de público e privado, subjetividade e objetividade,
vontade e legislação, liberdade e neoliberalismo, direitos e deveres. E o expediente
hermenêutico pode nos orientar e ajudar a repensar a reportagem dos acontecimentos
pelas mídias livres e mídias tradicionais, assim como as relações entre a comunicação
atrelada ao mercado e a comunicação empenhada na justiça social.
Quanto à Mídia Ninja como um novo estilo de jornalismo, aí se faz necessário
ir mais fundo, discutindo dialeticamente (dialogicamente) o papel histórico do
jornalismo. Ou seja, ao mesmo tempo, como um braço do capitalismo e extensão da
gestão política vigente, e como um canal da liberdade de expressão, reivindicação,
ocupação e protesto. E quanto ao Roda Viva, não se pode negar a legitimidade de
um discurso que, historicamente, tem sido responsável pela manutenção do princípio
democrático.
É preciso avaliar o programa Roda Viva, respeitando a sua história como
uma referência importante no imaginário político nacional. O que não nos exime
de fazer a sua crítica - por exemplo - no que respeita à sua falta de visão acerca do
empoderamento coletivo gerado pela Mídia Ninja. Mas é preciso também discutir
como as novas mídias tentam superar as antigas limitações jornalísticas, tais como
as hierarquias, o clientelismo, as editoriais cooptadas, a mercantilização da notícia, o
dead line e o desequilíbrio na sua divisão social do trabalho. Os Ninjas articulam uma
linguagem ágil, instantânea, em duração contínua, assegurando a captura dos fatos
em tempo real.
É preciso enfrentar o estado atual da crise do jornalismo (no tocante à
economia, à política e à linguagem), e simultaneamente, reconhecer o valor
das novas técnicas e linguagens jornalísticas se desenham com as novas mídias
móveis e interativas. Isto tem sido feito pela Mídia Ninja, que – economicamente
– se estrutura a partir de outra matriz organizacional (criativa, independente,
comunitária).
A Mídia Ninja desafia o poder do Estado e seus aparelhos ideológicos, pois
se recusa a dar espaço às mídias capitalistas. Mas libera espaço, voz e visibilidade
às narrativas populares e às multidões nas ruas, além de defendê-los da violência
policial e dos grupos extremistas, pois – usando as telas e redes compartilhadas
- revela o mapa dos conflitos, alertando para as zonas de perigo e de segurança
pública.

D@niel na cova dos leões: Mídia Ninja no programa Roda Viva 21


O fato de a TV Cultura trazer os “rebeldes” para o centro da cena já implica
numa situação política favorável aos movimentos alternativos, pois, segundo Foucault
(Microfísica do Poder, 1985), dar voz e visibilidade já é conferir poder, mesmo que as
intenções e estratégias dos entrevistadores – de algum modo – possam a prejudicar a
imagem, o significado e a qualidade do trabalho da Mídia Ninja.
Enfim, a Mídia Ninja no Roda Viva é uma experiência de valor jornalístico,
cognitivo e ético-político, porque face ao debate gerado na ambiência conversacional,
durante a entrevista, brotam camadas de sentidos reveladoras, a partir das próprias
controvérsias que envolvem a experiência política dos protestos e sua midiatização.

Para concluir

É preciso perceber a importância da transparência que resulta das guerras e


divisões de linguagem travadas na praça pública (em níveis presenciais e virtuais).
As visões compartilhadas – pelas mídias e redes sociais – do comportamento dos
manifestantes, do Estado e das forças repressivas constituem um fato inédito na
história da comunicação e da cultura política. As telas e redes totais, instantâneas,
ubíquas e virais, forçam o agenciamento político de respostas dos poderes públicos às
reivindicações – por mais que estas se manifestem dispersas e difusas. É importante
perceber a positividade resultante das convergências sociais e tecnológicas: as
mediações feitas pelas mídias clássicas e as ocupações do espaço público pelas
redes alternativas, conjuntamente transportadas para o domínio efervescente do
Observatório da Imprensa, permitem-nos acessar um rico material que se oferece à
interpretação, distinguindo os níveis de qualidade das experiências, em seus matizes
éticos, políticos, cognitivos e comunicacionais. Deste modo, vale a pena ver, rever,
desmontar e remontar as imagens e vozes das mídias livres, como a Mídia Ninja,
dentro e fora do Roda Viva.

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WOLFE, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 2001.

D@niel na cova dos leões: Mídia Ninja no programa Roda Viva 25


Jornalismo em mobilidade: redes sociais e
cobertura de protestos “ao vivo” e da rua
Fernando Firmino da Silva1
Adriana Alves Rodrigues2

Resumo
O texto contempla a interface jornalismo e mobilidade, observando
a inserção das tecnologias digitais e redes sociais móveis na
cobertura dos protestos, a exemplo das “jornadas de junho” (Brasil,
2013), greve dos garis (Carnaval do Rio, 2014) e manifestações
#NaoVaiTerCopa. Observa a atuação da Globo News e Folha de São
Paulo, e da independente Mídia NINJA, e examina as coberturas,
considerando as mudanças no jornalismo, com o advento das
tecnologias móveis, convergência e mobilidade. Parte da premissa
que a NINJA promoveu mudanças nas estratégias da mídia
corporativa, que adotou os seus métodos de transmissão.
Assim, o trabalho explora a tensão entre jornalismo tradicional
e jornalismo alternativo, a forma e o sentido da cobertura dos
protestos baseada em tecnologias 3G e 4G, smartphones, drones e
tecnologias vestíveis como o Google Glass.

1 Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia -


UFBA. Professor do Departamento de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Estadual
da Paraíba (UEPB). Pesquisador membro do Projeto Laboratório de Jornalismo Convergente da
Faculdade de Comunicação - FACOM/UFBA. E-mail: <fernando.milanni@gmail.com>.
2 Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia - UFBA.
Professora do Departamento de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Estadual da
Paraíba - UEPB e curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Jornalismo e Convergência Midiática da
Faculdade Social da Bahia - FSBA. Email: adrianacontemporanea@gmail.com

26 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Introdução

As tecnologias móveis digitais - no espectro da relação conceitual entre


jornalismo e mobilidade3 - estão cada vez mais evienciadas nas operações das
organizações jornalísticas como Folha de S. Paulo e de movimentos cidadãos como
Mídia Ninja. Em ambas situações, há a caracterização do uso intensivo de smartphones,
tablets, celulares, conexões de redes sem fio como 3G, 4G, Wi-Fi e aplicativos de
streaming na cobertura de eventos em tempo real. Para o jornalismo, o contexto
se mostra propenso à reflexão em torno das metamorfoses na prática jornalística
e, consequentemente, sobre o impacto no campo da pesquisa em comunicação
(metodologias, teorias, referências e aplicações).
O “admirável mundo novo” se mostra mais complexo quando se faz uma
análise mais criteriosa da relação entre o jornalismo e a mobilidade, considerando as
tecnologias móveis em perspectiva epistemológica e sociotécnica.
A complexidade da cobertura de acontecimentos, como os protestos de
junho de 2013 e a greve dos garis, no Rio de Janeiro, em março de 2014, apresenta
desafios no processo de apuração, edição e difusão das notícias, pois se reveste de
uma nova processualidade na rotina jornalística. De algum modo, o contexto remete
às dimensões políticas, tecnológicas, comunicacionais e profissionais que envolvem o
debate suscitado pela mobilidade expandida e a convergência jornalística.
No que se refere aos estudos de jornalismo, especificamente, a partir da nossa
pesquisa, de natureza empírica, percebemos que o contexto atual tem ensejado uma
série de problematizações. A partir das experiências observadas, reconhecemos novas
reconfigurações no campo, provocadas pelas tecnologias da mobilidade e pelas novas
narrativas4 que se desdobram no espaço público.
Anteriormente, os conflitos e guerras traziam em si a delimitação geográfica
de um front definido e campos de batalha com fronteiras demarcadas. Hoje, o cenário

3 Quando tratamos dos conceitos de jornalismo e mobilidade nesse trabalho, nos referimos à dimensão
da mobilidade dentro do jornalismo numa acepção histórica e, ao mesmo tempo, renovada para o
enquadramento a partir das tecnologias móveis e as formas de transmissão. Como aproximação para
o panorama atual podemos traduzir o jornalismo e a mobilidade como compreensão do jornalismo
móvel com a consideração de uma modalidade de jornalismo sendo realizada, em seus rituais, em
condições de mobilidade (física e informacional).
4 Não seria exagero afirmar que as transmissões ao vivo por celular ou smartphone observadas em
circunstâncias como as dos protestos no Brasil e em várias partes do mundo inauguram (ou ampliam)
uma nova estética de narrativa de caráter jornalístico com a introdução de elementos novos que
provocam olhares e mudanças para e no “ao vivo” consagrado pela televisão. A instantaneidade, a
hiperrealidade das imagens e o movimento do deslocamento na ação trazem à tona experiências
ambivalentes que merecem uma investigação de natureza empírica e reflexiva.

Jornalismo em mobilidade: redes sociais e cobertura de protestos “ao vivo” e da rua 27


de “guerra” está também nos centros urbanos, exigindo coberturas jornalísticas ou de
midialivrismo com aparato similar ao de repórteres correspondentes em circunstâncias
como a Guerra do Iraque.
O empoderamento de jovens ativistas (CASTELLS, 2009) através da apropriação
de tecnologias móveis, redes sociais (Facebook, Twitter, Instagram, aplicativos de
streaming) e outros dispositivos visam a transmissão ao vivo (smartphones e tecnologia
3G e 4G) exige, igualmente, o “aparelhamento” da mídia tradicional para fazer frente à
instantaneidade e ao volume de notícias em circulação. Concorre nesse processo, o uso
das redes pelos cidadãos, sob o efeito da “compressão espaço-temporal” (HARVEY,
1992) e da condução de novas narrativas com o enquadramento “ao vivo”, “do agora”,
“da rua”, “sem filtro”.
No caso da mídia tradicional, vimos a relevância desse aspecto sendo levado a
cabo como contraponto à midialivrista ou a incorporação da produção de conteúdos
desta, como reconhecimento do trabalho ágil de ativistas e cidadãos com seus
equipamentos portáteis e instantâneos subvertendo a lógica da grande mídia.

Figura 1 - Forte presença do Mídia Ninja nas redes sociais com o


compartilhamento de conteúdos

Fonte: captura de tela5

Nesse sentido, o artigo versa sobre a extensão pragmática que os novos


dispositivos implicam para a prática jornalística e a visualização do tensionamento
existente entre os repórteres profissionais das organizações jornalísticas tradicionais
e os “repórteres-ninjas” no tocante aos formatos ou narrativas de cobertura dos
protestos. Sendo assim, formulamos duas questões problematizadoras no sentido de
estabelecer uma discussão no horizonte e um enquadramento analítico: (1) De que
modo a apropriação das tecnologias móveis digitais, com a expansão da mobilidade,
interfere no jornalismo e suas práticas nas coberturas de protestos e conflitos na

5 Disponível em http://midianinja.tumblr.com/ . Acesso em 21 mar. 2014

28 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


consideração da atuação dos repórteres das organizações jornalísticas e dos repórteres
ninjas das organizações ativistas? (2) Em que implica para o jornalismo as narrativas
em tempo real via streaming observadas durante a cobertura das manifestações tanto
por meio de repórteres profissionais dos veículos de comunicação tradicionais quanto
de repórteres ninjas?
No âmbito do capítulo, tratamos o debate a partir de conceitos como
convergência (JENKINS, 2009; BARBOSA, 2009), mobilidade (URRY, 2007; LEMOS,
2009; KELLERMAN, 2006), jornalismo móvel (SILVA, 2013; QUINN, 2009), redes
sociais (RECUERO, 2013) e midialivrismo (MALINI; ANTOUN, 2013; ALMEIDA;
EVANGELISTA, 2013), arregimentados para a compreensão dos novos tensionamentos
e controvérsias visualizados nesse panorama, em desdobramento por meio da atuação
no epicentro dos protestos na perspectiva da cibercultura e da sociedade em rede
móvel (CASTELLS et al., 2006) que emerge como paradigma.
A partir desses conceitos e do referencial do estado da arte, abordamos a
cobertura de manifestações colocando também em cena, para o arcabouço teórico
de exploração, a noção de mediadores humanos e não-humanos (LATOUR,
2005; LEMOS, 2013) de modo a conceder visibilidade às associações nem sempre
perceptíveis nas ações netativistas.
Lemos (2013), a partir da Teoria Ator-Rede6, defende que há mediadores
não-humanos atuando em ações e formados por “objetos inteligentes, computadores,
servidores, redes telemáticas, smart phones, sensores e etc” (LEMOS, 2013, p.20).
Logo, não podemos deixar de reconhecer o aspecto da relação ator-rede, ao
examinarmos a complexa rede híbrida presente nos processos sociopolíticos e que
podem ser remetidos a outras situações, como a cobertura dos “protestos de junho
2013”, com os actantes humanos (ativistas, manifestantes, policiais, jornalistas) e não-
humanos (smartphones, drones, Google Glass).7
Não obstante, esse processo inclui a convergência jornalística em sua

6 A Teoria Ator-Rede tem sua gênese na década de 1980 a partir de Bruno Latour, Michel Callon,
Madeleine Akrich, John Law, Wiebe Bijker voltada para os estudos em torno da ciência e tecnologia
com influência de Foucault, Deleuze e Guattari, Michel Serres e Gabriel Tarde. Se constituiu em uma
crítica à sociologia, mais especificamente à noção de sociologia do social. No artigo, não faremos
uma aplicação metodológica ou teórica da Teoria Ator-Rede, mas não deixaremos de mencionar as
aproximações.
7 Outro exemplo de atuação de actantes não-humanos no jornalismo pode ser ilustrado com o caso em
que a primeira notícia sobre o terremoto nos Estados Unidos, em março de 2014, foi produzida por
um “robô-jornalista”, que se utilizando de inteligência artificial por meio de algoritmos, extraiu dados
de forma instantânea dos computadores do Serviço de Pesquisa Geológica do país. O jornalismo de
dados começa a avançar por sistemas inteligentes não-humanos para a produção de conteúdo original.
In: Portal Imprensa, 18.03.2014. Disponível em <http://migre.me/kcz8w> . Acesso em: 18 mar. 2014

Jornalismo em mobilidade: redes sociais e cobertura de protestos “ao vivo” e da rua 29


conjuntura (mudanças no jornalismo, perfil profissional, estruturação das redações,
adoção intensiva de tecnologias, emergência de repórteres cidadãos) e se constitui em
um operador analítico pertinente capaz de adentrar o cenário em busca de respostas
e de compreensão das transformações em curso.
Com as redações em processo de integração (SALAVERRÍA; NEGREDO, 2008;
BARBOSA, 2009), na perspectiva da cultura de convergência defendida por Jenkins
(2009), o trabalho multiplataforma enxerga, nas tecnologias móveis e redes sociais
móveis, angulações para o cumprimento da “atualização contínua” das plataformas
online e móvel.
Nessa abordagem de atuação, o jornalismo tradicional ancorado pela
cobertura por tecnologias de transmissão instantânea busca no smartphone e no
drone uma atuação de proximidade com a mídia independente como o Mídia Ninja,
como forma de reposicionamento do seu aspecto de inovação e confiabilidade para
manter credibilidade junto ao público. Ao adotar novos instrumentos de trabalho, as
rotinas dos repórteres se alteram para o viés multitarefa e polivalente, cujo aspecto é
visto por Kischinhevsky (2009) como um impacto sobre o fazer jornalístico à medida
que sobrecarrega os repórteres ao tentar naturalizar essas multifunções como aspecto
incorporado da rotina de produção.
Portanto, o processo de convergência nas redações com a incorporação
das tecnologias móveis digitais ou as tecnologias vestíveis, a exemplo do Google
Glass (utilizado pela Folha de S.Paulo) conduz o trabalho do repórter para um
comprometimento da produção e da prática jornalística em condições de mobilidade,
por um lado, e para a potencialização ou otimização da produção (SILVA, 2013).
Essa conjunção de fatores e de artefatos/objetos enriquece o debate em torno
das controvérsias, de modo a demarcar a discussão em dimensões de análise como
lugar, mobilidade, convergência, actantes, redes sociais com enfoque central no
jornalismo móvel.
Para aprofundar esses aspectos centrais desdobramos uma tentativa de
compreensão perpassando pela natureza do que está em cena, na abordagem como o
lugar e a mobilidade porque, de fato, é pertinente essa relação quando enquadramos a
cobertura das manifestações através da modalidade do jornalismo móvel, considerando
o locativo como um dos fatores à medida que o local é expressamente delimitado em
algumas transmissões ou postagens de conteúdos através das redes sociais móveis ou
do streaming realizado em tempo real.

30 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


A dimensão do lugar na emissão em mobilidade

A experiência de jornalismo móvel vincula-se ao hiperlocal, ao lugar da


emissão. Mobilidade e lugar são dois conceitos-chaves para pensar sobre a produção
jornalística geolocalizada que se utiliza de ambas vertentes: a mobilidade e o lugar.
Para Medeiros (2011) a comunicação locativa restabelece a “relevância do lugar na
comunicação”

Em decorrência do uso dos artefatos móveis digitais como celulares,


notebooks e tablets, surge uma forma de comunicação - a Comunicação
Locativa - caracterizada pelo envio de informações que emanam do
lugar diretamente para estes dispositivos, capaz de retomar o alto grau
de relevância do lugar na comunicação. (MEDEIROS, 2011, p.26).

O lugar, portanto, se relaciona diretamente com o fenômeno da mobilidade


com suas múltiplas concepções e interdisciplinaridade (sociologia, urbanismo,
geografia, comunicação, entre outras disciplinas), trazendo novas implicações para o
campo da comunicação, em particular o jornalismo, com as dimensões associadas à
produção e à difusão de conteúdos, como durante as apropriações das manifestações
no Brasil com a emissão do lugar dos acontecimentos como um fator de “realidade” e
de expressão do lugar dos confrontos.
Para Urry (2007) a mobilidade pode ser pensada como movimentos físico,
imaginativo e virtual. Assim, a mobilidade física e informacional enquadra-se na
perspectiva aqui delineada, à medida que a reportagem ou o consumo de informações
está carregado de potenciais da expansão da mobilidade, por meio de dispositivos
móveis digitais e redes conectadas, que também são redimensionadas pelo jornalismo
independente ou participativo.
Uma das condições para compreensão desse contexto é o jornalismo móvel
digital8, (SILVA, 2013) enquanto modalidade que incide sobre as rotinas produtivas
dos jornalistas, sobre as formas de consumo (CUNHA, 2012) e, ao mesmo tempo,
condiciona uma estrutura móvel calcada em tecnologia portátil para apropriações dos
cidadãos como vista pelo Mídia Ninja e em outras coberturas pelo mundo (Primavera
Árabe, Occupy Wall Street) com o movimento de pessoas, objetos e informações

8 O conceito de jornalismo móvel digital é compreendido aqui como a prática jornalística baseada no
uso de tecnologias móveis digitais como tablets, smartphones e celulares, além do conjunto de conexões
sem fio a exemplo da tecnologia 3G, 4G, Bluetooth, Wi-Fi. Essa estrutura móvel de produção pode
ser utilizada tanto no jornalismo profissional das organizações jornalísticas, quanto apropriada pelos
cidadãos para a cobertura com valor jornalístico.

Jornalismo em mobilidade: redes sociais e cobertura de protestos “ao vivo” e da rua 31


(URRY, 2007), com o enunciado da relação de hibridismo entre humanos e não-
humanos defendida por Latour (2005).
O jornalismo móvel, numa dimensão histórica, pode ser localizado no trabalho
dos correspondentes de guerra e no trabalho dos repórteres de agências de notícias
(MATHESON; ALLAN, 2009; SILVA JUNIOR, 2006) como no caso da cobertura
no Afeganistão em 2001 e no Iraque com o uso de videofones (celular via satélite,
notebook) para transmissão ao vivo direto do front para televisão a exemplo do uso
feito pela CNN e TV Globo. Para Pedro (2009) essa construção pode ser considerada
“uma nova narrativa de guerra” baseada na tecnologia móvel.

A cobertura de TV, com a presença do repórter e da tecnologia móvel,


não deixa dúvidas de quando a guerra está acontecendo nem onde.
São utilizadas as imagens ao vivo do “teatro de operações”, via satélite
através do videofone, de onde quer que o repórter queira estar, para os
telespectadores nos seus respectivos sofás (PEDRO, 2009, p.1).

Neste sentido, nossa tese é de que a cultura do jornalismo móvel reposiciona o


sentido de ‘lugar” na intersecção entre os artefatos e a mobilidade expandida presentes
na produção de campo na espacialização construída no nexo entre jornalismo móvel
e jornalismo locativo numa relação tênue oriunda das apropriações das tecnologias
móveis digitais. Defendemos que as notícias breaking news, através de elementos
de geolocalização, a temperatura do acontecimento no lugar, os elementos visuais e
sensoriais do lugar ( vídeos, imagens e áudio) e o repórter no lugar, redimensionam
a mobilidade informacional e da mobilidade física (KELLERMAN, 2006). Deste
modo, temos uma relação tênue entre jornalismo móvel e jornalismo locativo a ser
considerada.
Primeiramente, pressupõe-se que o jornalismo móvel tem impacto direto
sobre o breaking news ou hard news tendo em vista que as possibilidades de
atualização imediata do lugar, remota e “deslocada” se efetiva nas condições do
exercício do repórter em mobilidade que o aparato portátil digital permite (a exemplo
do smartphone e tablet).
Em segundo lugar, a conexão em nuvem dilui a fronteira entre o local de
apuração e o local de distribuição (antes, concentrado na redação física) gerando
um espaço de fluxo contínuo entre a redação física e a redação móvel, de modo a
estabelecer uma nova dinâmica.
Esses dois sentidos também podem ser atribuídos ao trabalho da Mídia Ninja
tendo, inclusive, o estabelecimento de outra relação pelo envolvimento mais imersivo

32 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


nas narrativas de proximidade. Para tal, poderíamos chamar de “ambivalência móvel”
no sentido de atribuição indiferente do lugar (físico, em movimento). O lugar adquire
um novo significado comunicacional e pertencimento temporário a essa notícia no
contexto (o deslocamento, a geolocalização, presença in loco do repórter), seja nos
meios tradicionais ou na mídia alternativa como a Mídia Ninja que a observação
empírica do fenômeno revela.

Mídia Ninja e jornalismo: narrativa em movimento ao vivo por smartphone

As manifestações de junho de 2013 trouxeram uma nova repercussão para


o uso de tecnologias móveis na cobertura jornalística. De um lado, o movimento de
jornalismo alternativo do Mídia Ninja, com o uso de smartphones com tecnologia
3G e 4G na cobertura coletiva e em tempo real através de aplicativos de streaming
como o Twitcasting e a articulação em redes sociais; por outro lado, a cobertura da
mídia tradicional como da Globo News com smartphones e da Folha de S.Paulo com
experimentações como o uso de drones9 para visão aérea e da tecnologia Google Glass
com transmissão em tempo real (figura 2).

Figura 2 - Folha transmite ao vivo via Google Glass

Fonte: captura de tela10

9 Drones são pequenas aeronáveis não tripuladas, utilizadas em conflitos e apropriada para o jornalismo
para coberturas aéreas através da instalação de câmeras portáteis.
10 Cf. Folha de S. Paulo, 15.08.2013. Disponível em: <http://migre.me/kczpUl>. Acesso em: 02.03.2014

Jornalismo em mobilidade: redes sociais e cobertura de protestos “ao vivo” e da rua 33


No caso do drone, a equipe da Folha de São Paulo acoplou um celular ao
equipamento para captura de imagens panorâmicas e aéreas. Estas duas tecnologias -
drones e Google Glass - alteram o modus operandi dos repórteres porque instauram
novos modos “de ver” os eventos ou novos modos “de construção” da notícia. Além da
Folha de S.Paulo, posteriormente os repórteres da Globo News se utilizaram da mesma
estratégia do Mídia Ninja e construíram suas narrativas de dentro das manifestações,
podendo assim transmitir o “calor dos acontecimentos”.
Para Antonio Brasil (2013), os repórteres “ninjas” globais enveredaram
pelo processo de convergência na transição da televisão para a Internet com um
telejornalismo baseado no ao vivo pelo celular como uma estratégia emergente.

Os ninjas globais não subiram nos telhados ou restringiram a cobertura


às cabines dos helicópteros. Trata-se de uma grande evolução da
estratégia “abelha” de cobertura jornalística para TV. No passado,
outros repórteres como Aldo Quiroga, na TV Cultura de São Paulo
e Luís Nachbin, na Globo, para citar poucos exemplos, adotaram
essa nova forma de narrativa audiovisual – mas jamais transmitiram
eventos ao vivo pela TV. (BRASIL, 2013, n.p)

Nessas circunstâncias, a rotina dos repórteres envolve novos elementos na


narrativa dos fatos com uma imersão maior sobre a cena e os personagens, além de
exigir um perfil profissional distinto (polivalente, multitarefa, multimídia e móvel).
São arranjos de caráter profissional e tecnológico que determinam um olhar sobre o
habitus do jornalista (BOURDIEU, 1989).
A conexão em rede, o uso de tecnologias móveis digitais e as apropriações
das redes sociais como disseminadoras de informações e modo de interação mediada
por celulares e smartphones trazem uma ressignificação para a narrativa televisiva e
para os movimentos como no caso dos protestos numa relação estreita entre o espaço
urbano e a conexão generalizada que se verifica.

Os movimentos sociais contemporâneos ganharam roupagens novas


na sociedade do século XXI ao engajarem suas práticas e formas de
mobilização em outra esfera pública, agora, conectada e em Rede. As
transformações das tecnologias digitais na vida social amplificam,
deste modo, os rearranjos comunicacionais num contexto contínuo de
mutações. (RODRIGUES, 2013, p.32).

Assim sendo, a exploração das tecnologias móveis, aliada à mediação pelas


redes sociais móveis, é determinante no que se refere à disseminação das informações,

34 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


em contexto de mídias com funções pós-massivas11 e ocupação do espaço urbano
por parte dos manifestantes. Munidos de celulares, smartphones e outros dispositivos
móveis, o Mídia Ninja12 amplificou a cobertura dos protestos sob uma perspectiva
de mostrar os acontecimentos sem corte e sem filtros, revelando a realidade das ruas
marginalizadas e ignoradas pelos meios de comunicação de massa. Essa forma de
atuação é denominada por Malini e Antoun (2013) como “midialivrismo” 13.
No contexto da cibercultura e da filosofia da cultura hacker, trata-se de ações
ciberativistas que produzem e compartilham processos no âmbito das tecnologias
digitais, sem intermediações ou hierarquia das corporações midiáticas. “O midialivrista
é o hacker das narrativas, tipo de sujeito que produz, continuamente, narrativas
sobre acontecimentos sociais que destoam das visões editadas pelos jornais, canais
de TV e emissoras de rádio de grandes conglomerados de comunicação.” (MALINI;
ANTOUN, 2013, p. 23).
Ao refletir sobre o conceito de midialivrismo14, percebem-se novas
possibilidades na emissão de conteúdos em rede, em distintas plataformas
comunicacionais (sites, blogs, Youtube, sites de redes sociais), sendo uma alternativa
aos meios de comunicação de massa, e com isso, amplificando sua rede de informação
e compartilhamento. Em perspectiva semelhante, pode-se afirmar que os repórteres
ninjas (figura 3) exercem aspectos do midialivrismo, ao realizar a cobertura dos

11 Para Lemos (2010), mídias com funções pós-massivas são aquelas sem um controle do “fluxo
centralizado da informação” como ocorre com os meios de comunicação de massa. Na perspectiva das
mídias com funções pós-massivas “qualquer um pode produzir informação”, ou seja, há uma liberação
do pólo de emissão.
12 Mídia Ninja (denominação para Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) é um grupo ativista
criado em 2011 e participante do Coletivo Cultural Fora do Eixo. Os ativistas procuram fazer uma
cobertura aberta e em contraposição à mídia tradicional. A partir das transmissões ao vivo dos
protestos em junho o grupo se consolidou.
13 Entretanto, apesar do termo ser uma contraposição (inclusive ideológica) aos meios de comunicação
de massa e sua forma de atuação, acreditamos que o cenário ideal é o composto por uma paisagem
midiática em que possa coexistir ambas as esferas: a mídia tradicional e a mídia independente como
modelo de democracia. Neste sentido, o público tem a oportunidade de conviver com diferentes fontes
de informação e, deste modo, construir sua posição sobre os diferentes temas da atualidade. Neste
aspecto, a digitalização e as redes digitais quebraram o monopólio abrindo espaço para a liberação do
pólo emissor (LEMOS, 2010) com a participação do cidadão que pode confrontar pontos de vista nesse
ambiente.
14 A noção de mídia livre, conforme explorado pelo movimento do Mídia Ninja, já vinha sendo
explorado pelo Centro de Mídia Independente (CMI), conhecido também como Indymedia, surgido
em 1999 por organizações e ativistas de mídia independente em Seatle que teve papel essencial na
cobertura de protestos contra a Organização Mundial do Comércio - OMC. O Intervozes é uma das
iniciativas vinculadas ao midialivrismo ou o Occupy Wall Street, além da Primavera Árabe.

Jornalismo em mobilidade: redes sociais e cobertura de protestos “ao vivo” e da rua 35


protestos disponibilizando em live streaming em seu canal no Youtube15. Sem dúvida,
estamos diante de novas narrativas que precisam ser problematizadas nos estudos do
jornalismo.

Figura 3 - Um dos idealizadores do Mídia Ninja, Bruno Torturra,


na cobertura dos protestos

Fonte: captura de tela16

A partir das transmissões ao vivo dos protestos pelo Mídia Ninja, as imagens
tentam revelar o lado “B” das manifestações, muitas vezes não explorado na mídia
massiva, razão pela qual eles declaram praticar um jornalismo nu e cru e divulgar
fortemente em seus canais digitais. Neste modelo de ação colaborativa, não há
restrições para ser um repórter ninja ou um transmissor, para tal, pode-se munir-
se de celulares, estar acompanhando as manifestações e fatos sociais e transmitir ao
vivo pelo TwitCasting. A ideia é que mais repórteres-ninja se aglutinem no Mídia
Ninja para expandir as transmissões aumentando a capilaridade do movimento em
coberturas para uma pulverização comunicacional. Para Malini (2014) emerge o que
ele denomina de “nova grande mídia”17 como antagonista aos meios de comunicação
de massa dominantes.
15 Canal oficial do Mídia Ninja no YouTube: http://www.youtube.com/user/7VHD
16 Cf. YouTube. Disponível em: <http://migre.me/kczCw>. Acesso em: 02 01.2014
17 Malini (2014) constrói o seu argumento de nova grande mídia a partir de pesquisa empírica de
seleção de 300 canais que atuam como divulgadores de ações midialivrista na rede social Facebook.
O autor obtem como resultado do cruzamento de dados de que esses 300 canais arregimentam em
torno de 15 milhões de usuários. Deste modo, conclui Malini, estaríamos diante de uma nova grande
mídia funcionando fora do circuito tradicional de formação da opinião pública. Numa comparação já
estabelecida na década de 2000, seria algo como blogosfera e mídiaesfera.

36 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Essa GRANDE MÍDIA não parece ser dialética, não mais depende de
qualquer sistema de comunicação de massa para se constituir. E a rede
já possui a cerca de 15 milhões de usuários. Mas deve ser mais, porque
se estes usuários compartilharem apenas um post de uma dessas
páginas, o alcance se multiplica. As páginas são o núcleo da emissão
de mensagens no Facebook. E os perfis individuais, as células que
ecoam, por meio do compartilhamento, esses conteúdos. (MALINI,
2014, n/p).

Em entrevista para a Revista Brasileiros18, um dos idealizadores da rede


colaborativa do Mídia Ninja, Bruno Torturra, explica que a prática do jornalismo
alternativo não diminui a importância da grande mídia na sociedade, e vê com bons
olhos quando as imagens dos repórteres-ninja são exibidas na mídia massiva, uma vez
que estão contribuindo para “ fazer a diferença” para a cobertura de uma “narrativa
ética”. Para Torturra, o objetivo maior não é monetizar o movimento, mas fazer justiça
social a partir de sua logística. “O que realmente nos interessa é que um inocente não
seja preso, que o policial saia para a rua identificado, que a gente saiba de onde partem
os comandos e que o governo se responsabilize pessoalmente ou aponte um culpado
quando problemas dessa natureza são revelados”. (TORTURRA, 2013, on line). Além
da cobertura em mobilidade e em tempo real praticado pelo Mídia Ninja, através de
smartphones com conexões sem fio, a apropriação e sites de redes sociais tem sido um
ponto de congruência das manifestações e como espaço conversacionais e divulgação,
alterando o panorama midiático contemporâneo.

[...] a metáfora da rede, assim, oferece um modo interessante de


compreender fenômenos contemporâneos da comunicação mediada
pelo computador, que, sem dúvidas, complexificou em larga escala os
fluxos comunicativos de nossa sociedade contemporânea. (RECUERO,
2009)

A apropriação dos sites de redes sociais e das tecnologias móveis tem


reverberado a ação da Mídia Ninja, inserindo-a no vigoroso ambiente da cultura da
mobilidade. As transmissões são feitas em grande parte por celulares e dispositivos
4G, mais na base do improviso do que de um roteiro predefinido. Se a prática de
transmitir atos públicos não é nova, a visibilidade que ela ganhou com o grupo
surpreende, chegando a atingir a marca dos 100 mil espectadores. (MAZOTTE, 2013,
online). Além do Facebook, que contabiliza 13. 777 curtidas em sua fanpage, o grupo

18 Revista Brasileiros. Entrevista com Bruno Torturra. Disponível: <http://migre.me/kcA3i>. Acesso:


02.03.14

Jornalismo em mobilidade: redes sociais e cobertura de protestos “ao vivo” e da rua 37


também mantém penetração pelo Tumblr,19 Google Plus20 e Twitter21, canais em que
ampliam-se as informações divulgadas e alargando o capital social por meio das redes
digitais (figura 4).

A articulação das movimentações com os dispositivos midiáticos


e principalmente as novas tecnologias marcou essa nova fase
da sociedade, que une elementos como cultura da convergência
(JENKINS, 2009), computação ubíqua, tecnologias portáteis (celulares,
iPads, tablets, notebooks) e redes móveis de conexão à internet, redes
sociais da internet (RECUERO, 2009), ciberativismo e lutas políticas.
(ALMEIDA, 2013, p.85).

Essa combinação entre tecnologias móveis e a apropriação das redes sociais


tem imprimido uma marca ao movimento de cobertura engajada e colaborativa.
“Cada repórter ninja tem um perfil de atuação, mas todos têm o mesmo objetivo:
quebrar a narrativa uníssona da grande imprensa usando a própria mídia como arma”
(DINIZ, 2013, online).

Figura 4 - Web-realidade reune os canais online de


transmissão ao vivo como os do Mídia Ninja

Fonte: captura de tela.

Além das manifestações de junho de 2013, outros atos ocorreram ao longo do


ano de 2013 e 2014 como os protestos denominados #naovaitercopa contra a Copa
do Mundo e também as manifestações dos garis do Rio de Janeiro que mobilizou

19 Cf. Mídia Ninja Tumbrl. Disponível em: <http://midianinja.tumblr.com/>. Acesso em: 2 mar de
2014
20 Cf. Mídia Ninja blogspot.com. Google Plus, Disponível em: <http://migre.me/kcAGI>. Acesso em:
02.03.2014
21 Cf. Ninja – Perfil no FaceBook. Disponível em: <http://migre.me/kcATI>. Acesso em: 2 mar de 2014

38 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


a Mídia Ninja e os próprios garis em março de 2014 na utilização das tecnologias
móveis para amplificar a greve e suas reivindicações. Bentes (2014) denominou essa
articulação de “mídias-redes” e chamou a atenção para a atuação do Mídia Ninja com
as transmissões ao vivo e dos próprios garis na contra-guerra de informação.

Formação politica de rua e mídias-redes! E a mídia de mobilização


nas redes impulsionou a onda laranja para além das ruas e dos guetos.
Depois de uma semana de desqualificação, suspeitas e dissuasão
do movimento dos garis, pela mídia corporativa, o Jornal Nacional
deu “uma linha” seca e rápida sobre o fim da greve, sem qualquer
imagem da vitória dos garis. Nas redes, as imagens e memes dos
midialivristas inundaram as timelines. A transmissão ao vivo pela
Midia Ninja mostrou o movimento desde o primeiro ato e fez circular
fotos lindíssimas. Imagens que dão cara, singularizam e produzem
comoção. O ao vivo nas redes traz a experiência de “estar na rua” e é
hoje uma ferramenta decisiva para os movimentos populares. Muitos
garis compartilharam suas imagens pelos celulares. [...] Viva os garis
e a mídia livre e a autônoma varrendo a velha politica, o sindicalismo
engessado a velha mídia! Formação politica de rua, “agitprop” e
mídias-redes! (BENTES, 2014, online).22

Na contemporaneidade, as percepções são múltiplas sobre o desenvolvimento


desencadeado pelas tecnologias móveis e seus processos reconfigurantes. A sociedade
em rede defendida por Castells (2009) é, de fato, uma sociedade em rede móvel
(CASTELLS et al., 2006) com implicações sociotécnicas e desafios teórico-conceituais
para a compreensão das redefinições em jogo em torno dos formatos e narrativas em
desenvolvimento dentro do jornalismo tradicional e fora do mainstream.

Conclusões

Neste capítulo discutimos a inserção das tecnologias móveis na cobertura dos


protestos em junho de 2013 e outros usos cotidianos com enfoque no trabalho da
mídia com funções massivas (como Folha de S.Paulo e Globo News) e da mídia com
funções pós-massivas (Mídia Ninja). O antagonismo que verificamos no tocante à
discussão sobre a mídia alternativa em relação à mídia tradicional é pertinente como
posicionamento dos lugares de fala e dos aspectos de complexidade envolvendo o
contexto. Não obstante, o hibridismo dessa relação se configura mais consistente na

22 Cf. FaceBook, perfil Ninja – Mídia de mobilização. Disponível em: <http://migre.me/kcAwq>.


Acesso em: 08.09.2013

Jornalismo em mobilidade: redes sociais e cobertura de protestos “ao vivo” e da rua 39


atualidade com implicações amplas para a comunicação com os atores humanos e
não-humanos como mediadores das controvérsias.
O assunto não se esgota nesse capítulo proposto. Como observamos, o
campo do jornalismo torna-se cada vez mais instigante com as lutas pelo poder
simbólico que se enxerga entre os emergentes do midialivrismo como o Mídia Ninja
e a mídia tradicional de modo a configurar novas relações em torno da “mídia-rede”
dos novos protagonistas que emergem estabelecendo novas categorias dentro dos
valores jornalísticos. Durante o acompanhamento dos desdobramentos da cobertura
jornalística das manifestações, observou-se que a mídia tradicional foi forçada a
adotar a mesma estratégia e tecnologias da Mídia Ninja, ou seja, smartphones, Drones
e Google Glass como forma de reafirmação do caráter de inovação, mas também, para
não ficar para trás tendo em vista o espaço midiático que a Mídia Ninja ocupou com
a estética do “ao vivo” e acompanhamento “colado” aos manifestantes. A estratégia
também se deu em função dos perigos que a cobertura representou para as equipes,
identificadas pelos crachás e veículos de reportagens.
Examinar as mudanças via convergência jornalística e mobilidade pelo viés do
conceito-chave do jornalismo móvel, conforme exploramos, permitiu especular sobre
os rumos do jornalismo diante de protagonistas emergentes atuando em paralelo.
Num primeiro momento, identificamos que as tecnologias móveis implicam
novas funções para as práticas jornalísticas, além das habilidades habituais e exigem
um nível de treinamento para operar o fluxo de trabalho baseado em um dispositivo
portátil conectado e com aplicativos variados (de captura, de edição e de distribuição
ou de transmissão ao vivo).
Num segundo momento, percebemos que o modelo de emissão de conteúdos
do campo baseado no celular instaura narrativas diferenciadas, principalmente
para televisão que necessita recompor seus valores diante de uma estética fora do
padrão tradicional e com qualidade inferior, porém, que indica novos elementos
como a contextualização do lugar, a mobilidade expandida no processo e o sentido de
presença “viva” direto da cena representada pela participação ativa do repórter como
uma espécie de etnógrafo em tempo real.
Concluimos, portanto, que o jornalismo móvel se constitui em uma modalidade
de prática jornalística que reposiciona um conjunto de aspectos do jornalismo
contemporâneo como o domínio da gramática das tecnologias móveis e seus
aplicativos, noção de trabalho multitarefa e multiplataforma em redações integradas
ou convergentes. Ao mesmo tempo visualizamos o nascimento de novos atores - o
Mídia Ninja - com perfil e valores distintos do estabelecido ao longo do tempo na

40 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


chamada grande mídia. O tensionamento deve perdurar diante das transformações
ainda em curso.

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Jornalismo em mobilidade: redes sociais e cobertura de protestos “ao vivo” e da rua 43


Midiativismo, redes e espaço público autônomo:
as novas mídias na redefinição
das relações de poder
Thiago D’angelo Ribeiro Almeida 1
Claudio Cardoso de Paiva 2

Resumo
Este artigo busca observar como as relações midiáticas podem
ser redefinidas a partir da “tomada de posse” dos meios de
comunicação favorecida pelas novas mídias e tecnologias,
abrindo novas possibilidades de usos destas mídias como
instrumentos de contrapoder, resistência e contestação dos
poderes estabelecidos. Com base nos estudos de Castells (2013),
Downing (2004), Kellner (2001), Ramonet (2012) e Malini &
Antoun (2013), pretendemos examinar como a relação entre
o midiativismo, redes sociais e espaço público está sendo
reconfigurada a partir das potencialidades da internet. Por fim,
realizamos uma descrição das práticas do grupo Mídia NINJA,
referência das mídias alternativas que mescla a ação direta das
ruas com a utilização de redes móveis para construir narrativas
contra hegemônicas.

Palavras-Chave: Midiativismo. Movimentos em rede.


Jornalismo. Mídia NINJA.

1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba –


UFPB. E-mail: dangelo.thiago@hotmail.com.
2 Orientador e professor doutor do Mestrado em Jornalismo Profissional da Universidade Federal
da Paraíba – UFPB. E-mail: claudiocpaiva@yahoo.com.br.

44 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Introdução

A Revolução Industrial reformulou no século XVIII os modelos capitalistas de


produção, transformando as estruturas de uma economia movimentada basicamente
por produtos manufaturados e relações de trabalho marcadas ainda pelo ambiente
familiar das oficinas e as corporações de ofício. Ao retirar da mão do artesão as
ferramentas de produção e o produto final do seu trabalho, além de convertê-lo em
operário (ou mero desempregado), a industrialização trouxe à sociedade as formas
que modelaram paulatinamente o sistema capitalista até os padrões atuais.
O surgimento do computador e posteriormente da internet, por sua vez,
desencadeou a revolução digital, que por sua vez impactou as estruturas e os processos
dos meios de comunicação de massa3. No ciberespaço, “conjunto das informações que
transitam nos servidores e terminais conectados à Internet” (FRAGOSO, 2000, p. 4),
novas possibilidades de interação, produção e circulação de informações, de comércio
e outros fatores proporcionaram o desenvolvimento e expansão da cibercultura4 ou
cultura do acesso, segundo Santaella (2007). Esta, por sua vez, interfere nas formas de
se relacionar, consumir, construir e compartilhar conhecimento, alterando as várias
dimensões humanas e viabilizando a conversão da rede mundial de computadores
em um imenso espaço público autônomo (CASTELLS, 2013) e de difícil controle por
parte dos poderes estabelecidos.
A comunicação mediada por computador (CMC) auxiliou na redefinição
destes e outros aspectos da vida cotidiana e passou a influenciar os sistemas político,
cultural, econômico, midiático etc. A hierarquia, verticalização e unidirecionalidade
destes sistemas sociais parecem estar cada vez mais sendo influenciados pelas culturas
da autonomia, colaboração, mobilidade, cooperação, participação, convergência
e descentralização características da era da conexão (WEINBERGER, 2003 apud
LEMOS, 2013).
Neste cenário de midiatização, de novos ambientes sociais constituídos pelas
novas mídias (SANTAELLA, 2013) e interconexão social tecnológica (BARRETO,

3 Que não por acaso também seguem modelos de produção de uma indústria: a Indústria Cultural,
cuja maior referência conceitual provém do estudo de Max Horkheimer e Theodor Adorno, no início
do século XX a partir da obra Dialética do Esclarecimento. Disponível em http://tinyurl.com/97t3ym6.
Acesso em 10 de nov. 2013.
4 É importante destacar que “a cultura virtual não brotou diretamente da cultura de massas, mas foi
sendo semeada por processos de produção, distribuição e consumo comunicacionais” (SANTAELLA,
2003, p. 24). A estes processos, a pesquisadora Lucia Santaella chama de “cultura das mídias”. Para saber
mais, ler Da cultura das mídias à cibercultura: o advento do pós-humano. Disponível em http://tinyurl.
com/moh8vl9. Acesso em 22.07.2013.

Midiativismo, redes e espaço público autônomo 45


2013), instrumentos sócio-técnicos como sites de redes sociais na internet,
tecnologias móveis e as possibilidades interativas fornecidas pela Web 2.0 provocam
ressignificações também no jornalismo, que atualmente atravessa uma crise de
modelo/mercado e, enfrenta ainda, segundo Ramonet e Serrano (2013), uma crise de
credibilidade, mediação, autoridade e informação5.
As mídias alternativas, independentes ou radicais, como define Downing
(2004) também emergem neste cenário e compõem o que Ramonet (2012) classifica
como “massa de mídias”. Estas expressões midiáticas se contrapõem à mídia
corporativa ou grande mídia6 nas suas produções, podendo atuar como instrumentos
contra hegemônicos de informação, abordando os fatos e os movimentos sociais de
maneiras subversivas e destoantes do conjunto de práticas que conduzem os veículos
tradicionais de comunicação.
Há inúmeras expressões de mídia alternativa, mais tradicionais, como os
jornais murais, rádios comunitárias, fanzine, panfletos etc., mas trabalharemos
com as cibermídias que se utilizam das novas tecnologias, como smartphones,
tablets, notebooks, conexões a redes móveis e comunicação em rede para produzir
informação. Este artigo pretende, ainda, apontar caminhos de observação dos
processos culturais e práticas da Mídia NINJA (Narrativas Independentes, Jornalismo
e Ação) na sua cobertura de protestos e movimentos de rua pelo país. Com esse texto,
buscamos avançar na análise desta mídia, identificando algumas das suas estratégias
comunicativas e novos usos dos meios disponíveis para gerar informação.

A revolução digital e os novos meios de produção de informações

A industrialização exigiu constantes inovações tecnológicas demandadas


pelas necessidades capitalistas de acumular mais lucros e se desenvolveu mutuamente
com os meios de transporte e de comunicação. Como destaca Briggs, “a tecnologia
nunca pode ser separada da economia, e o conceito de revolução industrial precedeu
o de revolução da comunicação – longa, contínua e eterna” (2006, p. 109). A imprensa

5 Esta crise teria sido intensificada com o advento da internet e suas possibilidades informativas,
a velocidade e efemeridade das informações e notícias, a autoinformação e outros fatores, como
a concorrência dos grandes veículos com os milhões de sujeitos “comuns” que, em blogs, sites
independentes, perfis em sites de redes sociais, também são hoje produtores de informação. Mais em
MORAES, Dênis de. Mídia, Poder e Contrapoder. Da concentração monopólica à democratização da
informação. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: FAPERJ, 2013.
6 O conjunto dos grandes veículos de comunicação de massa. No Brasil, integram este grupo, empresas
como as organizações Globo, Record, Bandeirantes, Abril, Folha de São Paulo, SBT, para citar alguns.

46 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


logo segue os moldes da indústria, se expande e passa a se concentrar em grandes
conglomerados, assumindo o caráter massivo e adquirindo poder e legitimidade
perante o público. Daí até o surgimento de novos veículos, como o rádio, a televisão e
o computador, passa-se aproximadamente um século.
Os jornalistas se integram ao processo quase fabril de produção das notícias e
a empresa (ou fábrica) de comunicação de massa engloba as várias etapas do processo
produtivo informacional. Temos, portanto, uma produção dividida por etapas:
redação, edição, diagramação etc., regulada a partir dos fatores tempo (deadline) e
espaço – no impresso, a quantidade de caracteres, na TV e no rádio, os segundos e
minutos. Praticamente todo o século XX foi conduzido por meio dessa esquematização
lógica da notícia. O jornalista fornece sua força de trabalho, recebe um salário e, no
fim, não é “dono” do produto final do processo, que é vertical. Trata-se do que Wolton
(2011) define como lógica da oferta.
Detalhamos este processo apenas para demonstrar as semelhanças entre a
produção jornalística e a produção industrial em escala. Trata-se de um processo
hierarquizado, vertical e unidirecional no sentido um-todos. A mídia informa, o
público se informa, comenta, critica, compartilha a informação, mas não dispõe,
neste momento inicial, de muitos canais para interagir ou responder7 ao discurso dos
veículos.
Neste primeiro momento, as funções dos profissionais são mais definidas no
processo noticioso, havendo uma clara divisão social do trabalho nas redações: uma
linha, digamos, mais “fordista” da produção noticiosa.
Atualmente, na era da acumulação flexível do capital (HARVEY, 2011) e do
jornalismo líquido, as mídias de função pós-massiva (LEMOS, online) causam uma
reestruturação dos modelos capitalistas tradicionais e o controle de posse dos meios de
produção. Estas tecnologias possibilitam e estimulam a remodelação do modus operandi
informacional, cuja característica principal seria a divisão entre proprietário e trabalhador,
dono dos meios de produção e força de trabalho. Esta alteração consiste em permitir que
não apenas os empresários possam ser detentores das ferramentas de produção e produtos
informacionais, mas, com relativa simplicidade operacional, qualquer internauta com o
mínimo de conhecimento sobre estas ferramentas possa ser um emissor, ao publicar em
um blog, gravar um vídeo com câmeras digitais ou celulares, criar um podcast etc.

7 Para José Luiz Braga (2006), desde as primeiras interações midiatizadas, a sociedade desenvolve
novos objetivos e funções para as tecnologias não especificamente seguindo os processos inicialmente
atribuídos a estas tecnologias. O autor afirma que há um terceiro sistema de processos midiáticos além
da produção e emissão de informações, que ele classifica como “sistema de resposta social”. Para saber
mais, ler BRAGA, José Luiz. A Sociedade Enfrenta sua Mídia. São Paulo: Paulus, 2006.

