Você está na página 1de 178

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC

Programa de Pós-graduação em Planejamento e Gestão do Território

Dissertação de Mestrado

Marcelo Martins da Silva

DESIGUALDADES RACIAIS NO MERCADO DE TRABALHO NA REGIÃO DO


ABC (1991- 2011)

Santo André - SP
2015
Programa de Pós-graduação em Planejamento e Gestão do Território

Dissertação de Mestrado

Marcelo Martins da Silva

DESIGUALDADES RACIAIS NO MERCADO DE TRABALHO NA REGIÃO DO


ABC (1991- 2011)

Trabalho apresentado ao curso de Pós-Graduação em


Planejamento e Gestão do Território, como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre em
Planejamento e Gestão do Território, sob a
orientação do Professor Doutor Gerardo Alberto
Silva e Coorientação do Professor Doutor Sidney
Jard da Silva.

Santo André - SP
2015
À Ada, Maurício e Terezinha.
Agradecimentos

Agradeço a todos que de alguma maneira contribuíram na elaboração deste trabalho. À


Fundação UFABC pelo apoio financeiro. Aos professores do Programa de Pós-Graduação em
Planejamento e Gestão do Território da UFABC. Aos meus orientadores, Professores Gerardo e
Sidney, que com solicitude e em momentos diferentes acompanharam o trabalho apontando para
seus acertos, erros e direção a ser tomada. Aos professores Jeroen e Pedro, membros da banca de
qualificação e defesa, que contribuíram com importantes sugestões teóricas e bibliográficas. Aos
meus colegas do Grupo de Estudos GETUFABC pelas contribuições e trocas de ideias. Aos meus
colegas de Mestrado pelas dicas, troca de experiências, de frustrações, mas principalmente pelas
boas risadas que compartilhamos quando nos foi possível. Aos meus colegas de trabalho e à
Secretaria de Planejamento Urbano da Prefeitura de Mauá, especialmente os colegas da Seção de
Informações Socioeconômicas, Kelly, Jônatas e Hugo, este último inclusive muito ajudou,
instruindo a manipular as bases de dados e com comentários pertinentes. E finalmente à minha mãe,
Terezinha, por toda sua dedicação e amor; ao meu filho, Maurício, fonte contínua de alegria e
inspiração; e à minha querida companheira, Ada, por sua enorme paciência, apoio, carinho.
Resumo

Nas décadas correspondentes ao período de 1991 a 2011 ocorreram importantes mudanças no


cenário econômico, político e cultural brasileiro e, no que diz respeito ao combate às desigualdades
raciais, novas perspectivas se apresentaram. Do ponto de vista econômico, a estabilização da
economia e a queda das desigualdades nos fazem pensar até que ponto estes processos atingiram a
população negra que, segundo o IBGE, era a maioria em 2010. Do ponto de vista cultural e político,
desde a década de 1980 a ação dos movimentos negros ganha novos contornos e, a partir da década
de 1990, a questão racial passa a fazer parte da agenda pública, ainda que timidamente. É a partir
destes pressupostos e seus corolários que esta pesquisa buscou compreender o alcance das
desigualdades raciais no mercado de trabalho na Região do Grande ABC no período em questão por
meio de informações e dados secundários disponibilizados pelo IBGE, o DIEESE e o Ministério do
Trabalho e Emprego, argumentando sobre a resiliência destas desigualdades ante as transformações
verificadas.

Palavras chave: Desigualdades raciais; Mercado de trabalho; Região do ABC.


Abstract

In the decades corresponding to the period between 1991 and 2011 there were important changes in
the economic political and cultural Brazilian landscape, and that of which regards the combat of the
racial differences, new perspectives present themselves. From the economic point of view, the
stabilization of the economy and the drop of inequalities make us wonder to what extent these
processes reached the black population, which according to IBGE were majority in 2010. From the
cultural and political standpoint, since the 80's decade the action of the black movements gained
new outlining, and since the 90's decade, the racial issue becomes part of the public agenda, yet
timidly. It is from this prerogative and its corollaries that this research attempted to understand the
reach of racial differences in the labor market at the region of the Grande ABC in the given period
through information and secondary data provided by the IBGE, DIEESE and the Ministério do
Trabalho e Emprego, arguing about its resilience facing the verified transformations.
.

Key words: Racial inequalities; Labor market, region of ABC.


Lista de Quadros

Quadro 1 – Rendimentos por grupos raciais no Brasil (2000-2010) .............................................p. 41

Quadro 2 – Curso superior por grupos raciais no Brasil (2000-2010) ..........................................p. 42

Quadro 3 – Grupos de ocupação por cor ou raça no Brasil (2000-2010) ......................................p. 42

Quadro 4 – Posição na ocupação por cor ou raça no Brasil (2000-2010) .....................................p. 43

Quadro 5 - Composição (%) dos quadros das 500 maiores empresas do Brasil por cor ou raça
(2003-2010) ...................................................................................................................................p. 44

Quadro 6 - Percentual de pobres por cor ou raça – Brasil e Grandes Regiões (2001) ..................p. 53

Quadro 7 – Perfil racial da população pobre (%) – Brasil e Grandes Regiões (2001) ..................p. 54

Quadro 8 – Brasil – Grandes regiões – Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) desagregado por
etnia, 1997 – 1999..........................................................................................................................p. 54

Quadro 9 - População brasileira residente em aglomerados subnormais por cor ou raça e regiões
(2010) .........................................................................................................................................., p. 56

Quadro 10 – População brasileira por cor ou raça e domicílios com revestimento externo
inadequado, não existência de energia elétrica e regiões (2010) ..................................................p. 57

Quadro 11 – População brasileira por cor ou raça por abastecimento de água e esgotamento
sanitário nos domicílios e regiões (2010) ......................................................................................p. 57

Quadro 12 – População brasileira por cor ou raça por densidade do cômodo e coleta de lixo nos
domicílios e regiões (2010) ...........................................................................................................p. 58

Quadro 13 – Proporção da remuneração média regional dos negros em relação aos não negros nas
categorias ocupacionais selecionadas (2000-2010) .......................................................................p. 63

Quadro 14 - Distribuição regional de cada grupo racial das categorias ocupacionais selecionadas
(2000-2010) ...................................................................................................................................p. 64

Quadro 15 - Distribuição regional de cada grupo racial das categorias ocupacionais selecionadas em
relação aos ocupados de cada região (2000-2010) ........................................................................p. 66

Quadro 16 - Relação entre rendimento-hora da população ocupada, por sexo e cor/raça, segundo
classes de anos de estudo - Brasil, 1998* e 2008...........................................................................p.75

Quadro 17 - População absoluta por grupos raciais no ABC (1991, 2000-2010) e incremento
absoluto da população negra entre 1991, 2000 e 2010·.................................................................p. 92

Quadro 18 - População relativa por grupos raciais no ABC (1991, 2000-2010) e incremento relativo
da população negra entre 1991, 2000 e 2010.................................................................................p. 92

Quadro 19 - Indicadores socioeconômicos no ABC (2010-2013) ................................................p. 93

Quadro 20 – Nível de instrução da população por grupos raciais no ABC (1991-2010) ..............p. 97

Quadro 21 - Estudantes por grupos raciais e curso superior no ABC (1991-2010) ......................p. 98
Quadro 22 – Percentual dos rendimentos dos negros em relação aos rendimentos dos não negros por
classes de anos de estudo no ABC (1991-2010) .........................................................................p. 101

Quadro 23 – Crianças e jovens de 5 a 24 anos fora da escola por grupos raciais e grupos de idade no
ABC (1991-2010) ........................................................................................................................p. 102

Quadro 24 - Renda familiar per capita por localidade em reais (R$) de 2010 (1991-2010) .......p. 104

Quadro 25 - Proporcionalidade do rendimento familiar per capita no ABC (1991-2010) ..........p. 105

Quadro 26 - Distribuição da população do ABC por grupos raciais e faixas de renda em salários
mínimos (1991-2010) ..................................................................................................................p. 106

Quadro 27 - Distribuição da população do ABC por grupos raciais e faixas de renda familiar per
capita em salários mínimos de 2010 (1991-2010) .......................................................................p. 108

Quadro 28 - Renda familiar per capita no ABC por grupos raciais e faixas de rendimento em reais
(R$) de 2010 (1991-2010) ...........................................................................................................p. 108

Quadro 29- Percentual da população do ABC em aglomerados subnormais por cor ou raça (2000-
2010) ............................................................................................................................................p. 111

Quadro 30 - Proporção do rendimento familiar per capita médio em aglomerados subnormais em


relação ao rendimento familiar per capita médio nos municípios do ABC..................................p. 112

Quadro 31 - Resumo de indicadores relativos ao bem-estar e qualidade dos domicílios por grupos
raciais no ABC (1991-2010) .......................................................................................................p. 115

Quadro 32 - Percentual de distribuição ocupacional da população do ABC (2010) ...................p. 116

Quadro 33 - Distribuição no ABC de cada grupo racial das categorias ocupacionais selecionadas
(2000-2010) .................................................................................................................................p. 117

Quadro 34 - Distribuição no ABC de cada grupo racial das categorias ocupacionais selecionadas em
relação aos ocupados de cada município (2000-2010) ................................................................p. 118

Quadro 35 - Categorias de ocupação “Diretores e gerentes” e “Profissionais das ciências e


intelectuais” por grupos raciais no ABC (2000-2010) ................................................................p. 120

Quadro 36 - Empregadores nas categorias de ocupação “Diretores e gerentes” e “Profissionais das


ciências e intelectuais” por grupos raciais no ABC (2000-2010) ................................................p. 121

Quadro 37 - Rendimento familiar per capita em reais (R$) de 2010 dos trabalhadores das categorias
de ocupação “Diretores e gerentes” e “Profissionais das ciências e intelectuais” por grupos raciais
no ABC (2000-2010) ...................................................................................................................p. 121

Quadro 38 – Índice de Hierarquização Racial no ABC (2000-2010) ..........................................p. 123

Quadro 39 - Percentual dos trabalhadores por grupos raciais dos cinco ramos de atividade mais
frequentes em que estavam ocupados no ABC (2000) ................................................................p. 124

Quadro 40 - Percentual dos trabalhadores por grupos raciais dos cinco ramos de atividade mais
frequentes em que estavam ocupados no ABC (2010) ................................................................p. 124

Quadro 41 - Indicadores de trabalho e renda por grupos raciais no setor químico e metal-mecânico
no ABC (1991) ............................................................................................................................p. 135
Quadro 42 - Indicadores de trabalho e renda por grupos raciais no setor químico e automotivo no
ABC (2000) .................................................................................................................................p. 136

Quadro 43 – Trabalhadores formais¹ por grupos raciais no ABC (1991 e 2000) ........................p. 137

Quadro 44 – PEA em relação a PIA por grupos raciais no ABC (1991 e 2000) .........................p. 139

Quadro 45 – Posição na ocupação dos trabalhadores no ABC por grupos raciais (1991 e 2000)
......................................................................................................................................................p. 140

Quadro 46 - Trabalhadores do setor industrial (indústria de transformação) por grupos raciais no


ABC (1991 e 2000) .....................................................................................................................p. 140

Quadro 47 - Remuneração média em reais (R$) de 2000 dos trabalhadores do setor industrial por
grupos raciais no ABC (1991-2000) ............................................................................................p. 141

Quadro 48 - Remuneração média em reais (R$) de 2000 dos trabalhadores em todos os setores por
grupos raciais no ABC (1991-2000) ............................................................................................p. 142

Quadro 49 – Participação e incremento do emprego formal no ABC (2000-2010) ....................p. 149

Quadro 50 – Participação dos municípios nos empregos formais por setor no ABC (2000-2010)
......................................................................................................................................................p. 150

Quadro 51 - Evolução percentual do número absoluto de trabalhadores por setor no ABC (entre
2000 e 2010) ................................................................................................................................p. 151

Quadro 52 - Evolução da participação de cada setor em relação ao total de cada município no ABC
(entre 2000 e 2010) ......................................................................................................................p. 151

Quadro 53 – Remuneração e tempo médio de emprego por setor em 2010 no ABC..................p. 152

Quadro 54 - Distribuição dos trabalhadores formais por grupos raciais no ABC (2006-2011)
......................................................................................................................................................p. 157

Quadro 55 - Distribuição dos trabalhadores formais por setor de atividade e grupos raciais no ABC
(2006-2011) .................................................................................................................................p. 158

Quadro 56 - Distribuição dos trabalhadores formais por setor de atividade no interior de cada grupo
racial no ABC (2006-2011) .........................................................................................................p. 158

Quadro 57 - Escolaridade dos trabalhadores formais por grupos raciais no ABC (2006-2011)
......................................................................................................................................................p. 159

Quadro 58 - Tempo médio em meses no emprego dos trabalhadores formais por grupos raciais no
ABC (2006-2011) ........................................................................................................................p. 159

Quadro 59 - Rendimento médio em reais (R$) de 2011 e proporção dos rendimentos dos
trabalhadores formais por grupos raciais no ABC.......................................................................p. 160

Quadro 60 - Rendimento médio em reais (R$) de 2011 e proporção dos rendimentos dos
trabalhadores formais por setor de atividade e grupos raciais no ABC........................................p. 161

Quadro 61 - Trabalhadores formais por grupos raciais e ocupacionais no ABC (2006-2010)


......................................................................................................................................................p. 161
Quadro 62 - Rendimento médio em reais (R$) de 2011 e proporção dos rendimentos dos
trabalhadores formais por setor de atividade e grupos ocupacionais no ABC..............................p.162

Quadro 63 – Participação, distribuição e rendimento médio em reais (R$) de 2011 dos trabalhadores
formais dirigentes e gerentes por setor de atividade e grupos raciais no ABC (2011)
.......................................................................................................................................................p.163

Quadro 64 – Trabalhadores formais¹ por grupos raciais no ABC (2000 e 2010) .........................p.164

Quadro 65 – PEA em relação a PIA por grupos raciais no ABC (2000 e 2010) ..........................p.165

Quadro 66 – Posição na ocupação dos trabalhadores no ABC por grupos raciais (2000 e 2010)
.......................................................................................................................................................p.166

Quadro 67 – Percentual de trabalhadores do setor industrial em relação a outros setores (indústria de


transformação) por grupos raciais no ABC (2000 e 2010)
.......................................................................................................................................................p.167

Quadro 68 - Remuneração média em reais (R$) de 2010 dos trabalhadores do setor industrial por
grupos raciais no ABC (2000-2010) .............................................................................................p.167

Quadro 69 - Remuneração média em reais (R$) de 2010 dos trabalhadores em todos os setores por
grupos raciais no ABC (2000-2010) .............................................................................................p.168
Lista de gráficos

Gráfico 1 - Moradias adequadas (%) por cor ou raça do chefe do domicílio e localização do
domicílio no Brasil (2001) .................................................................................................................59

Gráfico 2 - Moradias adequadas (%) por cor ou raça do chefe do domicílio e localização do
domicílio no Brasil (2012) .................................................................................................................59

Gráfico 3 – População por grupos raciais no ABC em 1991, 2000 e 2010........................................94

Gráfico 4 – Nível de instrução da população do ABC (1991-2010) .................................................96

Gráfico 5 – Taxa de alfabetização (%) da população do ABC por grupos raciais (1991-2010)
............................................................................................................................................................99

Gráfico 6 - Taxa de alfabetização (%) da população adulta (acima de 21 anos) do ABC por grupos
raciais (1991-2010) ..........................................................................................................................100

Gráfico 7 – Média de anos de estudo da população com cinco anos ou mais por grupos raciais no
ABC e no Brasil (1991-2010) ..........................................................................................................100

Gráfico 8 - Renda familiar per capita no ABC por grupos raciais em reais (R$) de 2010 (1991-2010)
..........................................................................................................................................................105

Gráfico 9 – Taxa de dependência (%) no ABC por grupos raciais (1991-2010) ............................107

Gráfico 10 - Percentual dos domicílios em aglomerados subnormais no ABC e nas Regiões


Metropolitanas selecionadas (2010) ................................................................................................110

Gráfico 11 – Percentuais (%) de pessoas por grupos raciais em domicílios sem esgotamento
sanitário por rede geral em Mauá (1991-2010) ...............................................................................113

Gráfico 12 – Percentuais (%) de pessoas por grupos raciais em domicílios sem esgotamento
sanitário por rede geral em Diadema (1991-2010) ..........................................................................114

Gráfico 13 - Ocupados em relação à PEA (%) por grupos raciais no ABC (1991-2000) ...............139

Gráfico 14 - Distribuição dos trabalhadores no interior de cada grupo racial por setores econômicos
segundo a PED-ABC (2011-2012) ..................................................................................................155

Gráfico 15 – Percentual de ocupados em relação à PEA por grupos raciais no ABC (2000-2010)
..........................................................................................................................................................165
Lista de siglas

CAGED – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados


CEBRAP – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FUNASA – Fundação Nacional de Saúde
FIES – Fundo de Financiamento Estudantil
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de desenvolvimento Humano
IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
IHR – Índice de Hierarquização Racial
IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
MNU – Movimento Negro Unificado
MNUCDR – Movimento Negro Unificado Contra a Democracia Racial
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego
PEA – População Economicamente Ativa
PDET – Programa de Disseminação das Estatísticas do Trabalho
PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego
PIA – População em Idade Ativa
PIB – Produto Interno Bruto
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNDH – Programa Nacional de Direitos Humanos
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PROUNI – Programa Universidade para Todos
RAIS – Relação Anual de Informações Sociais
RMSP – Região Metropolitana de São Paulo
SEADE – Sistema Estadual de Análise de Dados
SEPPIR – Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
Sumário
INTRODUÇÃO...............................................................................................................................................17

PARTE I

1. DESIGUALDADES RACIAIS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES HISTÓRICO-CONCEITUAIS


1.1. As desigualdades raciais e o debate sobre as relações raciais no Brasil.................................26
1.2. A contestação ao racismo científico...........................................................................................27
1.3. A contestação à tese da democracia racial................................................................................30
1.4. O novo culturalismo....................................................................................................................33

2. O DEBATE SOBRE AS DESIGUALDADES RACIAIS NO MERCADO DE TRABALHO NO


BRASIL
2.1. Uma divisão racial do trabalho? ...............................................................................................36
2.2. A integração subordinada do negro na ordem social competitiva.........................................40
2.3. A situação recente........................................................................................................................42

3. DESIGUALDADES RACIAIS, URBANIZAÇÃO E SEGREGAÇÃO


3.1. Urbanização e o paradoxo da “usurpação legal” da terra: A Lei de Terras.........................46
3.2. O “lugar” do negro......................................................................................................................50
3.3. A segregação residencial.............................................................................................................59
3.4. Hierarquia ocupacional e território...........................................................................................62

4. UM NOVO CENÁRIO ECONÔMICO E CULTURAL PARA AS RELAÇÕES RACIAIS?


4.1. A crise nacional-desenvolvimentista.........................................................................................68
4.2. A “década perdida” e a emergência do neoliberalismo..........................................................70
4.3. O neodesenvolvimentismo dos anos 2000 e a situação recente...............................................72
4.4. Questões políticas e culturais – o Movimento Negro...............................................................75
4.5. Questões políticas e culturais – as Centrais Sindicais.............................................................79

CONSIDERAÇÕES FINAIS DA PARTE I..........................................................................................83

PARTE II

APRESENTAÇÃO..........................................................................................................................................86

5. CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO E DAS DESIGUALDADES RACIAIS RECENTES NO


ABC
5.1. A Região do ABC........................................................................................................................88
5.2. A população negra na região do ABC (1991-2010) ................................................................91
5.3. Desigualdades raciais na educação no ABC.............................................................................95
5.4. Desigualdades raciais de renda no ABC.................................................................................102
5.5. Local de residência e desigualdades domiciliares no ABC...................................................108
5.6. Distribuição ocupacional por grupos raciais no ABC...........................................................114

6. ANOS 1990: CRISE E REESTRUTURAÇÃO


7.1.Crise do Fordismo e reestruturação.........................................................................................124
7.2.Reestruturação produtiva e grupos raciais no ABC na década de 1990...............................131

7. A DÉCADA DE 2000: UM NOVO HORIZONTE?


7.1. Os efeitos do crescimento econômico no mercado de trabalho do ABC..............................142
7.2. A persistência das desigualdades raciais no mercado de trabalho do ABC na década de
2000....................................................................................................................................................150

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................................167
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................................................172
17

INTRODUÇÃO

Políticas sociais realizadas no Brasil na década que iniciou este século foram cruciais
para a redução da pobreza e das desigualdades sociais, ainda que a redução destas últimas
ocorresse em menor escala. As diferentes modalidades de desigualdades: de renda, territorial,
racial e etc., podem ser analisadas isoladamente ou como um todo. Porém, em uma
abordagem empírica, dificilmente seria possível isolar analiticamente uma determinada
desigualdade em detrimento de outras, já que de certa forma são interdependentes.
A questão passa a ser como se manifesta esta interdependência. Neste sentido, políticas
direcionadas à redução da pobreza ou à diminuição da desigualdade de renda afetarão
positivamente a redução de outras formas de desigualdades como as raciais, por exemplo,
(SOARES, 2008; CHADAREVIAN, 2011). Apesar disso, as desigualdades raciais mantêm-se
presentes em várias dimensões da vida social. Trabalho, escolaridade, renda, violência e etc.,
apresentam diferenças entre grupos raciais em que a população negra1 tende a ser
desfavorecida. Partindo desta perspectiva, as desigualdades raciais, mesmo em um contexto
de redução de desigualdades, parecem resistir às transformações (IPEA, 2010; SOARES,
2008).
Discussões sobre as desigualdades raciais perpassam todo o debate, atual e histórico,
existente sobre o desenvolvimento das relações raciais no Brasil por uma razão quase óbvia: a
desigualdade é o mote do desenvolvimento das relações raciais no Brasil, ainda que existam
especificidades diferenciando regiões que apresentam maior ou menor grau de desigualdades
raciais.
As desigualdades raciais são multidimensionais, no sentido de que podem ser moldadas
por vários fatores e analisadas por meio de vários processos sociais. Um deles será destacado
em nossa pesquisa: o desenvolvimento das desigualdades raciais que condicionam ao mesmo
tempo em que são condicionadas pela posição do negro no mercado de trabalho. O
reconhecimento da existência de desigualdades raciais no Brasil parece não ser fruto de
discordância entre cientistas sociais e economistas brasileiros (CHADAREVIAN, 2011,
p.283). As questões que orientam o debate passam a ser: a) a existência ou não do racismo
como fenômeno social no Brasil; e b) as causas; os condicionantes; e a melhor forma de
combater as desigualdades raciais, quando e se necessário.
Estas duas questões parecem entrelaçadas nesse debate já que para alguns autores as
especificidades das relações raciais brasileiras remetem às discriminações e preconceitos

1
Utilizaremos a classificação “negro” ou população negra como a soma das classificações “pretos” e “pardos”
do IBGE.
18

episódicos, mas não a um racismo estrutural. Neste sentido, a radicalização racialista proposta
por antirracistas2 implicaria em modelar políticas de combate às desigualdades raciais com
estratégias que produzam um contexto racista inexistente, segundo estes autores, no país. É
sobre alguns dos aspectos deste debate que trataremos no primeiro capítulo, buscando de
forma panorâmica apresentar elementos teóricos que o embasaram (MOURA, 1988;
SKIDMORE, 1991; ANDREWS, 1997; OSÓRIO, 2009; FERNANDES, 2007; TELLES,
2003; PAIXÃO, 2006).
A posição da população negra no mercado de trabalho, que a nosso ver dialoga com estas
questões, também se vale da discussão sobre o desenvolvimento das desigualdades raciais no
Brasil. O mercado de trabalho brasileiro passa a existir em sua configuração contemporânea,
isto é, um mercado de trabalho predominantemente assalariado, a partir do final do século
XIX com a abolição da escravidão. Num contexto em que escravos libertos e mestiços são
estigmatizados pelos séculos de escravidão, a divisão racial do trabalho se impõe de maneira
perversa com desdobramentos ainda visíveis, em especial desdobramentos socioeconômicos
que irão influenciar decisivamente em outras instâncias da vida.
Neste contexto, na primeira parte deste trabalho iremos, de forma breve, problematizar a
transição do trabalho escravo para o trabalho livre e os desdobramentos para a população
negra utilizando tanto a análise de autores que se debruçaram sobre o tema, quanto alguns
dados estatísticos mais recentes (MOURA, 1988; THEODORO, 2008; JACINO, 2008;
OSÓRIO, 2004 e 2009; ETHOS, 2010).
Dos condicionantes das desigualdades raciais no mercado de trabalho no Brasil, a questão
da terra, pela forma que foi tratada no século XIX, especialmente com a Lei de terras de 1850,
se torna particularmente importante. Importante porque para o negro e mestiço, escravizado
ou liberto, não houve possibilidade de aquisição de propriedade para se estabelecer e
desenvolver uma economia de subsistência autônoma. Ao negro afastado da propriedade de
terra restava apenas subordinação aos proprietários, vendendo sua força de trabalho rebaixada
monetariamente com o apoio dos estigmas da escravidão.
A industrialização tardia teria como corolário, além dos baixos salários, um contexto de
superexploração do trabalho que se tornaria mais predatória para a população negra na medida
em que a esta estavam reservados os menores rendimentos. Com o rebaixamento dos salários
fazia-se mister rebaixar a reprodução da força de trabalho (MARICATO, 2012), e a habitação

2
O campo simbólico de que partem racistas e parte dos antirracistas é similar, a diferença está da ressignificação
do racialismo como estratégia de luta por parte dos movimentos negros. Neste sentido a “raça” visa, em grande
medida, sua própria superação, tanto como discurso, quanto como fenômeno definidor de privilégios e
desigualdades. Ver: Guimarães, A.S.A. Classes, raças e democracia. São Paulo: FAUSP;Ed.34, 2002.
19

foi um dos custos retirados desta reprodução. Neste contexto, as pessoas se apropriam dos
espaços que sobram e o organizam da forma possível, muitas vezes na ilegalidade com
autoconstruções precárias e sem acesso a serviços públicos básicos.
A segregação residencial de grupos raciais também é outro fator decorrente da questão da
propriedade da terra no Brasil. Diferente do modelo rígido dos norte-americanos, o modelo
brasileiro é mais sútil e flexível. Envolve aspectos físicos (territoriais), e também simbólicos
ao mesmo tempo em que dialoga com o desenvolvimento da natureza das relações raciais no
Brasil, entendida por muitos como um “racismo à brasileira”. No capitulo três faremos
algumas considerações sobre a questão da terra no Brasil e suas repercussões nas relações
raciais e no mercado de trabalho (HOLSTON, 2013; MENDES, 2009; CARDOSO E
CONCEIÇÃO, 2011; TELLES, 2003; BARROS, 2011; FRANÇA, 2010; ROLNIK, 2007).
Além de breve, mas necessária revisão bibliográfica sobre os temas supracitados, dois
dos argumentos que nortearão nossa pesquisa serão trabalhados na primeira parte: a) a
compreensão de que as transformações econômicas no período foram cruciais para estabelecer
novos padrões de políticas sociais; e b) um ambiente cultural remodelado por forças sociais
que apontava para maiores avanços na redução das desigualdades raciais nas décadas de 1990
e 2000.
Sobre o primeiro, a crise dos anos 1970 e a emergência do ideário neoliberal que se
iniciou no Chile, na Inglaterra e nos EUA e posteriormente se espraiou por vários países do
mundo, dentre eles o Brasil, fez com que o Estado mantivesse uma postura não
intervencionista, diminuindo, portanto, o alcance das políticas sociais. No Brasil, foi no início
dos anos 1990 que emergiu a onda neoliberal como resposta à crise que se arrastou durante
toda a década anterior (FILGUEIRAS, 2006; ALVES, 2014; ARAÚJO, 2012, POCHMANN,
2010). No período posterior, os anos 2000, o modelo neodesenvolvimentista muda a relação
do Estado com a sociedade, ampliando o escopo das políticas sociais. O Estado torna-se assim
mais intervencionista, procurando atuar diretamente nas mazelas sociais que passam por outro
nível de reconhecimento e legitimidade na medida em que o mercado passa a ser, ao menos,
problematizado, sem necessariamente perder seu caráter fetichizado, isto é, o mercado já não
é a resposta para tudo, mas mantém sua posição de influência inabalável. Do ponto de vista
das desigualdades raciais não analisaremos nenhuma política específica, mas faremos algumas
considerações sobre como duas orientações gerais e de naturezas opostas influenciaram as
determinações das desigualdades raciais no mercado de trabalho no período, a saber, o
neoliberalismo e neodesenvolvimentismo e suas influências nas desigualdades sociais, dentre
elas, as raciais (POCHMANN, 2010; ALVES, 2014; IPEA, 2010; SOARES, 2008).
20

Em relação ao ambiente cultural remodelado3, mais favorável à mitigação das


desigualdades raciais, desenvolvemos nosso argumento analisando como duas expressões das
organizações coletivas, o movimento negro e o sindicalismo, se comportaram a partir do
período em que o país se redemocratizava. O movimento negro, rearticulado no final dos anos
1970 sob forte influência do discurso e das estratégias de luta política do movimento negro
dos EUA, se fortalece em torno do combate do mito (e não da meta) da democracia racial e
inclui a questão racial no debate político, cultural e econômico nacional – diga-se, contra tudo
e contra todos, pois, se ainda hoje há a resistência em se reconhecer racismo e a da
necessidade de combatê-lo, que se dirá naquele momento. Mas é fato que a atuação do
movimento pressionou no sentido de integrar à agenda estatal a questão racial e a produção de
políticas que visassem reverter mazelas raciais brasileiras (TRAPP E SILVA, 2010;
DOMINGUES, 2007; JACCOUD E BEGHIN, 2001).
A inserção da questão racial na agenda sindical também é um fato bastante importante
levando em conta que esta instituição é fundamental para combater as desigualdades raciais
no mercado de trabalho, porém, a própria natureza do racismo brasileiro não deixa clara a
importância da questão racial na sociedade do trabalho no Brasil e, portanto, não foi
facilmente absorvida no sindicalismo (BENTO, 2000; SILVA, 2009).
Não é nossa intenção, e nem temos condições para tanto, estabelecer e demonstrar uma
relação de causalidade das esferas política e cultural com a esfera econômica, especificamente
o mercado de trabalho, mas apontar tendências sugerindo evidências e, eventualmente, causas
e consequências. Demonstrar como o movimento negro e o sindicato influenciaram
categoricamente nos resultados do mercado de trabalho exigiria um exercício específico e
complexo de mensuração. Mas, nossa hipótese é que, apesar dos ganhos evidentes na esfera
política – no sentido de representatividade, dentro de muitos limites, institucional – e na
esfera cultural, esses resultados ainda não foram robustos o bastante para influenciar
decisivamente as relações de trabalho ao ponto de superar as desigualdades raciais no âmbito
deste. Mesmo supondo que para relações de trabalho a esfera econômica seja a mais
importante, quando inserimos uma variável como raça ou cor, as esferas política ou cultural
mostram relativa autonomia e, paradoxalmente, condicionamento, portanto, a otimização dos
agentes a partir da impessoalidade racional num sistema de mercado demonstra o quão frágil
e discursivo esta é, e por isso outros elementos também são importantes para a compreensão
mais ampla dos fenômenos.

3
Ver: Lima, M. Desigualdades raciais e políticas públicas: ações afirmativas no governo Lula. Novos Estudos
CEBRAP, 87, jul./2010, p.77-95.
21

Em resumo, buscamos na primeira parte do trabalho fornecer ao leitor uma visão


panorâmica do problema, tanto dos aspectos conceituais e históricos das relações raciais no
Brasil, quanto de aspectos específicos intimamente relacionados com as desigualdades raciais
no mercado de trabalho. O objetivo da primeira parte, além do já citado, foi também
argumentar que o período de 1991 a 2011 foi favorável para transformações das relações
raciais de modo a não apenas fortalecer a identidade e a autovalorização da população negra,
mas também intensificar mudanças nos padrões de mobilidade social dos negros reduzindo a
distância ainda em vigência entre negros e não negros no mercado de trabalho. Porém, estas
mudanças ocorreram, a nosso ver, timidamente, chegando a agravar a situação ao final da
década de 1990, e as mudanças positivas nos anos 2000 ainda se mostraram bastante
insuficientes.
Na segunda parte do trabalho estas considerações serão tratadas a partir de um recorte
territorial específico, a região do Grande ABC paulista, doravante ABC ou região do ABC.
A região do ABC, mesmo não se tratando de uma referência no estudo das relações
raciais, possui um contingente importante da população negra em sua população geral, em
torno de 35 % segundo o último Censo Demográfico do IBGE4. Soma-se a isto o fato de ser
uma região privilegiada para análise do mercado de trabalho, com uma economia
extremamente dinâmica, seja no setor de serviços, no comercial e, principalmente, no setor
industrial. Considerada como berço do Fordismo no Brasil, as décadas em questão na
pesquisa foram de profundas transformações na região no que diz respeito aos processos de
reestruturação produtiva e por sua vez, transformações no mercado de trabalho. Além disso,
entendemos ser fundamental testar hipóteses mais gerais para o território brasileiro em um
território específico – levando-se em conta a heterogeneidade das características
socioeconômicas e demográficas e em certa medida, culturais – para compreender o alcance, a
validade e os limites destas generalizações.
Neste sentido, no capítulo sexto, discorremos sobre um pouco daquilo que faz do ABC
uma “região”, isto é, como, do ponto de vista histórico, os sete municípios que compõem a
região vieram a formar uma identidade comum para os que lá residem, ou mesmo para os que
olham de fora. O mercado de trabalho a partir do desenvolvimento industrial é peça chave
neste processo (ALMEIDA, 2008; KLINK, 2001; CONCEIÇÃO, 2008).
A desigualdade, como já salientamos, é um fenômeno complexo, e como tal possui várias
facetas, o mesmo vale para as desigualdades raciais no mercado de trabalho. Neste sentido,

4
Neste trabalho quando referirmo-nos ao “Censo” será sempre o Censo Demográfico do IBGE. Por vezes iremos
subtrair o “Demográfico” sem, contudo, alterar o enunciado anterior.
22

entendemos que é fundamental apresentar um panorama das desigualdades raciais no ABC


em áreas que dialogam diretamente com a posição das pessoas no mercado de trabalho: a
educação, a renda, a distribuição ocupacional, e de forma pouco menos evidente, o local de
residência. Este retrato das desigualdades se baseará nos dados do Censo Demográfico do
IBGE dentro dos limites e possibilidades de verificação de anos censitários anteriores a 2010
sem que a comparabilidade fique prejudicada pela incompatibilidade das variáveis. Para a
educação e renda, os dados são de 1991, 2000 e 2010. Para o local de residência e distribuição
ocupacional, 2000 e 2010.
No capítulo seguinte, a análise concentra-se nas transformações ocorridas na década de
1990 e a caracterização das desigualdades raciais na mesma década no ABC. A crise do
Fordismo e a reestruturação produtiva marcaram profundamente o mercado de trabalho
(ALVES, 2007; GOMES, 2011; BENKO, 2002; LIPIETZ, 1988; OLIVEIRA, 2006) e no
ABC as transformações no complexo industrial vão afetar, sobretudo, o nível de emprego
(CONCEIÇÃO, 2008; MATTEO E TAPIA, 2003; KLINK, 2001), mas ao mesmo tempo
favorecem a organização de rearranjos regionais para o enfrentamento da crise (KLINK,
2001; RAMALHO E RODRIGUES, 2013).
A reestruturação produtiva é um fenômeno que afeta a todos no mercado de trabalho,
porém a posição dos trabalhadores ao variar conforme seus atributos adscritos, demanda uma
leitura recortada dos efeitos das transformações (GUIMARÃES, 2003; LEITE, 2003). A
análise com recorte raça ou cor padece da falta de estatísticas públicas que deem conta da
complexidade das mudanças. A opção para os anos 1990 são os Censos Demográficos do
IBGE de 1991 e 2000 e alguns trabalhos com aplicação de questionários como o citado de
Leite (2003).
Já no período seguinte, a década de 2000, são maiores as opções para análise. Além dos
Censos de 2000 e 2010, há o relatório sobre a condição dos trabalhadores negros elaborado
por uma parceria da Fundação SEADE, o DIEESE e o Consórcio Intermunicipal do ABC
(SEADE-DIEESE, 2012) que compara os biênios 2001/2002 e 2010/2011, a Pesquisa de
Emprego e Desemprego do ABC (PED-ABC); e os microdados da Relação Anual de
Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho e Emprego. Para este último, os
dados com recorte raça ou cor são disponibilizados a partir de 2006 e tratam do mercado de
trabalho formal. Esta disponibilidade maior de estatísticas públicas com recorte raça ou cor
permite “cercar” o problema por ângulos diferentes e perceber o padrão existente entre eles,
ainda que com metodologias diferentes.
23

Mas antes de tentar compreender as mudanças com recorte raça ou cor, procuramos
problematizar a questão do crescimento econômico na década de 2000 e como o mercado de
trabalho se comportou diante deste, pois, se é verdade que o nível de emprego volta a
patamares desejáveis, também é verdade que as transformações oriundas da reestruturação
produtiva afetaram o emprego, qualitativamente falando (DIEESE, 2012; POCHMANN, 2006
e 2010; ALVES, 2014; SEADE-DIEESE, 2011). Por fim, faremos breves considerações e
possíveis conclusões sobre os resultados obtidos na pesquisa.
A pergunta que move nossa pesquisa é: ocorreram importantes alterações nas
desigualdades raciais no mercado de trabalho no ABC em duas décadas de grandes
transformações econômicas, políticas e culturais no quadro nacional, considerando as
especificidades da região?
O ABC, região sui generis no que diz respeito à alta dinâmica do mercado de trabalho
urbano com forte histórico industrial e sindicalista, ou seja, um complexo regional trabalhista
que em tese, por estas mesmas especificidades, em um período de expansão da economia
como a década de 2000, se mostraria mais propenso para uma mais robusta redução das
desigualdades entre trabalhadores negros e não negros. Entretanto, nossa hipótese é que as
desigualdades raciais no mercado de trabalho do ABC, dado todo acúmulo de desvantagens
históricas pelos negros, incluindo nestas mecanismos de discriminação, são menos sensíveis
às transformações indicadas, mantendo-se em um nível indesejado em um contexto de crise
ou de expansão da economia.

Do ponto de vista metodológico, qualquer que seja o estudo que envolva desigualdades,
quando se trata da população negra, o elemento “racismo” influi na análise.
Metodologicamente, portanto, assumimos – baseados em vários autores, dentre eles Telles
(2003), Guimarães (2009), e Moura (1988) – a existência do racismo (como fenômeno social)
na sociedade brasileira como pressuposto e não como possibilidade. Considerando as
peculiaridades da formação socioeconômica brasileira e das relações raciais paradoxais
desenvolvidas no Brasil denominadas por alguns autores de “racismo à brasileira” 5, o racismo
e seus corolários não são auto evidentes. Faz-se necessário um estudo sistemático das várias
dimensões do racismo para compreendê-lo. Para tanto a classificação racial e o
reconhecimento de “raça” como categoria social e de análise definidora de uma sociabilidade

5
Ver: Da Matta, R. “Digressão: a fábula das três raças, ou o problema do racismo à brasileira”. In: Da Matta, R.
Relativizando: uma introdução à antropologia social. 4ª ed. Petrópolis: Vozes, 1984. pp. 58-85; Silva, M. J.
Racismo à brasileira: raízes históricas: um novo nível de reflexão sobre a história social do Brasil. 4ª Ed. São
Paulo: Anita Garibaldi, 2009; e Telles, E. Racismo à brasileira: uma nova perspectiva sociológica. Tradução
Nadjeda Rodrigues Marquês, Camila Olsen. Rio de Janeiro, RJ. Relume-Dumará/Fundação Ford, 2003.
24

empírica que impacta de maneira positiva ou negativa as pessoas dependendo de sua posição
econômica, no território, o status atribuído e etc., é fundamental, com todos os problemas e
críticas devidas que os acompanham.

Portanto, o conceito de “raça” nesta pesquisa será utilizado conforme a definição


elaborada por Guimarães entendida como: “... construtos sociais, formas de identidade
baseadas numa ideia biológica errônea, mas socialmente eficaz para construir, manter e
reproduzir diferenças e privilégios” (GUIMARÃES, 2009, p.67). Sem considerar a existência
das raças no sentido apresentado, fica impossível detectar os problemas advindos do racismo.
Quanto à classificação racial utilizaremos as categorias definidas pelo IBGE (Branco,
Preto, Pardo, Indígena e Amarelo) agrupadas em Negros, para a somatória de Pretos e Pardos
e Não negros para Brancos e Amarelos. Esta classificação justifica-se pela proximidade
socioeconômica dos pretos e pardos de um lado6 e brancos e amarelos de outro, pois, ainda
que amarelos possam ser objeto de discriminação, quando olhamos para os dados
socioeconômicos, estes estão geralmente em uma situação superior, inclusive, em relação aos
brancos em termos de escolaridade e renda, entretanto com menor representatividade. A
classificação indígena não será considerada pela pouca representatividade na região do ABC,
a não ser quando o agrupamento dos dados não permitir desagregá-los. Quando a
comparabilidade de informações com outras bases de dados assim o exigir, adaptaremos as
classificações utilizadas pelo IBGE a tais bases de dados.
Não se busca, é claro, uma “objetividade cientifica” na definição racial das pessoas,
mesmo porque esta, idealmente, se daria por autoatribuição7. O que se busca é a compreensão
dos grupos raciais cujo contexto relacional determina e é determinado pela distinção e
hierarquia dos seus membros, tornando determinada categoria vítima potencial de
discriminações, diretas ou estruturais (OSÓRIO, 2003).
Quanto à abordagem analítica, optamos por contextualizar historicamente, ainda que de
forma bastante sintética, os temas abordados sem perder de vista a atualidade dos processos
sociais em questão. Pretendemos cotejar a revisão bibliográfica e um breve levantamento de
dados para o Brasil com um mais profundo e sólido levantamento de dados para a região do
ABC, além da bibliografia regional que trata destes temas. Concordamos com Cardoso8 no

6
Ver: Osório, R. O sistema classificatório de “cor ou raça” do IBGE. Brasília: IPEA (texto para discussão nº.
996), 2003.
7
No caso das pesquisas do Censo do IBGE, a definição racial também pode ser atribuída por terceiros, um
membro da família que responde a entrevista, por exemplo.
8
Cardoso, C. F. Escravo ou camponês? O protocampesinato negro nas Américas. São Paulo: Brasiliense, 2004.
25

que tange a se tratar de um bom método oscilar entre dois níveis de análise, geral e regional,
já que a região não é explicável fora da totalidade de que faz parte e que lhe dá sentido, mas
ao mesmo tempo o sentido geral nem sempre é aplicável ou verificável no caso particular, as
especificidades regionais condicionam os significados ao mesmo tempo em que são
condicionadas e transformadas por estes.
Neste movimento, pretendemos testar o alcance e limites das generalizações relativas às
questões raciais encontradas na literatura (para o caso brasileiro) em uma região específica.
Assim como é possível afirmar a existência de um “nexo” que permite considerar as relações
raciais desenvolvidas no Brasil como um “racismo à brasileira”, isto é, um contexto relacional
entre grupos raciais que de certa forma se difunde pelo território nacional, também é preciso
considerar o aspecto regional como fundamental na análise das relações raciais para não
incorrer no erro de generalizações descontextualizadas a priori, pois características regionais
específicas podem influir nas generalizações validando-as ou não e até mesmo, se for o caso,
atualizando-as.
A abordagem metodológica será basicamente a análise de dados secundários
sistematizados e sintetizados em indicadores cotejados com uma literatura que dê conta tanto
das questões raciais quanto das questões relativas ao mercado de trabalho da região do Grande
ABC.
O objetivo da pesquisa é avaliar o comportamento das desigualdades raciais no mercado
de trabalho na região do ABC no contexto contemporâneo de transformações, assim como
aprofundar o debate sobre as desigualdades raciais no mercado de trabalho brasileiro
utilizando o ABC como recorte territorial de análise, contextualizado com o tema.
Do ponto de vista teórico, o objetivo é aprofundar o conhecimento sobre a questão racial
no ABC e a importância do mercado de trabalho como espaço precípuo de reprodução das
desigualdades raciais na sociedade capitalista.
26

PARTE I

1. DESIGUALDADES RACIAIS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES HISTÓRICO-


CONCEITUAIS

1.1. As desigualdades raciais e o debate sobre as relações raciais no Brasil

O debate sobre as desigualdades raciais no Brasil ganha corpo de meados ao final do


século XIX, em especial no período da abolição9, inspirado, principalmente, por concepções
eugenistas europeias, e posteriormente pelas contradições que o eugenismo10 gerava no
contexto social brasileiro. O contingente negro nas grandes cidades brasileiras causava
preocupação à ciência social nascente, de orientação positivista – sem uma base teórica sólida
capaz de resolver satisfatoriamente a complexidade das relações sociais do país – inspirada
em pressupostos importados, naturalizantes e naturalizados. Clóvis Moura (1988, p.18) aponta
que um dos precursores do pensamento racial “científico” brasileiro no período, o médico
nordestino Nina Rodrigues, “... embebido e deslumbrado pela ciência oficial europeia (...) via
o negro como biologicamente inferior, transferindo para ele as causas do nosso atraso social”.
O poligenismo11 presente na abordagem de Nina Rodrigues compreendia a miscigenação
como degenerescência e, diferente de outras leituras em que esta seria uma estratégia para
“embranquecer” gradualmente a sociedade brasileira, deveria ser radicalmente combatida.

Apesar disso, era impossível fechar os olhos para a situação racial do país em sua
diversidade. A pluralidade racial, ainda que se tratasse de um problema para uma elite que se
queria branca em uma nação branca, haveria de ser problematizada e equacionada. A
mestiçagem que então passou a ser uma estratégia transitória para o embranquecimento
gradual da população brasileira tornou ausente uma nítida “linha de cor”, já que “... a
sociedade brasileira baseava-se na crença explícita da superioridade branca, embora não na
supremacia branca” (SKIDMORE, 1991, p.7). Ou seja, a supremacia branca estava

9
Ver: Skidmore, T. E. Preto no branco: raça e racionalidade no pensamento brasileiro. São Paulo: Companhia
das Letras, 2012.
10
Ideologia política que preconiza o controle da reprodução humana a serviço de uma imagem normativa do
homem (Salankis, E. Cadernos Nietzsche, 32, 2013)
11
Teoria segundo a qual as diferentes raças humanas correspondiam a realidades diversas, fixas e essenciais, e,
portanto, não passíveis de cruzamento (Schwarcz, L. M. Nem preto, nem branco, muito pelo contrário: cor e raça
na sociabilidade brasileira. São Paulo: Claro enigma, 2012)
27

impossibilitada pela mistura, mas a superioridade branca era o artifício que justificava essa
mesma mistura e progressivo embranquecimento:

A elite brasileira ofereceu uma resposta bastante engenhosa. Inverteu o


pressuposto básico dos supremacistas brancos. Aceitou a doutrina da
superioridade branca inata, mas argumentou que, no Brasil, o branco
prevalecia através da miscigenação. Ao invés de “mongrelizar” a raça, a
mistura racial estava embranquecendo o Brasil. Longe de ser uma ameaça, a
miscigenação era a salvação do Brasil. Já que não havia meios para prová-lo
cientificamente os brasileiros simplesmente reiteravam que a experiência
brasileira sustentava seus argumentos. (SKIDMORE, 1991, p.7).

