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RESUMO
Já há algum tempo se faz presente em inúmeros setores produtivos a preocupação com a sustentabilidade, que
deve envolver uma visão ecológica, social e econômica. O processo de construção com solo-cimento pode,
devido suas características, ser enquadrado como um processo de tecnologia apropriada e sustentável com um
amplo campo de aplicações, seja no meio rural ou urbano. A sustentabilidade desse processo é ecológica: pois,
por não ser queimado, o tijolo de solo-cimento contribui para a preservação de recursos naturais e diminuição do
uso de energia; social: nota-se um resgate da auto-estima e da cidadania das famílias envolvidas em regimes de
auto-construção e de ajuda mútua; e econômica: a terra crua, por ser um material de grande disponibilidade e
baixo custo apresenta-se como excelente alternativa técnico-econômica para construções rurais, principalmente
na forma de tijolos prensados não queimados. O Programa de Melhoria da Moradia dos Funcionários de Baixa
Renda da Universidade Federal de Goiás (Conjunto Nossa Morada, Goiânia-GO) é um exemplo dessa aplicação.
Estudou-se tijolos prensados de solo-cimento, em paredes de alvenaria auto-portante, empregados no referido
programa habitacional, comparando-os com tijolos maciços comuns e tijolos furados, com o intuito de definir
critérios de aplicação prática, controle de patologias e comparação de custos.
ABSTRACT
Long since there is a current concern on sustainability involving ecological, social and economical patterns as
well. The soil-cement constructing system may be understood as an appropriate building technology with a large
range of application in both rural and civil engineering field of activities. Under this point of view, the
sustainability is related to ecological concepts because soil-cement brick manufacture doesn’t cause wastage and
pollution and requires negligible energy consumption since soil-cement brick is not burnt in kiln; so it
contributes for environmental improvement and natural resources conservation. The social aspect related to
sustainability refers to the self-esteem and citizenship ransom by the families straightly involved in self-
constructing programs. On the other hand the economical aspect considers the earth a low cost material available
in large quantities in most regions and suitable as construction material for most parts of the building. The
Program for Low-Income People Housing supported by the Federal University of Goias is a good example for
the “appropriateness” of soil-cement brick. For this purpose, soil-cement brick masonry was compared with both
solid and hollow burnt clay brick masonry aiming to establish practical and simple criterions for building
pathology control and cost comparison.
As razões de se construir no meio rural, dentre outras, nascem da necessidade de melhoria das
condições de vida do produtor rural. Grosso modo, as construções rurais podem ser divididas
em dois tipos: moradias e instalações voltadas à exploração agrícola e seus correlatos
(instalações para animais, unidades armazenadoras, agroindústrias, etc.).
A operacionalização dessas tecnologias pode ser feita através do uso isolado ou combinado de
materiais e técnicas construtivas, convencionais ou não, tais como: terra crua, solo-cimento,
argamassa armada, paredes monolíticas, elementos pré-fabricados, bambu, compósitos
biomassa vegetal-cimento, etc. Entretanto, a escolha do material ou técnica mais apropriados
vai depender, dentre outros aspectos, dos recursos disponíveis no local, da mão-de-obra a ser
empregada e da finalidade e durabilidade preconizadas para a construção.
A terra crua, por ser um material de grande disponibilidade e baixo custo, vem se mostrando
como uma excelente alternativa técnica e econômica para uso em construções rurais,
principalmente sob a forma de tijolos ou blocos prensados e não queimados. Seu uso isolado
ou associado a aditivos químicos, tais como cimento, cal, silicato de sódio, cinzas volantes,
escória de alto forno, dentre outros, vem sendo objeto de inúmeras pesquisas com a finalidade
de melhorar sua resistência à compressão simples, seu comportamento sob a ação da água e
sua durabilidade em longo prazo (WALKER, 1995; ERELL e FREIDIN, 1995; REN e KAGI,
1995; GORDON et al., 1996; BARONIO e BINDA, 1997; NGOWI, 1997; ROLIM, et al.,
1999).