Midiativismo, redes e espaço público autônomo 47


A liberação do polo emissor de informações (LEMOS, 2001) e a consequente
proliferação de novas tecnologias e meios alternativos de difusão de informações
são provas de que as mudanças no trinômio produção-circulação-consumo de
informações causam, a princípio, influências em pelo menos dois sentidos básicos:
a) Nas práticas e rotinas jornalísticas, suas ferramentas de trabalho e também
na divisão do trabalho nas redações, que é redefinida, ocasionando
acúmulos de funções (jornalista multimídia, polivalente ou, sem meios
termos, superatarefado), novas relações do jornalista com os fatos e com
as fontes, por exemplo, além do surgimento de novas tipologias, como o
jornalismo móvel.

b) Em toda a estrutura capitalista de produção informacional, pois ao


permitir que jornalistas produzam matérias e as publiquem antes mesmo
de chegar à redação, o processo produtivo passa a ser menos rígido, mais
fluido. Além disso, há uma influência maior do público, que agora tem
acesso fácil a canais de interação (de fato) com as mídias tradicionais e que
também produz informações, podendo ser fonte de notícias ou colaborar
na modalidade de jornalismo participativo, além de poder construir sua
própria mídia.

É sobre esta última questão que iremos nos debruçar. Com as novas mídias
de função pós-massiva e seus usos com propostas não só comunicativas, mas
potencialmente informativas, podemos falar em uma efetiva tomada dos meios de
produção por parte da massa – termo que estabelecem os teóricos da mass media
communication research, mas que nós preferimos chamar de “público”, “atores sociais”
ou “sujeitos”. Esta revolução tem um impacto importante no campo do jornalismo,
pois permite que o público, munido de aparelhos simples como celulares e contas
no YouTube, possa fazer usos das mídias sociais em prol de ações subversivas contra
o Estado e a polícia, ou mesmo contra o jornalismo corporativo, que mantém sua
hegemonia consolidada por meio do controle das relações de poder.
Os cidadãos-repórteres contribuem com seu protagonismo ou
ciberprotagonismo midiático para um contexto mais plural e democrático de
informações, que descentraliza o polo emissor e multiplica os fluxos de emissão-
recepção de conteúdos, com transmissões em tempo real ou postagens de texto, vídeo
e áudio nas redes. Este é o contexto perfeito para a fermentação das mídias alternativas,
assunto que trataremos brevemente no próximo tópico.

48 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Midiativismo, movimentos sociais em rede e espaços públicos híbridos

Nos novos movimentos sociais que se desenvolvem interligados às redes


telemáticas e que Castells (2013) denomina de movimentos em rede, percebe-se que
há uma reconfiguração das formas de sua organização-realização, que passa a ocorrer
concomitante entre espaço físico e virtual, de forma descentralizada, sem líderes.
Muitos destes movimentos surgem na internet e depois migram para as ruas, como
ocorreu no Brasil, inclusive. Estas manifestações seguem uma tendência internacional,
como os movimentos Occupy Wall Street, as lutas contra os regimes ditatoriais
do Oriente Médio, os protestos contra a crise econômica na Europa: todos estes
movimentos parecem seguir a lógica de fragmentação, descentração e pluralização
das identidades apontadas por Hall (2006).
Referindo-se às novas ondas de marchas, manifestações e ocupações da
contemporaneidade, que Malini e Antoun (2013) nomeiam de revoluções P2P ou
revoluções distribuídas, “em que a heterogeneidade da multidão emerge em sinergia
com os processos de auto-organização (autopoiesis) das redes” (MALINI, 2013, p.16),
Castells (2013) expõe:

Em todos os casos, os movimentos ignoraram partidos políticos,


desconfiaram da mídia, não reconheceram nenhuma liderança e
rejeitaram toda organização formal, sustentando-se na internet e
em assembleias locais para o debate coletivo e a tomada de decisões
(CASTELLS, 2013, p. 9).

As novas lutas sociais que Maria da Glória Gohn (2013) afirma integrarem
novos campos temáticos de lutas e que vêm construindo uma nova cultura política,
intercambiam as experiências diretas, físicas, locais com os espaços autônomos do
ciberespaço, como as redes sociais virtuais, a fim de propagarem suas ideias, discutirem
as ações e debaterem sobre assuntos correlatos, autocomunicarem-se (CASTELLS,
2013).
A internet funciona, então, como uma esfera pública global (Downing, 2004)
anárquica, relativamente livre de controles coercitivos8 e mecanismos repressores.

8 Ao contrário das avaliações de autores como Downing (2004) e Castells (2013), que veem a Internet
como um espaço livre de controles, Julian Assange, em debate gravado para o seu canal do YouTube,
The World Tomorrow e que originou o livro Cypherpunks, Liberdade e o Futuro da Internet (2013),
alerta que a Internet não é tão livre quanto aqueles autores comentam, sendo um espaço de vigilância
praticada por Estados, com o aporte de empresas que fornecem todos os dados a respeito dos usuários e
os caminhos seguidos por eles na Rede, o que propicia a formação de um cenário de controle, vigilância
em massa e espionagem jamais vistos na história. Assange, fundador do site WikiLeaks, criado em

Midiativismo, redes e espaço público autônomo 49


São, pois, formas combativas e multidimensionais de apropriação do espaço público,
seja ele virtual ou físico: indivíduos indignados com uma situação se unem a outros,
planejam ações, discutem ideias e, além disso, relatam os eventos em formato textual,
em vídeo, áudio ou imagem. Trata-se de uma redefinição não só na maneira de
organizar manifestações, mas de discutir política, questionar o status quo e produzir
informações, fazer mídias.
Ao ter em mãos o controle de meios de produção de informações e o domínio
dos códigos de emissão, os “indivíduos comuns” dispensam intermediários para
registrarem os fatos, tendo a condição de interferir o que Sodré (1984) classifica
como o monopólio da fala, instituído pelos grandes veículos de comunicação. E assim
como na ascensão do movimento punk dos anos 70, a sociedade contemporânea
experimenta e cria para o ecossistema midiático uma atmosfera de “faça você mesmo”,
ou “faça você mesmo” high tech (ALMEIDA, 2013) que passa a receber injeções
informacionais que fluem não apenas de grandes conglomerados comunicativos, mas
de várias direções. Downing (2004), por sua vez, entende ser relevante, portanto, dar
à internet um enfoque de mídia radical, pois para ele

consiste na participação das pessoas na criação de formas interativas


de comunicação que atuam como força de compensação para o fluxo
unilateral que é próprio da mídia comercial (DOWNING, 2004, p.
275).

Kellner (2001) ainda reforça que a produção da mídia tem ligações íntimas
com as relações de poder e que interesses das forças sociais poderosas são reforçados,
“promovendo a dominação ou dando aos indivíduos força para a resistência e a luta”
(2001, p. 64). O autor aponta que nossa cultura foi colonizada pela mídia, classificando
a cultura contemporânea como cultura da mídia, “o lugar onde se travam batalhas
pelo controle da sociedade” (p. 54). Já Serrano destaca que o jornalismo – quarto
poder – “é um mero apêndice dos grupos empresariais” (2013, p. 72).
Sendo assim, o ativismo midiático se utiliza dos equipamentos midiáticos para
alcançar os objetivos de suas lutas, que estão relacionadas à liberdade de expressão

2006 para divulgar documentos denunciativos contra o governo norte-americano, ao lado de Edward
Snowden, ex-funcionário da CIA e da NSA (Agência Nacional de Segurança) americana são as maiores
referências atuais de delação de abusos cometidos pelos Estados em guerras, transações comerciais
internacionais, espionagem de cidadãos etc. Há, ainda, outras obras que buscam denunciar/alertar para
os problemas da hipervisibilidade, como Andrew Keen, com O Culto do Amador (2009) e Vertigem
Digital: por que as redes sociais estão nos dividindo e desorientando (2012) e Siva Vaidhyanathan, com A
Googlelização de Tudo (e por que devemos nos preocupar): a ameaça do controle total da informação por
meio da maior e mais bem-sucedida empresa do mundo virtual (2011).

50 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


e democratização dos meios de comunicação, sendo dividido, segundo Malini e
Antoun (2013), em dois formatos básicos. Um deles é o midialivrismo de massa, que
de dentro do paradigma da radiodifusão reúne experiências de movimentos sociais
que produzem mídias comunitárias e populares antagônicas aos conglomerados
ou “oligarquias midiáticas”, na denominação de Ramonet (2012). O outro formato
é o midialivrismo ciberativista, cujas experiências se desenvolvem no campo dos
dispositivos digitais, tecnologias e processos colaborativos de comunicação em rede.
Ao produzir narrativas que destoam dos modelos mercadológicos das grandes
corporações de mídia, o midialivrista é, de acordo com Malini e Antoun, “o hacker das
narrativas”. As narrativas hackeadas, portanto, ao circularem no modelo horizontal
muitos-muitos (PRIMO, 2011) da internet, possibilita visões múltiplas, novas
perspectivas acerca dos fatos e seus possíveis desdobramentos.
É com esse propósito que os midiativistas se lançam em meio aos protestos
do Brasil, por exemplo, a fim de relatar à sua maneira as complexidades de uma
aglomeração, sua pluralidade, seus conflitos, os jeitos, cartazes, iniciativas, confrontos,
a personalidade que a multidão exala a partir de cada indivíduo, demonstrando
maneiras de interpretar estas características que não raro são inconvenientes aos
formatos de cobertura da mídia oficial, limitada pela rigidez do tempo, espaço e
propostas editoriais que regem suas práticas. A Mídia NINJA, assim como toda a
biosfera informacional das mídias livres, brota e se desenvolve neste universo, que
abordaremos no tópico seguinte.

Mídia NINJA: uma breve descrição das características de produção de informações

Surgida em 2011, a partir de uma iniciativa da PósTV9, projeto midialivrista


ligado ao coletivo de fomento à cultura Fora do Eixo10, a Mídia NINJA (Narrativas
Independentes, Jornalismo e Ação) obteve amplo alcance nacional a partir da
cobertura em tempo real dos protestos que eclodiram no mês de junho de 2013
por todo o Brasil, cujos registros foram transmitidos via live streaming11 a partir de
smartphones conectados a redes móveis, como 3G e 4G. Nossa intenção é realizar
uma breve descrição dos processos produtivos destes midiativistas na cobertura dos
protestos.

9 http://canalpostv.blogspot.com.br/
10 http://foradoeixo.org.br/
11 Transmissão de dados em tempo real via rede.

Midiativismo, redes e espaço público autônomo 51


Quanto à estrutura que os integrantes da NINJA levam às ruas, a matéria da
Revista Piauí esclarece bem:

Para as situações de rua, um ninja tem dois kits: o individual e o de


equipe. No primeiro, um celular com internet, um laptop funcionando
e outros que servem como bateria, todos levados numa mochila. O
segundo consiste num carrinho rosa-choque carregado com duas
câmeras, mesa de corte, microfones, gerador e caixas de som. Tudo
da Apple e comprado coletivamente (menos o carrinho, apropriado
de um supermercado), com o dinheiro captado pelo Fora do Eixo nos
festivais de música que promove pelo Brasil – e nos editais de cultura
de que participam (BRESSANE, PIAUÍ, Julho de 2013, online).

Figura 1 – TwitCasting: página permite exibição e interação.

Fonte: Reprodução.

As transmissões são realizadas diretamente do smartphone para plataformas


como TwitCasting12, utilizado com frequência nas coberturas13. A vantagem desta
página é que, além do vídeo exibido no canto superior esquerdo da tela, há um espaço
12 http://twitcasting.tv/midianinja
13 É importante destacar que a Mídia NINJA não apenas se dedica à cobertura em tempo real de
manifestações e em 2013 organizou de forma colaborativa, ao longo de dois meses, um documentário
intitulado Enquanto o Trem não Passa, que aborda a situação das comunidades que sofrem os efeitos
da exploração de minério no país e da atuação de grandes empresas internacionais no negócio da
mineração. Disponível em http://tinyurl.com/mjrkf2r. Acesso em 12 de nov. 2013.

52 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


de interlocução no qual os espectadores poder fazer login via Facebook ou Twitter e
interagir entre si em tempo real e, inclusive, com o repórter que está na rua14, fazendo
perguntas ou apontando informações solicitadas por ele.
Imagem pixelizada (com ruídos de imagem), enquadramento de câmera em
primeira pessoa, ausência de um repórter no vídeo e proximidade aos acontecimentos
são algumas das características destas transmissões, cujo cinegrafista é o narrador/
comentarista das realidades que vão se desenrolando na frente da câmera – que possui
5 megapixels de resolução –, atuando como um narrador-personagem dos fatos, pois
está integrado à multidão e interage diretamente com os demais indivíduos. Com isso,
percebemos que, além de trazer o espectador para muito próximo dos acontecimentos,
a NINJA registra os conflitos, negociações, sensações, som e imagem, algo nem sempre
possível às equipes dos grandes veículos.
Além destas características, podemos elencar outras, que são possíveis por
conta da facilidade operacional de produzir as transmissões via rede, como:
a) Cobertura pulverizada e simultânea: em um mesmo protesto, pode haver
dois, três ou mais cinegrafistas-repórteres, localizados em diferentes locais e
com a emissão realizada com links diferentes, o que possibilita ao espectador
múltiplas visões dos eventos distantes ou mesmo ângulos variados de
um mesmo evento. Este é um fator da pulverização: o fator relacionado à
possibilidade de dispor de vários repórteres “correspondentes”. O outro se
refere à possibilidade de propagar os links pela rede, por meio dos sites de
redes sociais, como faz o perfil da Mídia NINJA no Facebook, por exemplo.

b) Ininterruptividade das transmissões: as transmissões não possuem intervalos


comerciais ou pausas, exceto nos minutos em que o repórter necessita trocar
ou carregar a bateria do celular ou que há algum problema com a conexão
à rede

c) Instantaneidade e espontaneidade: fatos são registrados e transmitidos sem


edição, cortes ou estipulação rígida dos caminhos a serem seguidos na
cobertura. Além disso, elementos como as narrações, ângulos e planos de
câmera fogem ao modelo sério e comportado dos modelos de transmissão
ao vivo do jornalismo tradicional.

14 Outra vantagem do TwitCasting é que alguns vídeos permanecem gravados no histórico do perfil
do repórter, podendo ser acessado posteriormente. Os comentários dos espectadores-participantes
também permanecem expostos na caixa de diálogo. Em algumas exibições, o diálogo entre espectadores
e repórter é mais intenso, como no exemplo da emissão do movimento Ocupa Câmara Rio, do dia 08
de novembro de 2013. Disponível em http://tinyurl.com/n5qh7vn.

Midiativismo, redes e espaço público autônomo 53


Figura 2 – Publicação da Ninja no Facebook aponta vários links.

Fonte: Reprodução

Tendo em vista que a Mídia NINJA não se limita apenas a relatar os fatos
e busca manter uma relação ativa com as realidades registradas, o que se configura
como uma forma de enfrentamento ou intervenção social midiática – marca
característica das mídias radicais, que buscam combater as estruturas opressoras e
assumem posturas combativas, a fim de transformar estas realidades –, classificamos
esta expressão midiativista como mídia participante. O sentido que pretendemos dar
a partir desta denominação é de uma mídia que imerge nas lutas por justiça social e
contra as relações de dominação; uma mídia que participa das discussões em prol da
democracia e pretende interferir na forma como a sociedade enxerga os movimentos
sociais ou como a grande mídia os registra (na posição de mídia de registro), além de
como o Estado vê estas lutas, se enxerga perante os conflitos e é observado atuando na
busca por solução ou repressão.

Considerações Finais

As relações entre público e mídia tradicional estão sendo reconstruídas na


era da conexão, autoinformação (RAMONET, 2012) e autocomunicação (CASTELLS,
2013), favorecidas pelas mídias de função pós-massiva aliadas a um novo momento de
conscientização e interações em rede. Os sujeitos possuem atualmente mais canais de

54 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


resposta às grandes produções jornalísticas e, com as tecnologias portáteis, conexões
a redes móveis e algum conhecimento técnico, estão desenvolvendo diversas mídias
alternativas aos grandes veículos de massa, buscando a democracia informacional e
que podem funcionar como instrumentos de contrapoder.
Ao receber destaque na cobertura de lutas e movimentos sociais, o
midiativismo reestrutura as relações de poder mantidas pela grande mídia por meio
de sua influência perante a sociedade. Abordando os fatos de forma contrastante com
os enquadramentos do jornalismo convencional, os midialivristas proporcionam
múltiplas visões, avaliações, enquadramentos e posicionamentos que nem sempre
cabem nos modelos mercadológicos do mainstream midiático.
A Mídia NINJA, portanto, assim como o rol de mídias livres que está se
propagando pelo país, se propõe a apresentar narrativas não convencionais e nos
protestos que se propagaram no Brasil a partir do mês de junho de 2013, mostrou
poderosas possibilidades de usos das novas mídias. Compreendemos a riqueza
deste campo de estudos e com este artigo, nos colocamos à frente desta discussão,
descrevendo algumas destas práticas midialivristas, a fim de dar pistas para avaliações
posteriores.

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58 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Jornalismo Colaborativo,
rotina e produção da notícia
A TV Digital interativa e a reconfiguração
do processo de produção de notícias
Luciellen Souza Lima1
Sandra Moura2

Resumo
Este artigo faz um passeio bibliográfico por algumas das principais
teorias do jornalismo identificando quais delas podem ser
aplicadas dentro da lógica das mudanças no processo de produção
de notícias na TV digital. É certo que as novas tecnologias que
surgem revolucionam as rotinas nas redações. Mas os princípios
básicos do jornalismo permanecem, independente do meio de
veiculação das notícias e dos avanços tecnológicos. É importante
entender como o jornalismo foi teorizado por meio de pesquisas
feitas em várias partes do mundo, para que os jornalistas de hoje
possam se situar dentro do fazer jornalístico atual e ter a base
para buscar mudanças. Este trabalho faz parte das reflexões do
nosso projeto de pesquisa de mestrado que estuda a transição
do sistema analógico de televisão para o digital no Brasil e as
mudanças no processo de produção de notícias.

Palavras-chave: TV digital. Telejornalismo. Teorias do


jornalismo.
1 Jornalista. Aluna do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (PPJ) da Universidade Federal
da Paraíba (UFPB). Especialista em Marketing pelo Centro de Ensino Superior e Desenvolvimento
– CESED e especialista em Mídia e Assessoria de Comunicação pelo Centro de Ensino Superior
Reinaldo Ramos. Graduada em Jornalismo, pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).
2 Orientadora do trabalho. Professora doutora do Programa de Pós-Graduação Profissional em
Jornalismo, PPJ – UFPB.

60 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Introdução

Com a consolidação da profissão de jornalista e a influência do trabalho desse


profissional na sociedade, não demorou muito para que essa área do conhecimento
atraísse a atenção de pesquisadores. Rotinas, critérios, regras, meios, objetividade,
subjetividade, técnicas e tudo o que faz parte do mundo dos jornalistas foram e são
estudados por pesquisadores em todo o mundo desde os primórdios do jornalismo.
A partir desses estudos diversas teorias foram surgindo. Algumas semelhantes,
outras adversas e contraditórias. Muitas já foram descartadas pelos pesquisadores
atuais. Outras ainda servem de base para novos estudos e para a formulação de novas
teorias. Algumas dessas teorias também podem contribuir com o trabalho diário
das redações, trazendo conceitos que podem servir como base para mudanças. O
certo é que todos esses pensamentos têm contribuído muito com o entendimento do
jornalismo e da influência que ele exerce no público.
O que é notícia jornalística? Partindo dessa pergunta podemos consultar
vários autores que concordam entre si ao dizer que notícia é uma forma social de
conhecimento, não podendo ser confundida com o conhecimento sistêmico, o
científico. É assim que dialogam Lipmann (2008), Park (2008) e Genro Filho (apud
MEDITSCH, 1992). Cada um desses autores, dentro das suas pesquisas, observou
características da notícia. Algumas se assemelham, outras se complementam.
Lipmann (2008) descreve a notícia como um relato de aspectos da sociedade,
um ato aberto. Para o autor, seria um relato de algo após sofrer um processo de
conformação a um certo estilo e ainda um relato de coisas interessantes. Porém, teve o
cuidado de acentuar que a notícia não pode ser vista como um espelho das condições
sociais, não sendo, portanto, a mais pura verdade.
De forma semelhante, Park (2008) vê a notícia jornalística não como os fatos
históricos em si, mas uma forma de conhecimento interessada no presente. Transitória
e efêmera, a notícia seria algo que faz o povo falar, um fato inesperado, incomum.
Já Genro Filho (apud MEDITSCH, 1992) ressalta que a notícia é uma forma
de comunicação da realidade cristalizada no singular, diferenciando este do particular
e do universal. Desta feita, o singular seria o universo próprio do indivíduo, do
conhecimento popular adquirido com pessoas de convívio direto. Já o particular seria
o conhecimento compartilhado com a família, os amigos, os colegas de profissão,
a comunidade local. E o universal, a interação dos conhecimentos singulares e
particulares, que se tornaria um conhecimento mais formal.
Mudando o foco do estudo, McCombs (2009) analisou a influência midiática

A TV Digital interativa e a reconfiguração do processo de produção de notícias 61


na sociedade. Ele passou a observar o papel da mídia ao definir a agenda das
pessoas, a capacidade dos meios de comunicação de influenciar muitos aspectos da
agenda política, social, e cultural. Dessa forma dissertou sobre o papel dos meios de
comunicação na formação da opinião pública, em “dizer” às audiências sobre o que
pensar.
A Teoria da Agenda Setting, como foi denominada a teoria pensada por
McCombs (2009), diz que o agendamento do público com base na mídia acontece pela
necessidade de orientação dos indivíduos, ou seja, o desejo psicológico de obter pistas
e informações acerca de um contexto. Quanto maior essa necessidade de orientação,
maior é a influência da mídia perante o público.
Mas como seria definida a agenda da mídia? Para explicar McCombs (2009)
faz uma comparação com as camadas de uma cebola. Bem no centro está a agenda
midiática, seguida por camadas mais próximas e mais externas, que são: as fontes
oficiais, as assessorias de imprensa e as interações e influências de vários veículos
de comunicação (agendamento intermídia). Além dessas, existe ainda uma das mais
importantes camadas da cebola: as normas e tradições do jornalismo, utilizadas para
selecionar os acontecimentos cotidianos e dar forma a eles.
A Teoria da Agenda Setting não foi suficiente para Elisabeth Noelle-Neumann,
que desenvolveu a Espiral do Silêncio. “A pesquisadora começava a chamar a atenção
para o poder que a mídia possuía, muito especialmente a televisão, para influir sobre
o conteúdo do pensamento dos receptores” (HOLHFELDT, 2001, p. 220). Ou seja, a
influência exercida pela mídia não seria apenas de agendar os assuntos do público, mas
de modificar e formar opinião a respeito da realidade. “Esta influência, ao contrário
do que disseram nas últimas décadas, não se limitava ao sobre o quê pensar ou opinar,
como afirmava a hipótese da agenda, mas também atingiria o quê pensar ou dizer”
(HOLHFELDT, 2001, p. 222).
O ponto central da Teoria do Espiral do Silêncio é a percepção do clima de
opinião. Ao perceberem, ou imaginarem, que a maioria tem uma opinião diferente,
as pessoas teriam a tendência de silenciar e depois, pelo menos verbalmente, adaptar
suas opiniões de acordo com essa maioria. Segundo Holhfeldt (2001), a mídia, para
Noelle-Neumann, seria uma transmissora da opinião da maioria, fazendo com que a
minoria se calasse e mudasse de opinião.
Diferente de Noelle-Neumann, Wolf (1999) se detém a estudar essa camada
mais importante da cebola: os critérios de noticiabilidade intrínsecos nas práticas
jornalísticas por meio da Teoria do Newsmaking. Essa teoria aborda sobretudo a cultura
profissional dos jornalistas e a organização do trabalho e dos processos produtivos.

62 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Segundo a teoria, os órgãos de informação devem cumprir três obrigações principais:
tornar possível o reconhecimento de um fato desconhecido como acontecimento
notável, elaborar formas de relatar os acontecimentos e organizar, temporal e
espacialmente, o trabalho de modo que os acontecimentos noticiáveis possam afluir e
ser trabalhados de uma forma planificada (WOLF, 1999).
Para dar forma a essas três obrigações, a Teoria do Newsmaking disserta
acerca dos critérios de noticiabilidade utilizados pelos jornalistas. Segundo Wolf
(1999), a noticiabilidade é formada por critérios, operações e instrumentos que
auxiliam os jornalistas a escolherem uma quantidade finita de notícias dentre um
número indefinido de fatos cotidianos. Entretanto, o resultado desse processo traz
prejuízos à informação, de acordo com Wolf (1999), consistindo num elemento
de distorção involuntária na cobertura informativa dos meios de comunicação. O
produto informativo é resultado de uma série de negociações feitas pelos jornalistas
em função de fatores com diversos graus de importância, em diferentes etapas do
processo produtivo.
Já a Teoria do Gatekeeping compara os critérios de noticiabilidade com
portões. Para que uma informação se transforme em notícia é necessário que ela passe
por todos os portões, representando os filtros responsáveis por reduzir incontáveis
informações em um número concreto de notícias diárias. Segundo Shoemaker (2011),
esse processo de gatekeeping acaba por determinar o modo como definimos as nossas
vidas e o mundo ao nosso redor, afetando a realidade social de todas as pessoas.
As forças que influenciam a abertura ou não de um portão são diversas e não
são rígidas, pois dependem de vários fatores. “A metáfora do gatekeeper ofereceu aos
primeiros pesquisadores em comunicação um modelo para avaliar a maneira como
ocorre a seleção e a razão pela qual alguns itens são escolhidos e outros são rejeitados”
(SHOEMAKER, 2011, p. 22). O processo de gatekeeping inicia quando um jornalista
transforma uma informação em mensagem. Essa informação pode chegar de diversas
maneiras, como através dos profissionais de relações públicas, por meio do jornalismo
investigativo, por fontes oficiais ou não. Algumas dessas mensagens se transformam
em notícia outras não. A escola do Gatekeeping tenta entender o porque da entrada ou
não de uma mensagem pelos vários portões.
Após essa breve explanação acerca de algumas das principais teorias do
jornalismo, é notável que elas são importantes para o entendimento e a análise
do jornalismo e a influência que este exerce na sociedade. Mas nem todas tratam
especificamente sobre os aspectos referentes ao processo de produção de notícias,
foco do nosso estudo.

A TV Digital interativa e a reconfiguração do processo de produção de notícias 63


A ideia deste artigo é mostrar quais dessas teorias podem contribuir com a
mudança de postura dos profissionais de telejornalismo diante da chegada da TV
digital no Brasil. Novas tecnologias requerem novas ações, novas ideias, novos
procedimentos. É preciso saber extrair as potencialidades tecnológicas de forma que
contribuam com a missão diária dos jornalistas de informar da melhor maneira à
população. Longe de apontar soluções ou modos de fazer ideais, este artigo apenas
traz algumas reflexões necessárias neste momento de transição do sistema analógico
para o digital de TV no Brasil.
Porém, antes de iniciar a discussão acerca dessas teorias específicas, é
importante trazer alguns conceitos a respeito da TV digital para que possamos
entender os avanços tecnológicos em comparação com o sistema analógico.

A TV digital

A definição de TV digital é simples. Montez e Becker (2005) afirmam que TV


digital nada mais é do que a transmissão digital dos sinais audiovisuais. A transmissão
digital é feita por meio de uma sequência de bits, representando os sinais de som e
imagem. A analógica é feita por uma onda eletromagnética análoga ao sinal televisivo.
O bit faz parte da linguagem binária (de 0 e 1), comum a todos os meios digitais.

[…] a representação numérica não tem ruídos, evitando perdas nessas


transformações […] o digital permite a compactação de informações.
Dessa forma, muito mais dados podem ser transmitidos, aumentando
a qualidade da imagem (permitindo o famoso high definition) ou a
multiplicação de canais (CANNITO, 2010, p.75).

O autor ressalta que no Brasil a TV digital em si não é algo novo. Ela já está
presente nas TVs (pagas) a cabo, por satélite e por IPTV (Internet Protocol TV).
Algumas, além de vários canais e imagem e som em alta definição, já disponibilizam
ferramentas diferentes da TV analógica, como a possibilidade de gravar a programação
e um guia de canais.
A novidade mesmo está na TV digital terrestre, que utiliza o ar para as transmissões,
assim como a TV analógica. Essa é a forma gratuita de TV que abrange toda a população.
Por isso depende de decisões governamentais em todo o processo. A primeira discussão
foi acerca do sistema que seria adotado no Brasil: o americano, o europeu ou o japonês.
Depois de anos de análise a decisão foi criar um sistema próprio, com base no japonês.

64 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


No dia 29 de junho de 2006, o governo assinou o decreto que estabeleceu as
diretrizes para a digitalização da TV brasileira de transmissão terrestre. O documento
definiu o padrão japonês Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial - ISDB-T
como base do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre - SBTVD e determinou
que se incorporassem inovações tecnológicas locais.
O Brasil criou um sistema próprio, com ajuda de pesquisas feitas em várias
universidades brasileiras. “Entre outras conquistas, o país aperfeiçoou o padrão de
modulação e desenvolveu um middleware nacional (o Ginga), compatível com o
padrão japonês, além de criar aplicativos inéditos e um projeto de set top box de baixo
custo” (CANNITO, 2010, p. 96). Set top box é um conversor digital para TV analógica.
Lemos (2010, p. 20) caracteriza como bastante flexível o sistema desenvolvido no
Brasil para a TV digital, “[...] a tecnologia oferece suporte para programação com alta
definição, multiprogramação, interatividade, transmissão para dispositivos móveis e
portáteis”.
A linguagem digital possibilita a convergência com outras mídias com a mesma
linguagem, como a internet, trazendo uma série de novas funções para o aparelho de
televisão.
Telefonia móvel e fixa, PC, internet, broadcast, TV digital e interativa
formarão uma plataforma de comunicação única e interligada. Com
a convergência de mídias, filmes podem ser baixados da internet em
todas as partes do mundo e em todos os tipos de aparelho; programas
de televisão podem ser vistos no PC; compras podem ser feitas
pressionando-se um botão no controle remoto; fotos e vídeos podem
ser captados e enviados por celulares. O usuário poderá interagir mais,
não somente pelo computador, mas também por celular e televisão
(CANNITO, 2010, p. 84).

De acordo com o cronograma do Ministério das Comunicações publicado no


dia 23 de junho de 2014, estamos há pouco mais de um ano do início do desligamento
das transmissões analógicas. O processo está planejado para começar em 2015, com
um desligamento piloto na cidade de Rio Verde no estado de Goiás, seguido pelo
switch off em algumas das principais cidades brasileiras em 2016. A conclusão do
desligamento deve acontecer em 2018.
Até agora pouco se discutiu sobre o conteúdo para a TV digital interativa.
Entretanto, a relevância da questão conteudística pode ser mensurada pela importância
da televisão para o país, o que ela significa e como participa da vida dos brasileiros. De
acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE,
a televisão entra em 95,1% dos domicílios.

A TV Digital interativa e a reconfiguração do processo de produção de notícias 65


TV digital interativa

Segundo Montez e Becker (2005, p. 79), para entender o que é interatividade


na TV é necessário primeiro diferenciar o conceito de interação: “[...] a interação pode
ocorrer diretamente entre dois ou mais entes atuantes, ao contrário da interatividade,
que é necessariamente intermediada por um meio eletrônico (usualmente um
computador)”. Para os autores, interatividade é “[...] um processo ou ação pode ser
descrita como uma atividade mútua e simultânea da parte dos dois participantes,
normalmente trabalhando em direção de um mesmo objetivo” (p. 50).
Sendo assim, Reisman (2002, apud MONTEZ; BECKER, 2005) classifica o
conceito de interatividade em três níveis: reativo, quando as opções e realimentações
são dirigidas pelo programa, havendo pouco controle do usuário sobre o conteúdo;
coativo, que apresenta possibilidades de o usuário controlar a sequência, o ritmo
e o estilo; e pró-ativo, quando o usuário pode controlar tanto a estrutura quanto o
conteúdo.
Kulezsa (2010) traz um conceito técnico e simples de interatividade e faz uma
outra classificação, semelhante à anterior:

É a interação mediada por interfaces ou meios eletrônicos. Os


tipos de interatividade são a local, onde a transmissora transmite o
conteúdo para o receptor e o usuário pode acessar serviços adicionais,
escolher o canal, habilitar ou desabilitar as opções. […] Outro tipo de
interatividade é com canal de retorno. O usuário pode responder, ou
seja, ele manda dados para a emissora. […] Por exemplo, ele poderia
responder uma enquete. E existe a interatividade plena. Além de o
usuário responder à emissora, ele sai da rede de TV digital e acessa a
rede de Internet como se estivesse num computador. […] Por exemplo,
é possível acessar o Youtube e assistir vídeos que eu queira, na hora
que eu queira (KULEZSA, 2010, p. 106-107).

Independente da inviabilidade de uma real interatividade com o telespectador


na TV analógica, por limitação do próprio aparelho, Cannito (2010, p. 144) afirma que
“[...] desde os primórdios a televisão procura a interação com o público: o envio de cartas
aos programas, por exemplo, é uma das tradições mais antigas entre telespectadores.
Hoje, tais mensagens são mandadas por SMS ou internet”. Redes sociais, e-mails, sites
e outras ferramentas da internet estão sendo cada vez mais utilizados para facilitar
a comunicação dos espectadores com os produtores de conteúdo. Mas a TV digital
interativa tem o potencial de ampliar e muito essas possibilidades.

66 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


O receptor de TV digital, ao sintonizar o canal, recebe um sinal de
controle que indica que tem uma aplicação interativa junto com
o áudio e o vídeo no canal de TV. A aplicação é então carregada na
memória e entra em execução aparecendo na nossa tela. […] Se
o conjunto de software associado ao audiovisual não aumentar a
audiência em relação ao programa audiovisual, ele não faz sentido
na lógica do negócio de televisão. Então a interatividade tem que ser
explorada de uma forma que vai prender a atenção das pessoas. […]
Agora o que exatamente vai ser explorado vai depender da criatividade
e da definição dos produtos que virão (LEMOS, 2010, p. 27).

Lemos (2010) afirma que para viabilizar a interação na TV digital é preciso


que todos os receptores entendam os mesmos comandos. Por isso foi necessária
a padronização da linguagem desses comandos por meio do Ginga, o middleware
criado para o SBTVD.

A finalidade do middleware – ou camada do meio – é oferecer um


serviço padronizado para as aplicações (camada de cima), escondendo
as peculiaridades e heterogeneidades das camadas inferiores
(tecnologias de compressão, de transporte e de modulação). O uso
do middleware facilita a portabilidade das aplicações, permitindo que
sejam transportadas para qualquer receptor digital (ou set top box) que
suporte o middleware adotado. […] Essa camada é fundamental para a
TV interativa, pois provê um sistema de gerenciamento e distribuição
de componentes, segurança e autenticação, transações, entre outros
aspectos (CANNITO, 2010, p. 88).

De acordo com Lemos (2010), a norma Ginga define todos os comandos que
o receptor brasileiro tem que entender e executar. Além disso também especifica
as formas como no sistema são combinados os comandos, gerando os programas
interativos. Segundo Kulezsa (2010), são os comandos padronizados pelo Ginga que
permitem a execução das aplicações interativas. Essas interações, de acordo com
Cannito (2010), devem acontecer de forma paralela a programação da TV, numa
janela ao lado da imagem principal, não interrompendo o fluxo da programação
audiovisual.
O espectador, ao ter a possibilidade de interagir, passa a ser considerado
usuário por poder fazer escolhas. Para que as respostas do espectador/usuário chegue
à emissora de TV é necessário um canal de retorno.

Para que haja canal de retorno são necessárias a associação a outra


tecnologia e uma empresa de telecomunicações intermediando

A TV Digital interativa e a reconfiguração do processo de produção de notícias 67


essa comunicação. […] Sem a existência de um canal de retorno, a
interatividade fica restrita a uma navegação do espectador pela área
que a emissora lhe transmite. Ele pode, por exemplo, escolher câmeras
de vídeo. Pode conseguir informações extras, gravar e assim por
diante. Mas não consegue se comunicar diretamente com a emissora.
É o canal de retorno que tornará a interatividade plena (CANNITO,
2010, p. 92).

É fácil deduzir que, se o governo não disponibilizar uma forma gratuita de


canal de retorno ou não facilitar que as pessoas de baixa renda tenham acesso, muita
gente vai ter uma TV digital interativa restrita, como afirma Kulezsa:

Isso leva a crer que a interatividade também não será homogênea,


devendo ser personalizada segundo as necessidades do telespectador e
respeitando as limitações da tecnologia escolhida para levar a resposta
do usuário final. Vários níveis de interatividade deverão conviver nos
mesmos programas ou nas mesmas emissoras, para evitar a perda de
telespectadores. Para quem não tiver canal de interatividade, o que
provavelmente vai representar uma boa parte da população […],
poucas alterações devem ocorrer (2010, p. 110).

Com canal de retorno e capacidade de acesso à internet, para Montez e Becker


(2010), a TV digital interativa é uma nova mídia, pois quebra duas características
essenciais da nossa TV analógica: a unidirecionalidade e a passividade do telespectador.
“A TV interativa não é uma simples junção ou convergência da internet com a TV,
nem a evolução de nenhuma das duas, é uma nova mídia que engloba ferramentas de
várias outras, entre elas a TV como conhecemos hoje e a navegabilidade da internet”
(p. 58). Já Cannito diz que, sendo uma nova mídia ou não,

[…] a interatividade da televisão nunca será igual à da internet. A


televisão é uma mídia que permite – e promove – a recepção coletiva,
enquanto o computador é de uso pessoal. Para dar ‘todo o poder ao
usuário’ (lema da internet atual, a Web 2.0), a internet é – e sempre
será – superior à televisão (CANNITO, 2010, p. 28).

Compartilhando desse pensamento de Cannito (2010), Lemos vem afirmar


que embora exista a convergência de mídias, a internet não pode ser confundida com
a televisão:

[…] internet é um serviço pelo qual as pessoas vão buscar informações


específicas. No caso da TV, as informações são colocadas no canal

68 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


broadcast e são enviadas para todos. Ou seja, a TV viabiliza a
distribuição de um software para todos os receptores em uma
determinada área de cobertura (LEMOS, 2010, p. 30).


Cannito (2010) faz uma outra observação importante a respeito da
interatividade. Segundo o autor, não podemos considerá-la, em si mesma, um critério
de qualidade. A tendência é as pessoas acreditarem que a interatividade é sempre
positiva e a passividade sempre negativa. “[…] é necessário ter claro que não se trata
de uma questão moral e que o fato de uma obra ser mais interativa não garante a sua
qualidade” (p. 19).

A TV digital interativa, o newsmaking e o gatekeeping

Em se tratando das mudanças que podem ocorrer na rotina dos jornalistas de


televisão com a implantação do sistema digital de TV, dentre as principais teorias do
jornalismo, a do newsmaking e a do gatekeeping podem contribuir com o entendimento
desse processo. Ambas trazem reflexões e conceitos acerca das rotinas de produção
próprias dos jornalistas que facilitam o trabalho dentro e fora das redações. “Em uma
emissora de televisão estas rotinas de produção são, talvez, mais contundentes que em
outros meios de comunicação, dado o aparato técnico e tecnológico (notadamente
eletrônico) que o fazer notícia implica para este veiculo” (SANTOS, 2009, p. 102).
É certo que todos os envolvidos na produção de notícias para televisão, ao se
depararem com a nova tecnologia, terão que desenvolver novos procedimentos que
otimizem as capacidades técnicas nascentes. Uma das ações iniciais do trabalho de
produzir um telejornal é a de escolher quais informações serão transformadas em
notícia. Wolf (1999) explica que a teoria do newsmaking conceitua valores/notícia
para entender os critérios utilizados pelos jornalistas na hora de selecionar o que deve
ser notícia e o que deve ser descartado. Além disso, contribuem com a escolha do foco
e do formato da informação.

São critérios de seleção dos elementos dignos de serem incluídos no


produto final, desde o material disponível até a redação. Em segundo
lugar, funcionam como linhas-guia para a apresentação do material,
sugerindo o que deve ser realçado, o que deve ser omitido, o que deve
ser prioritário na preparação das notícias a apresentar ao público.
Os valores/notícia são, portanto, regras práticas que abrangem um
corpus de conhecimentos profissionais que, implicitamente, e, muitas

A TV Digital interativa e a reconfiguração do processo de produção de notícias 69


vezes, explicitamente, explicam e guiam os procedimentos operativos
redatoriais (WOLF, 1999).

De acordo com o autor, esses valores/notícia têm algumas características:


fácil e rapidamente aplicáveis; flexíveis para poderem adaptar-se à variedade de
acontecimentos disponíveis; eficientes para causarem o mínimo de desperdício de
tempo, esforço e dinheiro. Esses valores/notícia, segundo Wolf (1999), também têm
um caráter dinâmico, pois não são fixos, podem mudar ao longo do tempo de acordo
com as várias novas realidades encontradas.
Dentro do contexto das mudanças no processo de produção de notícias com a
instalação do sistema digital de televisão podemos questionar se com o novo sistema
alguns valores/notícia vão mudar. Com uma qualidade melhor visível aos olhos dos
telespectadores, as reportagens vão valorizar ainda mais as imagens, privilegiando
pautas que sejam imageticamente mais ricas?
Com melhores e mais modernos equipamentos utilizados no sistema digital,
existe um desperdício menor de tempo para o material ficar pronto. Então, é possível
que informações que não seriam transformadas em notícia pela dificuldade em
conseguir finalizar o material a tempo, se tornem notícias viabilizadas pelo sistema
digital? A distância do local onde um determinado fato acontece ou aconteceu, pode
também ser um impedimento para que o fato se transforme em notícia, pois o tempo
excessivo para uma equipe de reportagem ir e voltar pode inviabilizar o material.
Porém, com o sistema digital, facilmente a equipe pode mandar parte do material
pela internet, sem precisar voltar à redação.

[…] se com relação às mídias tradicionais, ou até mesmo oriundas


de matriz eletrônica como a TV, o newsmaking pode ser visto como
um forte delimitador da produção (tele)jornalística, a partir do
momento em que o SBDTV for paulatinamente agregado às redações,
outras rotinas de produção necessitarão ser desenvolvidas. [..] A alta
definição da imagem e as potencialidades despertadas pelo sistema
digital, certamente, induzirão os profissionais a diferentes parâmetros
em busca da demarcação de fronteiras rumo aos valores notícia
(SANTOS, 2009, p. 102).

De forma semelhante podemos fazer um paralelo entre a teoria do gatekeeping


e as mudanças no processo de produção de notícias na TV digital. Esmiuçando
um pouco mais essa teoria, Shoemaker (2011) cita algumas forças que influenciam
na abertura ou não dos portões para que determinada informação se transforme

70 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


em notícia. São elas: timing; proximidade; importância; impacto ou consequência;
interesse; conflito ou controvérsia; sensacionalismo; proeminência; e novidade,
estranheza ou raridade.
Quais forças devem influenciar os portões na TV digital? As características do
novo meio vão criar novas forças? Um fator que merece destaque é a interatividade.
Com essa ferramenta a audiência ganha mais relevância, vai poder opinar mais e até
mesmo influenciar mais naquilo que deve ser notícia ou não. Dessa forma, o público
poderá ter mais peso como força que influencia os portões? “A sofisticação dessas
regras de gatekeeping é demonstrada pela capacidade do leitor de modelar o conteúdo
de acordo com seus próprios interesses” (SHOEMAKER, 2011, p. 20).
Alguns autores vão a fundo nas hipóteses de mudanças visualizadas a partir
da implantação do sistema digital de TV. Santos (2009) reflete sobre possíveis
transformações no fazer notícia em três funções do telejornalismo: produção,
reportagem e edição. Na ponta inicial da linha de montagem de um telejornal estão os
produtores. Buscam informações, apuram, checam e dão toda a base para o desenrolar
do processo.

E neste esforço em busca da noticiabilidade, duas nuances deverão


ser consideradas com atenção pelos profissionais, sendo uma a
interatividade prometida pelo formato de difusão digital de alta
definição, e a outra a necessidade de ampliação do conteúdo a ser
produzido diante da multiplicação dos canais proporcionada pelos
novos modos e mecanismos de distribuição do sinal, agora binário.
[…] Ou seja, os programas telejornalísticos deverão, desde suas
pautas, primar pela diversidade na produção de seus conteúdos, visto
que a oferta de opções será naturalmente ampliada [...] Logo, prevê-se
uma ampliação nos preceitos de noticiabilidade, na quantidade e na
maleabilidade dos valores-notícia. (SANTOS, 2009, p. 103-104).

Com relação à equipe de reportagem, o autor chama a atenção para os novos


enquadramentos com a ampliação do campo visual, já que a tela passa do formato
analógico 4:3 para o digital 16:9. A equipe deve também aguçar mais a sensibilidade
para as cores, as texturas, as formas e os detalhes das imagens, pois todos ficam mais
evidentes em alta definição. Além disso, Santos prevê novas funções que podem ser
agregadas à equipe fora da redação.

Com o SBDTV, grandes são as possibilidades de as equipes de


externa ganharem função de pré-editoras, decupando seqüências de
imagens com mais esmero, selecionando trechos de sonoras, efeitos

A TV Digital interativa e a reconfiguração do processo de produção de notícias 71


sonoros gravados no ambiente e, assim, oferecendo aos editores a
premissa de atuarem como pós-editores deste material. Assumindo
responsabilidades maiores que a coleta e sugestão primeira de
montagem das peças, as equipes pré-editariam o conteúdo,
possibilitando assim maior empenho criativo por parte dos editores
do telejornal (SANTOS, 2009, p. 107).

Ao se referir às funções da edição, Santos (2009) afirma que os editores podem


se tornar os grandes reformuladores dos valores-notícia específicos para atender às
demandas provenientes da nova tecnologia. A interatividade e o leque mais abrangente
de recursos da computação gráfica facilitados pela tecnologia digital, também devem
mexer com a rotina de produção dos editores.

Neste processo de confecção do conteúdo noticioso, a manufatura


de marca digital confrontará os editores com atribuições de maior
monta que as atuais, como por exemplo fazer deles os responsáveis
pela concatenação entre o potencial interativo da alta definição,
a multiplicidade de abordagens em decorrência da possibilidade
de agregação de outros códigos em som, texto e imagem, além da
necessidade de encontrar meio termo para o duelo entre manipulação
de ferramentas digitais de tratamento de imagens e a criação de peças
que casem apelo estético com conteúdo informativo (SANTOS, 2009,
p. 109).

Considerações finais

As reflexões trazidas aqui representam algumas das inúmeras hipóteses do


que pode vir a ser agregado às rotinas dos jornalistas de TV com a implantação do
sistema digital. Os avanços tecnológicos sempre influenciaram no fazer jornalístico,
mas a essência do jornalismo continua. As teorias do gatekeeping e do newsmaking,
embora tenham sido elaboradas já há algum tempo, permanecem com bagagem
suficiente para contribuir com as pesquisas que estudam essa nova realidade da TV
digital. Trazem a análise e o entendimento do fazer jornalístico, suas práticas e suas
rotinas, num exercício reflexivo analítico, ajudando no melhoramento do produto
final elaborado pelos jornalistas: os noticiários.
O importante agora é que os telejornalistas saiam da inércia e busquem novos
horizontes. A TV digital interativa traz inúmeras possibilidades, mas é preciso que
estas sejam utilizadas de forma que agreguem valor ao bom jornalismo, unindo
criatividade e responsabilidade. Buscar novos formatos, possibilidades diferentes de

72 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


contar uma história, agregar informação, tornar mais didático o conteúdo, agilizar o
processo de divulgação das notícias, inovar, ousar, crescer, progredir.
Para que a TV digital faça a diferença para quem assiste aos telejornais do
outro lado da tela, apenas as novas características tecnológicas não bastam. É preciso
o esforço humano para produzir um conteúdo melhor. É hora de esperar o nascimento
de um gatekeeping e de um newsmaking próprios do Sistema Brasileiro de TV digital
(SANTOS, 2009).

Referências

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74 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


As rotinas jornalísticas na Era da Rede:
um estudo sobre as transformações na produção
da notícia no jornal Correio da Paraíba
Amanda Carvalho de Andrade1
Joana Belarmino2

Resumo
O presente estudo busca analisar as transformações na rotina
de produção das notícias no jornal impresso Correio da Paraíba
que iniciou o processo de informatização na década de 1990 e,
posteriormente, implementou em sua rotina de trabalho o uso
da internet. Refletimos acerca do modo como as tecnologias vêm
mudando a sociabilidade, a forma como as pessoas se comunicam
há anos e, a cada modificação, os veículos de comunicação são
obrigados a se adequar. Recorremos para embasar o artigo a
teóricos como Manuel Castels, Pierre Lévy e Miguel Rodrigo
Alsina.

Palavras-chave: Jornalismo impresso. Ambiência jornalística.


Midiatização.

1 Jornalista formada pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Trabalha como repórter na
editoria de Política do jornal Correio da Paraíba, é assessora de imprensa no Governo da Paraíba
e é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo na UFPB.
2 Orientadora do trabalho. Professora doutora do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo,
PPJ – UFPB.

As rotinas jornalísticas na Era da Rede 75


Introdução

Para quem está de fora, parece que as notícias simplesmente brotam nas
redações dos noticiários impresso, radiofônico ou televisivo, com o acontecimento
chegando ao grande público da maneira como ocorreu. Mas esta não é a realidade e,
para chegar as notícias como a conhecemos, elas passam por diversos processos que
vão desde a escolha dos acontecimentos que têm maior valor-notícia à determinação
de onde e como elas serão publicizadas. A rotina diária do jornalismo é como uma
fábrica e isso é um fator importante na produção da notícia. Porém, ela não é a mesma
rotina de quando surgiu a imprensa, há alguns séculos, muito menos há 20 anos,
antes da democratização da internet. Este artigo trata dos processos de transformação
das rotinas jornalísticas no jornal Correio da Paraíba ocorridas nos últimos 20 anos,
marcados pela informatização e, posteriormente, pela produção em rede.
A Paraíba, como de resto todo o Brasil, está vivenciando esse processo de
migração de novas formas de sociabilidade. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), em 2003 apenas 6,64% (64 mil) das casas paraibanas tinham pelo
menos um computador e, destas, apenas 4,44% (43 mil) tinham acesso à internet. Já
em 2012, 31,44% (371 mil) dos domicílios tinham computador e 27,40% (323 mil)
tinham acesso à internet. O computador ainda não é um equipamento universal,
como acontece com a televisão (98% das casas paraibanas têm o equipamento), mas
caminha para este sentido.
Sempre que uma inovação tecnológica desponta, os críticos afirmam que
um meio de comunicação irá desaparecer. Foi o que aconteceu com o rádio, no qual
afirmava-se que acabaria com os jornais impressos. E, décadas depois, a televisão,
que seria o fim do rádio e, também, do jornal impresso. É certo que a cada avanço
tecnológico os meios tiveram que se reinventar para realmente não desaparecerem,
porém nenhum deles sumiram. O jornal impresso, que pelas previsões já estaria
morto e enterrado, ainda resiste as mudanças. A inquietante obra de Bassets (2013),
El último que apague la luz, adverte para a iminente morte do jornalismo impresso e
sua reinvenção em plataformas digitais. Fausto Neto (2011) acredita que o jornal não
vai acabar, porém se tornará uma instituição hibridizada.
Um dos desafios é exatamente buscar a adequação e reinvenção para manter-
se relevante à sociedade. Com o paradigma informacional, com novos processos
tecnológicos, de fato os jornais impressos têm que se reinventar dentro da nova
moldura digital. Hoje, qualquer pessoa com acesso à internet pode ficar sabendo dos
últimos acontecimentos em tempo real e em qualquer lugar do mundo, tanto por

76 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


meio dos portais de notícias como pelas redes sociais. Podemos ficar sabendo de um
terremoto de grandes proporções no Japão em minutos. Nessa perspectiva, os jornais
impressos estão sempre atrasados.
A internet diminuiu as distâncias e o tempo. Nas redações jornalísticas,
facilitou a pesquisa, o contato com as fontes e o feedback com os leitores/ouvintes/
telespectadores. As pautas chegam as centenas nos e-mails. As mudanças tecnológicas
ao longo dos anos vêm modificando o jornalismo e toda a produção noticiosa.
Mas como a internet mudou o jornalismo? Este trabalho busca compreender as
modificações nas rotinas jornalísticas e na produção da notícia no jornal Correio da
Paraíba na Era da Rede, sinônimo de uma enxurrada de informações em tempo real.
O artigo busca as bases epistemológicas em autores como Castels, Lévy, Alsina, Fausto
Neto, Paiva e Correia. E para ilustrar essa realidade na Paraíba foram entrevistados
editores do jornal Correio da Paraíba, profissionais que vivenciaram as rotinas antes e
depois da informatização. Assim, nos utilizamos de algumas estratégias da abordagem
antropológica (etnográfica) que, segundo Geertz (1988) citado por Lago (2007), é
uma descrição de uma cultura a partir do contato do pesquisador com a mesma, uma
espécie de trabalho de campo que tem a observação participante como norteadora.