De um modo ou de outro, foi o cientificismo biológico quem determinou o debate sobre


as questões raciais no final do século XIX e início do século XX. E, portanto, foi no bojo
deste pensamento cientificista que o argumento de cunho biológico naturalizou as
desigualdades (históricas e socialmente construídas) confundindo-as com diferenças
atribuídas fenotipicamente, e a noção de “raças humanas” (especificamente no plural), ganha
status de variável explicativa. A pretensa e falsa inferioridade biológica – portanto, também
cognitiva – do negro, o impedia de ascender em uma sociedade competitiva, denotando assim
o imobilismo ou o quase imobilismo dos negros em um Brasil que se modernizava. Moura
(1988, p.18) salienta ainda que esta característica, do pensamento social subordinado, ou a “...
subserviência do colonizado aos padrões ditos científicos das metrópoles colonizadoras”,
perdurou nas ciências sociais. O autor está atentando para o problema da aplicação de teorias
importadas sem as devidas mediações históricas, políticas, econômicas, sociais e etc., em uma
determinada sociedade ou região, no tempo e no espaço.

1.2. A contestação ao racismo científico

A necessidade de refundar a identidade nacional por conta de novas formas de


acumulação de capital concomitante à tentativa de inserir o Brasil no capitalismo como
sujeito, ainda de forma tardia e periférica, principalmente a partir da Era Vargas 12, fez com
que teorias racistas (explícitas) fossem gradativamente abandonadas por não se adequarem ao
novo cenário brasileiro (SANTOS, 2009b, p.47). A “... urbanização e modernização sem
mudança nas relações de produção fundamentais” (MOURA, 1994, p.82) carecia de um

12
O período do Varguismo foi marcado tanto pela assimilação do discurso da democracia racial como elemento
de integração nacional, afirmando, portanto, os benefícios da miscigenação; quanto pela repressão a movimentos
negros como no caso do banimento da Frente Negra Brasileira (ANDREWS, 1985, p.54). A tese da democracia
social em substituição de uma democracia política que acompanhava o ideal de “nacionalidade mestiça”,
condizia com um discurso nacionalista e uma prática autoritária que caracterizou a maior parte da Era Vargas.
28

aparato ideológico que valorizasse a nação sem a ruptura com a sociedade patrimonialista.
Valorizar a nação, portanto, significava valorizar culturalmente seus elementos
“fundacionais”, a saber, o branco europeu, o negro africano e o indígena nativo.

Marilena Chauí (2000, p.9) aponta a existência de um mito fundador na sociedade


brasileira que resolve contradições reais por meio de representações criadoras de uma
autoimagem positiva, ainda que se reconheçam os problemas e que estes sejam insolúveis. É
um passado glorioso fundado em uma natureza benevolente; numa mistura de raças que criou
um povo pacífico alegre, sensual e, mesmo nas maiores adversidades, feliz, sonhador “não
desistindo nunca”; um povo sem preconceitos e com grande contraste regional que diversifica
sua base cultural. O mito fundador é, nas palavras da autora, no seu sentido antropológico: “...
a solução imaginária para as tensões, conflitos e contradições que não encontram caminhos
para serem resolvidos no nível da realidade”, ou seja, atuando fora da história, o mito se
transmuta e se adéqua às diversas roupagens históricas para garantir o status quo com a
mínima (ou nenhuma) tensão possível.

É nesse ambiente que desponta o autor mais representativo do movimento de


contraposição ao racismo científico, Gilberto Freyre, que em seus dois livros clássicos, Casa-
Grande & Senzala de 1933 e Sobrados e Mocambos de 1936 inverte...

...o valor social da mestiçagem, antes referida como um processo


degenerativo do tipo nacional. Em seus estudos, ele enfatiza que os negros e
indígenas fizeram contribuições positivas à cultura brasileira e influenciaram
profundamente o modo de vida da nossa sociedade. (SANTOS, 2009b,
P.49).

Para Freyre, foi a miscigenação que equilibrou os antagonismos sociais no Brasil


permitindo um desenvolvimento democrático em condições tão adversas. Reconhece os
antagonismos entre os estratos sociais, mas aponta para equilíbrio e integração destes em
constante tensão. As diferenças raciais eram equilibradas devido à pré-disposição para
colonização híbrida do branco português e às características civilizadoras dos negros
dominados, segundo o autor, culturalmente superiores em alguns aspectos (FREYRE, 2003,
p.107).

No entanto, para além do valor positivo dado às influências negra e indígena na cultura
nacional, a valorização da mestiçagem – que possibilitaria o futuro desenvolvimento
conceitual do mito da democracia racial – girava principalmente em torno do enriquecimento
cultural da elite, em grande medida branca, e a politização do debate em torno do dilema
29

racial brasileiro em seus aspectos socioeconômicos ficou em segundo plano. As explicações


biológicas dão lugar às explicações culturais, mas na prática, não alcançaram as estruturas
políticas e assim desfez-se a possibilidade de estabelecer-se um conflito que naquele
momento, para Florestan Fernandes (apud BRYM, 2009, p.229) nem se aproximou, já que o
“homem de cor” nunca chegou a ameaçar a posição do homem branco na estrutura de poder.

Isso porque diferente dos Estados Unidos em que as dissensões raciais assumiram uma
forma aberta e a segregação racial, inclusive, instituída como política de Estado13 por várias
décadas (as leis “Jim Crow”), no Brasil, o “racismo à brasileira” tendia a confundir
segregação-exclusão com mistura-inclusão14, tornando o racismo, quando não negado através
de ideologias como a do mito da democracia racial, velado ou transportado ao campo do
preconceito e da discriminação individual. Ou seja, segundo este ponto de vista, algumas
pessoas e não a sociedade brasileira é racista. O orgulho nacional ferido, responsável pela
ideia do “embranquecimento”, também é responsável por sua suposta contraposição. Que vale
dizer que o mito da democracia racial é a continuação de tal ideia, não mais pela substituição
do negro, mas por sua mistura com o elemento branco “superior”. Neste sentido, Antônio
Sérgio Guimarães (2009, p.55) vai afirmar que:

Seria, entretanto, um erro pensar que o pensamento antropológico do meado


deste século – seguindo os passos de Gilberto Freyre – mudou radicalmente
os pressupostos racistas da ideia de embranquecimento. Na verdade, a tese
do embranquecimento foi apenas adaptada aos cânones da antropologia
social, passando a significar a mobilidade ascensional dos mestiços na
hierarquia social.

Freyre mantém viva a ideia de “raça” sem superá-la, ele a relativiza deslocando-a do
campo da biologia para o da cultura. Portanto, a perspectiva eurocêntrica que orientou o
racismo científico de cunho biologista da Escola de Nina Rodrigues, orientou também o
culturalismo que o questionava.

13
Segundo Andrews (1985, p.55) “... Se a brutalidade e a crueza do racismo norte-americano provaram ser sua
maior fraqueza, então, ao inverso, a flexibilidade e a sutileza do racismo brasileiro provaram ser sua maior
força”. Esta peculiaridade faz com que o racismo brasileiro seja especialmente problemático no que se refere ao
seu enfrentamento, pois se trata de um inimigo “... mutante, escorregadio e, sobretudo invisível.” (Ibidem, p.56).
14
Especialmente nas classes mais baixas. Nas classes mais altas a segregação racial ocorria e ocorre em vários
espaços privados como bares, clubes, escolas e etc. A segregação se dá por mecanismos simbólicos e ocultos,
especialmente de caráter socioeconômico, ver : CONCEIÇÃO, M. V. P. Rugosidades étnicas e a espacialidade
do preconceito racial. 117f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Faculdade Ciências e Tecnologia, Programa
de pós-graduação em Geografia, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Presidente Prudente, 2004.
30

1.3. A contestação à tese da democracia racial

Para Clóvis Moura (1988, p.9), assim como não ocorreu uma democracia social15
fundamental, da mesma forma não se pode falar de uma democracia racial16, e os negros,
libertos, ficaram inertes ante aos mecanismos de seletividade estabelecidos pelas elites. Com
o declínio da sociedade senhorial e o avanço das relações capitalistas, o escravismo torna-se
anacrônico no Brasil. A incipiente industrialização e a economia cafeeira, ainda
preponderante no final do século XIX, careciam de modernização para que qualitativamente
caminhassem na direção de um capitalismo autônomo. Sem a ruptura com a antiga base
social:

Superpostas às relações de produção escravistas implantam-se, do exterior,


relações capitalistas dependentes. O capitalismo monopolista cria um
complexo cerrado de dominação naquilo que a economia brasileira deveria
dinamizar se tivesse forças econômicas internas capazes de efetivar uma
mudança qualitativa a fim de sair do escravismo e entrar na senda do
desenvolvimento do capitalismo autônomo. (MOURA, 1988, p.237).

Neste sentido, a subalternização econômica fez com que a ruptura plena e necessária com
a estrutura escravista não ocorresse, mas sim um rearranjo interno que manteve as classes e
estratos sociais oprimidos em um espaço social também subalternizado por meio da
manipulação das “... ideologias de controle e as instituições de repressão dando-lhes uma
funcionalidade dinâmica e instrumental” (MOURA, 1988, p.55). Era, portanto, um projeto de
nação, elaborado pelas elites que pretendia negar à grande parcela da população a condição de
cidadão, ainda que formalmente fingisse integrá-la.

O véu colocado no dilema racial brasileiro, em muito decorrente do mito da democracia


racial, ao mesmo tempo em que reproduzia as desigualdades raciais, corroborava o
conservadorismo das elites brancas, agora, porém, por meio da legitimidade de um poderoso
discurso de integração nacional. Segundo Florestan Fernandes (2007, p.187):

Esse é o paradoxo que não conseguimos vencer. De um lado, o poder


conservador barra, através de efeitos estáticos, a sensibilidade do sistema

15
A expressão “democracia social” foi assimilada e defendida por Gilberto Freyre como sendo superior à
democracia política europeia, pois integraria em seu campo social elementos diferentes, ao contrário da
democracia europeia que impossibilitava cidadania ao diferente (GUIMARÃES: 2009).
16
Andrews afirma que: “Durante a primeira metade dos anos 1900, (o Brasil) foi frequentemente descrito, tanto
por observadores nativos quanto estrangeiros, como uma democracia racial na qual negros, mulatos e brancos
viviam sob condições de igualdade jurídica e, em grande medida, social” (ANDREWS, 1997, p.95). Este
entendimento do que seria uma democracia racial vigorou para além do período assinalado pelo autor tendo sido
objeto de desconstrução e críticas, principalmente após estudos de Florestan Fernandes e Roger Bastide para o
projeto UNESCO. (GUIMARÃES, 2001, p. 152).
31

político diante do dilema racial. De outro lado, os grupos afetados – dos


quais não se pode falar em minoria, como nos Estados Unidos – estão aquém
das relações de poder e do controle da influência política construtiva, direta
ou indireta [...] De novo, o egoísmo reaparece e decide as orientações de
comportamento das elites no poder, pois não há muita diferença entre o que
estamos assistindo e o que fizeram as mesmas elites no período final da
desagregação do regime escravista. Então, os destituídos não foram
contemplados nas diferentes políticas de aceleração das mudanças sociais,
todas voltadas para os interesses econômicos, culturais e políticos dos
estratos poderosos e privilegiados.

A contestação acadêmica à tese da democracia racial inicia-se na denominada por Osório


de “segunda onda teórica”. Segundo o autor, panoramicamente, é possível identificar “três
grandes ondas teóricas”17 nas discussões sobre as relações raciais brasileiras no século
passado (OSÒRIO, 2009, p.14). As três se articulam na medida em que discutem a
problemática das desigualdades raciais possuindo como plano de fundo a relação e o peso da
raça e da classe nas desigualdades raciais. A primeira onda teórica reconhecia as
desigualdades raciais, mas era otimista quanto à superação destas nos processos urbanização e
industrialização na medida em que não enxergava barreiras raciais (discriminação) para
mobilidade social. A segunda contestava a tese da democracia racial na medida em que
descartava a ausência de racismo, porém, mantinha-se confiante nos processos de
modernização do país, ainda que de forma lenta, justamente pela manutenção de elementos
arcaicos e irracionais que destoavam da racionalidade do desenvolvimento capitalista: “A
formação das classes no período pós-abolição era permeada pelo preconceito de cor, e isso
retardaria a integração do negro no emergente Brasil moderno” (OSÓRIO, 2009, p.15).

Na terceira onda a desigualdade racial já não era mais fruto da proximidade histórica com
a abolição (como na primeira onda) ou de uma modernização lenta (como na segunda onda) e
nem seria o racismo superado pela racionalidade do capitalismo. O racismo plástico e
adaptável fora racionalizado e internalizado nos processos de modernização (OSÓRIO, 2009,
p.16). Florestan Fernandes em artigo de 1966 já levantava a dúvida em relação à validade da
ideia de democracia racial:

...o que é uma democracia racial? A ausência de tensões abertas e de


conflitos permanentes é, em si mesma, índice de “boa” organização das
relações raciais? Doutro lado, o que é mais importante para o “negro” e o
“mestiço”: uma consideração ambígua e disfarçada ou uma condição real de

17
Na primeira onda era possível identificar Gilberto Freyre, Arthur Ramos, Donald Pierson; na segunda,
Florestan Fernandes, Oracy Nogueira, Otávio Ianni; e na terceira, Nelson do Valle Silva e Carlos Hasenbalg,
porém o debate englobou vários outros autores nas três ondas não citados aqui.
32

ser humano, econômica, social e culturalmente igual aos brancos? Além


disso, se os brasileiros conhecem um clima de tolerância racial, praticando
um código de decoro nas relações em que entram em contato como
“brancos”, “mestiços” e “negros”, não seria melhor que esse fato tivesse
importância em si mesmo, independentemente de qualquer fantasia a
respeito de uma “igualdade racial” que não poderia existir numa sociedade
recém-egressa da escravidão e na qual a concentração de riqueza, do poder e
do prestígio social abre um fosso intransponível mesmo nas relações de
diferentes segmentos da “população branca”? (FERNANDES, 2007, p.45).

A miscigenação só poderia produzir efeitos em relação à igualdade racial – e, portanto, na


contramão do racismo – quando desvinculada da estratificação racial. No escopo da
estratificação racial como efeito da escravidão, as pessoas, ainda que miscigenadas, deveriam
ser a imagem e semelhança do “senhor”, o norte humano a ser alcançado, em outras palavras,
negros eram socializados para agirem como “brancos” e o racismo velado cuidava para
selecionar os poucos que assimilavam o padrão “humano” dominante ao mesmo tempo em
que a paradoxal “inclusão segregadora” continha as aspirações mais radicais da coletividade
negra.

Apesar disso, para Fernandes, como observa Osório (2009, p.26), o preconceito racial
surgido no Brasil, no tempo da colônia, tendia ao desaparecimento na medida em que a
sociedade de classes capitalista se desenvolvesse. O racismo arcaico, disfuncional e irracional
era incompatível com uma sociedade urbana de classes moderna em pleno desenvolvimento, e
a integração haveria de ocorrer, porém lentamente.

Telles (2003, pp.76-77) aponta que Hasenbalg concluiu que o racismo e o capitalismo
eram completamente compatíveis, pois o status de inferioridade que o negro adquirira após a
abolição serviria aos interesses simbólicos e materiais das classes dominantes brancas,
desqualificando os concorrentes – em uma sociedade competitiva como a capitalista – não
brancos. As desigualdades raciais, para Hasenbalg, se sobrepunham às desigualdades de
classes e a integração do negro na sociedade de classes não seria o suficiente para eliminar o
racismo e as desigualdades raciais.

A percepção das relações e desigualdades raciais nos diversos autores das correntes
supracitadas pode, segundo Telles (2003, p.302), ser organizada em duas gerações: a primeira,
dos anos 30 aos anos 60 (Gilberto Freyre, Donald Pierson, Marvin Harris e etc.) exibiu as
maravilhas da miscigenação e a segunda, desde o início dos anos 50 (Florestan Fernandes,
Roger Bastide, Oracy Nogueira e etc.) apontou para o racismo amplo e profundo incrustado
nas desigualdades sociais brasileiras. A primeira geração enfatizou o que Telles (2003, p.311)
33

chamou de relações horizontais e a segunda enfatizou as relações verticais (TELLES, 2003,


p.306). As relações horizontais são interações cotidianas e de sociabilidade que envolve tanto
as relações interpessoais entre negros e brancos (amizade, casamento e etc.) como a interação
no território (vizinhança). Comparada esta dimensão com países como EUA e África do Sul,
o Brasil apresenta boas relações horizontais entre a população negra e a branca, que torna
menos clara a percepção das desigualdades raciais dadas pelas relações verticais, isto é,
relações hierárquicas entre membros de distintas classes sociais (diferenças socioeconômicas).
Ou seja, subjacente às diferenças sociais, as desigualdades raciais se encontram encobertas
pela ideologia que surgiu das “suaves” relações horizontais entre negros e brancos,
especialmente nas classes mais pobres.

1.4. O novo culturalismo

O debate sobre as relações e desigualdades raciais no Brasil reflete e tem embutido em si,
representações e percepções dos conflitos que afetam não só o “imaginário popular”, mas
também a orientação de políticas públicas. Neste contexto, o debate sobre a relação
classe/raça tornar-se-á importante para analisar políticas e definir prioridades. Correndo o
risco de generalizar, pode-se definir que se há o entendimento que a classe se sobrepõe à raça,
políticas voltadas para os mais pobres seriam eficazes para superação das desigualdades
raciais; se, ao contrário, há o entendimento que a raça se sobrepõe à classe, ou estão
imbricadas num mesmo grau de importância, as políticas deveriam ser focalizadas.

Recentemente a questão das ações afirmativas aparece como corolário do debate sobre as
desigualdades raciais. A despeito das desigualdades raciais reconhecidas pela maior parte dos
autores que tratam destas questões, a democracia racial volta ao debate. Como aponta Marcelo
Paixão, vários autores reconhecem a democracia racial como mito, porém “... o mito guarda
uma importância por ele mesmo, tendo em vista sinalizar um tipo de desejo coletivo, ausente
de outras realidades onde a discriminação racial não faria questão de se manifestar de forma
velada” (PAIXÃO, 2006, p.20). E continua o autor:

...considerando que toda sociedade se articula em torno de mitos de origem,


o da democracia racial seria apenas um entre tantos outros (tal como o sonho
americano de ascensão individual através do próprio esforço, ou dos
franceses de viverem na terra da liberdade, igualdade e fraternidade etc.).
Destarte, neste modo de entendimento, o mito da democracia racial, dado
seus pífios resultados em termos da efetiva igualação das condições de vida
dos diferentes grupos de raça/cor, deixava de ser positivado pelos seus
aspectos concretos e terminava sendo por aquilo que viriam a ser os seus
34

desejos de um mundo livre de racismo, preconceito e da discriminação racial


e de cor (PAIXÃO, 2006, p.20).

Na linha de raciocínio deste novo culturalismo, a mera crença na existência de “raças” do


ponto de vista da orientação das políticas públicas, seria inócua já que uma definição racial
não encontra eco na população18. A ausência de uma linha de cor definida e a complexidade
das possíveis classificações demanda em falar de um Brasil “... ontologicamente dividido
entre negros e brancos...” para supor a ideia de afrodescendentes (FRY e MAGGIE, 2004,
p.157). A questão é o temor de que a subordinação da cultura pela política rompa com a
cosmogonia do brasileiro em relação à democracia racial e, ao invés de combater as
desigualdades raciais com ações afirmativas que demandam uma classificação mais rígida,
como requerem a maior parte dos movimentos negros, criariam uma “cisão racial” até então
desconhecida no país. Seria, portanto, neste entendimento, a repetição do modelo norte
americano no Brasil sem as mediações com a realidade brasileira.

De fato, a partir dos anos 80 o modelo americano exerceu forte influência nos
movimentos negros brasileiros. Sobre esta questão Andrews (1997) fez importantes
observações: i) o movimento dos direitos civis nos Estados Unidos e as conquistas no
combate as barreiras raciais foram fruto da coesão ante a um inimigo declarado e esta
estratégia política fez com que militantes brasileiros – “... desejosos de expressar uma
identidade independente e oposta...” ante a cooptação de uma brasilidade negra por discursos
como o da democracia racial que discorria sobre as maravilhas da miscigenação – se
inspirassem nos movimentos culturais e políticos negros de resistência norte-americanos
(ANDREWS, 1997, p.104); ii) do ponto de vista histórico o Brasil foi, na primeira metade do
século passado, racialmente mais igualitário que os Estados Unidos, entretanto desde a década
de 1950 a situação se inverteu, tornando os Estados Unidos,

...em termos estatísticos, “a sociedade racialmente mais igual – ou, numa


melhor colocação, a menos desigual – entre as duas”. Depois de cair durante
os anos 60 e 70, os índices de desigualdade racial aumentaram nos Estados
Unidos durante a década de 80. Não obstante, continuaram mais baixos que
os do Brasil, levando o autor a concluir que os Estados Unidos oferecem
“evidências mais convincentes de democracia racial” que o Brasil
(ANDREWS, 1997, p.108).

18
Ver: Fry, P. Et al. (Org.) Divisões Perigosas: políticas raciais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Editora
Civilização Brasileira; 2007.
35

Portanto, o apego aos elementos culturais e a percepção identitária forjada por um mito
nacional só faz justificar as desigualdades raciais, combinando mistura racial com racismo;
valorização da cultura negra com genocídio do povo negro, em especial do jovem (CÍRCULO
PALMARINO, 2013); elogio da diversidade com manutenção das desigualdades entendidas
como intrínsecas ao modelo e etc. Paixão (2006) argumenta que o padrão desigual hierarquiza
a interação entre os grupos raciais, em que os brancos se encontram no polo superior
dominante, tanto do ponto de vista moral quanto cognitivo e os negros deveriam se adequar
ao padrão sendo-lhe complacente. Conclui o autor:

Na medida em que estes grupos não reivindicassem igualdade, mais uma vez
em termos econômicos, poder e de prestígio social, as relações entre ambos
os grupos poderiam transcorrer de forma amistosa nos momentos específicos
das festividades, do lazer e da religião (as áreas moles do contato racial). Ou
seja, as assimetrias é o preço que se paga pela paz. Assim, no interior deste
ponto de vista, são as disparidades raciais que garantem a qualidade dos
modos de interação entre brancos e negros no Brasil. Esta é a chave do
entendimento da Lenda da Modernidade Encantada. Ou melhor, esse é o
segredo do racismo à brasileira.

Todo o “combate” culturalista moderno às ações afirmativas se fundamenta nestes dois


elementos: um meramente normativo, a “paz” racial e outro concreto e perverso, as
desigualdades raciais. Reconhecer estas últimas e manter-se fiel à primeira é substituir a
realidade por um suposto desejo; é hipostasiar cinicamente o paradoxo da “democracia
racial”; é, enfim, como afirma Paixão (2006, p.24) aceitar que uma ideia mítica, uma mentira
com o poder de criar “verdades”, possa ser normativamente aceita e a realidade assimétrica
das desigualdades raciais não. As desigualdades raciais não podem ser combatidas e vencidas
apenas no campo das ideias e, as ações afirmativas, mesmo insuficientes, têm sido até então o
método mais racional do ponto de vista das estratégias, pois é a estratégia no âmbito do
Estado que atua no conflito, deslocando e alocando recursos. É claro que a complexidade das
relações raciais brasileiras talvez exigisse uma criatividade maior nas políticas de modo que
fossem não apenas afirmativas, mas transformadoras, atacando a raiz do problema, neste
sentido a combinação de políticas universais e específicas seria muito bem-vinda.
36

2. O DEBATE SOBRE AS DESIGUALDADES RACIAIS NO MERCADO DE


TRABALHO NO BRASIL

2.1. Uma divisão racial do trabalho?

As desigualdades raciais no mercado de trabalho não configuram um fenômeno recente


no desenvolvimento das relações raciais no Brasil. A tônica das clivagens raciais tem sido
historicamente o desenvolvimento da divisão social do trabalho e a inserção dos grupos
discriminados na dinâmica de uma sociedade que cada vez mais se complexifica (MOURA,
1988). A divisão social do trabalho tem correlação direta com a divisão espacial do trabalho,
considerando que algumas regiões se desenvolveram mais que outras. Porém, quando se trata
da inserção e da participação da população negra no mercado de trabalho, rural ou urbano, as
barreiras concretas e simbólicas do racismo não diferem região. Na verdade, a especificidade
da região pode determinar o grau inclusão-exclusão da população negra no mercado de
trabalho desde que políticas específicas corroborem para tanto, já que a especificidade
regional por si só não é suficiente para sobrepor-se ao nexo interrelacional racial que se
espalha pelo território brasileiro.

Segundo Mário Theodoro (2008, p.15), são os “desdobramentos ocorridos no século


XIX...” que vão colocar “...a questão racial como elemento central na formação atual do
mercado de trabalho brasileiro”. Segundo o autor, na época de formação do mercado de
trabalho brasileiro, em que o trabalho escravo vai gradativamente sendo substituído pelo
trabalho livre, foram criados mecanismos para afastar o negro liberto ou já livre do acesso à
terra – como a Lei de terras19 que estabeleceria a compra, em detrimento da posse, como
única forma de aquisição de propriedade e a política de imigração – remetendo-os à condição
de força de trabalho excedente. Até 1850, data da Lei de terras e da Lei Eusébio de Queirós 20,
a força de trabalho era majoritariamente escrava, inclusive em setores mais especializados
como metalurgia e artesanato, portanto, existia uma significativa mão-de-obra qualificada
negra, principalmente nos aglomerados urbanos nordestinos (Salvador, Recife e São Luís),
mas também no Rio de Janeiro. Na segunda metade do século XIX é que a situação urbana

19
A Lei de terras era um obstáculo ao livre acesso da terra por parte da massa da população pobre, inclusive por
parte dos ex-escravos, daqueles que viessem ser libertados da escravidão. Em oposição à lei da colonização
aprovada nos EUA na mesma época (a reforma agrária norte-americana) em que as terras do Oeste foram abertas
à livre ocupação dos colonos, mediante supervisão e controle do governo. (Martins, J. de S. A questão agrária
brasileira e o papel do MST. In: Stédile, J. P. (org.) A reforma agrária e a luta do MST. Petrópolis: Vozes, 1997.
pp. 11-76).
20
Lei que proibia definitivamente o tráfico de escravos para o Brasil.
37

começa a se alterar com o aumento da população liberta e mestiça e a imigração europeia,


especialmente no Sudeste. (THEODORO, 2008, pp.19-20).

O imenso contingente de trabalhadores escravos libertos encontra um ambiente seletivo e


segregador, não os permitindo competir de maneira igualitária no capitalismo brasileiro que
começava então se modernizar, como ressalta Theodoro:

O perfil de ocupação da força de trabalho assumirá, então, nova


conformação. Enquanto a mão-de-obra imigrante chega e ocupa-se cada vez
mais da produção de café, uma parte crescente da população de escravos
então liberados, vai se juntar ao contingente de homens livres e libertos, a
maioria dos quais se dedicava seja à economia de subsistência, seja a alguns
ramos ligados aos pequenos serviços urbanos. Não houve a valorização dos
antigos escravos ou mesmo dos livres e libertos com alguma qualificação. O
nascimento do mercado de trabalho ou, dito de outra forma, a ascensão do
trabalho livre como base da economia foi acompanhada pela entrada
crescente de uma população trabalhadora no setor de subsistência e em
atividades mal remuneradas. Esse processo vai dar origem ao que, algumas
décadas mais tarde, viria a ser denominado “setor informal”, no Brasil.
(THEODORO, 2008, pp.24-25).

Clóvis Moura (1988), nessa linha de raciocínio, aponta que mesmo no seio do que viria
ser o proletariado brasileiro, havia discriminação racial. A integração social dos negros e
pardos ex-escravos, segundo o autor, não ocorreu, como muitos pregaram, e nem os negros
compuseram por automatismo a classe operária ou camponesa nos seus diversos níveis e
setores, antes, compuseram o setor marginalizado que seria funcional ao que o autor chamava
de capitalismo dependente que despontou com o fim do escravismo tardio21:

Como vemos, se de um lado os negros egressos das senzalas não eram


incorporados e esse proletariado nascente, por automatismo, mas iriam
compor sua franja marginal, de outro, do ponto de vista ideológico, surgia, já
como componente do comportamento da própria classe operária, os
elementos ideológicos de barragem social apoiados no preconceito de cor. E
esse racismo larvar passou a exercer um papel selecionador dentro do
próprio proletariado (MOURA, 1988, p.65).

Para Moura, a representação do negro como sendo incapaz de trabalhar como assalariado
por possuir um desenvolvimento mental rudimentar; uma forte preferência pelo ócio22 e tantos

21
Escravismo tardio foi o período pós 1850 quando vários setores da sociedade brasileira vislumbravam o fim
da escravidão, mas com a continuidade das desigualdades profundas na ordem social. (Mesquita, E. Clóvis
Moura (1925-2003). Revisto Afro - Ásia, 31 (outubro, 2004), 337-356). O capitalismo dependente possui a
mesma configuração, porém possui como pressuposto o trabalho livre assalariado.
22
Estes estereótipos influenciaram, inclusive, nas análises de grandes intérpretes da sociedade brasileira como
Celso Furtado (Furtado, C. Formação econômica do Brasil. 34ª Ed. São Paulo: Companhia das letras, 2007,
38

outros estereótipos, contribuiu para que a massa de negros disponível não fosse aproveitada
em detrimento do trabalhador estrangeiro, tido como mentalmente superior e mais produtivo
em face da ociosidade do negro, do mestiço. Os estereótipos que se reforçaram especialmente
no período da passagem do trabalho escravo para o trabalho livre, não encontraram eco com a
realidade durante o escravismo quando negros escravizados ocupavam diversas funções:

Os negros não eram somente trabalhadores do eito, que se prestavam apenas


para as fainas agrícolas duras e nas quais o simples trabalho braçal primário
era necessário. Na diversificação da divisão do trabalho eles entravam nas
mais diversas atividades, especialmente no setor artesanal. Em alguns ramos
eram mesmo os mais capazes como, por exemplo, na metalurgia cujas
técnicas trazidas da África foram aqui aplicadas e desenvolvidas. Na região
mineira, por exemplo, foram os únicos a aplicarem e desenvolverem a
metalurgia (MOURA, 1988, p.67).

O alto investimento no trabalhador estrangeiro só seria explicável pelo aprofundamento


do ideal de embranquecimento, dada a grande parcela de trabalhadores negros qualificados
para as atividades de então, seja no campo, seja na cidade. Ou seja, em um sistema social em
que o mote é a racionalidade para a maximização dos lucros, a prática supracitada se torna
absolutamente disfuncional e irracional. Com o elevado excedente, este contingente seria
aproveitado nas décadas que se seguiriam no subemprego, caracterizando o início da
segmentação do trabalho livre no Brasil que permanece ainda hoje. Moura (1988, p.73)
salienta que em determinados momentos históricos, a divisão social e racial do trabalho
coincidia, mas através de mecanismos que repreendiam os negros ou regulavam os ramos em
que os brancos predominariam – trabalho qualificado, intelectual, nobre – e os que estavam
reservados para os negros – sub-trabalho, trabalho não qualificado, braçal – inicialmente
praticados por trabalhadores negros escravizados e posteriormente por trabalhadores negros
livres.

Outro autor que trata do tema da transição do trabalho escravo para o trabalho livre na
cidade de São Paulo, Ramatis Jacino, argumenta que existia um significativo contingente de
trabalhadores negros, livres, neste período, exercendo as mais variadas profissões, simples e
sofisticadas, “E, ainda, que, no processo de abolição, foram alijados do mercado de trabalho e
substituídos por mão-de-obra estrangeira, fosse por iniciativas legais, fosse por ações da
administração pública empresariais” (JACINO, 2008, p.13).

p.203) e Caio Prado Júnior (Prado Jr., C. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Companhia das Letras,
2011, p.28). A justificativa era de que essas características eram advindas do tipo de desenvolvimento que as
elites brancas impuseram a população negra escravizada, porém não deixa de ser pejorativo.
39

Com base na análise da legislação brasileira produzida ao longo do século XIX, o autor
constata que esta teve como corolário a marginalização do negro no mercado de trabalho. A
lei de 04 de setembro de 1831 que proibia a importação de africanos escravizados não definiu
um status jurídico para os africanos “livres” que eram traficados ilegalmente e, portanto, em
tese, não poderiam ser escravos. Esta falta de uma definição jurídica fez com que este
contingente prestasse serviços análogos à escravidão. A lei Eusébio de Queiroz de 1850
aprofundava alguns pontos da lei de 1831, determinando a não cidadania brasileira para o
africano “livre” que deveria ser deportado para sua região de origem, até isto acontecer o
indivíduo ficaria sobre a tutela do Estado, prestando serviços para este, sem a possibilidade de
concessão a particular. O autor destaca que:

Trabalhar sobre a tutela do governo para os negros escravizados na metade


do século XIX certamente significava produzir no mínimo dezesseis horas
por dia, mal alimentados, sem remuneração ou possibilidade de escolha das
tarefas que iriam realizar, subordinados a uma disciplina rígida, impedido de
ir e vir. Na prática aquele indivíduo seria um escravo, com a diferença que
seu senhor – segundo a lei – seria o Estado e não um ente privado. (JACINO,
2008, p.49).

Num contexto de difícil separação entre o público do privado, tal determinação teria
pouca validade e o aspecto mais relevante é que o tempo que separa esta da lei que
normatizava o uso e posse da terra (a Lei de terras era de 18 de setembro) era de apenas
quatorze dias, não se tratando de “coincidência”, mas de novos aspectos econômicos que
iriam reger o país, a substituição da compra do trabalhador pela compra de sua força de
trabalho. É neste contexto que o trabalhador escravizado torna-se livre. Não pela
desumanização a que estava imposto, mas antes por ser disfuncional ao sistema:

A participação dos ex-escravos no mercado de trabalho teria acontecido na


medida em que o modelo econômico ia apresentando suas fissuras –
aumentadas significativamente ao longo do século XIX – e os cativos
conquistando liberdades parciais, condicionadas ou totais. Esse natural
encaminhamento do ex-escravo ao mercado de trabalho assalariado ou livre
teria acontecido em paralelo à gestação do projeto das elites de substituição
da força de trabalho dele pela estrangeira, a qual em breve iria expulsá-lo
deste mercado. (JACINO, 2008, p.21).

2.2. A integração subordinada do negro na ordem social competitiva

A perspectiva da integração do negro na ordem social competitiva como sujeito e não


apenas subordinado ao processo de desenvolvimento, por todos os mecanismos, barreiras e
clivagens supracitados, não se consolidou. O imobilismo social, que nessa mesma ordem, tem
40

no mercado de trabalho sua principal ferramenta de superação, tendia a sua manutenção,


mesmo em períodos de crescimento econômico, como um elemento estamental. A
participação da população negra na economia, como bem observou Florestan Fernandes
(2007, p.69) se deu e intensificou justamente em ocupações e serviços vinculados à economia
de subsistência ou a setores econômicos que não influíam diretamente na redistribuição de
renda e não possibilitavam um rearranjo na estrutura racial da mobilidade social do país. Em
grande parte, a marginalização imposta aos negros no período posterior à abolição,
seletivamente substituídos a partir do ideal de branqueamento, corroborou para que a
identidade étnica desta população não alcançasse níveis que possibilitassem articulação e
emancipação dos valores que os relegavam a uma posição subalterna no processo histórico.
Ao invés de uma contra-ideologia que fatalmente redundaria em conflitos políticos, ocorreu a
acomodação aos valores racistas vigentes (Moura, 1988, p.70) que possibilitaria a
naturalização da baixa mobilidade social da população negra.

Os fatores de diferenciação que redundariam no grau de imobilidade social da população


negra são oriundos do próprio processo de urbanização e complexificação de um mercado de
trabalho incipiente no período da escravidão e que se consolidou após a abolição. Homens
livres, inclusive mulatos, se valiam de mecanismos de diferenciação econômica para a
manutenção do status quo. Na medida em que se valorizavam determinadas ocupações, estas
eram reguladas de modo a excluir o negro. A imigração branca europeia não foi causa, mas a
consequência de práticas e ideologias racistas e, por esta razão, o elemento branco era
desejável e mesmo com todas as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes, estes possuíam a
prerrogativa nos processos de mobilidade social.

Rafael Osório (2004) partindo dos estudos sobre mobilidade social de Carlos Hasenbalg,
Nelson do Valle Silva e José Pastore, vai analisar o grau de mobilidade social dos negros no
Brasil e constata, como os autores citados, que a educação e a origem social são os fatores que
mais pesam como determinantes na posição das pessoas na estrutura social. À transmissão
intra e intergeracional das desvantagens na estrutura social e das realizações educacionais
somam-se ao elemento racial e não o excluem como seria esperado numa sociedade de classes
competitiva em que elementos próximos aos estamentais (como raça ou gênero),
aparentemente disfuncionais, inserem barreiras não apenas ao desenvolvimento dos grupos
em questão, mas a toda sociedade:

...quando são tomados dois pais, um negro e um branco, ambos com


exatamente a mesma condição social, se esta for baixa, o filho do branco terá
melhores chances de ascender na estrutura social; se for elevada, o filho do
41

negro correrá maior risco de descender na hierarquia. Observa-se que tal


situação ocorrerá mesmo se esses dois filhos hipotéticos atingirem o mesmo
nível educacional, o que pode não ocorrer, visto que há diferenças raciais na
realização educacional que prejudicam os negros, para a vantagem dos
brancos. (OSÓRIO, 2004, p.21).

Osório, no entanto, discorda de Hasenbalg, Pastore e Silva, entre outros autores por ele
denominado de terceira onda teórica, no que diz respeito à hipótese de alta mobilidade social
na sociedade de classes brasileira, seja para negros, seja para brancos. Neste sentido, numa
sociedade dinâmica, que rapidamente crescia e se urbanizava com a consolidação do trabalho
livre, o imobilismo social dos negros era fruto de barreiras discriminatórias e de um regime de
mobilidade diferenciado (OSÓRIO, 2009, p.37). Para o autor esta é uma perspectiva que diz
respeito a uma determinada forma de entendimento de mobilidade social baseadas em “...
esquemas de classe típicos dos estudos sociológicos...” e na admissão da existência de “... um
volume alto de mobilidade, porém de curta distância...”, isto é, um contexto em que as
pessoas mudam de patamar socioeconômico, porém para um degrau imediatamente superior
aqueles ocupados por seus pais. Conclui:

Quando a mobilidade é de curta distância, a posição final é fortemente


associada à posição original. Se se entende a mobilidade social como algo
que varia de forma inversa ao grau de associação entre origem e destino, a
mobilidade social no Brasil é baixa (OSÓRIO, 2009, p.38).

Se o preconceito racial não é disfuncional ao capitalismo e ao desenvolvimento de uma


sociedade de classes, ao contrário do que argumentava a segunda onda teórica, ele também
não pode ser desvinculado dos efeitos da escravidão – como argumentava a terceira onda
teórica – isto é, os mecanismos diferenciadores do escravismo foram decisivos para que os
descendentes dos negros escravizados fossem mantidos em uma posição de quase imobilismo
social.

Constata-se, portanto, que a baixa mobilidade social entre a maioria dos negros deve-se
tanto a sua ascendência escrava; origem pobre; às suas dificuldades em termos de
oportunidades educacionais; e à segmentação no mercado de trabalho que tende a relegar a
população negra aos trabalhos pesados e braçais.
42

2.3. A situação recente

Segundo dados do IBGE referentes aos Censos Demográficos de 2000 e 2010, quando
considerados indicadores de renda, educação e trabalho, pode-se perceber que nesta década o
avanço foi importante, mas a diferença entre os grupos de cor ainda permanece bastante
relevante. No tocante aos rendimentos ocorreu uma queda na desigualdade racial, porém se
tomarmos o período entre 2000 e 2010 como referência para projetar o futuro23, o ritmo de
queda na desigualdade sugere que uma igualdade perfeita de rendimentos (domiciliar per
capita) entre negros e não negros dar-se-ia em aproximadamente 90 anos. O quadro 1 nos
mostra o quão ainda distante estão os rendimentos domiciliares per capita e os rendimentos
em todos os trabalhos entre os grupos raciais, apesar do aumento real, o incremento dos
rendimentos dos não negros foi mais significativo.

Quadro 1 – Rendimentos (em R$ de 2010) por grupos raciais no Brasil (2000-2010)


2000 2010
Rendimentos
Não negros Negros Não negros Negros
Rendimento domiciliar per
794,12 321,94 1.063,41 492,90
capita (em reais de 2010)
Rendimento do trabalho
585,35 250,11 741,09 362,28
principal (em reais de 2010)
Proporcionalidade do
rendimento domiciliar per
40,5 % 46,4 %
capita dos negros em relação
aos não negros
Proporcionalidade do
rendimento no trabalho
42,7 % 48,9 %
principal dos negros em relação
aos não negros
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: Valores atualizados pelo IPC-A (IBGE), datas de referência 07/2000 e 07/2010.

No ensino superior, a proporção entre negros e não negros estudantes em relação à


população com mais de 18 anos de cada classificação, levando em conta o ritmo de
crescimento da década, seria idêntica em aproximadamente 20 anos; já entre os não
estudantes com curso superior concluído em relação à população com mais de 21 anos a
proporção seria idêntica em aproximadamente 70 anos. Na comparação do ritmo de
crescimento de estudantes negros nas universidades em relação aos já formados é possível

23
Utilizou-se a linha de tendência polinomial da planilha do software Excel.
43

notar os efeitos positivos das cotas nas universidades e dos programas de financiamento
universitário para parte da população negra, considerando que o acesso à universidade ainda é
dificultado para todos, no entanto, se em termos de efetividade o objetivo era a diminuição
das desigualdades raciais, este ainda não foi alcançado, pelo contrário, se considerarmos a
dinâmica demográfica dos grupos raciais na década, a distância aumentou. Talvez seja
necessário reavaliar no sentido de aprofundar as ações afirmativas no ensino superior.

Quadro 2 – Curso superior por grupos raciais no Brasil (2000-2010)


2000 2010
Não Não
Negros Negros
negros negros
Não estudantes com curso superior
concluído (em relação às pessoas 11,1% 2,7% 16,1% 5,4%
com 21 anos ou mais)
Estudantes cursando o ensino
superior (em relação às pessoas com 4,0% 1,2% 6,9% 3,7%
18 anos ou mais)
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

Nos grupos de ocupação, a igualdade entre negros e não negros nas posições mais
prestigiadas ocorreria em aproximadamente 45 anos, levando-se em conta o ritmo de queda da
desigualdade racial entre 2000 e 2010. A questão é a que a média salarial dos negros é bem
inferior nos dois momentos em grupamentos ocupacionais teoricamente mais homogêneos.
Lembrando que no quadro 3 a distribuição é no interior de cada grupo, isto é, no ano de 2010,
por exemplo, 2,3 % dos negros ocupados eram diretores e gerentes.

Quadro 3 – Grupos de ocupação por cor ou raça no Brasil (2000-2010)


2000 2010
Grupos de ocupação
Não negros Negros Não negros Negros
Diretores e gerentes 6,0% 2,0% 5,5% 2,3%
Profissionais das ciências e
8,1% 2,8% 13,2% 6,4%
intelectuais
Total 14,1% 4,8% 18,7% 8,7%
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: Percentuais em relação aos ocupados de cada classificação.

A distribuição na posição na ocupação também pouco se alterou, mas as diferenças mais


acentuadas são em relação aos empregados sem carteira de trabalho assinada (incluindo os
44

empregados domésticos), os trabalhadores por conta-própria e empregadores. A diferença


entre empregados sem carteira de trabalho assinada e os trabalhadores por conta própria é que
nesta última categoria se encontram profissionais liberais, geralmente com uma situação
previdenciária melhor e maior remuneração. Por conseguinte, os negros apresentam maiores
percentuais nos primeiros.

Quadro 4 – Posição na ocupação por cor ou raça no Brasil (2000-2010)


2000 2010
Posição na ocupação
Não negros Negros Não negros Negros
Empregado com carteira de
37,9% 29,9% 47,1% 41,2%
trabalho assinada
Empregado doméstico¹ 6,3% 9,7% 5,4% 8,4%
Militar do exército,
marinha, aeronáutica,
polícia militar ou corpo de 6,3% 5,2% 6,1% 4,7%
bombeiros e funcionários
públicos.
Empregado sem carteira de
13,3% 21,7% 13,4% 23,4%
trabalho assinada
Conta própria 25,4% 22,9% 23,2% 19,6%
Empregador 4,5% 1,2% 3,1% 0,9%
Não remunerado 6,3% 9,4% 1,7% 1,8%
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Notas: Percentuais em relação aos ocupados de cada classificação na variável.
¹Com e sem carteira de trabalho assinada.

Em pesquisa realizada pelo Instituto ETHOS (2010), em parceria com o IBOPE, sobre o
perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil, a composição por cor ou
raça dos cargos de executivo, gerência, supervisão e funcional apresentaram resultados que
demonstram o grau de segmentação racial nestas empresas.

Nota-se no quadro 5 que a proporção de negros nos quadros mais prestigiados cresceu em
sete anos, com mais representatividade nos cargos de supervisão, porém ao olharmos para o
todo, a distância ainda é considerável. De fato, é uma evolução que deve ser considerada e
refletida, já que segundo o relatório (ETHOS, 2010, p.27) as ações das empresas são em sua
grande maioria pontuais e específicas sem um plano de ação a médio e longo prazo. Ao que
parece dois são os aspectos que incidem sobre este avanço: negros com maior escolaridade e o
efeito social das ações afirmativas, portanto, é principalmente por iniciativa do Estado que as
desigualdades raciais foram e podem ser reduzidas.
45

Quadro 5 - Composição (%) dos quadros das 500 maiores empresas do Brasil por cor ou
raça (2003-2010)
2003 2010
Cargos
Não negros Negros Não negros Negros
Executivo 98,2 % 1,8 % 94,7 % 5,3 %
Gerência 91,1 % 8,8 % 86,6 % 13,2 %
Supervisão 86,4 % 13,5 % 74,3 % 25,6 %
Funcional 76,4 % 23,4 % 68,6 % 31,1 %
Fonte: Instituto ETHOS de Empresas e Responsabilidade social (2010, p. 14).
Nota: Não foram considerados os indígenas, por esta razão a somatória eventualmente não perfaz 100 %.

Apesar dos aspectos positivos, devemos tecer algumas considerações: i) mesmo nos
quadros funcionais a proporção de negros ainda é bem menor que a dos brancos, o que
significa que o negro é sub-representado nestas 500 maiores empresas do país e; ii) deve-se
levar em conta que o incremento da população negra no Brasil foi proporcionalmente muito
maior do que o aumento da participação em postos de comando, e aí o elemento racial faz a
diferença, seja no acesso dificultado à educação superior, seja nos mecanismos
discriminatórios velados presentes no mercado de trabalho. É interessante a observação feita
no referido documento:

Registre-se ainda a coleta, pela pesquisa, de dois fatores com poder de


interferir na composição por cor ou raça. O primeiro é a grande proporção de
empresas que dizem não ter medidas para incentivar a participação de negros
em cada nível – nem políticas com metas e ações planejadas, nem ações
pontuais ou específicas. O segundo fator, relacionado ao primeiro, é a
percepção dos gestores que, também em grande parcela, consideram
adequada a proporção de negros em cada nível. (ETHOS, 2010, p. 15).