Por outro lado, nos países em vias de desenvolvimento, como é o caso do Brasil, é ainda mais
crítica a situação do déficit habitacional. Alimentadas pela acentuada contradição entre o
poder aquisitivo da maioria da população e o alto preço das habitações, têm surgido várias
soluções, algumas institucionais, outras alternativas ou “marginais”, promovidas por órgãos
públicos ou pela própria população.
Nesse programa são construídas habitações em três diferentes sistemas de alvenaria: de tijolos
prensados de solo-cimento (23x11x5 cm³), de tijolos maciços comuns (15x10x5 cm³), e de
tijolos furados (30x20x10 cm³). De acordo com os próprios usuários do programa, por falta de
maiores esclarecimentos houve, no início, uma certa restrição ao uso do solo-cimento. Mas,
aos poucos isso mudou e atualmente há uma boa aceitação desse sistema, principalmente pela
redução de custos por ele proporcionado.
Diante de tal contexto, procurou-se neste trabalho estudar o emprego do tijolo prensado de
solo-cimento em paredes de alvenaria aparente auto-portante no “Conjunto Nossa Morada”
(Goiânia-GO, Brasil) com o intuito de buscar critérios de aplicação prática, controle de
patologias e comparação entre os custos e a qualidade em relação aos tijolos maciço comum e
furado.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1. Materiais
Foi empregado, na fabricação dos tijolos de solo-cimento, um solo A6(1) coletado no próprio
Conjunto Nossa Morada, Goiânia-GO. Foram usados cimento Portland (CP II-E 32) e cal
hidratada (CH-I). As características físico-químicas do cimento e da cal seguem a norma NBR
11578 (ABNT, 1991) e a norma NBR 7175 (1992a), respectivamente. Os tijolos maciços
comuns e os tijolos furados foram adquiridos no comércio local.
Foi utilizada uma betoneira com capacidade de 350 litros para a mistura mecânica do solo, do
cimento e da água. Na fabricação dos tijolos foi empregada uma máquina de fabricação de
tijolos de acionamento mecânico (Figura 1). Esta máquina produz tijolos do tipo II (23x11x5
cm³) em conformidade com a norma NBR 08491 (ABNT, 1984a).
O solo utilizado na fabricação dos tijolos foi submetido aos ensaios de caracterização para
determinar seus principais índices físicos, a saber: distribuição granulométrica (%) (ABNT,
1984b); densidade dos sólidos (g.cm-3) (ABNT, 1982); limites de liquidez e de plasticidade
(%) (ABNT, 1984c e ABNT, 1984d); massa específica aparente seca máxima (g.cm-3) e
umidade ótima de compactação (%) (ABNT, 1986).
Nesse caso, a cura consistiu em um processo de umidificação dos tijolos de forma a evitar a
perda de água por secagem durante o processo inicial de hidratação do cimento. Foi efetuada,
após 6 horas de moldagem e durante os sete primeiros dias, uma aspersão de água através de
regador munido de chuveiro em um galpão de modo a evitar os efeitos do vento e a incidência
dos raios solares. A cura é fundamental no processo de fabricação dos tijolos de solo-cimento,
motivo pelo qual todo esforço foi direcionado para que a mesma ocorresse da forma mais
adequada possível.
Controle tecnológico
De todos os lotes de tijolos de solo-cimento foram retirados três tijolos os quais foram
submetidos aos ensaios de compressão simples e capacidade de absorção de água, de acordo
com a NBR 08492 (ABNT, 1992c).
Observou-se um período de 28 dias entre a fabricação e o uso dos tijolos a fim de se garantir
que os efeitos da retração volumétrica devido à secagem fossem minimizados. Evitou-se
molhar o tijolo antes de sua utilização, mas, quando inevitável, o umedecimento dos
elementos foi superficial, sem, contudo saturá-los.
Os tijolos com um valor de IRA (Initial Rate of Absorption) superior a 30 g.min-1 foram
umedecidos antes do assentamento, para que os mesmos não absorvessem água em excesso da
argamassa, conforme recomendações da American Standards for Testing Materials (ASTM,
1967).
Argamassas de assentamento
Deve-se procurar sempre utilizar argamassa com resistência compatível com a dos tijolos, e
nunca superior à resistência dos tijolos. Desta maneira, as trincas que surgirem tenderão a
seguir as juntas e terão menores espessuras de abertura e profundidade.