Da Galáxia de Gutemberg à Galáxia de McLuhan

A integração potencial do texto, imagem e som muda de forma fundamental


o caráter da comunicação e, como a comunicação molda e determina a cultura, esta
também é transformada pelo novo sistema tecnológico e será ainda mais com o
passar dos anos. A integração de todos os meios de comunicação, o alcance global
e a interação dessa nova rede está mudando para sempre a cultura mundial. Castels
(1999) afirma que, a cada mudança de paradigma tecnológico, a sociabilidade se
transforma. Antes de investigar a cultura do que ele chamou de virtualidade real, ele
analisa as transformações da cultura e das sociedades a partir do advento da televisão,
que forçou adaptações dos outros meios dominantes: o rádio perdeu sua centralidade,
mas ganhou em penetrabilidade e flexibilidade; os jornais e revistas se especializaram
no aprofundamento das notícias ou no enfoque da sua audiência; os filmes buscaram
atender a nova demanda, ajustando-se ao novo meio.

Conforme Castels (1999), a televisão representou o fim da Galáxia


de Gutemberg (sistema de comunicação tipológica). Apontando
Postman, ele explica que a televisão é a ruptura histórica com o espírito

As rotinas jornalísticas na Era da Rede 77


tipográfico, no qual a impressão favorece a exposição sistemática,
enquanto que a televisão é uma conversa informal. Para Castels (1999),
A televisão tornou-se o epicentro cultural de nossas sociedades e a
modalidade de comunicação da televisão é um meio fundamentalmente
novo caracterizado pela sua sedução, estimulação sensorial da
realidade e fácil comunicabilidade, na linha do modelo do menor
esforço psicológico (CASTELS, 1999, p. 418).

As mudanças tecnológicas mudaram a maneira como as pessoas consomem


a mídia, como foi o caso do videocassete, que possibilitou as pessoas gravarem os
seus programas e assistirem a qualquer hora, quantas vezes quiser; e o walkman, que
permitiu fazer seleção de músicas (fitas cassetes) ou ouvir a estação de rádio favorita
em qualquer lugar. As câmeras caseiras de vídeo e foto permitiram a produção
familiar de imagens, modificando o fluxo de mão única das imagens e reintegrando a
experiência de vida e tela.
Com a globalização e ampliação dos canais de TV, surgiu uma nova forma
de consumo da mídia, que determina uma audiência fragmentada, diferenciada,
que apesar do volume de espectadores, não é uma audiência de massa em termos de
simultaneidade e uniformidade da mensagem recebida. A sociedade de massa evoluiu
para uma sociedade fragmentada, resultado das “novas tecnologias de comunicação
que enfocam a informação especializada, diversificada, tornando a audiência cada vez
mais segmentada por ideologias, valores, gostos e estilos de vida” (CASTELS, 1999,
p. 425).
Assim, o autor acredita que, como McLuhan afirmava que o meio era a
mensagem, com essa nova tecnologia, a mensagem é o meio, ou seja, as características
da mensagem moldarão as características do meio. Essa é a nova cara da televisão,
que objetiva a descentralização, diversificação e adequação ao público-alvo, e não
massificando toda a audiência num mesmo corpo. “Não estamos vivendo uma
aldeia global, mas em domicílios sob medida, globalmente produzidos e localmente
distribuídos” (CASTELS, 1999, p. 426).
Apesar da mudança, a televisão continuou uma comunicação de mão-única,
com mensagem unidirecional, sem o total feedback da audiência. A televisão continua
sendo a extensão da produção em massa, da lógica industrial e não expressa a cultura
da Era da Informação, representada pela internet. Com o advento da rede (World
Wide Web), qualquer pessoa com acesso à internet tem a possibilidade de criar o
seu site e divulgar para o mundo suas ideias, informações, vídeos, fotos etc. A Rede
transcende a “distância, a baixo custo, costuma ter natureza assincrônica, combina a

78 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


rápida disseminação da comunicação de massa com a penetração da comunicação
pessoa e permite afiliações múltiplas em comunidades parciais” (CASTELS, 1999, p.
446).
A Comunicação Mediada por Computador (CMC) não substituiu outros
meios de comunicação nem cria novas redes, mas reforça os padrões sociais
preexistentes. Segundo Castels (1999), o impacto mais importante da CMC é o
reforço potencial das redes sociais culturalmente dominantes, bem como o aumento
de seu cosmopolitismo e de sua globalização. O autor destaca que a multimídia
está mantendo um padrão social/cultural, cujas características são, primeiramente:

Diferenciação social e cultural muito difundida levando à segmentação


dos usuários/espectadores/leitores/ouvintes. As mensagens não são
apenas segmentadas pelos mercados mediantes as estratégias do
emissor, mas também são cada vez mais diversificadas pelos usuários
da mídia de acordo com seus interesses, por intermédio da exploração
das vantagens das capacidades interativas. (...) no novo sistema horário
nobre é o meu horário (CASTELS, 1999, p. 457).

A segunda característica é a estratificação social entre os usuários, que divide


o mundo multimídia entre duas populações: a interagente e a receptora da interação,
ou seja, “aqueles capazes de selecionar seus circuitos multidirecionais de comunicação
e os que recebem um número restrito de opções pré-empacotadas” (CASTELS, 1999,
p. 458).
A terceira característica seria a integração de todas as mensagens em um
padrão cognitivo comum, isto é, os modos de comunicação tendem a trocar códigos
entre si, mesclando-se (noticiários construídos como espetáculos). Para Castels, a
característica mais importante é que ela capta a maioria das expressões culturais, da
mais elitista a popular, criando um supertexto histórico. A multimídia constrói um
novo ambiente simbólico.
Para o autor, o novo sistema de comunicação tem como base o espaço de fluxos
e o tempo intemporal. Esta cultura transcende e inclui a diversidade dos sistemas de
representação: a cultura da virtualidade real, onde o faz-de-conta vai se tornando real.

As rotinas jornalísticas na Era da Rede 79


Cibercultura e a comunicação de mão-dupla

Lévy (1999) também reforça que as tecnologias são produtos de uma


sociedade e cultura, modificando-as. Porém as tecnologias não as determinam, mas
as condicionam. Segundo o autor, o ciberespaço “acompanha, traduz e favorece uma
evolução geral da civilização” (LÉVY, 1999, p.25). As novas tecnologias transformaram
o consumo da mídia e, assim, a produção de notícias. Lévy busca diferenciar as mídias
digitais das mídias de massa. A primeira tende à interconexão geral das informações,
as máquinas e das pessoas, uma mídia universal sem ser totalizante.
Por outro lado, as mídias de massa produzem as mensagens buscando
o denominador comum mental dos seus destinatários, ou seja, massifica os
consumidores da mídia. Para o autor, a conjunção do universal e totalizante –
características das mídias de massa – emana tensões e contradições que a nova
ecologia das mídias polarizadas pelo ciberespaço pode desatar. O ciberespaço
desconecta o que Lévy chamou de “operadores sociais”, a universalidade e a totalização.

A causa disso é simples: o ciberespaço dissolve a pragmática da


comunicação que, desde a invenção da escrita, havia reunido o
universal e a totalidade. Ele nos leva, de fato, à situação existente
antes da escrita – mas em outra escala e em outra órbita – na medida
em que a interconexão e o dinamismo em tempo real das memórias
online tornam novamente possível, para os parceiros da comunicação,
compartilhar o mesmo contexto, o mesmo imenso hipertexto vivo
(LÉVY, 1999, p. 118).

No virtual, a mensagem está “mergulhada em um banho comunicacional


fervilhante de vida” (LÉVY, 1999, p. 118). E nunca estará fora de contexto. Assim,
a cibercultura dá forma ao novo universal, no qual se realiza por imersão e não
totalizante, mas que conecta pela interação geral. Lévy aponta três princípios da
cibercultura: interconexão (tudo está conectado, provocando uma mutação na
física da comunicação, no qual todo o espaço se tornaria um canal interativo), as
comunidades virtuais (formadas pelas afinidades e interesses comuns, independentes
da localização geográfica) e a inteligência coletiva. As três estão interligadas e são
condicionantes, sem uma das três a cibercultura não atingiria a sua universalidade.
Outra característica da cibercultura é armazenar os saberes de toda uma sociedade,
formando uma espécie de memória coletiva, como acontecia nas sociedades antes
da invenção da escrita. A qualquer momento, qualquer pessoa pode retomar esses
conhecimentos.

80 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


O ciberespaço propõe uma comunicação não-midiática por construção, pois
é comunitário, transversal e recíproco. É uma alternativa aos meios de comunicação
de massa, pois permite às pessoas encontrarem as informações que lhes interessam
e divulgar as suas próprias versões dos fatos com imagens e vídeos sem o intermédio
dos jornalistas. Ao contrário das mídias clássicas, que praticam uma comunicação
de mão-única na qual os receptores estão isolados uns dos outros, o ciberespaço
encoraja uma troca recíproca e comunitária. “Os novos modos de comunicação e de
acesso à informação se definem por seu caráter diferenciado e personalizável, sua
reciprocidade, um estilo de navegação transversal e hipertextual, a participação de
comunidades e mundos virtuais diversos etc” (LÉVY, 1999, p. 193).
Paiva (2006) afirma que a comunicação midiática compartilhada é mais
democrática, conciliando os interesses e expectativas sociais. Nela, os receptores
não apenas recebem a informação, mas se tornam produtores, fontes e editores das
informações. Isso mudou a experiência midiática da sociedade, ou seja, o modelo
do fluxo comunicacional unidirecional, no qual de um lado estão os produtores de
informação e do outro os receptores. “Eis um exemplo de midiatização comercialmente
forte e uma mediação socialmente ainda em desvantagem” (PAIVA, 2006, p. 151).

As rotinas jornalísticas e a construção da notícia

Na década de 70, vários estudiosos da Comunicação buscaram entender as


rotinas jornalísticas e como ela afeta a produção dos acontecimentos em material
rentável. Um deles, citado por Correia (2011), foi Gans, que na década de 1970 mostrou
que as rotinas das redações e as composições organizacionais ajudam a moldar a
notícia. Já Tuchman (1978) apresentou a existência de um profissionalismo anônimo,
no qual o jornalista é capaz de produzir notícias sobre qualquer tema, independente
da empresa que trabalha. “As formas de construção da realidade informativa são o
resultado de um conjunto de rotinas profissionais e de práticas organizacionais e
discursivas que se institucionalizam” (CORREIA, 2011, p. 89). Conforme Correia
(2011), tais estudos contribuíram para o reconhecimento da importância das redes
informais entre os jornalistas; a importância das rotinas enquanto elemento crucial
na construção da notícia e a importância dos códigos, normas e valores profissionais
face aos discursos dominantes.
Alsina (2009) explica que a produção das notícias, além dos condicionamentos
internos (rotina jornalística) está inter-relacionada entre as fontes, a mídia e o público.
A valorização e a geração de notícias são feitas a partir de três fatores: a audiência, a
acessibilidade e a conveniência. A primeira é levada em consideração há muitos anos,

As rotinas jornalísticas na Era da Rede 81


a partir de quando a notícia se tornou uma mercadoria, que deve ser rentável. Os
outros dois fatores podemos dizer que foram modificados pela CMC e pela internet.
A acessibilidade da informação está vinculada às temáticas das fontes e às redes
informativas estabelecidas pelos meios de comunicação. A conveniência está ligada às
rotinas de produção do meio e suas limitações (técnicas, de pessoal, tempo). Alsina
afirma que cada meio de comunicação tem suas particularidades de produção que varia
de acordo com as tecnologias que cada um dispõe. Inclusive, o acesso e a conveniência
aos acontecimentos são dois valores-notícia que influenciam no processo de escolha
do editor/chefe de reportagem. Hoje, com a ampliação da internet, as distâncias
diminuíram e, direto da redação, o repórter pode fazer sua entrevista com alguém que
está em outro Estado, por telefone, por e-mail e até via videoconferência. Algumas
pautas conseguem ultrapassar as fronteiras físicas e imaginárias e são produzidas.
Figaro (2013), citando Dierkes, Hofmann e Marz (2000), afirma que as
tecnologias são marcadas pelo contexto no qual são elaboradas e exploradas, dessa
forma, os valores que orientam as opções sobre o desenvolvimento e os usos das
tecnologias estão imersos no sistema de relações culturais, econômicas e políticas.
“O novo na apropriação de uma tecnologia, de um processo produtivo sempre está
marcado por um antes, um histórico que o engendrou. O mesmo ocorre com os
processos comunicacionais” (FIGARO, 2013, p. 3). Ainda segundo a autora, citando
Scolari (2008), as tecnologias digitais oferecem a inovação e transgressão dos modelos
tradicionais de relação entre produção e consumo, porém as organizações buscam
enquadrar as novidades sem romper com os fundamentos que as estruturam.

A informatização do Correio da Paraíba e a ambiência jornalística

Na década de 1990, a redação do jornal Correio da Paraíba substituiu


gradativamente a máquina de datilografia pelo computador, mudando para sempre
a ambiência jornalística daquele jornal. Fausto Neto (2011) afirma que a atividade
jornalística é aquela que mais tem sido afetada pelo novo bios midiático. “Sua estrutura,
ambiência, narratividade, a autoralidade de sua narrativa, a identidade de seus atores
e, principalmente, o seu papel mediacional, são submetidas às novas processualidades
dinamizadas por novas condições de circulação dos discursos” (FAUSTO NETO,
2011, p. 25).
Para Pavlik, citado por Fausto Neto (2011), com as modificações advindas
da informatização, o jornalismo se transforma num novo tipo de objeto. Já

82 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Ramonet, também citado por Fausto Neto (2011), interpreta esse cenário de forma
mais pessimista. Para ele, as novas tecnologias favorecem ao desaparecimento da
especificidade do jornalismo e da figura do profissional.
A adoção do computador – e a transformação que aquela ferramenta traria,
como apresentou Fausto Neto (2011), Castels (1999) e Lévy (1999) – não foi celebrada
por todos os repórteres, que se viram obrigados a mudar toda a sua rotina de produção.
Conforme lembra Ferreira (2013), repórter da editoria Esportes, muitos colegas
ficaram literalmente doentes com a nova ferramenta e muitos não conseguiram se
adequar (estes, aos poucos, saíram do mercado). Novato na redação de um jornal,
Ferreira, que começou no rádio em 1985, buscou aprender como melhor usar o
computador.
Para Ferreira, o computador facilitou a vida do repórter, dando a
possibilidade de corrigir qualquer erro sem precisar escrever todo o texto
novamente. Na época da máquina de datilografia, um erro de digitação,
concordância ou até uma letra faltando significava digitar tudo de novo.

Tinha um editor geral que, depois de ler o texto, rasgava o papel na


nossa frente dizendo que estava ruim e mandava refazer. Naquela
época não tinha como corrigir e você tinha que escrever tudo de
novo. Por causa disso, a gente já deixava várias matérias guardadas
para a edição de domingo. Nas sextas-feiras, o pessoal saia da redação
de manhã fechando o caderno de domingo. Depois do computador,
mesmo que naquela época ainda não tinha o corretor automático,
dava para apagar e corrigir. Facilitou muito (FERREIRA, 2013).

O editor geral Galvão (2013) destaca três aspectos fundamentais das


transformações das rotinas e da ambiência jornalística na redação do jornal Correio
da Paraíba. O primeiro está relacionado à saúde dos profissionais: os computadores
trouxeram melhores condições ambientais, como a redução dos ruídos em mais de
70%; a proibição de fumar dentro da redação para evitar prejudicar os computadores
com os detritos da fumaça; e a iluminação e refrigeração que precisavam estar estáveis
e o ar sempre refrigerado.
O segundo aspecto tem a ver com o envolvimento dos jornalistas com as
tecnologias.

Usar um computador obrigou uma geração de jornalistas a se inteirar a


respeito das diferenças e convergências entre softwares e hardware, a se
apropriar de ferramentas multiuso, a se inteirar a respeito de uma nova

As rotinas jornalísticas na Era da Rede 83


arquitetura de informação e sua hierarquização a partir da ‘logística’
de armazenamento das notícias, de documentos, dos registros e
anotações da apuração, tudo feito no mesmo espaço (GALVÃO, 2013).

O terceiro fator assinalado por Galvão foi a elevação da qualidade da apuração


e narração dos acontecimentos. Em vez de se preocupar com as várias folhas de papel
intercaladas por papel-carbono para direcionamento das cópias para oficinas, editorias
setoriais e editoria geral, o repórter passou a ter mais tempo para se concentrar e
refletir sobre a pauta.

As correções passaram a fluir de forma mais rápida, a lógica de


estruturação do texto, as escolhas de abertura, tudo melhorou devido
à rapidez de ‘cenarizações’ possíveis, as inserções, os deslocamentos
de parágrafo, entre muitos outros aspectos. O computador foi uma
revolução no agir técnico-profissional dos jornalistas (GALVÃO,
2013).

A producão de notícias com mais concentração

Conforme apresentou Correia (2011), desde a década de 1970 que os


pesquisadores da Comunicação destacaram a importância das rotinas de produção
como influência na construção da notícia. Alsina (2009) também afirma que a
ambiência jornalística e os constrangimentos organizacionais também influenciam
na escolha dos fatos que serão noticiados. A informatização facilitou o trabalho dos
jornalistas, tanto no momento da escolha dos fatos (gatekeeping) até na apuração.
No jornal Correio da Paraíba, antes da informatização, cada repórter recebia,
em média, seis pautas para cobrir e fazer os textos dentro do horário de trabalho. O
trabalho exigia concentração total do repórter (se errasse, tinha que escrever tudo
de novo) e criatividade para apurar, pois ainda não tinha telefone celular, e-mail, ou
para pesquisar. Conforme o editor de Esportes, Pessoa Júnior (2013): “O repórter era
forçado a não ser preguiçoso, tinha que fazer o texto corretamente. Ser repórter exigia
mais esforço e mais concentração”.
Antes da internet, a redação recebia os releases e notícias nacionais por meio de
fax e telex, terminal que recebia mensagens escritas. Porém, o sistema era lento, exigia
digitar todo o conteúdo novamente (o texto chegava todo em caixa alta, sem acentos
e pontuação) e, caso faltasse papel, a mensagem precisava ser enviada novamente.

84 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


O editor de Esportes, Pessoa Júnior (2013), que começou no jornal impresso em
1984, lembra que, para terminar uma matéria, o repórter tinha que esperar toda a
transmissão do telex acabar. Para facilitar a apuração, os repórteres tinham como
principal fonte os programas radiofônicos. “O rádio foi um grande parceiro por vários
anos. A gente ouvia os programas, as transmissões dos jogos e pegava as informações.
Era mais rápido”.
Lacerda, a editora de Política, começou na redação do jornal em 1995, época
que acontecia a transição da máquina de datilografia para o computador e o telex
ainda era usado para receber as notícias nacionais. “Eu me lembro de achar aquela
máquina o máximo. Nem imaginava que em menos de um ano, talvez um pouco
mais, se tornaria completamente obsoleta” (LACERDA, 2013).
A jornalista analisa que, nesse período, os repórteres eram obrigados a serem
criativos, a realmente pensar na pauta e no que era a notícia, usando o rádio como
fonte e o telefone para apurar. “A expressão ´tirar leite de pedra´ caberia perfeitamente
nessa época. Eu cheguei a usar máquina de datilografia. Entrei naquela fase de transição
em que o computador era um bicho papão. Eu prefiro o computador, é facilitador”
(LACERDA, 2013).
Em 2013, na avaliação dos editores, a informatização e, principalmente, o
acesso à rede, diminuíram a produção diária e acomodou os repórteres. Para Lacerda,
a internet é a maior provedora de pautas e, na sua época, ela chegava a pensar uma
média de 20 pautas por dia sem pesquisar nos portais de notícias. “Com a internet,
sinto que a ‘produção’ caiu. A verdade, é que não dá mais para ficar sem a internet,
o que não podemos é deixar que ela se torne um ‘vício’. Deveria ser usada como
coadjuvante e não como a protagonista que é hoje” (LACERDA, 2013).
Segundo Pessoa Júnior e Ferreira (2013), à medida que facilitou a apuração, a
internet tornou o repórter preguiçoso, sem a energia de apurar e investigar as pautas,
além de descuidarem do texto.

Internet e as rotinas de produção

Depois da informatização, o passo natural foi conectar as máquinas à Rede


Mundial de Computadores, a internet. Entretanto, inicialmente era uma ferramenta
cara, lenta e que nem todos tinham acesso. Na época, o próprio jornal criou um
provedor próprio, mas se tornou um empreendimento dispendioso e sem retorno
financeiro. Daí a redação passou a usar o provedor Tecnet, que alguns anos mais tarde

As rotinas jornalísticas na Era da Rede 85


se tornou o Terra. Pessoa Júnior (2013) comentou que, naquela época, a internet era
apenas para os editores. “A gente achava que era o máximo, mas depois pudemos
notar o quanto era lenta, caía direto e até atrapalhava um pouco o processo”.
A internet diminuiu distâncias e aproximou as pessoas de toda a parte do
mundo, facilitou a troca e o envio de informações. Os dispositivos, cada vez mais
tecnológicos, modernos e sempre conectados à rede, são ferramentas de comunicação
e possibilitaram qualquer pessoa a se tornar um ator no processo comunicacional.
Carvalho e Lage (2012) afirmam que a midiatização diluiu as fronteiras entre jornalistas,
meios de comunicação e o público. O processo de produção das notícias pelos meios
de comunicação, que antes eram obscuros para o público, está sendo apresentado
e até ensinado, incentivando a participação dos leitores/ouvintes/telespectadores na
construção do noticiário.
A notícia não ficou apenas sob responsabilidade dos jornalistas e dos meios
de comunicação. Apesar de a função de mediador social enfraquecer, segundo afirma
Fausto Neto (2011), o contrato pragmático fiduciário dos meios de comunicação ainda
existe. Conforme explica Alsina (2009), o público acredita que o jornalismo é fonte
de informação confiável e crível, graças a construção da credibilidade no decorrer
dos anos. Dessa forma, o jornalista tem a função de separar os boatos, as informações
desencontradas e esclarecer os fatos.
Para Lacerda (2013), o acesso à rede trouxe pontos positivos e negativos
às redações dos jornais. Ao mesmo tempo em que tornou a informação acessível,
também provocou o que ela chama de “imprecisão da notícia”, assim como uma
inércia na mídia impressa no que se refere a trazer novas informações, pensar coisas
novas. Ela afirma que a internet deu a rapidez da informação, porém elas não são
precisas e isso pode prejudicar o trabalho do repórter. Lacerda acredita que, por causa
dessas imprecisões, o repórter perde muitas horas em busca da informação concreta
e, também, daquele algo a mais que os portais de notícias não deram.

O desaparecimento das rotinas tradicionais

Muitas das rotinas do trabalho jornalístico que eram tradicionais na década


de 1990 desapareceram completamente com a informatização. O editor da editoria de
Esportes do jornal Correio da Paraíba, Pessoa Júnior, por exemplo, começou na mídia
impressa no setor de retoque, função já extinta. Além desta, algumas funções que
deixaram de existir foram de revisor, digitador e redator. O primeiro revisava todos os

86 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


textos produzidos do dia a procura de erros.
O segundo pegava os textos revisados e digitava para dar o formato adequado
para o processo de diagramação (que era manual, cortando os textos e fotografias com
estilete, medindo o espaço com régua e calculando o espaço). O último dava a versão
final ao texto do repórter, uma espécie de especialista em texto jornalístico. Nomes
conhecidos da imprensa paraibana tiveram a função de redator, como Walter Galvão
e Rubens Nóbrega.
Fausto Neto (2011) afirma que o novo bios midiático reformula o propósito do
jornalista de mediador. Conforme ele, com a midiatização, a participação do público
na construção da notícia aumenta, não apenas sugerindo pautas ou comentando a
edição, mas produzindo conteúdo, como fotografias, vídeos e até textos. Ou seja, o
consumidor de notícias passa a ser, também, um enunciador. Entretanto, a midiatização
não vai acabar com o papel do jornalista. “O jornal não desaparece, mas se torna
uma outra instituição hibridizada pelas injunções de novas formas de tecnologias e de
linguagens” (FAUSTO NETO, 2011, p. 29).

Considerações finais

O presente artigo procurou debater as transformações das rotinas jornalísticas


na Era da Informação, trazendo o problema para a Paraíba, especificamente ao jornal
Correio da Paraíba. A informatização e a internet estão modificando o jornalismo
tradicional e tirando a centralidade do jornalista como mediador. As rotinas
tradicionais não são as mesmas, muitas funções desapareceram e o repórter hoje
é multitarefa. Apesar das facilidades que a tecnologia proporcionou, o trabalho do
jornalista ainda é precarizado. Para um próximo debate, deixamos a avaliação de
Bassets de que o jornalismo impresso está em vias de desaparecer, se não for repensado
nas novas plataformas, acompanhando o desenvolvimento tecnológico.
O jornalismo tradicional tem como sustentação a publicidade, mas o mercado
vem se movimentando mais rápido que as empresas jornalísticas e adotando os meios
digitais. Assim, o jornalismo impresso vem perdendo anunciantes e, consequentemente
boa parte de sua renda. As redações se transformaram com a informatização, mas a
venda continua a mesma e é preciso repensar este conceito. O artigo não explorou este
tema, mas é importante ressaltar que, na Paraíba, muitos postos de trabalho foram
fechados, inclusive um meio impresso acabou, tendo sua última edição em 2012. A
Era da Informática democratizou a comunicação, porém os meios tradicionais de

As rotinas jornalísticas na Era da Rede 87


massa precisam acompanhar essa mudança para não perecerem, principalmente o
meio impresso que, na corrida pelo furo, quase sempre chega atrasado em relação aos
meios digitais.
As transformações estão longe de acabar e as mídias ainda não usam toda a
potencialidade da Rede a seu favor, permanecendo uma comunicação de mão-única
com os produtores e receptores em cada uma das pontas. Os jornalistas também estão
em processo de adequação, buscando o equilíbrio entre a velocidade de divulgar
a informação, a credibilidade e o papel fundamental do jornalismo em informar e
participar da construção da realidade social.

Referências

ALSINA, M. R. A construção da notícia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

CARVALHO, C. A; LAGE, L. Midiatização e reflexividade das mediações jornalísticas.


In: Mediação & midiatização. Salvador: EDUFBA; Brasília: Compós, 2012.

CASTELS, M. A sociedade em rede. A era da informação: Economia, Sociedade e


Cultura (volume 1). São Paulo: Paz e Terra, 1999.

CORREIA, J. C. O admirável mundo das notícias: Teorias e métodos. Covilhã: UBI.


LabCom, Livros LabCom, 2011.

FAUSTO NETO, A. Transformações do jornalismo na sociedade em vias de


midiatização. In: Interfaces jornalísticas: ambiente, tecnologias e linguagens. João
Pessoa: Editora da UFPB, 2011.

FERREIRA, F. Entrevista a Amanda Carvalho. João Pessoa, 11 nov. 2013.

FIGARO, R. Atividade de comunicação e trabalho dos jornalistas. Revista da Associação


Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília,
v.16, n.1, jan./abr. 2013.

GALVÃO, W. Entrevista a Amanda Carvalho. João Pessoa, 11 nov. 2013.

LACERDA, S. Entrevista a Amanda Carvalho. João Pessoa, 11 nov. 2013.

LAGO, C. Antropologia e Jornalismo: uma questão de método. In: Metodologia de


Pesquisa em Jornalismo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007

LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.

88 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


PAIVA, C. C. Sob o signo de Hermes, o espírito mediador: midiatização, interação
e comunicação compartilhada. In: Mediação & midiatização. Salvador: EDUFBA;
Brasília: Compós, 2012.

PESSOA JÚNIOR, J. Entrevista a Amanda Carvalho. João Pessoa, 11 nov. 2013.

As rotinas jornalísticas na Era da Rede 89


Telejornalismo colaborativo: o uso de materiais da
internet e de novas plataformas no JPB da Rede Globo
Roberta Matias1

Resumo
O artigo em questão visa discutir o uso de plataformas
tecnológicas, informações, imagens da internet e redes sociais
no telejornal de meio-dia da afiliada da Rede Globo em João
Pessoa, a TV Cabo Branco. O texto faz parte de uma pesquisa,
em estado inicial, que estamos realizando no curso de pós-
graduação em Jornalismo Profissional da Universidade Federal
da Paraíba. Os processos de produção e edição do jornalismo
televisivo vêm passando por uma série de transformações em
decorrência da convergência tecnológica e cultural entre a TV e
a World Wide Web. O que se observa é que, com o barateamento
e acessibilidade aos equipamentos de comunicação, advento da
internet e das mídias sociais, os telespectadores e/ou internautas
tornam-se partícipes do telejornal que está sendo pensado e
definido pelos editores de texto e suas equipes.

Palavras-chave: jornalismo participativo; redes sociais;


convergência.

1 Discente do Programa de Pós-graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba


(UFPB), jornalista formada pela UFPB e Editora de Jornalismo da TV Cabo Branco, afiliada da
Rede Globo na Paraíba.

90 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Introdução

A sociedade vive hoje sob o fenômeno da midiatização. Para Verón (1997), a


midiatização corresponde ao desenvolvimento de processos crescentes e complexos
de tecnologias convertidas em meios e em operações tecnodiscursivas, através de
processos de produção e de recepção de discurso que afetam a sociedade, no âmbito
da prática das instituições e dos atores sociais, gerando novas e complexas formas de
contato e de interações.
Pavlik (2006, apud FAUSTO NETO, 2011, p. 23) aponta ressonâncias desse
fenômeno sobre o jornalismo. Para ele, os novos meios estão transformando o
jornalismo de quatro maneiras: para começar, o caráter do conteúdo das notícias está
mudando inexoravelmente, como consequência das tecnologias dos novos meios que
estão surgindo; em segundo lugar, na era digital, o modo de trabalho dos jornalistas é
reorganizado; em terceiro, a estrutura da redação e da indústria informativa sofre uma
transformação radical; por fim, os novos meios estão provocando uma redefinição
das relações entre empresas informativas, jornalistas e seus diversos usuários.
Nesse processo de mudança do conteúdo da notícia citado por Pavlik,
apontamos como um dos componentes a participação do telespectador no fazer
notícia que nos últimos anos tem sido denominada de várias formas: jornalismo
participativo, jornalismo colaborativo e jornalismo do cidadão são alguns desses
exemplos. Para Bowman e Willis (2003), jornalismo participativo é aquele em que
um cidadão ou grupo de cidadãos tem um papel ativo no processo de colher, analisar,
produzir e distribuir informações.
Gillmor (2005) defende a importância de dar espaço ao cidadão que quase não
se fazia ouvir, o que passou a ser possível pelo fato de qualquer um produzir e publicar
informação, o que o autor considera como uma maneira de aprender. Existem outros
entendimentos, mas consideramos aqui jornalismo participativo como aquele em que
o cidadão de alguma forma consegue interferir e participar do fazer notícia com fotos,
imagens ou informações iniciais, que podem surgir na rede social, ser enviadas via
e-mail e, a partir de então, ser apuradas pelo telejornalista, entrando no telejornal.
Na verdade, o processo de edição do jornalismo televisivo vem passando por
uma série de adequações nos últimos anos. Esse fato está relacionado, principalmente,
ao surgimento de novas tecnologias, da internet e às mudanças de comportamento
do telespectador. Nos anos 90, os computadores estavam chegando às redações das
grandes emissoras de rádio, jornal e televisão e Paternostro (1999, p. 115) registrou
bem esse momento, dando pistas do que iria acontecer com o trabalho dos jornalistas:

Telejornalismo colaborativo 91
Embora as redes de televisão ainda demorem alguns anos para
adotar o sistema digital em suas produções - nos equipamentos de
captação, edição e exibição -, a tecnologia de informação já chegou
[...]. A redação informatizada permite total comunicação entre os
vários terminais colocados nas bancadas, nos mesmos locais onde
anteriormente existiam as antigas máquinas de escrever.

Certamente, ela não imaginava que essa tecnologia de informação fosse sofrer
mudanças tão rapidamente e modificar completamente a rotina das redações e que,
em tão pouco tempo, isso fosse facilitar a comunicação não só dos colegas no espaço
de trabalho, mas dos jornalistas com os cidadãos e de todos nós, em todas as partes
do mundo. Hoje vivemos às voltas com caixas de e-mails superlotadas, redes sociais
de todos os tipos e mensagens que não param de chegar a nossos computadores,
telefones e tablets.
Com o advento da internet e das mídias sociais, o telespectador/cidadão/
internauta está mais próximo das redações e, de certa forma, tornaram-no partícipe
do telejornal que está sendo pensado e definido pelos editores de texto e suas
equipes. Nos tempos atuais, o cidadão comum que tem acesso à World Wide Web
pode desencadear o processo de construção de uma notícia de forma rápida e com
alcance inimaginável, forçando o jornalista a correr atrás da informação com mais
velocidade. Até pouco, a mesma informação só chegaria a uma redação por meio de
carta ou telefonema e, quem sabe, um ou dois dias depois, após um longo processo de
“checagem” e “rechecagem”, estaria no jornal ou telejornal.
A comunicação de uma informação nos tempos atuais não se resume mais
ao processo tradicional em que o fluxo e a conexão da mensagem eram apenas do
emissor para o receptor. Os sujeitos envolvidos passaram a se interligar de uma forma
em que há mais interação, há um relacionamento entre as partes. De acordo com
Fausto Neto (2011), já não são somente os processos internos ao âmbito jornalístico
que definem os padrões de tipificação dos acontecimentos e os processos que vão
nortear o trabalho da noticialidade.
Assim, a maior utilização da internet e das novas mídias pelo cidadão vem
fazendo com que os jornalistas modifiquem suas rotinas de trabalho, de apuração
dos fatos, de acompanhamento das notícias e o relacionamento com as fontes. Pelo
que vemos no dia-a-dia, a lógica operacional até então utilizada pelos jornalistas
agora conta com a participação de outros atores. O leitor deixou de ser simplesmente
receptor. Ele agora, muitas vezes, inicia o processo de comunicação, ou seja, passou a
ser produtor de conteúdos informativos.

92 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Com o processo de midiatização pelo qual a sociedade vem passando, as
empresas (públicas ou privadas) também precisaram modificar a forma de comunicar
seus conteúdos de interesse à sociedade. Elas estão mais atuantes e, no momento em
que desejam informar algo ao cidadão, não esperam mais pelos grandes veículos, não
aguardam mais a atenção do jornalista de televisão, rádio ou jornal. Simplesmente
usam as novas mídias para informar o que querem.
Dessa forma, a maior utilização da internet e das novas mídias pelo cidadão/
internauta vem forçando os jornalistas a modificarem suas rotinas produtivas de
trabalho e de apuração dos fatos, o relacionamento com as fontes, o acompanhamento
das notícias e, no caso da televisão, a forma de levar a notícia aos telejornais. Além
disso, o jornalista passou a conviver com a convergência de mídias. As primeiras
observações dos acadêmicos sobre esse fenômeno surgiram no fim dos anos 1970,
quando autores como Negroponte (1979, apud SALAVERRÍA, 2007, p.6) começaram a
se referir ao fenômeno da digitalização e suas consequências na difusão e combinação
de linguagens textuais e audiovisuais. Um pouco depois, o cientista político Ithiel de
Sola Pool, em seu Tecnologies off Freedom (1983, apud JENKINS, 2009, p.37), delineou
o conceito de convergência como um poder de transformação dentro das indústrias
midiáticas.

Um processo chamado ‘convergência de modos’ está tornando


imprecisas as fronteiras entre os meios de comunicação, mesmo entre
as comunicações ponto a ponto, como correio, o telefone e o telégrafo
e as comunicações de massa, como a imprensa, o rádio e a televisão.

Essa convergência também pode ser observada entre TV e internet e de forma


cada vez mais frequente. Agora, a imagem da televisão vai à internet e os vídeos da
grande rede são exibidos na televisão, em programas de variedades e nos telejornais.
São culturas e tecnologias diferentes, mas que se misturam e, algumas vezes, se
completam. Esse processo de convergência de mídias também mexeu com o dia-a-dia
das redações de telejornais.

A descoberta da internet pelo JPB Primeira Edição

Todas essas mudanças, contudo, começaram de forma lenta nos veículos de


comunicação da Paraíba. Os registros apontam que a emissora de televisão do maior

Telejornalismo colaborativo 93
sistema de comunicação do Estado nos anos 1990, a Rede Paraíba de Comunicação2,
iniciou seus passos no mundo da internet depois do ano 2000. Realizamos uma
pesquisa dentro dos arquivos da emissora para identificar momentos que marcaram
essa relação com o mundo da grande rede de computadores e é o que apontaremos a
partir de agora.
Passamos um mês pesquisando os arquivos da TV Cabo Branco, afiliada da Rede
Globo em João Pessoa, que faz parte da Rede Paraíba de Comunicação, para tentarmos
recuperar a gênese do processo de inserção da emissora e, mais especificamente do
JPB Primeira Edição – telejornal do meio-dia da emissora e que, a partir de agora,
passaremos a tratar como JPB –, no mundo da internet. Nossa busca pelos registros
das primeiras inserções, do uso de palavras, imagens e plataformas que normalmente
não eram utilizadas nas reportagens antes da grande rede de computadores ser criada
foi feita no EasyNews3.
Procuramos localizar registros que apontassem quando os materiais chegaram
à redação, a data da edição na qual foram utilizados e como eles foram aproveitados
no processo de construção do telejornal, ou seja, como foram ajustados aos rituais,
lógicas e linguagens do jornalismo televisivo. No entanto, fomos alertados pelos
técnicos da emissora de que, como o sistema em questão passou por uma atualização
recente, durante esse processo, alguma informação pode ter sido perdida. Porém, o
EasyNews é o único arquivo virtual com condições de ao menos apontar os caminhos
procurados por nós dentro da emissora.
De acordo com o que encontramos no sistema de arquivo da TV Cabo Branco,
os telejornais da emissora passaram a usar a palavra internet em 17 de setembro de
2002. A notícia era sobre o novo mapa da Paraíba, que seria lançado no World Wide
Web em dezembro do mesmo ano, pelo Sistema Geológico do Brasil, em parceria
com a Universidade Federal da Paraíba. Essa informação noticiada no jornal da noite
da emissora certamente foi útil para o público dessa área e marcou, na emissora, a
apresentação da “nova forma” de buscar informações no mundo em rede.

2 A Rede Paraíba de Comunicação reúne duas emissoras de televisão: a TV Cabo Branco, que funciona
em João Pessoa (capital da Paraíba) e a TV Paraíba, em Campina Grande. As emissoras são afiliadas da
Rede Globo na Paraíba. Além delas o grupo tem ainda duas emissoras de rádio, um jornal impresso e
um portal de notícias.
3EasyNews é o sistema utilizado pelas emissoras de televisão da Rede Paraíba para cadastrar todos os
processos de texto realizados pelos jornalistas envolvidos nos telejornais e onde ficam arquivadas todas
as ações realizadas nos telejornais.

94 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


O jornal do meio-dia só passou a divulgar a internet para seus telespectadores
sete dias depois, em 24 de setembro. A nota seca, com caracteres em rodapé4 falava
sobre as eleições estaduais e divulgava serviços oferecidos ao eleitor pelo Tribunal
Regional Eleitoral da Paraíba, em um site criado pela Justiça Eleitoral para facilitar a
localização das seções de votação (Figura 1).

Figura 1 Página/script do JPB1 de 24 de setembro de 2002,


encontrada no arquivo da TV Cabo Branco

O que se observa, a partir desse momento e durante o ano de 2003, é a


divulgação pelo JPB e por outros jornais da emissora de sites de serviço que podem
ajudar o telespectador de alguma forma, como o do Tribunal Regional Eleitoral e

4 Nota seca com caracteres em rodapé é um texto lido pelo apresentador do telejornal, com informações
de texto que são exibidas pelo gerador de caracteres na parte baixa do vídeo da TV.

Telejornalismo colaborativo 95
o da Prefeitura de João Pessoa, entre outros. Nos dois anos seguintes, o telejornal
segue divulgando sites sobre curiosidades e amenidades, que podem ser de interesse
do telespectador, e passa a fazer reportagens de rua sobre o uso da internet.
Em 2005, a TV Cabo Branco passou a divulgar o endereço de uma página na
internet onde o telespectador poderia, por exemplo, escolher o cartão postal de João
Pessoa. Ocorre, então, um primeiro sinal da convergência tratada por Jenkins (2009),
com o telespectador sendo levado da televisão para a rede mundial de computadores.
Entretanto, só em julho de 2007, o site www.cabobranco.tv.br é lançado
oficialmente e surge nos scripts de forma clara, como um novo espaço onde o
telespectador vai poder se comunicar com a emissora, rever reportagens exibidas nos
telejornais, votar em enquetes e sugerir temas para os próximos telejornais (figura 2).

Figura 2 – Página/script do JPB1 de 06/07/2007, divulgando


o endereço eletrônico das TVs Cabo Branco e Paraíba

96 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


A partir desse momento, observa-se o primeiro chamado do telespectador
para participar dos telejornais sugerindo temas. Em 2008, a comunicação do JPB com
o telespectador/internauta mostra sinais de ampliação. Passam a ser oferecidos no
site da empresa fotos dos bastidores de quadros específicos do telejornal do meio-
dia, como o Moda & Design5. Os entrevistados em estúdio, geralmente médicos,
começam a participar de chats no site da TV. Ao final da conversa, no espaço da
televisão, o apresentador instiga o telespectador a ir para o site e falar diretamente
com o convidado, na internet, logo após o encerramento do JPB.
Encontramos, nesse período 2007/2008, outros sinais de convergência de
mídia, dentro da visão de Jenkins (2009, p 27), com conteúdos do telejornal sendo
levados para a Web, materiais adicionais à disposição do telespectador/internauta no
site da emissora e, de forma clara, o telespectador sendo convidado a ir ao site para
buscar mais informações sobre o tema que estava sendo tratado no estúdio:

O fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos, à


cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento
migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase
qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que
desejam.

Nos scripts de 2008, chama a atenção uma campanha desencadeada pelo JPB
para homenagear as mães dos telespectadores. Nela, o cidadão é incentivado a enviar
fotos com sua mãe via e-mail para serem exibidas no JPB. Para essa promoção, a
equipe solicitou ao departamento de informática a criação de um e-mail específico,
o euamoaminhamae@cabobranco.tv.br. A participação do público foi muito grande e
surpreendeu profissionais que estavam na emissora nessa época.
A ideia inicial era exibir o material no JPB, mais próximo do Dia das Mães, mas,
em decorrência da grande quantidade de fotos enviadas, as imagens começaram a ser
divulgadas uma semana antes da data comemorativa. Nesse momento, observamos
um movimento de mão dupla. A TV incentiva a participação e o telespectador envia
pela internet fotos que passam a ser exibidas no telejornal.
A figura 3 mostra como o público foi atraído para participar da promoção. O
apelo no texto e a novidade dentro do telejornal podem ter incentivado o telespectador,
que já usava a internet naquela época a querer se ver na televisão.

5 O quadro Moda & Design falava sobre esses temas com profissionais dessas duas áreas, indo a casas
e lojas e trazendo dicas para quem queria se vestir bem ou decorar a casa de forma atraente.

Telejornalismo colaborativo 97
Figura 3 Página/script do JPB1 de 01 de maio de 2008

Com o crescimento do número de acessos à internet, o que se observa nos textos


dos editores é um movimento maior em busca dos internautas que, até pouco tempo,
eram apenas telespectadores dos telejornais. O relato de uma jornalista que nessa
época, ano de 2009, estava na emissora aponta para uma preocupação: “Passamos a
observar que estávamos perdendo alguns telespectadores para a internet”. Nos textos
dos scripts, identificamos narrativas que incentivam a participação do telespectador/
internauta dentro do telejornal, convidando-o a fazer parte do JPB, enviando fotos e
sugestões de pautas.
Em 2009, um quadro chamou nossa atenção nos scripts: o É da Família. Nele, o
texto do editor incentiva o telespectador a enviar fotos de seus animais de estimação,

98 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


imagens feitas pelo telespectador com câmeras fotográficas eletrônicas ou com celular,
que passaram a ser exibidas rotineiramente no telejornal. A participação sempre foi
tão grande que, até hoje, o quadro permanece no JPB, às sextas-feiras.
O primeiro registro de imagens em movimento feitas e enviadas por um
telespectador e exibidas dentro do JPB também são de 2009. No dia 11 de setembro,
um telespectador enviou imagens de desrespeito às leis de trânsito que foram ao ar
dentro do telejornal. Ainda em 2009, a Rede Paraíba de Comunicação cria o Portal
Paraíba1 de Notícias. No ano seguinte, 2010, identificamos as primeiras citações do
JPB às redes sociais e divulgação do endereço do Twitter da emissora, o @cabobrancotv.
Os telejornais não têm endereços próprios nas redes sociais até hoje. Nesse mesmo
período, localizamos nos scritps textos que divulgavam o e-mail do JPB, o jpb1@
cabobranco.tv.br. Trata-se de um passo a mais objetivando atrair o telespectador/
internauta para o telejornal de forma específica e mais um espaço aberto para contato
entre os jornalistas e esse público. Observa-se aí um sinal mais claro do telejornal
de incentivo ao jornalismo participativo. Até hoje, ele escreve e recebe uma resposta
de um produtor ou editor do telejornal. Mas não existe na redação um profissional
específico para fazer esse trabalho.
Em 2010, o grupo realiza um seminário sobre mídias digitais e inicia uma série de
reportagens sobre o tema em todos os telejornais. No mesmo período, localizamos nos
scripts do JPB uma promoção que atraiu mais de três mil telespectadores/internautas.
Todos os telejornais passaram a convidar fotógrafos amadores, profissionais e o cidadão
comum a enviar fotos da cidade para um site criado especificamente para a promoção.
Essas fotos passaram por uma seleção e, ao final, o telespectador/internauta voltou ao
site para escolher as imagens que ele queria ver nos novos cenários dos telejornais da
Rede Paraíba. Um sinal de que as ações de aproximação e atração do telespectador/
internauta estavam tomando outra proporção dentro da empresa e dos telejornais do
grupo.

Redes sociais e jornalismo colaborativo no JPB nos últimos três anos

Em agosto de 2011, a Rede Paraíba de Comunicação começou a investir de


forma mais forte em produtos e conteúdos para a internet e isso também mexeu com
a produção dos telejornais da TV Cabo Branco. O grupo passou a fazer parte do
G1, o portal de notícias da Rede Globo, adquirindo um pacote de serviços oferecido
às afiliadas. A partir de então, todos os conteúdos jornalísticos das emissoras de

Telejornalismo colaborativo 99
televisão da Rede Paraíba de Comunicação passaram a ser disponibilizados dentro
do G1/Paraíba. O site www.cabobranco.tv.br mudou o conteúdo e hoje divulga a
programação da emissora com chamadas para conteúdos e eventos futuros. Nesse
período, a Rede Paraíba também criou um núcleo específico para trabalhar com novas
mídias e internet.
A partir de 2011, o JPB intensifica o convite ao telespectador/internauta para
participar do telejornal com o envio de fotos, imagens em movimento e sugestões de
pautas e o público aceita o convite. O que encontramos então são registros de uso
mais frequente no telejornal desses materiais enviados com maior espaço para temas,
como: trânsito, protestos, vazamento de água e outros problemas da comunidade. O
texto lido pelo apresentador destaca sempre o nome do telespectador que enviou as
imagens e, muitas vezes, aproveita para orientar outros telespectadores. A figura 4 é
um exemplo:

Figura 4 – Script do JPB de 08/04/ 2011

100 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Ainda em 2011, o JPB passou a trabalhar com outro quadro que incentiva
a participação do telespectador/internauta: o Calendário JPB. Ele existe até hoje e
para participar, o cidadão precisa enviar uma mensagem para o e-mail do quadro
calendário@cabobranco.tv.br dizendo quais os problemas da sua comunidade que
não estão sendo solucionados pelas autoridades. Quando selecionada, a história é
exibida no telejornal e a comunidade vai marcando datas em um calendário físico até
que a autoridade resolva o problema.
A partir de 2012, observamos nos textos um incentivo cada vez maior à
participação do cidadão no telejornal. O apresentador do programa alimenta e responde
aos recados nas redes sociais. Ao vivo, o jornalista se dirige aos telespectadores/
internautas e os convida a opinar sobre o que está sendo exibido no telejornal em
tempo real. Os comentários vão sendo lidos pelo apresentador durante o JPB, ou seja,
ao mesmo tempo em que assistem à TV, alguns telespectadores/internautas usam as
redes sociais para mandar mensagem ao apresentador do programa.
Os scripts mostram que, ainda em 2012, o JPB criou mais um quadro para atrair
o telespectador: o Qual é a Boa?. O material permanece em exibição e é destinado à área
de cultura. O telespectador pode enviar vídeos para o e-mail do JPB sobre atividades
que vão acontecer em teatros, casas de eventos, praças e outras áreas da cidade. Já
em 2013, localizamos registros de mais um quadro que remete ao jornalismo com
participação do telespectador: o JPB Móvel. Nele, o cidadão conta histórias positivas
de pessoas ou do bairro onde vive. Todo o material é gravado com um tablet e uma
câmera fotográfica eletrônica, com o auxílio de um editor e um produtor do JPB.
Nesse caso, o cidadão vira ator da informação e faz às vezes do repórter, construindo
o texto junto com a equipe e contando a história que deseja dentro do JPB.