Considerar adequada a proporção de negros em cada nível significa naturalizar a


segmentação e a exclusão. São os resquícios ideológicos do mito da democracia racial que
seria alcançada aos poucos; bem lentamente. Acelerar o processo com políticas específicas é
fundamental para mitigar os danos seculares da população negra.
46

3. DESIGUALDADES RACIAIS, URBANIZAÇÃO E SEGREGAÇÃO

3.1. Urbanização e o paradoxo da “usurpação legal” da terra: A Lei de Terras

Dos indicadores importantes para a análise das desigualdades raciais no mercado de


trabalho brasileiro, que segundo Lovell (1995, p.40) são aqueles que melhor expressam sua
hierarquização racial, a saber, educação, distribuição ocupacional, salários (renda) e local de
residência, abordamos alguns poucos indicadores sobre os três primeiros no capítulo anterior.
Neste capítulo trataremos da relação entre o local de residência e as desigualdades raciais
mediados pelo processo de urbanização e modernização do país.

A manutenção das desigualdades raciais em geral e no mercado de trabalho, se relaciona


com o nível de reprodução da força de trabalho, em outras palavras, no Brasil o baixo custo da
reprodução da força de trabalho somado à existência de barreiras raciais, ideológicas ou não,
criou uma massa negra e mestiça empobrecida e superexplorada, cuja sujeição a esta situação
os fazia adaptar suas necessidades imediatas ao disponível. No que diz respeito ao local de
moradia, a adaptação remetia ao refúgio em quilombos e posteriormente em favelas, palafitas,
cortiços e etc.24

A urbanização brasileira foi marcada pelo privilégio. Se a abolição declarou a liberdade


jurídica aos negros, sem um plano que os integrasse, também declarou sua condição precária,
já que se encontraram, além de outras coisas, sem onde morar e sem perspectiva de para tanto.
A manutenção da prerrogativa do acesso à terra, por meio da Lei de terras (nº. 601 de
18/09/1850), como já observado anteriormente, foi estruturada como parte da preparação de
um novo modelo econômico, baseado fundamentalmente no trabalho livre e na abolição
jurídica do trabalho escravo.

A regulamentação do acesso à terra foi uma estratégia que o Estado-nação valer-se-ia a


fim do estabelecimento de sua soberania. Holston (2013, p.161) aponta que a “demarcação
certificada de quais terras são públicas e quais são privadas” são fundamentais para a
consolidação do território nacional e para, através de políticas especificas, “sustentar sua base
produtiva específica”, isto é, conforme a regra que rege a relação trabalho/capital em
determinado território, a terra pode excluir ou incluir determinadas parcelas da população no
sistema produtivo e de consumo. Relaciona-se, portanto, de forma interdependente com a
24
Ver: LEITE, I. K. O projeto político quilombola: Desafios conquista e impasses atuais. Estudos Feministas,
Florianópolis, 16(3): 424, setembro-dezembro/2008. p. 965-977; CARRIL, L. F. B. Quilombos, Favela e
Periferia: a longa busca da cidadania. São Paulo, Annablume, 2006.
47

divisão social do trabalho. Entendemos que no Brasil vigorou e tem vigorado, com algumas
exceções obviamente, uma regulamentação utópica do ponto de vista do discurso, e racista e
antidemocrática do ponto de vista prático25. A Lei de terras talvez seja um marco neste
processo por ter fracassado em todas as suas expectativas – e não ter sido, ainda que fora das
expectativas, um instrumento para o desenvolvimento do país do ponto de vista capitalista –
exceto em uma: “... a lei impediu o acesso de cidadãos e imigrantes pobres a propriedades de
pequena escala” (HOLSTON, 2013, p.182).

Com o fim da propriedade escrava no horizonte, a Lei de terras afastava o futuro liberto
dos seus meios de subsistência. Em seu artigo 1º fica explícito seu propósito:

Art. 1º Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro título que não seja
o de compra.
Na prática foi a institucionalização da terra como mercadoria e o impedimento do
pleiteamento por parte dos futuros libertos dos territórios por eles ocupados, seja quilombos
ou qualquer outra localidade, ainda que erma, desocupada ou improdutiva. Seguindo a leitura
do documento, percebe-se que as terras ou pertenceriam a um grande proprietário ou seriam
devolutas, isto é, sem dono ou pública (entendida neste contexto como propriedade estatal e
não coletiva), o que não implica em dizer que sua finalidade será social, já que o Estado
reservaria terras para políticas imigratórias, inclusive com o financiamento de colonos,
europeus evidentemente26. A pressão, principalmente dos latifundiários do sudeste cafeeiro,
para que não ocorresse aquilo que racionalmente em uma sociedade que se preparava para a
inserção no mercado a partir do trabalho livre deveria ocorrer, uma reforma agrária27, era a
forma de restringir aos pequenos produtores, potencialmente negros, mas também colonos
estrangeiros pobres, a posse e propriedade da terra. Se em teoria a Lei de terras era importante

25
Ver: Silva, M. M. Relações Raciais e Planejamento Urbano: algumas considerações. Revista Agenda Social,
V. 8, nº. 1, pp.122-138, 2014.
26
É importante destacar que o imigrante europeu, apesar de ser considerado importante do ponto de vista étnico
para embranquecer a população brasileira, era um trabalhador e como tal deveria ser subalternizado e
superexplorado. Holston (2013, p.173) observa que no debate sobre a finalidade e forma da imigração, em 1840,
a questão levantada era de que não deveriam ser produzidos concorrentes, e sim trabalhadores, portanto:
“Comum a todos era a proposta de ligar os novos trabalhadores às fazendas de forma que não fossem criados um
mercado de trabalho livre nem um mercado de terra acessível aos trabalhadores, pois, sem esses mercados, os
imigrantes livres não teriam escolha a não ser trabalhar nas fazendas. Especialmente nos casos em que as
passagens tivessem sido subsidiadas, isso resultaria na substituição da escravidão por um tipo de servidão
contratada”.
27
Holston (2013, p.172) parece entender que a Lei de terras era uma das formas de reforma agrária na medida
em que organizava o sistema fundiário brasileiro estabelecendo prerrogativas. No entanto, entendemos que a
manutenção de privilégios da mesma elite agrária sob novas determinações não pode ser entendida como uma
“reforma”, mas sim como uma pró-forma, isto é, a formalização de uma situação já dada, pois a posse da terra
era condicionada pela violência e insegurança, exceto para os grandes latifundiários.
48

para o processo imigratório, a previsão de utilização da mão-de-obra exclusivamente na


lavoura não ocorreu, como observou Mendes (2009, p.181):

O obstáculo imposto à aquisição de um lote para cultivar fez com que parte
dos que aportavam de forma espontânea no Brasil desistissem de se dirigir
para a agricultura e se voltassem, logo após o desembarque, para atividades
urbanas, inversamente do que pretendeu o legislador.

Sem poder contar com o imigrante em número suficiente, o fazendeiro do sudeste


cafeeiro passou a buscar do Nordeste, cuja economia estava em decadência, o negro cativo,
que a essa altura dos acontecimentos era mais custoso que a mão-de-obra livre, “O emprego
da mão de obra remunerada, por sua vez, barateava e racionalizava a manutenção da força de
trabalho” (MENDES, 2009, p.181).

A exclusão, portanto, era política implícita de Estado e corroborou enormemente para


regrar a futura ocupação fundiária do país. Como já afirmamos em outro momento:

O latifúndio influi de maneira decisiva os rumos do país e a apropriação


privada da terra vai sendo recolocada e regulamentada para garantir as
prerrogativas dos latifundiários, agora renovados e atualizados para melhor
mascarar a concentração indevida de terras. (SILVA, 2014, 127).

O negro no período pós-abolição é visto como um problema e vai ser empurrado, por
diversos mecanismos que lhe fugiam o controle, para marginalidade que determinará o seu
“local de residência”. A partir deste processo de marginalização, em um período posterior, a
análise dos aspectos ideológicos e de dominação nacional-desenvolvimentistas – que
pregavam a urbanização e o desenvolvimento como redentores das desigualdades raciais – e
das desigualdades regionais, são importantes, mas não determinantes, por conta da
complexidade da questão racial, para a compreensão do atual quadro, especialmente urbano,
da condição precária da população negra no que tange aos locais de residência. Aqui estamos
tratando de aspectos habitacionais, de infraestrutura e outras condições que influenciam direta
ou indiretamente nas desigualdades raciais no mercado de trabalho.
O processo de industrialização, ao carecer de um contingente de mão-de-obra para atuar
direta ou indiretamente na produção, estruturou novas hierarquias ocupacionais que se
relacionavam com as desigualdades regionais, raciais e habitacionais. A diversificação e a
dinamização das atividades em um contexto de crescimento econômico criam desigualdades e
geram dependências, ao mesmo tempo em que tornam mais complexa a divisão social do
trabalho que está “... na origem das assimetrias que são observadas nas dimensões setorial e
49

espacial da economia, bem como do mercado de trabalho” (OLIVEIRA, 2006, p.184).


Teoricamente, ainda que problemático, se impessoal, a variável racial não teria maior
importância neste processo na medida em que os atributos seriam apenas aqueles que se
relacionam diretamente com o trabalho, isto é, a desigualdade seria mais fácil de ser percebida
e combatida. Não sendo, é preciso olhar para os indicadores para perceber a especificidade da
condição do negro, quase todos coincidentes.
O assimilacionismo das relações raciais brasileiras foi consubstanciado ao ideal de
“nação” brasileira e, consequentemente, mensagens de insubordinação não eram bem-vindas.
A negação do conflito racial, urbano ou rural, foi institucionalizada a partir da ideologia do
nacional-desenvolvimentismo28 que assumiu o mito da democracia racial e a formulação
Freyreana da especificidade social e cultural do Brasil (dentre elas o lusotropicalismo) como
elementos integradores importantes, capazes de produzir um inimigo comum: os
estrangeirismos que negavam a nossa “fluidez” racial (CARDOSO e CONCEIÇÃO, 2011,
p.93-94). A promoção do imigrante como trabalhador ideal vai até o final dos anos 1920, e a
partir de 1930, a estratégia assimilacionista foi fundamental para desenvolver uma força de
trabalho nacional por meio de migrações internas (HOLSTON, 2013, p.161), força de
trabalho essa, em grande parte, miscigenada.
Do ponto de vista das condições habitacionais da população negra no Brasil, esta era uma
“ideia fora do lugar”, mas, paradoxalmente, no lugar certo. Isso porque não condizia com a
realidade, quiçá com um ideal de realidade, mas certamente condizia com um projeto de
dominação. Para o projeto nacionalista e desenvolvimentista, a docilidade dos dominados ser-
lhe-ia muito útil. No caso da população negra o passado escravista foi romantizado a fim de
evitar rupturas e suas condições habitacionais ficaram próximas às ocupacionais, como
apontou Leite (1990, p.39):

A noção genérica de território quando usada para· se referir aos negros,


enquanto grupo étnico, nem sempre pode ser usada com o mesmo sentido,
embora se refira a um grupo proveniente de um mesmo processo histórico.
Estou me referindo ao processo que transformou africanos em escravos e em
seguida em negros - grupo que tem ocupado os piores lugares no processo
de expansão do capitalismo no Brasil. Sem dúvida, a população de origem
africana, após a amarga experiência como escrava e após fazer parte da

28 Bresser-Pereira afirmou sobre o Estado nacional-desenvolvimentista que: “... o objetivo básico da política era
promover o desenvolvimento econômico e, em segundo lugar, para que isso acontecesse a nação – ou seja, os
empresários, a burocracia do Estado, as classes médias e os trabalhadores unidos na competição internacional –
precisava definir meios para alcançar esse objetivo no âmbito do sistema capitalista, tendo o Estado como
principal instrumento de ação coletiva” (Bresser-Pereira, L. C. Do antigo ao novo desenvolvimentismo na
América Latina. Escola de Economia de São Paulo/FGV (textos para discussão 274), São Paulo, novembro,
2010, p. 6-7).
50

categoria dos libertos, desprovida de direitos plenos de cidadania, só


encontrou alguma possibilidade de sobrevivência no mesmo setor de
produção que atuava enquanto escrava.

Esta questão foi assimilada pelo mote nacional-desenvolvimentista, e, quando aventada,


a justificativa recaía sobre o atraso do país, isto é, era preciso modernizar para superar as
mazelas raciais. Com a decadência da sociedade agrária e a emergência de uma sociedade
industrial e urbana, o atraso deveria ser negado, mas para a manutenção dos privilégios
políticos da elite agrária e oligárquica, também deveria ser funcionalizado. Como neste
contexto não havia uma homogeneidade do poder da classe oligárquica, pois caso existisse
não seria necessário um governo autoritário, a integração discursiva que poderia ser resumida
na alcunha de “democracia racial”, por ser paternalista, reduzia, ou mesmo retirava o espaço
político daqueles que não faziam parte das classes dominantes. Significava, pois, excluir do
contexto político a grande maioria da população pobre, negra ou não, mas certamente a
imensa maioria da população negra.

3.2. O “lugar” do negro

Decorre que a história particular da população negra – enquanto povo combativo e


oprimido – foi esquecida e integrada à explicação social mais genérica, em outras palavras, a
história do negro, na perspectiva da necessidade integradora nacional-desenvolvimentista, foi
subsumida no “mundo dos brancos”. O território negro permitido foi o da subalternização,
que por vezes valer-se-ia de um território “cultural” para sua reprodução.
A subalternização territorial implicava na determinação de áreas específicas para a
população negra, mesmo sem a presença de leis segregadoras oficiais. Os mecanismos de
diferenciação eram socioeconômicos ou legalmente jurídicos, ou os dois ao mesmo tempo.
Por serem integracionistas, não careciam de leis oficiais para vigorarem, a atmosfera
hierárquica garantia uma “paz” racial opressora que sufocava a insubordinação negra com
violência policial.
Rolnik (1995, p.46) aponta que na cidade colonial “... a mistura de brancos e negros nas
ruas e nas casas da cidade era possível porque a distância que os separava era infinita. O
respeito e hierarquia introduziam a diferença social na vida comunal”. Essa forma de
organização social, que segundo a autora, seria hoje inviável, começa a transformar-se em
uma organização social segregadora – do ponto de vista espacial e não discursivo, é
importante salientar – na medida em que a vida social se mercantiliza, isto é, a separação do
51

local de trabalho e de residência possibilita que o trabalhador assalariado resida separado de


seu patrão, pagando por sua habitação e consequente localização aquilo que seus ganhos
permitirem (ROLNIK, 1995, p.48). Maricato (2012, p.155) arremata:

O custo da reprodução da força de trabalho não inclui o custo da mercadoria


habitação, fixado pelo mercado privado. Em outras palavras, o operário da
indústria brasileira, mesmo muito daqueles regularmente empregados pela
indústria moderna fordista (indústria automobilística), não ganha o suficiente
para pagar o preço da moradia fixado pelo chamado mercado formal. A
situação é frequentemente mais precária em se tratando de relações de
trabalho também precárias. O acesso ao financiamento é quase impossível.

Ora, considerando que o que define o local de moradia em um mercado imobiliário


estratificado é a renda disponível para tanto e que o trabalhador negro se inclui nas categorias
mais precárias de trabalho, especialmente no que diz respeito à renda, como já argumentamos,
qual então seria o “lugar” do negro? Argumentamos que se do ponto de vista do trabalho são
os piores empregos, mais insalubres e mal remunerados; do ponto de vista espacial são os
piores lugares, isto é, com pior infraestrutura, menor acesso a serviços básicos e em que a
violência física, psicológica e simbólica se fazem constantemente presentes, seja na ação
policial repressora e controladora, seja na ação de traficantes de drogas; tanto do ponto de
vista das grandes regiões, quanto do ponto de vista intra-urbano de cada grande metrópole.

Alister Parks (1990 apud TELLES, 2003, p.161) ao referir-se sobre os planos de
autoridades sul-africanas sobre a reforma depois do apartheid observou que:

A massa de negros com menor escolaridade e capacitação profissional seria


empurrada mais do que nunca para a periferia, graças a um intenso esforço
de deslocamento forçado e ao reforço das leis contra invasões urbanas. Isso,
que às vezes era chamado de “opção brasileira”, daria a impressão de que o
apartheid havia sido desmantelado, por causa da não separação do grupo por
raça. Mas o ponto chave era que o Africâner volk permaneceria no poder e a
África do Sul continuaria sendo seu Estado nacional.

Parks salientou como a subsunção ideológica da raça à classe é perversa na medida em


que esconde a realidade com estratégias de integração que perpetuam a subordinação de um
grupo pelo outro. E o paradigma brasileiro, no seu viés cultural e também espacial, é a
referência para estas estratégias. Por este ponto de vista não se poderia falar em separação por
grupos de raça ou cor por não existir leis segregacionistas, a separação era, portanto, por
classes, e só poderiam ser coincidentes no local de residência na medida em que coincidiam
com a distinção por classes.
52

É fato que se analisarmos regionalmente, existe uma coincidência entre as desigualdades


regionais e uma maior concentração da população negra em regiões mais pobres no aspecto
socioeconômico. Barros (2011, p. 48-49) argumenta que no começo do século XX a região
Nordeste, especialmente depois de 1920, se torna bastante empobrecida em relação ao
Sudeste, tendo por base o PIB per capita. É o período em que se acirram as desigualdades
regionais e que se inicia uma industrialização mais robusta, concomitantemente é o período
em que se estrutura o mercado de trabalho urbano. Fernandes (2007, p.69) aponta que a
situação do negro pode ser melhor ou pior dependendo da região em questão. A região Leste29
e Nordeste em 1950 “integravam” melhor o negro às suas condições culturais e
socioeconômicas, porém, observa o autor, “... essa adaptação também dissimula uma
acomodação desvantajosa” (FERNANDES, 2007, p.69). Isso porque a integração ocupacional
era relativa à economia de subsistência ou a setores que não implicavam uma efetiva
distribuição de renda, já em São Paulo, a integração é muito menor, porém de maior
qualidade, isto é, os pouquíssimos que conseguem romper as barreiras impostas adquirem
patamar econômico e social maior que das outras regiões na estrutura competitiva.
No ano de 1940 o PIB per capita do Nordeste30 era aproximadamente 45 % do PIB
médio do Brasil e em 1939 a proporção do PIB per capita do Nordeste em relação ao Sudeste
era de 32,9, valores bastante baixos (BARROS, 2011, p.67). Já em 1940 a população negra no
Nordeste era 54,6 % contra 45,3 % da população não negra. No Sudeste a população negra era
de 27,2 % e a não negra de 72,7 %, apenas 0,2 % da população aparecia como de cor não
declarada nas duas regiões. Lembrando que a população negra no Brasil representava 35,8 %
e a não negra 64,1 % do total. Ou seja, uma maioria não negra que destoava da nordestina 31.
A população negra estava mais concentrada nas regiões mais pobres e, em são Paulo, Estado
que mais se industrializava e se urbanizava, 72,7 % da população era não negra contra 27,7 %
negra. Em 1975 o PIB per capita do Nordeste representava 37 % do PIB médio brasileiro
(BARROS, 2011, p.50) e a população negra representava 60,5 % da população desta região e
39,6 % do Brasil32.
Como afirmou Lovell (1995, p.47-48),

29
A região Leste neste período era formada pelos Estados de Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio
de Janeiro e o Distrito federal. A região Nordeste o restante dos Estados do atual Nordeste e o estado de São
Paulo fazia parte da região Sul junto com os atuais Estados desta região.
30
Aqui o cálculo foi feito para o que está estabelecido hoje como região Nordeste.
31
http://seculoxx.ibge.gov.br/images/seculoxx/arquivos_download/populacao/1946/populacao_m_1946aeb_08.p
df.
32
http://seculoxx.ibge.gov.br/populacionais-sociais-politicas-e-culturais/busca-por-palavra-chave/populacao
53

“Desde os tempos da escravidão a maioria dos afro-brasileiros residem no


Nordeste, essa região basicamente rural é atrasada em relação ao resto do
país em termos de nível de renda, escolaridade e outros indicadores de
padrão de vida. A população branca, em contraste, está concentrada no
altamente desenvolvido Sudeste...”.

A autora argumenta que a industrialização e modernização econômica brasileira, durante


algum tempo atenuaram as desigualdades raciais, mas em determinado ponto o modelo se
esgota, e as desigualdades raciais não mais retrocedem. É importante fazer esta reflexão
também em relação ao crescimento econômico verificado na década de 2000, apesar de a
maturação do processo ainda não ter ocorrido plenamente.

Em 2001 os pobres eram majoritariamente negros, exceto pela região Sul devido à alta
concentração da população branca. Porém esta região também apresentou um percentual
maior de negros pobres comparativamente aos brancos. A maior parte dos pobres está
concentrada na região Nordeste, e também de negros pobres. O Centro-Oeste apresenta os
percentuais mais próximos de pobres negros e brancos, mas é no Sudeste que esta porção da
população é mais homogênea racialmente como nos mostra o quadro 6 e 7.

Quadro 6 - Percentual de pobres por cor ou raça – Brasil e Grandes Regiões (2001)
Centro-
Norte Nordeste Sudeste Sul Brasil
Oeste
Branca 33,6% 46,9% 15,6% 20,4% 20% 22,4%
Negra 48,4% 61,9% 32,1% 38,9% 33,6% 46,8%
Total 44,3% 57,4% 21,5% 23,3% 27,6% 33,6%
Fonte: PNUD, 2005, p. 61

Quadro 7 – Perfil racial da população pobre (%) – Brasil e Grandes Regiões (2001)
Centro-
Norte Nordeste Sudeste Sul Brasil
Oeste
Branca 21% 24,1% 46% 73,6% 30,9% 35,5%
Negra 78,8% 75,6% 53,5% 25,9% 67,9% 64,1%
Total 7,7% 49% 27,6% 10,5% 5,2% 100%
Fonte: PNUD, 2005, p. 61

Em um interessante trabalho, Paixão (2003) desagregou as estatísticas referentes ao


Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), dos afrodescendentes (pretos e pardos) e dos
brancos, inclusive regionalmente. Em estudo referente aos anos de 1997, 1998 e 1999,
utilizando dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) Paixão mostra que
54

do ponto de vista da fruição da riqueza social gerada existe uma divisão racial no Brasil
(quadro 8). Obviamente que não se trata de supor homogeneidade social no interior do grupo
dos afrodescendentes e dos brancos. Existem outliers nos dois grupos, porém é inegável o
hiato social que funciona como nexo das relações raciais brasileiras, independente da região.
Em todas as regiões há desvantagem dos afrodescendentes, sendo nas regiões Sul e Sudeste as
diferenças mais acentuadas, regiões mais desenvolvidas do país.

Quadro 8 – Brasil – Grandes regiões – Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)


desagregado por etnia, 1997 – 1999.
Afrodescendentes Brancos
Grande região
1997 1998 1999 1997 1998 1999
Norte urbano 0,720 0,733 0,738 0,781 0,789 0,791
Nordeste 0,606 0,622 0,633 0,697 0,718 0,716
Sudeste 0,721 0,731 0,733 0,819 0,826 0,827
Sul 0,705 0,722 0,715 0,798 0,810 0,813
Centro-Oeste 0,728 0,740 0,743 0,805 0,820 0,821
Brasil 0,671 0,686 0,691 0,791 0,803 0,805
Fonte: Paixão (2003, p. 82).

Além das desigualdades regionais impactarem mais profundamente a população negra


brasileira, as desigualdades intraurbanas também acompanham esta lógica, e é nesta
interrelação que está o mote da nossa argumentação no capítulo: as desigualdades raciais não
são episódicas regionalmente, isto é, podem estar mais concentradas em determinadas regiões
ou localidades, mas está para além das estruturas físicas e, por isso mesmo, se espalha por
todo o tecido social independente do território, em menor ou maior grau de ocorrência.
Embora não exista homogeneidade na estrutura econômica das diferentes regiões do país, e
por isso mesmo, problemas e transformações produzem impactos diferentes em territórios
diferentes, a estrutura racial brasileira, simbólica ou não, transcende a especificidade, ainda
que não esteja alheia a ela.

É evidente que a estrutura racial em Salvador é diferente de São Paulo, assim como as
desigualdades no mercado de trabalho em Camaçari são diferentes das da região do ABC, mas
há um nexo interrelacional subjetivo e histórico entre grupos raciais que independe de
território, e nessa interrelação a desvantagem é da população negra. Se tomarmos a questão
habitacional como exemplo, em todas as regiões os negros aparecem com piores indicadores.
55

No que diz respeito aos residentes em 2010 nos aglomerados subnormais 33, setores territoriais
mais precários sob vários aspectos (habitação, infraestrutura, acesso a serviços básicos e etc.).
A maior diferença em pontos percentuais de uma e outra categoria está na região Sudeste. A
região que mais se urbanizou e, provavelmente, que mais se desenvolveu financeiramente é
também a que concentra o maior contingente (em valores absolutos) da população negra
nesses setores territoriais precários, mais de 3,5 milhões que equivale a mais de 10 % da
população negra total da região. A região Norte também apresentou percentuais altos, em
termos relativos mais altos que do Sudeste e, no caso de negros e não negros, a diferença é
que nessa região a maioria da população é negra (73,7 %), diferente do Sudeste que a
população negra era de 43,8 % e a não negra 56,1 %, portanto, a proporção de negros em
aglomerados subnormais no Norte, ainda que alta, no que diz respeito a comparação com a
população não negra a desigualdade é menor que no Sudeste.

33
O IBGE assim definiu aglomerados subnormais para o Censo Demográfico de 2010: “O setor especial de
aglomerado subnormal é um conjunto constituído de, no mínimo, 51 (cinquenta e uma) unidades habitacionais
(barracos, casas...) carentes, em sua maioria de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até
período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas, em geral, de forma
desordenada e densa. A identificação dos Aglomerados Subnormais deve ser feita com base nos seguintes
critérios: a) Ocupação ilegal da terra, ou seja, construção em terrenos de propriedade alheia (pública ou
particular) no momento atual ou em período recente (obtenção do título de propriedade do terreno há dez anos ou
menos); e b) Possuírem pelo menos uma das seguintes características: urbanização fora dos padrões vigentes -
refletido por vias de circulação estreitas e de alinhamento irregular, lotes de tamanhos e formas desiguais e
construções não regularizadas por órgãos públicos; e precariedade de serviços públicos essenciais. Os
Aglomerados Subnormais podem se enquadrar, observados os critérios de padrões de urbanização e/ou de
precariedade de serviços públicos essenciais, nas seguintes categorias: a) invasão; b) loteamento irregular ou
clandestino; e c) áreas invadidas e loteamentos irregulares e clandestinos regularizados em período recente.
(IBGE: 2011). Portanto, aglomerados com menos 51 domicílios, mesmo preenchendo os critérios necessários
para identificação de aglomerado subnormal, não foram considerados, a não ser que fossem contíguos a outros,
isto é, alocados sequencialmente. Neste sentido, uma pequena parte das unidades habitacionais do município
passíveis de serem identificadas como aglomerados subnormais ficou de fora deste universo, ainda que a
pesquisa censitária tenha sido realizada no domicílio. Algumas características são básicas dos domicílios deste
recorte territorial: a ilegalidade da posse da terra atual ou há pelo menos dez anos antes da obtenção do título de
propriedade e a inadequação urbanística com entorno e construções fora dos padrões vigentes pelos órgãos
públicos. Além disso, devido às dificuldades de acesso, há precariedade dos serviços públicos quando
comparados às áreas regulares. Quando comparado às características definidas pelo IBGE, àquelas elencadas
pelo Observatório das Favelas (Silva, J. S.; Barbosa, J. L.; Biteti, M.O.; Fernandes, F.L. O que é favela, afinal?
Rio de Janeiro: observatório de favelas do Rio de Janeiro, 2009), estas são bem próximas com a adição de
algumas outras como, por exemplo, a insuficiência histórica de investimentos do Estado e do mercado formal,
em especial, imobiliário, estigmatização socioespacial por moradores de outras áreas da cidade e níveis elevados
de subemprego e informalidade nas relações de trabalho. É importante salientar que a pesquisa do IBGE foi feita
através de critérios definidos por técnicos do IBGE e de outras instituições, inclusive administrações municipais,
mas não esgotam as informações e não traduzem fielmente tudo aquilo o que é o aglomerado subnormal (ou
assentamento precário) e a população lá residente.
56

Quadro 9 - População brasileira residente em aglomerados subnormais por cor ou raça


e regiões (2010).
% em relação ao total de cada % em relação ao total da % da
categoria população população em
aglomerados
Regiões
subnormais em
Não negros Negros Não negros Negros
relação à
população total
Norte 10,5% 12,3% 2,6% 9,1% 11,7 %
Nordeste 4,6% 6,7% 1,5% 4,6% 6,1 %
Centro-Oeste 0,9% 1,9% 0,5% 1,1% 1,5 %
Sudeste 4,4% 10,3% 2,5% 4,5% 7,0 %
Sul 1,8% 3,6% 1,4% 0,8% 2,2 %
Brasil 3,8 % 8,1 % 1,9 % 4,1% 6,0 %
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

Outros indicadores habitacionais também demonstram a desvantagem dos negros em


todas as regiões brasileiras. Quando analisamos os dados referentes à qualidade do domicílio,
no caso o revestimento externo inadequado, aqui considerado domicílios sem revestimento
externo que fosse de alvenaria ou madeira aparelhada (IBGE, 2012, p.169), a região menos
desigual é o Sudeste, mesmo com um grande número de domicílios em aglomerados
subnormais. As regiões Nordeste e Norte aparecem com maior desigualdade neste quesito,
também por apresentar maiores índices, acima da média nacional. No que concerne à energia
elétrica, exceto na região Norte, não parece ser um problema maior, de todo modo, mesmo em
uma situação de quase universalidade como no Sudeste, os negros aparecem em desvantagem.

Quadro 10 – População brasileira por cor ou raça e domicílios com revestimento externo
inadequado, não existência de energia elétrica e regiões (2010).
% da população cujos domicílios não
possuíam revestimento externo % da população cujos domicílios não
Regiões predominante de alvenaria ou madeira possuíam energia elétrica
aparelhada
Não negros Negros Não negros Negros
Norte 5,6 % 9,1 % 4,0 % 7,1 %
Nordeste 4,2 % 7,9 % 1,5 % 2,5 %
Centro-Oeste 1,1 % 2,0 % 0,4 % 0,9 %
Sudeste 0,5 % 1,1 % 0,1 % 0,4 %
Sul 1,6 % 3,5 % 0,2 % 0,7 %
Brasil 1,6 % 4,9 % 0,6 % 2,1 %
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

Quanto ao abastecimento de água a situação é diferente. 17,3 % dos domicílios brasileiros


não eram atendidos por rede geral, sendo que destes 13,9 % eram abastecidos por poço ou
57

nascente, dentro ou fora da propriedade. A região Norte apresentou índices mais altos da não
ocorrência do abastecimento nesta modalidade, sendo que uma parte importante dos
domicílios era abastecida por poço ou nascente na propriedade (31,9 %). Na região Sul os
negros levam ligeira vantagem sobre os não negros, considerando que o abastecimento por
rede geral é o mais adequado.

O esgotamento sanitário parece ser um problema maior. 69 % dos domicílios possuíam


esgotamento sanitário por rede geral ou fossa séptica no país. Domicílios com fossa
rudimentar ou rústica, considerada inadequada, eram 25,1 %. Outras formas inadequadas
como esgoto a céu aberto rio, lago e etc. perfaziam 5,9 %. Na região Norte os percentuais dos
negros e não negros sem acesso a essa modalidade de esgotamento é bem alto. A
desvantagem dos negros acontece em todas as regiões e no Brasil a diferença é de 17,9 pontos
percentuais, bastante elevada. Em resumo, se o esgotamento sanitário é um problema para o
país, para a população negra é um problema ainda maior.

Quadro 11 – População brasileira por cor ou raça por abastecimento de água e


esgotamento sanitário nos domicílios e regiões (2010).
% da população cujo esgotamento
% da população cujos domicílios
sanitário do domicílio não era do
não eram abastecidos por rede geral
Regiões tipo rede geral de esgoto ou pluvial,
de distribuição de água
ou fossa séptica.
Não negros Negros Não negros Negros
Norte 44,3 % 47,4 % 63,2 % 70,3 %
Nordeste 22,3 % 26,6 % 51,2 % 59,1%
Centro-Oeste 17,2 % 20,0 % 44,8 % 52,4 %
Sudeste 9,1 % 12,5 % 11,2 % 19,3 %
Sul 14,3 % 13,9 % 27,5 % 37,9%
Brasil 15,0 % 22,7 % 26,3 % 44,2 %
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

A densidade por cômodo que indica níveis de conforto mais elevados na medida em que
se tenham menos moradores por cômodo, quando verificados domicílios com mais de três
moradores por cômodos, a população negra apresentou índices mais altos em todas as regiões
com disparidade maior na região Norte. O mesmo ocorre com o lixo coletado direta ou
indiretamente, em todas as regiões a população negra leva desvantagem, lembrando que os
percentuais proporcionais à população de cada categoria.
58

Quadro 12 – População brasileira por cor ou raça por densidade do cômodo e coleta de
lixo nos domicílios e regiões (2010).
% da população cujos domicílios
% da população com mais de três não tinham o lixo coletado ou
Regiões moradores por cômodo colocado em caçambas de serviço de
limpeza
Não negros Negros Não negros Negros
Norte 4,0 % 7,6 % 21,3 % 29,4 %
Nordeste 0,6 % 1,3 % 22,2 % 29,5%
Centro-Oeste 0,3 % 0,7 % 9,1 % 11,5 %
Sudeste 0,2 % 0,8 % 4,4 % 7,7 %
Sul 0,2 % 0,6 % 8,8 % 10,2%
Brasil 0,5 % 1,8 % 9,5 % 19,0 %
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

A adequação da moradia, segundo os critérios do IBGE,


...dependem de um conjunto de fatores combinados, a saber: construção de
alvenaria ou madeira tratada, com telhas ou lajes; acesso à água potável com
canalização, coleta de esgoto e lixo; máximo de duas pessoas por dormitório
com banheiro no domicílio; e acesso à telefonia e eletricidade. Uma moradia
com boas condições tem que atender a todos estes critérios, o que torna o
indicador bem rigoroso, especialmente em relação às áreas rurais (IPEA,
2014, p.17).

Quando verificadas as moradias adequadas segundo cor ou raça do chefe do domicílio,


percebe-se um importante avanço no que diz respeito à melhoria da infraestrutura básica em
onze anos, apesar disso, a diferença entre brancos e negros ainda permanece bastante
significativa e independe de localização. A evolução do indicador foi mais significativa para
população negra, porém, na média nacional, pouco mais que metade (50,8 %) dos domicílios
eram adequados em 2012, o que torna uma situação preocupante mesmo levando em conta o
aumento em relação a 2001 de 17,1 pontos percentuais (IPEA, 2014, p.18).
59

Gráfico 1 - Moradias adequadas (%) por cor ou raça do chefe do domicílio e localização
do domicílio no Brasil (2001)

Fonte: IBGE, PNAD – Microdados In: Situação social da população negra por estado / Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada; Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. – Brasília: IPEA, 2014. p. 17.

Gráfico 2 - Moradias adequadas (%) por cor ou raça do chefe do domicílio e localização
do domicílio no Brasil (2012)

Fonte: IBGE, PNAD – Microdados In: Situação social da população negra por estado / Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada; Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. – Brasília: IPEA, 2014. p. 17.

3.3. A segregação residencial

Se a variável regional é importante, mas não determinante para compreensão das


desigualdades raciais no local de residência, como alternativa poder-se-ia argumentar que é a
variável classe que estrutura a variável raça na determinação da segregação residencial. Neste
sentido, a relação de centralização (da classe média) e periferização (dos mais pobres) serviria
60

como subsídio para explicar a segregação racial. Como os negros estão em sua maioria nas
classes mais pobres, logo estariam também em sua maioria nas periferias, menos pela cor/raça
e mais pela condição socioeconômica. Nesta lógica, existiriam apenas duas localidades,
periferia e centro com interiores relativamente homogêneos, isto é, não se considera a
segregação no interior destas localidades (TELLES, 2003, p.166).
Telles (2003, p.170) argumenta que a dificuldade em se estabelecer, ou mesmo
encontrar uma segregação residencial sistemática por raça em muitos bairros no Brasil deve-
se ao fato de que os limites entre o legal e o ilegal do ponto de vista fundiário não serem
muito claros. Além disso, o crescimento desordenado das metrópoles e a instabilidade do
setor imobiliário colaboram para que formas veladas de discriminação ganhassem força. Nos
Estados Unidos o modelo racial que lá se desenvolveu gerou uma segregação forte e aberta
que tem raízes históricas com as leis Jim Crow:

Nos Estados Unidos, a segregação racial residencial foi originada


principalmente com as leis Jim Crow de segregação no sul do país, que teve
seu paralelo no norte através da discriminação imobiliária e do enrijecimento
da color line. A segregação aumentou no início do século XX nas cidades do
Norte, especialmente através da violência contra negros, convenções
restritivas e da discriminação imobiliária [blockbusting]. Esses tipos de
segregação residencial estão ausentes no Brasil. Mais importante, os agentes
institucionais que produziram grande parte da segregação nos Estados
Unidos tais como os agentes imobiliários, gerentes, bancos, financiadoras, e
seguradoras, não participam da maior parte do mercado imobiliário do Brasil
urbano, dada a improvisação deste e, frequentemente, seu caráter informal.
(TELLES, 2003, p.170).

Apesar disso, o autor aponta para a existência de maior segregação residencial entre
brancos e negros na medida em que são maiores os níveis de renda. Nas classes mais baixas,
até pelo fato de serem mais restritas as escolhas, a segregação é menor, o que não significa
que inexista racismo, discriminação ou preconceitos nas classes mais baixas.

Em vez de sugerir diferentes níveis de tolerância racial de acordo com a


renda, a maior segregação nos níveis mais elevados de renda pode refletir
um maior controle da classe média branca na seleção da sua residência
segundo o critério cor, através de um mercado imobiliário formal, ao
contrário daqueles que obtêm suas moradias através de precários mercados
informais. Os baixos níveis de segregação racial entre os pobres (exceto no
grupo de mais baixa renda) podem refletir a situação precária de habitação
para os setores mais pobres da população brasileira, onde eles têm pouco
controle ou interesse sobre a cor dos seus vizinhos (TELLES, 2003,
p.170).
61

Telles ao cruzar dados de renda familiar com o índice de dissimilaridade34 em 1980,


demonstra que segregação residencial entre negros e brancos não se explica apenas por suas
diferenças socioeconômicas, mas também pelo racismo e pela auto-segregação dos negros e
brancos. Resultados similares aparecem em França (2010). Ao analisar a segregação
residencial com recorte racial na cidade de São Paulo a partir dos dados do Censo 2000,
França argumenta que brancos, seja qual for o estrato social, estão mais próximos de outros
brancos do que estes de negros, ainda que estes últimos sejam de um estrato mais próximo.
Em áreas de elite existe uma concentração maior de brancos pobres do que negros pobres,
conclui-se, portanto, “... que ricos, além de serem majoritariamente brancos, também estão
cercados de brancos” (FRANÇA, 2010, p.113).
Neste sentido, é possível observar como determinados espaços ficam mais “claros” ou
mais “escuros”, pois na medida em que a população negra cresce, a diferença de cor dos
territórios vem à tona. Rolnik (2007, p.87) argumenta que o “... escurecimento da cidade foi
acompanhado por demarcações territoriais mais claras”. O não reconhecimento da questão
racial no Brasil faz com que os conflitos adquirissem caráter territorial e não racial. Ainda que
não se trate do mesmo fenômeno e que os conflitos territoriais tenham uma autonomia que os
torna passíveis de serem compreendidos sem o recorte racial, a compreensão daqueles (os
conflitos) sem este (o recorte) será menos completa na medida em que deixa de captar aquilo
que se aparentemente não os condiciona, está entre os elementos que os estruturam.
O território negro e pobre é estigmatizado e daí não importa mais a cor, a raça, a
naturalidade, a nacionalidade ou qualquer outra característica adscritiva, pois o espaço vai
cuidar para que quem ali resida seja marginalizado, porém o é a partir de uma noção
hierárquica racista. Por esta razão que nordestinos moradores de favelas, ainda que brancos,
se tornam negros no estigma. Não se tratando apenas de preconceito ou de discriminação, mas
de racismo – compreendido como um conjunto de práticas e ideias que atribuem uma
superioridade moral, cognitiva, cultural e etc. de um determinado grupo em detrimento de
outro ou outros – sistêmico e estruturante.

34
O índice de dissimilaridade é assim definido por Telles (2003, p.167): “O índice de dissimilaridade é a medida
padrão da segregação. Mede o equilíbrio [evenness] na distribuição dos grupos raciais e de estratos de renda
domiciliar pelos setores censitários das áreas metropolitanas, ou a extensão na qual os grupos sociais se
distribuem de maneira diferencial entre bairros de uma área urbana. O conceito de equilíbrio [evenness] é
particularmente conveniente para perceber os níveis de segregação encontrados entre os mosaicos de residências
e bairros que caracterizam as áreas metropolitanas brasileiras. Especificamente, o índice de dissimilaridade (D)
mede o percentual do grupo A que teria que sair do setor censitário atual para que a sua distribuição fosse
coincidente ou igual à do grupo B. O valor de D varia de zero (0), onde os grupos A e B se distribuem
equilibradamente [evenly] por toda a área urbana, até cem (100), onde A e B não compartilham qualquer estrato,
ou seja, uma segregação completa. ”
62

O estigma foi formulado a partir de um discurso etnocêntrico e de uma


prática repressiva; do olhar vigilante do senhor na senzala ao pânico do
sanitarista em visita ao cortiço; do registro esquadrinhador do planejador
urbano a violência das viaturas policiais nas vilas e favelas. Para a cidade,
território marginal é território perigoso, porque é daí, deste espaço definido
por quem lá mora como desorganizado, promíscuo e imoral, que pode nascer
uma força disruptora sem limite. Assim, se institui uma espécie de apartheid
velado que, se, por um lado, confina a comunidade à posição estigmatizada
de marginal, por outro, nem reconhece a existência de seu território, espaço-
quilombo singular (ROLNIK, 2007, p.89).

A segregação tem como corolário, além dos malefícios do racismo, do preconceito e


etc., o maior afastamento entre as pessoas e impossibilidade de uma maior interpenetração
cultural para troca de experiências, fato este que empobrece qualquer sociedade. Porém,
também pode ser espaço de resistência, de reorganização identitária de determinada
população. A segregação velada e moderada, tal como acontece no Brasil, se por um lado
permite maior integração de vizinhança, de relações laborais hierárquicas e não
necessariamente de fato, por outro, os mecanismos sutis de discriminação, e principalmente, a
baixa mobilidade social, impede que a integração se dê entre iguais, a não ser
discursivamente, quando o grupo subalterno abdica de suas posturas políticas e culturais mais
radicais.
Neste sentido, o determinante é a diferenciação social, isto é, uma integração
contraditória e conflituosa, que se fundamenta sim por meio das classes, mas não somente,
também há a diferenciação por gênero e por cor ou raça. O “gueto” quando não físico
(territorial) é intersubjetivo, se estabelece como sociabilidade e se expande para os diversos
setores interpessoais como a educação, o trabalho, a segurança, a saúde e etc., o homem do
“gueto” não precisa residir no gueto, pois o carrega consigo.

3.4. Hierarquia ocupacional e território

Segundo o PNUD35, tanto em 2000 quanto em 2010, os indicadores sociais de


desenvolvimento humano medidos pelo IDHM apontavam os Estados das regiões Norte e
Nordeste com os piores índices e das regiões Sul e Sudeste com índices mais elevados. A
região Centro–Oeste ficou em uma posição intermediária. O percentual relativo da população
negra também é maior nas regiões Norte e Nordeste36. Se relacionarmos distribuição das
ocupações com maior e menor proporção de rendimentos com recorte racial nas grandes

35
www.pnud.org.br
36
www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=136&z=cd&o=2&j=p
63

regiões brasileiras, conforme o quadro 13, é possível, já nos quadros 14 e 15, observar certo
padrão de distribuição territorial das ocupações pelos grupos raciais.

As ocupações do quadro 13 foram listadas de forma decrescente conforme o rendimento


de cada uma. Apesar de nomenclatura um pouco diferente, as categorias são muito próximas
nos dois Censos no que diz respeito à abrangência das ocupações, exceto no caso dos
trabalhadores de reparação e manutenção (2000) e ocupações elementares (2010). Em todas as
categorias e em todas as regiões nos dois anos censitários, os trabalhadores negros possuem
menores rendimentos. A região Sudeste é a que apresenta maior distância de rendimento entre
os grupos raciais nos dois Censos em todas as categorias. Em 2000 e 2010, as categorias que
melhor remuneravam possuíam menos trabalhadores negros em seu contingente. Ocorre, ao
que parece, um leve avanço, em geral, para diminuição das desigualdades raciais de renda em
todas as regiões, com maior destaque para a região sul. Nas ocupações mais elementares é
onde existe maior proximidade entre os grupos raciais, em especial na região Nordeste.

Quadro 13 – Proporção da remuneração média regional dos negros em relação aos não
negros nas categorias ocupacionais selecionadas (2000-2010)

Centro-
2000 Norte Nordeste
Oeste
Sudeste Sul

Membros sup. poder público,


63,7% 62,1% 71,6% 54,3% 68,5%
dirigentes e gerentes

Profissionais das ciências e das artes 66,2% 60,6% 67,6% 55,1% 57,0%

Técnicos de nível médio 76,7% 72,3% 75,2% 64,6% 71,0%

Trabalhadores de serviços
85,0% 78,3% 78,4% 73,9% 80,4%
administrativos

Trabalhadores de reparação e
75,0% 80,3% 76,8% 71,8% 79,4%
manutenção

Centro-
2010 Norte Nordeste
Oeste
Sudeste Sul

Diretores e gerentes 67,8% 64,2% 65,7% 53,8% 75,6%

Profissionais das ciências e


60,9% 60,0% 69,1% 57,9% 64,0%
intelectuais

Técnicos e profissionais de nível


74,5% 73,9% 70,0% 69,9% 74,5%
médio

Trabalhadores de apoio
87,9% 85,2% 83,1% 78,1% 84,8%
administrativo
64

Ocupações elementares 87,2% 93,0% 90,8% 87,4% 89,2%


Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Notas: ¹Negros; ²Não negros.

Pelo quadro 14 percebemos que a maior parte dos trabalhadores negros em posição
dirigente está no Norte-Nordeste em proporção bem superior, inclusive, ao Sul-Sudeste,
movimento inverso em relação aos não negros. Também no Sul-Sudeste há predominância
dos não negros inclusive nas ocupações elementares, se bem que com salários mais altos do
que dos trabalhadores negros. De modo geral não há muita diferença de uma década para
outra, e em termos absolutos poderíamos falar que a hierarquização ocupacional é menor no
Norte-Nordeste, mas justamente por possuir um contingente relativo de negros maior, é que se
faz importante olhar também para esta distribuição ocupacional em relação aos ocupados de
cada categoria, aí percebemos que a segmentação é geral, como no quadro 15.