Na casa de tijolo de solo-cimento foi usada uma argamassa de traço 1:2:9 (cimento, cal e areia
média) em volume. Procurou-se manter uma relação água/aglomerante em torno de 0,50,
entretanto, a água de amassamento foi adicionada de acordo com a prática, conforme o tijolo
(mais poroso ou não) e a temperatura no local da obra, prevendo-se as perdas por evaporação.
Nas casas de tijolo maciço comum convencional e tijolo furado (15 x 30 cm) empregou-se
argamassa na proporção de 1:3:5 (cimento, saibro e areia média), em volume.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
1,75
1,73
Massa específica aparente seca
1,71
1,69
1,67
1,65
1,63
1,61
(g/cm3)
1,59
1,57
1,55
1,53
1,51
1,49
1,47
1,45
12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25
Teor de umidade (%)
0% de cimento 10% de cimento
Resistência à compressão
3
simples (MPa)
2,5
2
1,5 Limite NBR 8492
1
0,5
0
7 28 56
Idade (dias)
Sobre a cinta de concreto, coloca-se a primeira camada que, ao invés de tijolo, sugere-se que
seja de concreto simples. Em seguida, coloca-se a primeira fiada de tijolos usando-se
argamassa de cimento e areia, cal e areia ou cimento, cal e areia. A quantidade de aglomerante
não precisa ser superior a 10%. No topo da parede, passa-se uma cinta de concreto armado
com apenas um ferro de φ 6,3 mm (caso de construções de pequeno porte). A cinta passa por
todas as paredes para “amarrar” a construção. Por sobre a cinta é apoiado o madeiramento e a
cobertura (BARBOSA et al., 1997).
Fundações
Após a limpeza e demarcação das paredes externas e internas, foi escavado o leito de
fundação, com 30 cm tanto na largura quanto na profundidade. A fundação empregada foi a
do tipo direta e contínua, em forma de canaleta, através do assentamento de dois tijolos em
espelho e posterior preenchimento com concreto de traço de 1:3:5. Foi empregada uma
armação horizontal a fim de permitir melhor capacidade de absorção das tensões de tração
produzidas pelas retrações, distribuindo possíveis tensões na alvenaria.
Piso
Após a confecção das fundações, foram executados o aterramento e nivelamento até o topo do
baldrame. Em seguida procedeu-se à compactação do solo e confecção do contra-piso.
Aberturas e lajes
Nas aberturas de portas e janelas foram empregadas vergas e contra-vergas. Nos três sistemas
de alvenaria utilizados no Conjunto Nossa Morada foi adotada a mesma técnica para
confecção das lajes. As lajes foram confeccionadas através da combinação de vigotas pré-
moldadas de perfil triangular (10x10x10 cm³) e lajotas (20x20x10 cm³). As vigotas foram
moldadas em uma mesa vibratória, armadas com 3 ferros dispostos longitudinalmente e com
bitola variando de acordo com o vão da laje.
Ferragens
A Tabela 3 discrimina as ferragens utilizadas nas diferentes etapas construtivas das casas
estudadas.
Na casa de tijolo de solo-cimento houve pequena fissura na alvenaria, mais de ordem estética
e não estrutural, devido sua construção em período chuvoso (Figura 6). A ação das águas de
chuva provocou um aumento de volume dos tijolos com posterior retração, justificando-se,
portanto, o aparecimento da fissura na face da alvenaria submetida à incidência de radiação
solar direta.
fissura
fissura
Para que haja uma minimização do aparecimento de fissuras devem ser levados em
consideração cuidados desde na etapa de projeto, como nas etapas de seleção dos materiais,
construção, uso e manutenção. O solo-cimento, como material poroso e suscetível à retração
cíclica, retrai e expande em função principalmente das variações de umidade. Para tanto é
recomendável projetar juntas de construção a cada 4 metros ou estudar muito bem a
argamassa a ser utilizada no assentamento, de maneira, que possua capacidade de se deformar
sem apresentar ruptura quando sujeita a solicitações diversas e de retornar à dimensão original
quando cessarem as solicitações. O termo “argamassa fraca” refere-se a uma argamassa de
baixo módulo de deformação e que permite movimentos sem fissuras prejudiciais
(NASCIMENTO e HELENE, 1993).