Considerações finais

Durante o mês de observação e pesquisas dentro do arquivo EasyNews da TV


Cabo Branco, foi possível identificar que os scripts disponíveis apontam, que houve
uma lenta inserção dos telejornais na internet, assim como também foram lentos os
processos de aproximação com o telespectador/internauta. O JPB, produto pesquisado
em maior profundidade, só começou a falar sobre internet em 2002, mesmo assim,
sem uma freqüência regular e aparentemente sem um planejamento mais elaborado.
O processo parece ter continuado de forma pouco planejada até meados de
2009, quando a internet e o telespectador que usa esse novo meio de comunicação

Telejornalismo colaborativo 101


passam a ser mais citados dentro dos telejornais. Aparentemente, é quando o JPB
inicia um processo de atração desse telespectador de maneira mais focada.
Apenas em 2011, localizamos sinais mais evidentes do telespectador/
internauta sendo visto, pelos profissionais que fazem o JPB, como um colaborador do
telejornal. Fato que sinaliza para um lento processo de aproximação e abertura para
participação do telespectador. Nesse momento, as páginas dos scripts sinalizam uma
inclusão maior de materiais enviados pelo público no JPB. O cidadão passa a indicar
pautas, enviar imagens que são exibidas e a dizer o que quer ver no telejornal. Um
processo que se intensifica nos dois anos seguintes.
Pelo que observamos na redação do JPB, há uma participação da equipe de
jornalistas responsáveis pelo programa em todos os quadros e nas novas rotinas
produtivas exigidas por cada mudança feita nos últimos tempos. A presença popular
através de e-mail e redes sociais exige uma atenção maior e uma verificação frequente
das caixas de mensagens e dos canais de comunicação abertos com o telespectador/
internauta. Todos se envolvem de alguma forma no processo de comunicação:
produtores, editores, repórteres e apresentadores.
Hoje, as principais notícias do JPB são disponibilizadas no G1/Paraíba dentro
de um espaço próprio para o telejornal. Os temas de maior relevância são encontrados
em destaque no portal e alguns assuntos são ampliados com reportagens preparadas
por profissionais do G1/Paraíba.

Referências

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modelando el futuro de la noticias y la información. Disponível em: www.hypergene.
net/wemedia/espanol.php. Acesso em: 03 fev. 2014.

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social. Revista do Instituto Humanistas Unisinos, São Leopoldo, maio de 2009.
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midiatização. In: FAUSTO NETO, Antônio.; FERNANDES, José David Campos
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Telejornalismo colaborativo 103


Ética e resistência jornalística
50 Anos do golpe militar no Brasil: uma análise
do jornalismo de resistência na Paraíba
Sandra Moura1
Emília Barreto2

Resumo
Esta pesquisa apresenta um mapeamento das características
e tendências dos jornais alternativos no Estado da Paraíba,
localizado na região Nordeste do Brasil. Mais especificamente, a
investigação recai sob dois periódicos: Edição Extra e O Furo. O
principal objetivo é identificar o legado desses jornais paraibanos
- dentro do cenário do chamado jornalismo de resistência - que
no período da ditadura militar instalada no país atuaram como
alternativa ao pensamento hegemônico, a voz única da grande
imprensa que naquele período ditatorial enveredava cada vez
mais no rumo da monopolização da informação e na defesa do
sistema vigente. Do ponto de vista aqui defendido, não se pode
entender as características específicas do período histórico do
regime militar – que no Brasil vigora de 1964 a 1985 – se não se
levar em conta a produção jornalística liderada pela imprensa
alternativa. As análises propostas para este artigo vão se voltar
para os recursos jornalísticos empregados pelos dois periódicos
pesquisados, a partir de capas, títulos e dos gêneros notícia e
editorial.

1 Doutora em Comunicação e Semiótica, PUC-SP, professora do Mestrado Profissional em


Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba, Pesquisadora do TECJOR–Laboratório de
Tecnologias e Linguagens Jornalísticas PPJ/UFPB/CNPq. E-mail: sandramoura@ccta.ufpb.br.
2 Professora da Universidade Federal da Paraíba, Mestre em Comunicação e Desenvolvimento
Local pela Université Fraçois Rabelais, Pesquisadora do TECJOR–Laboratório de Tecnologias e
Linguagens Jornalísticas PPJ/UFPB/CNPq. E-mail: emiliabarreto@hotmail.com.

50 Anos do golpe militar no Brasil: uma análise do jornalismo de resistência na Paraíba 105
O princípio da pesquisa

Assim como ocorreu nos demais estados brasileiros, a Paraíba, mesmo com
o endurecimento da repressão política, buscou alternativas para oferecer ao leitor de
jornal publicações de resistência às formas de autoritarismo do regime vigente e ao
jornalismo praticado pelos grandes veículos de comunicação.
Ocorre que essas publicações, no caso de Edição Extra e O Furo, embora com
todo seu valor histórico e jornalístico, não tinham, até a presente iniciativa, se tornado
objeto de estudo acadêmico. No levantamento bibliográfico realizado pelas autoras
deste trabalho não foram localizadas fontes bibliográficas, tais como livros impressos
e/ou digitais, monografias, dissertações e teses, que analisassem esses periódicos.
Antes de passarmos para as referências e análises dos jornais aqui pesquisados,
julgamos pertinente apresentar como vem se construindo o percurso deste trabalho.
A ideia de pesquisar esses jornais se deu há quase duas décadas, mais especificamente
quando uma das autoras, ao ministrar para estudantes de Jornalismo a disciplina
“Imprensa Alternativa” no curso de Comunicação da Universidade Federal da Paraíba,
se deparou com a ausência de bibliografia sobre jornais alternativos paraibanos.
Na ocasião, existiam, em livro ,estudos e pesquisas sobre jornais alternativos
brasileiros, mas que não incluíam a Paraíba como um estado onde jornalistas tinham
criado, ainda no período da ditadura militar, publicações alternativas ao chamado
jornalismo da grande imprensa.
As publicações bibliográficas acessíveis à disciplina “Imprensa alternativa”,
naquele momento, giravam em torno das produções jornalísticas alternativas já
conhecidas, como O Pasquim, O Pif-Paf, Opinião, Movimento, Bondinho, periódicos
esses que se concentraram na região Sudeste do país, principalmente no Rio de Janeiro
e São Paulo.
A partir daí, vieram os questionamentos da professora e alunos na disciplina
sobre a repercussão da imprensa alternativa na Paraíba à época da ditadura militar. As
perguntas iniciais eram: “Assim como houve na política, nas artes, nas universidades
paraibanas, formas de resistência ao sistema ditatorial, o jornalismo teria também
combatido esse regime?”, “Quais foram as alternativas apresentadas pelos jornalistas
paraibanos à chamada grande imprensa?”, “Quais as publicações e quem delas
participou?”.
O passo inicial foi localizar os participantes desses jornais e tentar obter
informações sobre a imprensa alternativa nesse período, além de acessar as edições
desses periódicos. Promoveram-se na disciplina debates e entrevistas com três desses

106 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


profissionais, dois deles atuaram no jornal O Furo e um no jornal Edição Extra. Com
eles, veio a memória desses jornais, contada pelas lembranças que esses jornalistas
mantinham do período em que ainda muito jovens protagonizaram as transformações
que propunham e a busca por espaços alternativos à grande imprensa.
No entanto, não foi dessa vez que tivemos acesso às edições desses jornais.
Nenhum dos entrevistados guardava em seus arquivos, pelo menos até aquele
momento, exemplares dessas publicações como registro desse período.
Concluída a disciplina e diante das dificuldades encontradas para o resgate
dessa história da imprensa alternativa na Paraíba, chegou-se a elaborar um projeto de
pesquisa sobre o assunto, mas que não foi posto em execução.
Passadas quase duas décadas do surgimento da ideia de investigar a imprensa
alternativa na Paraíba, e neste ano de 2014 em que no Brasil se registram os 50 anos do
Golpe Militar, retomamos o interesse pela presente pesquisa. Dessa vez, duas docentes
pesquisadoras uniram os seus interesses acadêmicos para a elaboração de um projeto
que investigasse a origem desses jornais, sua forma de organização, seu método de
apuração e levantamento das informações, suas características e modos de construção
dos gêneros jornalísticos.
Para isso, já não mais seriam suficientes apenas os depoimentos dos ex-
editores, repórteres, colunistas e responsáveis pela criação dos jornais, mas se tornou
fundamental o acesso às edições dos jornais.
Nessa fase, a busca se volta para a localização de pesquisas – concluídas ou
em andamento – sobre os jornais Edição Extra e O Furo. Foram várias tentativas em
páginas na internet, consulta a arquivos da Biblioteca da Universidade Federal da
Paraíba sem êxito. Quase duas décadas depois da primeira consulta sobre essa temática
observamos que continuava a lacuna nos estudos sobre esses periódicos. Apenas
localizamos uma reportagem, escrita em 2010, com características informativas.
A ausência de estudos acadêmicos sobre esses jornais tornou ainda mais
instigante o interesse pela pesquisa. As pesquisadoras passaram a procurar em acervos
nas universidades edições desses periódicos e, paralelamente, efetuaram contatos com
jornalistas, chargistas e publicitários que fizeram parte desses dois jornais. Foram
quase dois meses de busca até encontrar dois deles dispunham dos periódicos em
seus acervos e os disponibilizaram para o presente estudo.

50 Anos do golpe militar no Brasil: uma análise do jornalismo de resistência na Paraíba 107
Sobre os jornais Edição Extra e O Furo

Os jornais nos foram entregues para estudo de duas formas. Edição Extra com
suas edições encadernadas. O Furo com suas edições soltas, sem encadernação. O jornal
Edição Extra se apresenta em formato tablóide, off-set, em 12 edições impressas, com
20 páginas cada uma, com fotos, charges e anúncios publicitários, com periodicidade
semanal. O primeiro número traz em seu expediente uma equipe formada por Valdez
Juval da Silva (Diretor presidente), Henriette Maria Lemos da Silva (Diretora gerente),
Luiz Andrade (Redator chefe), Alarico Correia (Secretário), Anco Márcio (Editor de
Humor), Gilvan de Brito (Editor Político), Júlio Vieira (Editor da Cidade), Luzardo
Alves (Editor de Arte), Atelier Esquema (Diagramação).
Edição Extra tem como slogan “Um jornal diferente”. O primeiro número saiu
sem data da edição. O segundo número vem datado de 9 a 16 de agosto de 1971. E o
último número, referente à edição 11, é datado de 11 a 17 de outubro de 1971.
O jornal O Furo é composto por cinco edições, em formato tablóide, off-set,
com 24 páginas, com periodicidade quinzenal. O primeiro número é datado de 16 a
31 de dezembro de 1979. O último número refere-se apenas ao mês marco de 1980.
O expediente do jornal na sua edição de estréia apresenta em seus quadros Alberto
Arcela e Marcos Pires (Diretores-responsáveis); Richard Muniz (Editor responsável),
Marcos Nicolau (Secretário de Redação e Arte), Walter Galvão, Alberto Arcela,
Nonato Guedes, Maria Naélia, Marcos Tavares, Anco Márcio, Marta Kristine, Antonio
Augusto Arroxelas, João Manoel de Carvalho, Bruno Steinbach, Hilton Lima, Luzardo,
Antônio Barreto Neto (Colaboradores).
Ao catalogar as publicações da imprensa alternativa, o Centro de Imprensa
Alternativa e Cultura Popular do RIOARTE, conceitua essas produções como
alternativas com base nas seguintes classificações:

Os periódicos que contestavam diretamente o regime de exceção


imposto a partir de 1964 e os que constituíam veículos de movimentos
de movimentos e correntes de esquerda; os que não possuíam meios
de comunicação de massa, que pensavam de forma independente,
que não estavam ligados a esquemas governamentais ou econômicos
e que não aceitavam o autoritarismo dominante não só na política,
mas nos costumes, no comportamento, na linguagem, nos valores,
propondo novos conteúdos e uma diagramação arrojada para época.
(CATÁLOGO DA IMPRENSA ALTERNATIVA, 2014).

108 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Das classificações propostas, diríamos que nos jornais Edição Extra e O Furo
predomina a segunda, ou seja, são periódicos não ligados a meios de comunicação
de massa, que atuavam de forma independente e que não aceitavam o autoritarismo
dominante não só na política, mas nos costumes, no comportamento, na linguagem,
nos valores, propondo novos conteúdos e uma diagramação criativa para o cenário
jornalístico da época.
Assim, o período histórico inaugurado no Brasil pelo regime militar não
produziu somente mudanças econômicas e políticas, mas também uma mudança
no modo pelo qual uma parcela de jornalistas tratou a informação jornalística. Das
publicações nacionais alternativas da época, O Pasquim é o jornal que influenciou
os jornais Edição Extra e O Furo na forma de abordar os fatos, com uma linguagem
coloquial, aproximando-se da conversa informal e impregnada pelo humor.
Após as referências históricas sobre os jornais pesquisados, como origem e
equipe, passaremos às análises dos recursos jornalísticos empregados pelos dois
periódicos, a partir de capas, títulos e dos gêneros notícia e editorial. Cabe ressaltar
que as observações e comentários aqui são próprios de uma pesquisa que se inicia,
lembrando que este trabalho ainda terá um grande percurso pela frente.

O que é notícia no jornal alternativo?

Na vigência da ditadura militar, os braços da censura alcançavam as expressões


artísticas, culturais e, de modo contundente, o jornalismo. Em tempos de empresas
jornalísticas amordaçadas, os jornais da chamada imprensa alternativa constituíam o
espaço privilegiado de resistência. Marcondes Filho afirma que

Torna-se notícia o que é “anormal”, mas cuja anormalidade interessa


aos jornais como porta-vozes de correntes políticas. [...] O jornal,
assim, arranja, acomoda o extraordinário na sua argumentação diária
contra setores ou grupos sociais. O extraordinário, na imprensa “séria”,
só vira notícia quando pode ser utilizado como arma no combate
ideológico (MARCONDES FILHO, 1989, p. 13).

Num contexto de cerceamento à liberdade de expressão, os jornais analisados


se propunham não a noticiar o fato tal como aparecia na grande imprensa mas em
possibilitar outras versões deste. A burla da censura era o grande desafio. Eles exerciam
o papel do mediador que busca revelar o que era apagado, proibido. A estratégia usada

50 Anos do golpe militar no Brasil: uma análise do jornalismo de resistência na Paraíba 109
por estes jornais alternativos para “indução do leitor” (FAUSTO NETO, 2013) consistia
na capacidade maior ou menor de despistar as antenas da censura usando artifícios de
linguagem como ironia, duplo sentido, metáforas, humor, recursos imagéticos, além
de amplificar a fala de quem não tinha espaço na grande imprensa. Entrevistas com
figuras emblemáticas da esquerda como o arcebispo da Paraíba D. José Maria Pires, o
ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes e o líder camponês Gregório Bezerra,
O arcebispo de Recife e Olinda D. Helder Câmara, são exemplos significativos (figuras
2, 4, 6 e 10) dessa estratégia. No caso específico do Edição Extra observamos um
excessivo apelo à erotização com o uso de mulheres seminuas (figuras 1, 5 e 9).

Figura 1 Figura 2

110 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Figura 3 Figura 4

Figura 5 Figura 6

50 Anos do golpe militar no Brasil: uma análise do jornalismo de resistência na Paraíba 111
Figura 7 Figura 8

Figura 9 Figura 10

112 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Capas, chamadas e títulos: enquadrando o acontecimento

Os elementos gráficos (textuais e imagéticos) são utilizados como atrativos ao


leitor na capa dos jornais: em O Furo e Edição Extra não era diferente. Ambos, cada
um ao seu modo e no seu contexto lançaram mão destes elementos para criar suas
identidades visuais e discursivas. Mostravam-se como espaço de fala desvinculada
da lógica capitalista e ideologia dominante, como espaço alternativo ao pensamento
hegemônico da ditadura e como estratégia para driblar a censura vigente. O nome do
jornal Edição Extra sugere a existência deste fato extraordinário, merecedor de ser
noticiado com uma tiragem extra do jornal. O mesmo apelo encontramos no título
do jornal O Furo, expressão que designa a notícia trazida ao leitor em primeira mão,
em exclusividade.
O caráter de noticiabilidade da capa nos dois jornais oscilava entre uma linha
mais crítica e politizada, no caso de O Furo, e outra mesclada com apelos de erotização
com o uso predominante da figura de mulher associada a frases de duplo sentido
contendo insinuações como no caso de Edição Extra, com as seguintes chamadas:
“Este jornal é amigo do peito” (figura 1), “Bom mesmo vai ser no quarto” (figura 4),
“ No quarto com Marcia de Windsor” (figura 7) e “Boa mesmo é a entrevista com o
computador na página 4” (figura 9). Este fato pode denotar um certo viés machista,
como um recurso para a captura deste leitor, mas pode ser interpretado também como
uma camuflagem que não permitisse revelar de forma completa o conteúdo político
subjacente, um artifício para driblar a censura.
As capas buscam sintetizar o espírito de cada um desses jornais, seus
principais conteúdos, os pontos de ancoragem sobre os quais se assentava um
presumível contrato de leitura que se desejava estabelecer com o leitor lançando mão
de uma estética que contrariava os padrões vigentes, à época, na chamada grande
imprensa. Esta irreverência ou transgressão na forma de construir as capas criou um
estilo híbrido que se aproximava mais das capas de revistas do que de jornais. Esta
nova linguagem foi introduzida por jornais alternativos como O Pasquim, Coojornal,
Opinião, entre outros.
Os títulos são considerados por Cremilda Medina (1978, p.118-119) como um
dos apelos verbais trabalhados de maneira consciente na mensagem jornalística para
“chamar a atenção e conquistar o leitor para o produto”. Segundo a autora, os apelos da
mensagem conquistaram um estilo próprio que os equipara à “embalagem no produto
publicitário”. Entendemos que na capa dos jornais este caráter sedutor atribuído ao
título se revela ainda mais contundente e que a concepção das capas se forja na junção,

50 Anos do golpe militar no Brasil: uma análise do jornalismo de resistência na Paraíba 113
no diálogo, entre a parte textual das chamadas e o apelo visual que lhes é transferido
pela intervenção do desing gráfico, incluindo obviamente, as ilustrações.
Os títulos trazidos nas capas do Edição Extra e O Furo anunciavam as notícias,
enquadravam a perspectiva editorial, resumiam o espírito de cada jornal. No Edição
Extra as capas são econômicas com poucos elementos verbais e imagéticos. Vemos a
imagem de uma mulher que começa discreta (figura 1) e aos poucos vai dominando
a cena (figuras 5, 7 e 9). Os títulos são “apagados” visualmente, como que a despistar
o conteúdo político ao qual estavam associados (figuras 5 e 9). É importante dizer
que o Edição Extra foi lançado em 1971 e, portanto, teve sua breve vida durante os
anos duros de ditadura, enquanto que O Furo apareceu em 1979, quando a força da
ditadura já esmaecia e iniciava-se o processo de abertura política.
As capas de O Furo constituem um ambiente visual mais atraente, lúdico, por
vezes se aproximando de uma charge com desenhos que mesclam humor e crítica. As
chamadas de suas capas se constituíam em uma “mensagem- consumo”, como diria
Medina (1978, p. 119) a demandar “título de apelo forte, bem nutrido de emoções,
surpresas lúdicas, jogos visuais, artifícios lingüísticos”, podendo ser equiparado a um
anúncio publicitário.
O Furo soube utilizar a mescla destes elementos para construir capas dinâmicas,
atraentes e que sintetizavam a linha crítica do jornal. Exemplo do que dissemos é
visível na figura 2, onde temos uma ilustração do nome do jornal aparecendo como
uma pichação de muro, numa alusão ao que acontecia na realidade, quando os
muros foram pichados pelos militantes de esquerda com mensagens de resistência e
“subversão” ao regime ditatorial.
Outro exemplo relevante está na figura 10 onde vemos vários homens fazendo
uma força colossal para “puxar o saco” de um gigante deitado, numa alusão aos
inimigos do povo que adotavam posição de subalternidade em relação à ditadura, em
detrimento do interesse coletivo.
As capas de O Furo explicitavam com clareza os propósitos editoriais do jornal.
Ficava clara a posição contrária ao regime militar, mesmo nas chamadas de capa sem
a relevância das anteriores mas que traziam à tona temas polêmicos como aborto
ilegal, prostituição, ocupação de terras e as manobras dos latifundiários para intervir
no movimento social das Ligas Camponesas pela interferência na direção do Centro
de Defesa dos Direitos Humanos3 (figura 10).

3 Segundo o jornal, agentes do governo infiltrados na igreja estariam incitando lideranças camponesas
do município de Alhandra a se voltarem contra a instituição, numa campanha da direita para
“desmoralizar” a CDDH. Wanderley Caixe, paulista, foi convidado por D. José Maria Pires para dirigir

114 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Os editoriais

É de se notar que a linguagem coloquial, aproximando-se de uma conversa


informal, é utilizada nos editoriais dos dois jornais. No caso de Edição extra, o
coloquialismo da linguagem surge em expressões como: “Tá bom”, “E tamo aqui pra
isso mesmo”, “não tá nem doida”, “tamos mais para...”. O jornal chega a empregar
também cacoetes verbais, como no trecho abaixo: “A gente percebe que os distintos
estão falando em termos ecológicos urbanos, né?”.
Outro aspecto a se observar nos editoriais do jornal Edição Extra é o uso da
metalinguagem, isto é, o periódico fala de si mesmo, faz uma leitura relacional, onde
as referências apontam para si próprias. Como podemos notar no editorial número
1, intitulado “Falei”, em que o jornal informa qual o seu público, ou seja, para quem
se dirige:

Para usar de sinceridade, não pretendemos inovar muita coisa, não.


Temos a intenção, isto sim, de contribuir para ajudar as pessoas
a participarem mais da atividade vivencial em comum, tomando
conhecimento das coisas que acontecem em nosso redor que
apresentadas no conjunto das informações padronizadas, passam
mais das vezes, desapercebidas ou não são assimiladas inteiramente.
Imaginamos um jornal para consumo geral, num estilo ameno e enxuto,
dosado de algum humor, sem deformar a informação, evidentemente
(Edição Extra, 1971, no. 1, p.3).

Nesse mesmo editorial, é utilizado o recurso metalingüístico para informar


que não há um engajamento político-partidário do jornal, como podemos verificar no
parágrafo seguinte:

Evitaremos como a peste, as posições unilaterais, as opiniões


partidárias, a vinculação com esquemas, grupos ou pessoas para
aceitar de bom grado o compromisso de editar um semanário
descontraído no modo de colocar as questões, de ver e comentar as
coisas mil. Correremos as léguas para evitar os assuntos trágicos,
sensacionalistas, lixo branco da sociedade, produto de fácil aceitação
e bastante rentável. Garantimos estar mais para colibri do que para
urubu (Edição Extra, 1971, no. 1, p.3).

o Centro. D. José Maria na ocasião era o arcebispo de João Pessoa e reconhecido por sua atuação
progressista.

50 Anos do golpe militar no Brasil: uma análise do jornalismo de resistência na Paraíba 115
O editorial do jornal O Furo, em sua edição número 5, enfatiza a existência de
problemas sociais. Adota perante essas questões sociais, uma postura crítica que se
apresenta logo no início no título “Para onde vais?” e “Sair para onde?”. Dessa forma,
o periódico anuncia para quem dirige a sua indagação:

A pergunta vale para ti, misero nordestino que se deixa enganar pela
maquiavélica máquina da cidade grande que a tudo e a todos devora,
sem piedade. Que deixa as terras do sertão e do brejo pra
morrer ao despencar dos andaimes e dormir em favelas, entre as balas
enganosas da polícia. E por que não ficas aqui mesmo? (O Furo, 1980,
no. 5, p. 3).

No parágrafo seguinte, o editorial esclarece o objetivo da pergunta:

Pois a pergunta é assim como uma introdução para um hino rebelde


de estímulo à luta pacífica para a fixação do homem nordestino à terta,
que ele aprendeu a amar e desejar como uma mãe deseja o filho, seja
ele assassino, traidor ou seu próprio algoz (O Furo, 1980, no. 5, p. 3).

O editorial refere-se diretamente ao processo migratório gerado nos períodos


de seca pela falta de chuva na região Nordeste e que força a migração de famílias
nordestinas. Esse êxodo historicamente tem levado trabalhadores dessa região do país
a tentarem a sobrevivência em outros estados do país, em especial em São Paulo. As
condições em que são transportados esses nordestinos que majoritariamente saem
de sua terra natal em caminhão de pau de arara, geram preconceito e discriminação,
como se verifica na crítica manifestada pelo editorial:

Principalmente por que esse rótulo infame de “pau de arara” já pesa


muito na cabeça de todos, e o comodismo nunca foi bom pra ninguém,
nem mesmo para os opressores que usam de garra e força de vontade
para explorar melhor e enriquecer ainda mais (O Furo, 1980, no. 5, p.
3).

O editorialista conduz a sua argumentação no sentido de estimular o


nordestino a se fixar na sua terra natal e, de imediato, desistir de migrar para região
Sudeste, no caso para a cidade de São Paulo. Para isso, usa como recurso argumentativo
o preconceito e a exploração da mão de obra dos trabalhadores vindos da região
Nordeste do Brasil. Como se pode verificar no trecho seguinte:

116 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Para o inferno que queima a resistência da maior força produtiva
desse país? Para uma São Paulo que insiste em não te ver como pessoa
humana, digna do mesmo amor transferido para os entes queridos, da
mesma compaixão para os parentes e amigos que morrem subitamente
e não passam pela lenta agonia que conduz a morte, os teus? (O Furo,
1980, no. 5, p. 3).

A crítica do editorial se reveste de tom persuasivo e insiste na permanência


do nordestino na sua região. E se utiliza de próximos do universo do nordestino para
tentar convencê-lo a se fixar na terra natal.

Não, não deves sair. Nem agora, nem nunca mais. Muito embora
desconheças o que te espera do outro lado da cerca, pois tua ilusão
avassaladora como que ofusca a visão da melhor solução que está tão
próxima que chega a se confundir com os pássaros e mandacarus que
te cercam (O Furo, 1980, no. 5, p. 3).

Considerações

Nesses momentos iniciais da pesquisa, já podemos vislumbrar a contribuição


que esses jornais Edição Extra e O Furo propuseram para o jornalismo paraibano,
com transformações inspiradas em periódicos como O Pasquim quanto à linguagem,
a sua forma de estruturação dos gêneros jornalísticos. Como é o caso da notícia em
que a sua construção se dá a partir de elementos discursivos que não interessavam
ao regime ditatorial vigente e, consequentemente, não eram também de interesse da
chamada grande imprensa.
Personagens como Gregório Bezerra, D. José Maria Pires, que foram trazidos
para as páginas de destaque dos jornais Edição Extra e O Furo, como as de entrevista,
não eram consideradas fontes jornalísticas “confiáveis” para a chamada grande
imprensa.
Nesse sentido, um enfoque crítico da realidade sócio-político cultural dos
anos de autoritarismo passa inevitavelmente pelo estudo também dessas produções
jornalísticas surgidas na Paraíba.
Cabe ressaltar que a adoção de uma linguagem impregnada de humor,
de coloquialismo, de críticas, de recurso metalingüístico, já nos possibilita, nessa
fase embrionária da nossa pesquisa, empreender que esses jornais buscavam as
transformações não apenas no sistema autoritário vigente, mas também na própria
forma de escrever notícias, editoriais e elaborar entrevistas.

50 Anos do golpe militar no Brasil: uma análise do jornalismo de resistência na Paraíba 117
Referências

FAUSTO NETO, Antônio, SGORLA, Fabiane. Zona em construção: acesso e mobilidade


da recepção na ambiência jornalística. Anais Compós 2013, http://compos.org.br/
data/biblioteca_2110.pdf, acessado em 20/01/2014.

CATÁLOGO DA IMPRENSA ALTERNATIVA. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.


br/dlstatic/10112/4203404/4101358/catalogo_imprensa_alternativa.pdf. Acesso em:
20/01/2014.

EDIÇÃO EXTRA. João Pessoa, Ano I, no. 1, s/d.

_____________. João Pessoa, 16 a 23 ago. 1971, ano I, no. 3.

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_____________. João Pessoa, 30 de ago. a 5 set. 1971, ano I, no. 5.

KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários. São Paul: Edusp, 2003.

MEZAROBBA, Glenda. Um acerto de contas com o futuro. A anistia e suas conseqüências:


um estudo do caso brasileiro. São Paulo: Associação Humanitária Humanitas; Fapesp,
2006.

MEDINA, Cremilda. Notícia, um produto à venda. São Paulo: Summus, 1988.

MARCONDES FILHO, Ciro. O capital da notícia. São Paulo: Editora Ática, 1989.

O FURO. João Pessoa, 16 a 31 dez. 1971, ano I, no. 1.

_______. João Pessoa, 01 a 15 jan. 1980, ano I, no. 2.

_______. João Pessoa, 16 a 31 jan. 1980, ano I, n. 3

_______. João Pessoa, 15 a 29 fev. 1980, ano I, no. 4

_______. João Pessoa, mar. 1980, ano I, no. 5.

VILELA, Gileide et alli. Os baianos que rugem. Salvador: Edufba, 1996.

118 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Ética jornalística sob uma perspectiva
bucciniana: The Newsroom, o fantasma da
manipulação midiática e o jornalismo ideal
Sinaldo de Luna Barbosa1

Resumo
No livro Sobre ética e imprensa (2000), o jornalista e pesquisador
Eugênio Bucci faz levantamentos acerca de questionamentos
que permeiam o universo da ética no jornalismo e para ilustrar
as ideias por ele levantadas no capítulo O Vício e a Virtude
buscaremos brevemente destacar e analisar alguns trechos do
seriado americano de televisão The Newsroom, que versa sobre o
dia-dia de um telejornal estadunidense, em meio às mudanças de
equipe e constantes problemas de audiência, que aborda em seus
dez episódios da primeira temporada lembretes e ensinamentos
aos profissionais do jornalismo. O seriado nos servirá de
corpus de estudo sob uma perspectiva bucciniana e elementos
defendidos por Walter Lippmann para destacar alguns vícios
jornalísticos que põem em debate a ética da profissão.

Palavras-chave: Ética no jornalismo. The Newsroom. Opinião


Pública. Manipulação.

1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba


– UFPB, onde é investigador do grupo de pesquisa Laboratório de Estudo dos Meios – LEME,
e Bacharel em Comunicação Social, habilitação em jornalismo, pela Universidade Estadual da
Paraíba - UEPB, onde atualmente é investigador do grupo de pesquisa em Jornalismo e Mobilidade
– MOBJOR.

Ética jornalística sob uma perspectiva bucciniana 119


Introdução

Em O vício e a virtude, capítulo do livro Sobre ética e imprensa (2000), o


jornalista e pesquisador Eugênio Bucci discorre sobre o que considera importantes
temas de debate acerca da ética profissional jornalística. No texto, o autor traz ainda
sete erros, ou vícios, que foram elencados pelo jornalista americano Paul Johnson, os
chamados sete pecados capitais do jornalismo.
Segundo Bucci, a lista organizada por Johnson é uma importante ferramenta
para início dos questionamentos éticos da profissão. “A lista é arbitrária, mas é um
bom ponto de partida” (BUCCI, 2000, p. 131). Dentre os pontos elencados como
pecados, destacaremos a “distorção” e o “abuso de poder”, em meio ao processo de
construção da notícia em uma redação para um telejornal.
Abordaremos trechos da série The Newsroom, onde a exibição das matérias
acontece de maneira mais analítica e de maneira a provocar discussões mais
profundas no telespectador, como ilustração das ideias buccinianas dos principais
questionamentos levantados em “O vício e a virtude”, em especial do que ele chama
de fantasma da manipulação.

The Newsroom

De autoria de Aaron Sorkin, premiado com o Oscar de Melhor Roteiro


Original por A Rede Social, a série de televisão americana The Newsroom, da HBO,
leva à sua trama o dia-dia dos bastidores de uma equipe de jornalistas em meio ao
processo de construção das matérias a serem levadas ao ar por um telejornal de TV a
cabo estadunidense, um telejornal que, como é enfaticamente dito em seus episódios,
é comprometido unicamente com a verdade noticiosa e busca libertar-se das amarras
da audiência para ser livre ao que de fato julga dever ser noticiado e sem barganhar ou
ter medo de personalidades poderosas. Transmitir o que é de interesse público.
Por trazer em cada um de seus dez episódios na primeira temporada uma
série de lembretes e ensinamentos à prática jornalística, mesclando a ficção de sua
trama a acontecimentos reais que foram pautas de destaque nos jornais americanos
e do mundo todo, como captura e morte do terrorista Osama Bin Laden, o acidente
nuclear em Fukushima e a corrida presidencial americana, The Newsroom, talvez,
seja uma obra-manual de como fazer um bom telejornal, ideal ao jornalismo. O
próprio editorial ditado pela produtora executiva do telejornal ratifica os objetivos

120 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


do programa: reivindicar o quarto poder. Reivindicar o jornalismo como profissão
honrosa. Um telejornal noturno que exibe um debate digno de uma grande nação.
Civilidade, respeito e retorno ao que é importante... Um lugar onde todos estaremos
juntos.
Nos aspectos técnicos, a série se aproxima bastante do que chega a ser uma
redação de telejornal graças à técnica de roteiro adotada por Sorkin, o chamado “walk
and talk”, que consiste no diálogo dos personagens enquanto eles andam, reproduzindo
a correria das redações.
Apesar de considerada utópica e divergente da realidade de uma redação de
telejornal, no que tange ao conteúdo e trama explorados, a série é um celeiro de debates
sobre a prática jornalística e dá margem a discussões do modelo comunicacional
empregado pelas empresas midiáticas, fazendo uma ode ao jornalismo ideal e
mostrando possibilidades, por mais que sejam ousadas, de mudar esse atual paradigma
informacional pré-moldado nos grilhões econômicos.

O jornalismo ideal: uma perspectiva bucciniana

Talvez, uma das premissas mais consagradas do jornalismo e a principal em


The Newsroom, transmitir o que é de interesse público, seja um tema debatido mais
a fundo desde a década de 20, quando o jornalista Walter Lippmann, defendeu em
Opinião Pública (1922) que a conduta da sociedade estava diretamente ligada ao
que era veiculado pelo jornalismo, muitas vezes gerando concepções erradas sobre
determinados fatos e acontecimentos, dando direcionamentos e formando opinião
nessa sociedade, a opinião pública.
Para Bucci (2000), o centro dos questionamentos que permeiam o universo
no ideal jornalístico está exatamente no conceito de opinião pública proposto por
Lippmann, “que subjaz como origem de tudo e, ao mesmo tempo, como instância
suprema da sabedoria democrática: a fonte da verdade” (BUCCI, 2000, p. 155). O
jornalista e pesquisador defende ainda que nos dias atuais tal conceito é tido como
mito. Talvez, no surgimento da imprensa, defende o autor, o jornalismo fosse a voz da
opinião pública e a soberania popular estava acima de tudo e era em torno dela que as
transformações surgiam.
Todavia, com as mudanças acontecidas tanto na sociedade quanto na política
organizacional midiática, onde a informação caminha com o sistema econômico, não
é mais possível associar integralmente a opinião pública do agendamento dos veículos

Ética jornalística sob uma perspectiva bucciniana 121


de comunicação. “Atualmente, a ideia de opinião pública perdura como lembrança
longínqua: foi englobada pelo mercado de consumo, e a velha sabedoria democrática,
cidadã por definição, parece dar lugar a manifestações dos desejos dos consumidores”
(BUCCI, 2000, p. 167).
Numa breve passagem pela história da mídia, Eugênio Bucci lembra que

Os conglomerados da mídia concentram tanto dinheiro quanto


os bancos, a mídia está entre os maiores negócios da atualidade,
envolvendo cifras comparáveis às da indústria automobilística e
das companhias fabricantes de softwares. Dois séculos de história e
uma montanha de dólares separam o jornalismo atual dos jornais
que buscavam realizar os ideais iluministas no calor da Revolução
Francesa. Não obstante, aqueles mesmos princípios, de cidadania e
direitos humanos, ainda sevem de norte para os jornalistas. É justo
que seja assim, mas as coisas já não são o que costumavam ser. Há um
quê de anacronismo no ar quando um repórter invoca o conceito de
opinião pública para fazer isso ou aquilo (BUCCI, 2000, p. 167).

Corroborando com a breve análise de Bucci, Lippmann já defendia que o


agendamento da mídia deveria partir dos anseios da opinião pública, e não o contrário,
fato que acontece na atualidade. Diz o autor:

Minha conclusão é que, para serem adequadas, as opiniões públicas


precisam ser organizadas para a imprensa e não pela imprensa, como
é o caso hoje. Esta organização eu conheço e concebo como sendo
em primeira instância a função da ciência política que ganhou seu
próprio lugar como formuladora, previamente à real decisão, em vez
de apologista, crítica, ou reportando após a decisão ter sido tomada
(LIPPMANN, 2008, p.41).

De acordo com Lippmann, o jornalismo de sua época não estava fundamentado


em fatos, mas puramente nas ideologias, conceito compreendido como conjunto de
ideias que orientam a visão de mundo de um indivíduo. “A forma como o mundo
é imaginado determina num momento particular o que os homens farão. Não
determinará o que alcançarão” (LIPPMANN, 2008, p. 39). Assim concorda Eugênio
Bucci, ao defender que o jornalista deve ir além do que estabelece a opinião pública.
“Esperar que a opinião pública seja o termômetro do que é certo ou errado na
imprensa e acreditar cegamente nos seus julgamentos são esperanças temerárias”
(BUCCI, 2000, p. 174).

122 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Faz-se necessário, então, que o jornalismo volte a fazer as pazes com a
sociedade, agendando aquilo que é de interesse da opinião pública, e não levando a ela
ideias fundadas, muitas vezes, pelos pecados capitais jornalísticos, e nesse ponto deve
ser ponderado com aquilo que Bucci diferencia entre interesse público e interesse
perverso do público, assim como deve-se diferenciar legitimidade de popularidade.
Para o autor, deve prevalecer a ideia do bom senso, onde um dono de emissora, por
exemplo, poderia ser comparado a um pai que sabe o que é salutar para que entre em
sua casa e seja assistido por seu filho. “O jornalismo, por definição, deve continuar a
trabalhar para o público – e isso é bom. Mas não deve confundir o público-cidadão
com o público articulado em torno das demandas de consumo” (BUCCI, 2000, p.
174).

O fantasma da manipulação e a Indústria Cultural

Para Bucci, em meio aos problemas pelos quais passa o jornalismo e o


questionamento da legitimidade da opinião pública diante de julgar o certo e o errado
para agendar a mídia, que por sua vez já pode ter incrustado na sociedade informações
distorcidas e/ou manipuladas, é preciso que o jornalismo de qualidade encontre
balizas mais eficazes informar e orientar (BUCCI, 2000, p. 175). E essa discussão é o
ponto de partida para os questionamentos da ética profissional jornalística.
Sobre a manipulação recorrente nas matérias jornalísticas, Bucci a entende
como sendo um dos sete pecados capitais do jornalismo, o da distorção deliberada,
e, podemos assim, colocá-la próxima também de outro pecado, o do abuso de poder.
“Movidos por interesses escusos, há donos de meios de comunicação e funcionários
da cúpula das empresas que patrocinam mentiras para atingir objetivos particulares”
(BUCCI, 2000, p. 176). Todavia, de acordo com o jornalista, a manipulação está
longe de ser um fantasma tão poderoso quanto imaginam, pois, segundo essa ideia,
a sociedade agiria como apenas um “curral dominado por capatazes maquiavélicos”
(BUCCI, 2000, p. 177). Diz o autor:

Para que não restem mal-entendidos, vale repetir: a manipulação


acontece e precisa ser combatida. Há manchetes maliciosas,
enfoques tendenciosos, além das omissões deliberadas. Mas, além da
manipulação, há um processo industrial que promove a identificação
entre editores e consumidores sob a égide de mecanismos de mercado
que automatizam os efeitos ideológicos da imprensa. Ao contrário
do que supõem as teorias da conspiração permanente, esses efeitos

Ética jornalística sob uma perspectiva bucciniana 123


se produzem sem a necessidade de interferências diretas de supostos
agentes das classes dominantes infiltrados nas redações e sem que
os jornalistas precisem se investir no papel de agentes do patronato.
Basta que sejam agentes do mercado. A ideologia é o negócio, como
diriam Adorno e Horkeimer – e, hoje, o negócio produz uma nova
ideologia. De tal forma que, perseguindo as demandas de consumo
de seus públicos, os próprios jornalistas se tornam os promotores
(os intelectuais orgânicos cibernéticos) não mais dos interesses dos
patrões, tampouco do público entendido como opinião pública, mas
da ideologia desse negócio, que é a ideologia que idolatra o consumidor
(BUCCI, 2000, p. 184).

Sendo assim, há, de certa forma, um processo provocado pelo sistema político
e econômico que tende a transformar em homogêneo o agendamento e enfoque das
principais pautas midiáticas.

Há dois séculos, quando o modelo do jornalismo era o da imprensa de


opinião. Ou seja, quando os jornais nasciam para interferir na esfera
pública segundo uma visão programática particular, havia tantos títulos
quantas eram as correntes que disputavam politicamente a influência
na sociedade. Agora, engolidos pelos conglomerados da mídia, os
modelos jornalísticos de sucesso se tornam cada vez mais parecidos
ideologicamente, ainda que numerosos e repletos de diferenciação de
estilo. São homogeneizados pelo mercado (BUCCI 2000, p. 183).

Em Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer asseguram que a


ideologia não é um sistema unidirecional que vai montando um cerco do dominador
contra o dominado, mas de uma relação que também incorpora as demandas do
dominado. De acordo com esses autores,

O consumidor torna-se a ideologia da indústria da diversão. Ou seja,


sua ideologia não é o conjunto de ideários das ‘classes dominantes’,
nem seus valores, nem sua etiqueta, mas a condição de consumidor
de que a indústria cultural reveste o homem comum; não é o homem
comum em si, mas o consumidor que nele se implanta. O problema
todo, enfim, é que o consumidor convertido em uma nova ideologia
é a negação reiterada da antiga ideologia de emancipação pela
soberania popular. Antes, o sonho iluminista fazia crer que o povo
soberano construiria o caminho da liberdade, sepultando as tiranias.
Com a Escola de Frankfurt, percebe-se que o consumidor da indústria
cultural não tem mais qualquer perspectiva de emancipação. No
limite, a indústria cultural não é aquilo que a cidadania precisa – mas
é aquilo que o consumidor deseja (sem saber que deseja e por que
deseja) (BUCCI, 2000, p. 181).

124 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Antes de Bucci, Lippmann já alertava para o fato de que o processo de
construção da notícia, assim como a transmissão de um acontecimento dá-se por
meio da análise e da bagagem informacional que o jornalista possui. “Os fatos que
vemos dependem de onde estamos posicionados e dos hábitos de nossos olhos”
(LIPPMANN, 2008, p. 83).
De acordo com a teoria conspiratória do fantasma da manipulação, defende
Bucci, com base na formatação da mídia contemporânea, onde a lógica do desejo está
voltada para o consumo, como já dizia Adorno, a sociedade muitas vezes supõe que
o jornalista é um mero serviçal de uma “classe dominante”, atendendo cegamente as
ordens impostas pelos donos da mídia e com único interesse em conseguir o que apenas
lhe interessa, impondo opiniões ao público que, muitas vezes, não estão a serviço
dessa sociedade. Todavia, Bucci discorda dessa ideia. Segundo ele “o jornalista, se for
um serviçal, é antes o criado dos desejos de consumo; ele encarna mais os desejos do
consumidor do que os estratagemas do patrão” (BUCCI, 2000, p. 182).
Em meio aos questionamentos explicitados acerca do mito da manipulação
jornalística e o ideal de jornalismo proposto por Eugênio Bucci, veremos como
ilustração a proposta deixada pela série de televisão americana The Newsroom, que,
assim como a ideia de Bucci, defende um jornalismo que lida com a verdade factual e
deve promover a busca da verdade forma equilibrada e crítica.

The Newsroom e o mito do ideal jornalístico

Diversas produções já tentaram retratar o mundo do jornalismo, algumas de


forma séria e dramática, como nos filmes A Montanha dos Sete Abutres (1951) e Todos
os Homens do Presidente (1976), outras com uma veia mais cômica, como em  Nos
Bastidores da Notícia (1987) e O Jornal (1994).
Tal qual o jornalismo do cunho ideal proposto numa perspectiva bucciniana,
The Newsroom objetiva transmitir ao público apenas a verdade dos fatos, o que é
de interesse público, independente dos interesses dos que forem afetados por suas
matérias.
Lippmann defendia que a opinião pública, baseada estritamente nas ideologias,
estaria longe da esfera do conhecimento científico. De maneira semelhante, com base
nos pressupostos da construção da notícia elencados por Nelson Traquina e Rodrigo
Alsina, o jornalismo também é necessariamente ideológico, pois a partir do jornalista
e sua análise dos fatos, julga-se o que é ou não relevante. O acontecimento, em si, pode

Ética jornalística sob uma perspectiva bucciniana 125


não dizer nada ou gerar qualquer repercussão na esfera pública. O que movimenta o
jornalismo e a opinião pública é exatamente a forma pela qual tal acontecimento será
transmitido, a interpretação dele por parte do jornalista.
A forma pela qual uma notícia será dada e quais os argumentos serão
levantados é uma das principais preocupações do telejornal exibido na série The
Newsroom, destacando especialmente a preocupação em levar ao público a verdade,
não interessando a quem possa interferir, mesmo que sejam os principais financiadores
do canal que exibe o telejornal.
Longe de querer fazer apologia ao jornalismo direto, objetivo e sem comentários,
devemos esclarecer e derrubar também o mito da imparcialidade jornalística. Supõem
alguns que o jornalismo puramente informativo é imparcial, enquanto que aquele
arraigado de comentários e análises é tendencioso. Todavia, faz-se necessário lembrar
que todo e qualquer processo de investigação de acontecimento até a sua transmissão
é carregada de critérios subjetivos. Não devendo, necessariamente, ao modo de
exibição o seu caráter tendencioso, por vezes malicioso.
Em suma, informar é interpretar e representar um fato acontecido. Jornalismo
sem interpretação é um jornalismo vazio e o questionamento da manipulação é bem
mais coerente do que ainda acreditar no mito da imparcialidade. A esse questionamento
é que devemos levantar a principal função do jornalismo como centro de serviço ao
debate democrático e utilidade à sociedade.
Sob essa égide de noticiar o que é de interesse público independente de
quem possa afetar, a série americana é considerada um tanto utópica e aquém das
redações de telejornal onde, livre das amarras do sistema político-econômico, os
jornalistas pensam qual a forma mais correta e mais honesta de informar o público,
não importando a opinião dos detentores do poder midiático. A notícia que provoca
debate na sociedade americana é sempre mais importante.

“Bullies”: Saberemos pelo resto da vida que mentimos

Em Bullies, episódio seis da primeira temporada de The Newsroom, podemos


refletir um pouco sobre importantes aspetos no que tange a prática jornalística. A
questão da Ética e Deontologia, mais especificamente a importância das fontes e
confidencialidade; o impacto das novas formas de comunicação no jornalismo;
e a hierarquia organizacional da redação são muito bem analisados, retratando o
cotidiano dos jornalistas e toda a pressão que envolve a profissão.

126 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Nessa seara, através de trechos contidos no supracitado episódio, podemos
ilustrar bem a carga que recai sobre o jornalista em meio à construção da notícia sob
a responsabilidade da honestidade e que as atitudes de cada um desses profissionais
acarretará consequências talvez não calculadas quando da efervescência e imediatismo
para transmissão da notícia. 
O surgimento e aperfeiçoamento de novas tecnologias que enriquecem as
práticas comunicacionais, proporcionando uma sociedade em que a mídia de massa
deixou de ser a forma básica de comunicação, faz com que o jornalismo passe por
profundas mudanças, onde por um lado grupos comemoram que a internet tem dado
passos para a real democratização da notícia, enquanto que por outro lado, grupos
defendem que o turbilhão de ferramentas comunicacionais tem gerado uma forte
crise no campo midiático.
No universo em que todos ganham direito à voz através das plataformas, como
blogs e redes sociais, a informação circula a uma velocidade vertiginosa e isso acarreta
consequências talvez ainda não tangíveis aos limites da pesquisa em jornalismo. De
acordo com Fernando Firmino da Silva,

A comunicação móvel emerge como uma das principais discussões no


cenário contemporâneo. O desenvolvimento de um ambiente móvel
de produção centrado em tecnologias móveis digitais e conexões sem
fio desencadeou novos processos comunicacionais. Junta-se a este
fenômeno a expansão de práticas associadas ao conceito de mobilidade
como o jornalismo móvel, jornalismo locativo e jornalismo em redes
sociais móveis. Entende-se que o jornalismo está diante de novas
interfaces relacionadas às suas condições de produção no processo
de apuração, produção e emissão conectadas essencialmente à rotina
produtiva do repórter em campo. Pensar tipologicamente este cenário
pode nos ajudar a enquadrar e identificar de forma mais consistente as
metamorfoses pelas quais passa o jornalismo na atualidade, apontando,
assim, as possíveis consequências, potencialidades e desafios para a
prática no século XXI (SILVA, 2012, p. 149).

Outras características provindas dos novos processos de comunicação podem


ser identificadas através de dois fenômenos: a convergência e a descentralização da
produção, como afirma Ben-Hur Correia:

A convergência vem mostrar novas plataformas para a circulação do


produto, novos modos de fazer com que essa etapa, compreendida
através do seu envio, seu processamento no meio social e seu retorno,
seja efetivamente realizada, e saber o posicionamento profissional

Ética jornalística sob uma perspectiva bucciniana 127


frente a essa nova realidade. A descentralização propõe a apropriação
do produto jornalístico pelo público para que esse seja parte atuante
dos mecanismos de circulação, modificando ou não o conteúdo em
si, mas sempre se manifestando para a propagação desse conteúdo
(CORREIA, 2012, p. 58).

Sobre esse choque de universos e modos de fazer jornalismo, The Newsroom


parece transitar entre esses meios e gerar importantes reflexões, quando um telejornal
de TV a cabo americano decide que é necessária uma reformulação completa do seu
tratamento às matérias e como cada uma delas será apresentada ao público, assim
como defende Bucci. “Se o jornalismo aceita os paradigmas de classificação do mundo
dados pelo consumismo, ele foi engolido pela lógica do consumismo” (BUCCI, 2000,
p. 134).
Na série, a cena em que o protagonista, e âncora do telejornal, Will McAvoy, fica
aborrecido pelos comentários em seu website é um exemplo disso. Faz-nos questionar
sobre o fim do jornalista como gatekeeper, e que este profissional não é mais encarado
como portador da única versão verdadeira dos fatos. Ele pode sim ser questionado
e não é dono da verdade. Neste cenário, o jornalista não é mais protagonista do
monopólio informático.
O debate em torno da adaptação à metodologia que a internet oferece pra
prática jornalística é ainda mais evidente nessa cena do seriado quando o jornalista
McAvoy é ameaçado de morte através de comentário postado em seu website e que
a informação disponível a qualquer indivíduo, bem como a descentralização, seja do
público alvo, seja da produção da notícia, pode ser algo perigoso, tendo em vista ser
uma novidade que antes mesmo de construir-se por completo e ser explorada pelo
universo da pesquisa, já sofre grandes mutações e reinventa-se diariamente.
Apesar da válida e profunda reflexão sobre a questão levantada, o maior
destaque de caráter ético do episódio gira em torno da busca e manutenção da
honestidade na transmissão da notícia e as relações de hierarquia dentro de uma
redação, além da responsabilidade do jornalista para com a fonte e o respeito à sua
confidencialidade.
No episódio, baseado no acidente nuclear em Fukushima, no Japão, a jornalista
Sloan vê-se diante de uma situação delicada em que recebe notícia de uma fonte que
está no local do acidente, mas que devido à sua função profissional estabelece uma
relação de confidencialidade, dando uma informação “em off” tendo em vista ser tal
informação alarmante à população japonesa.