Quadro 14 - Distribuição regional de cada grupo racial das categorias ocupacionais


selecionadas (2000-2010)

Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul


2000
N¹ NN² N NN N NN N NN N NN

Membros sup.
poder público,
11,2% 2,8% 37,0% 11,9% 12,1% 7,8% 35,2% 55,6% 4,6% 21,9%
dirigentes e
gerentes

Profissionais das
ciências e das 10,8% 2,5% 36,6% 11,8% 10,4% 6,7% 37,5% 58,9% 4,7% 20,1%
artes

Técnicos de nível
11,8% 3,4% 39,1% 14,8% 8,3% 6,2% 36,4% 53,6% 4,5% 22,0%
médio

Trabalhadores
de serviços 9,2% 2,8% 30,7% 11,8% 10,1% 7,0% 45,2% 56,8% 4,8% 21,6%
administrativos

Trabalhadores
de reparação e 9,5% 3,0% 30,6% 10,0% 9,8% 6,8% 44,5% 54,3% 5,6% 25,9%
manutenção

Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul


2010
N NN N NN N NN N NN N NN

Diretores e
11,2% 3,1% 33,4% 12,4% 11,6% 7,3% 37,9% 52,7% 6,0% 24,4%
gerentes
65

Profissionais das
ciências e 11,8% 3,1% 37,3% 13,4% 9,5% 6,7% 36,7% 56,2% 4,7% 20,7%
intelectuais

Técnicos e
profissionais de 10,5% 3,1% 30,1% 11,8% 10,7% 6,9% 42,1% 53,0% 6,7% 25,2%
nível médio

Trabalhadores
de apoio 9,3% 3,0% 27,2% 11,6% 10,7% 7,0% 46,8% 55,0% 6,0% 23,5%
administrativo

Ocupações
9,5% 3,8% 35,7% 17,7% 8,2% 6,3% 39,1% 45,3% 7,5% 26,9%
elementares
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Notas: ¹Negros; ²Não negros.

O quadro 15 mostra que há desvantagem dos trabalhadores negros nas categorias melhor
remuneradas e de maior status ocupacional em todas as regiões nos dois anos censitários.
Mesmo nas categorias médias é maior a proporção de trabalhadores não negros. Os negros
passam a ser maioria relativa nas ocupações com pior remuneração e status, em todas as
regiões, inclusive naqueles com pouca presença. As regiões Sul e Sudeste apresentam as
maiores distâncias, já no caso do Norte e Nordeste provavelmente o contingente maior de
negros contribua para as menores distâncias entre os grupos raciais nas ocupações. De todo
modo pode-se dizer que o padrão é que o trabalhador negro seja maioria nas regiões menos
desenvolvidas nos aspectos socioeconômicos; e nas ocupações com menores rendimentos e
status ocupacional.

Quadro 15 - Distribuição regional de cada grupo racial das categorias ocupacionais


selecionadas em relação aos ocupados de cada região (2000-2010)

Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul


2000
N NN N NN N NN N NN N NN

Membros sup.
poder público,
2,1% 5,0% 1,9% 4,9% 3,0% 7,1% 1,9% 6,6% 1,6% 5,2%
dirigentes e
gerentes

Profissionais das
2,9% 6,0% 2,7% 6,6% 3,6% 8,4% 2,9% 9,5% 2,3% 6,4%
ciências e das artes

Técnicos de nível
6,8% 9,2% 6,3% 9,2% 6,2% 8,6% 6,2% 9,7% 4,9% 7,9%
médio
66

Trabalhadores de
serviços 5,2% 8,2% 4,8% 8,0% 7,4% 10,4% 7,4% 11,1% 5,1% 8,4%
administrativos

Trabalhadores de
reparação e 2,1% 2,1% 1,9% 1,6% 2,9% 2,4% 2,9% 2,5% 2,4% 2,4%
manutenção

Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul


2010
N NN N NN N NN N NN N NN

Diretores e
2,4% 4,7% 2,3% 4,7% 2,9% 5,8% 2,2% 5,8% 2,1% 5,1%
gerentes

Profissionais das
ciências e 6,9% 11,2% 6,9% 12,1% 6,6% 12,8% 6,0% 15,0% 4,4% 10,5%
intelectuais

Técnicos e
profissionais de 5,1% 6,4% 4,6% 6,1% 6,1% 7,6% 5,6% 8,1% 5,2% 7,3%
nível médio

Trabalhadores de
apoio 5,1% 6,5% 4,7% 6,3% 7,0% 8,2% 7,1% 8,9% 5,3% 7,2%
administrativo

Ocupações
21,8% 15,9% 26,1% 18,8% 22,5% 14,4% 25,1% 14,2% 27,9% 16,1%
elementares
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Notas: ¹Negros; ²Não negros.

Sugerimos que território ou local de residência, o mercado de trabalho e a questão racial,


no Brasil, é uma questão que pode ser compreendida como inseparável, pois a formação do
mercado de trabalho e rebaixamento dos salários da população negra, o alijamento da terra e
as desigualdades regionais estão interligados. A mitigação das mazelas sociais e raciais passa
por estas questões e o mercado de trabalho menos segmentado racialmente pode contribuir
para um território menos segmentado, e a segmentação de que falamos é principalmente
social, mas em certos casos também segregação física. Melhor distribuição de renda, melhores
condições de infraestrutura e acesso a serviços urbanos seriam aliados essenciais da
população negra em sua luta pelo direito à existência.

Se até aqui observamos aspectos conceituais, históricos e contemporâneos da situação da


população negra e não negra sem nos ocuparmos de um recorte temporal específico, no
próximo capítulo trataremos de discorrer sobre as transformações políticas, econômicas e
culturais da sociedade brasileira no período em que se baseia a pesquisa, de 1991 a 2011,
indagando sobre a possibilidade de estabelecer – e se sim qual o alcance – este período como
67

novo (no sentido de diferente) para a discussão das relações raciais e em especial para a
discussão das desigualdades raciais no mercado de trabalho no Brasil.
68

4. UM NOVO CENÁRIO ECONÔMICO E CULTURAL PARA AS RELAÇÕES


RACIAIS?

4.1. A crise nacional-desenvolvimentista


Nos capítulos anteriores, buscamos traçar um quadro histórico-conceitual da questão das
desigualdades raciais e das desigualdades raciais no mercado de trabalho no Brasil como
forma de subsidiar discussões atuais. A gênese das relações raciais sob a condição do trabalho
livre aponta para os problemas que afligiram a população negra ao longo do tempo e ainda
não foram sanados. Não se trata de fatalismo, pelo contrário. A questão é que o
reconhecimento de certas condições históricas com implicações ideológicas, econômicas,
políticas e culturais, podem dar pistas para quais estratégias adotar de modo a combater as
desigualdades raciais.
Como não é nossa intenção produzir um estudo histórico sobre as relações raciais, vamos
panoramicamente analisar neste capítulo: i) aspectos econômicos – estabilização da economia,
emergência de uma abordagem neoliberal, crescimento econômico e emergência de uma
abordagem, a nosso ver, híbrida, combinando economia de mercado com maior atuação do
Estado e investimentos sociais; e: ii) aspectos políticos e culturais – a rearticulação e ação dos
movimentos negros chamando a atenção da sociedade civil para a problemática das
desigualdades raciais e o posicionamento sindical ante as desigualdades raciais no mercado de
trabalho.

A questão da desigualdade no Brasil acompanha, historicamente, a questão do


desenvolvimento. A evolução socioeconômica do país tem como marca as desigualdades,
sejam elas sociais, territoriais, raciais, de gênero e etc., centrada inicialmente na desigual
distribuição de riquezas, em especial ligadas à propriedade de terras, a assimetria na
apropriação e fruição da riqueza social gerada no Brasil privilegiou grupos e classes sociais
específicas em fases diferentes do desenvolvimento da sociedade brasileira.

No final do século XX foi a crise do fordismo; a derrocada do sistema de gerenciamento


econômico internacional, o Bretton Woods; e a emergência de fenômenos que lhes são
corolários, a saber, o neoliberalismo, a reestruturação produtiva e a globalização, que dão o
tom das mudanças em âmbito mundial, articulados nos processos de organização do sistema
de produção e da vida social em geral (FILGUEIRAS, 2006, p.42).

Estes eventos, não naturais, também não são inéditos, já que o neoliberalismo como
doutrina, a reestruturação produtiva e a globalização ocorreram ou ocorriam em diferentes
69

partes do mundo em contextos particulares. A questão é que a partir dos anos 70, com alguma
restrição talvez (ou pelo menos resistência) ao modelo político neoliberal, ocorre a
disseminação destes processos pelo mundo como uma possível resposta à crise. Práticas e
ideias econômicas, políticas e culturais se difundem com mais velocidade por meio de
sistemas de comunicação mais avançados, o que não invalida os contextos particulares,
mesmo que muitas vezes estes se vejam constrangidos à adaptação forçada ou mesmo
submissão plena.

O modelo político e econômico que vai orientar o Brasil pós-constituição de 1988 será o
neoliberalismo, norte de muitos governos mundiais nos anos 80, mas principalmente nos anos
90, quando consolidou tais práticas e ideias que dirigiriam o status quo posterior, estabelecido
com forte interferência ideológica, tanto acadêmica, quanto da mídia. A hegemonia cultural
neoliberal foi a estratégia que melhor correspondia, em determinado momento, do ponto de
vista capitalista, a tendência da queda das taxas de lucro. Esta atingia principalmente o
trabalhador na medida em que a elevação das taxas de lucro dependia da precarização do
trabalho, ou da desvalorização da força de trabalho como mercadoria:

A crise estrutural de valorização do valor colocou como movimento contra-


tendencial principal, a necessidade irremediável de um novo patamar de
desvalorização da força de trabalho como mercadoria. Por isso, a
precarização do trabalho afirmou-se no século XXI como precarização
estrutural do trabalho (Mészáros, 2002). Nossa hipótese principal é que, os
dois fatos históricos fundamentais – a constituição da maquinofatura e o
desenvolvimento da crise estrutural do capital como crise estrutural de
valorização do valor - transformaram efetivamente, os termos e os modos de
ser da precarização do trabalho nas condições históricas do capitalismo
global. Portanto, a afirmação da precarização estrutural do trabalho significa
que, a precarização do trabalho não se reduz tão somente à precarização
salarial, característica do modo de produção capitalista, mas incorporou,
como traços fundamentais do sociometabolismo do trabalho no século XXI,
a precarização existencial e precarização do homem-que-trabalha. (ALVES,
2014, p.13).

Alves chama a atenção para os elementos subjetivos, ideológicos, por ele sinteticamente
denominado “bloco histórico do capitalismo neoliberal” que se estrutura a partir dos anos
1970. Neste paradigma há a recusa de que o Estado tenha um papel que não o de garantidor de
contratos e de livre mercado. É importante notar que o respeito aos “contratos” no ideário
neoliberal não é o respeito aos direitos dos trabalhadores, pelo contrário, por esta perspectiva
há a necessidade de desregulamentar o mercado de trabalho e flexibilizar as relações de
trabalho fragilizando o trabalhador.
70

No final dos anos 1970 o Brasil sofria com o modelo nacional-desenvolvimentista que,
servindo as necessidades de uma burguesia dependente, era autocrático e anacrônico.
Autocrático porque ante a fragilidade e incapacidade política da classe dominante, fez-se
necessário um poder que emanava destas classes dominantes; servia-lhes; mas ao mesmo
tempo mantinha práticas que em teoria iam moralmente de encontro com os valores destas, e
anacrônico porque nos países mais desenvolvidos a hegemonia neoliberal começava a se
impor (ALVES, 2014, p.127).

4.2. A “década perdida” e a emergência do neoliberalismo

Neste contexto, enquanto a crise do capitalismo que atinge o Brasil com força nos anos
80, impulsiona, no âmbito global, mudanças importantes nas formas de acumulação de
capital, internamente a letargia estatal e das classes dirigentes não abrem possibilidades reais
de reação. As novas tecnologias que promovem o conhecimento a um patamar mais elevado
na estrutura produtiva não são absorvidas ou desenvolvidas pela indústria nacional e, somado
este fato ao cenário de extrema concentração de renda, não há possibilidades de
desenvolvimento social no país. A lógica do curto prazo e de aquilo que muitos chamaram de
“capitalismo selvagem” toma conta do cenário nacional:

No Brasil, não acompanhamos essa locomotiva e passamos a década nos


debatendo na crise da dívida, transferindo poupança para o exterior,
paralisando o investimento, aprofundando a crise financeira no setor público
e convivendo, na segunda metade da década, com a ameaça constante de
hiperinflação. Na segunda parte da década, os choques estabilizantes se
sucedem, cada vez mais próximos um do outro. O curto prazo domina o
cenário nacional. O governo, as famílias, a maioria das empresas entram na
lógica do curto prazo. O modelo industrializante das décadas anteriores
claudica, a ausência de investimento degrada a infraestrutura econômica,
deteriora os serviços sociais, dificulta que as empresas acompanhem os
avanços que seguem se efetivando em outros países. (ARAÚJO, 2012, p.
22).

Em tal perspectiva, ainda que com o cenário político efervescido em razão da


mobilização dos movimentos sociais, e em particular, no que diz respeito ao presente estudo,
das mobilizações dos movimentos negros, a redução de desigualdades raciais estava
impossibilitada, principalmente porque historicamente o desemprego afeta
71

desproporcionalmente grupos raciais, além do fato de que nesta década a escolaridade da


população negra se encontrava em um patamar bem inferior37.

A situação de crise dos anos 80 vai impactar no início dos anos 90. O quadro
hiperinflacionário somado à emergência de um modelo neoliberal vão aprofundar a
desconsideração com as políticas sociais na medida em que: “... a hegemonia é da política
fiscal e monetária orientadas para a condução de uma recessão programada...” (ARAÚJO,
2012, p.23). Para Araújo, em texto de 1995, (2012, p. 243), o Brasil é um país com uma “...
economia altamente dinâmica e uma sociedade fraturada”. Na contramão do que afirmava o
então presidente Fernando Henrique Cardoso – de o Brasil ser um país desenvolvido e
desigual – a autora vai apontar que não é viável que um país que se quer desenvolvido tenha
fratura social. Na verdade, parte deste país pode ser considerada desenvolvida em detrimento
de uma parcela que, mesmo participando ativamente da construção da riqueza social, não frui
desta mesma riqueza. A economia do país, afirma a autora (2012, p.244) é bastante dinâmica,
neste sentido, há uma dicotomia entre desenvolvimento social e desenvolvimento econômico,
como se de fato fossem processos antitéticos.

A autora faz a crítica do modelo adotado no país nos anos 90. Segundo ela: “Não estão
em curso mudanças profundas, mas adaptações, porque as regras do jogo mudaram lá fora.”
(2012, p.250). A estabilização da economia (Plano Real) não se tratava de uma “inovação”,
mas uma agenda que seguia padrões internacionais por conta de três grandes tendências, a
saber, a globalização, a reestruturação produtiva e a financeirização da riqueza.

As inovações tecnológicas possibilitaram ao capital uma fluidez que torna economias,


como a do Brasil, bastante instáveis, já que apesar da capacidade competitiva de alguns
setores (engenharia, construção civil) a adaptação foi feita de forma brusca, cotejando um
modelo herdado de extrema desigualdade com a nova dinâmica econômica mundial. A
reestruturação produtiva flexibilizou a produção e introduziu novas formas de gerenciamento,
algumas com alto teor ideológico que destoam do padrão fordista, ao qual o Brasil teria se
integrado com relativo êxito. A financeirização da riqueza tem como principal característica a
busca do lucro não operacional, isto é, a busca do lucro por meio de juros e taxas de câmbio,
que gera um capital fictício sem lastro produtivo, se beneficiando dos repasses estatais que
poderiam ser revertidos para a justiça social. Para que as tendências se materializassem foi

37
Ver: HENRIQUES, R. Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90. (Texto
para discussão nº. 807) Brasília: IPEA, 2001.
72

necessário a construção de “... espaços econômicos com regras as mais homogêneas e as mais
flexíveis possíveis”. (ARAÚJO, 2012, p. 253).

4.3. O neodesenvolvimentismo dos anos 2000 e a situação recente

Para a população negra, se o ambiente político de redemocratização e emergência de


novos atores favoreceu e impulsionou a luta por direitos e reconhecimento das desigualdades
raciais e do racismo no Brasil (é impossível lutar contra o que não é reconhecido como tal),
do ponto de vista socioeconômico estas tendências apontavam para a pauperização desta
população na medida em que estavam em desvantagem na competição por postos de trabalho.

Pochmann (2010, p.7) entende que a década de 90 foi marcada pelo receituário neoliberal
que transferiu os custos do “ajuste fiscal” para a base da pirâmide social. O represamento dos
gastos sociais impediu avanços no setor produtivo e, principalmente, uma política de emprego
que englobasse a todos: “Em síntese, a prevalência de um verdadeiro paraíso da
improdutividade de ricos rentistas montados em cima da profunda desvalorização do trabalho
no Brasil foi protagonizada pelo anacronismo neoliberal” (POCHMANN, 2010, p.8).

Segundo o autor, a ruptura com a lógica neoliberal se dá a partir do governo Lula em que
políticas voltadas para a produção e ocupação foram priorizadas com o aumento da oferta
para o mercado interno e na melhoria das relações comerciais entre os países do Hemisfério
Sul. Estas políticas somadas às políticas distributivas para a base da pirâmide social brasileira,
proporcionaram uma maior capacidade de consumo e ampliação do mercado interno,
consequentemente, mais pessoas eram integradas ao mundo produtivo ativamente. O modelo
denominado pelo autor de “social-desenvolvimentista” obteve, segundo este, resultados
evidentes:

...com a queda na taxa de pobreza para bem menos de um terço da população


e na desigualdade de renda do trabalho para cada vez mais próximo de 0,5
no índice de Gini. O quadro geral de melhora socioeconômica apontou,
inclusive, para a volta recente da mobilidade social, com forte ascensão dos
segmentos na base da pirâmide social e incorporação de mais brasileiros no
consumo de massa. A antiga figura de pirâmide social que identificava a
distribuição pessoal da renda no país passou a se transformar numa nova
figura, cada vez mais associada a uma pera (ou barril), o que expressa,
sinteticamente, os avanços já colhidos pela força do atual modelo social-
desenvolvimentista. (POCHMANN, 2010, p.42).

Alves (2014, pp.129-130) chama o modelo alternativo ao neoliberalismo de


neodesenvolvimentismo, porém, salienta que ambos se tratam de projetos burgueses de
73

desenvolvimento, portanto, possuem uma mesma matriz estrutural ainda que difiram em
muitos pontos. A transferência patrimonial nos governos neoliberais, em especial de
Fernando Henrique Cardoso, à base de privatizações, fusões e de grande repasse de verbas
do Estado para entes privados gerou uma nova e forte burguesia e um mercado que substitui
o Estado como indutor da economia. O neodesenvolvimentismo não buscou combater a
soberania do capitalismo e do livre mercado, ainda que os parâmetros não mais fossem
neoliberais – mas a premissa, o “tripé” macroeconômico, sim, e neste sentido, não rompe
com o núcleo duro da economia de orientação neoliberal que com o tempo se tornou quase
um fundamento econômico natural – mas ser um importante indutor deste. A questão passa
ser a democratização da economia de mercado integrando um maior contingente de pessoas,
até então na margem, e ampliando a capacidade de consumo por meio de um grande
programa de transferência de renda para os trabalhadores mais pobres. Foi como afirmou
Alves (2014, p.131) a reorganização do capitalismo no Brasil sem nenhuma veleidade
anticapitalista.

Para a população negra, do ponto de vista econômico, se por um lado a precarização das
relações de trabalho a afetou negativamente, por outro, a redução generalizada das
desigualdades a favoreceu pelo fato destas a atingirem mais incisivamente. As políticas
sociais; as ações afirmativas e outras conquistas do movimento negro junto ao Estado foram
importantes, mas devemos ressaltar insuficientes para reduzir as desigualdades raciais
significativamente, ou pelo menos condizentes com as aspirações dos movimentos negros. A
radicalização das políticas sociais de corte racial que argumentamos necessárias deve-se
principalmente ao fato de que o desenvolvimento brasileiro não ocorre sem estímulos do
Estado – se é que em algum lugar ocorre. Portanto, a resistência à redução das
desigualdades é visceral à superexploração do trabalho, e sem políticas sociais mais
contundentes que a confronte, esta resistência tende a reproduzir a ordem oligárquica e
racista que vem sendo remodelada e reposta – não só pela elite, mas por toda a sociedade e
durante toda a história do país – sem ao menos deixar o espaço necessário ao conflito, já que
a superação do racismo, a nosso ver, ainda não está no horizonte, devido, em parte, a sua
funcionalidade política à economia capitalista. Só com a superação desta última o racismo
com o fenômeno social poderia deixar de existir.

Atualmente alguns documentos e estudos (IPEA, 2010; ETHOS, 2010; DIEESE, 2012)
apontam para um novo cenário econômico e cultural no que tange às relações raciais no Brasil
– voltaremos a este assunto posteriormente – porém também apontam que, se no combate aos
74

baixos níveis de rendimento da população negra houve avanços (fundamentais, mas


insuficientes), o mesmo não se aplica às desigualdades raciais. Se por um lado é inequívoco o
aumento do acesso da população negra a bens e serviços públicos, bem como também é
inequívoco que as ações afirmativas e demais leis de combate à discriminação racial
promoveram um ambiente mais favorável, inclusive, à autoafirmação; por outro, o impacto
maior das políticas foi no âmbito cultural, em especial, na representação que a população
negra faz de si, no sentido de autovalorizar-se. Não iremos nos ocupar deste assunto, mas no
momento, porém, vale ressaltar que segundo o Censo Demográfico 2010 do IBGE, a
população negra (pretos + pardos) aumentou em relação a 2000 aproximadamente 27,5 %,
incremento difícil de ser atribuído apenas por crescimento vegetativo ou imigrações, mas sim
a uma maior autoafirmação.38

O 4º Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do


Milênio do IPEA lançado em março de 2010, apresenta alguns dados importantes. Utilizando
a série histórica da PNAD, o relatório (2010, p.44) constatou que de 1992 para 2010, no
quesito acesso à educação as desigualdades entre brancos e negros (pretos + pardos)
diminuíram. No ensino fundamental, a taxa de escolarização dos brancos passou de 87,5 %
para 95,4 % e as dos negros de 75,3 % para 94,7 %, ou seja, quase uma equiparação. Porém,
no ensino médio, o avanço foi bem menor, os negros passaram de pífios 9,2 % para
importantes 42,2 % e a população branca, de 27,1 % para 61 %. Em termos incrementais a
diferença é importante devido às péssimas condições de escolaridade dos negros nesta
modalidade de ensino, porém a diferença ainda é muito grande, ou seja, se a desigualdade
recuou, não se modificou substancialmente e, em termos de mercado de trabalho, esse dado
faz toda a diferença, principalmente no que tange aos empregos formais e com maiores
possibilidades de ganhos, tanto de rendimentos, quanto de possibilidade de ascensão social.
No que tange aos rendimentos, ocorreu uma pequena evolução em 10 anos que não chega a
“abalar” as desigualdades raciais como mostra o quadro 16 (IPEA, 2010, p.66):

38
Ver SANSONE, L. Negritude sem etnicidade: o local e o global nas relações raciais e na produção cultural
negra no Brasil. Salvador: EDUFBA; PALLAS, 2003.
75

Quadro 16 - Relação entre rendimento-hora da população ocupada, por sexo e cor/raça,


segundo classes de anos de estudo - Brasil, 1998* e 2008.
Porcentagem do rendimento-hora dos pretos e pardos em
Classes de anos
relação ao rendimento-hora dos brancos
de estudo
1998 2008
Total 48,4% 56,7%
Até 4 anos 67,4% 72,8%
De 5 a 8 anos 72,9% 72,9%
De 9 a 11 anos 70,0% 77,4%
12 anos ou mais 73,2% 68,4%
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, PNAD.
* Exclusive a população rural dos Estados de RO, AC, AM, RR, PA e AP.

Curiosamente, em 2008, nos estratos mais altos de escolaridade é que a distância salarial
se faz mais presente O que demonstra, além de um retrocesso em comparação com o ano de
1998, que a variável racial tem ainda um grande peso explicativo. Soares (2008) argumenta
que mesmo com mobilidade posicional (social) da população negra, sendo os negros
sobrerrepresentados nos estratos mais baixos da distribuição de renda...

...é possível que a redução da razão de rendas não seja consequência de uma
redução nas práticas discriminatórias e, sim, do fato de negros serem maioria
entre beneficiários do Programa Bolsa Família, dos benefícios
previdenciários indexados ao salário mínimo e do Benefício de Prestação
continuada (BPC), bem como de outros mecanismos de redução da
desigualdade geral (SOARES, 2008, p.121).

Sendo assim, como as políticas focalizadas não foram suficientemente capazes de reduzir
as desigualdades raciais significativamente, a redução generalizada da desigualdade influiu de
maneira decisiva para melhorar as condições de vida da população negra, ou seja, a melhora
foi em função de políticas distributivas, mas a mobilidade social permanece em níveis baixos,
já que não houve alteração concreta no mercado de trabalho que se mantém segmentado.

4.4. Questões políticas e culturais – o movimento negro

Além do crescimento econômico e redução das desigualdades, argumentamos que o


período entre 1991 e 2011 proporcionou um ambiente cultural diferenciado para
autoafirmação identitária da população negra, que não é algo disjuntivo em relação ao
racismo, aliás, no que tange ao “racismo à brasileira”, há uma relação de complementaridade
na medida em que publicamente o racismo é combatido. A valorização pública pode
perfeitamente conviver com a discriminação privada que vai redundar em um racismo público
76

velado. Apesar disso, a autoafirmação identitária da população negra, ainda que


problematizados os critérios de autoclassificação39, é um avanço no combate ao racismo e
uma perspectiva paradoxal40 de desenvolvimento socioeconômico da população negra.

Argumentamos hipoteticamente que este processo não foi um fato derivado das
transformações da acumulação do capital; da benesse das classes dominantes ou mesmo de
um desenvolvimento linear das relações raciais no Brasil, mas sim da atuação dos
movimentos sociais, em particular, o movimento negro. Ainda que sem meios de comprovar
esta hipótese empiricamente, entendemos que foi a ação política do movimento negro que
com todas as adversidades conseguiu incluir a questão racial no debate nacional acerca das
desigualdades, além do reconhecimento institucional da prática de racismo e seus corolários
no Brasil. Santos (2009a, p. 229) assim define movimentos sociais:

Sem a pretensão de estabelecer uma definição abrangente, podemos dizer


que, regra geral, um movimento social é assim descrito quando exige ao
Estado ou ao poder público, mudanças no ordenamento social via políticas
sociais e de acordo com regras consensualmente definidas no âmbito de
sociedades democráticas. Neste sentido, movimento social significa
diretamente ação contra o Estado ou, mais propriamente, ação junto ao
Estado. Tais exigências podem assumir e geralmente assumem um sem
número de formas: subversão temporária da ordem estabelecida, revoltas,
negociações e arranjos de vários tipos, cooptação de lideranças populares
nos aparatos burocráticos, revolução e, no limite, a extinção ou
institucionalização do movimento. O contexto brasileiro das últimas duas
décadas sugere que as relações entre os movimentos sociais e o Estado
traduzem-se mais no segundo tipo, ou seja, em ações junto ao Estado, de
construção de parcerias visando objetivos diversos.

39
A questão da classificação racial pelo IBGE ou outras instituições públicas tem rendido um rico debate. Seja
no que diz respeito aos critérios de classificação; às categorias de classificação; ou mesmo nas consequências da
classificação, vários estudos tentam captar a percepção da população em relação à classificação racial para
confrontar com os critérios normativos. Ver: Moura, C. Dialética radical do Brasil negro. São Paulo: Anita, 1994;
Maio, M. C.; Santos, R.V. (Org.). Raça como questão: história, ciência e identidades no Brasil. Rio de Janeiro:
Fiocruz, 2010; Osório, R. G. O sistema classificatório de “cor ou raça” do IBGE. Brasília: IPEA (texto para
discussão nº. 996), 2003. .
40
O paradoxo consiste justamente em transformar aquilo que tinha conotação negativa em resistência e
proposição. James Houston (Holston, J. Espaços de cidadania insurgente. In Arantes, A. A. (org.). Revista do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional n° 24. Cidadania. Rio de Janeiro: IPHAN/Deprom, 1996. pp. 237-245)
ao criticar o planejamento modernista, afirma que um de seus equívocos foi não ter desenvolvido
paradoxalmente suas contradições, nesse mesmo sentido pode-se pensar a discriminação positiva, na medida em
que ressignifica a discriminação negativa paradoxalmente, buscando ao invés da segregação e manutenção de
privilégios, a equidade, ainda que temporariamente se utilizando de um sistema de privilégios. Moura (1988,
1994) é outro autor que vai utilizar a noção de cultura negra como resistência. Esta noção seria oriunda de uma
necessidade de os escravos ressignificarem suas culturas tradicionais como forma de resistir à desumanização
imposta. Cultura e identidade (ou em outros termos, a diversidade) em um ou outro caso, têm um valor para além
do cultural imediato, um valor político.
77

Com algumas exceções de grupos que possuem certa autonomia de ação para além ou
aquém do Estado, concordamos com a definição de Santos e entendemos que o movimento
negro, nas suas várias manifestações – e aqui conceituamos o movimento negro como grupos
sociais específicos com ação societária e política peculiar, voltada para questão racial –
representa um projeto de mudança da sociedade brasileira, seja pela longevidade de suas
atividades, seja pelo fato de atuar junto (em contraposição) a um objeto que muito contribuiu
para estruturar as desigualdades na sociedade brasileira. Entretanto, não obstante sua
longevidade, atividade e relevância, apenas nos anos 90 suas reivindicações despertaram
atenção e em alguma medida foram incluídas na agenda pública governamental (TRAPP e
SILVA, p.36, 2010).

A importância do movimento negro está na confrontação de uma ideologia racista e


alienante na qual a identidade negra não se expressava dialeticamente, isto é, que
reconhecesse sua positividade humana e potencialidade emancipatória e ao mesmo tempo as
condições subumanas impostas por mecanismos históricos de discriminação e preconceito. A
leitura dialética das relações raciais brasileiras demandava o enfrentamento à forjada e falsa
identidade nacional miscigenada e harmônica. O antirracismo como estratégia coletiva de luta
nunca foi um fenômeno nacional ou republicano, foi o despertar da militância negra em
diferentes momentos históricos que movimentou a luta antirracista e, curiosamente (ou
dialeticamente), o antirracismo ganha força com a racialização política da identidade negra
em um contexto onde uma retórica, também em partes antirracista, tenta silenciar sobre os
mecanismos estruturais cotidianos do racismo. Nos anos 60, com o golpe militar e a
instalação de uma autocracia militar burguesa e racista no Brasil, os movimentos negros
foram desarticulados enquanto externamente as lutas pelos direitos civis nos EUA com, dentre
outros, importantes lideranças de esquerda e movimentos de libertação de países africanos
colonizados influenciaram o que viria a ser a reorganização do movimento negro no Brasil
com inspirações marxistas. Ao combate ao racismo somar-se-ia o combate ao capitalismo,
assim a articulação entre raça e classe ganharia novos contornos no debate político
(DOMINGUES, 2007, pp. 112-113).

Marginalizados durante o período da ditadura militar, é no final dos anos 70 que emerge,
se desenvolvendo na década seguinte (dentre vários movimentos) o MNUCDR (Movimento
Negro Unificado Contra a Democracia Racial), futuro MNU (Movimento Negro Unificado),
rearticulação de movimentos sociais negros e da luta antirracista. Visando combater e
desconstruir o discurso da propalada democracia racial e denunciando os males simbólicos e
78

materiais do racismo no Brasil, o movimento atuou de forma decisiva para incluir a


problemática do negro nas discussões da redemocratização, com importantes conquistas
jurídicas e simbólicas no texto da constituição de 1988, ainda que sem efeitos práticos
relevantes imediatos. Disto decorre que nos anos 90 vários acontecimentos contribuirão para
uma ressignificação identitária e autoafirmação crescente do elemento negro, que permitia
demonstrar a posição desvantajosa do negro na sociedade brasileira.

Jaccoud e Beghin (2001) apontam ações governamentais na direção da superação das


desigualdades raciais ocorridos nos anos 90: no Rio de Janeiro foram criadas a Secretaria de
Defesa e Promoção das Populações Negras e a Delegacia Especializada em Crimes Raciais, as
duas foram extintas anos depois. O mesmo ocorreu em outros Estados com a criação e
posterior extinção de órgãos específicos para tratar da problemática racial. A extinção destes
órgãos mostra não só o despreparo institucional para lidar com a questão, como a resistência
embasada, principalmente, na ideia de democracia racial. Ainda na mesma década, em 1995,
ocorre a “Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida” e em
decorrência desta foi criado um grupo de trabalho de valorização da população negra, e um
ano mais tarde, no I Programa Nacional dos Direitos Humanos (IPNDH), aparece um tópico
específico sobre a questão racial. Também foram efetuadas ações no âmbito do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE), em razão das denúncias da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) das desigualdades raciais no mercado de trabalho do Brasil.

Na década de 2000, com os preparativos para participação do Brasil na III Conferência


Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata,
promovida pela ONU e realizada em Durban, na África do Sul, em 2001, a questão racial
volta à tona com mais força e se multiplicam estudos sobre as mazelas raciais brasileiras e
possíveis ações para superação destas. Neste sentido, várias medidas focadas na população
negra foram desencadeadas, inclusive na área jurídica, porém trabalhamos com a hipótese de
que as consequências destas ações foram mais relevantes no âmbito cultural e identitário do
que no material, não obstante é inegável que a percepção que os movimentos negros e suas
ramificações culturais e religiosas (Movimento Hip Hop; religiões afro; e etc.) construíram de
si como sujeitos políticos e coletivos transformou qualitativamente o debate público sobre a
questão racial.

Em 2003 foi criada a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial


(SEPPIR) com o intuito de formular, articular e coordenar políticas e diretrizes para a
promoção da igualdade racial, garantindo, em tese, a transversalidade da questão racial nas
79

diferentes esferas de governo. Tendo ou não a SEPPIR como parceira, várias iniciativas foram
desenvolvidas nesta década: as ações afirmativas nas universidades públicas, a aprovação da
lei nº. 10.639/03 que tornou obrigatório o ensino de História da África, cultura africana e afro-
brasileira no currículo da educação básica; o Programa de Combate ao Racismo Institucional;
Programa de Promoção da Igualdade de Oportunidade para Todos do Ministério Público do
Trabalho; Programa Brasil Quilombola; o Estatuto da Igualdade Racial; e etc.

4.5.Questões políticas e culturais – as centrais sindicais

No âmbito do mercado de trabalho, os sindicatos e instituições, afiliadas a estes ou não,


tiveram também importante papel no debate político e cultural sobre desigualdades raciais no
mercado de trabalho, mesmo que este fosse menos efetivo e combativo do que o movimento
negro. A literatura específica que dê conta da questão racial no âmbito sindical recente é
extremamente escassa. Maria Aparecida Silva Bento e Jair Batista da Silva são dois dos
pouquíssimos autores que desenvolveram trabalhos nesta temática, neste sentido vamos nos
basear principalmente no trabalho de Jair Batista da Silva, “Ação sindical e racismo: as
centrais sindicais e a discriminação racial no Brasil” apresentado no XIV congresso brasileiro
de sociologia.

Silva (2009, pp.2-3) analisando o papel das principais centrais sindicais, a Central Única
dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical, na luta contra a desigualdade e a discriminação
racial no trabalho, destaca que, de maneira geral, o posicionamento do sindicalismo em relação
às práticas discriminatórias raciais foi tardio e sem efetividade programática. Havia
reconhecimento, intenções de superação e manifestações contrárias às práticas racistas, mas
não um plano de ação com metas que pudessem combater o racismo no mercado de trabalho. A
classe trabalhadora, entendida como um todo homogêneo, não deveria ater-se a
particularidades que pudessem desfazer sua unidade, apesar disso, nos anos 90 as centrais
sindicais voltam seus olhares para questões particulares como raça e gênero e isso se dá tanto
pelo enfraquecimento do movimento sindical num contexto de reestruturação produtiva e
hegemonia neoliberal, e daí a necessidade da reelaboração de estratégias para resgatar
legitimidade, quanto pela difusão de estudos e estatísticas comprovando as desigualdades
raciais no mercado de trabalho e a pressão do movimento negro na sociedade chamando
atenção para a questão racial. Como bem apontou Bento (1988, p.55) em texto do final da
década de 1980:
80

...graças à influência de um pensamento de esquerda euro e etnocêntrico, as


especificidades dos trabalhadores negros não são refletidas nos programas de
luta e nas pautas de reivindicações dos sindicatos. Na prática tudo se passa
como se a classe trabalhadora brasileira fosse uma massa homogênea,
composta por homens brancos.

Note-se que nessa época os sindicatos, em especial os ligados à CUT, já não mais
vislumbravam outra ordem social alternativa e, portanto, restava a luta pela cidadania
(direitos) e por melhores condições de vida. Não se tratava de uma alternativa ao capitalismo,
mas de uma melhor distribuição da riqueza, e a questão racial se insere nesta luta. Ao não
considerar a especificidade do trabalhador negro na história produtiva brasileira os sindicatos
desconsideravam o próprio fator constitutivo da classe trabalhadora brasileira. Há, no entanto,
uma contradição retórica entre discurso e prática no que se refere à questão racial no âmbito
das centrais sindicais. Em relação a CUT, Silva (2009, p.6) argumenta que:

...o racismo, o preconceito, a discriminação e a desigualdade assumiram, no


interior da principal central sindical brasileira, a CUT, um caráter
eminentemente retórico, sobretudo durante a década de 80, em outros termos
a luta contra o reconhecimento denegado adquiriu feição marcadamente
genérica. Por caráter retórico compreendo o comportamento político que
preconiza a rejeição, muitas vezes veemente, sobre determinada situação de
opressão social, mas que não se transforma em prática política efetiva para
combater e superar a situação de opressão.

Ainda que tenha transformado sua cultura em relação à questão racial, esta transformação
foi bastante paulatina e influenciada por sindicalistas e ativistas negros de seu interior.
Segundo o autor (SILVA, 2009, p.10) as lutas imediatas num contexto de pauperização do
trabalho com elevado desemprego, inflação, arrocho salarial e etc., fez com que as
preocupações assumissem este caráter genérico. Além disso, a capacidade organizativa dos
sindicalistas negros de introduzirem a questão racial, que deveria ser central, na cultura
sindical foi tardia, retardando a mudança cultural.
Outra hipótese apontada pelo autor para as dificuldades de se estabelecer a questão racial
como relevante no âmbito sindical é a origem da liderança da militância sindical,
eminentemente de esquerda e de classe média, majoritariamente branca, refrataria a
diversidade interna e ligada a partidos e movimentos marxistas que se contrapunham a
ditadura militar buscando uma “unidade da classe trabalhadora”. Estes, por sua origem social,
tinham dificuldade para compreender e sensibilizar-se com a causa dos descendentes de
africanos. O não reconhecimento da questão racial como sui generis no mercado de trabalho
foi a estratégia que se estruturou a partir da ideia de unidade e assim, de novo, como discutido
81

no capitulo I, o normativo se sobrepõe ao empírico. O triunfo da classe trabalhadora, nesta


perspectiva, depende da negação da condição racial, depende, portanto, da “paz racial”. O
mito da democracia racial não foi (ou é) uma prerrogativa dos conservadores, influenciou e
influencia correntes políticas que são denominadas como progressistas. Podemos encontrar da
esquerda à direita, posições intransigentes e até raivosas em relação à legitimidade das
demandas de grupos sociais negros, especialmente quando estas são políticas.
No início dos anos 90, com a realização de diagnósticos internos, a central percebe que a
incorporação da questão racial na luta não é só externa, mas também interna. Internamente a
representação hegemônica era de um trabalhador homem, branco e adulto (SILVA, 2009,
p.13), a necessidade de superar o racismo no interior da central demandava a transformação
desta representação. A transformação não era suficiente, pois afetava principalmente o âmbito
do discurso, da retórica, e era preciso ações concretas que politizassem o racismo e o
ressignificassem, transformando um elemento negativo em objeto de reconhecimento e
integração de uma classe trabalhadora, em grande medida, negra. É nesse contexto que
dirigentes antirracistas da CUT, a partir de uma determinada perspectiva, de cidadania e
direitos – porém sem o objetivo de romper ou superar o capitalismo – passam a desconstruir o
olhar etnocêntrico da formação social brasileira presente na central para que esta fosse um
espaço de luta e reivindicação dos trabalhadores negros (BENTO, 2000, pp.303-304).
No tocante à Força Sindical a agenda que tratava das questões raciais foi mais
tardiamente objeto de preocupação. Até o fim dos anos 90 a questão racial foi ignorada pela
central, inclusive em seu documento propositivo mais importante não havia nenhuma menção
relativa ao racismo, à discriminação ou à situação dos trabalhadores negros (SILVA, 2009,
p.17). A hipótese trabalhada pelo autor para essa mais tardia inserção da questão racial na
agenda da Força Sindical é de que, diferente da CUT cuja militância foi formada por quadros
mais ativos no mundo político como intelectuais, professores, profissionais liberais, setores da
esquerda que produziam documentos e pesquisas sobre os trabalhadores, os quadros da Força
Sindical não possuíam esta expertise política, sendo em sua maioria trabalhadores ligados ao
setor privado, o que talvez explique a pouca produção documental (SILVA, 2009, p.18).
No final dos anos 90 há o reconhecimento pela Força Sindical da situação inferiorizada
dos trabalhadores negros em função de mecanismos racistas e discriminatórios e a
consequente articulação de uma luta antidiscriminatória ao seu modo, isto é, considerando o
conflito capital vs trabalho como um dado natural que deve ser administrado e nunca
superado, e, neste contexto, a igualdade racial é pressuposto de cidadania no trabalho.
82

A contradição reside no fato de que a proposta implícita de domesticação do trabalhador


em geral, e negro inclusive, num ambiente de cooperação entre capital e trabalho (SILVA,
2009, p.27), remete às noções culturalistas que reconhecem a problemática racial, mas
sacrificam as mensagens de insurgência em nome de uma paz racial, em outras palavras, o
racismo é um fator de superexploração do trabalho e deve ser combatido, porém a
superexploração em si é um dado natural, próprio do jogo social em que o único árbitro é o
mercado.
Mesmo sem a perspectiva de superação do capitalismo, as centrais sindicais incluíram
nos anos 90 e 2000, a luta antirracista em suas agendas. Ao que parece, esta perspectiva se
aproxima, de maneira geral, daquela que Osório chamou de 2ª onda teórica em que os autores
contestavam a tese da democracia racial, reconheciam os dilemas sociais que implicavam o
racismo e a discriminação racial, mas viam o racismo como um elemento disfuncional ao
capitalismo e o avanço deste superaria aquele. De todo modo, após os anos 90, abre-se outra
perspectiva cultural e política para se combater as desigualdades raciais do ponto de vista do
movimento sindical, com maior legitimidade devido ao reconhecimento efetivo da
problemática racial no mercado de trabalho.
83

CONSIDERAÇÕES FINAIS DA PARTE I

Na primeira parte deste trabalho procuramos apresentar uma abordagem panorâmica que
ajudará compreender teoricamente o problema das desigualdades raciais no mercado de
trabalho no ABC tratada adiante. Esta está inserida na temática das desigualdades raciais, e,
portanto, o debate que histórico sobre as relações raciais no Brasil é fundamental para
compreender como foram interpretadas e avaliadas as desigualdades raciais como processo
inerente da sociabilidade nacional.
As desigualdades raciais compreendem várias dimensões da vida social, porém, segundo
Lovell (1995, p. 40), educação, salários (renda), distribuição ocupacional e local de residência
são aspectos fundamentais para a compreensão da dimensão das desigualdades raciais no
mercado de trabalho. Também Chadarevian (2009, p.19) aponta para a importância da
compreensão destes aspectos entendidos como mecanismos de discriminação sobre os quais o
racismo se mantém e reproduz na economia. O autor especifica quatro mecanismos de
discriminação:

a) a divisão racial do trabalho; b) o desemprego desigual entre os grupos


raciais; c) o diferencial de salários entre trabalhadores negros e brancos; d)
a reprodução (física e intelectual) precária da força de trabalho negra. No
primeiro item que identificamos, que determina a hierarquização racial dos
postos no mercado de trabalho, o mecanismo de discriminação central é a
seleção que se dá nas diversas fases de inserção da classe trabalhadora, na
qual barreiras são impostas à entrada e à mobilidade dos não-brancos. Com
relação ao desemprego, outro tipo de mecanismo parece atuar,
especialmente em momentos de crise, levando os negros e mestiços a
estarem mais propensos à demissão. O terceiro tipo de mecanismo, a
superexploração da força de trabalho negra, explica o diferencial de salários
favorável aos brancos em setores determinados da economia. Enfim, o
último dos mecanismos de discriminação traz um impacto importante sobre
a capacidade de reprodução física e mental da força de trabalho negra, e
pode atuar limitando o acesso à saúde, à educação de qualidade, e criando
uma situação de segregação residencial nos centros urbanos; ou, o que é
mais comum, tudo isto ao mesmo tempo (CHADAREVIAN, 2009, p.19).

Procuramos apontar para algumas evidências da persistência das desigualdades raciais


nos aspectos em questão tentando relacionar, quando possível, estes entre si e com o mercado
de trabalho.
Apesar da permanência das desigualdades raciais no mercado de trabalho, também
procuramos apontar para as transformações que ocorreram nas duas últimas décadas e os
limites destas. Ficou evidente que existiram mudanças. O cenário transformou-se
qualitativamente; as demandas mudaram de lugar. Do ponto de vista econômico se a recessão
84

dos anos 90 atingiu a população negra com mais contundência, o crescimento econômico
fundamentado em políticas sociais na década seguinte a beneficiou. Isto porque em um ou
outro caso, era a população mais pauperizada, sendo o para-raio de qualquer medida ou
dinâmica que afetasse a parte de baixo da pirâmide social. Os negros ficaram menos pobres,
porém em relação a si mesmos, porque quando comparado à população não negra, as
desigualdades pouco ou nada se alteraram, e os dados relativos à renda de negros e não negros
comprovam isto. E esta é a chave da nossa argumentação que, se de maneira geral a situação
dos negros avançou, as desigualdades entre os grupos raciais não retrocederam na mesma
proporção, e no mercado de trabalho, principalmente.
Na educação, a expansão das matriculas do ensino básico foram particularmente
benéficas à população mais pobre, portanto, atingiu com maior profundidade a população
negra, porém quando verificamos o nível mais elevado de ensino, o ensino superior, a
desigualdade persiste mesmo em um contexto inédito de ações afirmativas para negros na
educação, o que leva a crer que sem estas, ainda que insuficientes, a situação seria muito mais
caótica. Quando cruzamos informações de renda e anos de estudo vemos cair por terra a frágil
tese da meritocracia, já que negros e não negros com anos de estudo próximos têm diferentes
remunerações com prejuízo para os primeiros. Do ponto de vista ocupacional ocorreu um
pequeno avanço dos negros nas ocupações mais prestigiadas (aquelas mais salubres, que
exigem menor esforço físico, são mais bem remuneradas e que geram maior status social),
mas de novo, quando comparados os salários no interior das categorias, percebe-se a diferença
por recorte racial.
O local de residência também é um importante indicativo das mazelas oriundas das
desigualdades raciais no mercado de trabalho. As desigualdades regionais e segregação
espacial acompanham a segregação social e a segmentação no mercado de trabalho. A questão
habitacional é sem dúvida estratégica para a questão racial na medida em que o acesso à
habitação pela população de baixa renda abriria precedentes para outras reivindicações e
aspirações cidadãs desta população, em sua maioria negra, dentre elas o “direito à cidade”,
seja na dimensão cultural, política ou urbanística.
Na parte II procuraremos apontar por meio de dados estatísticos dos Censos
Demográficos de 1991, 2000 e 2010, do IBGE e de outras bases de dados (RAIS do
Ministério do Trabalho e Emprego e PED-ABC da SEADE-DIEESE) como as desigualdades
raciais no mercado de trabalho se comportaram na Região do Grande ABC num contexto de
reestruturação produtiva e aprofundamento de políticas neoliberais nos anos 90 e de
85

transformações sociais advindas com o neodesenvolvimentismo nos anos 2000, dialogando


com dados nacionais nos aspectos supracitados.
86

PARTE II

APRESENTAÇÃO

Na primeira parte deste trabalho procuramos caracterizar tanto a questão racial no Brasil,
em especial no que tange ao mercado de trabalho, quanto aspectos recentes que permitem
pensar mudanças na forma como a sociedade convive com esta questão. Se historicamente as
desigualdades raciais se mantiveram num patamar indesejável, em especial, argumentamos,
pela posição do negro no mercado de trabalho, as últimas duas décadas têm sinalizado com
importantes mudanças econômicas e culturais que possibilitariam uma redução maior das
desigualdades raciais.
Partindo desta perspectiva, pretendemos nesta segunda parte analisar o alcance das
desigualdades raciais no mercado de trabalho em uma região específica, a região do Grande
ABC. Esta região é considerada um laboratório para a análise das relações de trabalho e
emprego e não por acaso. O ABC é considerado como o berço do Fordismo no Brasil e
consequentemente foi a região que melhor representou no país a crise deste.