O custo da casa construída com tijolo furado (15x30 cm²) foi 63,5% superior ao da casa de
tijolo maciço comum. Os gastos com ferragens, cimento, areia, brita, arame e fôrmas para a
confecção de 10 pilares de concreto armado (2,65x0,16x0,11m) contribuíram para o aumento
do custo desta casa. Entretanto, o custo da mão-de-obra neste tipo de alvenaria ficou 50%
menor que a do tijolo maciço comum.
5. CONCLUSÕES
Todavia, para que os benefícios advindos dessa tecnologia possam ser integralmente
aproveitados, é imprescindível o conhecimento de alguns fatores técnicos, como a seleção dos
solos mais adequados, as definições dos teores de umidade e aglomerante, cuidados na
fabricação do tijolo (mistura dos componentes, prensagem, e cura úmida). Ademais, faz-se
necessário o controle tecnológico da qualidade dos tijolos durante todo o processo, através de
ensaios laboratoriais, tais como a resistência à compressão e a capacidade de absorção de
água, fatores restritivos à viabilidade técnica de seu uso.
A ocorrência de fissuras na casa de solo-cimento foi mais de ordem estética que estrutural.
Entretanto, os aspectos relacionados ao aparecimento de fissuras deverão ser levados em
consideração em etapas futuras Conjunto Nossa Morada.
Em relação à parte econômica, dentro das mesmas condições de comparação, o custo da casa
de tijolo de solo-cimento foi 17,5% menor que o da casa de tijolo maciço comum, e 85%
menor que o da casa de tijolo furado.
Através das informações apresentadas neste trabalho, percebe-se o grande potencial da terra
como material de construção no meio urbano ou rural, principalmente na forma de tijolos
prensados.
Tabela 4. Comparação dos custos de 3 tipos de alvenaria executadas no “Conjunto Nossa Morada”, Goiânia-GO (A Construção em Goiás, 2002).
CUSTOS DE ALVENARIA – CONJUNTO NOSSA MORADA
Casa I* – Área: 70 m2 Casa II* – Área: 70 m2 Casa III* – Área: 70 m2
End.: Rua 6 Quadra G Lote 04 End.: Rua 5 Quadra E Lote 07 End.: Rua 5 Quadra E Lote 02
Sócio: Oscar de Campos Lima Sócio: José de Sousa Neto Sócio: Elenita Batista Veloso
Alvenaria: Tijolo maciço comum Alvenaria: Tijolo solo-cimento Alvenaria: Tijolo furado 15x30cm
Argamassa: cimento, saibro e areia Argamassa: cimento, cal e areia Argamassa: cimento, saibro e areia
Traço: 1:3:5 em volume Traço: 1:2:9 em volume Traço: 1:3:5 em volume
MATERIAIS Qtd R$ unid. R$ total MATERIAIS Qtd R$ unid. R$ total MATERIAIS Qtd R$ unid. R$ total
Tijolo maciço comum 9.000 90,00/mil 810,00 Tijolo solo-cimento 8.400 72,40/mil 608,16 Tijolo furado 15x30cm 9.000 170,00/mil 1530,00
Lajota 20x20cm 500 110,00/mil 55,00 Lajota 20x20cm 250 110,00/mil 27,50 Lajota 20x20cm 500 110,00/mil 55,00
Cimento: saco de 50kg 16 12,50 200,00 Cimento: saco de 50kg 16 12,50 200,00 Cimento: saco de 50kg 16 12,50 200,00
3 3
Saibro m 3 20,00 60,00 Cal hidratada Sc 20kg 20 3,80 76,00 Saibro m 1,4 20,00 28,00
3 3 3
Areia média m 6,5 20,00 130,00 Areia média m 6,5 20,00 130,00 Brita “0” m 0,6 32,00 19,20
3
Ferro 5,0 mm BR 10 2,60 26,00 Areia média m 2,9 20,00 58,00
Ferro 5,0 mm BR 13 3,50 45,50
Ferro 4,2 mm BR 4 1,30 5,20
Arame galvanizado kg 2 2,50 5,00
Arame recozido kg 1 2,00 2,00
Tijolo maciço comum 320 90,00 28,80
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