128 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


O off, de onde deriva o offismo, é um termo usado no glossário de jargões
jornalísticos. De acordo com Eugênio Bucci, o termo tem origem na expressão inglesa
off the record, que designa aquilo que se diz a um jornalista confidencialmente, isto é,
algo que se diz para não ser registrado. Segundo o Código Deontológico, o jornalista
não deve revelar as suas fontes nem desrespeitar os compromissos assumidos. “O que
a fonte declara em off, rigorosamente é algo que não deve ser publicado nem mesmo
quando ela, fonte, não é mencionada na reportagem” (BUCCI, 2000, p. 132).
No episódio, Sloan, que recebeu uma notícia alarmante e não oficial precipitou-
se, tornando essa informação pública, acabando por expor a sua fonte e afetando a sua
credibilidade enquanto jornalista. Se não bastasse, ainda colocou em risco o emprego
de sua fonte. Após a transmissão da informação, a jornalista é bombardeada pela
responsabilidade da atitude que acabara de ter.
De acordo com Machado (2006), “contemporaneamente, a circulação pode
ser vista além das estruturas que possibilitam o contato entre o público e o produto
jornalístico, mas também através dos fluxos criados por essas estruturas” (MACHADO,
2006, p. 58).
Ben-Hur diz ainda que a informação jornalística no ciberespaço é a última
etapa do processo de produção jornalística e consegue ser apropriada pelo público
para customização e redistribuição, além de contribuir para uma retro-alimentação
do fluxo de informação iniciado na produção (CORREIA, 2012, p. 60).
Sobre a celeridade em que a notícia é produzida, e ilustrando como a cena da
série americana, Bucci nos lembra que

[...] a pressa é obrigatória no jornalismo. Ela faz parte do ideal de


perfeição. Quanto mais rapidamente a notícia vai para o público,
melhor. O que acontece é que o jornalista se vê entre dois imperativos
de origens distintas: um é o da agilidade e o outro o da precisão [...].
A pressa é boa e necessária – mas, quando assumida como um valor
ético equiparável à correção, pode ser o atalho para o erro [...]. Acima
das exigências de velocidade do mercado, deve estar o compromisso
com a verdade (BUCCI, 2000, p. 140).

No programa de TV americano, a jornalista vê-se refém do desencadeamento


vertiginoso da informação dada e de imediato passa a sofrer as consequências de ter
exposto uma fonte devido o fetiche dar a informação inédita. Pela linha editorial do
telejornal do seriado, é mais fácil acreditarmos que a informação dada pela jornalista
envolvida no episódio apresenta realmente relevante utilidade à população, que até
então, estava sendo enganada pelo governo japonês, mas a atitude da jornalista Sloan

Ética jornalística sob uma perspectiva bucciniana 129


acabou por gerar um problema de grande proporção quando a fonte é ameaçada de
perder o emprego e ela afastada da redação, a pedido do chefe do canal.
Em meio à situação, remetemo-nos ao que assegura Bucci no que define como
ideal jornalístico:

E é aqui que se funda a particularidade do jornalismo em relação aos


meios de comunicação em geral: ele lida com a verdade factual e deve
promover a busca da verdade de forma equilibrada e crítica, enquanto
os meios de comunicação prestam-se a qualquer tipo de conteúdo
[...]. A ética da imprensa é específica e assim deve ser, para benefício
público (BUCCI, 2000, p. 186).

Ainda, Bucci diz que a ética é essencial para proteção do jornalismo. Ela deve
cuidar de orientá-lo e atender o consumidor de forma crítica, sem se restringir às
demandas do mercado.

A ética certamente condena qualquer tentativa de manipular


informações, mas não para aí. Procura estabelecer um norte para que,
no afã de servir ao consumidor, o jornalista não se desvie de sua função
social. A ética ajuda o jornalista a se afastar da idolatria do consumo, e
o convida ao atendimento das exigências de diversidade e pluralidade
que a democracia impõe (BUCCI, 2000, p. 185).

Buscando atender a função social de servir a população, onde nos remetemos


ao conceito de responsabilidade social do jornalista trazido por Alsina (2009),
a jornalista Sloan, em meio à linha editorial do telejornal em que trabalha e a real
possibilidade de descrédito profissional, além de poder ocasionar a perda de emprego
de sua fonte, vê-se diante de uma alternativa encontrada pelo seu chefe, o diretor do
canal televisivo, para solucionar o problema.
Para reparar o problema, o chefe sugere que Sloan, fluente na língua japonesa,
cometeu um erro de pronúncia, mesmo quando a informação dada pela jornalista
já havia sido confirmada. Sloan havia contemplado o público do telejornal com
uma informação exata, mas a estabilidade de sua profissão e o emprego de sua fonte
estavam prestes a serem arruinados.
Atitudes intempestivas e independentes podem trazer consequências graves.
A responsabilidade do jornalista é muito grande e está ambientada num lugar onde
não há espaço para erros. Toda informação tem que ser fundamentada posto que se
repercute em pessoas, em vidas.

130 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Para apaziguar a situação, Sloan é obrigada a mentir no telejornal, afirmando
ter cometido erro de pronúncia, contribuindo para manutenção do emprego de sua
fonte, apesar de manchada a credibilidade da jornalista. Restou aos bastidores da
redação aprisionar a arquitetura fajuta do que foi levado ao público e a esconder a
verdade.
O peso da responsabilidade que um jornalista detém ao relacionar-se com
a fonte e levar ao público uma informação manipulada, distorcida de maneira
deliberada, nos é apresentada ainda no episódio de The Newsroom pelo protagonista
do seriado ao afirmar que a equipe do telejornal é a notícia e eles saberão pelo resto da
vida que mentiram, carregando assim o seu peso.
Na mesma linha, sobre o peso da responsabilidade da informação dada e o
relacionamento com a fonte, lembramo-nos do caso de Truman Capote em A Sangue
Frio e do filme A Montanha dos Sete Abutres, em que o jornalista foi responsável
por grande parte do desenvolvimento da história e, até mesmo, seu desfecho. Um
questionamento de cunho ético profundo e demasiadamente relevante à prática
jornalística nos dias atuais.

Considerações finais

The Newsroom é só um programa de TV americano, mas traz em cada episódio,


quase que a cada cena, questionamentos pertinentes à esfera da profissão jornalística:
os “portões” pelos quais a notícia deve passar antes de chegar ao público, o grau de
disposição dos jornalistas para enfrentar as forças que são aplicadas pelos padrões
mercadológicos, os objetivos dos anunciantes das empresas midiáticas e, por fim, se o
jornalismo, em especial o telejornalismo, suporta informar toda a verdade.
A série é uma ode ao jornalismo ideal do ponto de vista da responsabilidade em
informar ao público a verdade dos fatos, sua responsabilidade social em incomodar
e provocar o debate. Em suas abordagens, o seriado ilustra exatamente o jornalismo
ideal proposto por Eugênio Bucci.
Apesar das críticas de ser uma prática utópica, o jornalismo de The Newsroom
é um universo de ensinamentos aos profissionais e pesquisadores da comunicação.
Talvez, por ser só uma série, não seja capaz de mudar a prática jornalística nas redações
americanas ou de qualquer parte do planeta mas, ao menos, fomenta o debate em
torno das principais questões éticas da profissão.
Todavia, faz-se necessário lembrar também que Aaron Sorkin, nos anos 90,
reinventou o drama na TV americana com a série The West Wing, que representava

Ética jornalística sob uma perspectiva bucciniana 131


uma Casa Branca idealista e foi responsável por inspirar diversos jovens a entrar na
política. Se The Newsroom trilhar pelo mesmo caminho, a sociedade americana terá
futuros jornalistas mais inquietos com a ética e a moral jornalísticas.
A conduta dos jornalistas do seriado, em especial do âncora, pode servir de
estudo para outro trabalho, ou aprofundamento deste, sobre a ética profissional no
relacionamento direto com a fonte. Fonte esta que muitas vezes no ato da entrevista
é colocada contra a parede, até mesmo hostilizada sob a alegação de que é necessário
arrancar a verdade, que deve ser, a todo custo, apresentada ao público.

Referências bibliográficas

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Ed. Jorge Zahar, 1986.

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indústria cultural, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978.

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delimitações iniciais sobre o objeto de estudo. Florianópolis: Insular, 2010.

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TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: por que as notícias são como são. V. 1.


Florianópolis: Insular, 2004.

132 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Fotografia em sites de redes sociais: análise de
imagens de uma manifestação popular
Raul Augusto Ramalho1
Luiz Custódio da Silva2

Resumo
Este artigo tem o objetivo de analisar a midiatização de uma
manifestação popular realizada na cidade de Campina Grande,
estado da Paraíba, no Nordeste do Brasil, no dia 20 de junho de
2013. Analisar-se-á, através de conceitos semióticos e de linguagem
fotográfica, o formato, a qualidade, os possíveis significados e
intencionalidades de fotografias, relativas ao dia do protesto,
postadas nos sites de redes sociais facebook e twitter. Será feita
uma abordagem teórica sobre o fotojornalismo, relacionando-a
às novas possibilidades tecnológicas de produção e circulação
de conteúdos. Conclui-se que, no ambiente virtual, há uma clara
receptividade às imagens com uma estética diferenciada do
que é produzido pelos meios jornalísticos tradicionais. Estética
essa marcada pelo descompromisso com a contextualização e a
arrumação que são características dos ambientes profissionais de
disseminação de informação fotográfica.

Palavras-chave: sites de redes sociais. Fotografia. Fotojornalismo.


Manifestação.

1 Jornalista com experiência em telejornalismo e assessoria de comunicação. Mestrando


do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Especialista em Mídia e Assessoria de Comunicação pelo Centro Superior de Ensino Reinaldo
Ramos (Cesrei). E-mail: raulramalhojornalistacg@gmail.com.
2 Professor do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB) e professor da Universidade Estadual da Paraíba (UFPB). Doutor em Ciências da
Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).
E-mail: custodiolcjp@uol.com.br.

Fotografia em sites de redes sociais: análise de imagens de uma manifestação popular 133
Introdução

Brasil, junho de 2013. Centenas de manifestações varreram o país de Norte a


Sul, de Leste a Oeste. O motivo primário dos protestos foi o aumento de R$ 0,20 no
preço da passagem do transporte coletivo na cidade de São Paulo, a maior da nação.
A truculência com que o Estado tratou os manifestantes - além de outros fatores,
como a agressão a diversos jornalistas, o que fez com que a grande mídia, que se
colocava em ampla maioria contra os movimentos, “mudasse de lado” e passasse a
apoiar fortemente as mobilizações (SÔLHA, 2013) – ajudou a inflamar ainda mais
os protestos. Os motivos já não eram baseados apenas no preço da passagem do
transporte coletivo, mas em uma gama de reivindicações que tratavam de temas os
mais gerais, como educação, saúde, segurança e etc.
A mobilização e o intenso acompanhamento, através de fotografias, vídeos (ao
vivo e gravados), textos, comentários, conversações nos sites de redes sociais, foram
notáveis em praticamente todos os atos. Modo parecido de mobilização e cobertura
pela internet é discutida por Malini e Antoun (2013), os quais explanam a força das
redes sociais online em um protesto realizado em Vitória, no Espírito Santo, no ano
de 2011, além de darem exemplos de mobilizações através do meio virtual em outros
lugares do mundo.

Nas coberturas colaborativas das redes, os perfis agem como se


estivessem dentro do fato, reportando de modo enunciativo os detalhes
do acontecimento. Mas seus relatos são permeados por anúncios,
denúncias, opiniões e mensagens, que demonstram, como dizem os
americanos, uma “self expression”. Os exemplos trazidos revelam como
a Internet tem aberto, nos últimos 20 anos, novas práticas de liberdade
no terreno da produção de informação. (MALINI; ANTOUN, 2013,
p. 248).

A exemplo do que acontecia em todo o Brasil, no dia 20 de junho de 2013, a


cidade de Campina Grande, com cerca de 385 mil habitantes (segundo o censo 2010
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE -), situada no interior da
Paraíba, a aproximadamente 130 quilômetros da capital João Pessoa, no Nordeste do
Brasil, foi cenário de uma manifestação, em que cerca de 20 mil pessoas, segundo as
autoridades policiais, caminharam pacificamente pelas principais ruas do Centro da
cidade.
Apesar da tranquililidade do “protesto”, essa mobilização seguiu os padrões
nacionais no que diz respeito ao uso dos sites de redes sociais para a postagem de

134 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


fotos, vídeos e textos sobre o evento. Tais postagens se configuraram como verdadeiras
formas de coberturas extra - jornalísticas da manifestação.
Dentro desse contexto, no qual os sites de redes sociais foram fortes espaços
para o acompanhamento dessa manifestação, o objetivo deste artigo é analisar
especificamente postagens de fotografias relativas ao evento. Analisaremos duas
postagens (uma no facebook e uma no twitter – com ligação ao instagram). Basearemo-
nos nas concepções semióticas de Santaella e Nöth (2001) e Fidalgo (2008) que
revisitam clássicos da área, a exemplo de Barthes e Peirce, além de Joly (2002) que
trata da interpretação da imagem. Apoiaremo-nos também na visão de linguagem
fotográfica de Juchem (2009) que se utiliza de acepções relativas à morfologia, sintaxe
e semântica para descobrir os significados das fotos, bem como as intencionalidades
de quem as tira. Apesar de serem materiais amadores, partimos do pressuposto de
que quem usou o meio tecnológico para fotografar, e depois postar nos sites de redes
sociais, teve alguma intencionalidade, quis passar alguma mensagem.
Discutiremos, também, a possível guinada estética que estamos observando
na atualidade, já que os frequentadores do mundo virtual parecem estar cada vez mais
susceptíveis a apreciarem (e compartilharem) materiais midiáticos publicados sem os
cuidados técnicos comuns em ambientes profissionais, como os jornais impressos ou
os telejornais. Para discutir essa situação, utilizaremos, como método, a abordagem
teórica das duas realidades (amadora x profissional) para que possamos criar um
parâmetro de comparação.

Perspectivas teórico-metodológicas

De início, é importante diferenciar o termo “redes sociais” do termo “sites de


redes sociais”, já que estamos tratando dos ambientes nos quais repousam os objetos
para nossa análise. Vejamos:

Redes sociais na Internet são constituídas de representações dos atores


sociais e de suas conexões. Essas representações são, geralmente,
individualizadas e personalizadas. Podem ser constituídas, por
exemplo, de um perfil no Orkut, um weblog ou mesmo um fotolog. As
conexões, por outro lado, são os elementos que vão criar a estrutura
na qual as representações formam as redes sociais. Essas conexões, na
mediação da Internet, podem ser de tipos variados, construídas pelos
atores através da interação, mas mantidas pelos sistemas online. Por
conta disso, essas redes são estruturas diferenciadas. Ora, é apenas

Fotografia em sites de redes sociais: análise de imagens de uma manifestação popular 135
por conta desta mediação específica que é possível a um ator ter, por
exemplo, centenas ou, até mesmo, milhares de conexões, que são
mantidas apenas com o auxílio das ferramentas técnicas. Assim, redes
sociais na Internet podem ser muito maiores e mais amplas que as
redes offline, com um potencial de informação que está presente nessas
conexões. [...] As redes sociais também devem ser diferenciadas dos
sites que as suportam. Enquanto a rede social é uma metáfora utilizada
para o estudo do grupo que se apropria de um determinado sistema,
o sistema, em si, não é uma rede social, embora possa compreender
várias delas. Os sites que suportam redes sociais são conhecidos como
“sites de redes sociais” (RECUERO, 2009, p. 40-41).

Nota-se, então, uma forte potencialidade no alcance das interações nos sites de
redes sociais. Tais interações (configuradas através de vídeos, fotos, gravuras, simples
comentários e etc.) diversas vezes suprem lacunas jornalísticas, na transmissão de
acontecimentos. De acordo com Recuero (2009) as redes sociais podem complementar
a prática jornalística, atuar como fontes e nesses espaços “é possível encontrar
especialistas que podem auxiliar na construção de pautas, bem como informações
em primeira mão” (RECUERO, 2009, p. 46). Porém, a mesma autora, reconhecendo
as dificuldades de contextualização nos sites de redes sociais, diz que “as informações
difundidas pelas redes sociais não precisam, necessariamente, ter um valor-notícia ou
um compromisso social, como teoricamente, as jornalísticas (ou aquelas produzidas
pelos veículos) precisam” (RECUERO, 2009, p. 50).
Os sites de redes sociais, na verdade, fazem parte de um contexto bem mais
amplo propiciado pelo avanço da tecnologia e pela expansão da internet. Hoje, o meio
virtual é uma extensão da vida real, uma forma de vida, um bios midiático, como
define Sodré (2009). Várias características emergem dessa realidade norteada pela
tecnologia e pelas interações através dos meios virtuais. No que tange ao interesse
deste artigo, vamos discutir os impactos dessa realidade intensamente midiatizada na
área da comunicação, seja ela jornalística ou não. Nesse sentido, Ramonet (2012, p.
27) coloca que:

Nós passamos da era das mídias de massa para a era da massa de


mídias. Antes, as “mídias-sol”, no centro do sistema, determinavam
a gravitação universal da comunicação e da informação em torno
delas. Agora, “mídias-poeira”, espalhadas pelo conjunto do sistema,
são capazes de se aglutinar para constituir, em certas ocasiões,
superplataformas midiáticas gigantescas...

136 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


O autor aborda ainda a atuação dos usuários da rede dentro do ambiente
virtual. Para ele, o aumento de possibilidades é bastante positivo para a abertura de
canais comunicacionais:

Nós saímos de um sistema mídia-cêntrico para um sistema eu-cêntrico,


em que cada internauta possui o poder de comunicar sons, textos,
imagens, de trocar informações, de redistribuí-las, de misturá-las a
diversos documentos, de realizar suas próprias fotos ou vídeos e de
colocá-los na rede, onde massas de pessoas vão vê-las e, por sua vez,
participar, discutir, contribuir, fazer circular. O desenvolvimento das
redes sociais renova, assim, o projeto de uma democratização da
informação (RAMONET, 2012, p. 28, grifo do autor).

Tratando também de questões relacionadas às mudanças ocasionadas pelo


desenvolvimento da internet e pela expansão dos meios interativos, Malini e Antoun
(2013) convergem com Ramonet (2012) no que diz respeito à liberação do polo
emissor. Defendem que a mídia tradicional, não mais detentora do poder unilateral
de informar, sucumbe às irradiações do ambiente virtual.
Nessa perspectiva, as mudanças causadas pelo crescimento das relações nos
ambientes virtuais expandem-se vertiginosamente. Uma das alterações passa pelo
sentido estético do que se torna apreciável pelas pessoas. Segundo Fernandes (2011,
p. 329), “[...] o teor estético de qualquer manancial sígnico consiste em sua capacidade
de alterar o animus do leitor, porque o leva a experimentar certas sensações que
transcendem o mundo da realidade concreta e imediata” (grifo do autor). O mesmo
autor destaca ainda a forma como somos abalados pela experiência estética, o que
segundo ele, é algo subjetivo: “[...] as estratégias estéticas passam despercebidas à
consciência do leitor comum, onde quer que ocorram, porque ela não é da origem
do cálculo e da racionalidade, mas do fascínio, do sentir e do reagir ao sentimento”
(FERNANDES, 2011, p. 340). Assim, o leitor experimentaria sensações emanadas de
categorias que vão, entre outras, do belo ao grotesco, do bonito ao trágico, do sublime
ao cômico (SOURIAU, 1973 apud FERNANDES, 2011).
Mas, mesmo aceitando a experiência estética como algo subjetivo, entendemos
que as pessoas são expostas, de diversas formas, a certos padrões estéticos, com objetivos
os mais variados possíveis. Segundo Hauser (1984), citado por FERNANDES (2011,
p.329), “[...] os mecanismos estéticos se integram e se compõem com as orientações
ideológicas”. Diante disso, depreendemos que mesmo com uma suposta liberdade,
existe um direcionamento que leva as pessoas a criarem suas categorias estéticas.

Fotografia em sites de redes sociais: análise de imagens de uma manifestação popular 137
Trazendo essa discussão para a proposta desse estudo, cabe colocar que o
jornalismo criou uma forma de passar a informação esteticamente moldada para que
os consumidores de notícias possam absorver de forma mais eficaz o que é publicado.
Sobre o fotojornalismo, vejamos o que diz Barthes (1980, p. 130 apud SANTAELLA;
NÖTH, 2001, p. 112): “[...] uma foto de imprensa é trabalhada, escolhida, produzida,
construída e editada de acordo com normas profissionais, estéticas e ideológicas, que
contém fatores conotativos”.
Persichetti (2006) defende, em uma visão bem radical, que o fotojornalismo
morreu. Para a autora, desde a década de 90, o fotojornalismo vive o culto da arrumação
técnica, da pouca preocupação em informar, da foto ilustrativa e da “dramaticidade
construída por uma estética vazia” (PERSICHETTI, 2006, p. 184).

Estamos frente sim a uma revolução visual, a uma nova modalidade


de produzir e consumir imagens, mas a morte do fotojornalismo não
pode ser creditada à tecnologia e sim à falta de interesse de editores e
fotógrafos em sair do convencional, do fotografável, do “óbvio eficiente”
[...] (PERSICHETTI, 2006, p. 182 grifo da autora).

Dentro desse contexto, o suposto declínio do fotojornalismo e, principalmente,


o avanço tecnológico, potencializam as possibilidades de que conteúdos fotográficos
não-jornalísticos ou produzidos por não-jornalistas possam circular com mais
facilidade, atingindo um número maior de pessoas. Inclusive, com os jornais impressos
e online se apropriando de fotos amadoras, como forma de se aproximar mais da sua
audiência (PERSICHETTI, 2006).
Segundo Ramonet (2012, p. 25) “a criação profissional coexiste com a amadora”:

Vemos surgir um novo tipo de indivíduo: o pro-am (profissional-


amador). Ele desenvolve suas atividades amadoras, segundo padrões
profissionais. Ele deseja, no âmbito de lazeres ativos, solidários ou
coletivos, reconquistar completamente partes da atividade social como
as artes, a ciência e a política, que tradicionalmente são dominadas pelos
profissionais (FLICHY apud RAMONET, 2012, p. 25-26, grifo do autor).

Há quase 30 anos, Flusser (1985) citado por Santaella e Nöth, (2006, p. 124) já
discorria sobre as facilidades do ato fotográfico:

Fotógrafo amador apenas obedece a modos de usar, cada vez mais


simples, inscritos ao lado externo do aparelho. Democracia é isto.
De maneira que quem fotografa como amador não pode decifrar
fotografias (grifo do autor).

138 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


É bem verdade que o fotógrafo amador pode ser incapaz de decifrar uma
fotografia, mas ao tirar uma foto, a exemplo de um profissional, ele quer passar uma
mensagem. Assim defende Juchem (2009, p. 328), que considera a “fotografia como
meio de comunicação emitido por um remetente a um destinatário”.
Nesse contexto, consideramos que mesmo as fotografias amadoras têm um
significado. Juchem (2009, p. 327) propõe um método de análise (o qual vai ser
utilizado neste artigo, como já foi colocado) que procura aliar a forma e o conteúdo
da fotografia, os quais unidos propiciariam o entendimento da mensagem repassada
pelo fotógrafo.

[...] busca-se considerar a fotografia como passível de três níveis de


linguagem, quais sejam morfologia, sintaxe e semântica. Neste sentido,
enquanto os níveis morfológico e sintático aproximam-se mais das
questões da forma, o nível semântico aparece mais relacionado ao
conteúdo da mensagem em si.

Aprofundando a proposta de análise, Juchem (2009, p. 332) explica:

Em primeiro lugar será considerada a morfologia da imagem como


aspectos relativos à forma da fotografia, ou seja, sua aparência
externa, priorizando suas questões concretas e físicas. Num segundo
momento a sintaxe deve ser analisada a partir da organização visual
dos elementos, bem como coordenadas de tempo e espaço que, em
algumas imagens específicas, serão fundamentais. Estes dois aspectos
inicias irão culminar na semântica fotográfica, ou seja, no significado
da imagem, no conteúdo da mensagem fotográfica.

Para realizar esse estudo das imagens, realizaremos, basicamente, um trabalho


interpretativo. Partindo justamente da discussão do que é interpretação, adentramos
no campo da semiótica.
Referindo-se às imagens, Santaella e Nöth (2001, p.141), afirmam que “a
semiótica tem, como a ciência geral dos signos, a tarefa de desenvolver instrumentos
de análise desses produtos prototípicos do comportamento sígnico humano”. Na
mesma direção, Prado Coelho (1987) citado por Fidalgo (1998, p.17), explica que,
segundo o pensamento de Charles Sanders Peirce, a compreensão de um signo “exige
a intervenção de uma personagem: o intérprete”.
Definindo interpretação, Joly (2002, p. 13), apoiando-se em estudos de Rastier
(2001), explica que

Fotografia em sites de redes sociais: análise de imagens de uma manifestação popular 139
[...] a interpretação é uma operação mental que consiste em conferir
um sentido a um passo ou a um texto, seja ele qual for. [...] a
interpretação de mensagens, e das mensagens visuais ou audiovisuais
em particular, é também decifrar, explicar, a fim de compreender e/ou
fazer compreender (grifo do autor).

Porém, a interpretação não é algo objetivo, Joly (2002, p. 12) defende que
“nenhuma mensagem seja ela qual for, se pode arrogar uma interpretação unívoca”.
Abordando algumas formas de interpretar um signo, Hébert (2001 apud JOLY,
2002, p. 14) exemplifica duas formas de interpretação:

A interpretação intrínseca (...) e a interpretação extrínseca (...). A


primeira salienta os elementos presentes no texto ou na mensagem: a
segunda, que pressupõe evidentemente a primeira, produz significados
não presentes no texto ou na mensagem.

Essas duas formas de interpretação convergem com a proposta de interpretação


da imagem evidenciada por Juchem (2009), a qual considera também elementos
externos ao texto visual. Inclusive, o contexto institucional, as condições de produção
e de difusão das imagens devem ser levadas em consideração para se interpretar uma
imagem (Joly, 2002).
Outro fator a ser levado em consideração ao interpretar um signo visual é
uma possível dependência linguística para o entendimento da imagem. Barthes (1964
apud SANTAELLA; NÖTH, 2001, p. 42) explica os seguintes argumentos a favor do
entendimento da imagem através da mediação da linguagem, tendo como referência
as fotos de imprensa e propaganda:

Imagens [...] podem significar [...] mas isso nunca acontece de forma
autônoma. Cada sistema semiológico tem sua própria estrutura
lingüística. Onde existe uma substância visual, por exemplo, seu
significado é confirmado pelo fato de que ele é duplicado por uma
mensagem visual de tal forma que, no mínimo, uma parte da mensagem
icônica seja redundante ou aproveitada de um sistema lingüístico.

Na mesma linha de pensamento, Veras (2009 apud JUCHEM, 2009) entende


que mesmo em uma sociedade imagética como a nossa, as pessoas não estão preparadas
para fazer leituras de imagens e para isso é necessário um apoio linguístico.

140 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


[...] dificilmente um conjunto de fotografias consegue embasar-se
unicamente em imagens quando busca o desenvolvimento de uma
narrativa. Mesmo no jornal impresso, onde texto e imagem não raro
somam-se para uma comunicação mais clara e eficiente, e muito
embora a linguagem jornalística, tanto visual quanto textual, tenha suas
peculiaridades, é fácil percebermos que uma imagem não se sustenta
sozinha, exigindo ao menos uma legenda explicativa (JUCHEM, 2009,
p. 330).

Ora, nosso objeto de estudo está fora da prática jornalística, mas o apoio
linguístico às imagens nos sites de redes sociais é notável, basta percebermos
as descrições e os comentários, os quais tornam-se elementos facilitadores da
compreensão do material sígnico apresentado.
Necessário também, como forma de análise, utilizarmos o sistema categorial
triádico de Peirce, essencial para a compreensão da sua semiótica. Fernandes
(2011) apoiou-se nesta categorização para interpretar uma fotografia de guerra, que
mostrava toda a miséria de uma região da África. Santaella e Nöth (2001, p.143),
assim sintetizaram essa ordenação Peirciana:

A categoria primeiridade é, segundo Pierce, “a forma de ser daquilo que


é como é, positivamente e sem nenhuma referência a qualquer outra
coisa” (CP 8.328). Ela é a categoria da presença imediata, do sentimento
irrefletido, da mera possibilidade, da liberdade, da imediaticidade, da
qualidade não diferenciada e da independência (cf. CP 1.302-303,
1.328, 1.531). A categoria da secundidade baseia-se na relação de um
primeiro a um segundo (CP 1.356-359). Ela é a categoria do confronto,
da experiência no tempo e no espaço, do factual, da realidade, da
surpresa: “Somos confrontados com ela em fatos tais como o outro, a
relação, a coerção, o efeito, a dependência, a independência, a negação,
o acontecimento, a realidade, o resultado”. A categoria da terceiridade
põe um segundo em relação a um terceiro (CP 1.337). Ela é a categoria
da mediação, do hábito, da lembrança, da continuidade, da síntese, da
comunicação e da semiose, da representação ou dos signos. (grifo do
autor)

Colocadas essas propostas teórico-metodológicas de interpretação passamos


agora a analisar o material visual e audiovisual colhido nos sites de redes sociais.

Fotografia em sites de redes sociais: análise de imagens de uma manifestação popular 141
Análise: linguagem fotográfica e relações semióticas

Adotaremos a perspectiva da linguagem fotográfica proposta por Juchem


(2009) para analisarmos a primeira imagem (ver figura 1).

Figura 1: Foto da multidão na manifestação no Centro de Campina Grande,


postada no facebook

Fonte: http://goo.gl/PVImUr

Nesta fotografia, postada no facebook do dia 20 de junho, a morfologia pode ser


abordada a partir dos elementos externos à foto. O equipamento técnico digital usado
para colher o material, provavelmente um aparelho de telefone celular, a colocação
do fotógrafo (em um ponto superior aos manifestantes que estão na rua), o ambiente
virtual – site de rede social – utilizado como elemento para fixação do material, o
comentário abaixo da foto, a própria data da foto, tirada à noite, são elementos que
ajudam a interpretar o contexto de produção e difusão do material.
Com relação à sintaxe (elementos internos da foto) encontramos a multidão
amontoada, os cartazes levantados, a foto escura, a falta de luz, o enquadramento da
foto, que privilegia a sensação de muita gente na mobilização.
Nessa relação de forma e conteúdo, chegamos à mensagem que possivelmente
o fotógrafo quis passar ao capturar e divulgar essa imagem: a semântica. Numa
percepção mais óbvia, até mesmo pelo comentário da foto, notamos que a intenção
foi enfatizar que a manifestação foi um sucesso, uma multidão compareceu. Porém,
em uma interpretação mais livre, podemos inferir que o fotógrafo quis mostrar que o
povo de Campina Grande está mais consciente e quis reivindicar seus direitos. Além

142 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


disso, o fotógrafo quis registrar sua participação no evento, postando uma foto em um
site de rede social.
Feita essa primeira análise, passemos agora a interpretar outra postagem
segundo as categorias de primeiridade, secundidade e terceiridade de Peirce.
Antes de adentramos a análise em si, interessante salientar essa convergência
nos sites de redes sociais que potencializam as relações nesses ambientes. Na figura
2, observamos uma postagem no twitter, onde @gutengergueluna cita @dannybb. No
link, somos encaminhados a outro site de rede social: o instagram. Nessa ambiência
temos a foto (figura 3) a ser decifrada de acordo com o modelo de Peirce.

Figura 2: Postagem no twitter

Fonte: https://twitter.com/gutenbergueluna

Figura 3: Montagem de fotos postada no Instagram

Fonte: http://instagram.com/p/azKiWvgUxu/

Fotografia em sites de redes sociais: análise de imagens de uma manifestação popular 143
Na primeiridade, reparamos as cores, os tons, as palavras do comentário, o
local onde a foto está inserida. São as qualidades que saltam a nossa primeira vista
presentes no material.
Em seguida, começamos a identificar os elementos. Uma postagem no
instagran, no dia 20 de junho. Uma imagem, apesar de amadora, com um tratamento
que a deixa com uma qualidade comparável a fotos profissionais. Logo, se entende
que o material representa uma montagem de várias fotos. Cada uma com uma
característica diferente, mas conectadas pelo fato de fazerem parte de um mesmo
evento. Observamos a multidão em uma das fotos, os cartazes, o texto desses
cartazes, o texto do comentário da responsável pela postagem parabenizando quem
compareceu à manifestação. As hashtags, novos tipos de links (MALINI; ANTOUN,
2013), #ogiganteacordou e #vemprarua situando o observante no acontecimento
referenciado. Essa é a secundidade.
Por fim, chegamos à terceiridade. É o “valor simbólico” (FERNANDES,
2011) do material. Os significados, as relações depreendidas. Na imagem, notamos a
multidão presente, a diversidade de registros através dos cartazes: a falta de água no
açude que abastece a cidade, a comemoração pelo fato de as pessoas terem coragem
de ir às ruas e sair do ambiente virtual, a relação com o movimento ciberativista
anonimous. Podemos fazer também relações mais subjetivas e amplificadas, como o
momento intenso de manifestações que o Brasil viveu em junho de 2013, o orgulho
de ter vivido esse momento, cristalizado no comentário, os diversos problemas que
precisam ser corrigidos no país e na cidade.
Portanto, mostramos que as fotografias passaram uma mensagem, tiveram
significados. Chegou-se a uma conclusão, embora esta não seja taxativa. Pelo contrário,
as possibilidades interpretativas são bastante abertas.

Considerações finais

No dia 20 de junho de 2013, os sites de redes sociais foram verdadeiras


extensões das ruas no que diz respeito ao acontecimento da manifestação que reuniu
uma multidão em Campina Grande. Quem possuía um computador ou um aparelho
celular com acesso à internet e aos sites de redes sociais pôde acompanhar os fatos
relacionados à manifestação em tempo real, através das fotos, dos vídeos e dos
comentários postados por quem estava dentro e quem estava fora da mobilização.

144 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Porém, percebe-se uma fragmentação do conteúdo postado. A contextualização
nos ambientes de sites de redes sociais teve que ser feita pelo observante. O conteúdo
não foi organizado de forma que ele por si só seja entendível à primeira vista, como
acontece, por exemplo, com o que é divulgado pelos meios jornalísticos. Porém, a
circulação, cada vez maior, de “informação em estado bruto” (RAMONET, 2012,
p.17) é uma característica da atualidade.
A movimentação dos sites de redes sociais durante a manifestação do dia 20 de
junho mostrou que, pelo menos para os frequentadores destes ambientes, as categorias
estéticas estão mais maleáveis. Ou seja, as pessoas aceitam o menos arrumado, o
menos preparado, o menos contextualizado, em contraponto ao que encontram em
meios jornalísticos e publicitários, por exemplo. A definição do que é bonito ou feio,
poético ou dramático, nobre ou caricatural - mais uma vez remetendo às categorias
de Souriau (1973 apud FERNANDES, 2011) – é cada vez mais movediça nos sites de
redes sociais. Embora a tecnologia facilite a ação do amador, deixando o conteúdo
com cara de profissional, o que se encontra é um desejo de compartilhar conteúdos, de
emitir mensagens, sejam elas quais forem. A preocupação final não é com a qualidade,
ou mesmo com a veracidade, mas sim com a possibilidade de divulgar e ter acesso a
determinado conteúdo e daí tirar considerações a respeito.

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23 de outubro de 2013.

146 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Cultura da mídia, corpo e
recepção telejornalística
Midiatização, convergência e circulação: apontamentos
para os estudos de recepção em telejornalismo
Virgínia Sá Barreto1

Resumo
O presente trabalho tem como objetivo analisar questões relativas
à recepção de produtos culturais televisuais, especialmente,
telejornalísticos face aos processos de midiatização da sociedade
provocados pela convergência tecnológica e cultural entre
TV e web. O texto é constituído por dois momentos precisos.
No primeiro realiza-se uma reflexão teórica a respeito das
transformações ocorridas no modelo de comunicação televisual,
nos regimes do “ver”, nos mecanismos de interlocução
discursiva e nos processos de recepção/interação. No segundo
operacionaliza-se o conceito de “zona de contato”, tomando
como objeto de observação alguns resultados obtidos no espaço
de circulação da pesquisa “Processos de Produção, Circulação e
Consumo em Telejornalismo”. Por último, chama-se a atenção
para a complexidade dos estudos de recepção na atualidade,
frente às diversas modalidades de receber/apreender/produzir
e circular conteúdos televisuais em contextos de múltiplas
ambiências do “eu” produtor com o “outro” receptor.

1 Professora da graduação do Departamento de Comunicação e do Mestrado Profissional


em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba. Doutora em Ciências da Comunicação,
concentração em processos midiáticos, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).
Pesquisadora do TECJOR–Laboratório de Tecnologias e Linguagens Jornalísticas PPJ/UFPB/
CNPq; Processos comunicacionais: epistemologia, midiatização, mediações e recepção/
PROCESSOCOM/CNPq/UNISINOS e da Rede AMLAT - Comunicação, Cidadania, Educação e
Integração na América Latina PROSUL/CNPq/UNISINOS.

148 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Introdução

Originalmente a televisão foi planejada dentro de um modelo econômico


industrial de entretenimento que favoreceu o processo de verticalização da relação
entre “produtores ativos” e “receptores passivos”, por não haver na ocasião recursos
técnicos para um modelo de TV formatado dentro da perspectiva de um retorno
imediato do processo comunicativo entre o campo da produção e da recepção. Esse
modelo top-down beneficiou os agentes da indústria de entretenimento televisivo,
os produtores dos programas nos modos de organizar os conteúdos e os seus
financiadores, pela via da apropriação dos espaços televisivos às suas publicidades.
(SILVA, 2009). A predominância do caráter massivo dos conteúdos de televisão é, em
parte, resultante dessa estrutura tecnológica do meio que favorece o “monopólio da
fala” desses agentes, como diria Sodré (1977).
Com efeito, trata-se de um modelo técnico que forja uma comunicação
“entre ausentes”. Parafraseando Thompson (1998), o receptor vê apenas o espectro da
imagem do sujeito que fala na TV e, por sua vez, este não recebe as respostas daquele
de imediato. Para preencher essa “incompletude entre ausentes”, os produtores
propõem uma interlocução discursiva através de um contrato de comunicação. Por
meio desse instrumento simbólico, fundamentalmente, o produtor pode romper
essa incomunicabilidade, a ausência entre sujeitos de fato pela presença de sujeitos
discursivos. Noutras palavras, os produtores podem propor um lugar para serem
vistos e um lugar para o receptor se ver na tela da TV.
Nesse modelo, de imediato, à recepção cabia no máximo interpretar de forma
ativa os discursos e as proposições simbólicas dos produtores. Os papeis dos sujeitos
de fato da produção e da recepção eram distantes. A aproximação era apenas de
ordem discursiva, simbólica, com possível “identificação imaginária”, para usar uma
expressão lacaniana.

Contrato de comunicação ou proposta de pactos simbólicos

Há que se entender a natureza dialógica do discurso. Assim, pode-se dizer que o


dialógico é a característica essencial da linguagem e o princípio constitutivo do discurso,
ou seja, da própria condição do sentido do discurso, no qual o “índice substancial
(constitutivo) do enunciado é o fato de dirigir-se a alguém, de estar voltado para o
destinatário.” (BAKHTIN, 2000, p.320). Por conseguinte, o “eu” não se encontra isolado

Midiatização, convergência e circulação 149


nos atos enunciativos, mas em relação constante com o “outro”, por meios de jogos e outros
recursos enunciativos; dialogismo sendo entendido “como o espaço interacional entre o
eu e o tu, entre o eu e o outro, no texto.” (BARROS, 1994, p.3).
Existe um sujeito sociológico, o “receptor real” dos programas televisivos, e o
“sujeito discursivo” que é uma criação enunciativa do proponente da comunicação,
o outro para quem ele imagina falar ou “receptor construído”. Esses sujeitos não
são dissociados, tem vínculos; :um “real”, o telespectador, outro “fictício”, elaborado
discursivamente com base em um modelo imaginado de realidade do primeiro.
Apesar de pertencerem a dimensões distintas, essas dimensões dialogam e deixam
marcas nos textos midiáticos.
A base da nossa compreensão das relações entre “sujeitos reais” e “sujeitos
discursivos” na comunicação televisiva encontra respaldo no entendimento da
linguagem como prática social (BAKTHIN, 1979), pois, “todo o discurso constrói
em si mesmo a situação comunicativa que o constitui ao plasmar no seu interior
as condições de produção e as de sua apreensão” (OLIVEIRA, 2008, p.27), apesar
da separação dos contextos de produção e de recepção, dos “sujeitos reais” e as
consequentes assimetrias estruturais dessa relação.
Nesse sentido, os significados dos telejornais podem ser percebidos como
resultado das injunções de uma abordagem que privilegia o contexto sociocultural
desses programas sem negligenciar as suas formas simbólicas com Geertz (1989),
quando este propõe uma interpretação semiótica dos textos culturais de modo a
entender as conexões de sentidos de suas “teias”.

Recepção, circulação e interação telejornalística

A partir dos anos 80, com o advento das novas tecnologias que se estendem
como próteses tecnológicas à TV, a exemplo do controle remoto, vídeo cassete,
câmara de vídeo, videogame, DVD, sistema de televisão a cabo com uma oferta maior
de conteúdos televisivos, a cultura de massa televisiva ganha dimensão de “cultura
midiática” (MATA, 1999). Em verdade, a partir dessa década, há formação de uma
“cultura das mídias”, resultante da convergência entre linguagens e meios, numa
estrutura multiplicadora de mídias, fotocopiadoras, aparelhos para gravação de vídeos,
equipamentos como walkman, indústrias de videoclips e videogames, indústria de
filmes em vídeos alugados em locadoras, TV a cabo etc, propiciando um consumo
mais individualizado em contraposição a um consumo massivo.( SANTAELLA, 2003)

150 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Além disto, o mito da passividade dos telespectadores se esvai com os resultados
dos estudos de recepção dos anos 80, dentro da perspectiva das “mediações culturais”
de Martín-Barbero (1991) e de outros estudiosos latino-americanos, inspirados nos
estudos dos ingleses dos anos 50 e 60 em torno do Center for Contemporary Studies de
Birmingham. Investigações essas com forte tendência em analisar as problemáticas de
comunicação de forma a articulá-las às “estruturas sociais e contexto histórico enquanto
fatores essenciais para se compreender as ações dos mass media.” (WOLF, 1994, p.96).
A compreensão das transformações ocorridas com os processos de globalização
e interconexão universal dos circuitos via satélite e seus consequentes rebatimentos
na América Latina, para Martín-Barbero (1991) redimensiona os modos de ver o
paradigma de comunicação de transmissão dos efeitos. Por conseguinte, tais mudanças
passaram a exigir desses teóricos latinos uma reelaboração dos estudos de recepção de
tal forma a desconstruir a problemática do “sujeito passivo” dominante nas análises
funcionalistas e frankfurtianas. Muitos estudos realizados dentro daquela perspectiva
desmistificam o mito da passividade do receptor televisivo.
Na contemporaneidade, as pesquisas de recepção na perspectiva das interações
sociais2, assim como já era preconizado pela perspectiva das mediações culturais, se
opõem aos estudos funcionalistas da comunicação que entendem que “comunicar é
fazer chegar uma informação, um significado já pronto, já construído de um pólo
a outro” (MARTÍN-BARBERO, 1995, p.40). Em contraposição a essa concepção, a
perspectiva interacional valoriza o “entre”, a “reciprocidade” e a “interdependência”
das partes constitutivas do processo da comunicação.
A discussão a respeito dos processos interacionais entre produtores e
telespectadores ganha força com a redefinição do modelo televisivo de analógico
para digital3 e do modelo de comunicação de convergência entre TV e internet, em
razão da necessidade daquela em se aproximar das linguagens do ciberespaço, de suas
potencialidades interativas e interacionais e da sua forte presença na sociedade.

2 PRIMO, Alex. Perspectivas interacionistas de comunicação: alguns antecedentes. In:PRIMO, Alex et


al (orgs.). Comunicação e interações. Livro da COMPÓS 2008. Porto Alegre: Sulina, 2008, p.13. Sobre
os antecedentes dos estudos de interação ler também: FRANÇA, Vera V. Interações comunicativas: a
matriz conceitual de G.H. MEAD. In: PRIMO, Alex et al. (Orgs.). Comunicação e interações. Livro
da COMPÓS 2008. Porto Alegre: Sulina, 2008, p. 71-91.
3 “No Brasil, o sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD) foi criado oficialmente em 26 de
novembro de 2003, através do decreto presidencial nº 4.901, com os parâmetros de implantação
publicados em 20 de junho de 2006 através do decreto nº 5.820. [...] O novo aparelho de TV digital
está mais próximo de um computador (com chips, linguagem binária, software, middleware, hardware,
algoritmos de programação, etc.) do que de um aparelho convencional de TV ( com circuitos eletrônicos
analógicos, transistors convencionais, tubo e receptor de ondas eletromagnéticas de linguagem não
binária).” In: SILVA, Sivaldo Pereira. TV digital, democracia e interatividade. (2009), p. 13-29.

Midiatização, convergência e circulação 151


Quanto à mudança de analógico para o digital, o velho modelo de serviços
televisivos é alterado em vários países4 de acordo com as especificidades dos seus
contextos socioeconômicos, políticos e culturais. Com efeito, proporcionam aos
receptores alguns ganhos, a exemplo da qualidade das imagens, multiplicação do
número de canais, diversificação dos conteúdos e possibilidades interativas.
No tocante aos processos de midiatização da sociedade, especialmente aqueles
provocados pela convergência das tecnologias de comunicação, podemos dizer que
eles afetam e reconfiguram os regimes do “ver” dos telespectadores e de “serem vistos”
dos produtores de telejornais. Se, anteriormente, os espaços de circulação entre o
campo da produção e da recepção eram “invisíveis”, como nos dizia Verón (1996) em
seu texto “La Semiosis Social”, hoje, “descortinam-se”, “revelam-se” nos processos de
convergência digital.
Falamos da circulação em sua perspectiva relacional, de interação entre produtores
e receptores possibilitada pela convergência da TV com outros meios tecnológicos e
não da circulação em sua perspectiva econômica, a dos processos de disponibilização
da produção e do acesso ao consumo. A circulação é entendida por nós como um novo
lugar para os estudos dos processos comunicativos midiáticos que deve ser percebida
em suas interligações, “interpenetrações”, como sugere Luhmann (2005), e em suas
particularidades. Afinal, trata-se de outro lugar comunicativo, quando a conversação
televisual se conforma entre “sujeitos presentes”, com poder de respostas imediatas. Esse
lugar deve ser pensado de acordo com a natureza do meio utilizado como suporte, no
sentido de que as tecnologias não são instrumentais, elas produzem sentidos que afetam e
reconfiguram os processos de produção e de recepção.
A circulação se materializa “entre” a produção e a recepção, em seu caráter
produtivo, em sites institucionais das emissoras de TV, blogs e redes sociais. Nesse
ponto, propomos com outros autores a exemplo de Cogo (2010) a perspectiva das
interações para os estudos de recepção, entendendo a circulação como o espaço atual
privilegiado para os pesquisadores realizarem os seus estudos de recepção.
Fundamentalmente, os produtores enviam informações aos receptores
do que vai acontecer nos telejornais, guardando as devidas proporções, como fala

4 “O período de simulcast está sendo adotado na maioria dos países com o intuito de marcar a
passagem para o sistema digital de TV e rádio. Trata-se do espaço de tempo onde o sinal analógico de
televisão conviverá com o sinal digital simultaneamente, até ser definitivamente extinto. No Brasil,
o período de simulcast já está em curso, devendo durar 10 anos, com data prevista para acabar em
julho de 2016 (podendo ter prorrogação). Após tal período de transição, haverá apenas o sinal digital
disponível e os aparelhos analógicos só funcionarão mediante um codificador digital ( o que vem sendo
chamado de set-top Box).” Ibidem, p. 27.

152 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Jost (2004) sobre gêneros, como uma “promessa”, como estímulos a participação, a
trocas, a interações nesses suportes e no próprio programa. Em outras palavras, busca
aproximar-se desse “receptor ausente” de que falávamos anteriormente e capturar o
sujeito errático que navega em diversos suportes das tecnologias digitais.
Trata-se de uma “circulação de captura”. A televisão, como não pode concorrer
com essas diversas tecnologias, tenta encontrar um ponto de interseção ou de alcance
entre ela e esses suportes que favoreça a aproximação. Nesse ponto, ela busca incorporar
a linguagem da web, falando como eles falam, de modo a passar por eles, estimulando
aos internautas a “navegarem na tela da TV”. Na busca de vínculos, de fidelização, a
TV disponibiliza em seus produtos culturais, mecanismos de participação nos quais
o internauta não precise abandonar os seus suportes tecnológicos. Dessa forma,
pode-se dizer que esse espaço circulatório é utilizado para que os internautas sejam
telespectadores o máximo de tempo possível. Nesse sentido, não podemos deixar de
considerar que esses processos afetam os modos de produção.
Os dispositivos digitais, que permitem aos internautas conversarem em
“tempo real” com a TV, materializam as interações entre receptores e produtores. Esse
lugar dá visibilidade às conversações entre internautas, telespectadores e possíveis
telespectadores. Trata-se, recorrentemente, de interações difusas, no mais das vezes
não passam de “burburinhos”, entretanto, são bem vindas aos produtores porque
servem para reverberar os seus discursos no espaço na web, em que pesem poderem
contrariar aos seus interesses. Como se sabe, isso é facilmente resolvido com o
apagamento ou o manuseio da opção “excluir” existente nessas plataformas.
Percebe-se em meio às interações difusas, erráticas entre os receptores e os
produtores, a bem da verdade em menor escala no espaço da circulação, respostas
críticas dos internautas ou “sistemas de respostas” a respeito dos diversos problemas
da sociedade. (BRAGA, 2006). Pode-se dizer que a circulação viabilizada pela
convergência transmidiática cria condições favoráveis para o exercício de uma
“cidadania comunicativa” (MATA, 2009), rompendo com o “silêncio” da comunicação
televisiva.
Além disto, se anteriormente o produtor apenas idealizava o telespectador com
base em resultados de pesquisas ou vivências pessoais, em certa medida, essa idealização
ganha um espectro concreto na medida em que um contingente de telespectadores
manifesta seus desejos no ciberespaço. Assim, a convergência digital permitiu a TV falar,
sair de si, estender-se para usar uma expressão de Mcluhan e receber mais diretamente
informações dos seus telespectadores e da sociedade como todo. Nesse processo, há uma
hibridização de mídias e de suas linguagens, na medida em que umas afetam as outras.