É a partir desse cenário que vamos procurar compreender como a população negra foi
atingida pelas transformações dos anos 1990 que dialogam com a crise e o aprofundamento de
um ideário neoliberal, e nos anos 2000, período de crescimento econômico e desenvolvimento
social que não exclui, mas ressignifica, aspectos importantes dos corolários da crise do
fordismo, principalmente no que diz respeito ao mercado de trabalho.

Estruturaremos esta parte em três capítulos tratando da Região do Grande ABC ora
como “região”41 – que significa dizer que os dados trabalhados não serão desagregados pelas
sete cidades que a compõem – e ora por municípios. Também sempre que possível e
necessário para argumentação, utilizaremos informações dos três anos censitários que
abrangem a pesquisa, a saber, 1991, 2000 e 2010. Por vezes não será possível fazer a
comparação entre os anos censitários pela descontinuidade ou atualização metodológica de
cada Censo. Neste sentido, os maiores prejudicados serão os dados referentes ao Censo de
1991. No primeiro capítulo o objetivo é: i) traçar um breve perfil da região do ABC e sua
especificidade enquanto “berço do fordismo”; ii) discorrer sobre as desigualdades raciais na
educação; de renda; nos locais de residência; e na distribuição ocupacional; áreas importantes
41
Para uma melhor compreensão da gênese e desenvolvimento do ABC como “região” do ponto de vista da
geografia humana ver Almeida (2008). Para a especificidade das relações produtivas no ABC ver, além da autora
já citada: Klink (2001) e Conceição (2008).
87

para a compreensão das desigualdades raciais no mercado de trabalho pelo fato de melhor
demonstrarem sua hierarquização racial (LOVELL, 1995, p.40).

O segundo irá tratar das desigualdades raciais no mercado de trabalho nos anos 1990 a
partir de dois aspectos principais: i) a crise do fordismo e a reestruturação produtiva; e ii) a
emergência do pensamento neoliberal e seus impactos no mercado de trabalho. O objetivo é
analisar como estes processos influenciaram a dinâmica das desigualdades raciais no mercado
de trabalho na região do ABC.

O terceiro tem como foco os anos 2000: as transformações ocorridas na década no


mercado de trabalho da região do ABC e como estas impactaram nas desigualdades raciais no
mercado de trabalho. O argumento que nos guia é de que ocorreram transformações
importantes no período de 1991 a 2010 – anos censitários que nos oferecem a base de dados
do Censo Demográfico do IBGE42 – principalmente para mostrar que é possível avançar,
dentro dos limites impostos pelo sistema social, na mitigação das desigualdades raciais. Mas,
apesar disso, as desigualdades raciais no mercado de trabalho pouco se alteraram na região do
ABC, seja no período de crise, seja no de crescimento econômico.

42
Os microdados da amostra do Censo de 2010 do IBGE, bem como os anexos com a documentação que
descrevem e conceitualiza as variáveis e categorias que utilizamos na pesquisa estão disponíveis para download
na página da internet do IBGE no endereço eletrônico
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/resultados_gerais_amostra/resultados_gerais_amo
stra_tab_uf_microdados.shtm. Os microdados relativos aos censos de 2000 e 1991 (e demais censos a partir de
1960) e suas respectivas documentações estão disponíveis para download na página da internet do Centro de
Estudos da Metrópole no endereço eletrônico http://www.fflch.usp.br/centrodametropole/1147.
88

5. CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO E DAS DESIGUALDADES RACIAIS


RECENTES NO ABC

5.1. A Região do ABC

A Região do ABC situa-se na Região Metropolitana de São Paulo e é composta por sete
municípios: Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Santo André, São Bernardo
do Campo e São Caetano do Sul. Segundo o sítio na internet da Agência de desenvolvimento
Econômico do Grande ABC, a região é o berço da indústria automobilística no Brasil e o seu
quinto mercado consumidor. Com uma economia extremamente dinâmica, seja no setor de
serviços, no comercial e, principalmente, no setor industrial, o ABC tornou-se lugar
privilegiado para análise de processos de reestruturação produtiva e rearranjos econômicos.

Histórica e geograficamente, somar-se-ia à região do ABC um significado discursivo que


com o tempo difundiu-se, associado à industrialização em geral e à indústria de autopeças, em
particular, a partir do nacional-desenvolvimentismo dos anos 1950 (ALMEIDA, 2008,
pp.104-105). A identidade regional local se constrói no contexto da concentração produtiva e
firmando-se como tal, mantém-se ante a crise desta última. A noção da região do ABC como
identidade compartilhada surge muito antes do século passado, ainda no período colonial
quando da transferência de seu núcleo administrativo para São Paulo, e esta persiste,
curiosamente reforçada em meados do século passado, quando do seu desmembramento com
as autonomias administrativas e políticas dos distritos fora do eixo ABC (Diadema, Mauá,
Rio Grande da Serra e Ribeirão Pires):

...em linhas gerais as cidades pertencentes ao ABC fizeram parte de uma


mesma nucleação e, paradoxalmente, ao mesmo tempo em que se coloca a
necessidade de separação político–administrativa dando origem a novos
municípios, cria-se a ideia de uma identidade compartilhada cuja marca
comum é a oposição ao mando exercido pela capital (ALMEIDA, 2008,
p.180).

Klink (2001, p.93) aponta dois fatores importantes para a formação da região do ABC,
periférica à capital: a implantação de núcleos coloniais e a implantação da ferrovia. Os
núcleos coloniais se estabeleceram primeiro como subúrbio rural e posteriormente industrial,
em um e outro caso sua função era produzir e abastecer a capital daquilo que lá não era
produzido. No final do século XIX, com a implantação da ferrovia, que tinha como função
atender a demanda cafeicultora, surgem núcleos residenciais e comerciais próximos a essa.
89

Com a industrialização ocorrida no início do século seguinte, estes núcleos se expandem


devido às condições favoráveis para a fixação de indústrias que a linha férrea trouxe em
termos de acessibilidade, tanto de escoamento da produção para o Porto de Santos, quanto
para o deslocamento dos trabalhadores. O fator acessibilidade e as estações da linha férrea e
seus núcleos residenciais favoreceram também a formação das “cidades-dormitório” devido
ao dinamismo da capital.

A estrada geral de Santos (o caminho do mar) contribuiu para que, entre idas e vindas das
cidades de São Bernardo do Campo e de Santo André como núcleos político-administrativos,
a primeira tivesse predominância (inclusive já como município) até a instalação da estrada de
ferro. Depois desta (a estrada de ferro) instalada e com o crescimento do Bairro da Estação
que mais tarde viria a ser a atual cidade de Santo André, no começo do século, a cidade de
Santo André se torna a sede da região – ainda que o legislativo continuasse funcionando em
São Bernardo – que até então poderia ser compreendido como o atual ABC devido aos três
núcleos, uma sede e dois distritos: Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do
Sul.

O município São Bernardo passa a se chamar município de Santo André em 1938 e a


insatisfação em torno deste fato somada às necessidades e articulações políticas faz com que
em 1944 se iniciasse a desagregação com a emancipação política e criação do novo município
de São Bernardo do Campo, antiga freguesia e Vila de São Bernardo do Campo. Em 1948 foi
criado o município de São Caetano do Sul; em 1953, os municípios de Mauá e Ribeirão Pires,
desdobramentos do antigo subdistrito do Pilar em torno da Estação férrea do Pilar; em 1959 a
antiga Vila Conceição emancipa-se de São Bernardo dando origem ao município de Diadema;
e finalmente em 1964 o antigo subdistrito de Rio Grande da Serra origina o município de Rio
Grande da Serra (ALMEIDA, 2008, p.192).

Foi, portanto, com a consolidação do nacional-desenvolvimentismo, o crescimento


industrial e o consequente crescimento demográfico que a região do ABC paradoxalmente se
fragmentou em sete municípios com identidades consolidadas e unificadas em torno de uma
“região”, e aqui pertencimento e identidade se confundem na medida em que identidades
municipais e regionais também se confundem. Se fato é que cada município possui sua
identidade, também é fato que o pertencimento à região tornou esta dependente daquilo que
foi sendo agregado à identidade regional. As questões identitárias, porém, não devem ser
90

desvinculadas das questões políticas e, principalmente, econômicas que as condicionaram,


seja no contexto regional, seja em contextos mais amplos, nacional, global e etc. 43

Do ponto de vista produtivo, é nos anos de 1950 que a ferrovia passa a ser insuficiente
ante a demanda que ela mesma criou. A expansão demográfica e a dinamização da economia
nacional com consequências regionais estabeleceram novos elos produtivos e comerciais em
localidades não atendidas pela linha férrea e a demanda por transportes então cresceu. Neste
sentido, afirma Klink (2011, p.97):

O esgotamento do padrão de crescimento baseado na ferrovia e a definitiva


chegada do automóvel na década de 1950 foram acompanhados pela
implementação de uma série de investimentos em autoestradas, cujo impacto
sobre a configuração da geografia industrial na região metropolitana e do
Grande ABC foi fundamental.

Ocorrem altos investimentos em estradas e vias que favoreciam o deslocamento


rodoviário e, não por acaso, empresas automobilísticas importantes se estabeleceram próximo
à via Anchieta, contribuindo para que São Bernardo crescesse na dinâmica produtiva regional.
Empresas farmacêuticas e petroquímicas também seriam instaladas na região nas décadas de
1950, 60 e 70 com três padrões locacionais distintos (KLINK, 2011, p.99): i) indústrias
instaladas em grandes terrenos e com fácil acesso ao porto de Santos, como as
automobilísticas; ii) indústrias instaladas em áreas periféricas e mais afastadas devido a que o
autor chama de “externalidades” negativas como o mau cheiro, gases e etc., a indústria
química, por exemplo; e iii) fornecedores da cadeia automobilística localizados próximos a
esta. Enquanto a indústria automotiva e suas apoiadoras se instalaram majoritariamente nas
cidades de São Bernardo e Diadema, próximas a via Anchieta e Imigrantes, outros ramos
industriais, em especial o (Petro) químico, se concentrou em Santo André, Mauá, Ribeirão
Pires e Rio Grande da Serra.

Esta conformação regional e industrial refletir-se-á no desenvolvimento político da região


na medida em que a grande massa de trabalhadores se organiza em torno de sindicatos e agita
a política nacional em decorrência da crise no final dos anos 1980, do arrocho nos salários e
do autoritarismo na Ditadura Militar44. Outro importante elemento que contribui para a noção
identitária da região foi o fenômeno sindical que tem sua gênese na região como corolário do

43
Estas questões foram esmiuçadas no segundo capítulo da Tese de Doutorado de Almeida, 2008.
44
Sobre as transformações relativas às décadas de 1990 e 2000 na região do ABC trataremos mais adiante nos
próximos dois capítulos.
91

movimento operário urbano. A classe operária da região surge junto com a indústria no
começo do século passado, e consequentemente a expansão da manufatura propiciou a
formação de um sindicalismo ainda nesse período. Este sindicalismo, combativo, possuía
raízes nos movimentos libertários, por esta razão era constante a presença de sindicatos do
ABC nas greves de São Paulo (CONCEIÇÃO, 2008, pp.62-63).

As greves no ABC foram registradas desde o começo do século, porém foi a partir do
final da década de 1970 que uma nova forma de organização sindical surge no Brasil, e o
ABC tem uma grande relevância neste contexto pela própria organização industrial regional.
A alta concentração industrial em especial da indústria automobilística fez com que a
organização de trabalhadores ligados a este setor fosse forte, e esta força irradiou para outros
setores industriais da região fortalecendo bastante os sindicatos regionais que por sua vez
tinham estreita relação com as centrais sindicais.

O novo sindicalismo45 surgido neste período, com o foco de combate mais voltado para
as condições de trabalho e vantagens salariais e menos para a luta revolucionária e de
resistência à ditadura, mas ao mesmo tempo com uma ação mais ampla e mais conflituosa no
nível das greves, teve seu ponto de inflexão, segundo Rodrigues (2002, p.142), nas greves em
São Bernardo em maio de 1978. Desde então o ABC, até pela vinculação da luta sindical à
luta pela redemocratização, sempre foi lembrado por estas greves e a imagem de região
industrial e politizada se estabeleceu como identidade regional.

5.2. A população negra na região do ABC (1991-2010)

A região possuía, em 2010, segundo o Censo Demográfico do IBGE, 2.551.328


habitantes em 827 Km², sendo 899.590 negros e 1.651.738 não negros46. Se comparado aos
resultados nacionais, a população negra do ABC era menor que a mesma no Brasil,
respectivamente 35,3 % e 50,7 % do total da população.

45
Alves caracteriza o novo sindicalismo como: “... uma passagem, no plano da estratégia sindical, da
confrontação à cooperação conflitiva, ou ainda, da luta de classes na produção para uma “convergência
antagônica”, ou um sindicalismo de participação ou de “concertação social”, que é, nada mais, nada menos, que
um defensivismo de novo tipo, de cariz neocorporativo” (Alves, G. Do ‘novo sindicalismo” à “concertação
social”: ascensão (e crise) do sindicalismo no Brasil (1978-1998). Rev. Sociol. Polít. Curitiba, 15, p. 111-124,
nov. 2000).
46
Inclusive indígenas e não declarados.
92

Quadro 17 - População absoluta por grupos raciais no ABC (1991, 2000-2010) e


incremento absoluto da população negra entre 1991, 2000 e 2010·.
Incremento absoluto da
1991 2000 2010
população negra
Município
Não Não Não 1991 2000 1991
Negros Negros Negros
Negros Negros Negros a 2000 a 2010 a 2010

Diadema 131.608 171.544 145.900 207.230 193.259 192.589 14.292 47.358 61.651

Mauá 100.961 193.056 122.221 238.043 178.724 237.583 21.260 56.502 77.763

Ribeirão
23.407 61.416 29.644 74.129 39.484 73.485 6.237 9.840 16.077
Pires
Rio Grande 12.598 17.084 15.640 21.083 23.934 19.992 3.042 8.294 11.336
da Serra
Santo André 114.656 498.367 131.933 512.874 186.131 489.641 17.277 54.198 71.475

São
Bernardo do 131.551 432.338 195.578 502.073 259.129 505.132 64.027 63.551 127.578
Campo
São Caetano
16.290 130.815 14.970 124.246 18.929 130.275 -1.320 3.959 2.639
do Sul

ABC 531.071 1.504.620 655.886 1.679.678 899.590 1.648.697 124.815 243.702 368.519

Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: Doravante, negros: pretos + pardos; não negros: brancos + amarelos.

Quadro 18 - População relativa por grupos raciais no ABC (1991, 2000-2010) e


incremento relativo da população negra entre 1991, 2000 e 2010·.
Incremento relativo da
1991 2000 2010
população negra
Município
Não Não Não 1991 2000 1991
Negros Negros Negros
Negros Negros Negros a 2000 a 2010 a 2010

Diadema 56,2% 43,1% 40,9% 58,4% 50,0% 49,9% 10,9% 32,5% 46,8%

Mauá 34,2% 65,4% 33,6% 65,5% 42,9% 56,9% 21,1% 46,2% 77,0%

Ribeirão Pires 27,6% 72,2% 28,4% 70,9% 34,9% 65,0% 26,6% 33,2% 68,7%
Rio Grande da
42,1% 57,1% 42,1% 56,8% 54,3% 45,4% 24,1% 53,0% 90,0%
Serra
Santo André 18,6% 80,8% 20,3% 78,9% 27,5% 72,3% 15,1% 41,1% 62,3%

São Bernardo do
23,2% 76,3% 27,8% 71,4% 33,9% 66,0% 48,7% 32,5% 97,0%
Campo

São Caetano do
10,9% 87,5% 10,7% 88,5% 12,7% 87,3% -8,1% 26,5% 16,2%
Sul

ABC 30,4% 68,9% 29,1% 70,1% 35,3% 64,6% 23,5% 37,2% 69,4%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

Mesmo não sendo um percentual tão significativo quanto o nacional, observa-se um


importante incremento na população negra no ABC no período 1991-2010, 368.519 pessoas
93

que correspondem, em termos percentuais, a 69,4 %, enquanto a população de não negros


cresceu 9,6 % no mesmo período. Os municípios de São Bernardo do Campo e Rio Grande da
Serra foram os que apresentaram percentuais mais expressivos em termos incrementais nas
últimas duas décadas, ao passo que em relação à população total, em 2010, Rio Grande da
Serra e Diadema aparecem com maior taxa de população negra e São Caetano do Sul com a
menor taxa e o menor incremento. Conforme o quadro 17, também é possível observar que o
maior montante absoluto da população negra está em São Bernardo e Diadema.

Pelo quadro 19 percebemos como os indicadores socioeconômicos positivos são


inversamente proporcionais ao percentual da população negra em cada município. Exceto
pelo PIB, a proporcionalidade inversa é perfeita. Vale dizer que não exatamente os municípios
mais ricos (se considerarmos o PIB per capita uma medida de riqueza), mas aqueles em que a
população possui menor renda e pior qualidade de vida (considerando o IDHM uma medida
para tanto) são os que possuem um maior contingente negro em sua população. Do ponto de
vista histórico, as localidades mais antigas e que se estruturaram num contexto de forte
presença de imigrantes europeus na região, Santo André, São Bernardo e São Caetano, são as
que mais se desenvolveram economicamente. Os municípios mais “jovens” apresentam maior
contingente da população negra relativa, assim como as áreas menos valorizadas, do ponto de
vista imobiliário, dos municípios mais ricos, foi o principal destino da população negra. E
sobre esta base territorial segregada e estruturada no auge da ideologia da democracia racial,
que as desigualdades raciais no mercado de trabalho se estabelecem. Levando-se em conta
que a questão racial em sua dimensão socioeconômica, apesar de sua longevidade, apenas foi
reconhecida recentemente nas instituições públicas, sua importância – enquanto ferramenta de
análise de políticas que vislumbram equidade – tardará.

Quadro 19 - Indicadores socioeconômicos no ABC (2010-2013)


Renda
PIB per Domiciliar
Percentual
capita 2010 Per Capita IDH-M
Município de negros
em reais (R$) em 2010 em 2013
em 2010
correntes reais (R$)
correntes
Rio Grande da Serra 54,3 % 11.053,79 545,58 0,749
Diadema 50,0 % 29.153,85 656,75 0,757
Mauá 42,9 % 17.619,04 677,65 0,766
Ribeirão Pires 34,9 % 16.709,84 804,21 0,784
94

São Bernardo do Campo 33,9 % 46.495,62 1.168,09 0,805


Santo André 27,5 % 25.609,30 1.269,19 0,815
São Caetano do Sul 12, 7% 73.605,89 2.000,79 0,820
ABC 35,3 % 31.463,90 1.059,20 0,785
Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010 (Resultados Gerais da Amostra). IBGE, Estimativa de PIB municipal. PNUD,
Atlas IDHM 2013. Elaboração própria.

O incremento da população total do ABC no período, 25,2 %, foi na sua maioria, de


população negra. A não existência da classificação “negro” nos censos demográficos dificulta
a análise já que “pardo” não corresponde necessariamente, por parte de quem se
autoclassifica, como uma postura política ou cultural, isto é, nem sempre aquele que se vê
como pardo entende que é negro, porém, o crescimento dos “pretos” no período foi de 115,2
%, de 52.061 em 1991 para 112.018 em 2010.

Gráfico 3 – População por grupos raciais no ABC em 1991, 2000 e 2010.

1991 2000 2010


Negros 531.071 655.886 899.590
Não Negros 1.504.620 1.679.697 1.648.697

Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

Este incremento não pode ser explicado apenas por crescimento vegetativo ou mesmo por
migrações, mas provavelmente tem como principal fator um ambiente cultural e institucional
mais propício para a autoafirmação racial/étnica, seja pelos aspectos positivos decorrentes de
maior valorização cultural, seja pelos aspectos negativos em que a morte de jovens negros por
forças repressivas do Estado torna o conflito menos obscurecido e faz com que a percepção da
existência de uma relativa desvantagem por conta de um determinado atributo não seja nem
95

episódica, nem ulterior. Porém, a expansão da população negra ocorreu num período de crise
e posterior crescimento econômico, o que torna necessário verificar se do ponto de vista das
desigualdades raciais houve avanços ou retrocessos, em especial nos aspectos que conversam
diretamente com as desigualdades raciais no mercado de trabalho.

5.3. Desigualdades raciais na educação no ABC

A educação é um campo relevante na análise das desigualdades raciais. As diferenças


apresentadas na média de anos de estudo por grupos de cor é um dado que se manteve estável
ao longo de décadas no Brasil. Segundo Henriques (2001), apesar da diferença de anos de
estudos entre jovens negros e não negros ser um problema, em torno de dois anos, problema
maior é o fato que esta mesma diferença era encontrada na geração de seus pais e avós. Houve
um avanço na escolaridade média dos grupos raciais, mas também manutenção da diferença
média de anos de estudos por décadas:

De fato, a escolaridade média de um jovem negro com 25 anos de idade gira


em torno de 6,1 anos de estudo; um jovem branco da mesma idade tem cerca
de 8,4 anos de estudo. O diferencial é de 2,3 anos de estudo. A intensidade
dessa discriminação racial, expressa em termos da escolaridade formal dos
jovens adultos brasileiros, é extremamente alta, sobretudo se lembramos que
trata-se de 2,2 anos de diferença em uma sociedade cuja escolaridade média
dos adultos gira em torno de 6 anos. Embora intensa, não é esse o
componente mais incômodo na discriminação observada. Em termos do
projeto de sociedade que o país está construindo, o mais inquietante é a
evolução histórica e a tendência de longo prazo dessa discriminação.
Sabemos que a escolaridade média dos brancos e dos negros tem aumentado
de forma contínua ao longo do século XX. Contudo, um jovem branco de 25
anos tem, em média, mais 2,3 anos de estudo que um jovem negro da mesma
idade, e essa intensidade da discriminação racial é a mesma vivida pelos pais
desses jovens — a mesma observada entre seus avós. (HENRIQUES, 2001,
pp.26-27).

Estudos recentes47 apontam para redução das desigualdades raciais na educação, mas
também apontam para a insuficiência desta redução. A expansão de matrículas e o avanço no
sentido de tornar a educação universal, ainda que se tenha que problematizar a qualidade,
foram benéficos para população negra na medida em que proporcionam o acesso que no
futuro pode influenciar positivamente nas vidas de jovens negros. Apesar disso, o
desenvolvimento e avanço nos indicadores educacionais não são homogêneos no que tange

47
Ver: Valverde, D. O.; Stocco, L. Notas para interpretação das desigualdades raciais na educação. Estudos
Feministas, Florianópolis, 17(3): 909-920, setembro-dezembro/2009;
96

grupos raciais diferentes, e também não são lineares. É importante, neste sentido, verificar se
há uma barreira racial que impede a homogeneidade (ou algo próximo) entre os grupos
raciais. Outra questão importante, da qual não nos ocuparemos, diz respeito às questões que
envolvem os efeitos psíquicos do racismo na escola levando a negação das identidades raciais
por parte de jovens e crianças que se sentem inferiorizados por seu “atributo” fenotípico.

As desigualdades raciais na educação na região do ABC retrocederam de maneira


importante nos níveis básicos de ensino, mas se mantiveram no nível superior no período
entre 1991 e 2010, ainda que em outro patamar, mais positivo. Os indicadores foram de fato
positivos, porém significaram muito mais uma mudança qualitativa geral, no sentido de
aumento de escolaridade média e de anos de estudo, que beneficiou a população negra como
corolário das políticas sociais em geral.

O nível de instrução da população da Região do ABC apresentou uma melhora


substantiva nos níveis de ensino mais altos, Médio e Superior. De 18,5 % em 1991 passou
para 38,1 % de pessoas com cinco anos ou mais que possuíam o ensino médio ou o superior
completo.

Gráfico 4 – Nível de instrução da população do ABC (1991-2010)

Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

Estes resultados positivos não foram suficientes para equacionar a questão das
desigualdades raciais, reconhecendo algumas importantes mudanças. Provavelmente a
expansão das matriculas do ensino básico (médio e fundamental) somada às políticas de
97

financiamento do ensino superior possibilitaram o incremento no nível de ensino da


população como um todo, porém, quando verificamos a diferença entre negros e não negros
que tinham como grau de instrução o ensino médio mais o ensino superior, esta praticamente
se mantém: 13,8 % em 1991 e 13,2 % em 2010. Se no nível do ensino médio completo e
cursando o superior houve um importante avanço da população negra, no ensino superior
completo a diferença cresceu de 6,1 para 10,5 pontos percentuais entre um e outro grupo no
período entre 1991 e 2010.

Quadro 20 – Nível de instrução da população por grupos raciais no ABC (1991-2010)


1991 2000 2010
Escolaridade Não Não Não
Negros Negros Negros
negros negros negros
Sem instrução 16,2% 9,6% 11,8% 6,4% 6,6% 6,2%
Fundamental incompleto 44,2% 42,1% 28,6% 32,6% 45,6% 35,5%

Fundamental completo e 31,2% 26,1% 26,2% 28,2% 18,3% 15,6%


médio incompleto
Médio completo e superior 6,9% 14,6% 32,5% 22,8% 25,2% 27,9%
incompleto
Superior completo 1,5% 7,6% 0,9% 10,0% 4,3% 14,8%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

Quando analisamos apenas os estudantes, as mudanças em relação ao ensino superior


foram mais positivas. Uma hipótese é que o fenômeno que se verificou de expansão do ensino
básico se repete, ainda incipientemente em 2010 para o ensino superior. A maior e mais
importante diferença é que se a expansão das matrículas no ensino básico ocorreu
principalmente no âmbito do Estado, no ensino superior ela foi privada, ainda que com
subsídios públicos. Em 2010, segundo dados do IBGE, 18,8 % dos não negros e 20,8 % dos
negros do ABC, estudantes do ensino superior, estavam na faculdade pública. A discussão
sobre a qualidade dos cursos é pertinente; assim como as áreas com maior oferta e procura de
cursos; além é claro da discussão sobre a legitimidade de se transferir recursos públicos para
instituições privadas por meio do financiamento estudantil como forma de compensar as
pouquíssimas faculdades públicas que, diga-se, aumentaram (e expandiram) de forma
relevante desde a década de 2000 e ainda assim são absolutamente insuficientes.

Para a população negra a faculdade pública torna-se mais interessante pelo sistema de
cotas que algumas já possuem e a legitimidade em relação a outros programas de
98

financiamento como ProUni ou o FIES. Mas nota-se que apesar do importante incremento da
população negra no ensino superior no nível de graduação, 6,6 pontos percentuais, a
diferença, também em pontos percentuais entre negros e não negros aumentou de 5,5 em 1991
para 8,6 em 2010.

Quadro 21 - Estudantes por grupos raciais e curso superior no ABC (1991-2010)


1991 2000 2010
Curso Superior Não Não Não
Negros Negros Negros
negros negros negros
Graduação 2,4% 7,9% 1,5% 12,3% 9,0% 17,6%
Pós-graduação 0,1% 0,3% 0,1% 1,3% 1,0% 3,1%
Total 2,5% 8,2% 1,6% 13,6% 10,0% 20,7%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria

Para a população negra a faculdade pública torna-se mais interessante pelo sistema de
cotas que algumas já possuem e a legitimidade em relação a outros programas de
financiamento como ProUni ou o FIES. Mas nota-se que apesar do importante incremento da
população negra no ensino superior no nível de graduação, 6,6 pontos percentuais, a
diferença, também em pontos percentuais entre negros e não negros aumentou de 5,5 em 1991
para 8,6 em 2010. Somados graduação e pós-graduação a diferença sobe para 10,7 pontos
percentuais, a tendência é, pois, que se formem o dobro de estudantes não negros no nível
superior, com uma influência bastante importante na segmentação racial do mercado de
trabalho. Também é importante notar que a desigualdade cresceu com maior ferocidade no
período entre 1991 e 2000, que torna mais evidente os malefícios da ordem neoliberal e da
inexistência de políticas sociais efetivas neste período.

No nível mais elementar de educação, ou seja, a alfabetização, ao que parece, a


desigualdade racial não é mais um problema, dado que a diferença é de 0,4 ponto percentual
em 2010. Em 1991 a diferença era de 6,6 pontos percentuais, o que mostra uma evolução
importante neste ponto. É importante reconhecer a melhoria, mas também é importante pensar
o caminho percorrido e a lentidão do processo, bem como políticas e programas de
alfabetização popular (com recorte cor ou raça ou não) que influíram neste indicador. Outro
fato importante é a idade considerada pelo IBGE para determinar a alfabetização, cinco anos
ou mais.
99

Gráfico 5 – Taxa de alfabetização (%) da população do ABC por grupos raciais


(1991-2010)

1991 2000 2010


Negros 83,8 88,3 93,4
Não Negros 90,4 93,6 93,8

Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

Para a população adulta a diferença entre os grupos raciais é maior, assim como é maior a
taxa de alfabetização geral, como mostra o gráfico 6. Já o gráfico 7 mostra a média de anos de
estudo48, e por ele constatamos que as diferenças entre os grupos raciais reduziram mais no
ABC comparado aos resultados nacionais. A média dos anos de estudos dos negros do ABC
foi a que menos cresceu no período entre 1991 e 2010 e mais cresceu no período seguinte.

Gráfico 6 - Taxa de alfabetização (%) da população adulta (acima de 21 anos) do ABC


por grupos raciais (1991-2010)

1991 2000 2010


Negros 84,6 90,5 94,5
Não Negros 92,9 95,5 97,4

Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

48
A variável “anos de estudo” não está disponível no Censo Demográfico 2010 do IBGE. Foi calculada a média
de anos de estudo utilizando as variáveis “Série/Ano que frequenta” para estudantes e “Curso mais elevado que
frequentou” somados com a variável “Conclusão deste curso” para não estudantes.
100

Gráfico 7 – Média de anos de estudo da população com cinco anos ou mais por grupos
raciais no ABC e no Brasil (1991-2010).

1991 2000 2010


Negros AB C 3,8 5,1 9,0
Não Negros AB C 5,7 7,1 10,1
Negros B ras il 2,7 5 7,6
Não Negros B ras il 4,4 6,4 9,6

Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

O crescimento da média de anos de estudo é significativo para os dois grupos raciais e


observa-se que a média geral no ABC é maior que no Brasil nos três anos censitários. No
ABC, a desigualdade diminuiu, de 1,9 anos de estudo de diferença passa para 1,1 anos
enquanto no Brasil de 1,7 anos passa para 2 anos. O diferencial provavelmente está no ensino
superior que faz a média subir. No ABC, o percentual da população com 5 anos ou mais que
cursava ou já havia completado o ensino superior era 16,2 % em 2010. Neste caso a clivagem
é racial, já que entre os não negros o percentual sobe para 21 % enquanto entre os negros o
percentual é de 7,4 %. No Brasil o percentual é pouco abaixo, 18,4 % para os não negros e 6,7
% para os negros, mas a clivagem é muito parecida, menor, inclusive que a da região do ABC
11,7 pontos percentuais enquanto no ABC 13,6 pontos percentuais desfavorável para os
negros. Quando olhamos para a relação entre anos de estudo e renda, as desigualdades raciais
aparecem com maior peso proporcionalmente a maior escolaridade.

Como já discutimos na primeira parte deste trabalho, uma quantidade maior de anos de
estudo faz toda a diferença para que o indivíduo possa ter melhores rendimentos49 e quanto

49
Que não implica em reproduzir a tese do capital humano. Como já apontamos, a escolaridade medida seja por
curso, seja por anos de estudo é ainda a proxy mais aceita e trabalhada para tratar de qualificação para o trabalho.
No entanto há de se reconhecer a precariedade desta na medida em que a qualificação para o trabalho engloba
fatores outros como a experiência e condições sociopsicológicas.
101

maior a quantidade de anos de estudo, maior a diferença salarial entre negros e não negros. Na
base da pirâmide educacional existe a distância racial, mas no topo (e mesmo em níveis
médios) esta é bastante acentuada50. Também é no ano censitário de 2000 que encontramos as
maiores desigualdades com uma recuperação considerável no ano de 2010.

Quadro 22 – Percentual dos rendimentos dos negros em relação aos rendimentos dos
não negros por classes de anos de estudo no ABC (1991-2010)

Classes de anos de estudo 1991 2000 2010

Até 7 96,2 % 106,5 % 115,0 %


8-10 86,3 % 81,8 % 86,7 %
11-15 67,4 % 60,3 % 76,4 %
16 ou mais 68,3 % 54,6 % 71,1 %
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: A partir da referência de 100 % dos rendimentos dos não negros. Rendimentos em todos os trabalhos.

Outro dado, crianças e jovens de 5 a 24 anos de idade fora da escola, também nos
mostram o peso do ensino superior nas desigualdades raciais, já que na idade desejada para o
ensino superior é onde se apresenta a maior diferença entre negros e não negros fora da
escola.

Quadro 23 – Crianças e jovens de 5 a 24 anos fora da escola por grupos raciais e grupos
de idade no ABC (1991-2010)
1991 2000 2010
Faixas de
Não Não Não
idade Negros Negros Negros
negros Negros negros
De 5 a 10 39,7% 35,9% 10,5% 7,4% 3,0% 2,6%
De 11 a 14 11,9% 6,3% 4,0% 2,2% 3,9% 3,0%
De 15 a 18 46,6% 32,3% 25,4% 20,4% 24,4% 20,2%
De 19 a 24 85,9% 77,0% 77,9% 68,9% 78,6% 66,4%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

50
Aqui se faz necessário investigar o destino dos graduados por cor ou raça para tentar uma aproximação da
explicação de tal diferença de rendimentos. No caso do ensino médio, na classe de 11 a 15 anos de estudo, a
questão é mais complexa, pois a diferenciação neste caso não pode ser explicada pela diferença de ocupações
melhor remuneradas como médicos, engenheiros, advogados e etc., talvez as profissões técnicas possam oferecer
alguma pista, mas a variável racial parece ser um fator mais importante que a própria ocupação.
102

A redução ocorreu entre todas as faixas etárias nos grupos raciais investigados e
impressiona naqueles entre 5 e 10 anos de idade. Ainda que se possa questionar a qualidade
desta inquestionável melhoria quantitativa, também é preciso compreender que estes
questionamentos só fazem sentido após ocorrida a mudança quantitativa. Do ponto de vista da
equidade entre os grupos raciais, a diferença diminuiu entre estes na faixa etária dos 15 aos 18
anos – ainda que pese desta ser uma faixa etária “obrigatória” para o estudo, isto é, seria
desejável que a incidência fosse zero ou próximo disto – entre 1991 e 2000 e o aspecto mais
negativo foi que as diferenças pouco retrocederam de 2000 para 2010 nas faixas etárias acima
de 11 anos. Na faixa etária dos 19 a 24 anos, além da alta incidência de jovens fora da escola,
foi onde houve um aumento da diferença entre os grupos raciais no período.

Estes dados são indicativos de um avanço, em certos aspectos, e da manutenção, em


outros, das desigualdades raciais na educação na região do Grande ABC no período entre
1991 e 2010. Se levarmos em conta fatores como o peso da qualificação na qualidade do
emprego e no nível de renda, este é um dado bastante importante que certamente contribui
para a reprodução das desigualdades raciais no trabalho e, consequentemente, gerais.

5.4. Desigualdades raciais de renda no ABC

Outro importante aspecto das desigualdades raciais no mercado de trabalho é, sem


dúvida, a renda das pessoas, já que ela indica o quanto cada grupo racial se apropria da
riqueza produzida em termos monetários. Essa riqueza pode ser pensada tanto em retorno
financeiro direto quanto por meio de serviços, ou seja, através de fundos públicos que
garantiriam serviços básicos como educação, saúde e etc., aqui nos interessa o rendimento em
dinheiro.

Como neste momento o objetivo não é atemo-nos à renda no trabalho, mas a uma visão
mais abrangente das desigualdades de renda, utilizaremos a renda familiar per capita,
composta tanto pela renda adquirida no trabalho, em sua maior parte, mas também de outras
fontes como aposentadoria, pensão, programas de transferência de renda e etc., além do fato
desta ser repartida entre todos os membros de cada família, portanto, neste contexto, não só
nível da renda é importante, mas também sua distribuição.

Em uma sociedade de consumo, a renda é fator primordial para se avaliar oportunidades e


resultados. Para além dos discursos que preconizam a pobreza e crescimento econômico e não
a desigualdade como elementos chaves das sociedades subdesenvolvidas ou emergentes, a
103

desigualdade de renda não necessariamente tem um viés economicista, ainda que monetário.
O nível de renda é potencialmente influente no que diz respeito a outras dimensões da vida
social. O acesso a um nível maior de renda pode significar educação de melhor qualidade;
acesso a tratamentos de saúde mais complexos e completos; acesso à cultura, eventualmente
melhor mobilidade, habitação e etc. pelo fato de vivermos em uma sociedade capitalista em
que praticamente todos os recursos disponíveis os são sob a forma de mercadoria.

Pensando em termos de mobilidade social, por exemplo, a renda tem um papel


preponderante em sua efetivação, manutenção ou letargia. Uma renda que não se modifica
substancialmente ao longo do tempo entre grupos raciais, e gênero e etc., torna-se entrave
para mudanças qualitativas na sociedade. No ABC, no período de 1991 a 2010 a alteração na
renda familiar per capita média foi acima da inflação. Quando comparado ao Estado, o
rendimento médio do ABC é mais elevado, mas em relação à Região Metropolitana de São
Paulo e à Capital é puxado para baixo principalmente pelos municípios de Mauá e Diadema,
municípios com alta densidade demográfica. Santo André e São Bernardo são os que mais se
aproximam dos níveis de renda da Capital e da RMSP, e inclusive superam esta última em
2010. São Caetano apresentou níveis de renda familiar per capita mais elevados entre os
municípios, superando, inclusive, a média estadual, da RMSP e da Capital.

Quadro 24 - Renda familiar per capita média por localidade em reais (R$) de 2010
(1991-2010)
Localidade 1991 2000 2010
São Paulo - Estado 767,75 991,13 1.083,11
São Paulo – RM 923,66 1.155,21 1.215,02
São Paulo - Capital 1.074,69 1.412,16 1.467,30
Diadema 562,23 633,84 687,10
Mauá 550,63 603,38 706,09
Ribeirão Pires 651,76 773,75 844,70
Rio Grande da Serra 406,78 423,29 582,98
Santo André 857,30 1.082,80 1.335,99
São Bernardo do
972,23 1.110,58 1.220,12
Campo
São Caetano do Sul 1.112,11 1.714,91 2.022,73
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: Valores corrigidos pelo IPCA (IBGE).

Em relação a 1991, a renda média do ABC foi 38,0 % maior quando ajustada pela
inflação medida pelo IPCA. Quando analisados por grupos raciais, para os negros a elevação
104

foi menor que a média, 26,1 %. No período de 1991 a 2000, inclusive, houve um recuo de 5,3
% na renda das famílias negras, enquanto para os não negros o aumento foi de 11,4 %. Já
entre 2000 e 2010 o aumento mais significativo foi para os negros, 33,1 % enquanto a média
da região foi de 14,2 % e do grupo dos não negros 22,1 %.

Ocorre, ao que parece, indícios de recuperação da renda média das famílias negras, ainda
que a equiparação com os não negros esteja muito longe, já que em termos proporcionais, a
renda dos negros em relação aos não negros em 2010 foi de 51,8 %, 4,2 pontos percentuais
maior que em 2000 e 4,1 pontos percentuais menor que 1991, ou seja, em termos de
desigualdade, tomando um período pelo outro, a situação os grupos se manteve.

Gráfico 8 - Renda familiar per capita no ABC por grupos raciais em reais (R$) de 2010
(1991-2010)

1991 2000 2010


Negros 509,77 482,90 642,70
Não Negros 911,77 1.015,32 1.239,57
Média AB C 804,46 972,68 1.110,54

Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: Valores corrigidos pelo IPC-A (IBGE).

Quadro 25 - Proporcionalidade do rendimento familiar per capita no ABC (1991-2010)


Proporcionalidade 1991 2000 2010
Percentual dos rendimentos dos negros em relação aos não
55,9% 47,6% 51,8%
negros
Percentual dos rendimentos dos negros em relação à média
63,4% 49,6% 57,9%
do ABC
Percentual dos rendimentos dos não negros em relação à
113,3% 104,4% 111,6%
média do ABC
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: As referências são sempre 100%.
105

Em relação à distribuição, quando desagregados por faixas de salários mínimos, as


diferenças na renda média de cada faixa são mais acentuadas, especialmente nas mais
elevadas, isto é, há uma melhor distribuição da população não negra pelas faixas de renda e
uma concentração maior da população negra nas faixas de renda mais baixas. Em 2010, mais
de 80 % das famílias negras possuíam renda per capita familiar até 2 salários mínimos
enquanto os não negros nesta faixa de rendimento eram 60 %. Com mais de 5 salários
mínimos de renda per capita, os negros representavam 1,9 % enquanto os não negros 9,8 %.
De maneira geral os negros estavam concentrados nas faixas inferiores de renda nos três anos
censitários verificados, com diferenças mais acentuadas no ano de 2000.

Quadro 26 - Distribuição da população do ABC por grupos raciais e faixas de renda em


salários mínimos (1991-2010)
1991 2000 2010
Faixas de
rendimento Não Não Não
Negros Negros Negros
negros Negros negros
Até 1 39,9% 21,9% 38,2% 21,0% 51,6% 31,6%
Mais de 1 até 2 34,8% 30,7% 29,7% 25,0% 29,8% 28,8%
Mais de 2 até 3 13,2% 17,9% 12,6% 15,2% 8,1% 14,1%
Mais de 3 até 5 6,9% 15,3% 8,3% 16,4% 4,0% 11,5%
Mais de 5 2,7% 12,4% 4,3% 18,7% 1,9% 9,8%
Sem rendimento 2,5% 1,8% 6,9% 3,7% 4,6% 4,2%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: Em relação à população de cada categoria.

Se considerarmos como Soares (2008, p. 125) que a dependência entre os membros das
famílias – isto é, o percentual de membros de uma determinada família que não recebem
rendimentos de nenhum tipo – tem potencial para contribuir para uma menor renda familiar
per capita, no ABC apenas no ano de 2000 pode-se estabelecer alguma relação deste tipo,
mesmo frágil, já que o nível médio dos rendimentos dos negros caiu e dos não negros subiu,
da mesma forma, a taxa de dependência dos negros subiu de forma irrisória, 0,1 % e dos não
negros caiu 4 pontos percentuais. Como avalia o autor (2008, p. 127) para o caso brasileiro,
(também para o ABC, completamos) não é a demografia que pode explicar a desigualdade de
renda. Em 1991 a taxa de dependência é praticamente a mesma e os rendimentos bem
diferentes e em 2010 a diferença na taxa de dependência é pequena, 1,1 pontos percentuais
106

enquanto a renda dos não negros é quase o dobro da do grupo dos negros. O que se altera é
uma sensível diminuição na taxa de dependência que pode ser consequência tanto do aumento
do nível de emprego como dos programas de transferência de renda.

Gráfico 9 – Taxa de dependência (%) no ABC por grupos raciais (1991-2010)

1991 2000 2010


Negros 53,7 53,8 41,7
Não Negros 53,9 49,9 39,6

Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

Soares (2008, p.128) conclui que:

As ações distributivas, de cunho universal estão atuando no sentido de


combater a pobreza e a desigualdade de renda. De modo geral, o grande
responsável pela melhora da situação da população negra é o avanço da ação
do Estado em termos das políticas distributivas. A mobilidade social do
negro, ou seja, sua ascensão relativa ao conjunto da sociedade, mantém-se
em patamares residuais. Não houve alteração do quadro de oportunidades no
mercado de trabalho, principal fonte de renda e de mobilidade social
ascendente.

Quando olhamos para o quadro 26, notamos que a distribuição da população pelas faixas
de rendimentos, sem compatibilizar os valores com 2010, é mais equânime nos anos de 1991
e 2000 que em 2010. Ao descontar a inflação, tornando o ano de 2010 a referência (quadro
27), verificamos que na realidade ocorreu menor concentração nas faixas mais baixas (mas
ainda assim bastante concentração) em 2010 e uma elevação média no rendimento familiar
per capita. Ocorre que o salário mínimo na década de 2000 foi mais valorizado que em
períodos anteriores, por esta razão quando tornamos equivalentes a valores de 2010 os
salários mínimos dos anos de 1991 e 2000, percebemos uma alta concentração na faixa de
107

renda mais baixa de até 1 salário mínimo, sendo que a população negra chegava a mais de 60
% concentrada nesta faixa de renda e mais de 90 % concentrada na faixa de renda de até 2
salários mínimos nos anos de 1991 e 2000.

Quadro 27 - Distribuição da população do ABC por grupos raciais e faixas de renda


familiar per capita em salários mínimos de 2010 (1991-2010)
1991 2000 2010
Faixas de rendimento Não Não Não
Negros Negros Negros
negros Negros negros
Até 1 64,0% 41,2% 66,6% 41,3% 56,2% 35,8%
Mais de 1 até 2 26,4% 31,1% 23,6% 28,1% 29,8% 28,8%
Mais de 2 até 3 6,0% 12,4% 5,7% 12,2% 8,1% 14,1%
Mais de 3 até 5 2,5% 9,4% 2,9% 10,5% 4,0% 11,5%
Mais de 5 1,1% 5,9% 1,2% 7,9% 1,9% 9,8%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: Valores corrigidos pelo IPCA (IBGE). Salários Mínimos: R$ 510,00 (2010); R$151,00 (2000); e Cz$ 36.161,60
(1991).