Midiatização, convergência e circulação 153


Ressalvemos que esses processos circulatórios ganham forma nas ambiências da
sociedade midiatizada. Digamos que, atualmente, haja uma “cultura da convergência”
como nos fala Jenkins (2008). O autor enfatiza a natureza cultural do seu conceito,
procurando refletir a respeito das transformações tecnológicas, mercadológicas,
culturais e sociais ocorridas na sociedade contemporânea.
O receptor televisivo em tempos de múltiplos suportes e mercados digitais
torna-se errático, migra constantemente de um suporte a outro para obter informação
e entretenimento, tornando-se, em muitos casos, produtor de conteúdos de diversas
modalidades discursivas. Os conteúdos da TV perpassam esses suportes, construindo
uma massa de informação que dificulta estabelecer papeis rígidos de produtores ou
de receptores. Fato que exige que se repense as práticas jornalísticas na “sociedade
em vias de midiatização”, requerendo estudos que considerem a dimensão de feixe de
interações, de semioses, de interpenetrações e de redes de significação dessa sociedade.

Circulação, “zonas de contato” e telejornalismo

Considerando às dinâmicas da circulação entre produtores e receptores


de telejornais, tomamos emprestado de Fausto Neto (2013) seu conceito de “zona
de contato” aqui entendido como uma zona de acesso e mobilidade da recepção
telejornalística “guiada” pelas estratégias discursivas de regulação dos contratos de
comunicação propostos pelos produtores nos textos jornalísticos. Para tanto, como
exercício, utilizamos alguns resultados obtidos na pesquisa “Processos de Produção,
circulação e consumo em telejornalismo: estratégias de comunicabilidade – gêneros,
corporalidades e pactos simbólicos”5 no tocante à página do telejornal SBT Brasil na
rede social facebook.
Nessa investigação, na tentativa de observar as inter-relações entre produtores
e receptores, foram feitos registros das postagens feitas na página desse telejornal antes,
durante e após a exibição da edição do telejornal SBT Brasil através de printscreens
e anotações no período de uma semana, com vistas a capturar os mecanismos de
agendamento propostos e as conversações geradas com os telespectadores/internautas.
Com base nessas informações, foram elaboradas tabelas e gráficos de modo a visualizar

5 A pesquisa se desenvolveu no período de 13 a 18 de maio de 2013 no âmbito do Programa


Institucional de Iniciação Cientifica PIBIC/UFPB/CNPq, vigência 2012 a 2013, com a participação
dos discentes de Jornalismo Luis de Sousa, Melissa Fontenele e Elthon Cunha. Nela, foram feitas
observações e análises do telejornal SBT Brasil em suas páginas do facebook e do twitter, procurando
entender processos de produção, circulação e consumo de forma interligada.

154 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


os processos de hierarquização das temáticas e notícias e a construção dessas “zonas
de contato” do telejornal na web. Nessa zona de interlocução, percebeu-se que os
produtores priorizavam as notícias da editoria de cidades e policial, as mesmas que o
programa enfatiza.
No tocante aos processos de interação dos internautas, esses gráficos revelaram
claramente que a opção “curtir” supera de forma expressiva a de “compartilhamentos”
e “comentários”. Pudemos constatar que a instância de produção não conseguiu
estabelecer um nível significativo de interação. Esse descompasso interacional em sua
página do facebook pode ser justificado pelo pouco tempo de existência da página no
período da pesquisa ou pelo fato dos telespectadores/internautas não terem interesse
em interagir com o telejornal nesse espaço da web. Enfim, talvez sejam, em outras
palavras, tipicamente telespectadores tradicionais da TV, que querem continuar a ver
o telejornal apenas na TV, dentro da lógica do modelo original da TV, de “sujeitos
produtores ativos” e “sujeitos telespectadores passivos”.
Além dessas alternativas de explicação, podemos ainda inferir que essa “zona
de contato” é regulada pela produção, logo, os comentários podem ser apagados,
ocultados. Essa inferência ganha reforço quando observamos que no Youtube, espaço
da web no qual o telejornal não tem uma conta, onde se observa o maior número
de comentários favoráveis e desfavoráveis ao telejornal. Será que esses internautas
não querem se utilizar de um espaço definido pelo telejornal para conversação? No
Youtube, especialmente, se pode constatar que a maioria dos comentários elogiosos
ou jocosos são destinados à âncora do telejornal SBT Brasil, Rachel Sheherazade.
A jornalista personifica o telejornal, com os seus comentários enfáticos
elaborados com a empáfia do poder que lhe é concedido como “mediadora”, em
que pese estarmos em tempos nos quais, como sabemos, fragiliza-se esse poder no
jornalismo. ( FAUSTO NETO, 2013). Ela exerce essa mediação com base na doxa
moralista, com recursos de teatralização corporal, nos moldes goffmanianos, de
quem fala com o direito de representar um segmento social do qual ela faz parte e
que obviamente, corresponde aos interesses mercadológicos da emissora. Esses
comentários são tecidos sem evocar vozes de especialistas e de pessoas ou instituições
envolvidas nos fatos relatados, portanto, contraria princípios caros do jornalismo,
a exemplo da “imparcialidade”. Contudo, são eles que geram o maior número de
comentários favoráveis e desfavoráveis e de compartilhamentos. Talvez, tal fato possa
ser compreendido pelo nosso pressuposto de que a âncora é a representação ou
personificação do telejornal, logo, quando se emite elogios ou críticas a respeito da
jornalista se estaria remetendo ao telejornal como todo.

Midiatização, convergência e circulação 155


Essa breve conexão de dados obtidos na pesquisa com o conceito de “zona de
contato” como uma zona de circulação dos processos de recepção dos telejornais nos
leva a perceber as dificuldades da empreitada dos estudos de recepção em telejornalismo
na atualidade. Hoje coexiste a tradicional recepção televisual, resultante do modo de
assistir TV “passivamente”, sem plasmar interpretações em outros meios, e a recepção
que se estende por outras plataformas digitais e, ainda, aquelas dos que não vêm TV,
apenas replicam comentários de audiências televisivas nas redes sociais. Logo, diversas
modalidades de receber/apreender/produzir e circular conteúdos televisuais, fato que
complexifica os estudos de interação/circulação/recepção em contextos de múltiplas
ambiências do “eu” produtor com o “outro” receptor.

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158 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Jornalismo e cultura da mídia:
contribuição de Douglas Kellner na abordagem
analítica dos produtos jornalísticos
Thiago Soares1

Resumo
Este artigo é uma primeira reflexão sobre uma pesquisa mais ampla
que visa traçar aproximações entre as Teorias do Jornalismo e os
Estudos Culturais. Como primeiro autor delimitado para revisão
crítica da obra, trouxemos à tona o pensamento do autor norte-
americano Douglas Kellner, responsável pela disseminação
do termo “cultura da mídia”. A tentativa aqui é traçar esboços
teóricos que tentem aproximar a lógica do jornalismo
circunscrita na chamada cultura da mídia. Verdade, interesses
sociais, ordem pública são fatores agenciadores da prática do
jornalismo que passam a ser repensados e ressignificados dentro
de novas ordens de mercado. Produtos jornalísticos são regidos
por ordenamentos mercadológicos e nos valemos da reflexão em
torno da influência da cultura da mídia no jornalismo atual.

Palavras-chave: Jornalismo. Cultura. Mídia. Estudos Culturais.

1 Professor do Programa de Pós-Praduação em Comunicação (PPGC) e do Mestrado Profissional


em Jornalismo (MPJ) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Autor do livro A Estética do
Videoclipe (2013). Email: thikos@gmail.com

Jornalismo e cultura da mídia 159


Este artigo visa discutir algumas aproximações entre o jornalismo e os
Estudos Culturais, a partir da revisão crítica da obra de um dos pensadores desta
corrente teórica, o autor norte-americano Douglas Kellner. Como aporte de um ponto
inicial, optamos por trazer à tona conceitos presentes na obra “Cultura da Mídia”,
de Douglas Kellner. Os Estudos Culturais são um campo do conhecimento marcado
pela multidisciplinaridade. Dessa forma, distintos aspectos que integram a sociedade,
como a economia, a política e as instituições sociais, se entrelaçam e servem de
base para a análise das manifestações culturais e suas influências sobre a produção
midiática. Pensar o jornalismo nesta perspectiva significa reconhecer que o campo
de produção jornalístico está intimamente ligado a dinâmicas políticas e ingerências
econômicas. Dessa forma, o fazer jornalístico não é, somente, guiado pelo que se
convencionou chamar de interesse público, mas, principalmente, pelas aproximações
entre informação, economia e políticas organizacionais.
Para entender melhor os Estudos Culturais, é preciso discutir a chamada Teoria
Crítica, cuja base foi desenvolvida na Escola de Frankfurt. A Escola de Frankfurt,
uma das principais correntes teóricas da Comunicação, lançou as bases para a análise
da comunicação em massa. O conceito de indústria cultural, introduzido pelos
pensadores dessa escola, em especial Adorno e Horkheimer, foi amplamente discutido.
A ideia de que a cultura produzida para as massas teria as mesmas características de
outros produtos fabricados em série é um dos pontos cruciais de debate da Escola
de Frankfurt. O jornalismo, sob o prisma do rótulo frankfurtiano, seria também um
produto circunscritos sob as demandas da indústria cultural.
Mas também é preciso romper com as limitações dessas análises e não
determinar negativamente, apenas, a preocupação do retorno econômico dos meios
de comunicação. Nesse sentido, com um olhar mais aprofundado, não se pode deixar
de lado que o que nos é transmitido faz parte de nossa cultura, do que construímos,
do que vivenciamos. Esse debate também é fundamental para compreender a corrente
teórica dos Estudos Culturais. Durante a década de 60, na Inglaterra, um grupo de
intelectuais passou a dar atenção à cultura veiculada pela mídia e ao modo como ela está
implicada nos processos de dominação e resistência (KELLNER, 2001). Iniciados no
Birmingham Centre for Contemporary Cultural Studies, os Estudos Culturais levam
em consideração a mutiplicidade de contextos, analisando de que modo determinados
textos e tipos de cultura afetam os textos, as linguagens e os públicos e quais reais
efeitos os produtos da mídia exercem. Mídia e sociedade interagem, a cultura - e
sua diversidade - é a base do posicionamento do indivíduo diante dos produtos da
indústria cultural. A política, a economia e os fatos sociais estão intimamente ligados

160 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


ao que é produzido e veiculado pelos meios de comunicação. A economia, o Estado, a
sociedade e a cultura se relacionam e estruturam o contexto. Como esses são itens que
estão sempre em constante mutação, o contexto também passa por variações. Essas
variações têm sua parcela de influência na mídia e, consequentemente, na cultura que
ela nos transmite.

O legado da Escola de Frankfurt

A Escola de Frankfurt inaugurou os estudos críticos de comunicação e


cultura de massa e desenvolveu um primeiro modelo de estudo cultural. Já nos anos
1930, as teorias abarcadas pela escola combinou a economia política dos meios
de comunicação, análise cultural dos textos e estudos de recepção do público dos
efeitos sociais e ideológicos da cultura e das comunicações de massa. Foi, a partir
de escritos frankfurtianos, que se cunhou a expressão “indústria cultural”, definida
por Kellner como “o processo de industrialização da cultura produzida para a massa
e os imperativos comerciais que impeliam o sistema” (KELLNER, 2001, p. 33). Os
teóricos críticos analisavam todas as produções culturais de massa no contexto da
produção industrial, em que os produtos da indústria cultural apresentavam as
mesmas características dos outros produtos fabricados em massa:

1. Transformação em mercadoria;
2. Padronização;
3. Massificação.

O principal legado da Escola de Frankfurt para os Estudos Culturais está


no fato de que foram os teóricos frankfurtianos os primeiros, a partir da análise da
indústria cultural, a analisar sistematicamente e a criticar a cultura e as comunicações
de massa no âmbito da teoria crítica da sociedade. Dessa forma, as teorias da Escola
de Frankfurt sinalizaram uma prática que seria recorrente entre os teóricos dos
Estudos Culturais: a combinação da teoria social, a análise cultural, história, filosofia
e intervenções políticas específicas. Os frankfurtianos também apontaram para uma
problemática que seria bastante utilizada pelos estudiosos culturais: a procura por
saber como determinado texto se encaixava nos sistemas de produção textual e de que
forma estes textos faziam parte de sistemas de gêneros ou de construções intertextuais.
Neste sentido, a Escola de Frankfurt avança na perspectiva de delimitações de limites

Jornalismo e cultura da mídia 161


entre texto e contexto, pois, na visão dos teóricos frankfurtianos, os textos já faziam
parte de complexos e circulações culturais e sociais. Kellner, no entanto, faz uma série
de críticas às abordagens frankfurtianas. As principais são elas:

A dicotomia da Escola de Frankfurt entre cultura superior e inferior é


problemática e deve ser substituída por um modelo que tome a cultura
como um espectro e aplique semelhantes métodos críticos a todas
as produções culturais que vão desde a ópera até à música popular,
desde a literatura modernista até às novelas. (...) É extremamente
problemático o modelo de cultura de massa monolítica da Escola de
Frankfurt em contraste com um ideal de ‘arte autêntica’, modelo este
que limita os momentos críticos, subversivos e emancipatórios a certas
produções privilegiadas da cultura superior. (...) A posição da Escola
de Frankfurt de que toda cultura de massa é ideológica e aviltada, tendo
como efeito engodar uma massa passiva de consumidores, é também
questionável. (...) Devemos ver momentos críticos e ideológicos em
todo o espectro da cultura e não limitar os momentos críticos à cultura
superior, identificando como ideológicos e manipuladores, todos os da
cultura inferior. (KELLNER, 2001, p. 45)

Dessa forma, o autor vê a possibilidade “de se detectarem momentos críticos


e subversivos nas produções da indústria cultural” (KELLNER, 2001, p. 46)– coisa
que, para os teóricos da Escola de Frankfurt, era inimaginável. Embora pareça parcial
e unilateral, a abordagem da Escola de Frankfurt fornece instrumental para criticar
as formas ideológicas e aviltadas da cultura da mídia e indica os modos como ela
reforça as ideologias que legitimam as formas de opressão. A Escola de Frankfurt
possibilitou se pensar em subáreas para os estudos da mídia, criando um elo entre as
abordagens textuais e culturais, bem como, demonstrou a inadequação de métodos
quantitativos para estabelecer relações qualitativas, produzindo, assim, métodos de
análises mais complexas das relações entre textos, públicos e contextos. A relação entre
indústrias da mídia, Estado e economias capitalistas também foram articulados pelos
frankfurtianos. O avanço na abordagem frankfurtiana, bem como, o apontamento
das relações com os Estudos Culturais, segundo Kellner, se daria:

1. Na análise mais concreta da economia política da mídia e dos


processos de produção da cultura;
2. na investigação mais empírica e histórica da construção da indústria
da mídia;
3. na percepção da interação entre a mídia e outras instituições sociais;

162 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


4. na proliferação de estudos de recepção por parte do público e dos
efeitos da mídia;
5. da incorporação de novas teorias e métodos culturais na teoria
crítica da cultura e da mídia.

Os Estudos Culturais

A Escola de Frankfurt desenvolveu seu modelo de indústria cultural entre as


décadas de 1930 e 1950 e, desde então, segundo Kellner, não trouxe mais nenhuma
abordagem significativamente nova ou inovadora para a cultura da mídia. Os Estudos
Culturais britânicos surgiram nos anos 1960 como um projeto de abordagem da
cultura a partir de perspectivas críticas e multidisciplinares. Foi instituído na Inglaterra
pelo Birmingham Centre for Contemporary Cultural Studies. Os Estudos Culturais
britânicos situam a cultura no âmbito de uma teoria da produção e reprodução
social, especificando os modos como as formas culturais servem para aumentar
a dominação social ou para possibilitar a resistência e a luta contra tal dominação.
“A sociedade é concebida como um conjunto hierárquico e antagonista de relações
sociais caracterizados pela opressão das classes, sexos, raças, etnias e estratos nacionais
subalternos” (KELLNER, 2001, p. 47). Referindo-se a Gramsci, Kellner pontua:

as sociedades mantêm a estabilidade por meio de uma combinação


de força e hegemonia, em que algumas instituições e grupos exercem
violentamente o poder para conservar intactas as fronteiras sociais
(ou seja, polícia, forças militares, grupos de vigilância, etc), enquanto
outras instituições (como religião, escola ou a mídia) servem para
induzir anuência à ordem dominante, estabelecendo a hegemonia, ou o
domínio ideológico de determinado tipo de ordem social. (KELLNER,
2001, p. 48)

Dessa forma, os Estudos Culturais britânicos foram vinculados a um projeto


político de transformação social em que a localização de formas de dominação
e resistência ajudariam o processo de luta política. O ponto-chave, para Kellner,
seria a percepção de como os Estudos Culturais focalizariam as suas “lutas” contra
a dominação e a subordinação, sem falar nas relações estruturais de desigualdade e
opressão muitas vezes encenada na sociedade.
Os Estudos Culturais, assim como a teoria crítica da Escola de Frankfurt,
desenvolvem modelos teóricos a partir do “relacionamento” entre a economia, o

Jornalismo e cultura da mídia 163


Estado, a sociedade, a cultura e a vida diária, dependendo das problemáticas da teoria
social contemporânea. Da teoria pós-moderna, os Estudos Culturais “bebem na
fonte” de subversão da distinção entre cultura inferior e superior (diferentemente da
Escola de Frankfurt) e, assim, valorizam formas culturais como o cinema, a televisão e
a música popular, deixadas de lado pelas abordagens anteriores que tendiam a utilizar
a teoria literária para analisar as formas culturais, focalizando aspectos, apenas, nas
produções da cultura superior. A importância dos Estudos Culturais britânicos está no
fato de destacar a relevância da cultura da mídia e do modo como ela está implicada
nos processos de dominação e resistência.
Alguns termos acabaram sendo repensados pelos teóricos culturais britânicos.
Como a rejeição à terminologia “cultura de massa”, uma vez que, a referência, na
opinião de Raymond Williams, “tende a ser elitista, criando uma oposição binária
entre alto e baixo, oposição essa que despreza ‘as massas’ e sua cultura” (WILLIAMS,
2000, p. 23). O termo, na visão de Kellner, seria “monolítico e homogêneo e, portanto,
neutraliza contradições culturais e dissolve práticas e grupos oposicionistas num
conceito neutro de ‘massa’”. (KELLNER, 2001, p. 50) Outra terminologia rejeitada
pelos estudiosos culturais britânicos é o de “cultura popular”, uma vez que teríamos
o uso bastante associado às manifestações culturais que emanam do povo, ligada às
imagens do regionalismo, etc. Para uma abordagem dos produtos da mídia, adota-se,
portanto, o termo “cultura da mídia”, pois ela teria “a vantagem de designar tanto a
natureza quanto a forma das produções da indústria cultural (ou seja, a cultura) e seu
modo de produção e distribuição (tecnologias e indústria das mídias). Com isso, se
chama atenção para o circuito de produção, distribuição e recepção por meio do qual
a cultura da mídia é produzida, distribuída e consumida”. (KELLNER, 2001, p. 52).
Os Estudos Culturais britânicos apresentam uma abordagem que nos permite evitar
dividir o campo da mídia/cultura/comunicações em alto e baixo, popular e elite, e
nos possibilita enxergar todas as formas de cultura da mídia e de comunicação como
dignas de exame e crítica.

Definindo o conceito de Cultura da Mídia

Cabe perceber as linhas de abordagens do trabalho acadêmico de Douglas


Kellner: a ferramenta dos Estudos Culturais como percepção de nuances identitárias
e políticas na esfera social. Como autor vinculado à corrente dos Estudos Culturais,
Kellner é, portanto, um intelectual “político”, no sentido de tentar estabelecer

164 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


conexões entre os textos –os textos midiáticos – e a abordagem política - com que
linha de pensamento político alguns textos dialogam, como certas imagens servem
de instrumento de manipulação/dominação, de que forma podemos entender que
as dinâmicas de linguagem da mídia dizem respeito a jogos-de-forças de grupos que
detêm o que podemos chamar de hegemonia. Assim, Kellner parece estar preocupado,
como a máxima das correntes dos Estudos Culturais, na radiografia de um entorno,
de como determinados textos engendram uma lógica na sociedade que perpassa pela
manutenção de certos status sociais.
Para Kellner, “há uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens, sons e
espetáculos ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer,
modelando opiniões políticas e comportamentos sociais, e fornecendo o material
com que as pessoas forjam sua identidade. O rádio, a televisão, o cinema e os outros
produtos da indústria cultural fornecem os modelos daquilo que significa ser homem
ou mulher, bem-sucedido ou fracassado, poderoso ou impotente.” (KELLNER, 2001,
p. 9)
Neste sentido, podemos nos referir a uma gama de bens de consumo culturais
que definem o que é bom ou mal, positivo ou negativo, moral ou imoral. De acordo
com o autor, as narrativas e as imagens veiculadas pela mídia fornecem símbolos,
mitos e recursos que ajudam a construir uma cultura comum para a maioria dos
indivíduos em muitas regiões do mundo. A constituição da “cultura da mídia” pode
ser apreendida a partir:

1. dos sistemas de rádio e reprodução de som (discos, fitas, CDs e seus


instrumentos de disseminação, como aparelhos de rádio, gravadores, CD players, etc);
2. de filmes e seus modos de distribuição (cinemas, videocassetes, apresentação
pela TV);
3. da imprensa (jornais, revistas, internet e televisão, na opinião do autor, a TV
é quem está no cerne da cultura da mídia).

A cultura da mídia é dotada de um caráter industrial, organiza-se com base


no modelo de produção de massa e é produzida para a massa de acordo com tipos
(gêneros), segundo fórmulas, códigos e normas convencionais. “A cultura da mídia
almeja a grande audiência, por isso, deve ser eco de assuntos e preocupações atuais,
sendo extremamente tópica e apresentando dados da vida social contemporânea.”
(KELLNER, 2001, p. 9) A cultura da mídia seria, portanto, aquela que tem no alicerce
a tecnologia, as novas formas de produção, podendo também ser entendida a partir

Jornalismo e cultura da mídia 165


da nomenclatura de tecnocultura.
O ponto de partida das reflexões de Kellner é o político. Ou seja, o autor
vislumbra a cultura da mídia como um terreno de disputa no qual grupos sociais
importantes e ideologias políticas “lutam” e que os indivíduos vivenciam essas lutas
por meio de imagens, discursos, mitos e espetáculos veiculados cotidianamente.

Os espetáculos da mídia demonstram quem tem ou não poder, quem


pode exercer força e violência, e quem não. Dramatizam e legitimam
as forças vigentes e mostram que (...) numa cultura contemporânea
dominada pela mídia, os meios de informação e entretenimento
são uma fonte profunda e muitas vezes não percebida de pedagogia
cultural: contribuem para nos ensinar como nos comportar e o que
pensar e sentir, em que acreditar, o que temer e desejar. (KELLNER,
2001, p. 10-11)

O autor se posiciona como aquele que quer instrumentalizar o leitor a estudar,


analisar, interpretar e criticar os textos da cultura da mídia e avaliar seus efeitos, bem
como examinar as interseções entre tais textos e as lutas político-sociais. Para ele,
sociedade e cultura são terrenos de disputa e as produções culturais nascem e produzem
efeito em determinados contextos. Analisar os produtos deste imbricamento diz
respeito a elucidar contornos e tendências dentro de um contexto sociopolítico mais
amplo. O foco de atenção de Kellner é a mídia norte-americana e sua cultura, uma vez
que, segundo ele, a cultura dos EUA é cada vez mais exportada para outros países do
mundo, gerando novas matrizes para se pensar o regional e o global ou sutis formas
de dominação.

Um autor contra o conservadorismo

Os escritos de Kellner foram elaborados no contexto histórico de ascensão


do conservadorismo americano e na maioria das democracias capitalistas ocidentais,
fonte de entendimento das relações entre centro-e-periferia, global-e-local, nacional-
e-regional, por exemplo. O autor faz um levantamento das razões que o levaram a
se ater a determinados produtos de consumo (filmes, revistas, jornais, séries de TV,
quadrinhos, desenhos animados) que, a princípio, poderiam ser considerados “lixo”
numa cadeia hierárquica do que seria ou não “nobre” de ser estudado. Dessa forma,
Kellner propõe revelar a complexidade de se estudar fenômenos tão enraizados na
vivência contemporânea, uma vez que eles fazem parte de uma esfera que, muitas

166 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


vezes, não diz respeito a um distanciamento acadêmico necessário.

O entretenimento oferecido pela mídia é agradabilíssimo e utiliza de


instrumentos visuais e auditivos, usando o espetáculo para seduzir
o público e levá-lo a identificar-se com certas opiniões, atitudes,
sentimentos e disposições. A cultura de consumo oferece um
deslumbrante conjunto de bens e serviços que induzem os indivíduos
a participar de um sistema de gratificação comercial. As culturas
da mídia e de consumo atuam de mãos dadas no sentido de gerar
pensamentos e comportamentos ajustados ao valores, às instituições e
às crenças e às práticas vigentes. (KELLNER, 2001, p. 12)

O autor chega a considerar a cultura da mídia

um entrave para a democracia quando reproduz discursos


reacionários, promovendo o racismo, o preconceito de sexo, idade,
classe e outras naturezas, mas também pode propiciar o avanço dos
interesses dos grupos oprimidos quando ataca coisas como as formas
de segregação racial ou sexual, ou quando, pelo menos, as enfraquece
com representações mais positivas de raça e sexo. (KELLNER, 2001,
p. 13)

Kellner defende que a melhor forma de desenvolver teorias sobre a cultura da


mídia é a partir de estudos específicos dos fenômenos concretos e contextualizados
na sociedade e na história contemporâneas. Notamos, portanto, uma necessidade,
por parte do autor, de uma materialidade na sua discussão, no estudo de caso e na
especificidade de um objeto como condição de uma discussão que abarque o contexto
de forma mais sistematizada. A partir de uma materialidade, propõe um cruzamento
de linhas teóricas que dêem conta da complexidade do processo que envolve os
produtos da cultura da mídia. Assim, para entender a produção, natureza e efeitos
desses bens, o autor lança mão de teorias sociológicas com o fim de contextualizar,
interpretar e analisar os efeitos da cultura da mídia, bem como as bases dos Estudos
Culturais.

Emerge a questão da Indústria Cultural

Antes de, propriamente, discorrer sobre as teorias e métodos empreendidos


nas suas análises, Kellner vai realizar um breve panorama do contexto histórico de
onde emanaram alguns princípios teóricos por ele defendidos. Segundo o autor, foi na

Jornalismo e cultura da mídia 167


década de 60 que tiveram início as chamadas “guerras culturais”, através de movimentos
sociais que tumultuaram e questionaram a ordem vigente. Liberais, conservadores
e radicais passaram a ser “delineados” e é no esteio destes acontecimentos que
movimentações como a Contracultura e as formas alternativas de vida passam a
interrogar os parâmetros da sociedade. Na década de 70, assistimos a uma recessão
da economia mundial abarcada pela promessa de frutos da “pós-escassez” do fim
da Segunda Guerra Mundial e uma reorganização da economia, apontando para a
abertura de mercados capitalistas como uma forma de negociação dos “escombros”
econômicos de então. Nos anos 80, os Estados Unidos viviam uma época de cortes de
programas de bem-estar social, de expansão militar e apoio a guerrilhas localizadas.
Nos países do chamado Terceiro Mundo, nota-se uma abertura política e
um diálogo entre forças locais de direita e o poder norte-americano. A Guerra Fria
põe um mundo em suspense: com um monstruoso potencial bélico, países como os
Estados Unidos e União Soviética polarizam as atenções e dividem o globo em seus
aliados. O colapso do Comunismo e a queda do Muro de Berlim deram vazão a novas
formas de organizações social, econômica e política, acarretando novos êxodos, novas
formas de migração e fazendo o mundo assistir ao que Douglas Kellner vai chamar de
uma “confusão cultural”. Guerras nacionalistas, conflitos civis e religiosos acentuam
tais aspectos da vida política no globo.
Nesta configuração, as novas tecnologias criam e alteram padrões de
vida e reestruturam as relações entre trabalho e lazer. Novas tecnologias, como o
computador doméstico, para o autor, demonstram novas possibilidades: de escolhas,
de autonomias, de diversidades, mas também de controle, manipulação e dominação.
A vigilância passa a ser uma das configurações apreendidas pelas novas tecnologias.
Para Kellner,

embora as novas formas de indústria cultural descritas por


Horkheimer e Adorno nos anos 1940 – constituídas por cinema, rádio,
revistas, histórias em quadrinho, propaganda e imprensa – tenham
começado a colonizar o lazer e a ocupar o centro do sistema da
cultura e comunicação nos Estados Unidos e em outras democracias
capitalistas, foi só com o advento da televisão, no pós-guerra, que a
mídia se transformou em força dominante na cultura, na socialização,
na política e na vida social. (KELLNER, 2001, p. 26)

A partir de então, a TV a cabo e por satélite, o videocassete e outras formas


de entretenimento doméstico, além do computador pessoal – mais recentemente –
aceleraram a disseminação e o aumento do poder da cultura veiculada pela mídia.

168 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Nos Estados Unidos e na maioria dos países capitalistas, a mídia veicula uma forma
comercial de cultura, “produzida por lucro e divulgada à maneira de mercadoria”. A
comercialização e a transformação da cultura em mercadoria trazem conseqüências
assim elencadas pelo autor:

1. A produção com vistas ao lucro significa que os executivos da indústria


cultural tentam produzir artefatos que sejam populares, que vendam ou que – como
ocorrem no rádio e na televisão – atraiam audiência das massas.
2. A necessidade de vender significa que as produções da indústria cultural
devem ser o eco da vivência social, atrair grande público e, portanto, oferecer produtos
atraentes que talvez choquem, transgridam convenções e contenham crítica social
numa medida não excessiva.
3. Mesmo integrando interesses de conglomerados de meios de comunicação,
há produtos que sintetizam e integram os conflitos sociais de grupos concorrentes e
veiculam posições conflitantes, promovendo às vezes, forças de resistência e progresso.
É por isso que Kellner ressalta que a cultura da mídia não pode ser simplesmente
rejeitada como um instrumento banal de ideologia dominante, mas deve ser
interpretada e contextualizada de modos diferentes dentro das matrizes dos discursos
e das forças sociais concorrentes que a constituem. No entanto, o autor pondera:

a cultura da mídia é a cultura dominante hoje em dia, substituiu as


formas de cultura elevada como foco da atenção e de impacto para
grande número de pessoas (...) suas imagens e celebridades substituem
a família, a escola e a Igreja como árbitros do gosto, valor e pensamento,
produzindo novos modelos de identificação e imagens vibrantes de
estilo, moda e comportamento. (KELLNER, 2001, p. 27).

A cultura da mídia, portanto:

1. Insere o sujeito num novo mundo de entretenimento, informação, sexo e


política;
2. Reordena percepções de espaço e tempo;
3. Anula distinções entre realidade e imagem;
4. Produz novos modos de experiência e subjetividade;

Jornalismo e cultura da mídia 169


Jornalismo e Estudos Culturais: Aproximações

Pensar no jornalismo, então, dentro dessa relação entre a mídia e a cultura,


com base nos conceitos de Kellner, traz à tona implicações interessantes para questões
referentes ao exercício jornalístico e às suas formas de circulação. Um dos autores que
pensa o jornalismo a partir de uma perspectiva mais econômica e mercadológica é
Marshall (2003), em seu livro “O Jornalismo na Era da Publicidade”. Para o autor,

O jornalismo atual divorciou-se do modo clássico de fazer jornal.


Em crise de identidade, o jornalismo contemporâneo perde as suas
referências e torna-se um misto de linguagem, ideologia, estética,
consumo, marketing e publicidade. (MARSHALL, 2003, p. 44)

A busca pela verdade, contemplando os interesses sociais, poderia ser definida


como um conceito geral do jornalismo, uma idéia do que é o jornalismo e qual a sua
função. O real, o concreto, porém, vão muito mais além. A verdade e os interesses
sociais, discutidos nas bases do jornalismo, não são os únicos compromissos. O
caráter mercadológico é evidente. Quando analisamos o que é veiculado pela mídia,
nos deparamos com o interesse de ordem mercadológica, notadamente, no aumento
das vendagens e de quantitativo de publicidade nos veículos de comunicação de massa.
A intenção é chamar a atenção do maior número de pessoas, para que as vendas
sejam significativas e atendam aos interesses dos anunciantes e dos empresários do
ramo. Dessa forma, são consideradas atrativas as notícias de acontecimentos incomuns,
tratadas com sensacionalismo e que cumprem o seu papel de intrigar e prender os
receptores. Mas o interesse nessas notícias só dura enquanto houver resposta positiva
- em números - do público. “A imprensa vive o paradoxo de ser um elemento-chave
do processo industrial capitalista e ter de desempenhar sua missão de apresentar a
verdade e defender o interesse público.” (MARSHALL, 2003, p. 47)
Vizeu (2000) relaciona o nascimento e desenvolvimento do jornalismo ao
próprio processo de desenvolvimento do capitalismo. Não apenas na Europa e nos
Estados Unidos, mas foi um fenômeno acompanhado com semelhantes conseqüências
também aqui no Brasil.

As grandes transformações que aconteceram no país, desde os fins do


século – o fim do escravismo e o advento da República principalmente
–, corresponderam ao avanço das relações capitalistas no Brasil e,
como conseqüência, o avanço progressivo da burguesia. É dentro desse
contexto que se situa a passagem da imprensa artesanal à imprensa
industrial, da pequena à grande imprensa. (VIZEU, 2000, p. 45)

170 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


O jornal, então, passa a ser uma empresa capitalista. E essa íntima relação,
intensificada ao longo dos anos, contribuiu para a caracterização do jornalismo como o
conhecemos hoje. Como exemplo, podemos perceber que no jornalismo, assim como
no modo de produção capitalista, o capital é fundamental para a sua consolidação e
expansão. A influência da economia é sentida na maneira como as notícias veiculadas
são escolhidas: a partir do interesse em quais receberão mais atenção dos leitores,
dando, assim, retorno econômico para as empresas jornalísticas.
Nessa lógica de mercado, vale a reflexão em torno da influência da cultura da
mídia veiculada pelo jornalismo atual. Afinal, ao jornalismo são creditados méritos
essenciais para o amadurecimento das sociedades modernas: grande responsável
por fomentar debates políticos, econômicos, sociais e ideológicos, oferecendo assim
espaços para a formação da opinião pública e um instrumento para a vocalização de
pensamentos diversos. Além disso, a cultura da mídia ajuda a modelar comportamentos
e opiniões, e ainda participa efetivamente da construção de identidades. Então, seria
impossível não questionar a qualidade dessa influência, tendo em vista que a mídia se
volta totalmente para a obtenção de lucro.

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172 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Corpo e discurso no movimento “Passe Livre”:
Patrícia Poeta, estratégias enunciativas
do JN e críticas nas redes sociais
Amanda Falcão Evangelista1
Virgínia Sá Barreto2

Resumo
Pesquisas a respeito dos processos de significação do corpo dos
apresentadores no telejornalismo são relevantes na medida em
que a corporalidade é constitutiva e constituinte das lógicas
televisivas e jornalísticas. Essa relação de sentido de lógicas
torna-se ainda mais significativa em uma cobertura jornalística
densa, pautada por um acontecimento impactante, a exemplo do
Movimento “Passe Livre”, ocorrido em quase todos os estados
do Brasil. Nesse sentido, analisa-se aqui os significados do corpo
televisivo e dos enunciados de Patrícia Poeta na edição do Jornal
Nacional do dia 17 de junho, ocasião na qual a apresentadora
“incorpora”, de forma particularmente estratégica, um editorial
da Rede Globo de Televisão em resposta às fortes críticas
que a emissora vinha recebendo na internet e nas ruas face à
cobertura desse movimento social por esse telejornal.

Palavras-chave: Processos de Significação; Corpo Televisivo;


Patrícia Poeta; Movimento “Passe Livre”, JN.

1 Formada em Comunicação Social pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), especialista


em Telejornalismo e mestranda no Programa de Pós-graduação em Jornalismo da Universidade
Federal da Paraíba (UFPB). Atua como pesquisadora do projeto Sistema Brasileiro de Cinema
Digital (SBCD) desenvolvido pelo Lavid (Laboratório de Aplicações de Vídeo Digital) da UFPB.
E-mail: amanda.falcoa@gmail.com.
2 Doutora em Ciências da Comunicação pela Unisinos; Professora do Mestrado Profissional em
Jornalismo da UFPB; Coordenadora na UFPB da Rede AMLAT/PROSUL/Unisinos; Autora do
livro “Comunidades Simbólicas: Identificação imaginária, pactos e vínculos em telejornalismo”.
E-mail: virginiasabarreto@yahoo.com.br.

Corpo e discurso no movimento “Passe Livre” 173


Introdução

Dentre todas as teorias desenvolvidas para tentar explicar o produto noticioso,


atualmente a Teoria do Espelho é a mais contestada, tanto pelos pesquisadores quanto
pelos profissionais de jornalismo. Sabe-se hoje que é praticamente impossível – para
não se dizer impossível - dissociar a prática jornalística da subjetividade. Em que pesem
todos os ângulos da notícia serem hipoteticamente abordados, as práticas jornalísticas
são contingenciadas pelo contexto de uma macroestrutura social, política e econômica
e por questões relativas à microestrutura da organização produtora, a exemplo da
linha editorial, interesses políticos e econômicos, constrangimentos organizacionais,
condições tecnológicas de produção e competência da equipe produtora, entre outras.
O fato é que uma noticia nunca será um “espelho” de uma realidade e sim um processo
de construção social dessa realidade. Como lembra Mouillaud (1997) apud Sá Barreto
(2013, p.13) os acontecimentos são reconstruídos por códigos e linguagens, e é o
jornalismo que “elege o que a sociedade ‘vai ver’ e ‘como vai ver’”.
No jornalismo televisivo, em razão da natureza da cultura televisiva, regida
pela lógica do contato e da emoção, particularmente, os modos de produção da noticia
são afetados pelos “modos de dizer” dos apresentadores, tais como: gestualidades,
expressões faciais, posturas e tom de voz da persona que incorpora todos esses
aspectos. Isso tudo em conjunção de sentido com os processos propriamente
jornalísticos, no que se refere aos usos dos códigos e das linguagens jornalísticas. Na
verdade, os produtos da ambiência televisiva e jornalística podem agregar sentidos ao
sujeito enunciador como um todo. No telejornalismo, tão importante quanto saber “o
que dizer”, é saber “como dizer”.
Com efeito, as funções jornalísticas que têm uma maior expressividade são
aquelas que conseguem obter uma maior visibilidade, ou seja, aquelas que se “deixam
ver” aos telespectadores e ou internautas, como a dos apresentadores e repórteres,
identificados por Verón (2003) como “Guardiães de Contato”. Cabe a esses “guardiães”
o papel performativo de estabelecer “contato”, de gerar mecanismos de sedução e
identificação com os telespectadores. Enfim, de exercer mecanismos estratégicos
de comunicabilidade no jornalismo. Tudo isto através de técnicas de atorização
(FAUSTO NETO, 2012) que personificam a notícia, deixando-a mais atraente, - pois
como lembra Medina (1988) a notícia segue a lógica da mercadoria.
No jornalismo televisivo, repórteres e apresentadores agregam ao cargo
de mediadores de informação os processos de encenação, de atorização. Diferente
de outras plataformas, o profissional da comunicação televisiva tem a liberdade de

174 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


personificar a notícia através de imagens, falas (discurso), gestos, entonações, além
dos usos dos recursos imagéticos do cenário e da moda.
De certa forma, pode-se dizer que há profundas alterações nos processos
enunciativos, inclusive no tocante ao uso do teleprompter. Hoje, os apresentadores
e repórteres procuram construir os seus efeitos de enunciação adotando um modo
particular, “apenas seu” de contar um fato, que possa simular uma conversação
informal, natural, espontânea. Com efeito, cada vez mais os jornalistas precisam
entender seu texto, saber “o que dizer” e “como dizer”. Contudo:

O interesse pela performance dos atores não se constitui um abandono


pelo trabalho dos meios jornalísticos em si. Pelo contrário, enseja a
emergência de um complexificação do trabalho de produção de
sentido realizado no âmbito da comunicação midiática, e na qual a
atividade enunciativa dos atores, e suas próprias identidades, sofrem
mutações muito complexas. (FAUSTO NETO, 1988, p. 265)

O que significa dizer que as lógicas jornalísticas não deixam de ser relevantes,
apenas elas são pensadas de forma indissociável às lógicas da comunicação midiática.
Nesse contexto, algumas dessas lógicas decorrem com o advento da TV digital. A ideia
é simular o real com uma precisão ainda maior, pois se o telespectador não acreditar
no que está vendo, também não receberá com confiança as informações absorvidas. É
o que Ihde (2002) apud Santaella (2004) classifica como terceira dimensão do corpo: a
das relações tecnológicas, das simbioses entre o corpo e as tecnologias. Não obstante,
estes avanços tecnológicos, atrelados aos corpos, podem causar confusões sobre a
delimitação da fronteira entre real e o fictício:

O que as novas tecnologias colocam em movimento, o que elas


transformam são as “fronteiras do humano”. Essa transformação
se revela sob vários pontos de vista: os limites que definem o que
é propriamente humano e o que os diferencia dos não-humanos
(natureza / artifício, orgânico / inorgânico); “os limites que o habitam
e o constituem (matéria / espírito) e os limites que diferenciam a
experiência imediata e suportada por sua corporeidade biológica,
natural e territorial e a experiência mediada por artefatos tecnológicos
(presença / ausência, real / simulacro, próximo / longíquo)”. (BRUNO,
1999, apud SANTAELLA, 2004, p. 29)

Na verdade, a comunicação midiática procura “apagar” a fronteira entre o real


e o fictício valendo-se dos artifícios tecnológicos para assim obter verossimilhança.

Corpo e discurso no movimento “Passe Livre” 175


Logo, a performance não como recurso isolado e sim como um modo constitutivo
do jornalismo, contribuindo para configurar a “fidelidade” do acontecimento, o
compromisso com a informação, a idoneidade, etc. Mecanismos de emoção, de
sedução, logo de ordem televisiva, midiática, nos modos de configurar os códigos
jornalísticos e os seus princípios.

O noticiário da atualidade constrói pequenas novelas diárias ou


semanais cujos protagonistas são tipos de vida real absorvidos por uma
narrativa que funciona como se fosse ficção. Programas jornalísticos
na televisão desenvolvem-se como se fossem filmes – de ação, de
suspense, de romance de horror. O telejornalismo disputa mercado não
apenas com outros veículos informativos, mas também com opções
de lazer. Precisa ser envolvente, divertido, leve, colorido, ou perde o
público sedento de novas sensações. [...] A realidade que interessa,
para um (jornalismo com base nos fatos) e para outro (entretenimento
com base na ficção), é a realidade espetacular, uma realidade que se
confecciona para seduzir e emocionar a platéia. (BUCCI, 2000, p. 142)

Entretanto, a composição do ator não se limita apenas ao físico. As operações


enunciativas compõem as narrativas midiáticas e dão sentido à notícia. Uma
entonação usada de forma incorreta pode trazer um significado totalmente diferente
do que se pretendia. Não se pode noticiar uma enchente com ares de alegria, como
quem informa que o Brasil goleou a seleção da Argentina na final da Copa do Mundo.
O “tom” da enunciação da notícia é um dos elementos primordiais na construção dos
sentidos. O fato é que os jornalistas atuam como dispositivo de operação de sentidos
(FAUSTO NETO, 2012). O corpo do enunciador atribui sentido “ao que se quer
dizer” . Noutras palavras, são meios de construção dos contratos de comunicação dos
telejornais.
Com base nessa perspectiva epistemológica de telejornalismo, analisa-se aqui
a corporeidade discursiva de Patrícia Poeta na edição do Jornal Nacional do dia 17
de junho, após a emissora ser alvo de crítica dos manifestantes que participavam
do protesto “Passe Livre”. Na verdade, a cobertura desse telejornal sofreu “duras”
críticas dos manifestantes e ou internautas, que a classificaram como “manipuladora”.
Campanhas como “#AGloboNãoMeRepresenta” e “#AbaixoARedeGlobo” entraram
para o Trend Topics do twitter, e ganharam “likes” nas fanpages do Facebook. Após
ganhar espaço na web, a onda de fúria migrou para as ruas, passando a ocupar cartazes
no ambiente físico das ruas brasileiras.

176 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


O dia em que Patrícia Poeta “incorpora” a Rede Globo

De toda a cobertura que a Globo fez dos protestos pelo Brasil, o do dia 17
de junho, segunda-feira, foi o mais significativo, principalmente no que se refere à
programação do Jornal Nacional. A apresentadora deste telejornal, Patrícia Poeta
entrou no ar já no início da noite, logo após “Malhação”, no “Globo Notícia” e seguiu
até o horário habitual do JN. Nesse dia, a emissora “quebrou” o seu padrão de
qualidade, no que se refere ao cumprimento da grade de programação. Além de não
exibir o jogo da Espanha x Taiti, pela Copa das Confederações, a Globo cancelou os
capítulos das novelas “Flor do Caribe” e “Sangue Bom”. Os jornais locais das afiliadas
da Rede também foram cancelados. Os relatos sobre os protestos locais elaborados por
essas emissoras foram apenas veiculados no dia posterior. Essas mudanças causaram
estranheza no telespectador acostumado com o padrão da empresa. Evidentemente
que se tratava de um momento muito especial.
O fato é que a edição do Jornal Nacional do dia 17 de junho dedicou um
pouco mais de 51 minutos de seu noticiário para a cobertura das manifestações.
Dos 22 VTs exibidos, 11 abordavam os protestos espalhados pelo país, os outros
traziam informações sobre a Copa das Confederações, Guerra Civil na Síria, SISU,
dentre outros temas - a maioria sobre protestos fora do país. Além disso, a edição
extrapolou na quantidade de “ao vivo”. Ao todo, foram feitos 22 links, um número bem
acima do que tradicionalmente acontece nas suas edições. Todos os “vivos” traziam
informações sobre os protestos e aconteciam no cenário das manifestações. Sabe-se
que “a gravação ao vivo, a transmissão direta, em tempo real, sempre funcionam
como garantia [...] dos efeitos de autenticidade e veracidade” (DUARTE, 2007, p.13)
A duração das matérias exibidas também quebrou o padrão jornalístico do
Jornal Nacional. Alguns VTs chegaram a ter cerca de 3 minutos, quando o habitual é 1
minuto e meio, no máximo 2 minutos. A exaustão na cobertura do “Passe Livre” foi tal,
que Patrícia Poeta parecia estar perdida diante de tantas informações sobre o mesmo
tema. O Editor chefe e apresentador do telejornal, Willian Bonner demonstrava visível
desconforto por estar longe da “bancada”, acompanhando tudo de Fortaleza, onde
entrava “ao vivo” trazendo informações sobre a Copa das Confederações. Diante do
cenário de efervescência reivindicativa, a Globo se sentiu obrigada a trazer de volta o
âncora para a bancada do JN. No dia seguinte, 18 de junho, terça-feira, Bonner abria
o Jornal Nacional trazendo mais informações sobre a manifestação em São Paulo.
Segundo levantamento feito pela empresa Controle de Concorrência3, entre

3 Empresa que monitora inserções comerciais na TV para o mercado publicitário.

Corpo e discurso no movimento “Passe Livre” 177


os dias 17 e 26 de junho, o JN exibiu oito horas de reportagens e transmissões dos
protestos. Das 140 horas de exibição, somando as transmissões de todas as emissoras
abertas, 34 horas foram produzidas pela TV Globo.4
O foco da cobertura das manifestações se encontrava no eixo Rio - São Paulo,
além da capital Brasília. Porém, a edição do dia 17 de junho trouxe uma nota coberta
fazendo um aparato geral dos protestos em outras cidades, como: Curitiba, Belém,
Porto Alegre, Fortaleza, Maceió e Vitória.

#AGloboNãoMeRepresenta: Críticas nas redes sociais

Em artigo publicado no site Observatório da Imprensa5, Sylvia Moretzsohn


escreveu: “tanto os jornais paulistas quanto O Globo e as redes de televisão carregavam
nas tintas contra os atos de vandalismo praticados por uma minoria que sempre se
infiltra em manifestações desse tipo”. O pensamento da jornalista reflete bem o motivo
de sentimento de revolta que os manifestantes sentiram ao ouvir inúmeras vezes nos
noticiários a palavra “vandalismo”, em especial no Jornal Nacional.
Durante a cobertura das manifestações no país, os noticiários em sua maioria
hostilizavam os participantes em sua totalidade, devido às ações de vandalismo
praticadas por uma minoria. Além disso, em seus discursos, repórteres e apresentadores
deixavam claro que a violência se dava unilateralmente, e a polícia tentava apenas
“manter a ordem”.
Essa situação causou revolta nos manifestantes, que demostraram sua
indignação dificultando o trabalho dos repórteres de rua, levantando cartazes contra
as emissoras e, principalmente, disseminando na internet a imparcialidade das
empresas jornalísticas.
A revolta maior se deu contra a TV Globo, que foi considerada como um
“símbolo” da cobertura distorcida dos movimentos sociais de junho no país, ao
privilegiar o discurso de que o movimento era constituído por “ vândalos”. Ao
longo de sua história a emissora acumula registros de situações claras de distorção
da informação6, ou seja, cobertura sem uma maior contextualização e com o

4 VER: http://outrocanal.blogfolha.uol.com.br/2013/07/01/tv-aberta-exibiu-140-horas-de-protestos-
em-dez-dias/
5 VER: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/muito_alem_dos_20_centavos
6 Para aprofundamentos, ver “A Síndrome da Antena Parabólica: Ética no Jornalismo Brasileiro”(Kucinsk,
1998).

178 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


uso do recurso discursivo de escamotear as múltiplas faces do acontecimento,
interesses e vozes envolvidas, a exemplo do Movimento das Diretas Já” nos anos
80. O movimento de repúdio à TV Globo, diante das manifestações que ocorriam,
começou nas redes sociais, principalmente no Twitter7e no Facebook8. As hashtags
#AGloboNãoMeRepresenta e #AbaixoARedeGlobo ficaram comuns nas twittadas de
quem não concordava com a cobertura da emissora. O mesmo aconteceu no facebook,
em que fanpages adjetivavam a Rede Globo como “manipuladora”.

Figura 1: Taxonomia no Twitter: #AGloboNãoMeRepresenta / FanPage “Anti Globo”


tiveram quase cinco mil curtidas no facebook

Como ressalta Primo (2013, p.17) “não se pode ignorar a força dos movimentos
espontâneos em rede, cujos efeitos não eram possíveis em uma sociedade caracterizada
pela mídia de massa”. Sendo assim, as manifestações contra a TV Globo indexadas
através das taxonomias nas redes sociais migraram para o cotidiano, ocupando
cartazes de manifestantes que iam às ruas contestar a cobertura da emissora. A
atualização contínua das “postagens” nas redes sociais, como propõe Correia (2010),
potencializava a circulação no ciberespaço, circulação esta que se transporta do campo
virtual para o real.
A onda de revolta contra a emissora se espalhou também para outras empresas
de comunicação, que tiveram carros queimados, repórteres impedidos de fazer
a livre cobertura, prédios depredados, etc. Mas o foco das manifestações se voltou
especificamente para a TV Globo, que ganhou a alcunha de “manipuladora”. Nas ruas,
cartazes com inúmeras mensagens “anti-globo” traziam um desafio ainda maior para
os cinegrafistas que, além de se preocuparem com a troca de munições entre polícia
e civis, tinham que evitar mostrar imagens abertas com mensagens que “denegriam”
a emissora.

7 VER: http://www.twitter.com
8 VER: http://www.facebook.com

Corpo e discurso no movimento “Passe Livre” 179


Figura 2: Nas ruas, cartazes mostravam insatisfação com a cobertura da TV Globo. /
Manifestantes depredam o prédio da emissora no Rio de Janeiro no dia 17 de julho.


A revolta com a cobertura que a Globo estava fazendo das manifestações tomou
proporções cada vez maiores. Se para a imprensa a violência entre manifestantes e
policiais dificultava o trabalho, a revolta do povo contra jornalistas praticamente os
impedia de trabalhar. Fazer links “ao vivo” durante os protestos, no meio da multidão,
era um ato de coragem.
No Jornal Nacional a cobertura foi feita, na maior parte do tempo, longe
da multidão, a bordo do GloboCop - helicóptero da emissora dedicado à grandes
coberturas. Em terra, repórteres faziam passagens em locais distantes do aglomerado,
e quando arriscavam em descer e manter contato com o povo, retiravam a canopla do
microfone, evitando assim, mostrar o símbolo da emissora a que estavam a serviço.

Figura 3: Para preservar a integridade de profissionais, repórteres fazem cobertura à


distância da multidão e sem canopla. O uso do helicóptero da emissora, o GloboCop, ajudou
nos links ao vivo.

180 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


A Globo se defende

“As palavras de ordem” - como foram adjetivados os gritos de repúdio dos


manifestantes pelos funcionários da empresa - eram cada vez mais frequentes, elas
se disseminavam com tal força e rapidez que barreira alguma poderia impedir.
Impossibilitada de “calar a boca” dos manifestantes, a estratégia da TV Globo foi
colocar no principal telejornal do país, o JN, uma nota de esclarecimento que, em
defesa dos interesses da empresa, tomou características de editorial. O texto, lido por
Patrícia Poeta durou pouco mais de 20 segundos, tentou esclarecer para a população
que existia um “mal-entendido” por parte dos manifestantes e que a Globo estava
apenas “cumprindo seu papel”, o de informar. Quem estabeleceu o “gancho” para que
o editorial entrasse no ar, foi um repórter, durante uma tomada “ao vivo”, a bordo do
“Globocop” na cidade de São Paulo.

Repórter

“[...] Um outro grupo que saiu do Largo da Batata, por volta das 5 horas da
tarde, percorreu a Avenida Faria Lima e nesse caminho eles seguiram até a Avenida
Luiz Carlos Berrini, que fica muito perto da TV Globo, e nesse caminho foram gritando
palavras de ordem contra a TV Globo. Patrícia.”

Patrícia Poeta

“Olha, a TV Globo vem fazendo reportagens sobre as manifestações desde seu


início e sem nada a esconder: os excessos da polícia, as reivindicações do “Movimento
Passe Livre”, o caráter pacífico dos protestos e quando houve depredações e destruição
de ônibus. É nossa obrigação e dela nós não nos afastaremos. O direito de protestar e
de se manifestar pacificamente é um direito dos cidadãos”.
Patrícia Poeta leu o editorial com ar de seriedade, e ao citar os diversos ângulos
abordados no telejornal pontuou nos dedos a contagem dos temas, reforçando o
sentido de “diversificação” trazida pelo JN.

Corpo e discurso no movimento “Passe Livre” 181


Figura 4: Durante editorial em defesa da Globo, Patrícia Poeta pontua nos dedos os diversos
ângulos abordados no telejornal durante a cobertura do “Movimento Passe Livre”

Ao usar a interjeição “olha”, no início do editorial, a apresentadora tenta agir


sobre o espectador, o convidando para a “conversa”, que – como mostra o seu linguajar
– seria mais informal, por isto, ele poderia ficar à vontade para escutá-la.
Patrícia Poeta também se vale dos movimentos do corpo em outros momentos
do editorial, com o objetivo de reiterar seu discurso. Ao falar do compromisso da
emissora com a informação - “É nossa obrigação e dela nós não nos afastaremos” - a
apresentadora gesticula negativamente com a cabeça, ao tempo em que pronuncia
enfaticamente a palavra “não”, reafirmando que a TV Globo não deixará de informar
os cidadãos, mesmo diante da pressão do público. Logo, reafirma o discurso de ser
“Guardiã de Contato” da emissora.
Isso tudo nos moldes da apresentação mais formal adotada pelo Jornal
Nacional, qual seja, compondo um discurso de “naturalidade” no tocante aos modos
de dizer típico do telejornal, como quem diz: “Esse é o telejornal que vocês conhecem.
Nada mudou. Somos o jornal que diz a verdade e não muda diante de fatos”. Desta
forma, a apresentadora articula o enunciado “da defesa” dito por um corpo que fala
“como sempre” para os telespectadores, ou seja, como eles estão acostumados:

A arma do apresentador é a encenação da naturalidade, a simulação


do - falso - imprevisto: que o faz parecer surpreso, agir como se não
soubesse o que vai acontecer, fingir que improvisa falas e parentar
intimidade com seus convidados. (ROSÁRIO; AGUIAR, 2005, p. 3)

As estratégias corporais do discurso de Patrícia Poeta tentam reconstruir

182 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


a postura da emissora diante da cobertura distorcida. A ênfase antes atribuída às
palavras como “vandalismo” e “confronto” é substituída por palavras como “pacífico”.
A palavra “vandalismo” desaparece. Não é explicado o motivo, o contexto do seu uso.
Pela primeira vez, o telejornal fala dos “excessos da polícia”. Contudo, no início do
texto, a apresentadora informa que a Globo não tem “nada a esconder”, e acentua a
informação ao dar destaque à palavra “nada”. Então, pode-se dizer que o discurso
corporal e enunciativo reforça a ideia de que não houve mudança na cobertura dos
movimentos sociais. Há uma substituição de palavras de sentidos totalmente opostos,
mas com apagamento da ideia de “mudança”, com isto, o telejornal reforça a ideia de
“estabilidade”, de “credibilidade cotidiana”. O Jornal “não erra”, entretanto, se explica
para a sociedade no “seu dever de informar”. O discurso é reconstruído sem vestígios
enunciativos da cobertura anterior. O editorial lido no dia 17 de junho se não cala as
criticas ao menos as ameniza. Trata-se de um discurso “novo” ancorado no “pacto
jornalístico” do telejornal: “o mais importante e crível” da televisão brasileira.
Patrícia Poeta ao citar os diversos ângulos trazidos no noticiário menciona
em primeiro lugar os “excessos da polícia”, algo que não fora divulgado em outras
edições e que ganha ênfase na fala da apresentadora. Só após essa informação, ela cita
as reivindicações do movimento e o “caráter pacífico dos protestos”, usado de maneira
exaustiva nesta edição, contradizendo o que se mostrara anteriormente ao atrelar os
manifestantes a atos de “vandalismo” e em confronto com a polícia.
Assim, apenas após pronunciar de maneira enfática “os excessos da polícia”
e o “caráter pacífico dos protestos”, é que Patrícia afirma também ter noticiado no
JN “depredações e destruição de ônibus”, porém, de maneira bem mais sutil, sem
alterações na voz, e por isso, sem dar destaque a este fragmento de texto.
A apresentadora finaliza o editorial dizendo que “o direito de protestar e
de se manifestar pacificamente é um direito dos cidadãos”, mostrando que a Globo
reconhece os direitos dos manifestantes, e que em contrapartida, esses mesmos
manifestantes devem entender que a emissora também tem o direito de se manifestar
livremente, porém, - mais uma vez – ambos devem agir “pacificamente”.

A locução tem que emitir uma impressão compatível com os conteúdos


do que está sendo dito. Nesse ponto, os personagens recorrem a
recursos teatrais, máscaras, modos de ser empáticos com o outro que
lhes vê e ouve. Para tanto, há o recurso do uso da voz, da impostação,
da dicção, da entonação e das pausas conjugadas à mímica facial e
gestual. (SÁ BARRETO, 2011, p. 246)

Corpo e discurso no movimento “Passe Livre” 183


Após ler o editorial, Patrícia Poeta lê a “cabeça” de outra matéria sobre o
movimento “Passe Livre” e mais uma vez traz o caráter pacífico do movimento. Porém,
ao falar sobre a violência, destaca que esta ação diz respeito a um grupo específico
de manifestantes, não generalizando os participantes dos protestos como em edições
anteriores do telejornal.

Patrícia Poeta

“[...] segundo especialistas [a manifestação] reuniu 100 mil pessoas. No fim


do protesto um pequeno grupo agiu com violência e atacou a assembleia legislativa do
estado.”

Para a TV Globo, possivelmente, quanto mais o seu principal telejornal
tentasse amenizar a discórdia com o público, através de estratégias de reconstrução da
imagem dirigida aos manifestantes, melhor seria para a imagem da empresa, e assim,
talvez acalmasse os ânimos dos que repudiavam a emissora.
Além de trazer de modo excessivo a palavra “pacificamente”, a edição do JN
do dia 17 de junho ouviu pela primeira vez os manifestantes, abrindo espaços no
noticiário para entrevistas com os líderes do movimento. O JN também se valeu de
falas “amigáveis” aos protestos para mudar o seu discurso, a exemplo do governador
de São Paulo, Geraldo Alckmin, que na edição do dia 12 de junho - já mostrada neste
trabalho - afirmou que os manifestantes deveriam arcar com as despesas das violações
ao patrimônio público e privado. Já na edição do dia 17 de junho, o JN traz uma
entrevista com a mesma fonte, onde o governador faz elogios aos manifestantes.

Sonora de Geraldo Alckmin

“Quero aqui publicamente elogiar também as lideranças do movimento, a


policia militar e a segurança pública.”
Assim sendo, após ser hostilizada pelo público como “manipuladora”, a TV
Globo, através de seu principal telejornal, cria estratégias que fortalecem a ideia de
idoneidade.

Considerações

Verificamos durante a pesquisa que o noticiário se estrutura, em sua dinâmica


discursiva, a partir de encadeamentos de dispositivos (FAUSTO NETO, 2012), sejam
estes físicos (gestos, vestes, cores, expressões faciais, etc.) ou abstratos (o que se diz e
como se diz).

184 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


As construções tecno-discursivas assumem um papel primordial na
composição da linha editorial de um telejornal. E foi se valendo dessas construções
que a TV Globo, através do JN, em especial na figura de Patrícia Poeta – enunciadora
aqui pesquisada – criou estratégias de comunicação para mudar o composer de seu
discurso que, antes da pressão popular, mostrava em sua cobertura noticiosa os
vandalismos generalizados ligados ao Movimento “Passe Livre”.
Após uma onda de protestos surgida nas redes sociais, em especial no Facebook
e Twitter, que migraram dessas taxonomias virtuais para o cotidiano, tornando-se
conteúdos de diversos cartazes nas ruas, a TV Globo se viu obrigada a esclarecer
para o público que sua cobertura estava pautada na imparcialidade. Nesse sentido,
Patrícia Poeta se vale do recurso da “atorização” e das estratégias enunciativas para
mudar os sentidos de palavras como “vândalos” por “movimentos pacíficos”, de modo
a demonstrar que não houve mudanças no pacto jornalístico desse telejornal.
Por fim, pode-se dizer que as palavras-chave na leitura da construção discursiva
do editorial são: “estabilidade”, “verdade”. O Jornal Nacional “não se intimida” na sua
“função de informar”. Não obstante o conteúdo do discurso tenha mudado, palavras
como “vandalismo”, “baderna” e “confronto”, usadas com exaustão durante edições
anteriores ao dia 17 de junho – dia em que o editorial foi ao ar -, serem substituídas por
“protesto pacifico” e por frases tais como “um pequeno grupo agiu com brutalidade”.
A disponibilização do discurso dos entrevistados também ajudou a emissora nas
estratégias de conciliação com o público em sua reafirmação do pacto jornalístico
com os telespectadores.
Convém frisar que nesse dia foram divulgadas as primeiras entrevistas dos
líderes do movimento. Antes dessa ocasião a cobertura não dera aos manifestantes o
poder de “voz”. O princípio caro do jornalismo de ter que permitir espaço a todos os
envolvidos nos acontecimentos noticiados não estava sendo cumprido. Com efeito,
verifica-se, no caso em estudo, que as pressões exercidas pelos indivíduos nos espaços
virtuais e físicos obrigaram ao telejornal cumprir esse princípio jornalístico.
O ciberativismo dos manifestantes e simpatizantes na internet, nesse episódio,
teve o papel histórico de obrigar ao Jornal Nacional a incluí-los como vozes ativas
na constituição de sua cobertura jornalística. Em que pese, para tanto, o telejornal
ter apagado os vestígios dos discursos anteriores sem uma retratação explícita. Todo
esse processo foi construído com as injunções das lógicas televisivas, jornalísticas e
nesse contexto, o corpo teve um papel relevante, fato que nos instiga a novas reflexões
que articulem corpo, enunciados e internet nos modos de produção de sentido no
telejornalismo.

Corpo e discurso no movimento “Passe Livre” 185


Referências

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186 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Midiatização, teoria da experiência e
políticas públicas de comunicação
A natureza mediática da experiência
Adriano D. Rodrigues1
Adriana A. Braga2

Resumo
Com este texto pretendemos, num primeiro momento, lembrar
que a experiência humana do mundo sempre dependeu da
invenção de dispositivos mediáticos e que esta dependência,
ao contrário daquilo que muitos estudos da comunicação
parecem pressupor, não é uma característica exclusiva do nosso
tempo. Apoiaremos esta afirmação sobretudo nas pesquisas
antropológicas sobre o processo de hominização. Num segundo
momento, procuraremos mostrar que a invenção dos mais
recentes dispositivos mediáticos e a sua rápida assimilação nas
sociedades atuais, ao contrário do que apontam algumas teorias
a que se costuma dar o nome de pós-modernas, não produz
propriamente novas modalidades de experiência, mas artefatos
que tornam possível a realização ou a reificação técnica de
simulacros das modalidades da experiência que desde sempre e
em todas as sociedades foram vivenciadas pelos seres humanos.
Em outras palavras, pretendemos sublinhar, com este texto,
que os dispositivos mediáticos, por mais extraordinários que
pareçam ser à primeira vista as suas realizações no nosso tempo,
só podem realizar aquilo que já estava desde sempre presente na
experiência do mundo dos seres humanos.

Palavras-chave: comunicação; dispositivo mediático;


experiência.

1 Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa.


2 Programa de Pós Graduação em Comunicação- PUC-Rio de Janeiro/CNPq.

188 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Introdução

O ponto de partida da nossa reflexão é bem conhecido e está acessível à


observação de qualquer pessoa: ao contrário das outras espécies, os seres humanos,ao
virem ao mundo, passam por todo um conjunto de processos biológicos que fazem com
que nasçam em estado fetal, isto é, em estado biologicamente imaturo. Os seres humanos
não são evidentemente os únicos; os outros antropoides têm também esta característica,
mas de todos os antropoides são aqueles em que estes processos são mais profundos, o
que faz com que sejam também os que levam mais tempo a atingir a maturidade. São
estes processos biológicos que temos que começar por entender se queremos ter uma
compreensão daquilo que é a experiência humana ou, se preferirmos, daquilo que vai
distinguir a maneira de estar no mundo dos seres humanos da maneira como os outros
seres vivos estão nos seus ecossistemas3.A evolução tecnológica é contígua à evolução
biológica (LEVINSON, 1998). Nesta perspectiva, a tecnologia difere-se do modo biológico
principalmente por ser um meio de alterar, transformar o ambiente buscando a adaptação
da espécie ao invés da alteração da espécie para adaptar-se ao ambiente. Dito de outro
modo, enquanto os demais seres vivos adaptam seus corpos às vicissitudes do meio
ambiente, do ecossistemaem que vivem, os seres humanos adaptam os ambientes para
receberem seus próprios corpos, constituindo assim o seu mundo próprio.
Podemos caracterizar os processos biológicos que sofrem os seres humanos ao
virem ao mundo como processos regressivos ou de involução dos dispositivos naturais
que os habilitam a adotar os comportamentos apropriados para sobreviverem, num
determinado nicho ecológico, tanto enquanto indivíduos, como enquanto membros
da sua espécie. Este processo começa ainda no estado intrauterino e prolonga-se ao
longo das primeiras horas depois do parto. Quem observar com atenção o que se
passa nas primeiras horas de vida de um recém-nascido pode facilmente verificar
que ele consegue ainda adotar os comportamentos próprios da sua espécie, tais como,
por exemplo, nadar, mamar, andar, mas que, depois de algumas horas, deixa de poder
adotá-los, devendo depois seguir todo um processo de aprendizagem que depende da
imitação da maneira como os outros seres humanos se comportam, aprendizagem que
decorre ao longo dos dois primeiros anos de vida. É a este processo de aprendizagem
que se costuma dar o nome de socialização primária (BERGER & LUCKMAN, 2010).
3 A distinção entre ecossistema e mundo decorre do fato de, nos seres humanos, a interação dos seus
dispositivos naturais não se dar imediatamente com o meio ambiente, mas com o mundo que eles
criam, ao contrário das outras espécies, que estão fechadas no meio ambiente para o qual os seus
dispositivos naturais estão imediatamente predispostos e biologicamente programados. Era por isso
que Heidegger dizia que aquilo que caracteriza o ser humano, o Dasein, é a abertura, o ser-no mundo
(HEIDEGGER, 1986, p. 86 e ss.).

A natureza mediática da experiência 189


A linguagem: a mídia constitutiva de toda a experiência possível

Se definirmos ideologia como um conjunto de pressuposições de


que somos pouco conscientes, mas que no entanto dirige os nossos
esforços para dar forma e coerência ao mundo, então o nosso mais
poderoso instrumento ideológico é a própria tecnologia da linguagem.
A linguagem é pura ideologia. Instrui-nos nos nomes das coisas, mas,
mais importante, em que é que as coisas podem ser nomeadas. Divide o
mundo em sujeitos e objetos. Denota que eventos são encarados como
processos e que eventos são encarados como coisas. Instrui-nos acerca
do tempo, do espaço e do número, e forma as nossas ideias de como
nos situamos em relação à natureza e na relação que estabelecemos
uns com os outros. (POSTMAN, 1993, p.123)

A linguagem é a primeira e mais importante tecnologia, o mais importante


dispositivo mediático. É com a aquisição da linguagem que nos tornamos seres abertos
ao mundo, que adquirimos a nossa condição e nos autonomizamos das coações do
meio ambiente, em que as outras espécies estão fechadas (AGAMBEN, 2011). Para
os seres humanos só são possíveis os mundosque têm na linguagem não só a sua
tradução, mas sobretudo a sua constituição. Podemos assim considerar que a criança,
no momento em que adquire o domínio da linguagem, com o domínio das categorias
que ela constitui e que lhe permitem ter a percepção do mundo, dar forma e coerência
às coisas, termina a socialização primária. A partir desse momento, toda a experiência
possível ficainevitavelmentedependente da mediatização do dispositivo da linguagem.
A linguagem poderia ser definida como o método humano, não-instintivo, de
comunicar ideias e emoções, bem como processar, armazenar e organizar informações
através de significados de um sistema de símbolos produzidos de modo voluntário, ou
seja, um sistema essencialmente para comunicação, produto de educação e cognição.
Esta posição confronta grandes nomes da teoria da linguagem, como Chomsky, que
entende a linguagem como um sistema formal autocontido, usado mais ou menos
incidentalmente para comunicação, resultado de uma estrutura humana inata. A
considerar o aspecto ideológico da própria linguagem – entendida como tecnologia
–, é possível dizer que a estrutura da linguagem caracteriza em grande parte o modo
como as pessoas organizam informações e desenvolvem ideias, funcionando ao
mesmo tempo como meio de comunicação e como sistema de processamento de
informação (LOGAN, 2000).

190 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Utensílios, instrumentos, máquinas, dispositivos

Os dispositivos mediáticos são modalidades de objetos técnicos de que os seres


humanos estão equipados, distintos dos utensílios, dos instrumentos e das máquinas.
Enquanto objetos técnicos, são artefactos inventados para a realização das atividades
humanas, mas distinguem-se das outras modalidades de objetos técnicos pelo fato
de estarem incorporados no organismo dos seres humanos.Isso os dispõe não só a
interagir com o mundo em que estão inseridos, mas também a provocar reação por
parte de outros organismos.
Os utensílios e os instrumentos caracterizam-se pelo fato de a sua natureza
técnica residir na materialização e na exteriorização da sua tecnicidade e de a sua
funcionalidade técnica depender da sua manipulação ou da sua acoplagem ao corpo.
Assim, por exemplo, o martelo e o microscópio ótico mostram explicitamente, na
sua configuração material, a sua natureza instrumental, e só realizam as suas funções
técnicas quando são,respectivamente, manipulados e acoplados aos olhos.
As máquinas caracterizam-se pelo fato de a sua natureza técnica também
residir na materialização e na exteriorização da sua tecnicidade, mas, ao contrário
dos instrumentos e dos utensílios, a sua funcionalidade técnica não depende da sua
acoplagem ao corpo, uma vez que se trata de artefatos que adquirem individualidade
ou relativa autonomia em relação à sua manipulação. A individualidade relativa das
máquinas decorre do fato de incorporarem, na sua estrutura, elementos técnicos que
desempenham as funções dos órgãos dos seres vivos e de funcionarem por isso de
acordo com princípios análogos aos que regulam o funcionamento do organismo.
Portanto, a sua invenção só se tornou possível depois da descoberta das leis que a
regulam e a que obedece o comportamento humano (em particular, as leis da
termodinâmica), e da invenção de artefactos que tornam possível a sua realização
técnica.
Os dispositivos técnicos distinguem-se tanto dos utensílios e dos instrumentos
como das máquinas, pelo fato de a sua natureza técnica não ser exteriorizada e de a
sua funcionalidade técnica não depender da sua acoplagem ao corpo, mas da sua
incorporação no organismo. Podemos considerar que, em geral, os objetos técnicos
tendem a tornar-se dispositivos técnicos, à medida que vão se concretizando e
adquirindo a sua individualidade técnica, ao longo do processo sociogenético, e vão
sendo assim integrados na própria experiência humana do mundo. Ao atingirem um
nível elevado de incorporação no organismo humano, os dispositivos técnicos não
passam apenas a constituir a experiência, mas a fazer parte da própria experiência

A natureza mediática da experiência 191


que os seres humanos têm do mundo. É por isso que, quando estamos envolvidos no
processo de desencadeamento das reações aos estímulos que recebemos do mundo,
não nos damos propriamente conta da sua estrutura e do seu funcionamento. Assim,
quando estamos interagindo com o mundo e uns com os outros, não nos damos
conta da linguagem que estamos utilizando, por estarmos precisamente a ser por
ela dirigidos para adotar os comportamentos linguísticos adequados à interação
em que estamos envolvidos, obedecendo assim aos dispositivos linguísticos que
interiorizamos ao longo da socialização primária. É por isso que é só pela reflexão,
quando tomamos distância em relação aos comportamentos desencadeados pelos
dispositivos da linguagem e procuramos, deste modo, objetivá-los simbolicamente,
falando deles, que podemos dar conta da sua natureza e do seu funcionamento.
Refletir a natureza e o funcionamento do dispositivo da linguagem é, no
entanto, uma atividade que só podemos realizar continuando a obedecer-lhe. É este
paradoxo que caracteriza qualquer tentativa de estudo das mídias e que faz com
que este empreendimento seja, no limite, impossível de realizar completamente.
A linguagem é, assim, o dispositivo que constitui o nosso mundo e, por isso, nos
permite, ao mesmo tempo, interagir com o mundo que ele constitui e dar conta dos
dispositivos que o constituem.

Para uma antropologia da experiência técnica

A experiência técnica está relacionada com o próprio processo de hominização,


em especial com a aquisição da postura ereta, decorrente da liberação dos órgãos de
relação situados, de maneira especial, no fácies e nos membros superiores, onde estão
localizados os dispositivos naturais encarregados de assegurar, tanto as funções da
locomoção, da captação e da manipulação dos alimentos, como a interação com o
mundo e as interações inter e intraespecíficas. É o que fazia dizer a Leroi-Gourhan:

O homem fabrica utensílios concretos e símbolos, uns e outros


dependendo do mesmo processo ou, antes, recorrendo no cérebro ao
mesmo equipamento fundamental. Isto levou a considerar não só que
a linguagem é tão característica do homem como o utensílio, mas que
não é senão a expressão da mesma propriedade do homem. (LEROI-
GOURHAN, 1964, p.162-163).

192 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


É por isso que, por mais que recuemos no tempo, não encontramos vestígios
da presença humana que não estejam acompanhados de vestígios de artefatos
reveladores da sua experiência técnica, indicadora da necessidade de constituição do
seu mundo próprio. Daí também que observemos, desde as épocas mais recuadas, o
processo de invenção de técnicas destinadas tanto a perpetuar a linguagem no tempo,
como a alargar a sua ressonância no espaço.
A experiência técnica parece, assim, estar desde a sua origem intimamente
associada à consciência do tempo e, em particular, da mortalidade, uma vez que é nos
monumentos funerários que encontramos os vestígios de utensílios e de documentos
gráficos. Deste modo, é nos seus artefatos que os seres humanos parecem pretender
perpetuar-se a si próprios e ao seu mundo para além da efemeridade da sua existência
mortal.

A lógica da invenção técnica

Gilbert Simondon definiu a lógica da invenção técnica considerando-a


como um processo sociogenético de progressiva concretização dos objetos técnicos.
Partindo de uma origem em que precisam da intervenção humana para concretizarem
a sua tecnicidade, os objetos técnicos tendem a ser progressivamente concretizados,
ao longo de um processo que os autonomizam relativamente à intervenção humana,
adquirindo assim a sua própria individualidade técnica (SIMONDON, 1989). Este
processo consiste, segundo este autor, na progressiva invenção de soluções para as
incompatibilidades das exigências dos seus diferentes componentes, fazendo com que
progressivamente cada um deles deixe de realizar apenas uma tarefa e de exigir a
intervenção humana para resolver pontualmente essas incompatibilidades. Ao longo
do processo sociogenético da invenção técnica, todos e cada um dos seus componentes
passam assim a funcionar em conjunto e a assegurar diretamente a função comum
do objeto técnico considerado como um todo. Vemos assim que, para este autor, o
conceito de interação sinergética é o conceito chave da lógica a que obedece o processo
sociogenético de invenção técnica:

É essencialmente a descoberta das sinergias funcionais que caracteriza


o progresso no desenvolvimento do objeto técnico (SIMONDON,
1999, p.37).

A natureza mediática da experiência 193


Por sua vez, Michael Tomasello utiliza a metáfora da catraca, chamando a
atenção para a natureza sociogenética deste processo, que explora “as potencialidades
plásticas intencionais dos artefatos” (Tosamello, 2003, p.50-55), mostrando que
a sociogênese prossegue um trabalho de elaboração de artefatos cada vez mais
complexos pertencentes a uma mesma linhagem técnica:

Algumas tradições culturais acumulam as modificações feitas por


diferentes indivíduos no transcurso do tempo de modo que elas se
tornam mais complexas, abrangendo um espectro mais amplo de
funções adaptativas – o que pode ser chamado de evolução cultural
cumulativa ou de “efeito catraca” (TOSAMELLO, 2003, p.117-121).

Semelhante perspectiva parece ser a de McLuhan, ao formular as hipóteses


teóricas contidas nas noções rear-viewmirror (espelho retrovisor), segundo as quais
o funcionamento da cultura é encarado como o de um espelho retrovisor, devido à
propriedade que tem uma nova mídia de tornar a anterior obsoleta ao mesmo tempo
em que absorve seu conteúdo4.
Para Logan (2005), embora a fala, a escrita, a matemática, a ciência, a informática
e a Internet sejam seis linguagens únicas em seus próprios vocabulários e gramáticas,
elas estão relacionadas por formarem uma corrente evolutiva de linguagens, isto é,
distintas e interdependentes. Cada nova forma de linguagem emerge pela necessidade
de lidar com a quantidade de informação excedente, impossível de ser expressa pela
forma anterior. Sendo assim, a linguagem mais recente seria derivada e conteria
elementos das formas anteriores.
Levinson (1999) introduziu a noção de remedial media para denominar
as tecnologias inventadas visando solucionar problemas criados por tecnologias
anteriores. Nesse sentido, ver Bolter&Gruisin (2000).

As diferentes modalidades de dispositivos mediáticos

Gostaríamos agora de chamar a atenção para a existência de duas categorias


de dispositivos mediáticos: as próteses e as órteses. As próteses são dispositivos
mediáticos utilizados sobretudo em medicina e que se destinam, respectivamente,
a substituir órgãos inexistentes ou a tornar mais eficiente o funcionamento de
órgãos deficientes. Pertencem a esta categoria os órgãos artificiais utilizados nos

4 Para melhor compreensão da abordagem ecológica das mídias, ver Braga, 2007.

194 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


transplantes e nos implantes. As órteses são, por exemplo, os óculos, os relógios de
pulso5, os pacemakers ou marcapassos, dispositivos mediáticos que são incorporados
na experiência humana para intervirem, respectivamente, na percepção visual, na
percepção do tempo e no funcionamento do coração.
Mas existe uma outra categoria de dispositivos mediáticos, a que é formada pelo
conjunto dos artefatos que são interiorizados pelo dispositivo natural da enunciação
e que se destinam a intervir no desencadeamento das interações discursivas. Damos
o nome de dispositivos da enunciação a esta segunda categoria de dispositivos. Para
entendermos a sua natureza e o seu modo de funcionamento, temos evidentemente
que ter presentes a natureza e o funcionamento do dispositivo natural da enunciação,
que desencadeia as interações discursivas.
Uma das características dos dispositivos mediáticos é o fato de só nos
apercebermos do seu funcionamento quando deixam de funcionar, quando
falham, quando o seu funcionamento é deficiente. Esta característica distingue-os
evidentemente das outras modalidades de objetos técnicos e decorre do fato de serem
dispositivos técnicos, isto é, de serem artefatos incorporados, de estarem interiorizados
no organismo.
A escrita, considerada como tecnologização da palavra, por estar tão
incorporada ao próprio pensamento humano, tem sua forma e organização tomadas
como óbvias, dadas. Para Ong (1998), uma das diferenças operadas pelo surgimento
da escrita com relação à cultura oral foi a introdução de um tipo de reflexão analítica
até então inexistente. Livre da obrigatoriedade da presença física do outro e da
concomitante necessidade do improviso demandada pela cultura oral, a cultura escrita
permite tempo para reflexão, para escolher as melhores palavras. Com isso, ganha-se
em precisão verbal, mas perde-se em espontaneidade. Em nossa época de oralidade
secundária – oralidade pós-tecnologia da escrita –, a promoção da espontaneidade se
dá através da reflexão analítica operada pela escrita: decide-se que é conveniente ser
espontâneo (ONG, 1998, p.155). Sendo assim, os acontecimentos são cuidadosamente
planejados visando garantir a espontaneidade.
Os estudos de comunicação que pretendem ter as mídias como objeto, mas
que ignoram esta característica, por conseguinte, não têm os dispositivos mediáticos
como objeto de estudo, mas outras questões, a maior parte das quais é impossível
de responder, tais como as que relacionadas à influência ou o poder dos meios de

5 O galo anuncia pontualmente com o seu canto a alvorada do novo dia. Os seres humanos também
podem adotar comportamentos semelhantes, mas para isso estão dependentes do relógio que tiveram
que inventar.

A natureza mediática da experiência 195


comunicação, uma vez que pressupõem erradamente uma reificação ou coisificação
dos dispositivos mediáticos, como se fosse uma realidade exterior à própria experiência
do mundo. De fato, os dispositivos mediáticos da enunciação têm influência sobre
os nossos comportamentos e poder que escapam à nossa percepção e que, por isso,
somos incapazes de discernir, uma vez que coincide com a nossa própria experiência
do mundo.

Os dispositivos da enunciação

Os seres humanos, ao contrário dos outros seres vivos, são dotados de


dispositivos naturais da enunciação que lhes permitem interagir uns com os outros,
utilizando o dispositivo da linguagem. Os outros seres vivos também são dotados
de dispositivos de interação, mas não utilizam a linguagem, pelo menos no mesmo
sentido que damos à linguagem humana.
Os dispositivos que os outros animais utilizam não são dotados da reflexividade
que possuem nos seres humanos e que torna os comportamentos humanos “símbolos
significantes”, para empregarmos a terminologia de George Herbert Mead (1967,
p.71-72; 190-191; 268-269).
Uma característica fundamental do dispositivo natural da enunciação é a de
exigir a aprendizagem de dispositivos mediáticos específicos de uma determinada
cultura para poderem funcionar, em particular a interiorização do dispositivo
mediático da língua materna.
Para entendermos os dispositivos mediáticos da enunciação temos que ter em
conta o quadro (frame)6em que eles desencadeiam nos seres humanos a atividade
enunciativa.
Ao longo da socialização primária, em particular nos dois primeiros anos de
vida, a criança aprende a correspondência ou a natureza apropriada dos enunciados
às diferentes situações interacionais em que pode estar envolvida. Damos o nome de
apropriedade a esta correspondência. Pelo fato de já estar interiorizada no momento
em que a criança começa a falar, a apropriedade é habitualmente considerada como
natural e indiscutível, embora seja culturalmente instituída, variando, por conseguinte,
de cultura para cultura. Podemos facilmente verificar a natureza instituída desta
característica, observando que as pessoas que pertencem a diferentes culturas,quando
interagem em situações idênticas, adotam maneiras diferentes de interagir.

6 Para melhor compreensão da noção de quadro ou frame, ver Goffman (1974).

196 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


A enunciação não é uma realidade existente no mundo, mas um acontecimento
ou um processo desencadeado pelos dispositivos de que são dotados os seres humanos e
que fazem existir no mundo objetos específicos, os enunciados,quando os seres humanos
se encontram entre si e interagem uns com os outros. Os enunciados são componentes
discursivos distintos das frases e das proposições, uma vez que não se exprimem apenas em
unidades verbais, mas se manifestam igualmente em comportamentos ou em atividades
para-verbais e extra-verbais, constituindo e pondo em cena instâncias enunciativas, tais
como as pessoas, os tempos e os espaços enunciativos7.
Os comportamentos ou as atividades verbais como as para-verbais ou prosódicas
resultam do funcionamento dos órgãos da fala, ao passo que as extra-verbais resultam
dos comportamentos mimo-gestuais desencadeados pelos dispositivos enunciativos.
As instâncias pessoais, temporais e espaciais são as entidades que não só
definem ou delimitam o quadro enunciativo no seio do qual a enunciação ocorre
e que lhe confere a sua natureza de acontecimento, mas também constitui os/as
participantes no processo enunciativo como sujeitos da enunciação.
A existência da atividade enunciativa é efêmera, uma vez que desaparece no
próprio momento em que acontece, e só pode ser observada no lugar e no momento
em que ocorre. É precisamente para que as limitações inerentes à natureza efêmera
do acontecimento e do quadro enunciativo possam ser ultrapassadas que, ao longo do
processo sociogenético de invenção técnica, as sociedades humanas foram inventando
dispositivos mediáticos da enunciação, tais como as representações gráficas da
linguagem, em particular a escrita alfabética, a prensa de tipos móveis, o telégrafo, o
telefone, os dispositivos de registro e de transmissão do som e da imagem, tais como
a radiodifusão e a televisão, assim como os mais recentes dispositivos cibernéticos.
Tais dispositivos, cada um a seu modo e a seu tempo, parecem obsolescer
aqueles imediatamente anteriores e dominantes, com a promessa de aperfeiçoar suas
limitações, alterando práticas sociais, promovendo aspectos da cultura, recuperando
outros e se transformando em novos dispositivos mediáticos de enunciação. Marshall
McLuhan descreve as leis das mídias, os quatro efeitos provenientes da introdução
de um novo dispositivo técnico no contexto social: a promoção de alguns aspectos
da sociedade; o envelhecimento (obsolescência) de mídias dominantes antes da
emergência da nova mídia; a recuperação de mídias tornadas obsoletas previamente;
e a revitalização da nova mídia em consequência do pleno desenvolvimento seu do
potencial (MCLUHAN&MCLUHAN, 1988, p.129).

7 Ver a este propósito a noção de indexicalidade definida por Harold Garfinkel (1967).

A natureza mediática da experiência 197


Mídia e experiência

O processo sociogenético de invenção técnica parece ter desde sempre


provocado atitudes reativas, a julgar pelos testemunhos históricos que chegaram até
nós. Como exemplo destas atitudes reativas recordarei a narrativa bíblica da Torre de
Babel, onde encontramos narrado de forma dramática o resultado provocado pelo
orgulho desmedido da descoberta do fogo e das novas técnicas de construção que
esta descoberta tornou possível (GÊNESIS, 11, 1-9). Encontramos o mesmo efeito
dramático da invenção técnica no mito grego de Prometeu, que narra o destino
trágico a que ele foi votado por ter ensinado aos seres humanos a descoberta do fogo,
da escrita, da geometria e de toda a espécie de artes (ÉSQUILO, 1990, p.107-137). No
fim do diálogo com Fedro, Platão retoma este mesmo confronto entre os adeptos e
os críticos dos inventos técnicos, em geral, e da escrita, em particular, para fazer ver
que não é por ter escrito e decorado o discurso do sofista Lísias, que tinha estado a
ouvir nessa manhã, que passará a ser mais conhecedor das questões do amor, que nele
são tratadas, e a descobrir a verdade acerca dessas questões (PLATÃO, 2011, p.274b-
278b). Podemos encontrar muitos outros exemplos do confronto entre as atitudes
a que Simondon (1989) dava o nome de tecnoclastas e as atitudes tecnólatras, isto
é, entre os defensores e os inimigos incondicionais dos novos inventos técnicos. Os
primeiros encarando-os como a solução para os problemas dos seres humanos e os
segundos vendo neles a fonte de todas as infelicidades da humanidade. Outros autores
já desenharam oposições semelhantes, como os ‘apocalípticos’ e os ‘integrados’, de
Umberto Eco (1964) ou os ‘tecnófobos’ e ‘tecnófilos’ de Neil Postman (1993). É nossa
convicção de que tanto a primeira atitude como a segunda decorrem da dificuldade
que os seres humanos têm de aceitar a sua condição. Aqueles a que Simondon dava
o nome de tecnoclastas esquecem que os seres humanos dependem inevitavelmente
dos objetos técnicos que os habilitam a constituir o mundo da sua experiência,
continuando deste modo a nostalgia do mito do paraíso perdido, em que supostamente
viveriam para sempre felizes, no estado de natureza. Os tecnólatras esquecem que os
objetos técnicos são inventos humanos e que a experiência do mundo não depende
do seu funcionamento, mas de opções feitas, individual e coletivamente, pelos seres
humanos. São essas opções que explicam a invenção, a adoção e o funcionamento dos
objetos técnicos ao longo do processo sociogenético.
Não é de admirar que os mais recentes inventos técnicos provoquem hoje o
confronto entre essas duas posições e alimentem assim uma abordagem dicotômica
e ingênua das mídias. As consequências desta abordagem estão particularmente

198 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


presentes em muitas publicações acadêmicas que pensam que podem compreender
os processos comunicacionais a partir do estudo dos processos mediáticos.
É verdade que a viragem cibernética da tecnicidade, decorrente do paradigma
sistêmico, é ainda relativamente recente e, como não foi ainda suficientemente
assimilada pelo mundo contemporâneo, ainda não é objeto de suficiente recuo
e distância. A sua natureza sistêmica também faz com que a percepção da sua
tecnicidade seja ainda difícil e exija uma cultura técnica ainda incipiente. Daí a visão
distorcida da relação das mídias e dos dispositivos mediáticos da enunciação, com
a experiência. O alto grau de performatividade atingido atualmente pelas mídias
tende a criar a ilusão de que os dispositivos mediáticos constituem hoje a experiência,
substituindo, deste modo, os comportamentos e as atividades dos seres humanos. É
verdade que os promotores dos dispositivos mediáticos alimentam esta ilusão, que
tem também expressão em obras de ficção literárias e cinematográficas. Esta ilusão
está intimamente relacionada como a noção de automação e com alguns projetos
recorrentes de interação da robótica com a pesquisa em biologia, como a neurociência,
por exemplo.
É frequente a publicação de estudos de comunicação que denunciam a relação
dos recentes dispositivos mediáticos com os mecanismos de dominação e as estratégias
do poder, esquecendo que esta relação não está propriamente relacionada com os
dispositivos mediáticos, mas com o dispositivo da linguagem que é inevitavelmente
mecanismo de poder e de dominação. As sociedades humanas são politicamente
instituídas pelo fato de se apropriarem, inevitavelmente, de maneira desigual, das
categorias da linguagem e de a atividade enunciativa instituir lugares diferenciados
de fala.
O que caracteriza especificamente os dispositivos mediáticos é o fato de jogarem
tecnicamente com o quadro enunciativo e com cada um dos seus componentes,
dispensando assim as pessoas do trabalho de os constituir. É para ultrapassar as
limitações do espaço e do tempo da atividade enunciativa que foram inventados
os dispositivos gráficos, em geral, e a escrita alfabética em particular, deste modo
tornando possível interagir fora do espaço e do tempo da percepção da enunciação,
como muito bem tinha visto Platão no Fedro. É para jogarem com a constituição
dos/as protagonistas da enunciação que foram inventados o telégrafo, o telefone, a
radiodifusão sonora e televisiva, assim como os dispositivos cibernéticos, tornando
possível alargar indefinidamente o número de participantes da atividade enunciativa.
Deste modo, é pela ultrapassagem dos constrangimentos e das limitações da atividade
enunciativa, das coações inerentes à sua efemeridade e à sua localização espacial,

A natureza mediática da experiência 199


assim como à ultrapassagem das limitações do seu endereçamento que foram sendo
inventados os dispositivos mediáticos, ao longo do processo da sociogênese técnica.
Se quisermos entender o papel das mídias na experiência é este jogo com o quadro
enunciativo que temos, antes de mais, de equacionar e de aprofundar.

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A natureza mediática da experiência 201


Processo midiático e o vínculo entre parte e todo
Pedro Benevides1

Resumo
O artigo procura fazer uma leitura cruzada de três autores que se
debruçaram sobre a midiatização – Braga, Fausto Neto e Miège –
para buscar componentes substanciais que permitam caracterizar
o processo midiático a partir de análises maduras. Apresenta-se
uma periodização, que combina mudanças no campo midiático
e seu vínculo com dimensões sociais mais profundas. Expõem-
se também as características mais abrangentes do processo
midiático em sua etapa de campo instaurado, delineada com
base nos três autores citados, a partir dos quais se buscam
interseções que provoquem outros ângulos. Distinguem-se, por
fim, alguns limites de construção de objeto, como reducionismo,
isolamento, exterioridade, entre outros, cujo apontamento
demanda caminhos que articulem parte e todo.

1 Pós-doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos. Esta


pesquisa se realiza no âmbito do Projeto “Afetações da Midiatização sobre o Ofício Jornalístico”,
coordenado por Antonio Fausto Neto, e conta com bolsa CNPq.

202 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Introdução

Na etapa histórica passada, era possível atribuir ao jornalismo um papel


mediador, realizado por “peritos”, traduzindo para leigos as lógicas de outros campos
(FAUSTO NETO, 2010c, p. 4). Essas formulações se alinham à ideia de Giddens,
de 1991, de meios de comunicação como tradutores de problemáticas para os
indivíduos, um trabalho mediador, construtor de elos de confiança e de segurança
(FAUSTO NETO, 2008b, p. 90). Nesse sentido, Fausto Neto recupera dois autores
que se dedicaram à definição deste estatuto do jornalismo: Darnton demarca as
possibilidades de construção da notícia nos limites da cultura jornalística, enquanto
Mouillaud pensa a produção da notícia como uma matriz que impõe sentido aos
textos. Ambos compartilham a noção de “jornalismo como uma prática social
regida por certos postulados internos à cultura dessa matriz de produção de sentido”
(FAUSTO NETO, 2007a, p. 80).
Sabemos que aquele papel e estes postulados se encontram em transformação
similar às mudanças de um conjunto maior, que pode ser chamado de processo
midiático. O objetivo deste artigo é enfocar as inflexões sofridas por este conjunto,
como contribuição para a construção de um quadro que permita situar o jornalismo.
Nos anos 1990 e início dos 2000, a noção de centralidade da mídia ganha
atenção de pesquisadores em comunicação, e são demandadas novas categorias
gerais, como campo midiático. Ocorre um entrelaçamento entre condições internas e
externas ou, dito de outro modo, uma nova capacidade institucional de investigação
se encontra com um objeto diferenciado, que impele a pesquisa à atualização de
formulações. O resultado mais proeminente deste encontro talvez seja a ramificação
da epistemologia da comunicação como grupo específico de pesquisa e debate.
A construção de referências abrangentes para o estudo daquilo que nos aparece
como mídia pode ser um instrumento auxiliar para nos situarmos num terreno à
primeira vista confuso em que canais se multiplicam, públicos se pulverizam, aparelhos
se interligam etc. Esse quadro pode ser eficaz também para aproveitar alguns dos
estudos mais adensados disponíveis sem recair nos compartimentos disciplinares nos
quais a pesquisa em comunicação no Brasil tradicionalmente se divide e se dispersa.
Este artigo visa então contribuir com a prospecção de ângulos através da composição
de um quadro de componentes substanciais do processo midiático.

Processo midiático e o vínculo entre parte e todo 203


Passagem do processo midiático

A periodização pode ser um primeiro passo para compor este quadro, já que
a comparação entre presente e passado é frequente nas caracterizações das atuais
mudanças da mídia. Do ângulo aqui considerado, trata-se de definir uma passagem
entre duas etapas do processo midiático.
A etapa considerada anterior foi chamada por Fausto Neto de “sociedade dos
meios” e a atual de “sociedade em vias de midiatização”. Os termos podem variar,
pois são categorias em plena gestação. A primeira fase pode ser também chamada
de “sociedade midiática”, porém é assim que Lasch (2005) se refere à segunda etapa,
de modo que o termo “sociedade dos meios” (FAUSTO NETO, 2008b, p. 93) pode
evitar essa confusão. A segunda etapa pode ser chamada de “sociedade midiatizada”
(FAUSTO NETO, 2010d) ou “sociedade da midiatização” (FAUSTO NETO, 2008c, p.
126), mas o termo “em vias de” tem a vantagem de destacar o andamento, assim como
as expressões “sociedade em midiatização” (BRAGA, 2011a, p. 68; BRAGA, 2012b,
p. 50) e “sociedad de mediatización creciente” (BRAGA, 2012b, p. 47) sublinham a
emergência de mudanças que se implantam e predominam ainda que incompletas
(BRAGA, 2007).
Com todas as variações, a constante é a indicação de uma transformação
ampla e profunda, envolvendo processo midiático e processo social, sem que
necessariamente se referende noções possivelmente precipitadas sobre uma “nova era
digital” ou rompimentos similares.
A percepção dessa transformação amadurece em meados dos anos 2000,
e se manifesta em termos como “bios midiático”, de Muniz Sodré (2004), e “nova
ambiência”, de Pedro Gomes (2006), entre outros dos quais Fausto Neto se alimenta
para explicitar em 2008 a “emergência da midiatização”, que envolve certas mudanças
basilares (FAUSTO NETO, 2008, pp. 92-94):
– conversão de tecnologias em meios: a convergência de fatores sócio-tecnológicos,
nas três últimas décadas, transformando certas tecnologias em meios de produção,
circulação e recepção de discursos;
– atravessamento e capilarização: a perda de ênfase da centralidade, autonomia relativa e
distinção dos meios de comunicação como especialistas no trabalho de intermediação
dos campos sociais, em favor de que pressupostos e operações midiáticas atravessem e
permeiem práticas, interações e campos sociais, gerando zonas de afetação em vários
níveis sociais, envolvendo inclusive os grandes produtores, que se encontram com os
consumidores em novos fluxos;

204 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


– para além dos campos, a própria organização social se faz tomando como referência
as lógicas e operações midiáticas; em outras palavras, a lógica midiática se torna “uma
referência engendradora no modo de ser da própria sociedade” (FAUSTO NETO,
2008b, p. 93).
Fica assim subentendida uma periodização, englobando pelo menos 30 anos.
Uma perspectiva mais longa é apresentada em 2007 por José Luiz Braga, que sobrepõe
duas periodizações. A primeira é uma espécie de sequência de três grandes referências
interacionais, a oralidade, a escrita e a midiatização, com esta ganhando primazia
hoje. A segunda periodização é especificamente midiática e distingue três etapas, num
trajeto de autonomização: meios de comunicação são criados para serem usados como
instrumentos para atingir fins externos; esses meios passam a desenvolver operações,
métodos e estrutura visando objetivos próprios; por fim, esses meios geram lógicas
midiáticas inerentes que se autoalimentam. Ao longo dessas fases que culminam na
geração interna de lógicas midiáticas, emerge a midiatização como um direcionador
na construção da realidade social. O autor aponta, em termos gerais, que essa virada
se dá ao longo do século XX, como etapa posterior à consolidação da cultura escrita
na Europa da instauração burguesa (BRAGA, 2007, p. 145).
Considerada a variedade de elementos compreendidos nestas formulações,
podemos distinguir uma passagem fundamental, em que o processo midiático se
dinamiza em duas trilhas: de um lado, ele se dá atravessando campos, numa dinâmica
que desloca o campo midiático; de outro lado, a lógica midiática teria superado o
campo midiático que lhe deu origem e atuaria num grau superior aos campos,
incidindo sobre dinâmicas mais profundas do processo social. A caracterização
desta passagem interessa antes de mais nada por colocar a exigência de perspectiva
histórica e atenuar a forte inclinação das pesquisas para a análise de curto prazo. Além
disso, a concepção dessa transição exige relacionar indivíduos, campos e estruturas
sociais. Por fim, a ideia de passagem pode contribuir para colocar em questão uma
travessia que normalmente é tida como dada, como um resultado natural de avanços
econômicos e tecnológicos.