Em relação ao rendimento médio por cada faixa de renda, os não negros superam em
pequeno valor os negros, mas curiosamente na faixa de renda mais alta os negros superam em
termos de rendimento familiar per capita médio, fato que pouco contribui para a redução das
desigualdades dado que o percentual de participação da população negra nesta faixa de renda
é mínimo.

Quadro 28 - Renda familiar per capita no ABC por grupos raciais e faixas de
rendimento em reais (R$) de 2010 (1991-2010)
1991 2000 2010
Faixas de
Não Não Não
rendimento Negros Negros Negros
negros Negros negros
Até 1 222,21 233,05 175,05 188,33 301,24 322,12
Mais de 1 até 2 512,82 524,32 424,31 438,12 722,30 751,85
Mais de 2 até 3 867,88 879,30 713,62 722,53 1.237,06 1.268,56
Mais de 3 até 5 1.337,97 1.381,21 1.129,12 1.100,32 1.911,23 1.968,83
Mais de 5 até 10 2.388,81 2.422,08 1.950,95 2.026,15 3.339,93 3.469,83
Mais de 10¹ 7.260,20 6.053,98 5.141,33 2.668,30 12.906,49 10.212,19
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: Valores corrigidos pelo IPCA (IBGE).
¹ Ressalta-se que a baixa representatividade de negros nesta faixa de rendimento pode influir nos resultados, já que outliers não
foram desconsiderados. Neste sentido, a maior concentração de não negros faz com que exista uma divisão maior do montante
e, provavelmente, um menor rendimento em relação aos negros.
108

Constata-se que no período, em especial na década entre 2000 e 2010, ocorreu um


importante incremento no nível de renda familiar per capita na região do ABC. O nível médio
em cada faixa de renda se elevou; o nível médio em geral se elevou; a população está mais
bem distribuída entre as faixas de rendimento e menos concentrada na faixa mais baixa. Ou
seja, houve uma evolução qualitativa e quantitativa, mas manteve-se a desigualdade racial de
renda, mesmo considerando a tendência positiva de queda da diferença da apropriação dos
rendimentos da população negra e não negra no ABC, um contexto desejável de igualdade,
nos limites impostos pelo capitalismo51, ainda está bastante longe no horizonte, dado
particularmente preocupante na medida em que como afirmou Soares (2008, p.119), “Trata-se
de uma desigualdade particularmente detestável posto que, como tem sido destacado em
inúmeros estudos, parte significativa dela não é atribuível a nenhuma medida de mérito ou
esforço, sendo puramente resultado de discriminações passadas ou presentes”.

5.5. Local de residência e desigualdades domiciliares no ABC

O local de residência é outra dimensão bastante importante para a análise do alcance das
desigualdades raciais, e quando de alguma forma vinculada ao mercado de trabalho, pode nos
oferecer a compreensão de como o espaço social e o espaço físico estão interligados na
medida em que este se estrutura a partir daquele e nele interfere. As transformações ocorridas
nas décadas em questão interferem no nível de emprego; na qualidade do trabalho; na
remuneração, e etc., e certamente influem no acesso à moradia pelos trabalhadores. Em uma
situação precarizada, trabalhadores ocupam espaços urbanos vulneráveis. Tratamos
brevemente das questões que envolvem a dinâmica territorial e as desigualdades no capítulo
III deste trabalho, aqui iremos tratar diretamente das questões relativas ao ABC tomando o
que já foi exposto no capítulo citado como pressuposto.

Como já discutido acima, no ABC as maiores concentrações relativas da população negra


estão nas cidades com piores indicadores sociais, Rio Grande da Serra, Diadema, Mauá, e as
maiores concentrações absolutas em São Bernardo do Campo. De modo geral, independente

51
A equidade racial não é necessariamente um indicativo de superação da superexploração do trabalho, mas sua
busca, sem dúvida, é uma das ferramentas que possibilita esta superação. Nas sociedades modernas em que a
riqueza produzida e potencial são suficientes para eliminar a exploração do homem pelo homem, apenas em um
modo de produção baseado em um economicismo frio (contraditório a todo o potencial “calor” humano), como o
é o capitalismo, pode ocorrer a flexão moral que permite o racismo. O discurso de que o racismo, xenofobia,
etnocentrismo ou coisa que os valha é próprio da natureza humana porque ocorreram em todas as sociedades é
completamente anacrônico. Uma coisa são elementos simbólicos que permeiam a luta pela sobrevivência em
sociedades com recursos escassos, outra é a preservação desta estratégia, ainda que de forma inconsciente, num
contexto de incomensurável (por conta de todo potencial humano) e mundializada riqueza.
109

do município, a população negra está concentrada em bairros com menos infraestrutura e


maior incidência de pobreza, fato que contribui para reprodução desta mesma pobreza na
medida em que as há maior dificuldade para mitigar as condições que a produziram. As
características socioeconômicas e culturais que advieram com o Brasil colônia certamente
influenciam na distribuição espacial dos grupos raciais no país, e no ABC não é diferente,
porém os contornos que conformaram as regiões no processo de industrialização com baixos
salários, como bem apontou Maricato (2012), são mediações mais próximas da atual condição
urbana. Ao não ser contabilizado, em muitos casos, no custo da reprodução da força de
trabalho, o local de residência torna-se um dos mecanismos de precarização do trabalho na
medida em que afasta as populações de trabalhadores pobres empurrando-os para áreas mais
isoladas, sem acesso a um transporte eficiente. Os baixos salários contribuem para
precarização das habitações, além do próprio poder público oferecer os serviços básicos
também com mais precariedade nas regiões mais pobres.

A população do ABC em aglomerados subnormais, já conceituados e explicitados na


primeira parte deste trabalho, apresentou uma pequena redução no ano de 2010 em relação ao
de 2000, ao contrário dos domicílios nestas localidades que apresentaram um leve aumento.
Ao que parece, o incremento demográfico da população negra, bastante acentuado, não influiu
substancialmente no sentido de aumentar o contingente de negros nos aglomerados
subnormais, mesmo assim mais de um quarto da população negra do ABC lá estavam, seja
em 2000, seja em 2010, contra pouco mais de um décimo da população não negra.

Gráfico 10 - Percentual dos domicílios em aglomerados subnormais no ABC e nas


Regiões Metropolitanas selecionadas (2010)

RM São Paulo 9,8%


RM Salvador 25,7%
RM Rio de Janeiro 13,3%
RM Recife 22,4%
RM Fortaleza 11,5%
RM Campinas 4,9%
RM Belo Horizonte 9,3%
RM Baixada Santista 15,7%
ABC 14,4%

Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: Inclusive os municípios de Rio Grande da Serra e São Caetano do Sul.
110

Os percentuais da população negra e não negra em aglomerados subnormais são bastante


elevados se comparados à média brasileira e da região sudeste, porém, por incluir um
conjunto grande de regiões de características não metropolitanas, talvez não seja um bom
comparativo, mas comparando com algumas regiões metropolitanas, o ABC aparece com um
alto índice, inclusive acima da média da região metropolitana de São Paulo.

Em Diadema houve não apenas a diminuição geral de pessoas nestas localidades, mas
também uma diminuição na quantidade de domicílios em aglomerados subnormais, em São
Bernardo do Campo este fenômeno se repete. Porém, é em São Bernardo que está a maior
concentração da população negra em aglomerados subnormais, seja em termos relativos ou
absolutos, quase um terço, e a maior diferença percentual entre negros e não negros. Em
Mauá, apesar de grande diferença entre negros e não negros nos dois anos censitários, ocorreu
leve redução desta em 2010, além da redução geral da população em aglomerados
subnormais, fato que também ocorre em Diadema que, considerando o grande contingente de
negros em sua população, apresenta menores desigualdades entre os grupos raciais.

Ribeirão Pires e Santo André apresentaram acréscimos da população em aglomerados


subnormais. O primeiro menos significativo pelo fato de serem percentuais relativamente
baixos. Já em Santo André aumentou não apenas o contingente absoluto como a diferença
entre negros e não negros. São Caetano do Sul e Rio Grande da Serra não apresentaram
ocorrências de aglomerados subnormais, por não se enquadrarem nos quesitos definidos pelo
IBGE para que determinada área seja considerada como este tipo de assentamento, que nos
leva a crer num subdimensionamento dos números sobre aglomerados subnormais no ABC.

Quadro 29 - Percentual da população do ABC em aglomerados subnormais por cor ou


raça (2000-2010)
% de domicílios em
2000 2010 aglomerados
Localidade subnormais
Não Não
Negros Negros 2000 2010
Negros Negros
Diadema 29,7% 20,8% 26,1% 19,5% 22,5% 20,9%
Mauá 29,3% 13,9% 27,1% 14,9% 17,1% 18,2%
Ribeirão Pires 3,5% 0,8% 5,3% 2,1% 1,3% 2,6%
Santo André 22,2% 8,1% 26,1% 8,2% 9,4% 11,3%
São Bernardo do
36,7% 14,9% 33,1% 13,1% 18,8% 17,9%
Campo
ABC 27,7% 11,5% 26,2% 11,0% 15,5% 15,8%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: Exclusive os municípios de Rio Grande da Serra e São Caetano do Sul.
111

Quadro 30 - Proporção do rendimento familiar per capita médio em aglomerados


subnormais em relação ao rendimento familiar per capita médio nos municípios do
ABC.
Município 2000 2010
Diadema 55,4% 68,1%
Mauá 46,8% 60,7%
Ribeirão Pires 34,8% 45,6%
Santo André 31,4% 38,5%
São Bernardo do Campo 33,2% 44,7%
ABC 35,3% 44,8%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: Exclusive os municípios de Rio Grande da Serra e São Caetano do Sul.

Em relação aos indicadores de saneamento e qualidade dos domicílios, ocorreu uma


melhora geral, especialmente nos indicadores de saneamento. Um pequeno percentual de
domicílios aparece com material predominante das paredes inadequado, isto é, aqueles que
não eram de alvenaria ou madeira aparelhada própria para construção. No ano de 1991 não
era possível saber se as paredes de alvenaria possuíam ou não revestimento (reboco), já em
2010 o Censo possibilitou esta diferenciação, que torna os percentuais mais altos e as
desigualdades mais acentuadas, pois paredes de alvenaria com revestimento é um indicador de
bem-estar associado à saúde dos moradores como afirmou a Fundação Nacional de Saúde
(FUNASA)52. Em 2000 esta variável não estava disponível.

Domicílios com energia elétrica chegaram próximo à universalidade, com uma pequena
desvantagem para os negros. Indicadores de saneamento como esgotamento sanitário, lixo
coletado e abastecimento de água tiveram melhoras substantivas desde 1991. Esgotamento
sanitário que ainda é um problema considerável para a população foi o que mais evoluiu,
especialmente para a população negra que passou de quase um terço sem esgotamento por
rede geral em 1991 para pouco mais que um décimo em 2010, ainda assim quase o dobro da
população negra em termos relativos estava nesta condição precária. Rio Grande da Serra era
o município com mais problemas neste quesito, até por se tratar de uma área composta quase
que inteiramente por mananciais. 76,8 % dos negros e 62 % dos não negros não possuíam
esgotamento sanitário por rede geral, já em 2010 estes percentuais caíram para 41,8 % e 39,5
% respectivamente. Mauá obteve uma significativa melhora no período de 1991 a 2010,
mesmo depois de em 2000 estar em uma situação pior que em 1991.

52
Ver IBGE. Censo Demográfico 2010: Famílias e domicílios. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.
112

Gráfico 11 – Percentuais (%) de pessoas por grupos raciais em domicílios sem


esgotamento sanitário por rede geral em Mauá (1991-2010)

1991 2000 2010


Negros 28,4 31,2 13,5
Não Negros 18,5 21,8 8,4

Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

Gráfico 12 – Percentuais (%) de pessoas por grupos raciais em domicílios sem


esgotamento sanitário por rede geral em Diadema (1991-2010)

1991 2000 2010


Negros 34,2 9,9 3,5
Não Negros 21,3 7,0 2,9

Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

Em São Bernardo e Santo André, especialmente no primeiro, os percentuais da população


em domicílios sem esgotamento sanitário por rede geral também diminuíram bastante. Em
São Bernardo, em 1991, 38,1 % dos negros e 13,6 % dos não negros estavam nesta condição,
em 2010, os negros eram 17,5 %, e os não negros, 9,5 %. Em Santo André 22,7 % dos negros
e 8,5 % dos não negros estavam nesta condição em 1991, já em 2010 eram, respectivamente
113

11,2 % e 4,1 %. Em São Caetano do Sul a situação era bem diferente em 1991, 4,7 % dos
negros e 1,2 % dos não negros residiam em domicílios sem esgotamento sanitário por rede
geral enquanto em 2010 eram respectivamente eram 1,8 % e 0,6 %. Resultados mais
expressivos apareceram em Diadema com uma expansão significativa do serviço de
esgotamento sanitário que se traduziu não apenas na melhoria geral como na redução da
diferença entre grupos raciais a 0,6 pontos percentuais.

O percentual de domicílios sem abastecimento de água por rede geral pouco se alterou no
período, uma leve queda em 2000 em relação a 1991 e uma nova subida em 2010, sendo que
Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra apresentaram as maiores ocorrências, em torno de 10 %
de domicílios sem abastecimento de água por rede geral, nos três anos censitários,
independente do grupo racial. A quantidade de pessoas em domicílios com mais de dois
moradores por cômodo também reduziu bastante em termos relativos em todos os municípios
com destaque para Diadema, principalmente no que tange à população negra que em 1991
eram 14,2 % em domicílios com mais de dois moradores por cômodo e em 2010 eram 2,8 %.
A evolução é notória nos indicadores apresentados, porém a persistência das desigualdades
também é. Pelos indicadores verificados, os níveis de bem-estar da população negra no ABC
em termos domiciliares aumentaram – com destaque para o município de Diadema – algo que
não é pouco e potencializa a organização das pessoas na busca de equidade com qualidade.

Quadro 31 - Resumo de indicadores relativos ao bem-estar e qualidade dos domicílios


por grupos raciais no ABC (1991-2010)
1991 2000 2010
Domicílios Não Não Não
Negros Negros Negros
negros negros negros
Material predominante das
paredes inadequado (inclusive 3,9% 1,3% - - 2,3% 1,0%
alvenaria sem revestimento)
Material predominante das
paredes inadequado (exclusive - - - - 19,7% 10,0%
alvenaria sem revestimento)
Sem energia elétrica 1,0% 0,6% 1,1% 0,6% 2,6% 1,2%
Sem esgotamento sanitário por
31,4% 13,1% 21,0% 11,6% 13,0% 7,1%
rede geral
Sem abastecimento de água por
6,7% 3,6% 5,0% 2,8% 6,2% 3,0%
rede geral de distribuição
Sem lixo coletado direta ou
indiretamente por serviço de 5,2% 2,3% 1,8% 0,9% 0,8% 0,5%
limpeza
Com densidade de mais de dois
11,9% 3,9% 6,6% 2,5% 2,9% 1,1%
moradores por cômodo
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
114

6.6. Distribuição ocupacional por grupos raciais no ABC

No que tange a distribuição ocupacional no território do ABC em 2010, isto é, como os


trabalhadores estavam distribuídos na região levando em conta suas ocupações no trabalho
principal, iniciaremos olhando para como esta ocorre entre os municípios. Utilizaremos a
classificação mais genérica do IBGE que abrange outras mais especificas. São 11
classificações no total, porém selecionamos 5 repetindo aquelas da primeira parte da pesquisa,
destas, num segundo momento, utilizaremos as categorias ocupacionais tidas como mais
prestigiadas: “Membros sup. Poder Público, Dirigentes e Gerentes” e “Profissionais das
ciências e das artes” em 2000 e “Diretores e Gerentes” e “Profissionais das ciências e
intelectuais” em 2010.

No ABC, de maneira geral, as categorias “Trabalhadores dos serviços, vendedores do


comércio e mercados” e “Ocupações elementares e outras” próximas, eram responsáveis pelo
maior número de trabalhadores da região. A primeira apresentou percentuais municipais com
pouca variação, com pouco menos que 4 pontos percentuais entre o maior e o menor valor, já
a segunda apresentou uma variação maior, sendo que Diadema, Mauá e Rio Grande da Serra
apresentaram os maiores percentuais, justamente aqueles municípios com maior contingente
relativo de negros em sua população. Também são estes municípios, juntamente com Ribeirão
Pires, que possuem menor percentual de diretores e gerentes. Em São Caetano, além da
comparativamente elevada taxa de diretores e gerentes, impressiona o percentual de
profissionais das ciências e intelectuais, de maior ocorrência no município. Neste caso a
elevada renda per capita familiar ajuda a explicar ao mesmo tempo em que pode determinar
este fato. Santo André e São Bernardo ocupam posições intermediárias com percentuais
próximos.

Quando analisamos pelo recorte raça ou cor é possível perceber o peso da diferenciação
para os negros, ainda que do ponto de vista da distribuição em si em Diadema e Mauá a
proporção de negros dirigentes seja maior que a dos não negros e em Santo André e São
Bernardo seja equivalente. Pelo fato de estas últimas cidades possuírem maior contingente
absoluto de trabalhadores e de negros, há uma maior proporção destes em relação aos outros
municípios. Portanto, o quadro 33 revela a distribuição ocupacional no ABC e pouca alteração
de um ano censitário para o outro, mesmo levando em conta as limitações de
comparabilidade.
115

Quadro 32 - Percentual de distribuição ocupacional da população do ABC (2010)

São Caetano do
Rio Grande da
Ribeirão Pires

São Bernardo
Santo André

do Campo
Diadema

Mauá

Serra

Sul
Ocupações

Diretores e gerentes 2,3% 2,6% 3,0% 1,5% 5,9% 5,2% 8,8%

Profissionais das ciências e


6,7% 7,7% 11,4% 5,7% 15,9% 14,0% 23,7%
intelectuais

Técnicos e profissionais de nível


6,3% 6,8% 7,8% 5,3% 9,3% 8,7% 11,1%
médio

Trabalhadores de apoio
10,6% 9,2% 8,6% 8,8% 10,3% 11,1% 10,2%
administrativo

Trabalhadores dos serviços,


vendedores dos comércios e 17,1% 18,1% 16,5% 18,8% 16,7% 16,1% 15,0%
mercados

Ocupações elementares e outras¹ 45,3% 47,1% 41,1% 50,2% 32,6% 34,6% 20,6%

Outras² 11,7% 8,5% 11,6% 9,7% 9,3% 10,3% 10,6%


Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Notas:
¹ “Ocupações elementares e outras” corresponde as categorias: “ocupações elementares”, “trabalhadores qualificados,
operários e artesãos da construção, das artes mecânicas e outros ofícios” e “Operadores de instalações e máquinas e
montadores”.
² “Outras” corresponde as categorias: “Ocupações mal definidas”, “Trabalhadores qualificados da agropecuária, florestais, da
caça e da pesca” e “Membros das forças armadas, policiais e bombeiros militares”.

Quadro 33 - Distribuição no ABC de cada grupo racial das categorias ocupacionais


selecionadas (2000-2010)

Membros sup.
Profissionais Trabalhadores Trabalhadores
poder público, Técnicos de
das ciências e de serviços de reparação e
dirigentes e nível médio
2000 gerentes
das artes administrativos manutenção

N NN N NN N NN N NN N NN

Diadema 17,3% 5,9% 17,0% 5,6% 21,2% 8,8% 25,5% 12,1% 17,1% 13,1%

Mauá 8,4% 5,6% 15,8% 6,7% 14,6% 9,3% 13,3% 10,6% 30,0% 6,7%

Ribeirão
3,2% 3,5% 3,6% 3,6% 4,3% 3,3% 3,5% 3,2% 3,7% 4,5%
Pires

Rio Grande
5,9% 0,6% 0,4% 0,5% 1,1% 0,5% 1,4% 0,6% 2,1% 1,3%
da Serra
116

Santo
26,9% 31,9% 23,6% 33,3% 22,8% 33,8% 22,1% 32,5% 20,7% 36,5%
André

São
Bernardo 30,6% 37,1% 32,5% 35,9% 31,6% 34,5% 29,9% 31,7% 25,0% 30,4%
do Campo

São
Caetano do 7,6% 15,4% 7,1% 14,3% 4,4% 9,8% 4,4% 9,3% 1,3% 7,5%
Sul

ABC 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Profissionais Técnicos e Trabalhadores


Diretores e Ocupações
das ciências e profissionais de de apoio
gerentes elementares
2010 intelectuais nível médio administrativo

N NN N NN N NN N NN N NN

Diadema 15,8% 5,7% 16,0% 6,2% 20,9% 8,1% 21,6% 12,5% 22,0% 17,0%

Mauá 16,5% 7,2% 15,6% 7,8% 18,3% 10,9% 16,2% 12,5% 19,1% 19,2%

Ribeirão
3,5% 2,5% 4,8% 3,5% 5,3% 3,5% 3,0% 3,7% 4,1% 4,6%
Pires

Rio Grande
1,4% 0,3% 2,0% 0,4% 2,0% 0,7% 2,6% 0,8% 2,7% 1,8%
da Serra

Santo
28,2% 35,6% 27,0% 34,9% 23,0% 32,8% 22,9% 29,0% 20,8% 23,4%
André

São
Bernardo 31,0% 35,1% 30,3% 34,1% 27,8% 33,7% 31,4% 33,5% 29,3% 29,4%
do Campo

São
Caetano do 3,5% 13,5% 4,3% 13,2% 2,7% 10,4% 2,2% 8,0% 2,1% 4,5%
Sul

ABC 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Notas: ¹Negros; ²Não negros.

Com relação à distribuição ocupacional em relação aos ocupados a história é outra.


Mesmo considerando maior proximidade entre os grupos raciais em 2010 comparando com o
ano de 2000, ainda há uma considerável distância entre os grupos raciais, em especial nos
municípios com melhores indicadores sociais. Em São Caetano os percentuais da “elite”
ocupacional sobem com os não negros e das ocupações elementares caem, com os negros
ocorre o inverso em valores consideráveis, ainda assim o percentual de negros da “elite”
ocupacional em São Caetano é similar aos não negros de Diadema e Mauá, e os negros nas
ocupações elementares aparecem com menor ocorrência comparativamente às outras cidades.
117

Ou seja, o negro em São Caetano, apesar da robusta desigualdade, encontra-se, neste quesito,
em patamares superiores aos outros municípios do ponto de vista ocupacional, especialmente
porque são maioria relativa (em relação aos outros municípios) entre os profissionais das
ciências e intelectuais. Ao que parece a melhor qualidade de vida faz com que o precário seja
pouco menos precário, mas não necessariamente menos desigual. Em São Bernardo,
município com maior número absoluto de negros, também apresenta desigualdades
significativas. Porém, é em Rio Grande da Serra que estão os maiores percentuais de
trabalhadores na categoria de “ocupações elementares” nos dois grupos raciais.
Provavelmente um menor dinamismo econômico e a maior distância da capital impactem
nestes percentuais.

Quadro 34 - Distribuição no ABC de cada grupo racial das categorias ocupacionais


selecionadas em relação aos ocupados de cada município (2000-2010)

Membros sup.
Profissionais Trabalhadores Trabalhadores
poder público, Técnicos de
das ciências e de serviços de reparação e
dirigentes e nível médio
2000 gerentes
das artes administrativos manutenção

N NN N NN N NN N NN N NN

Diadema 1,5% 3,6% 2,0% 4,6% 6,2% 8,8% 9,5% 13,6% 3,2% 3,7%

Mauá 1,0% 3,2% 2,5% 5,3% 5,7% 8,8% 6,6% 11,3% 7,6% 1,8%
Ribeirão
1,4% 6,1% 2,2% 8,7% 6,4% 9,6% 6,6% 10,3% 3,6% 3,6%
Pires
Rio Grande
5,3% 4,6% 0,4% 4,7% 3,4% 6,3% 5,3% 7,8% 4,2% 4,5%
da Serra
Santo
2,6% 7,5% 3,1% 10,6% 7,4% 13,1% 9,2% 14,1% 4,4% 4,0%
André
São
Bernardo 2,0% 8,6% 2,9% 11,3% 7,0% 13,2% 8,5% 13,6% 3,6% 3,2%
do Campo
São
Caetano do 5,0% 13,3% 6,4% 16,9% 10,0% 14,0% 12,5% 15,0% 1,9% 3,0%
Sul
ABC 2,0% 7,2% 2,7% 9,8% 6,7% 12,0% 8,5% 13,4% 4,3% 3,3%

Profissionais Técnicos e Trabalhadores


Diretores e Ocupações
das ciências e profissionais de de apoio
gerentes elementares
2010 intelectuais nível médio administrativo

N NN N NN N NN N NN N NN

Diadema 1,5% 3,1% 4,6% 8,9% 5,7% 6,9% 9,1% 12,2% 22,4% 15,7%

Mauá 1,8% 3,2% 5,2% 9,5% 5,8% 7,8% 7,9% 10,2% 22,5% 14,9%
118

Ribeirão
1,6% 3,8% 6,8% 14,0% 7,2% 8,2% 6,4% 9,9% 20,8% 11,8%
Pires
Rio Grande
1,1% 1,8% 4,9% 6,8% 4,8% 5,9% 9,6% 7,9% 23,3% 18,2%
da Serra
Santo
2,6% 7,1% 7,8% 19,0% 6,3% 10,4% 9,7% 10,6% 21,2% 8,1%
André
São
Bernardo 2,1% 6,8% 6,4% 17,9% 5,6% 10,3% 9,7% 11,8% 21,8% 9,8%
do Campo
São
Caetano do 2,9% 9,7% 11,1% 25,6% 6,7% 11,8% 8,5% 10,4% 19,3% 5,5%
Sul
ABC 2,0% 6,1% 6,2% 16,5% 5,9% 9,6% 9,1% 11,0% 21,9% 10,4%
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Notas: ¹Negros; ²Não negros

No que diz respeito ao acesso aos postos de trabalho de “... maior prestígio social, onde
se encontram pessoas de mais alto nível de escolaridade e os detentores da propriedade e do
poder sobre o gerenciamento dos meios de produção” (CASTILHO, 2011, p.39), que além
disso, também possibilitam maior remuneração e abrange, no Censo do IBGE, as categorias
de “Diretores e gerentes” e “Profissionais das ciências e intelectuais”, Tanto uma quanto outra
categoria possuía maioria não negra em seu contingente no anos de 2000 e 2010. O percentual
de diretores e gerentes pouco se alterou, exceto para não negros em 2010 quando o percentual
cai e, consequentemente reduz a assimetria. Já na categoria de profissionais das ciências e
intelectuais a mudança foi substancial, em especial para os não negros com um incremento de
6,1 pontos percentuais. A diferença entre os grupos raciais cresce de 7,1 para 9,7 pontos
percentuais no período. Na somatória das categorias a diferença sobe de 12,4 para 13,5 pontos
percentuais, portanto, no topo da pirâmide ocupacional as assimetrias aumentaram, mas, como
em outros aspectos, num outro patamar qualitativo.

Como já dito, como se tratam de posições de comando mais próximas do controle dos
meios de produção, havia em 2000 uma considerável parcela de pessoas destas categorias, em
especial diretores e gerentes, que não apenas exercem uma posição de comando, mas também
são empregadores. Em 2000, o percentual de empregadores que exercia uma posição de
comando ou uma função entre cientistas e intelectuais era de 41,3 %, a grande maioria
diretores e gerentes não negros. Negros, por serem sub-representados na posição de
empregadores aparecem com percentuais bastante baixos e, em 2010, há uma queda geral nos
percentuais de empregadores. Uma hipótese era que a maioria dos empregadores do ABC
residia fora da região, e de fato, pelo Censo de 2010 verifica-se que apenas 15 % dos
empregadores do ABC residiam na região, infelizmente no Censo de 2000 a variável que
119

permite verificar o local de trabalho está agregada ao estudo, prejudicando assim a


comparação.

Quadro 35 - Categorias de ocupação “Diretores e gerentes” e “Profissionais das ciências


e intelectuais” por grupos raciais no ABC (2000-2010)
2000 2010
Categoria de ocupação Não Não
Negros Negros
Negros negros
Diretores e gerentes 1,9 % 7,2 % 2,0 % 5,8 %
Profissionais das ciências e
2,7 % 9,8 % 6,2 % 15,9 %
intelectuais
Total 4,6 % 17,0 % 8,2 % 21,7 %
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

Também se verifica que a diminuição no percentual de empregadores não acarretou no


aumento dos cargos de comando, isso porque desde os anos 1990 com a reestruturação
produtiva, uma das estratégias para a redução de custos foi justamente reduzir os cargos de
intermediários de nível hierárquico e, consequentemente, com rebatimento em cargos de
comando (downsizing).

Quadro 36 - Empregadores nas categorias de ocupação “Diretores e gerentes” e


“Profissionais das ciências e intelectuais” por grupos raciais no ABC (2000-2010)
2000 2010
Categoria de ocupação Não Não
Negros Negros
Negros negros
Diretores e gerentes 2,8% 33,7% 1,6% 14,9%
Profissionais das ciências e
0,2% 4,6% 0,3% 2,6%
intelectuais
Total 3,0% 38,3% 1,9% 17,5%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

De todo modo a desigualdade é verificável por todos os indicadores e corroborada pela


renda. Entre a renda familiar per capita das pessoas destas categorias ocupacionais há uma
enorme diferença por grupos raciais nos dois anos censitários verificados, praticamente
mantendo inalteradas as desigualdades.
120

Quadro 37 - Rendimento familiar per capita em reais (R$) de 2010 dos trabalhadores
das categorias de ocupação “Diretores e gerentes” e “Profissionais das ciências e
intelectuais” por grupos raciais no ABC (2000-2010)
2000 2010
Categoria de ocupação Não Não
Negros Negros
Negros negros
Diretores e gerentes 1.713,22 3.087,09 1.766,90 3.291,69
Profissionais das ciências e
1.460,89 2.693,98 1.676,81 2.574,19
intelectuais
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: valores corrigidos pelo IPCA (IBGE).

Chadarevian (2011) elaborou um indicador de simples manuseio com o intento de medir


o “... grau de hierarquização racial da força de trabalho” (CHADAREVIAN, 2011, p. 292) por
meio de sua estrutura ocupacional. A elite ocupacional são cargos de direção e controle já
descritos acima e outros similares, encontrados também em outros países. A fórmula do
Índice de Hierarquização Racial (IHR) é assim descrita:

IHR= 100 – ((Pb – Pn) / Pb) x 100

Onde Pb é a população branca e Pn a população não branca. 100 é a situação ideal de


igualdade e 0 de desigualdade na elite ocupacional. Como o objetivo é a comparação entre
países diferentes, o indicador cumpre bem a função, entretanto, se aplicarmos em contextos
em que o peso demográfico da população negra é maior sobre a população ocupada, teríamos
uma hierarquização reversa, como é o caso da região Norte do Brasil. Neste caso específico, o
indicador ultrapassaria o 100, já que a quantidade de negros na elite ocupacional é maior que
a dos não negros. Ocorre que a quantidade de ocupados negros é maior e, numa comparação
com ocupados brancos, a proporção de negros na elite ocupacional é menor. Como o
indicador é basicamente a proporção dos ocupados negros em cada categoria em relação aos
não negros, no caso do ABC se torna interessante aplicá-lo também aos ocupados em cada
grupo racial, assim temos a proporção de negros em relação aos não negros na elite
ocupacional e nos ocupados. O quadro 38 nos mostra que a proporção de negros na elite
ocupacional cresceu significativamente, mas também cresceu a proporção de negros em
relação aos ocupados da região. Em 2000 o IHR era 10 e passou para 20 em 2010.
Comparando, segundo dados do Censo do IBGE, com o resultado para o Brasil (44) em 2010,
o ABC é bem mais hierarquizado, já comparado com o resultado para o Estado de São Paulo
(19) e Região Metropolitana (22) está na média.
121

Quadro 38 – Índice de Hierarquização Racial no ABC (2000-2010)


“IHR ocupados” ou
proporção (%) de
IHR
ocupados negros em
relação aos não negros
2000 2010 2000 2010

Diadema 31 53 74 104

Mauá 21 41 52 76

Ribeirão Pires 10 27 41 58

Rio Grande da Serra 54 90 88 129

Santo André 8 15 26 39

São Bernardo do Campo 9 18 37 51

São Caetano do Sul 5 6 14 15

ABC 10 20 38 55
Fonte: Dados calculados a partir dos Censos demográficos do IBGE de 2000 e 2010.

Desagregado pelos municípios do ABC, o IHR varia consideravelmente. Assim como


mostrado no quadro 19, na página 93 deste trabalho, há uma lógica entre os indicadores
sociais em relação ao percentual de negros em cada município. Naquele quadro era possível
relacionar os maiores percentuais de negros em cada município com piores indicadores de
renda e o IDHM mais baixo. Na mesma sequência poderíamos adicionar a coluna do IHR, só
que neste caso quanto maior o percentual de negros, menor o grau de hierarquização racial
ocupacional. Rio Grande da Serra era o município com maior equidade neste quesito, seguido
por Diadema e Mauá. São Caetano era o mais desigual com alto grau de hierarquização racial
ocupacional, seguindo os cálculos de Chadarevian (2011, p. 294), pouco menos que no
período de escravidão tanto em 2000 quanto em 2010.

No ano de 2010 em Rio Grande da Serra a situação chega próxima a igualdade e em


Diadema e Mauá também há um grande avanço. Como os avanços em Santo André e São
Bernardo foram menos significativos em termos relativos, os percentuais do ABC não
avançaram como nos primeiros municípios, mas ainda assim dobraram em 10 anos. É preciso
também considerar o IHR ou a proporção dos ocupados negros em relação aos ocupados não
negros. No ano de 2010 em Rio Grande da Serra e Diadema a proporção de negros ocupados
ultrapassou a dos não negros, e em todos os municípios o crescimento na proporção de
122

ocupados foi maior que a proporção da elite ocupacional. Este aumento se deve em grande
medida pelo incremento demográfico dos negros observado na década.

Já dentre as principais (cinco) atividades exercidas por trabalhadores negros e não negros,
o caráter industrial da região vem à tona. Mesmo com a crise e redução dos postos de trabalho
na indústria, assunto que trataremos mais a frente, quase um terço da população estava
empregada na indústria de transformação em 2000 e um quinto em 2010. Redução
significativa que vem acompanhada de outra circunstância, o fato de que em 2010 outros
ramos de atividade absorveram este contingente da indústria, dado que o percentual das outras
categorias aumentou para além das cinco principais que praticamente se repetiram nos dois
anos censitários, significando desconcentração (ou fragmentação) maior dos ramos de
atividades.

Duas são as principais diferenças verificadas entre os grupos raciais nos cinco mais
frequentes ramos de atividade: i) construção civil e serviços domésticos aparecem nos dois
anos censitários para os negros e em nenhum dos dois para os não negros; e ii) inversamente,
setores como educação, saúde e transporte e armazenagem aparecem para não negros e não
para os negros dentre os cinco mais frequentes ramos de atividades nos dois anos censitários.
Construção e serviços domésticos são setores de atividades que têm um rendimento médio
bem abaixo daqueles que aparecem entre não negros, excetuando indústria de transformação,
comércio e atividades imobiliárias/aluguéis/prestação de serviços, comum aos dois grupos
raciais.

Quadro 39 - Percentual dos trabalhadores por grupos raciais dos cinco ramos de
atividade mais frequentes em que estavam ocupados no ABC (2000)
Não Negros Negros
Indústria de
28% Indústria de transformação 30%
transformação
Comércio (inclusive Comércio (inclusive oficina de
19,8% 16,4%
oficina de autos) autos)
Atividades imobiliárias/
Aluguéis/ Prestação de 9% Construção 10,3%
serviços
Transporte e
6,5% Serviços domésticos 10%
armazenagem
Atividades imobiliárias, aluguéis,
Educação 6,4% 6,7%
serviços prestados
Outras 30,3% Outras 26,6%
Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2000 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
123

Quadro 40 - Percentual dos trabalhadores por grupos raciais dos cinco ramos de
atividade mais frequentes em que estavam ocupados no ABC (2010)
Não Negros Negros
Indústria de transformação 20,5% Indústria de transformação 22,5%
Comércio (inclusive oficina de Comércio (inclusive oficina de
17,2% 15,5%
autos) autos)
Educação 6,0% Construção 8,4%
Saúde humana e serviços sociais 5% Serviços domésticos 8%
Atividades administrativas e
Transporte e armazenagem 4,7% 5,4%
serviços complementares
Outras 49,6% Outras 40,2%
Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

Ao que parece, do ponto de vista da distribuição ocupacional a assimetria é bastante


intensa no ABC, mesmo com os avanços na última década. A assimetria diz respeito a uma
maior proporção de negros em ocupações braçais e com menor remuneração, e a de não
negros em ocupações de comando e intelectuais, mantendo assim monopólio dos meios de
produção e maiores rendimentos. Além disso, há coincidência entre o percentual de negros
nos municípios e a posição do município em relação aos indicadores de renda, hierarquia e
qualidade de vida, ou seja, há uma coincidência entre a variável territorial e a variável racial.
O início do século, de recuperação econômica, apontou positivamente em alguns aspectos
como uma maior inclusão de negros na categoria ocupacional de profissionais das ciências e
intelectuais ou um leve incremento no rendimento nestas categorias. Mas, de modo geral, não
foi suficiente para reduzir as desigualdades já que negros quando alcançam as posições de
maior prestigio ocupacional o fazem por uma via desvantajosa no que diz respeito aos
rendimentos, ao nível de comando e propriedade dos meios de produção, como observou
Castilho (2011, p.99). No próximo capítulo investigaremos questões relativas às
desigualdades raciais no mercado de trabalho referentes a década de 1990 no ABC, período de
reestruturação produtiva (econômica) e avanço do ideário neoliberal.
124

6. ANOS 1990: CRISE E REESTRUTURAÇÃO

6.1.Crise do Fordismo e reestruturação

Para analisar a relação entre mercado de trabalho e desigualdades raciais, entendemos ser
necessário olhar para as transformações que ocorreram nas últimas décadas no mercado de
trabalho, e especificamente no caso desta pesquisa, no mercado de trabalho da região do
ABC. Com a crise no capitalismo mundial nos anos 70, as mudanças no mundo produtivo
impactaram de forma diferente, tanto localidades diferentes, quanto parcelas diferentes da
população, seja por características socioeconômicas (classes), seja por características
socioculturais (raça ou cor, gênero). As inovações que condicionam, motivam e decorrem da
reestruturação produtiva, interiores e exteriores ao capitalismo, são, ao mesmo tempo,
tecnológicas e sociometabólicas (ALVES, 2007, p.156), isto é, as relações sociais
transformam e são transformadas pela técnica e inovações tecnológicas num processo difícil
de apontar o que vem primeiro. O fato é que deste processo decorrem novas relações sociais e
de trabalho/produção.

Num ambiente de produção fluída – adoção de dispositivos organizacionais como o Just-


in-time ou Kanban – produção flexível – em especial no tocante as relações de trabalho – e
produção difusa – ampliação da terceirização e de redes de subcontratação (ALVES, 2007,
pp.158-159) – complexificar-se-á o espaço sobre o qual se assenta esta produção,
necessitando, portanto, de um regramento para a apropriação do território que vai de encontro
com os pressupostos do livre mercado. Isso porque no processo de reestruturação há uma
maior organização no interior das fábricas, mas não no mercado que, sem regras, vilipendia
ainda mais à parcela da população já degradada do ponto de vista do mercado de trabalho,
como à maioria da população negra.

Reestruturação, como observa Gomes (2011, p.53), não é ruptura plena com o momento
anterior em que uma estrutura se sobrepõe à outra. É, essencialmente, processo; um devir
conflitivo que combina continuidade e mudança; avanço e retrocesso. Expressa, segundo a
autora, um processo dialético e não circular, e é principalmente socioespacial na medida em
que implica em mudanças na organização social e do espaço. Dado que o consenso (a síntese)
é apenas um momento breve na lógica capitalista contemporânea em que o tempo de
realização da mais-valia é acelerado, a reestruturação, com todos os interesses em jogo, se
torna conflito constante; um jogo de forças em que continuidades e descontinuidades se
amalgamam, assim como o velho e o novo, neste caso, produção fordista e produção flexível.
125

Benko (2002, p.20) argumenta que a crise do Fordismo – sistema de acumulação que
vigorou com sucesso durante trinta anos, no pós-guerra – é uma modalidade de
aprofundamento das relações capitalistas em que ocorre a inserção de novas estratégias
focadas no reexame da relação salarial fordista e na busca por novas fontes de produtividade,
isto significa um reexame da rigidez das “regras” trabalhistas, flexibilizando-as. A ordem
instalada seria mais um “neofordismo”, ou seja, uma nova modalidade nos modelos de
acumulação com traços da anterior que um “pós-fordismo”, isto é, uma ruptura com o modelo
anterior. Portanto, se a ruptura existe, reside em: “... estratégias capitalistas de
racionalização/flexibilização – comparada a uma revanche de classe de alcance histórico –
remodelavam a totalidade das práticas de socialização fordista”. (BENKO, 2002, p.20).

Assim como o Fordismo central se difunde pelo mundo, modulando e sendo modulado
pelas características locais, o mesmo ocorre com a ordem surgida de sua crise. Neste sentido,
sendo o Fordismo no Brasil, segundo Lipietz (1988, p.127), tardio e periférico, sua
reestruturação ocorrerá também de forma tardia (final dos anos 80 e anos 90) se subordinando
às exigências do capital internacional como forma de inserção no jogo da globalização, isto é,
também periférico.

O esforço mais concentrado na efetivação de novas práticas organizacionais no Brasil


ocorre nos anos 1990 quando começa a conformar a base microeletrônica que vinha sendo
implementada desde os anos 1980 às mudanças de gestão na busca de mais qualidade e
produtividade com menor custo. Estas mudanças (normatização de processos; subcontratação;
redução no tamanho da planta e etc.), buscavam atender as exigências de competitividade em
um mundo que se configurava como globalizado (GOMES, 2011, p.60).

A combinação da escala global de circulação de capital com a escala local de relações de


produção fez com que várias localidades se corporificassem como lugares da vida econômica
e social através da prática (e não práxis) da política de ação local, nem sempre com as
necessárias mediações com a realidade nacional ou mesmo local. Segundo Oliveira (2006,
p.33) os anos 80, período do início da reestruturação produtiva, marcam também o início do
processo de financeirização da economia brasileira devido à súbita elevação da taxa de juros
na economia dos EUA e seu impacto nos países periféricos como o Brasil:

As dificuldades impostas à manutenção dos programas governamentais de


substituição de importações, o direcionamento do crédito aos setores
exportadores e a queda da renda derivada da redução da atividade econômica
e do arrocho salarial comprometeram os investimentos (públicos e privados).
Diante do clima de instabilidade da economia e do descontrole dos preços, as
126

empresas redirecionaram para o setor financeiro recursos que poderiam ser


investidos no aumento da capacidade produtiva. (OLIVEIRA, 2006, p.34).

O esforço e o direcionamento dos investimentos poupadores de mão-de-obra, e mesmo


para o mercado especulativo, afetaram sobremaneira o mercado de trabalho, já que a
tendência do setor produtivo foi cada vez mais perder dinamismo. A estabilização que veio a
seguir, ou as medidas tomadas para mesma, num ambiente de desregulamentação e
flexibilização das relações de produção, contribuiu para que o mercado de trabalho se tornasse
não só heterogêneo, do ponto de vista ocupacional, mas também para o aumento do
desemprego, expansão da informalidade e precarização do trabalho. (OLIVEIRA, 2006, p.35).
Oliveira também aponta que alguns setores industriais importantes na intensividade de
trabalho foram duramente atingidos. Algumas regiões sofreram mais do que outras,
principalmente as especializadas em determinado setor em crise. No caso da Região do ABC,
notadamente caracterizada pela alta concentração da indústria de autopeças e química, o autor
observa que:

...a vinda dos grandes fornecedores internacionais para abastecer as


montadoras liquidou inúmeras indústrias que integravam a cadeia de
autopeças, seja pelo fechamento, seja por venda ou fusão. Novamente, o
resultado foi o declínio acentuado dos empregos e da renda do trabalho.
(OLIVEIRA, 2006, p.35).

Conceição (2008) argumenta que as transformações na indústria do ABC nos anos 90


foram fundamentalmente de caráter desindustrializador. As transformações na indústria e no
trabalho produziram alteração no papel dos atores sociais, com novos rearranjos para
enfrentar a crise da reestruturação:

A lógica da valorização passou a ter como foco não apenas a empresa, mas a
“cadeia de valor” ou a “cadeia produtiva”. As redes, fusões e alianças
diversas interfirmas intensificaram a concentração de capital, com a
construção de novas estratégias competitivas por parte das empresas. Os
novos padrões de relações entre empresas tiveram consequências sobre a
negociação coletiva (...). A reconfiguração de cadeias produtivas tornou a
terceirização um elemento-chave na reestruturação industrial, com efeitos
diretos na precarização do trabalho e no enfraquecimento sindical...
(CONÇEIÇÃO, 2008, p. 49).

Estes rearranjos configuram, em si, mudanças importantes e, segundo o autor e outros53,


também positivas em decorrência da reestruturação industrial. Dos setores industriais

53
Bresciani, L. P.; Oda, N. T. Reestruturação produtiva e negociações coletivas no setor automobilístico no
ABC. Cadernos de pesquisa CEBRAP, São Paulo, nº 8, março de 2003, pp. 55-66.
127

importantes na região, o setor automobilístico era o carro-chefe e foi justamente o que mais
sofreu alterações e intervenções importantes na década de 1990. Conceição (2008, p.111)
aponta que com o fechamento da fábrica da Ford tratores no início da década, estabeleceu-se
um diálogo, encabeçado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e
Diadema, no sentido de reverter a decisão. Sem êxito na empreitada, o diálogo continuou em
torno da situação da crise no setor. A partir disto foi criada a Câmara Setorial com vias a
estabelecer negociações entre os atores participantes e interessados diretamente no processo,
já que indiretamente parte importante da cadeia produtiva nacional estava em jogo. A câmara
era a tentativa de regulação do mercado pela sociedade que, devido à prevalência da lógica
neoliberal, foi desativada pelo governo Fernando Henrique Cardoso.

Além da desativação da câmara setorial, outras medidas e acontecimentos foram


importantes para a crise no setor na região nos anos 90, ainda que não partissem dos governos
locais, até porque não havia poder político-administrativo com tal força: i) o regime
automotivo, política aplicada pelo governo Fernando Henrique Cardoso em meados da década
de 90, que abriu o mercado para produtos importados sem um planejamento que
minimamente protegesse a indústria nacional de autopeças e ii) a guerra fiscal em que
incentivos tributários e creditícios por parte de outros estados e municípios, na medida em que
não eram exigidas contrapartidas sociais e eliminadas as possibilidades de regulação.