A ideia de processo midiático

A passagem que vimos carrega explicitamente a opção pela ideia de processo


midiático, que não decorre de constatação imediata mas de um raciocínio que
relaciona ângulo e fenômeno. Seguindo José Luiz Braga (2011a), podemos encontrar a

Processo midiático e o vínculo entre parte e todo 205


combinação entre a objetivação de um espaço de preocupações (a pesquisa acadêmica
em comunicação) e a incontornável incidência de um poderoso aparato midiático
sobre as relações sociais. De um lado, o espaço de pesquisa se constitui, sem eliminar
a dispersão de perspectivas, de acordo com o autor. De outro, diz ele, a presença
midiática se reforça na sociedade, incitando a percepção de “centralidade” da mídia,
como veremos mais adiante. O que interessa enfatizar aqui é que a relação entre
constituição de espaço de pesquisa e centralidade midiática se dá sob a intermediação
de quatro ângulos problemáticos vigentes no início dos anos 2000.
Um deles pode ser chamado de holismo: a comunicação estaria presente em
todas as dimensões humanas, sendo tão ampla que se torna inapreensível – “tudo é
comunicação” (BRAGA, 2011a, p. 65). Um segundo ângulo, muito debatido em fins de
1990, é o da interdisciplinaridade, termo que frequentemente designa um terreno vazio
onde todas as ciências humanas teriam algo a dizer (ibidem, pp. 63-64). Braga valoriza
os estudos de interface, nos quais percebe potencial para conhecimento, ao passo que
o acolhimento indiscriminado da diversidade estimula a postura “interdisciplinarista
frouxa” (ibidem, p. 74). O terceiro ângulo é aquele que enquadra a comunicação a
partir de disciplinas das ciências humanas e sociais, que tendem a negligenciar
especificidades midiáticas em favor de categorias já consolidadas na disciplina original
(ibidem, p. 69). O quarto ângulo é chamado por Braga de reducionista: trata-se do
recorte de “objetos específicos identificadores da área”, numa segmentação do objeto
em questões tecnológicas, jurídico-políticas, expressivo-interpretativas, profissionais-
produtivas, relativas à recepção, entre outras escolhidas a partir da especialidade ou
da preferência do pesquisador (ibidem, pp. 65-69). Nesse caso, mesmo que sejam
reunidos múltiplos enfoques, “fica uma certa sensação de que outros processos sociais,
que não comparecem em relação de contiguidade imediata com a mídia, estariam nos
escapando à observação e portanto ao trabalho do conhecimento” (ibidem, p. 65).
Alertando contra a tendência precipitada de tomar os “meios de comunicação
diretamente como objeto do Campo”, Braga afirma que estes não constituem objeto
de pesquisa, sendo eles “apenas o fenômeno empírico – e como tal não correspondem
propriamente a um ângulo ou preocupação de busca de conhecimento” (ibidem, p.
69). Mais ainda, o problema da definição de objeto não se resolve pelo recorte dos
meios de comunicação em termos de política, economia, administração, tecnologia,
produção profissional, discursos ou recepção. Tais enfoques, se exclusivos, tendem a
isolar fragmentos, “seja de sua realidade social, seja de sua substância significativa,
seja das suas condições de existência e produção” (ibidem, p. 69). Cabe fixar essa
noção de um triplo isolamento como marcante dos estudos de mídia. Essa noção

206 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


não implica o veto à observação de fenômeno recortado. A questão pertinente seria
como se contrapor ao triplo isolamento, referido ao contexto social geral, ao contexto
mais próximo das condições de produção e à substância significativa (que o autor não
define). Abstraindo a preferência de Braga pelas interações, a questão que ele coloca
em 2001 é “examinar o fragmento sem destacá-lo das relações que entretém” (ibidem,
p. 69).
Se não me engano, essa sugestão de exame corresponde à orientação de
apreender vínculos entre processo midiático e processo social. A meu ver, o termo
processo midiático é um operador de método: incorpora o senso comum (a noção
prosaica de mídia), se refere a um fenômeno atual que mobiliza preocupações e deste
se distancia ao mesmo tempo, estimulando percepção mais ampla e dinâmica. O
termo não explica – ele pede explicação, já oferecendo certa orientação. Comentando
as formulações acima, Braga reitera 10 anos depois: o termo “mídia” leva a equívocos
ao sublinhar aspectos temáticos (os recortes já mencionados), enquanto que a
expressão “midiatização” implica processos comunicacionais e suas lógicas internas,
articulados a processos de comunicação não diretamente midiatizados mas inscritos
no fluxo comunicacional (ibidem, p. 70). A ênfase no processo, com alusão à
pesquisa acumulada, é compartilhada por Fausto Neto, segundo quem a midiatização
“transcende aos meios e as mediações, [estando] no interior de processualidades”
(FAUSTO NETO, 2006b, p. 10). O que se destaca aqui é que a ideia de processo
midiático pressupõe a relação necessária entre parte e todo, sem a qual o objeto
recortado não só se isola do contexto mas de sua própria substância.

Miège e a dupla mediação

A reflexão sobre o vínculo entre parte e todo se coloca no chamado


enraizamento das técnicas de informação – comunicação (TIC), segundo Bernard
Miège, com o qual cabe uma aproximação. Situar o fragmento num conjunto de
relações externas e internalizadas é justamente um modo de compreender as TIC,
o que põe Miège em diálogo com a ideia de processo midiático.
Segundo este autor, a técnica é constituída de uma “dupla mediação”, o que
designa a introjeção de um vínculo mutuamente determinado entre técnica e sociedade
(MIÈGE, 2009a, pp. 18; 46-47). A relação da técnica com o social é interna, pois as
determinações sociais se cristalizam como técnica (ibidem: 62); e é simultaneamente
externa, uma vez que a técnica reincide sobre práticas, após ter sido gestada pelos

Processo midiático e o vínculo entre parte e todo 207


laboratórios dirigidos por atores estratégicos (ibidem: 47; 62; 219). As esferas técnica
e social estabelecem múltiplos vínculos, de modo que a dupla determinação apresenta
graus variados de dinamismo, o que elimina a possibilidade de determinismo, sem
rejeitar a força das hierarquias (ibidem: 49; 89; 90; 220).
É dentro deste raciocínio que o termo enraizamento é empregado, em
contraposição ao termo inserção, equivocado por “colocar a esfera da técnica numa
posição de exterioridade e mesmo de conquista em relação ao social” (ibidem: 55-
56; cf. também p. 22). Estamos diante de preocupação correlata à de Braga, com a
problematização dos quatro ângulos que vimos acima. Mais ainda, trata-se de se
distanciar de elaborações atreladas a termos como difusão, papel, efeitos, impacto,
entre tantos outros tão disseminados na pesquisa acadêmica em comunicação e
que carregam o fardo das relações dicotômicas entre fenômenos comunicacionais
e sociedade. A problematização do isolamento, por Braga, e da exterioridade, por
Miège, traz implícita o questionamento dos termos cibernéticos e funcionalistas.
A corrente funcionalista, desde seus cinco Qs até o ajuste de 1973 acerca
de o que as pessoas fazem com a mídia, sempre pressupõe uma “ligação em que a
mídia tem uma relação de exterioridade aos grupos sociais” (MIÈGE, 2009b, p.
10). Na cibernética, que assume o modelo emissor–receptor e o adapta à noção de
efeito de retroação (ibidem, p. 11), encontra-se uma exterioridade similar. Para além
destes dois modelos, a compartimentação dos objetos da pesquisa em comunicação
– empresa, rotina, produto, discurso, recepção etc. – tende a se bastar em termos
cada vez mais especializados, avançando dentro de sua fronteira a despeito de que
reincida em problemas semelhantes àqueles que se colocam na preocupação com
efeitos, impactos, funções e assim por diante. Assim, seria preciso se perguntar se
tais correntes e ângulos possuem, por si mesmos, categorias capazes de estabelecer
concepção do conjunto do fenômeno midiático.
A posição de Miège tem limites, que ele mesmo explicita em termos positivos:

as posições generalistas não me interessam e continuo a dizer que o que


deve ser colocado na informação–comunicação são as problemáticas
transversais e parciais. Transversais, como já disse, porque atravessam
diferentes campos sociais. Parciais porque é um erro querer ter um
ponto de vista global sobre comunicação. A complexidade é muito
importante (ibidem, p. 15).

Optar pelo médio prazo pode ser posição legítima, mas por que confundir
abrangência com generalismo? É curiosa a postura de quem afirma a parcialidade

208 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


sem se sentir inclinado a justificar a posição. Assim, é tomado como líquido e
certo o alinhamento entre a noção de complexidade e o abandono da perspectiva
de conjunto. Numa palestra na Faculdade Cásper Líbero em 2009, Miège trata de
“desafios” que congregam harmoniosamente problemas de mercado e de cidadania,
apontando inclusive um “déficit de criatividade”, ficando a reflexão confinada às
fronteiras da regulamentação e da deontologia (ibidem, p. 15; a posição se confirma
no livro: cf. MIÈGE, 2009a, p. 61). A elaboração de Miège é densa e cuidadosa, mas
a ponderação teórica se torna comedimento perante o estado crítico do contexto, do
qual fica visivelmente deslocado. Assim, se a pertinência da análise de Miège é rara e
deve ser aproveitada, fica em aberto definir qual seria a chave deste aproveitamento,
condizente com a gravidade da situação contemporânea.

Institucionalização e dispersão

Foi mencionada acima a constituição de um espaço de preocupações. Braga


se refere a ela como a “objetivação de um espaço de estudos, reflexões e pesquisa
percebidos largamente como relevantes” (BRAGA, 2011a, p. 63). Esse espaço vem
sendo chamado de “Comunicação”, “Comunicação Social” ou – como passou a ser
chamado em fins da década de 1990 – “Campo da Comunicação”. A designação é
entendida por todos os que nele realizam pesquisa acadêmica, sem que isso acarrete
consenso sobre a definição de seus contornos (ibidem, p. 63).
A ideia de que “a Comunicação é uma encruzilhada por onde muitos passam
e poucos permanecem” (ibidem, p. 63), que Braga toma de Wilbur Schramm para
caracterizar provocativamente este campo em 2001, pode talvez ser melhor aplicada
a um período em que tal objetivação estava em estágio anterior, quando havia
poucos Programas de Pós-Graduação e eram reduzidos os espaços de intercâmbio.
A consolidação da Intercom e da Compós, assim como a criação de novos PPGs em
comunicação no Brasil, podem ser entendidas como marcos de um estágio novo de
objetivação, que também pode ser entendida como institucionalização. Assim, uma
vez instituído o campo, do modo como vimos nos anos 1990 e nos anos 2000, a
permanência se normaliza, no sentido de que passa a existir um corpo continuado de
pesquisadores.
Isso não elimina o problema da dispersão, que acompanha a diversidade
de objetos, abordagens e referenciais teóricos que compõem aquele campo. A
dispersão é “decorrente do fato de que essa diversidade não se interroga, não produz

Processo midiático e o vínculo entre parte e todo 209


tensionamento mútuo, não se desafia por perguntas e interpretações concorrentes
que exijam reflexão cruzada” (BRAGA, 2011b, p. 3). Escrevendo em 2010, Braga
aponta que o debate sobre a pesquisa em comunicação se concentra entre as opções
disciplina e campo, que implicam respectivamente teoria e objeto formalizados em
termos positivistas de um lado e interdisciplinaridade de outro. A refutação do autor
para ambas alternativas levanta um panorama desolador, constatado, mas carente
de explicação. A primeira possibilidade está eliminada pelo fato de que, “desde os
anos 1990, não se manifestam grandes teorias que tenham a pretensão de ‘dizer o
comunicacional’ de modo abrangente. As teorizações produzidas parecem se voltar
para avanços setoriais de conhecimento” (BRAGA, 2010, pp. 19-20). A segunda
possibilidade implicaria aceitar a dispersão, entendida como uma indiferença letárgica
pela ausência de sistematização e debate amplos (ibidem, p. 22). Braga vê potencial
para articulação e tensionamento, mas não a sua realização: “Para ser levado a sério,
o argumento interdisciplinar implicaria uma busca de aproximação, de diálogo entre
os diferentes aportes (...). Uma verdadeira interdisciplinaridade seria um processo
construtor e não dispersor. Mas não vemos defensores dessa postura desenvolverem
esse esforço articulador” (ibidem, p. 23).

Instauração do campo midiático

A percepção da ampliação do fenômeno midiático e de sua penetração social


ensejou o termo “centralidade da mídia”, que Braga explica em termos de um vasto
aparato especializado presente nas interações sociais e as modificando, uma vez
que estas se ajustam àquele. A “forte presença do mediático nas interações sociais
contemporâneas” se manifesta em propriedades específicas, como a inclusividade
(capacidade de incluir e captar conteúdos e práticas) e a penetrabilidade (capacidade
de se inserir em práticas e ser acolhido por elas), impondo alterações e adaptações
das práticas e conteúdos incluídos e penetrados (BRAGA, 2011a, p. 69). Para o autor,
seriam esses “fatores que nos permitem afirmar que hoje [em 2001] vivemos em uma
‘sociedade de comunicação’ ou ‘sociedade mediática’ ” (ibidem, p. 69).
Denominações como essas indicam a aceitação de que os meios de
comunicação estão em nova etapa. Coloca-se a percepção de um novo grau de coesão
entre os chamados meios de comunicação e um novo grau de capilarização destes na
sociedade, o que exige novos termos gerais, dos quais talvez o mais difundido seja a
própria noção de “mídia”, incorporada pelo senso comum desde os anos 1990. Interessa

210 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


destacar essas novas caracterizações e decompor os fatores que as viabilizaram.
Uma delas é a apropriação da ideia de campo social para os estudos de mídia.
Braga resgata Bourdieu e Adriano Rodrigues para tratar do chamado campo midiático.
Segundo o argumento assim recuperado, os campos sociais são marcados por uma
autonomia relativa, manifesta na capacidade de refração de demandas externas, e por
uma coexistência mútua que coloca exigências de legitimidade e visibilidade entre eles.
A mediação que cada campo exerce para se relacionar com os demais se autonomiza e
é delegada a um campo específico, o da mídia, que passa então a executar a mediação
geral daquela coexistência entre campos sociais. A legitimidade do campo da mídia
depende da qualidade dessa execução. Assim se daria “a instauração do ‘campo dos
media’ na sociedade”, colocação “pertinente para o que se percebia ao final da década
dos 80” (BRAGA, 2012a, p. 42).
Fausto Neto também se apoia na caracterização do “campo dos médias”
feita por Rodrigues, que identifica protocolos comunicacionais organizados por
um campo específico, que assim ganha papel regulatório em relação aos demais
campos. Essa tarefa organizadora e reguladora é que concede à mídia uma relativa
centralidade, enquanto campo mediador, um ponto de articulação entre segmentos
sociais, exercendo a uma espécie de superintendência de outros campos (FAUSTO
NETO, 2008b, pp. 90-91). Seriam assim traços típicos da sociedade midiática o poder
mediador da mídia e a sua capacidade de tematização pública e de publicização do
debate entre especialistas (FAUSTO NETO, 2006b, p. 7).
Bernard Miège também se preocupou em delinear a mídia em etapas passadas,
para melhor entender a contemporânea, mais especificamente as técnicas de informação
– comunicação. Ele usou a categoria de modelo comunicacional, que pode ser entendido
como um conjunto de características midiáticas substanciais. Tomando como eixo o que
ele chama de imprensa generalista de massa e mídias audiovisuais de massa, Miège atribui
os seguintes componentes definidores à mídia: dispositivo técnico específico para certo
tipo de recepção (não se assiste a programas de TV em aparelhos de rádio); regularidade
na emissão e recepção de conteúdos; modelo econômico diferenciado; organização
produtiva específica; programação, cuja dupla finalidade é forjar e consolar espectadores,
visando oferecê-los a anunciantes; estabilização de públicos (MIÈGE, 2009a, pp. 110 e
118-123).
Em 2007, Braga também se ocupa dessa caracterização geral, elencando
ângulos de prospecção da midiatização, que podem ser abstraídos do quadro
interacional que preocupa prioritariamente o autor para então serem tomados
como indicação prospectiva de seis1características distintivas do processo midiático

Processo midiático e o vínculo entre parte e todo 211


(BRAGA, 2007, pp. 150-156). A primeira seriam as dinâmicas diferidas e difusas,
distintas dos “espaços de especialidade” (BRAGA, 2007, p. 150). Mensagens, respostas
e interações entram nessa dinâmica, o que implica abrangência, rapidez, diversidade
na produção, na circulação, no consumo e em todas as relações que envolvem mídia.
A segunda característica indicativa é a abreviação do tempo de circulação, tanto no
sentido econômico, de circulação de mercadorias, quanto no sentido interacional,
de retomadas sucessivas. A terceira é a tendência à descontextualização, ou seja, o
desprendimento das relações contingentes, específicas, locais e interpessoais nas
quais foi elaborada a mensagem, que ganha anonimato e tipificação suficientes para
serem reproduzidas em diferentes contextos, onde o produto será reinscrito pelo
usuário. Em quarto lugar, o tratamento em comum de diferentes contextos, sub-
universos ou campos sociais, com a consequente relativização das diversas dimensões
sociais. O quinto traço prospectivo seria a tradução de padrões e nomenclaturas
especializados para termos acessíveis a um público leigo, o que implica uma tendência
a certo deslocamento ou deslegitimação da reserva de conhecimentos e dos modos
de autoexposição que seriam propriedade exclusiva de cada área especializada, de
modo que esta se vê obrigada a uma exposição generalizada e permanente a um
olhar externo, independentemente do exercício de crítica, vigilância ou fiscalização
por parte da mídia. O sexto é a prioridade à recepção, em detrimento da expressão,
ou seja, a compreensão de um conteúdo por parte de leigos é requisito decisivo da
elaboração de produtos, que assim pressupõem um público não especializado, sem
formação prévia e desobrigado de competência específica.
Temos assim, um conjunto de traços fortes, que não se resumem a constatações
descritivas ligadas aos meios de comunicação nem se alinham a categorias tradicionais
de correntes da pesquisa em comunicação. São características levantadas a partir de
análise detida sobre fenômenos midiáticos e que oferecem uma percepção mais nítida
acerca da instauração de um conjunto social peculiar, com coesão interna e incidência
específica na sociedade. Essa percepção, por sua vez, coloca a exigência de reflexão
sobre traços midiáticos profundos e perenes.

Observações finais

Lidando com condições novas baseadas em institucionalização do campo


de pesquisa e centralidade da mídia, e assumindo exigências daquele campo, Braga
problematiza quatro ângulos frequentes na pesquisa em comunicação, percebendo no

212 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


prosaico procedimento de recorte de objeto uma grave implicação, aqui chamada de
triplo isolamento. Desta perspectiva, aquilo que nos aparece como mídia não passa de
fenômeno que tende a ser convertido em objeto pela força centrípeta daqueles ângulos
problemáticos. Assim, Braga sugere concepção em termos processuais. Fausto Neto,
por outros caminhos, oferece orientação semelhante.
Aos olhos de Braga, para ser construído de modo consistente, o objeto deve ser
situado em relação ao contexto, à substância significativa e às condições de produção,
o que é um modo de perseguir vínculos entre processo midiático e processo social. Um
problema similar está colocado no estudo de Miège sobre as TIC: o vínculo social é
introjetado na técnica, que também reincide sobre a sociedade a partir da cristalização
do social como técnica. Essa é a relação abstrata que se extrai de incontáveis relações
concretas entre inúmeros componentes técnicos e segmentos sociais. Este autor busca
assim se contrapor a noções de vínculo que exprimem uma relação de exterioridade,
assim como Braga expõe a segmentação reducionista dos objetos recortados. Em
comum, temos implícita a preocupação com a relação entre parte e todo.
A indicação de Braga de que o recorte reducionista de objeto leva a um
isolamento de sua própria substância pode ser alinhada à compreensão de Miège de
técnica como cristalização de determinações sociais. Em outras palavras, a substância
de um objeto pode ser também – ainda que não só – composta pela introjeção de
dinâmicas externas, o que é um modo de ver por dentro do objeto uma relação externa
a ele.
Curiosamente, este reducionismo pode ser reencontrado nos traços que
Miège atribui à mídia (da unicidade de dispositivo técnico até a estabilização de
públicos, como vimos acima). Tais traços e fatores não seriam concebidos em relação
de exterioridade com a sociedade? E isso não os aproxima dos limites da cibernética
e do funcionalismo? A bem da verdade, essas são definições secundárias no livro de
Miège sobre as TIC, que se concentra sobre a técnica. Mesmo assim, elas expõem a
amplitude das dificuldades de pesquisa, que por sua vez podem ser a incorporação
de obstáculos epistêmicos maiores relacionados à interdição de uma perspectiva de
conjunto. É justamente esta amplitude que o ângulo midiático processual convida a
investigar.

Nota

1. Duas características – acervo e interatividade – não são aqui resgatadas por estarem
mais ligadas à etapa atual, posterior à instauração do campo midiático.

Processo midiático e o vínculo entre parte e todo 213


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216 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Mensagem ao Congresso Nacional:
democracia e diálogo no governo Lula
Ana Paula Costa de Lucena1
Heitor Costa Lima da Rocha2
Patrícia Rakel de Castro Sena3

Resumo
Esse trabalho pretende contribuir com a reflexão sobre a política
pública de comunicação através da análise da relação do Governo
Lula com o Poder Legislativo, especialmente quanto à questão do
compromisso com a democracia e o diálogo. No desenvolvimento
deste projeto, foram analisados os documentos Mensagens ao
Congresso Nacional dos anos 2004, 2006, 2008 e 2010, a partir
das concepções teóricas de autores como Paulo Freire, Jürgen
Habermas, Marilena Chaui, Noberto Bobbio, entre outros. A
metodologia aplicada seguiu a linha da pesquisa qualitativa e,
desta maneira, permitiu a constatação do entendimento da
comunicação como forma de atingir um “diálogo responsável e
qualificado”, com o objetivo de construir consensos e equacionar
conflitos, se constituindo em meio essencial para governar com
maior participação democrática, aproximando a democracia
representativa da democracia participativa.

Palavras-chave: Democracia. Diálogo. Governo Lula.


Participação.

1 Doutoranda em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre


em Gestão Pública pela UFPE, pós-graduada em Marketing Estratégico pela UFPE, graduada em
Administração pela Universidade Católica de Pernambuco. E-mail: anapaula.lucena@yahoo.com.
br.
2 Professor adjunto do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE). E-mail: hclrocha@gmail.com.
3 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE). E-mail: patriciscastro@hotmail.com.

Mensagem ao Congresso Nacional: democracia e diálogo no governo Lula 217


Introdução
O presente artigo analisa as Mensagens do Governo Lula ao Congresso
Nacional nos anos 2004, 2006, 2008 e 2010, detendo-se especificamente ao capítulo
Democracia e Diálogo, dividindo-se em três partes principais. Primeiro, uma descrição
com base nas leis e nos decretos a respeito da estrutura comunicacional de governo,
destacando a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Em
seguida, uma discussão teórica sobre democracia e diálogo com os autores Paulo
Freire, Habermas, Marilena Chaui, Noberto Bobbio, entre outros, para fundamentar
a análise dos documentos. A terceira parte apresenta as análises que revelam as
concepções mantidas pelo governo Lula sobre o tema democracia e diálogo.

Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) e a Co-


municação de Governo.

A Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom)


foi criada com o nome de Secretaria de Comunicação Social, no governo do então
presidente João Figueiredo, que governou o Brasil de 1979 a 1985. A Lei Nº 6.650,
de 23 de maio de 1979 instituiu a Secretaria como um dos órgãos de assessoramento
imediato do Presidente da República. Na lei o Art. 2º define que os assuntos de sua
competência são: “I - política de Comunicação Social; II - divulgação de atividades e
realizações governamentais; e III - outras atividades de comunicação social” (BRASIL,
1979).
A Secom faz parte da estrutura organizacional da Presidência da República
e assim foi determinada em 28 de maio de 2003 na Lei nº 10.683. Portanto, compete
a esta secretaria assistir ao Presidente da República no desempenho das seguintes
atividades:

Art. 2º-B. I - na formulação e implementação da política de comunicação


e divulgação social  do Governo;  II - na implantação de programas
informativos; III - na organização e desenvolvimento de sistemas de
informação e pesquisa de  opinião pública;  IV - na coordenação da
comunicação interministerial e das ações de informação e difusão das
políticas de governo; V - na coordenação, normatização, supervisão e
controle da publicidade e de patrocínios dos órgãos e das entidades da
administração pública federal, direta e indireta, e de  sociedades sob
controle da União; VI - na convocação de redes obrigatórias de rádio
e televisão; e VII - na coordenação e consolidação da implantação do
sistema brasileiro de televisão pública (BRASIL, 2003a).

218 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


No parágrafo primeiro do Art. 2º-B, a Lei acrescenta que cabe a Secom assistir à
Presidência da República nas atividades de comunicação com a sociedade para divulgar os
atos do presidente bem como esclarecer os programas e políticas de governo. É importante
observar, que nesta norma legal, a secretaria não tem como responsabilidade a criação
e o fortalecimento de espaços públicos que garantam a participação social, o diálogo e
democracia. Contudo, apesar da Lei  10.683/03 não fazer referência a esta atividade, o
governo Lula assumiu o compromisso democrático de governar com o povo. 
Em 2006, a Secom passou a integrar a estrutura organizacional da Secretaria-
Geral da Presidência da República com o nome de Subsecretaria de Comunicação
Institucional (BRASIL, 2006). No ano seguinte, a Lei 11.497/07 altera a Lei 10.683
retornando o órgão ao nome inicial, ou seja, Secretaria de Comunicação Social
da Presidência da República (BRASIL, 2007). Nesta mesma Lei são transferidas à
SECOM as competências concernentes à “política de comunicação e divulgação
social do Governo e de implantação de programas informativos, e a convocação de
redes obrigatórias de rádio e televisão” (BRASIL, 2007). Mediante estas mudanças,
fica compreendido que a Presidência da República passa a ser constituída dos órgãos:
Casa Civil, Secretaria-Geral, Secretaria de Relações Institucionais, Secretaria de
Comunicação Social, Gabinete Pessoal, Gabinete de Segurança Institucional e Núcleo
de Assuntos Estratégicos (BRASIL, 2007).
Sobre a comunicação de governo do Poder Executivo Federal, o decreto nº
4.799, de 4 de agosto de 2003, define a forma de execução e seus objetivos. No Art.
1º, incisos I a VI, o decreto aponta os objetivos que devem fazer parte da dinâmica
comunicacional do governo executivo federal. Assim descreve:

I  -  disseminar informações sobre assuntos de interesse dos mais


diferentes segmentos sociais; II  -  estimular a sociedade a participar
do debate e da definição de políticas públicas essenciais para o
desenvolvimento do País; III - realizar ampla difusão dos direitos do
cidadão e dos serviços colocados à sua disposição; IV  -  explicar os
projetos e políticas de governo propostos pelo Poder Executivo Federal
nas principais áreas de interesse da sociedade; V - promover o Brasil
no exterior; VI  -  atender às necessidades de informação de clientes
e usuários das entidades integrantes do Poder Executivo Federal
(BRASIL, 2003b).

É importante observar que a comunicação é convidada a viver uma


experiência democrática e participativa, pelo menos no âmbito do executivo. Assim,
está determinado que todos os esforços de comunicação da Secom devem levar a

Mensagem ao Congresso Nacional: democracia e diálogo no governo Lula 219


informação para os diversos segmentos sociais, contemplando uma divulgação ampla
dos direitos do cidadão e dos projetos do governo, além de estimular a participação
do cidadão no debate e na definição de políticas públicas.
As ações de comunicação de governo são orientadas pelo Plano de
Comunicação de Governo (PCG) e pelos Planos Anuais de Comunicação (PAC) e
abrangem as áreas de imprensa, relações públicas e publicidade. Particularmente sobre
o aspecto publicitário, o decreto é bastante criterioso porque deixa claro o caráter
de utilidade pública e não privado. A respeito, lê-se: “é vedada a publicidade que,
direta ou indiretamente, caracterize promoção pessoal de autoridade ou de servidor
público” (BRASIL, 2003b). Assim, em todos os esforços de comunicação de governo
deverão ser contempladas:

I - a sobriedade e a transparência dos procedimentos; II - a eficiência


e a racionalidade na aplicação dos recursos; III  -  a adequação das
mensagens ao universo cultural dos segmentos de público com os
quais se pretenda comunicar; IV  -  a diversidade étnica nacional;
V - a regionalização da comunicação; VI - a avaliação sistemática dos
resultados (BRASIL, 2003b).

Encontro entre a democracia e o diálogo

O homem, desde muito cedo, faz uso da função comunicar - até porque é
inerente à sua natureza – mas apesar do exercício desde tenra idade, compreende
pouco sobre a essência da comunicação voltada para o próprio crescimento e para o
desenvolvimento da sociedade. A questão se complica ainda mais quando solicitado a
pensar a respeito do que é informação e diálogo. Martín-Barbero faz algumas reflexões
sobre o papel que a comunicação exerce na sociedade:

Falar de comunicação significa reconhecer que estamos em uma


sociedade na qual o conhecimento e a informação têm ocupado um
papel primordial, tanto nos processos de desenvolvimento econômico,
como nos processos de democratização política e social. (MARTÍN-
BARBERO, apud MARTÍN-BARBERO, REY & RINCON, 2000, p.65)

Informação e Comunicação devem ser entendidas como bens públicos,


necessários ao exercício da cidadania, e, o diálogo, uma realidade prática possível de
ouvir e ser ouvido sem distinções de qualquer natureza.
O que é comunicação para o cidadão brasileiro? O povo a entende como uma

220 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


política pública? Direito Humano? A sociedade civil compreende que a comunicação
é fundamental para o processo de desenvolvimento, mas por outro lado observa-se
pouco esforço do Estado (municipal, estadual e federal) em exercê-la voltada para o
viés público.
Quando a comunicação for reconhecida como um direito humano,
consequentemente será tema de “discussão e ação enquanto política pública essencial,
tal como políticas públicas para os segmentos de saúde, alimentação, saneamento,
trabalho, segurança, entre outros” (RAMOS, 2005, p. 250). Essas garantias dependem
do Estado reconhecer publicamente o que já é sabido por ele, ou seja, a comunicação
como direito de todos, e desenvolver instrumentos garantidores dessa prática.
Portanto, o Estado é personagem legitimador de políticas públicas como também
legitimado pela legislação brasileira para tal exercício. Por isso, “O Estado é o ‘poder
público’. Ele deve o atributo de ser público à sua tarefa de promover o bem público, o
bem comum a todos os cidadãos” (HABERMAS, 2003, p. 14).
A sociedade é palco da complexidade e simplicidade da prática de comunicar.
O homem-cidadão, sendo ser-pensante, é instigado a participar do contexto social
pelo movimento da fala e da escuta. A combinação dessas partes terá sentido,
quando se valerem da informação e do diálogo, sendo este último o exercício
mais aprofundado da comunicação. A informação, neste ínterim, representa o
combustível da construção de novas ideias e atitudes, ou seja, “transcende ali a solidão
fundamental de todo ser humano: o pensamento se faz informação e a informação se
faz conhecimento” (BARRETO, 2001). Esse saber será renovado e enraizado quando
propagado através do diálogo pelos pares, díspares, não importa o sujeito. O que vale
é fazer uso do direito de “ser dialógico, para o humanismo verdadeiro, não é dizer-se
descomprometidamente dialógico; é vivenciar o diálogo. Ser dialógico é não invadir,
é não manipular, é não sloganizar” (FREIRE, 1977, p. 43).
Se fosse possível resumir, numa equação matemática, as três palavras aqui
discutidas, seriam referenciadas da seguinte maneira: Informação + Comunicação +
Diálogo = Participação. Assim, conclui-se que são facilitadores de uma relação mais
democrática entre o Poder Público e o Cidadão.
A comunicação de governo, sem os princípios democráticos e dialógicos, não
garante aos brasileiros o acesso às informações de interesse público, tão pouco propicia
a discussão e o questionamento sobre os projetos governamentais. Democracia requer
cidadãos com liberdade para participar, comunicar dialogicamente nas esferas públicas
e construir novas políticas, que visem o desenvolvimento da sociedade, juntamente
com o governo. É impossível conceber uma democracia distante da experiência de

Mensagem ao Congresso Nacional: democracia e diálogo no governo Lula 221


viver a vida política. Na esfera pública é possível ouvir as expressões e pressões da
sociedade quanto aos problemas sociais, porém as “estruturas de uma esfera pública
encampada pelo poder excluem discussões fecundas e esclarecedoras” (HABERMAS,
1997, p. 94).
Segundo o autor alemão, a sua formulação inicial de esfera pública seguia
a linha dos tipos ideais weberianos, personalizando este espaço como um círculo
de “burgueses”, e, por isso, não se prestava a uma aplicação na realidade empírica,
ao contrário da abordagem elaborada 30 anos depois, que passou a destacar o
funcionamento comunicativo.

A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a
comunicação de conteúdos, tomada de posição e opiniões; nela os
fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se
condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos.
(HABERMAS, 1997, p. 92)

As opiniões públicas precisam nascer de bases plurais, ecoando as vozes dos


Brasis para trazer a tona os problemas que precisam ser discutidos e solucionados.
O silenciamento das opiniões de indivíduos, sobretudo aqueles dos movimentos
sociais e da periferia da estrutura de poder, impossibilita a existência de um governo
democrático. Quanto mais prejudicada a socialização do agir comunicativo, mais
sufocados ficam os atores sociais, pois “mais fácil se torna formar uma massa de atores
isolados entre si, fiscalizáveis e mobilizáveis plebiscitariamente” (HABERMAS, 1997,
p. 102). Portanto, percebe-se que, sem o exercício de uma comunicação democrática,
a sociedade se enfraquece e se desarticula perdendo, assim, a sua força de legitimação
política.
Definir democracia parece mais fácil quando a sua ausência se manifesta.
Afinal, como entendê-la? Segundo Noberto Bobbio, da época clássica até os dias atuais,
compreende-se como uma das formas de governo e acrescenta: “especificamente,
designa a forma de governo na qual o poder político é exercido pelo povo” (BOBBIO,
1987, p. 135).
Para a filósofa Marilena Chaui (2008), definir democracia apenas como um regime
político eficaz, organizado em partidos políticos que se manifesta em épocas eleitorais e
que possibilita resolver problemas econômicas e sociais, é reduzir o seu significado. A
filósofa defende que a democracia deve transcender a ideia de regime político, procurando
identificá-la não somente como uma forma do governo, mas como forma geral de uma
sociedade. Assim, Chaui considera a democracia como uma

222 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


forma sócio-política definida pelo princípio da isonomia (igualdade
dos cidadãos perante a lei) e da isegoria (direito de todos para expor
em público suas opiniões, vê-las discutidas, aceitas ou recusadas
em público), tendo como base a afirmação de que todos são iguais
porque livres, isto é, ninguém está sob o poder de um outro porque
todos obedecem às mesmas leis das quais todos são autores (autores
diretamente, numa democracia participativa; indiretamente, numa
democracia representativa) (CHAUI, 2008, p. 67).

O pensamento da autora reforça a ideia de que a democracia está


intrinsecamente relacionada com a comunicação, pois o direito de expor opiniões, em
público, é direito de todos. Um governo democrático abre espaços de relacionamento
dialógico com o cidadão, aumentando o lastro da sua participação política. Segundo
Mill, a discussão política possibilita ao cidadão estabelecer relações com os demais
jurisconsortes para tornar-se um membro consciente de uma comunidade (MILL,
1997, p. 470).
John Stuart Mill divide os cidadãos em ativos e passivos. Ele esclarece que os
governantes tem preferência pelos segundos porque é mais fácil de dominar súditos
dóceis ou indiferentes, embora a democracia necessite dos primeiros. Stuart esclarece
que se predominassem cidadãos passivos, os governantes estariam satisfeitos, pois
transformariam os seus súditos num bando de ovelhas dedicadas a pastar de um lado
para o outro.
Nos dias atuais, nota-se ainda o empenho e a dedicação, por parte de alguns
governantes, na formação do ‘cidadão ovelha dedicada’. Este sempre pronto a servir
(pastar) na labuta dos interesses particulares do político, colocando para o escanteio a
democracia e enaltecendo a relação de servidão. Manter o governo democrático exige
vigilância e coragem porque se está suscetível às guerras e às agitações intestinas.

É sobretudo nessa constituição que o cidadão deve armar-se de força e


constância, e ter presente no coração, todos os dias da vida, o que dizia
um palatino virtuoso na dieta da Polônia: Prefiro a liberdade perigosa
à tranquila servidão (ROUSSEAU, 1973, p. 91).

Não existe democracia sem que o indivíduo possa sair da condição de súdito.
Sobre isso acrescenta Bobbio que

(...) o único modo de fazer com que um súdito se transforme em


cidadão é o de lhe atribuir aqueles direitos que os escritores de direito
público do século passado tinham chamado de activae civitatis; com

Mensagem ao Congresso Nacional: democracia e diálogo no governo Lula 223


isso, a educação para a democracia surgiria no próprio exercício da
pratica democrática (BOBBIO, 2000, p. 43).

De acordo com Bobbio, a definição mínima de democracia exige três aspectos.


Primeiro, atribuir aos cidadãos o direito de participar direta ou indiretamente da
tomada de decisão coletiva. Segundo, a existência do procedimento de decisão que
pode ser por maioria ou por unanimidade. Terceiro, que os convocados a decidir
tenham diante deles alternativas concretas além de condição de escolha. Porém,
para que estas condições venham a se concretizar, “é necessário que aos chamados
a decidir sejam garantidos os assim denominados direitos de liberdade, de opinião,
de expressão das próprias opiniões, de reunião, de associação, etc. (...)” (BOBBIO,
2000, p. 32). Chaui também ressalva as exigências da democracia, quando afirma
que as representações pela participação e os procedimentos precisam ser ampliados
(CHAUI, 2008, p. 69).
Para Habermas (1995), existem três modelos de democracia que são o
liberal, o republicano e o da democracia deliberativa, que se apoia nas condições de
comunicação. No liberal, o Estado é programado para atender à sociedade concebida
como um conjunto de indivíduos cujos interesses particulares precisam ser garantidos
e preservados, o que lhe confere uma dimensão de direito negativo e restrito à
metáfora da competição de mercado, que transforma o cidadão em consumidor,
isolado, atomizado e fragmentado em sua consciência.
Na concepção republicana, a política não se limita ao papel de mediadora de
disputas de interesses particulares, vislumbrando a dimensão coletiva da soberania
popular e do autogoverno da sociedade, o que pressupõe a superação aproximativa
da dicotomia governantes (representantes) e governados (representados). “Ela é
um elemento constitutivo do processo de formação da sociedade como um todo”
(HABERMAS, 1995, p. 39). O modelo republicado, no entanto, restringe-se a uma
ênfase excessivamente ética ao atribuir o maior ou menor desenvolvimento da
democracia às virtudes ou vícios dos cidadãos.
O terceiro modelo de democracia deliberativa está apoiado nos procedimentos
comunicativos sob a expectativa que “o processo político pode ter a seu favor a
presunção de gerar resultados racionais, porque nele o modo e o estilo da política
deliberativa realizam-se em toda a sua amplitude” (HABERMAS, 1995, p. 44). Dessa
forma, o terceiro modelo está vinculado a uma política radicalmente democrática
galgada na comunicação pública e, portanto, consubstanciada na possibilidade de
deliberações construídas sob condições de uma discussão ética, justa, igualitária,

224 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


mesmo que limitada pelo falibilismo humano que coloca a universalização como
uma busca sempre inconclusa, aproximativa, mas imprescindível para a conquista
de patamares cada vez mais de acordo com o tribunal da nossa consciência e com
os sentidos compartilhados intersubjetivamente, portanto, capazes de combater os
potenciais de conflito e violência e conferir mais representatividade e legitimidade à
ordem institucional.
Nesse sentido, observa-se que nos últimos dez anos o governo brasileiro parece
esforçar-se para alcançar a democracia-isegoria4 que significa garantir ao cidadão a
liberdade de expor opiniões e discuti-las no exercício do poder político. Contudo, esse
formato ainda está longe de ser alcançado, pois a democracia precisa se encontrar com
a comunicação (diálogo); caminharem juntas e se firmarem como política pública
dentro e fora do governo. Sem este elo será inconcebível a democracia-isegoria, quiçá
sua prática. Pois a atualidade revela que, quanto mais afastado está o cidadão dos
grandes centros, mais difícil é o seu exercício político. Ou seja, a desinformação
e a concentração do poder, ainda presentes no Brasil, impedem a participação e a
manifestação da cidadania para além do voto. Por conseguinte, vale ressaltar que o
exercício político faz da sociedade um ator relevante para decidir os rumos do país.
Do ponto de vista das decisões políticas, o indivíduo pode deliberar
diretamente ou através de representação, sendo assim denominadas, respectivamente,
de democracia direta e democracia representativa. Na primeira “o indivíduo participa
ele mesmo nas deliberações que lhe dizem respeito, é preciso que entre os indivíduos
deliberantes e a deliberação que lhes diz respeito não exista nenhum intermediário”
(BOBBIO, 2000, p. 63). A representativa significa dizer que as decisões coletivas “são
tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem parte, mas por pessoas eleitas
para esta finalidade” (BOBBIO, 2000, p. 56).
Espera-se que o poder popular acorde mais vezes, melhor, mantenha-se
desperto a exemplo do que ocorreu nas manifestações ‘O Brasil Acordou’, nos meses
de junho e julho de 2013 em todo o país. Da Democracia espera-se a garantia da
soberania dos sujeitos políticos numa dinâmica comunicacional frente a um governo
transparente e voltado a governar ouvindo o povo. “Se é isso a democracia, podemos
avaliar quão longe dela nos encontramos, pois vivemos numa sociedade oligárquica,
hierárquica, violenta e autoritária” (CHAUI, 2008, p. 70).

4 A palavra Isegoria significa: “Todos os cidadãos têm igual direito de manifestar sua opinião política
para todos os outros. A palavra de dois homens têm igual valor perante a sociedade. Quando as opiniões
divergem, é preciso que se discuta a questão. Através do discurso, da fala, os cidadãos têm o direito de
convencer os outros sobre seu ponto de vista” (PRINCÍPIOS..., 2013).

Mensagem ao Congresso Nacional: democracia e diálogo no governo Lula 225


Democracia e diálogo no governo Lula

Todos os anos, o Presidente da República encaminha para a sessão de abertura


dos trabalhos do Poder Legislativo um documento chamado Mensagem ao Congresso
Nacional5 que é elaborado pela Secretaria-Geral da Presidência da República e
esta disponível na página da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da
República (Secom). Este documento tem por objetivo prestar contas das ações do
Poder Executivo no ano anterior e apresentar os novos planos e expectativas para o
ano que se inicia.
As Mensagens ao Congresso Nacional que foram analisadas compreendem os
anos de 2004, 2006, 2008 e 2010, durante o Governo Lula, detendo-se, especificamente,
no capítulo “Democracia e Diálogo”. A escolha do período teve como critério analisar
dois anos de cada mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva6, sendo um no
começo e o outro no final. Vale ressaltar que este capítulo começou a integrar as
Mensagens a partir da publicação do ano de 2004.
O governo Lula trouxe para a sua gestão os alicerces: diálogo, democracia e
participação, posicionando esses princípios como pilares da gestão pública e fez da
sociedade uma interlocutora estratégica. Essas marcas começam a ser notadas na
leitura da Mensagem ao Congresso Nacional de 2004, quando o governo afirmou
ter ampliado e aprofundado o diálogo com a sociedade para governar com maior
participação democrática (MENSAGEM..., 2004).
Quando o governo fala em interlocução, remete a dois entendimentos que
se completam. Primeiro, a dinâmica da escuta e da fala com os atores da sociedade
para dialogar assuntos de interesse público. O segundo ponto diz respeito à ampliação
da expressão e da manifestação de opiniões na condição de ator-cidadão-político.
Portanto, percebe-se que a lógica estratégica, seguida no governo Lula, atuava com
diálogo, participação e democracia.
O capítulo Democracia e Diálogo, na Mensagem de 2004, menciona o diálogo
como um meio essencial para governar com maior participação democrática. Pois,
havia uma preocupação em consolidar os novos espaços públicos para promover
a interlocução entre Estado e sociedade. A redação também chama atenção para a
necessidade do governo federal estabelecer diálogo com os estados e municípios.
Por conseguinte, realizou diversas reuniões, participou de fóruns de articulação dos

5 Art. 84 Inciso XXIV da Constituição Federal do Brasil. “Compete privativamente ao Presidente da


República: prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da
sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior” (BRASIL, 1995).
6 O Presidente Lula governou o Brasil nos anos de 2003 a 2010.

226 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


secretários estaduais para discutir temas de interesse comum e criou “um novo canal
de diálogo entre os estados e o Governo Federal, por intermédio das Representações
de Governos de Estados em Brasília” (MENSAGEM..., 2004, p. 219).
No documento de 2006, a palavra diálogo vem com um sentido mais
ampliado, certamente mais amadurecido. Destarte, denomina-se ‘diálogo responsável
e qualificado’ que tem por objetivo construir consensos e equacionar conflitos. “Essa
interlocução permanente e qualificada permite que a sociedade passe a ser protagonista
na formulação de políticas públicas, e não apenas instância consultiva, opinativa ou
de fiscalização” (MENSAGEM..., 2006, p. 191). Observa-se que a expressão, agora
composta, motiva o cidadão a se apropriar do exercício político da fala, da escuta, do
pensar em novas políticas públicas. As sugestões da sociedade passaram a ser ouvidas
e incorporadas pelo governo, que, neste sentido, asseverou que “o processo de diálogo
social iniciado pelo Governo Lula gerou frutos importantes que comprovam seu
processo de amadurecimento (...)” (MENSAGEM.., 2006, p. 195).
Na mensagem de 2008, o termo ‘diálogo responsável e qualificado’ é entendido
como um instrumento fundamental para o fortalecimento da democracia, pois equaciona
conflitos e constrói soluções para os problemas do país. Neste documento, o diálogo
vinculou-se definitivamente como peça essencial para fortalecer a democracia, pois,
com a interlocução, é possível resolver divergências e criar alternativas para dificuldades
enfrentadas. O governo entende que a prática do diálogo social fortalece a democracia e
promove o desenvolvimento (MENSAGEM..., 2008, p. 213).
Desse modo, sabe-se que sem informação fica difícil dialogar para apontar
novos caminhos. De acordo com o documento de 2008, houve esforços de comunicação
no governo Lula que se preocuparam em informar e esclarecer os brasileiros a respeito
dos programas e ações do Governo. Embora afirmem que os esforços para informar
foram feitos, notou-se e nota-se, até hoje, a dificuldade que é para as informações
governamentais chegarem à população. Sobre isso, vale ressaltar que a implantação
e o aperfeiçoamento dos programas e das políticas públicas dependem das sugestões
ouvidas da população diretamente beneficiada (MENSAGEM..., 2008, p. 214). Assim
compreende-se que o governo Lula considera “o diálogo social como elemento
importante para o desenvolvimento nacional e para a superação de conflitos”
(MENSAGEM..., 2006, p. 195).
O processo dialógico entre o governo e os movimentos sociais possibilitou
aos vários atores a expressão das opiniões, das ideias, nos espaços públicos. Logo, é
condição para a democracia participativa que o cidadão tenha a garantia de poder
discutir e formular políticas públicas (MENSAGEM..., 2008, p. 209). Dentro desse

Mensagem ao Congresso Nacional: democracia e diálogo no governo Lula 227


contexto, a palavra democracia ganha uma compreensão que se estende à participação
social e à democratização da gestão do Estado. A democracia no governo Lula ganha
forma nos vários espaços públicos de participação social. “Esse amplo processo de
participação criou um ambiente de corresponsabilidade nas decisões governamentais,
que tem sido essencial para o exercício da democracia no País” (MENSAGEM..., 2010,
p. 323).
Democracia no governo Lula significa construir e trabalhar junto com a
sociedade, estimulando o exercício da democracia participativa. Na Mensagem
de 2004, o governo destaca que “a adoção de uma gestão pública participativa foi
incorporada como um elemento-chave de nossa forma de governar” (MENSAGEM...,
2004, p. 217). A partir desse posicionamento, “houve uma ação deliberada de
constituição de novas esferas públicas democráticas, voltadas à co-gestão pública, à
partilha de poder público, à articulação entre democracia representativa e democracia
participativa” (MENSAGEM..., 2004, p. 217).
O governo Lula resgata o sentido da palavra democracia nos âmbitos do
viver, sentir e atuar na condição de co-gestor das definições das políticas públicas do
país. Sendo possível ao cidadão, a partir desse entendimento, participar das fases de
elaboração, acompanhamento, avaliação e revisão (em alguns casos) (MENSAGEM...,
2010, p. 323). Dessa forma, “a ampliação dos espaços republicanos e democráticos de
diálogo tem dado consequência prática ao princípio constitucional da democracia
participativa” (MENSAGEM..., 2008, p. 09).
Nos estudos realizados no capítulo Democracia e Diálogo das Mensagens ao
Congresso Nacional, conclui-se que o governo Lula desempenhava o seu mandato no
viés da democracia participativa. Essa postura inspirou a todos sair do lugar comum,
que leva a maioria dos brasileiros a relacionar democracia com o momento do voto, ou
a lembrar que trata de uma forma política. De acordo com a pesquisadora Marilena
Chauí (2008, p. 67), é possível “caracterizar a democracia como ultrapassando a
simples ideia de um regime político identificado à forma do governo, tomando-a
como forma geral de uma sociedade”. Assim, a democracia na era Lula tomou a forma
de diálogo-participação-ação que se materializavam nas esferas públicas: conselhos,
conferências, fóruns, câmaras setoriais, ouvidorias, comissão e comitê nacionais.
Como visto, a sociedade brasileira foi posicionada no governo Lula como sujeito ativo
da transformação do Brasil. Quiçá da sua própria história política.

228 Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística


Considerações Finais

O governo Lula deu notoriedade ao diálogo, à democracia e à participação.


Essas palavras estão imbricadas nas quatro Mensagens analisadas e percebe-se que elas
foram os pilares estratégicos da articulação política com os vários atores da sociedade.
Apesar de a pesquisa ter se restringido apenas a compreender o entendimento do
diálogo e da democracia, a participação esteve presente como uma das bases da gestão.
No começo do governo, a palavra diálogo era empregada como interlocução.
Depois se observa o uso do termo diálogo de forma mais veemente e constante. Mais
tarde, perto do fim do primeiro mandato, o sentido amplia-se para ‘diálogo responsável
e qualificado’ que tem por objetivo construir consensos e equacionar conflitos. Sendo
assim, o diálogo é entendido como um meio essencial para governar com a maior
participação democrática.
A acepção da democracia internaliza-se na Mensagem ao Congresso Nacional
como condição sine qua non da gestão. Descobriu-se que a democracia ganha um
significado que se estende à participação social e à democratização da gestão do
Estado. Dessa forma, o sentido ganha lastro porque a sociedade passa a ser co-gestora
das definições das políticas públicas do país. Portanto, a democracia na era Lula
coligou a democracia representativa e a democracia participativa.

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