O impacto destas ações foi profundo no nível do emprego e salarial dos trabalhadores
do setor, aumentando a terceirização e fragmentação do trabalho. Apesar de ter expandido o
número de estabelecimentos no período, o volume de empregos diminuiu. Isto porque o porte
dos estabelecimentos diminuiu e a capacidade tecnológica aumentou. Estes estabelecimentos
menores assumiram a parte terceirizada das grandes empresas, neste sentido o aumento na
quantidade de estabelecimentos não significa dinamismo da indústria:

A expansão do total de estabelecimentos industriais na região, ao mesmo


tempo em que se verifica a redução do número de estabelecimentos de maior
porte, guarda forte relação no período com o processo de “desverticalização”
da grande e média empresa. Em outras palavras, o aumento do número de
estabelecimentos de menor porte reflete também a fragmentação da grande
empresa e a transferência de etapas de seu processo produtivo e de serviços
para empresas terceiras. (CONCEIÇÃO, 2008, p. 128).
Do ponto de vista do nível do emprego, Conceição (2008, p.129) afirma que a
convergência das políticas governamentais com o novo modelo de produção com novos
métodos de organização baseados na diminuição de mão-de-obra, vai contribuir para que o
128

nível de emprego industrial em todos os setores (em especial no setor automobilístico)


reduzisse pela metade entre 1989 e 1999. Contudo, não ocorreu necessariamente queda de
produtividade, já que houve inserção de tecnologia no processo, ou seja, produziu-se mais
com menos trabalhadores, o que vale dizer que do ponto de vista não mais setorial, mas
global, aumentou a exploração da força de trabalho.

Também Matteo e Tapia (2003) vão afirmar que mesmo com a crise a atividade produtiva
no ABC não cai, pelo contrário, a indústria continua bastante dinâmica. O que ocorre é que as
tecnologias permitem poupar mão-de-obra e consequentemente afeta o emprego, seja
rebaixando salários, seja tornando mais seletivo o emprego. Estratégias como a terceirização
ajudam a rebaixar os salários sem perder o essencial da produtividade.

...a questão central da indústria do ABC não está centrada na ausência de


ganhos de competitividade e, consequentemente, de crescimento econômico,
mas na incapacidade da atividade industrial de gerar empregos, sobretudo os
de qualidade. (MATTEO e TAPIA, 2003, P.19).

Neste sentido, o setor de serviços, com menor remuneração e com condições de trabalho
também mais precárias, cresce no nível de empregos em detrimento da indústria. A questão
para os autores é que a indústria no ABC apresenta a mesma participação na indústria paulista
que em outros tempos, porém o desemprego industrial cresce, levando a concluir que o
desenvolvimento econômico das empresas não rebateu nos empregos e este seria o grande
desafio (MATTEO e TAPIA, 2003, p.19) para a reengenharia institucional que estava sendo
administrada na região.

Ainda que os problemas fossem vinculados a fatores macroestruturais, Conceição (2008)


salienta que a percepção por parte de alguns atores sociais era de que a agressividade sindical
regional e o “custo ABC” – conjunto de desvantagens da produção e do investimento na
região – foram os responsáveis pela crise nos anos 90 (fechamento de empresas e redução no
nível de empregos industriais). Para o autor estas razões não se sustentam na medida em que o
sindicato trabalhou para mitigar os efeitos da reestruturação e a região do ABC não era mais
“custosa” que outras:

É a combinação entre fatores micro e macroeconômicos – e não análises


como “custo ABC” ou “evasão industrial” – que explica melhor o que
aconteceu com a cadeia de produção automotiva na região do ABC. As
tradicionais fábricas da região encontraram-se, pois, no “olho do furacão”
dessas mudanças. (CONCEIÇÃO, 2008, p. 38).
129

Klink (2001, p.170) quando analisa o processo de reestruturação produtiva no ABC,


argumenta que ocorreram quedas acentuadas no emprego formal, em especial em setores-
chave da economia regional como o metalúrgico, o químico, o metal-mecânico e o
automobilístico. Em contrapartida, o setor terciário que funcionaria como “amortecedor” da
tendência de redução de empregos industriais, cresceu, porém de forma tardia (e comparação
com o padrão da região metropolitana) e com empregos de qualidade (no tocante a
rendimento, inovação e aprendizagem) inferior aos da indústria, já que como afirma o autor:

O motivo de o mercado de trabalho brasileiro não seguir estes padrões dos


países industrializados rumo à maior participação das ocupações qualificadas
no setor terciário é que, no caso brasileiro, os setores que deveriam ser o
carro-chefe de toda essa transição, isto é, a indústria de transformação e os
serviços de produção, foram gravemente afetados pela maneira de conduzir a
reconversão econômica brasileira a partir de meados da década de 1980
(KLINK, 2001, p. 171).

Parte dos motivos da queda nos postos de trabalho, principalmente nas empresas-polo-de-
inovação – possuidoras de empregos mais qualificados – é que a instabilidade e ajustes
macroeconômicos fizeram com que as empresas adotassem uma postura defensiva,
desativando linhas de produção e reduzindo o número de produtos, além da busca de
estratégias para a “qualidade total”. É certo que as mudanças refletiram o fortalecimento do
pensamento liberal nos países centrais que visava tornar homogêneo um novo modelo de
acumulação viabilizando o resgate das taxas de lucro em detrimento do trabalho, portanto
cada região deveria fornecer um suporte territorializado – no sentido de um ambiente
favorável – com vantagens fiscais, desregulamentação do trabalho, apoio logístico do estado e
etc.

A crise dos anos 1980 fez emergir um posicionamento regional de como seria o seu
enfrentamento. Para Ramalho e Rodrigues (2013) as propostas de desenvolvimento regional
tornam-se o mote de enfrentamento coletivo da crise e dos processos de reestruturação em que
firmas e empregos migravam ou simplesmente se esvaiam da região. Neste momento a região,
como sujeito coletivo, torna-se importante para fortalecer o enfrentamento de processos
supralocais. É neste contexto que surge instâncias institucionais supramunicipais como a
Câmara Setorial; Câmara Regional do Grande ABC; o Fórum da Cidadania do Grande ABC;
o Consórcio Intermunicipal do ABC; a Agência de Desenvolvimento Econômico e etc.
(RAMALHO e RODRIGUES, 2013, pp.220-221).
130

Klink (2001) vê este fenômeno como o surgimento de um novo regionalismo em que as


cidades-regiões – áreas definidas na conferência mundial “Global City Regions” como
aquelas com mais de um milhão de habitantes que se relacionam com os processos globais de
transformação econômica e social (KLINK, 2001, p.13) – despontam. Com o
enfraquecimento do estado-nação, a cidade-região ganharia um papel ativo na configuração
mundial quando, ao valer-se de economias de aglomeração, territorializam o capital
corporificando-o em infraestruturas relativamente fixas e imóveis. A cidade-região, assim,
torna-se um ponto importante para a realização do ciclo do capital, mesmo que a
espacialidade deste ciclo tenha se ampliado globalmente. A complexidade desta premissa está
na direção que o desenvolvimento econômico pode tomar a partir de percepções teóricas
conflitantes: os globalistas pensam políticas públicas como instrumentos para inserção global,
fora do território e os regionalistas vêm o território como elemento fundamental para que a
partir das especificidades regionais seja criada uma economia competitiva regionalmente
(KLINK, 2001, pp.44-45), a primeira, portanto, utilizando conceitos mais abstratos típicos de
uma vertente neoliberal.

De todo modo, se o rearranjo institucional e as instâncias de negociação coletivas


contribuíram para que o estrago não fosse maior ou mesmo se estavam cumprindo uma
demanda do capital local dada a importância da região no cenário nacional com mais
vantagens para as empresas que para os trabalhadores é um debate importante que não iremos
– e nem temos condições para tanto – realizar aqui; o fato é que todo este processo levou as
instâncias subnacionais a aprofundarem a competição, e consequentemente ocorreu uma
realocação das plantas produtivas, alterando, inclusive, a percepção de centralidade de uma
das regiões centrais economia brasileira como o ABC. Tais mudanças afetam diretamente o
mercado de trabalho com caráter fortemente seletivo. Esta seletividade, no que diz respeito
aos trabalhadores, compreende menos questões “meritocráticas” como escolaridade,
qualificação ou experiência (tempo de emprego), do que condições relativas à raça e gênero.
Guimarães (2004) argumenta que não há que se falar em desindustrialização no ABC paulista,
mas sim reestruturação industrial, e esse é o drama, pois se de fato a reestruturação produtiva
afetou de forma intensa o emprego, reduzindo-o:

Algumas plantas industriais abandonaram a região, notadamente em direção


ao interior do Estado de São Paulo, as que ali restaram se consolidaram com
investimentos maciços; mais ainda, marcharam para aumentar o seu
conteúdo tecnológico e de conhecimento. Entretanto, esse mesmo processo,
responsável por manter o posto do ABC no quadro da economia paulista,
exacerbou a pressão no sentido do enxugamento fortemente seletivo de
131

postos de trabalho: desse modo, os trabalhadores sobreviventes eram em


número muito menor e de maior qualificação. (GUIMARÃES, 2003, p.86).

Num mercado de trabalho mais seletivo, aprofundaram-se os padrões de desigualdade por


raça e gênero, dado o alto volume de desemprego formal em boa parte ocasionado pela
reorganização dos espaços tecnológicos. O desemprego atingiria a todos, independentemente
dos atributos de raça, cor ou sexo, porém, destaca-se que o risco do desemprego afetava de
forma desigual grupos diferentes porque o acesso ao trabalho nem sempre se funda em
qualidades aquisitivas. Nesse contexto, Guimarães afirma que os setores produtivos, com
destaque para a indústria de transformação, tradicionalmente um nicho masculino, tendem a
absorver mais mulheres em seus quadros, sendo algumas mais resistentes que outras
(GUIMARÂES, 2003, p.88).

No que tange à população negra a questão é mais complexa, pois além de maior
dificuldade para conseguir empregos de melhor qualidade, quando empregada, tendia a
menores rendimentos e, neste caso, tanto a questão racial quanto a de gênero influenciava já
que homens negros recebiam salários inferiores aos dos homens brancos e das mulheres
brancas e as mulheres negras acumulavam um mix de desvantagens explicativas (raça,
gênero, escolaridade e etc.) da diferença salarial, tanto em relação aos homens brancos,
quanto aos homens negros e mulheres brancas. Para as mulheres negras não só o racismo, mas
também o sexismo é um duro fardo a ser superado.

6.2. Reestruturação produtiva e grupos raciais no ABC na década de 1990

Um importante estudo realizado no início dos anos 2000, o projeto FAPESP/CEBRAP


Gestão local, empregabilidade e eqüidade de gênero e raça: um experimento de política
pública no ABC (2003) realizou importantes reflexões sobre o mercado de trabalho do ABC,
inclusive sobre o período relativo aos anos 1990. Em alguns destes estudos, Leite (2003)
investiga a percepção dos gerentes e sindicalistas sobre a situação e as transformações
ocorridas no setor automobilístico e químico no que diz respeito às desigualdades de gênero e
a raça. No que tange às oportunidades ocupacionais (acesso ao emprego; aos postos mais
qualificados; aos postos de maior hierarquia; aos postos melhor remunerados; e acesso aos
postos de maior responsabilidade) os gerentes possuíam uma visão, de modo geral, mais
otimista que a dos sindicalistas, nos dois setores em questão, percebendo as possibilidades de
acesso dos negros às oportunidades ocupacionais como próximas ou iguais, diferentes dos
132

últimos que veem a discriminação como elemento de distinção e seletividade (LEITE, 2003,
p.115).

As barreiras principais para acesso e promoção dos negros nas empresas, tanto na
percepção dos gerentes quanto dos sindicalistas, nos setores automotivo e químico são, em
ordem de importância: i) menor escolaridade; ii) menor qualificação técnica; e iii)
trabalhadores brancos não aceitarem a autoridade dos negros. (LEITE, 2003, p.117). Nesse
caso há um misto de “meritocracia” (conceito social absolutamente estéril em uma sociedade
desigual como a brasileira) e discriminação. A mais baixa escolaridade dos negros, que já
constatamos segundo dados do IBGE, ser um fato, tem raízes históricas e uma correlação
interdependente com outras mazelas sociais. Um problema estrutural, portanto. A menor
qualificação técnica, além da questão da escolaridade, também ocorre por problemas nos
treinamentos, seja pela incompatibilidade de horários, e as mulheres sofrem mais com dupla
jornada; seja pela discriminação nos treinamentos; ou também pela inadequação dos
treinamentos em relação às necessidades da mão-de-obra. As diferenças na percepção dos
gerentes e sindicalistas dos setores automobilístico e químico existem, mas de forma sutil,
sendo maior a distinção na percepção entre categorias do que entre setores. Diferente do setor
automobilístico, a percepção dos gerentes é que há um aumento da presença de homens
negros em posições qualificadas e de algum poder como supervisores e inspetores, e de
mulheres negras em serviços de escritório. Os sindicalistas do setor químico compartilham,
em parte, a percepção dos gerentes, porém para eles o aumento da presença de homens negros
foi na gerência e das mulheres, negras e não negras foi na área de engenharia e inspeção de
qualidade (LEITE, 2003, p.223).

Os dados do IBGE referentes aos setores no período da década de 90 reforçam a


percepção geral dos sindicalistas de que a reestruturação produtiva acarretou, quando não em
um aspecto mais negativo para os negros nestes setores, ao menos na manutenção das
desigualdades. No Censo de 1991 não havia um setor específico que tratasse das montadoras,
portanto, utilizamos o setor metalúrgico e o mecânico como representativo do setor
automotivo, em 2000 este problema não ocorreu.

Em 1991 a diferença percentual na ocupação de chefe de administração era bastante


grande, com o agravante que dentre os negros, apenas os pardos eram representados, não
havendo nenhum preto neste cargo em nenhum dos municípios nos setores em questão. A
distância entre os pontos percentuais foi praticamente igual nestes setores, próximo a seis. No
ano de 2000 a representação proporcional dos dirigentes e gerentes do setor químico por
133

grupos raciais apresentava distância maior que em relação às montadoras. Em relação aos
anos de estudo o padrão de dois anos de diferença aproximada ente os grupos raciais manteve-
se, mostrando que a evolução ocorre de forma não discriminatória, positiva ou negativamente,
mas sim com um avanço bastante grande nestes setores produtivos. Mas a remuneração talvez
seja o indicador mais importante para mostrar as diferenças entre os grupos raciais nestes
setores. O ganho real para os não negros foi mais substancial que para os negros e no setor
químico houve perda real para os negros em 2000 comparado com 1991, ainda que a média de
anos de estudo tenha aumentado bastante. Em resumo, um trabalhador negro mais qualificado
e pior remunerado, em consonância com os projetos neoliberais de fazer mais com menos. O
aumento da produtividade, neste contexto, possui estreita relação com o aumento da
exploração da mão-de-obra. Os negros em 1991 recebiam em média, aproximadamente 40 %
a menos que os não negros, no setor químico a diferença era um pouco mais acentuada. No
ano de 2000 a diferença salarial entre os grupos raciais se intensificou, talvez porque a
precarização do trabalho atingiu com mais força os negros que estavam locados em ocupações
com menor remuneração.

Quadro 41 - Indicadores de trabalho e renda por grupos raciais no setor químico e


metal-mecânico no ABC (1991)
Químico Metal/Mecânico
Negros Não Negros Negros Não negros
Chefes de administração 1,9% 7,8% 0,8% 6,3%
Média de anos de estudo 5,6 8,3 5,5 7,8
Remuneração média (em
R$ 644,27 R$ 1.118,89 R$ 736,04 R$ 1.179,16
reais (R$) de 2000)
Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 1991 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Notas: Valores corrigidos pelo IPCA (IBGE); exclusive o setor Petroquímico.

Quadro 42 - Indicadores de trabalho e renda por grupos raciais no setor químico e


automotivo no ABC (2000)
Fabricantes e montadoras
Químico
de Veículos
Negros Não Negros Negros Não negros
Dirigentes e gerentes 1,2% 8,3% 1,3% 4,3%
Média de anos de estudo 7,9 10,2 8,0 10,1
Remuneração média (em
R$ 620,89 R$ 1.274,68 R$ 839,31 R$ 1.491,35
reais (R$) de 2000)
Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2000 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Notas: Valores corrigidos pelo IPCA (IBGE); exclusive o setor Petroquímico.

Mensurar os efeitos da reestruturação produtiva na população negra da região torna-se


um problema na medida em que dados do emprego formal fornecidos pelo Ministério do
134

Trabalho e Emprego por meio da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e do


Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) não possuem recorte cor ou raça
neste período54. Os dados do IBGE podem dar um indicativo das tendências por meio dos
Resultados Gerais da Amostra dos Censos Demográficos, a dificuldade neste caso é que data
de referência para determinar a população ocupada é diferente entre os Censos de 1991 e
2000. Enquanto o primeiro considera os últimos doze meses a data de referência, o segundo
considera a última semana de julho a referência, assim como o Censo de 2010, não sendo
problemática a comparação neste caso. No caso de 1991 e 2000 a comparação, em relação a
esta variável, é mais confiável quando realizada no próprio ano censitário, isto é, pode ser
investigada a distância entre os grupos raciais e comparada com o Censo posterior e daí ter
uma aproximação do ocorrido entre os Censos.

Além disso, não há estudos sobre a reestruturação produtiva no ABC que leve em conta o
recorte racial, exceto pelo já citado trabalho de Guimarães e, de forma pouco mais lateral,
outros trabalhos que faziam parte do Projeto FAPESP/CEBRAP, citado acima. Apesar disso,
talvez seja uma das únicas (senão a única) referências para a compreensão da relação entre
reestruturação produtiva e a questão racial no ABC. Aliás, Gomes (2011, pp.64-67) faz um
levantamento sobre trabalhos de diversos autores em diversas áreas sobre a temática da
reestruturação produtiva no Brasil e em nenhum deles está presente à temática racial. Talvez a
escassez dos dados disponíveis seja o principal fator explicativo. Levando isto em
consideração podemos pensar em algumas importantes considerações a partir dos escassos
dados disponíveis pelo IBGE para o tema.

A tese de alguns autores discutidos acima sobre a queda no nível de emprego formal nos
anos 90, considerando os problemas assinalados, parece se concretizar segundo os Censos do
IBGE. Conforme o quadro 43 fica bastante evidente a queda no nível de empregos formais e,
ao que tudo indica, ao menos quantitativamente, ela afetou menos os negros do que os não
negros. A queda na participação no trabalho formal na média do ABC foi de 12,6 pontos
percentuais para não negros e 6,8 pontos percentuais para negros em relação à população
empregada. Essa diferença talvez se explique pela estrutura de um emprego que não exigia
alta escolaridade no período fordista e, consequentemente, salários mais altos poderiam ser
cortados sem prejuízo da produção. O corte de custos afetava mais os trabalhadores com
maiores salários, os não negros. Aqui a racionalidade capitalista se fez valer, principalmente e

54
O Ministério do Trabalho e Emprego disponibilizou a partir do ano de 2006 os Microdados da RAIS e do
CAGED constando a variável raça. Disponível em http://portal.mte.gov.br/geral/estatisticas.htm.
135

não por acaso, porque mantinha inalterado o status atribuído aos grupos raciais. Exceto por
São Caetano do Sul em que a população negra apresentou incremento entre os trabalhadores
formais, em todos os outros municípios (inclusive São Caetano para os não negros) houve
queda no percentual de trabalhadores formais. É importante salientar que a massa de
trabalhadores negros em São Caetano é pequena, portanto, não chega a alterar o padrão de
queda geral na região.

Quadro 43 – Trabalhadores formais¹ por grupos raciais no ABC (1991 e 2000)


1991 2000
Município Não Não
Negros Negros
Negros Negros
Diadema 74,2% 73,2% 60,3% 63,1%
Mauá 74,5% 73,8% 59,8% 63,0%
Ribeirão Pires 68,9% 72,1% 56,6% 65,2%
Rio Grande da Serra 68,5% 75,0% 58,2% 58,1%
Santo André 68,5% 70,4% 57,4% 68,4%
São Bernardo do Campo 70,3% 72,3% 57,2% 65,8%
São Caetano do Sul 68,7% 72,1% 55,5% 81,4%
ABC 70,4% 72,3% 57,8% 65,5%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: ¹ Engloba os trabalhadores estatutários da administração pública e membros das forças armadas e forças de segurança.

Quando comparamos a população ocupada em relação à População em Idade Ativa


(PIA), isto é, os que estavam empregados na data de referência em relação à população com
idade para trabalhar55, os resultados são mais desfavoráveis aos negros. Isso porque enquanto
em 1991 o percentual de ocupados em relação a PIA era 39,3 % para não negros e 42,8 %
para negros, em 2000 os não negros passam para 47,5 % e os negros para 46,9 %. Ou seja, do
ponto de vista demográfico a razão de dependência é menor em 2000, a questão seria
comparar o percentual de ocupados em relação à PEA. Infelizmente a data de referência do

55
A PIA, segundo o IBGE, corresponde à população com 10 anos ou mais e compreende a população
economicamente ativa e a população não economicamente ativa. A população economicamente ativa (PEA)
compreende, segundo o IBGE, “... o potencial de mão-de-obra com que pode contar o setor produtivo, isto é, a
população ocupada e a população desocupada, assim definidas: população ocupada - aquelas pessoas que,
num determinado período de referência, trabalharam ou tinham trabalho mas não trabalharam (por exemplo,
pessoas em férias); e População Desocupada - aquelas pessoas que não tinham trabalho, num determinado
período de referência, mas estavam dispostas a trabalhar, e que, para isso, tomaram alguma providência efetiva
(consultando pessoas, jornais, etc.)”. Há controvérsias no que diz respeito a considerar ou não jovens de 10 a 14
anos como possuindo “idade ativa”, já que por critérios legais estariam impedidos de exercer qualquer atividade
laboral. Por outro lado, investigar a ocorrência ou não do trabalho nesta idade permite a caracterização do
trabalho infantil. A partir da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD) 2011 realizada pelo IBGE,
a PIA passou a se referenciar pela idade de 15 anos ou mais
136

Censo de 1991, por abranger os últimos doze meses, fez com que o número de ocupados em
relação à PEA inflasse, mais de 90 %, bastante diferente do ano 2000, portanto, neste aspecto,
a comparação entre os censos fica um tanto precarizada. Outro aspecto importante é que ao
incluir ocupados e desocupados, a PEA explicita também aqueles que estavam
desempregados e procurando trabalho, e exclui, por exemplo, estudantes.

Assim, é possível que jovens ao invés de se ocuparem imediatamente com o emprego,


ocupam-se com estudos que trarão benefícios futuros, mas isto demanda condições materiais
para tanto, aqueles que não a possuem irremediavelmente se dedicarão ao trabalho para
ajudarem as famílias e não terão uma formação adequada que possibilite mobilidade social. E
de fato o percentual de jovens negros ocupados em relação à PEA é menor em 2000, ou seja,
havia um maior percentual de jovens negros desempregados que procuravam trabalho e,
partindo de um ponto muito similar em 1991, supõe-se que o desemprego (geral e não apenas
formal) afetou mais negros do que os não negros.

Gráfico 13 - Ocupados em relação à PEA (%) por grupos raciais no ABC (1991-2000)

1991 2000
Negros 90,5 74,9
Não Negros 92,5 81,1
Negros 15-29 anos 83,7 67,3
Não Negros 15-29 anos 84 74

Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

Quadro 44 – PEA em relação a PIA por grupos raciais no ABC (1991 e 2000)
Município 1991 2000
137

Não Não
Negros Negros
Negros Negros
Diadema 38,6% 43,8% 48,0% 48,5%
Mauá 36,5% 37,8% 43,9% 43,6%
Ribeirão Pires 35,1% 40,6% 44,9% 45,0%
Rio Grande da Serra 34,4% 39,7% 39,3% 43,5%
Santo André 39,7% 44,9% 46,8% 46,8%
São Bernardo do Campo 40,1% 43,4% 49,6% 47,4%
São Caetano do Sul 42,8% 50,9% 50,2% 56,7%
ABC 39,3% 42,8% 47,5% 46,9%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991e 2000 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

No que diz respeito à posição na ocupação, existe pouca diferença entre um Censo e
outro, já que a distância entre negros e não negros, ou seja, a desigualdade entre os grupos
raciais, permanece inalterada. Exceto a posição de empregadores, que ficou estável com leve
variação positiva para os não negros, todos os outros percentuais das posições na ocupação se
modificaram, para mais no caso dos trabalhadores domésticos e os trabalhadores por conta-
própria, ou para menos no caso dos empregados do setor público e privado. Este crescimento
representa, ao mesmo tempo, a migração para mão-de-obra de serviços e uma maior
fragilização do trabalho em ocupações que tradicionalmente não têm cobertura previdenciária.
Se considerarmos posições de maior ou menor prestígio na estrutura ocupacional, a diferença
entre negros e não negros é maior naquelas com menor prestígio (trabalhadores domésticos) e
remuneração, proporcionalmente maior entre os negros, e maior prestígio (empregadores) e
remuneração, proporcionalmente maior entre os não negros.

Quadro 45 – Posição na ocupação dos trabalhadores no ABC por grupos raciais (1991 e
2000)
1991 2000
Posição na ocupação
Não Negros Negros Não Negros Negros
Trabalhar doméstico 3,1% 7,2% 5,6% 12,5%
Empregado no setor privado
78,3% 78,6% 66,5% 66,1%
e público
Empregador 4,5% 1,2% 4,8% 1,2%
Conta-própria 14,1% 13,0% 23,1% 20,2%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

Quando verificado o setor industrial, maior afetado na reestruturação produtiva do ABC


do ponto de vista negativo em relação ao emprego, os negros levam ligeira vantagem na
138

participação no setor. Em 1991 a maioria dos trabalhadores ocupados não negros (40,5%) e
negros (43,4 %) era do setor industrial. Em 2000 a queda na participação é mais desfavorável
aos negros (13,9 pontos percentuais), enquanto para os não negros foi de 12,0 %. Os
municípios mais afetados foram: Rio Grande da Serra, Diadema e Mauá, com maior queda na
participação nos dois grupos raciais, e justamente onde residiam os maiores contingentes
relativos de negros.

Quadro 46 - Trabalhadores do setor industrial (indústria de transformação) por grupos


raciais no ABC (1991 e 2000)
1991 2000
Município Não Não
Negros Negros
Negros Negros
Diadema 46,9% 48,3% 33,2% 34,4%
Mauá 45,5% 45,8% 30,4% 30,8%
Ribeirão Pires 41,0% 46,4% 28,6% 29,2%
Rio Grande da Serra 41,2% 46,9% 25,2% 24,6%
Santo André 38,2% 38,0% 26,2% 25,4%
São Bernardo do Campo 39,7% 41,6% 27,9% 29,1%
São Caetano do Sul 37,6% 38,6% 23,8% 20,1%
ABC 40,5% 43,4% 28,0% 29,5%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

É também em Rio Grande da Serra, Diadema e Mauá que as remunerações são mais
baixas, principalmente para os negros que apresentaram queda na remuneração real em todos
os municípios, exceto São Caetano, já os não negros em Santo André, São Bernardo e São
Caetano obtiveram ganhos na remuneração média no setor industrial.

Quadro 47 - Remuneração média em reais (R$) de 2000 dos trabalhadores do setor


industrial por grupos raciais no ABC (1991-2000)
1991 2000
Município Não Não
Negros Negros
Negros Negros
Diadema 779,71 611,04 660,12 553,53
Mauá 866,59 687,11 748,00 582,09
Ribeirão Pires 1.108,23 696,09 994,51 614,62
Rio Grande da Serra 634,64 580,13 614,46 524,53
Santo André 1.179,92 727,72 1.272,47 693,62
São Bernardo do Campo 1.380,80 749,14 1.303,87 663,02
São Caetano do Sul 1.300,38 738,95 1.734,94 789,23
139

ABC 1.146,28 688,21 1.139,29 622,57


Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: Valores corrigidos pelo IPCA (IBGE).

A diferença de renda entre os negros e não negros é o dado mais significativo tanto no
ano de 1991 quanto no ano de 2000, ou seja, no período mais contundente da reestruturação
produtiva, pouco se alterou em termos de diferença de renda entre as duas populações, os
ganhos são geralmente para a população não negra e a variação, inclusive, foi negativa para os
negros e positiva para os brancos. No setor industrial os negros recebiam, tanto em 1991
quanto em 2000, pouco mais da metade da renda dos não negros (60 % em 1991 e 54,6% em
2000).

No que diz respeito à renda média dos trabalhadores em todos os setores, a desigualdade
foi pouco maior e o rendimento dos negros equivalente, respectivamente, a 57,9 % em 1991 e
53,8 % em 2000, do rendimento dos não negros. Os municípios mais desenvolvidos
economicamente, Santo André, são Bernardo e São Caetano, foram os que apresentaram
maior desigualdade tanto em 1991 quanto em 2000. Em São Caetano o rendimento médio dos
negros era menos que a metade dos rendimentos dos não negros nos dois momentos, enquanto
em Santo André e São Bernardo era pouco mais que a metade. Nos municípios em que havia
maior contingente de negros a desigualdade era menor. Aparentemente no ABC, na década de
1990, o maior desenvolvimento foi acompanhado de maior desigualdade racial no mercado de
trabalho

Quadro 48 - Remuneração média em reais (R$) de 2000 dos trabalhadores em todos os


setores por grupos raciais no ABC (1991-2000)
1991 2000
Município Não Não
Negros Negros
Negros Negros
Diadema 817,75 601,92 700,81 541,75
Mauá 799,68 665,45 689,24 515,10
Ribeirão Pires 982,92 638,52 862,35 514,83
Rio Grande da Serra 589,39 507,10 510,05 439,90
Santo André 1.134,05 658,99 1.112,91 593,54
São Bernardo do Campo 1.357,26 717,45 1.182,51 595,08
São Caetano do Sul 1.354,33 675,61 1.554,43 772,31
140

ABC 1.134,16 656,71 1.052,80 567,19


Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: Valores corrigidos pelo IPCA (IBGE).

Ocorre segundo Martins (2003, p.142) uma contradição entre o discurso que valoriza a
diversidade por parte das empresas e as medidas efetivas que precarizaram o trabalho com o
avanço da reestruturação produtiva. Esta, ao precarizar contingentes de trabalhadores
aprofunda o processo de desigualdade nas relações de trabalho. Este discurso se reproduz nos
cargos hierarquicamente mais altos no interior das empresas, como por exemplo, a percepção
dos gerentes dos setores automobilístico e químico, para os quais não houve alteração nem
positiva e nem negativa em relação aos efeitos da reestruturação produtiva quando
considerados grupos raciais, teria permanecido igual, isto é, os negros continuam com
menores possibilidades de acesso a cargos superiores (LEITE, 2003, pp. 116 e 225-226).
Existe implícita nesta premissa uma aproximação com o discurso meritocrático já que se não
ocorreram efeitos negativos nas transformações do ponto de vista racial e as principais razões
de diferenciação são a escolaridade e qualificação, não há de se falar em discriminação e sim
em mérito. Seja histórico, relativo aos descendentes daqueles melhores posicionados na
estrutura ocupacional, por acaso homens brancos, seja contemporâneo, relativo à falta de
empenho dos negros.

Com a dificuldade de acesso e manutenção dos estudos por parte dos negros, torna-se
extremamente perverso o discurso de valorização do “trabalhador flexível”, já que esta
“flexibilidade” carece de um conjunto de fatores (informação, formação, experiência e etc.)
geralmente mais afastados daqueles. Do ponto de vista dos trabalhadores, o discurso
empresarial da diversidade era visto como puramente ideológico:

...pois seus critérios são puramente mercantis, não havendo no cotidiano do


trabalho uma prática de respeito às diferenças, aos trabalhadores e ao ser
humano (...) segundo eles, as empresas têm uma linha de atuação e de ideias
da qual ela não abre mão, que gira em torno do aumento do lucro e qualquer
proposta que possa ameaçar este objetivo é rechaçada por seus
representantes (MARTINS, 2003, p.155).

O contexto capitalista somado ao peculiar “racismo à brasileira” faz com que propostas
ou mesmo a tentativa de debate sobre questões raciais obtenha como resposta a suposta
igualdade de direitos, e o discurso costuma ser forte o bastante para que os próprios
trabalhadores negros não queiram debater a questão. Porém, também é fato que nos anos
1990, com forte atuação do movimento negro foi impossível se esquivar deste debate. A
141

desigualdade racial, a partir do momento que se difundem estudos que a tornam transparente,
fez com que setores conservadores (no que tange à questão racial, também setores da esquerda
podem ser considerados conservadores) tivessem que considerar a questão, um avanço em
relação a um momento anterior em que estas questões sequer eram consideradas no mercado
de trabalho, ficando restritas ao âmbito acadêmico.

A seletividade no mercado de trabalho no período se traduz tanto na estrutura


ocupacional quanto na renda, e a população negra, neste contexto, aparece como a mais
afetada, somando um bloqueio histórico-estrutural ao seu desenvolvimento às transformações
que, do ponto de vista do mercado de trabalho, afetaram negativamente a todos. Os efeitos da
reestruturação produtiva não podem ser avaliados separados da base territorial e humana
sobre as quais assentam, isto é, a especificidade de cada região se entrecruza com a
especificidade de cada grupo como mediação para processos globais de transformação. A
reestruturação foi também o reordenamento da vida das pessoas que residem no ABC, pessoas
concretas detentoras de características subjetivas e objetivas que na medida em que se afastam
dos padrões sociais desejáveis de “humano” – que neste contexto se confundem com o padrão
societário desejável de “trabalhador” – como é o caso dos negros, se veem historicamente
arcando com os custos do “processo civilizatório”.
142

7. A DÉCADA DE 2000: UM NOVO HORIZONTE?

7.1. Os efeitos do crescimento econômico no mercado de trabalho do ABC

O mercado de trabalho nos anos 2000 no ABC ainda sentia os efeitos da reestruturação
produtiva dos anos 1990. O baixo crescimento econômico do país nos primeiros anos afetou a
região no que diz respeito à taxa de emprego. Mesmo com a manutenção do tripé econômico
iniciado em 1999, o fortalecimento do mercado interno e a redução das vulnerabilidades
externas permitiram um incremento no mercado de trabalho nacional com rebatimento nos
mercados de trabalho regionais. Segundo o DIEESE (2012, p.15) duas foram as principais
novidades na reestruturação do mercado de trabalho brasileiro na década: a geração de
empregos formais e a melhoria de renda.

Há, em certa medida, uma direção contrária àquela adotada na década anterior que
preconizava a flexibilização das leis e relações de trabalho. Esta possibilitou a criação de
empregos sem alteração efetiva dos fatores internos do mercado de trabalho como educação
ou qualificação, ou seja, a seletividade tornou-se menos predatória neste início de século, mas
a precarização do trabalho, intimamente ligada a flexibilização das leis trabalhistas iniciada na
década de 1990, passou a ser o elemento a ser analisado.

O fortalecimento do mercado interno está relacionado à expansão do mercado


consumidor, que por sua vez foi incrementado a partir políticas governamentais de
valorização do salário mínimo; de transferência de renda para os mais pobres; expansão do
crédito e etc. Claro que quando falamos em expansão nos dirigimos àqueles que estavam à
margem do mercado consumidor, ainda que incluídos no processo de produção de riquezas. O
fortalecimento do mercado interno e a redução das vulnerabilidades externas – também
influenciada pelo crescimento da economia mundial, em especial dos chamados “países
emergentes” – contribuiu para a ampliação e diversificação de setores da economia como
indústria, serviços, construção civil e a recuperação de empregos de salários médios e baixos
num primeiro momento e posteriormente outros mais qualificados para então abarcar o
mercado de trabalho de forma mais ampla (DIEESE, 2012, p.16).

Foi a partir desta gama de variáveis que o emprego formal voltou a crescer, porém
elementos próprios da precarização aprofundada nos anos 1990 como as elevadas taxas de
desemprego, a informalidade, as desigualdades regionais continuaram bastante relevantes
influenciando na qualidade dos postos de trabalho criados:
143

Por um lado, a precarização da ocupação se reduz na década em algumas de


suas formas mais tradicionais, como o assalariamento sem carteira, mas, por
outro, assume novas formas, sendo uma delas a expansão do processo de
terceirização das atividades produtivas para todos os setores econômicos
(DIEESE, 2012, p.51).

As mudanças nas tecnologias e nos padrões de consumo, ao que parece, produziram uma
taxa de desemprego diferente daquela dos anos 1990, elevada e considerada estrutural, pois ao
longo dos anos 2000 é a qualidade do emprego e a renda que vão para o centro do debate e
não a existência ou não do emprego, se tratando, pois, de um avanço. De fato, ao final da
década, comparando o ano de 2009 com o ano de 1999, o incremento de empregados formais
no primeiro foi 64,9 % maior, com a criação de quase 15 milhões de vínculos formais. O
estoque de empregos formais passa de 26,2 milhões em 2000 para 41,7 milhões em 2009,
resultado altamente expressivo considerando a situação anterior (DIEESE, 2012, p.78).

Esta dinâmica parece corroborar com aquilo que Pochmann (2006) entende com
reestruturação do mercado de trabalho brasileiro. O autor sustenta que nos anos 80 há um
decréscimo no assalariamento no que diz respeito aos empregos formais em relação ao total
da ocupação. O “movimento de desestruturação” citado por ele é o crescimento de um
segmento não organizado, difuso e heterogêneo da força de trabalho típico de economias
subdesenvolvidas (POCHMANN, 2006, p.123) e que contribui marginalmente (à margem)
com o desenvolvimento capitalista. Isto é, não pertence diretamente às organizações
tipicamente capitalistas, mas ao mesmo tempo faz parte do complexo de geração de riquezas.
Este segmento não protegido pela previdência social, entre outras coisas, tende a aumentar a
exploração da força de trabalho na medida em que rebaixa os rendimentos auferidos deste,
que do ponto de vista capitalista concentra a riqueza e diminui os níveis de competição
internos, ou seja, tende a estagnar o desenvolvimento.

O projeto de desindustrialização iniciado nos anos 1980 gerou estagnação do PIB e


desestruturação do mercado de trabalho brasileiro que por sua vez fez com que o
assalariamento sem carteira de trabalho assinada fosse expandido. A precarização, soma dos
trabalhadores desempregados, sem remuneração e conta-própria, eleva-se e com ela o
discurso, que posto em prática, geraria mais de si, a saber, o da flexibilização e da
desregulamentação do mercado e das relações de trabalho.

A reestruturação do mercado de trabalho brasileiro ocorre a partir dos anos 2000 (mais
especificamente 2003), com a criação de empregos formais e tem forte relação com a
144

retomada do crescimento industrial associado ao aumento de exportações, por conta da


desvalorização cambial combinada com o crescimento do comércio internacional.

Esse melhor desempenho do segmento organizado do mercado de trabalho


se deve, em grande medida, ao melhor desempenho do emprego industrial.
O setor secundário, por exemplo, foi responsável pela geração de quase 1/3
do total dos novos postos de trabalho no setor urbano nacional, enquanto no
subperíodo de 1979 e 1999, respondeu por somente uma a cada 10
ocupações geradas em todo o país (POCHMANN, 2006, p.135).

Pochmann faz uma observação muito importante ao analisar o surgimento do desemprego


aberto urbano de grande proporção no início dos anos 1980. Afirma o autor que em 1981 a
1983 se deu o crescimento exacerbado do desemprego aberto urbano que, no entanto, foi
contido em 1984 a 1986. Apesar a relativa estabilidade conseguida, a desigualdade de
rendimentos, concentração de renda do trabalho e a pobreza continuaram avançando,
portanto: “... o ajuste no interior do mercado de trabalho era feito por meio da redução do
custo do trabalho, não do emprego, mesmo com a expansão do emprego informal, à margem
da legislação social e trabalhista” (POCHMANN, 2010, p.27).

O autor, no entanto, não faz esta mesma reflexão no que diz respeito à reestruturação
contemporânea do mercado de trabalho, isto é, até que ponto não ocorreu um movimento
paradoxalmente inverso na medida em que não houve redução do custo do trabalho, já que as
políticas sociais contribuíram para valorizar a força de trabalho, em especial no que diz
respeito à valorização real do salário mínimo e expansão da escolaridade, porém, além da
expansão do mercado informal concomitante à do mercado formal, a precarização reduziu o
custo do emprego ainda que este seja expandido e preservado.

É neste sentido que Alves (2014, p.18) vai chamar a atenção para as novas formas da
precarização do trabalho no século XXI, precarização salarial (advinda de uma regulação
salarial precária, gestão toyotista e novas tecnologias informacionais), existencial (advinda do
modo de vida Just-In-Time) e do homem-que-trabalha (fruto da degradação do homem
enquanto ser genérico). O autor (2011) observa que é no período histórico que abrange os dois
governos Lula (2003-2010), que ocorre a retomada do crescimento econômico, mas também é
nesse período que o assalariamento de cariz flexível se consolida. O Estado assume um maior
protagonismo se dividindo entre Estado financiador, investidor e social, e é a conjunção
destes fatores que dá a tônica do desenvolvimento capitalista na década (ALVES, 2011, pp.
156-158). A natureza do emprego neste período e no anterior vai se diferir mais por apontar,
145

na década de 2000, para a expansão e resgate de certas prerrogativas do trabalhador ligadas à


proteção ao emprego:

...se na década de 1990 o crescente desemprego aberto e informalização das


relações de emprego caracterizam o mundo do trabalho no Brasil, na década
de 2000, principalmente a partir de 2003, e natureza flexível do emprego e
organização do trabalho que irá caracterizá-lo num cenário de reorganização
(e expansão) do capitalismo brasileiro (ALVES, 2011, p.160).

Neste sentido, a recuperação do mercado de trabalho brasileiro não expressa a qualidade


do emprego, ao contrário, este pôde ocorrer concomitantemente à manutenção da
precarização. Seria como a formação de um novo pacto social fundado na precarização do
trabalho para a garantia das taxas de lucro, a contrapartida seria então em relação às políticas
sociais e não necessariamente às conquistas trabalhistas, exceto para alguns setores
sindicalizados com alta organização. Alves (2011, p.161) também aponta que a massa de
rendimentos reais não acompanhou o crescimento do pessoal empregado, significando que:
“As ocupações criadas são empregos de baixo salário e vulneráveis à rotatividade da força de
trabalho”.

É perfeitamente possível a concomitância desta precarização com o quase pleno emprego.


Óbvio que a existência do emprego em si, especialmente o emprego formal, é fundamental e
altas taxas de ocupação são sempre bem-vindas, porém também é importante problematizar a
qualidade dos empregos para que não nos regozijemos com a eficiência (aumento da taxa de
ocupação), mas esqueçamos da importância da efetividade do processo (equidade social no
interior do mercado de trabalho) e esta, por vezes, tende a ser superestimada quando as
análises são realizadas em termos médios. É na análise desagregada por atributos específicos,
em geral adscritivos (cor ou raça, gênero, faixas etárias e etc.), que se percebe que a equidade
ainda está longe da realidade.

Na região do ABC, quando não levamos em conta as particularidades, a recuperação dos


níveis de empregos na década de 2000 foi bastante expressiva. Segundo indicadores da
Pesquisa de Emprego e Desemprego para a região (edição especial), resultado de uma
parceria da Fundação SEADE, do DIEESE e do Consórcio Intermunicipal Grande ABC –
pesquisa conhecida como PED-ABC – entre 1998 e 2011, o nível de ocupação ampliou-se
40,5 %, resultado altamente expressivo que, tomado como crescimento médio anual equivale
a 2,7 % contra 1,7 % do crescimento da PEA (SEADE-DIEESE, 2011, p.4). Significa que na
região a cada ano o nível de ocupação suplantava a PEA em um ponto percentual que resultou
na queda do percentual de desempregados de 20,6 % em 1998 para 10,6 % em 2011.
146

Apesar da retomada da criação de empregos no setor industrial – setor este fundamental


historicamente para o ABC e com peso relativo maior do que a Região Metropolitana de SP –
foi o setor terciário que mais cresceu, segundo a pesquisa (SEADE-DIEESE, 2011, p.4)
ambos os setores tiveram crescimento superior ao nível de ocupação médio. O setor de
serviços que já absorvia o maior contingente de mão-de-obra em 1998 se consolidou com
quase metade do pessoal ocupado em 2011 (48,3 %).

Também na PED-ABC o aspecto mais fundamental em relação à recuperação do mercado


de trabalho foi o setor formal, que se considerarmos os trabalhadores com carteira assinada e
estatutários, perfaziam aproximadamente 65 % do total de trabalhadores em 2011 contra 55 %
em 1998. Se considerarmos em relação aos trabalhadores autônomos e outras categorias sem
carteira assinada, o crescimento anual foi bem mais expressivo dos trabalhadores formais que
impacta na distribuição entre os ocupados no que diz respeito à posição na ocupação, ainda
que o aumento tenha se verificado para todas as categorias (SEADE-DIEESE, 2011, p.6). A
pesquisa também salienta que a maior parte dos trabalhadores do ABC morava nas cidades do
ABC, contrapondo à ideia de que a região seria um conglomerado de cidades-dormitório.

Já em relação aos dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS)


disponibilizados pelo Ministério do Trabalho e que apresentam um panorama do estoque do
emprego formal em que se pode verificar a evolução deste na década, utilizando como
referência os anos de 2000 e 2010, os resultados são, em geral, positivos.

Enquanto o incremento da população na década, segundo o IBGE foi de 25,2 % e da


PEA, 16,2 %, no emprego formal este foi de 35,1 % no ABC, conforme o quadro 49. Mauá
foi o município que obteve o crescimento mais expressivo, enquanto São Caetano do Sul o
menos. Ressalta-se, no entanto, que a população de São Caetano não chega a um terço da
Mauaense e o percentual de participação é quase o dobro em 2010, ainda que tenha regredido
enquanto em Mauá a participação aumentou, assim como em Santo André e Ribeirão Pires.
Quando comparamos o crescimento dos empregos formais em relação ao crescimento da PEA
é que se percebe quão expressiva foi a formalização no ABC na década, especialmente em
Mauá, Ribeirão Pires e Santo André. Quando comparamos com o Brasil, no entanto, o ABC
fica em desvantagem. Segundo o IBGE, a PEA no Brasil cresceu em média mais que no
ABC, 20,7 % entre 2000 e 2010, enquanto o incremento de empregos formais foi muito maior
que do ABC, 68,0 %, uma diferença de 47,3 pontos percentuais contra 18,9 pontos
percentuais no ABC.
147

Saliente-se que as maiores reduções nas taxas de desemprego entre 2000 e 2010 no Brasil
foram entre os menos escolarizados (SEADE-DIEESE, 2011, p.66), que tendem a menores
remunerações e piores condições de trabalho e a criação e distribuição dos empregos formais
se deu em relativo equilíbrio dentre as faixas de escolaridade, já no ABC a criação de
empregos formais se deu principalmente entre os mais escolarizados, médio e superior
completo, empregos teoricamente de melhor qualidade. A participação se refere à quantidade
de vagas ofertadas em determinado município, não necessariamente estas são preenchidas por
trabalhadores do próprio município, mas a tendência é que a maior quantidade de vagas no
município colabore para que o trabalhador permaneça no município, diminuindo o custo e o
transtorno com o transporte.

Quadro 49 – Participação e incremento do emprego formal no ABC (2000-2010)


Percentual de participação Incremento
Incremento
de cada município no total relativo do
relativo da
Localidade do ABC emprego
PEA 2000 -
formal 2000 -
2000 2010 2010
2010
Diadema 14,1% 14,1% 35,0% 13,1%
Mauá 6,3% 8,6% 52,5% 26,8%
Ribeirão Pires 2,6% 2,9% 41,3% 13,5%
Rio Grande da Serra 0,4% 0,4% 42,6% 35,8%
Santo André 22,3% 24,3% 40,4% 13,2%
São Bernardo do Campo 36,5% 35,4% 33,2% 15,7%
São Caetano do Sul 17,8% 14,3% 19,2% 12,9%
ABC 100,0% 100,0% 35,1% 16,2 %
Fonte: Para o incremento: IBGE, Censos Demográficos de 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra); para o percentual de
participação: Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS). Elaboração própria.

A participação nos empregos formais desagregada por setores mostra o peso de alguns
municípios no mercado de trabalho do ABC. São Bernardo do Campo apresenta uma grande
importância relativa em todos os setores, demonstrando uma economia bastante diversificada
com peso no setor industrial muito forte na região, apesar da retração. Diadema também
mostra uma importante participação no emprego industrial, provavelmente a proximidade
com o complexo de rodovias Anchieta/Imigrantes é a principal causa da expressividade do
emprego industrial em São Bernardo e Diadema. Mauá além de aumentar sua participação no
setor industrial, foi o município que obteve maior alta nos empregos do setor da construção
civil, seguido por São Caetano. Os outros municípios quando não apresentaram queda,
mantiveram-se estáveis. No comércio não ocorreram mudanças importantes na participação
148

dos municípios nos empregos formais. No setor de serviços, exceto por São Caetano, todos ou
outros municípios aumentaram sua participação, mas a dinâmica deste setor, em termos de
participação no emprego formal, pouco se alterou intermunicipalmente. O setor agropecuário,
apesar da queda da participação em Mauá e do aumento em São Bernardo, é pouco
representativo no que diz respeito aos empregos formais.

Quadro 50 – Participação dos municípios nos empregos formais por setor no ABC
(2000-2010)
Construção
Indústria Comércio Serviços Agropecuária
Localidade Civil
2000 2010 2000 2010 2000 2010 2000 2010 2000 2010
Diadema 23,2% 23,2% 8,1% 8,9% 12,3% 13,2% 7,3% 8,2% 19,9% 1,3%
Mauá 7,3% 11,1% 4,0% 15,3% 8,0% 10,0% 4,4% 5,4% 55,7% 15,4%
Ribeirão
2,8% 3,3% 4,8% 3,7% 2,8% 3,5% 2,2% 2,3% 1,1% 11,4%
Pires
Rio Grande
0,3% 0,6% 1,0% 1,1% 0,3% 0,3% 0,4% 0,3% 0,0% 1,8%
da Serra
Santo André 13,8% 13,9% 20,6% 20,2% 33,0% 29,4% 26,2% 30,7% 21,4% 19,7%
São Bernardo
44,9% 38,3% 43,3% 25,4% 29,7% 31,3% 31,5% 35,9% 1,7% 46,9%
do Campo
São Caetano
7,7% 9,7% 18,2% 25,3% 13,8% 12,3% 27,9% 17,3% 0,3% 3,5%
do Sul
ABC 100 % 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS). Elaboração própria.

Olhando intramunicipalmente, exceto no setor agropecuário e de serviços em São


Caetano, em todos os setores ocorreu incremento de postos de trabalho formal, alguns mais
expressivos como o setor de construção civil em Mauá, outros menos, como o setor de
serviços em Rio Grande da Serra. Ainda que a construção civil tenha tido um crescimento
bastante grande – talvez puxado por obras como o Rodoanel (principalmente em Mauá) e de
programas habitacionais como o Minha Casa, Minha Vida – o peso relativo da indústria foi
mais importante nos empregos formais na região. O setor industrial neste quesito perdeu
apenas para o setor de serviços e levando em consideração as quedas importantes nos anos
1990, diferente do setor de serviços, o incremento de empregos neste setor (industrial) foi
bastante positivo, mas ainda insuficiente para alcançar o resultado do ano de 199056.

56
A quantidade de empregos formais em 2010 correspondia a 83,7 % dos empregos formais em 1990 da região,
respectivamente, 246.790 em 2010 contra 294.767 em 1990.
149

Quadro 51 - Evolução percentual do número absoluto de trabalhadores por setor no


ABC (entre 2000 e 2010)
Construção
Localidade Indústria Comércio Serviços Agropecuária
Civil
Diadema 36,0% 223,0% 94,8% 73,2% -99,5%
Mauá 107,1% 1030,6% 128,2% 87,0% -97,7%
Ribeirão Pires 55,7% 125,2% 124,2% 57,8% -10,3%
Rio Grande da
132,6% 236,3% 86,1% 10,4% 300,0%
Serra
Santo André 36,5% 187,4% 61,6% 80,3% -92,4%
São Bernardo do
15,8% 72,0% 91,7% 76,2% 122,9%
Campo
São Caetano do Sul 70,3% 308,3% 61,6% -4,3% 14,3%
ABC 35,7% 193,2% 81,8% 54,4% -91,7%
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS). Elaboração própria.

Este dado, da insuficiente recuperação do emprego industrial, fica mais evidente quando
avaliamos a evolução da participação dos empregos formais em relação ao total de empregos
em cada município (quadro 52) entre os anos de 2000 e 2010. Apenas São Caetano e Rio
Grande da Serra apresentaram evolução na participação do emprego industrial no total de
empregos, os setores que mais aumentaram participação foram o de construção civil e
comércio. Quando se trata de retração na participação em municípios como São Bernardo,
Diadema e Santo André, o peso é maior, dado o elevado contingente de trabalhadores
industriais nestes municípios.

Quadro 52 - Evolução da participação de cada setor em relação ao total de cada


município no ABC (entre 2000 e 2010)
Construção
Localidade Indústria Comércio Serviços Agropecuária
Civil
Diadema -7,2% 1,7% 3,3% 2,9% -0,7%
Mauá -0,7% 7,4% 1,5% -3,5% -4,7%
Ribeirão Pires -3,6% 1,6% 4,9% -2,8% -0,1%
Rio Grande da
10,8% 6,2% 0,8% -17,9% 0,1%
Serra
Santo André -4,4% 1,8% -0,8% 3,9% -0,5%
São Bernardo do
-10,6% 0,5% 3,3% 6,8% 0,0%
Campo
São Caetano do
6,2% 6,3% 3,4% -15,8% 0,0%
Sul
ABC -4,5% 2,4% 2,6% 0,1% -0,5%
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS). Elaboração própria.

A importância do emprego industrial na região diz respeito a vários fatores, dentre eles o
fato de possuir uma remuneração média bem mais elevada que os outros setores – e a renda é
150

sem dúvida uma Proxy de qualidade na medida em que permite o acesso a bens e serviços – e
um tempo médio no emprego mais elevado, denotando uma relativa estabilidade e indo de
encontro ao problema muito discutido da alta rotatividade da força de trabalho a partir da
reestruturação produtiva e reformas neoliberais. Segundo os dados da RAIS, em São Bernardo
e São Caetano a média salarial na indústria girava, em 2010, em torno de R$ 3.500,00
enquanto o tempo médio de emprego ultrapassa os 90 meses na indústria de São Bernardo e
75 na indústria em São Caetano. O menor tempo médio do emprego industrial em 2010, em
Mauá, equivale aos maiores, dentre todos os municípios, do setor de serviços. Portanto, o
avanço do emprego no setor de serviços, em detrimento do emprego industrial, precariza os
postos de trabalho, e a recuperação do emprego industrial aponta para a recuperação de um
emprego potencialmente melhor qualificado.

Quadro 53 – Remuneração e tempo médio de emprego por setor em 2010 no ABC


Setor Remuneração Média em Tempo médio de emprego
reais (R$) de 2010 em meses
Indústria 2.788,11 73
Construção Civil 1.595,75 21
Comércio 1.251,32 32
Serviços 1.591,95 46
Agropecuária 850,70 31
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS). Elaboração própria.

7.2. A persistências das desigualdades raciais no mercado de trabalho do ABC na


década de 2000.

Quando comparamos o ano de 2000 (resultado da década de 1990) e de 2010 (resultado


da década de 2000) verificamos que em 2010, pelos dados acima apresentados para o mercado
de trabalho como um todo, foi um período mais positivo que a década anterior, com alguns
resultados bastante expressivos. Porém, a análise da média dos resultados tende a esconder
desigualdades, é o que ocorre com as desigualdades raciais. Para o período de 1990 a 2000,
com recorte racial, tínhamos como estatísticas públicas disponíveis para medir as
desigualdades raciais no mercado de trabalho do ABC apenas os resultados do Censo
Demográfico. A PNAD – pesquisa anual bastante importante - disponibiliza informações
desagregadas, no limite, por Regiões Metropolitanas, portanto, fora do nosso escopo
territorial. A RAIS-CAGED, da base de dados do Ministério do Trabalho e Emprego até 2006
não trabalhava com recorte racial e, mesmo indisponível na base de dados on-line, já são
151

disponibilizados os microdados, enorme avanço para futuras pesquisas sobre a questão racial
no mercado de trabalho formal. A PED-ABC também passa a trabalhar com o recorte racial a
partir de 1998, disponibilizando também os microdados e produzindo um importante boletim
comparando períodos do biênio 2001/2002 – 2010/2011. Estas estatísticas permitem
aprofundar o conhecimento sobre as desigualdades raciais no mercado de trabalho na região
na década e tentar compreender o alcance dos avanços na primeira década deste século, ou
seja, a resposta ao problema passa a ser mais subsidiada e questões impossíveis de serem
compreendidas pelas análises mais abrangentes vêm à tona.

O boletim especial da PED-ABC denominado “Os negros no mercado de trabalho na


região do ABC” (SEADE-DIEESE, 2012) fez um importante apanhado das informações com
recorte racial coletadas neste período no mercado de trabalho do ABC. A publicação utiliza a
classificação: negros (pretos e pardos) e não negros (brancos e amarelos), no mesmo molde
em que utilizamos e faz uma importante ponderação sobre as condições gerais dos negros no
mercado de trabalho da região na década:

O crescimento econômico da última década contribuiu para o decréscimo


dos diferenciais entre as taxas de desemprego total de negros e não negros
na Região do ABC (de uma diferença de 6,6 pontos porcentuais, no biênio
2001-2002, passou para 3,2 pontos porcentuais, em 2010-2011). A despeito
disso, persiste a desigualdade nos rendimentos. Considerando-se os
rendimentos médios horários, verifica-se que, em 2001-2002, os negros
recebiam 61,4% do que ganhavam os não negros, passando para 59,9%, em
2010-2011, ou seja, em vez de diminuir, as diferenças de rendimento
tiveram pequeno aumento (SEADE-DIEESE, 2012, p.3).

O rendimento médio por hora dos negros e não negros no biênio 2010-2011 aumentou
em relação ao biênio de 2001-2002 sendo, respectivamente, R$ 6,35 e R$ 10,60; e o
percentual crescimento do rendimento no período também foi desproporcional entre negros e
não negros, respectivamente 3 % e 5,5 % (SEADE; DIEESE, 2012, p.8). Ressalta-se que de
modo geral, em que pese às diferenças entre os grupos raciais, os rendimentos aumentaram.
Porém, existem outras possíveis razões da persistência das desigualdades de renda para além
da discriminação?

Segundo a publicação, a setorização por grupos raciais é um fator importante na medida


em que é em setores como a indústria e serviços que possuem uma quantidade de negros
proporcionalmente menor; maior diversificação na estrutura produtiva e possibilidades de
maiores de altos salários; além do uso intensivo de capital, onde são verificados os maiores
diferenciais de renda (SEADE-DIEESE, 2012, p.8). Uma hipótese, neste contexto, seria que a
152

qualificação – tendo como Proxy o nível de escolaridade, em que há uma significativa


diferença no percentual das pessoas com nível superior que tendem a melhores empregos e
salários – teria um peso importante. Porém, a população negra com nível médio na Região do
ABC apresentou grande evolução nos Censos de 2000 e 2010, superando, inclusive, em 2000,
o percentual de não negros com a mesma escolaridade. Ainda que pesem as grandes
diferenças no ensino superior, a tendência seria de um incremento maior de empregos de nível
médio para os negros, inclusive técnicos nos setores em questão, e, portanto, a possibilidade
de maiores rendimentos. Já no comércio a diferença é um pouco menor, já que os negros
recebiam 66,4 % em relação aos rendimentos dos não negros, e nos serviços domésticos a
diferença é bem pequena, os negros recebiam 94,7 % em relação aos não negros (SEADE-
DIEESE, 2012, pp. 8-9).

Além da segmentação setorial – isto é, negros sub-representados proporcionalmente em


setores que oferecem maiores vantagens individuais e são mais avançados do ponto de vista
tecnológico, ainda que do ponto de vista da distribuição no interior de cada grupo racial os
negros tenham relativa proximidade no comércio, serviços e principalmente indústria (com
menor representação em todos eles e sobrerrepresentados na construção civil e serviços
domésticos, ver gráfico 14) – o boletim também salienta a diferenciação ocupacional como
um fator importante de contribuição para manutenção das desigualdades raciais no mercado
de trabalho.

Gráfico 14 - Distribuição dos trabalhadores no interior de cada grupo racial por setores
econômicos segundo a PED-ABC (2011-2012)

Fonte: Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional. Convênio SEADE-DIEESE e MTE/FAT; Consórcio


Intermunicipal Grande ABC.
153

É o que ocorre, por exemplo, na comparação de trabalhadores do setor público e


trabalhadores domésticos (SEADE-DIEESE, 2012, pp. 6-7). No primeiro caso a sub-
representação dos negros do ponto de vista da distribuição, 5,9 % contra 8,9 % dos ocupados,
pode ser ocasionada pelo fato de que cerca de metade dos funcionários públicos possuírem
nível superior de escolaridade e do acesso ser feito por concurso público. Dadas as
dificuldades educacionais históricas, o negro tende a ter o acesso dificultado. Nesta questão a
análise do boletim falha ao reproduzir implicitamente a tese do capital humano57 em que se
isolam os fatores educacionais dos discriminatórios, minimizando ou excluindo os últimos em
alguns casos, como se os dois não fossem justapostos do ponto de vista histórico-social: “... a
sub-representação de negros nesse setor deve-se muito mais às suas históricas dificuldades de
acesso aos níveis mais elevados de ensino do que a eventuais ações discriminatórias de que
possam ser vítimas” (SEADE-DIEESE, 2012, p.7). Ações discriminatórias e dificuldade ao
acesso aos níveis mais elevados de ensino superior são fatores interdependentes, não sendo
possível isolá-los. É claro que não se trata de mecanismos diretos de discriminação na seleção
pública, mas falar em meritocracia num contexto de feroz desigualdade é desconsiderar as
contradições históricas de se acessar os níveis mais elevados de ensino, e dentre estas
contradições, as ações discriminatórias concorrem com o discurso da educação como um
valor e direito universal.

No caso dos trabalhadores domésticos a sobrerrepresentação dos negros está relacionada


às poucas exigências em termos de escolaridade e o fato destes serem os menos escolarizados.
Neste caso o boletim relaciona este dado à persistência de desigualdades históricas para além
da educação propriamente dita, por exemplo, ter condições para acessá-la. São mulheres
negras que predominam neste setor ocupacional, com idade mais avançada e nível de
escolaridade mais baixo (SEADE-DIEESE, 2012, p.8).

A conclusão do boletim é de que a situação do trabalhador negro no ABC melhorou


relativamente no que diz respeito ao decréscimo da taxa de desemprego; à formalidade; e ao
aumento do contingente relativo no setor industrial e de serviços, ainda que levando em conta
ocupações e salários mais baixos. Porém, crescimento econômico não é suficiente para a
garantia da redução das desigualdades raciais no mercado de trabalho de maneira estável se
não forem mitigadas as diferenças socioeconômicas e, em especial, as diferenças de
escolaridade (SEADE-DIEESE, 2012, p.11).

57
Ver Chadarevian, P. C. Existe uma teoria econômica da discriminação? TD. 023/2009 Programa de Pós-
graduação em Economia Aplicada - FE/UFJF. Juiz de Fora, 2009. Disponível em
http://www.ufjf.br/poseconomia/files/2010/01/TD-023-Chadarevian.pdf. Acessado em 12/01/2015.
154

A mitigação só se dará por medidas específicas, pois a dinâmica do mercado de trabalho


capitalista possui, em teoria, um caráter universal, isto é, não se orientaria por características
adscritivas, mas aquisitivas e supostamente meritocráticas como a escolaridade. Porém, na
prática, percebemos que o adscritivo tem um peso importante e anterior ao aquisitivo, neste
sentido, a necessária inversão não ocorrerá espontaneamente ou por esquecimento, e sim pelo
somatório de políticas universais e específicas no campo do mercado de trabalho, e também
da educação, da política urbana e etc.

Os dados da RAIS do Ministério do Trabalho e Emprego, como vimos, também


apontaram para uma expressiva recuperação no nível de empregos formais na década, com
incrementos relativos superiores à PEA. Com recorte racial, os dados foram disponibilizados
a partir de 2006 na forma de microdados, esta variável não está disponível na base online de
consulta. Portanto, os indicadores de 2006 já representam parte da recuperação. Iremos
analisar o ano de 2006 em comparação ao ano de 2011, já que o arquivo disponível no Portal
do Programa de Disseminação das Estatísticas do Trabalho (PDET) para o ano de 2010 estava
incorreto até o momento em que escrevíamos. Além das categorias por nós utilizadas: preto,
pardo, branco e amarelo, as não utilizadas são indígenas, não identificados e ignorados.

Ao analisarmos os dados verificamos a sub-representação dos negros no trabalho formal


em todos os municípios do ABC. É bem verdade que no ano de 2011 a situação torna-se
menos desigual, mas ainda assim a diferença é expressiva. No quadro 54 podemos ver essa
diferença porque se trata de percentuais abaixo da PEA negra ou do percentual de negros no
ABC. Em Diadema, por exemplo, que apresentou percentuais mais altos, os negros, maioria
da população, representavam menos de 30 % dos empregos formais. Também é importante
lembrar de não se tratar necessariamente de trabalhadores residentes nos municípios do ABC,
e sim empregos em estabelecimentos nos municípios do ABC. Seria bastante interessante se a
informação sobre o município de residência do trabalhador estivesse disponível, mas não está,
além do que, o emprego pode estar vinculado a um estabelecimento de um município do
ABC, mas o local de trabalho ser fora do ABC.

Quadro 54 - Distribuição dos trabalhadores formais por grupos raciais no ABC (2006-
2011)
Negros Não negros
Localidade
2006 2011 2006 2011
Diadema 25,5% 29,4% 65,9% 58,4%
Mauá 19,1% 22,6% 68,1% 63,2%
155

Ribeirão Pires 18,8% 22,6% 68,0% 53,2%


Rio Grande da Serra 20,2% 25,7% 57,9% 52,4%
Santo André 20,3% 24,1% 71,8% 65,4%
São Bernardo do Campo 20,0% 24,2% 71,2% 64,1%
São Caetano do Sul 18,3% 25,1% 79,8% 70,9%
ABC 20,5% 24,9% 71,4% 64,1%
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (Microdados RAIS). Elaboração própria.
Nota: As categorias “indígenas”, “não identificados” e “ignorados” não foram consideradas. Também aqui segue o padrão
que adotamos na pesquisa, negros somando as categorias “pretos” e “pardos” e não negros as categorias “brancos” e
“amarelos”.

O comércio foi o setor de atividade com relativamente mais negros empregados e a


indústria com menos em 2011. É curioso notar o quanto cresceu o percentual de participação
de trabalhadores negros no comércio no período. Porém, se olhamos para a distribuição no
interior de cada grupo racial, isto é, dos negros ocupados no trabalho formal, quantos estavam
empregados no setor de comércio, o percentual é bem pequeno. Ao que parece, pelo fato de os
empregos neste setor terem se expandido nos dois grupos raciais, o aumento do consumo no
período deve ter contribuído. Também é importante notar que a participação do emprego na
indústria reduziu tanto para negros quanto para não negros, principalmente para os primeiros
compensando o aumento na participação no comércio, que não é uma vantagem dado que o
emprego industrial é mais qualificado no sentido das contrapartidas (remuneração, benefícios
e etc.).

Quadro 55 - Distribuição dos trabalhadores formais por setor de atividade e grupos


raciais no ABC (2006-2011)
Negros Não negros
Setor
2006 2011 2006 2011
Agropecuária 13,6% 24,2% 84,7% 67,5%
Indústria 20,7% 22,9% 75,4% 69,9%
Comércio 27,3% 41,6% 70,1% 53,4%
Construção Civil 21,0% 25,6% 75,3% 67,3%
Serviços 19,5% 24,2% 66,1% 60,0%
Total 20,4% 24,9% 71,0% 64,1%
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (Microdados RAIS). Elaboração própria.
156

Quadro 56 - Distribuição dos trabalhadores formais por setor de atividade no interior


de cada grupo racial no ABC (2006-2011)
Negros Não negros
Setor
2006 2011 2006 2011
Agropecuária 0,01% 0,01% 0,02% 0,02%
Indústria 35,69% 29,78% 37,38% 35,30%
Comércio 4,01% 8,49% 2,95% 4,23%
Construção Civil 16,64% 17,65% 17,19% 17,99%
Serviços 43,65% 44,07% 42,46% 42,46%
Total 100,00% 100,00% 100,00% 100,00%
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (Microdados RAIS). Elaboração própria.

A escolaridade dos trabalhadores formais, quando verificadas por grupos raciais,


mantém-se o padrão dos dados do IBGE para todos os trabalhadores, qual seja: nos níveis
mais elementares de educação a diferença é menor (ainda que no fundamental incompleto
apresente uma distância considerável) e no nível médio os negros superam os não negros. Os
dois grupos têm o médio completo como escolaridade mais ocorrente, que parece ser cada vez
mais a escolaridade mínima desejável. A maior diferença está no nível superior. Dentre os
trabalhadores formais que o estavam cursando, a proporção de negros é inferior e pouco se
alterou no período, porém a proporção inferior era bem maior entre os já graduados, uma
diferença de mais de 11 pontos percentuais em 2011 e, somando superior completo e
incompleto, a diferença sobe para 13,4 pontos percentuais em 2011.

Quadro 57 - Escolaridade dos trabalhadores formais por grupos raciais no ABC (2006-
2011)
Negros Não negros
Escolaridade
2006 2011 2006 2011
Analfabeto 0,4 % 0,2% 0,3% 0,1%
Fundamental Incompleto 29,9% 15,8% 16,3% 10,4%
Fundamental completo 16,9% 13,9% 15,1% 11,2%
Médio Incompleto 10% 8,6% 8,5% 7,2%
Médio Completo 42,1% 53,4% 41% 49,4%
Superior Incompleto 2,9% 3,1% 5,7% 5,4%
Superior Completo 3,6% 5,1% 13,1% 16,2%
Total 100% 100% 100% 100%
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (Microdados RAIS). Elaboração própria.

Um indicador que pode dar pistas sobre a qualidade do emprego em termos de


estabilidade é o tempo médio no emprego. Os trabalhadores formais negros ficavam em
157

média 15 meses a menos que trabalhadores não negros no emprego, o que indica maior
rotatividade e, por conseguinte, precariedade na relação de emprego. É muito difícil afirmar
que isto é fruto de discriminação sem um estudo específico, e não temos condições para isto,
mas é fato que negros tendem a menor estabilidade, no setor inclusive em que mais cresceu
sua participação, o comércio. A indústria que é o emprego mais estável, também é onde
aparece a maior diferença entre os grupos raciais. E a diferença cresceu no período já que o
tempo médio no emprego aumentou para não negros, indicando maior estabilidade ao mesmo
tempo em que reduzia para os negros.

Quadro 58 - Tempo médio em meses no emprego dos trabalhadores formais por grupos
raciais no ABC (2006-2011)
Negros Não negros
Setor
2006 2011 2006 2011
Agropecuária 36 25 51 51
Indústria 67 65 77 81
Comércio 23 20 26 27
Construção Civil 32 27 33 32
Serviços 31 29 41 43
Total 44 39 54 54
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (Microdados RAIS). Elaboração própria.

O rendimento médio é outro dado que mostra a diferença entre os grupos raciais e
mantém o padrão de outras bases de dados e posições na ocupação. São Caetano aparece com
a maior diferença, sendo que os negros recebiam, proporcionalmente, 60 % dos rendimentos
dos não negros. Houve aumento real no período para os dois grupos em praticamente todos
os municípios, e em alguns deles como Mauá e Ribeirão Pires, os rendimentos dos dois
grupos se aproximaram mais em 2011, mas como em São Bernardo, que tinha a maior média
salarial e maior número de empregos, a proporcionalidade ficou menor, a média da região
também retrocedeu em 2011.
158

Quadro 59 - Rendimento médio em reais (R$) de 2011 e proporção dos rendimentos dos
trabalhadores formais por grupos raciais no ABC
Proporção de
rendimentos dos
Negros Não negros negros (em %) em
Localidade
relação aos não
negros
2006 2011 2006 2011 2006 2011
Diadema 1.350,39 1.518,76 1.838,98 2.069,04 73,4% 73,4%
Mauá 1.395,68 1.582,47 1.919,97 1.971,61 72,7% 80,3%
Ribeirão Pires 1.193,43 1.427,40 1.473,22 1.657,75 81,0% 86,1%
Rio Grande da
1.332,01 1.324,68 1.632,33 1.631,24 81,6% 81,2%
Serra
Santo André 1.198,00 1.289,91 1.676,16 1.769,31 71,5% 72,9%
São Bernardo do
1.582,51 1.690,03 2.411,13 2.771,52 65,6% 61,0%
Campo
São Caetano do Sul 1.238,90 1.382,42 2.101,76 2.303,09 58,9% 60,0%
ABC 1.378,65 1.508,40 2.039,28 2.267,75 67,6% 66,5%
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (Microdados RAIS). Elaboração própria.
Nota: Valores atualizados pelo IPCA (IBGE)

De novo a indústria aparece como “vilã” na distância entre grupos raciais, desta vez em
relação à renda. A situação na indústria é paradoxal, porque ao mesmo tempo em que a
proporcionalidade de rendimentos dos negros em relação aos não negros é menor, muito
próxima ao setor de serviços, a indústria remunera expressivamente melhor. No comércio a
remuneração se aproximou bastante em 2011, ao que parece o setor com menor desigualdade
nos indicadores verificados. A indústria, apesar de apresentar maiores diferenças, portanto, o
setor em que as desigualdades raciais no mercado de trabalho mais se explicitam, é também o
emprego mais qualificado, mais estável e que remunera melhor, sendo assim, o mais
desejável.

Quadro 60 - Rendimento médio em reais (R$) de 2011 e proporção dos rendimentos dos
trabalhadores formais por setor de atividade e grupos raciais no ABC
Proporção de
rendimentos dos
Negros Não negros negros (em %) em
Setor de atividade
relação aos não
negros
2006 2011 2006 2011 2006 2011
Agropecuária 530,23 759,71 772,22 1.025,98 68,7% 74,0%
Indústria 1.951,33 2.187,55 2.932,43 3.360,87 66,5% 65,1%
Comércio 1.231,79 1.581,33 1.479,99 1.765,39 83,2% 89,6%
159

Construção Civil 1.014,30 1.194,69 1.240,09 1.454,63 81,8% 82,1%


Serviços 1.063,02 1.161,39 1.616,15 1.754,07 65,8% 66,2%
Total 1.378,65 1.508,40 2.039,28 2.267,75 67,6% 66,5%
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (Microdados RAIS). Elaboração própria.
Nota: Valores atualizados pelo IPCA (IBGE)

Do ponto da distribuição ocupacional, selecionamos quatro categorias para


comparação: dirigentes e gerentes; profissionais das ciências e intelectuais; técnicos de nível
médio; e trabalhadores domésticos e correlatos. Trabalhadores formais negros estavam sub-
representados em todos os grupos ocupacionais, menos nos últimos, aqueles que pior
remuneravam e os mais afastados das posições de comando. Praticamente não houve alteração
no período, ou seja, a segmentação permanece inalterada. A proporcionalidade dos
rendimentos também é algo esclarecedor (e estarrecedor) com relação às desigualdades raciais
no mercado de trabalho. Ainda que em 2011 a diferença entre diretores e gerentes tenha
diminuído e tenha sido a que mais se alterou, ainda é muito grande. Negros (diretores e
gerentes) recebiam menos que metade de não negros, também diretores e gerentes. A
diferença dos profissionais das ciências e intelectuais e técnicos de nível médio era menor,
mas também acentuada, já que os rendimentos dos negros equivaliam a pouco mais de 70 %
em 2011. Em relação aos trabalhadores domésticos e afins, há maior proximidade salarial,
mas ainda desvantagem dos negros.

Quadro 61 - Trabalhadores formais por grupos raciais e ocupacionais no ABC (2006-


2010)
Negros Não negros
Grupo ocupacional
2006 2011 2006 2011
Dirigentes e gerentes 1,6% 1,7% 3,3% 3,5%
Profissionais das ciências
2,0% 2,4% 7,7% 8,4%
e intelectuais
Técnicos de nível médio 7,0% 7,7% 11,5% 12,5%
Trabalhadores
14,2% 14,0% 8,2% 8,1%
domésticos e correlatos
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (Microdados RAIS). Elaboração própria.

Sobre a diferença salarial média entre negros e não negros dirigentes e gerentes,
extremamente elevada, informações anteriores e o quadro 63, referente ao ano de 2011 nos
indicam algumas pistas: i) o negro é sub-representado no setor que melhor remunera no ABC,
a indústria, e desconsiderando esta peculiaridade e utilizando como comparação a média dos
160

rendimentos dos dirigentes e gerentes por grupos raciais no setor industrial, ainda assim a
diferença é enorme; ii) a maioria dos negros dirigentes e gerentes estava concentrada no setor
de construção civil, aquele com menor remuneração; iii) em todos os setores de atividade
dirigentes e gerentes negros obtinham remuneração mais baixa.

Quadro 62 - Rendimento médio em reais (R$) de 2011 e proporção dos rendimentos dos
trabalhadores formais por setor de atividade e grupos ocupacionais no ABC
Proporção de
rendimentos dos
Negros Não negros negros (em %) em
Grupo ocupacional
relação aos não
negros
2006 2011 2006 2011 2006 2011
Dirigentes e
2.326,72 2.833,66 6.126,37 6.356,34 38,0% 44,6%
gerentes
Profissionais das
ciências e 3.140,39 3.425,27 4.315,69 4.585,96 72,8% 74,7%
intelectuais
Técnicos de nível
2.091,22 2.220,69 2.871,82 2.958,89 72,8% 75,1%
médio
Trabalhadores
domésticos e 671,02 768,15 725,72 838,80 92,5% 91,6%
correlatos
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (Microdados RAIS). Elaboração própria.
Nota: Valores atualizados pelo IPCA (IBGE).

Ressalta-se ainda que uma parcela razoável dos dirigentes e gerentes não declarou sua
raça ou cor, na medida em que a soma das categorias “não identificados’ e “indefinidos”
alcançou um alto percentual, 15,6 %. Este percentual foi menor que o verificado entre os
profissionais das ciências e intelectuais, 23,0 %. Entre os técnicos do nível médio foi de 18,4
%. Já dentre os trabalhadores domésticos e correlatos, o percentual de não declarados era de
8,7%. Ao que parece nas categorias mais próximas à elite ocupacional há uma dificuldade
maior de definição da raça ou cor, porém não há como saber se uma possível definição
diminuiria a sub-representação na elite ocupacional, provavelmente sim, levando-se em conta
o fato de que se as maiores diferenças entre os grupos raciais estão no topo ou próximos dele
na hierarquia de classes, portanto, na hierarquia ocupacional a tendência é que o preconceito e
discriminação sejam potencializados.
161

Quadro 63 – Participação, distribuição e rendimento médio em reais (R$) de 2011 dos


trabalhadores formais dirigentes e gerentes por setor de atividade e grupos raciais no
ABC (2011)

Distribuição (no
Participação Média de
interior de cada
relativa rendimentos
grupo racial)
Setor de atividade
Não Não Não
Negros Negros Negros
negros negros negros

Agropecuária 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,00 0,00

Indústria 82,7% 7,8% 31,8% 15,7% 11.363,52 6.081,97

Comércio 77,8% 18,6% 2,5% 3,1% 5.506,60 4.311,99

Construção Civil 71,6% 19,5% 32,8% 46,6% 2.950,15 1.853,21

Serviços 61,1% 12,2% 32,9% 34,5% 4.977,61 2.542,27

Total 70,8% 13,5% 100,0% 100,0% 6.356,34 2.833,66


Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (Microdados RAIS). Elaboração própria.
Nota: Valores atualizados pelo IPCA (IBGE)

Os indicadores obtidos nos dados da RAIS demostram que há segmentação racial no


trabalho formal no ABC. Negros tendem a menores salários, menor participação, ocupações
menos valorizadas e escolaridade mais baixa nos níveis superiores de instrução. Além disso,
nas situações mais desejáveis como no emprego industrial ou mesmo na própria situação de
trabalho formal, os negros levam desvantagem quanto melhor a situação geral. O padrão
encontrado por Telles (2003) para o caso residencial, de que nas classes mais altas é maior a
segregação, aqui pode ser reformulado para nas situações mais elevadas em termos de
qualidade (remuneração, estabilidade, benefícios) e status no emprego. Quanto maiores estes
últimos aspectos, maior a distância entre os grupos raciais e, consequentemente, é onde mais
se aprofundam as desigualdades raciais no mercado de trabalho no ABC.

Analisando os resultados dos Censos Demográficos de 2000 e 2010 do IBGE a percepção


é próxima dos resultados da PED-ABC e dos resultados da RAIS. O aumento de
trabalhadores formais em todos os municípios no período em questão é notório, exceto para
São Caetano do Sul no caso dos negros. O aumento foi mais significativo para os não negros,
principalmente pela diferença na taxa de participação no trabalho formal dos negros em 2000,
162

de todo modo o emprego formal para estes se manteve estável. Mesmo com o avanço ainda
não foram alcançados os níveis de 1991.

Quadro 64 – Trabalhadores formais¹ por grupos raciais no ABC (2000 e 2010)


2000 2010
Município Não Não
Negros Negros
Negros Negros
Diadema 60,3% 63,1% 67,7% 69,4%
Mauá 59,8% 63,0% 68,4% 67,6%
Ribeirão Pires 56,6% 65,2% 66,7% 65,5%
Rio Grande da Serra 58,2% 58,1% 62,7% 67,3%
Santo André 57,4% 68,4% 68,3% 66,8%
São Bernardo do Campo 57,2% 65,8% 65,7% 66,3%
São Caetano do Sul 55,5% 81,4% 59,6% 62,5%
ABC 57,8% 65,5% 65,0% 67,2%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 2010 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota:¹ Engloba os trabalhadores estatutários da administração pública e membros das forças armadas e forças de segurança.

A população economicamente ativa (PEA) apresentou um aumento substancial no


período, o que significa que a taxa de dependência cai. Considerando que, como mostrado no
gráfico 15, o percentual de ocupados em relação à PEA apresentou um crescimento também
significativo, ao que parece ocorreu tanto crescimento econômico quanto aumento da
produtividade, além de o emprego ser um bom termômetro para se avaliar qualidade de vida.
Teoricamente – sem pesar elementos como a qualidade do emprego ou a capacidade das
cidades de lidarem com o maior fluxo produtivo – menos empregos seria igual a pior
qualidade de vida. O desemprego entre os jovens continua maior que na população como um
todo e os não negros mantêm a dianteira entre os ocupados, o que significa que o desemprego
é maior entre os negros.

Quadro 65 – PEA em relação a PIA por grupos raciais no ABC (2000 e 2010)
2000 2010
Município Não Não
Negros Negros
Negros Negros
Diadema 48,0% 48,5% 61,4% 63,0%
Mauá 43,9% 43,6% 59,4% 61,0%
Ribeirão Pires 44,9% 45,0% 57,0% 60,6%
Rio Grande da Serra 39,3% 43,5% 58,3% 61,5%
Santo André 46,8% 46,8% 60,3% 64,0%
São Bernardo do Campo 49,6% 47,4% 61,7% 62,9%
163

São Caetano do Sul 50,2% 56,7% 60,8% 66,5%


ABC 47,5% 46,9% 60,6% 62,7%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.

Gráfico 15 – Percentual de ocupados em relação à PEA por grupos raciais no ABC


(2000-2010)

2000 2010
Negros 74,9 89,0
Não Negros 81,1 92,0
Negros 15-29 anos 67,3 83,3
Não Negros 15-29 anos 74 86,7

Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria

Em relação à posição na ocupação o percentual de trabalhadores domésticos cai para os


dois grupos raciais, mas a diferença entre eles mantém-se. Com valores muito próximos da
PED-ABC. O mesmo ocorre com empregadores e trabalhadores por conta-própria. Ao que
parece ocorreu uma migração destes setores para empregados no setor público e privado, aqui
não discriminados pela formalidade ou não, no entanto, levando em consideração os dados
que remetem ao aumento da formalização, estes resultados são positivos.

Quadro 66 – Posição na ocupação dos trabalhadores no ABC por grupos raciais (2000 e
2010)
2000 2010
Posição na ocupação
Não Negros Negros Não Negros Negros
Trabalhar doméstico 5,6% 12,5% 3,8% 8,0%
Empregado no setor privado
65,5% 66,1% 75,4% 77,1%
e público
Empregador 4,8% 1,2% 3,0% 0,7%
Conta-própria 23,1% 20,2% 17,8% 14,2%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
164

No setor industrial, o mais afetado pela reestruturação produtiva, mesmo crescendo em


números absolutos, este crescimento não acompanhou o crescimento de ocupados. O
fenômeno ocorreu em todos os municípios, exceto para os negros em Rio Grande da Serra e
com queda bastante acentuada em Santo André e São Bernardo do Campo. Os resultados da
RAIS, sem considerar os grupos raciais, também são similares já que, apesar da criação de
empregos industriais, quando comparados a sua participação em relação a todos os setores
ocorre uma queda na participação, salienta-se que a RAIS trata dos empregos formais,
enquanto estes resultados do IBGE abrangem trabalhadores formais e informais. Quando, nos
resultados do IBGE, são verificados apenas os casos de trabalhadores formais na indústria, há
uma redução de 12 % nos postos enquanto quando somados formais e informais há um
incremento de 0,4 %.

Fica claro que os resultados da RAIS são mais significativos para o trabalho formal por
tratar-se de um cadastro obrigatório e que compreende a quase totalidade do universo dos
trabalhadores formais, enquanto os Resultados da Amostra do Censo do IBGE é uma pesquisa
amostral de uma população mais ampla, que por maior rigor estatístico que tenha, perderá em
relevância para uma pesquisa específica de um segmento como o caso da RAIS para o
trabalho formal. Em Diadema e em Mauá a participação do emprego industrial é maior que
em outros setores, diferente de São Bernardo e Santo André em que o emprego nos serviços
tem maior participação.

Quadro 67 – Percentual de trabalhadores do setor industrial em relação a outros setores


(indústria de transformação) por grupos raciais no ABC (2000 e 2010)
2000 2010
Município Não Não
Negros Negros
Negros Negros
Diadema 33,2% 34,4% 25,3% 27,3%
Mauá 30,4% 30,8% 24,5% 25,4%
Ribeirão Pires 28,6% 29,2% 23,0% 22,4%
Rio Grande da Serra 25,2% 24,6% 21,2% 26,5%
Santo André 26,2% 25,4% 19,6% 19,5%
São Bernardo do Campo 27,9% 29,1% 18,6% 19,7%
São Caetano do Sul 23,8% 20,1% 17,0% 16,8%
ABC 28,0% 29,5% 20,5% 22,5%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
165

A remuneração média no setor industrial pouco se alterou no período. Em geral, ocorreu


um pequeno incremento, em termos reais, para os negros e redução para não negros. De todo
modo, a diferença ainda é bastante significativa. O município onde aparece a maior diferença
é também aquele em que os negros obtinham maior remuneração, São Caetano, em
contrapartida aqueles em que há uma situação de maior igualdade salarial, Diadema e Rio
Grande da Serra, são as menores remunerações para os dois grupos raciais e também cidades
com maior contingente relativo de negros. Quando não há uma situação direta nas
desigualdades raciais na remuneração dos trabalhadores, a variável territorial entra em cena,
reforçando a tese de que as melhores condições, mesmo que desejáveis, são aquelas que
apresentam maiores desigualdades raciais.

Quadro 68 - Remuneração média em reais (R$) de 2010 dos trabalhadores do setor


industrial por grupos raciais no ABC (2000-2010)
2000 2010
Município Não Não
Negros Negros
Negros Negros
Diadema 1.271,94 1.066,56 1.226,95 1.041,11
Mauá 1.441,26 1.121,59 1.442,41 1.199,19
Ribeirão Pires 1.916,25 1.184,26 1.638,62 1.271,02
Rio Grande da Serra 1.183,96 1.010,68 1.172,85 1.016,43
Santo André 2.451,83 1.336,48 2.440,54 1.475,13
São Bernardo do Campo 2.512,33 1.277,52 2.451,75 1.281,94
São Caetano do Sul 3.342,92 1.520,71 3.232,37 1.767,66
ABC 2.195,21 1.199,58 2.083,35 1.238,231
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: Valores corrigidos pelo IPCA (IBGE).

A renda média em todos os setores mantém-se pouco abaixo da renda média da indústria,
com maior diferença em 2010. A desigualdade de remuneração é menor do que na indústria,
tanto em relação aos grupos raciais quanto entre os municípios. Os valores do IBGE destoam
dos resultados da PED-ABC na medida em que nesta houve aumento real no período, de 3 %
para negros e 5,5 % para não negros (SEADE; DIEESE, 2012, p.8).
166

Quadro 69 - Remuneração média em reais (R$) de 2010 dos trabalhadores em todos os


setores por grupos raciais no ABC (2000-2010)
2000 2010
Município Não Não
Negros Negros
Negros Negros
Diadema 1.350,34 1.043,86 1.233,69 1.000,54
Mauá 1.328,04 992,51 1.251,13 1.020,88
Ribeirão Pires 1.661,60 991,99 1.478,26 1.093,68
Rio Grande da Serra 982,78 847,61 1.068,01 894,72
Santo André 2.144,38 1.143,65 2.111,45 1.201,23
São Bernardo do Campo 2.278,49 1.146,61 2.101,55 1.195,99
São Caetano do Sul 2.995,11 1.488,11 2.951,58 1.505,86
ABC 2.028,56 1.092,88 1.682,45 1.118,14
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: Valores corrigidos pelo IPCA (IBGE).

Verificamos que no ABC há grande diferença entre o emprego formal, apresentado nos
dados da RAIS do Ministério do Trabalho e Emprego e o informal, encontrado tanto nos
dados dos Censos demográficos do IBGE, quanto na PED-ABC. O crescimento verificado na
década de 2000 e as políticas sociais de cunho progressistas se converteram em ganhos para a
população negra, mas, apesar do patamar diferente, superior, as desigualdades raciais no
mercado de trabalho resistem, em especial, na renda e nos níveis superiores de escolaridade.
A qualidade do trabalho é outro fator a ser verificado, já que o emprego industrial,
considerado por nós mais qualificado, apresenta grandes diferenças entre os grupos raciais.
167

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na primeira parte deste trabalho procuramos apresentar elementos para compreensão das
desigualdades raciais no mercado de trabalho brasileiro do ponto de visto histórico – visto que
estes elementos ainda podem ser encontrados, independentemente do território, no contexto
nacional – e do ponto de vista conceitual, ressaltando que as formulações simbólicas que
emergiram ao longo do tempo ainda pesam sobre nossa sociedade. A sociedade brasileira,
hierarquizada e autoritária, estruturou-se a partir das assimetrias raciais. Esta é a base sobre a
qual todas as outras se ergueram, a saber, a base do projeto de nação que se pretendia num
período que o país se consolidava enquanto estado-nação. E considerando que o longo
percurso das desigualdades raciais enraizadas no tecido social criou uma resistência tal a
estas, entendemos que apenas a intervenção robusta do Estado pode produzir algum efeito no
sentido de reduzir as assimetrias raciais.

É a partir desta premissa que argumentamos que as desigualdades raciais no mercado de


trabalho, nas dimensões que analisamos, são resistentes às grandes transformações
econômicas, culturais e políticas, principalmente no que diz respeito à educação superior e a
renda. Claro que as transformações no mercado de trabalho dialogam com outras no contexto
político, econômico, cultural e etc., tema este que não problematizamos, mas, se a produção
de mercadorias é o mote da sociedade capitalista, esta se dá pelos trabalhadores, negros e não
negros. Portanto, a produção de mercadorias, mote da sociedade capitalista, esta imbricada
com o mercado de trabalho.

Dentre as especificidades do mercado de trabalho brasileiro, uma leitura possível é como


este se apresenta com recorte de raça ou cor, isto é, como os grupos raciais se estabelecem nas
posições ofertadas do ponto de vista do emprego. Verificamos que a segmentação ocupacional
é a tônica da diferença entre os grupos raciais e que esta dialoga com outros aspectos, direta
ou indiretamente, interligados com o mercado de trabalho, a educação, a renda e o local de
residência.

As especificidades já apresentadas da região do ABC: a industrialização, o sindicalismo e


a crise deste modelo, fornecem um quadro bastante interessante das transformações e de como
em um mercado de trabalho urbano altamente dinâmico se estruturam e solidificam as
desigualdades raciais.

Num primeiro momento, ao verificarmos as desigualdades raciais no ABC que se


correlacionam com o mercado de trabalho, concluímos que, dos pontos verificados, ocorreram
168

avanços em relação aos níveis de escolaridade referentes ao ensino básico (fundamental e


médio) e relativa estabilidade nos locais de residência em especial na década de 2000. Porém,
ao cruzarmos o local de residência (município) com a hierarquização ocupacional no ABC,
percebemos a manutenção da distância entre os grupos raciais.

Os avanços estão vinculados, principalmente, à expansão das matrículas e a um aumento


na média dos anos de estudo dos negros. Ainda que insuficientes, o fato de níveis básicos de
ensino não ser um problema como antes é alentador, o mesmo pode ser dito sobre a elevação
na média dos anos de estudo, resultado que fez com que no ABC, além de uma média mais
alta que a do Brasil, em 2010, a diferença entre os grupos raciais retraísse. Porém, os
resultados encontrados para o ensino superior, em que pese a melhora na década de 2000,
provavelmente pela intervenção do Estado com políticas afirmativas, mostram o grau de
resiliência das desigualdades raciais. Se em geral o avanço do ensino superior foi quem puxou
a média de anos de estudo para cima, foi para o grupo dos não negros que o ensino superior
fez maior diferença, para os negros, a elevação na média de estudos se deu principalmente
pelo avanço no ensino básico, ao que parece os negros, enquanto grupo, estão em um nível de
escolaridade abaixo dos não negros, e os avanços mantiveram este padrão. O ensino superior
pode ser de grande contribuição na mitigação das desigualdades e merece atenção especial e
no ABC, principalmente, porque a região possui uma população com maior participação no
ensino superior que a média brasileira, seja de já graduados ou graduandos, mas também
apresenta grande distância entre os grupos raciais.

Em relação aos rendimentos, mais especificamente, renda familiar per capita, o padrão é
parecido com a escolaridade: ocorreram avanços no que diz respeito à média geral (aumento
da renda, melhor distribuição pelas faixas de renda), mas as desigualdades entre os grupos
raciais em pouco ou nada se alteraram. Entre 2000 e 2010 houve incremento na renda familiar
no ABC, em todos os municípios, mas a proporcionalidade de rendimentos dos negros em
relação aos não negros em 2010, aumentou tendo o ano de 2000 como base, mas não
recuperou os resultados de 1991, que já eram bastante desiguais. De um modo geral os negros
continuam com rendimentos equivalentes a pouco mais que a metade dos não negros.

O local de residência demonstrou certa estabilidade nos indicadores no que diz respeito
às desigualdades, e talvez esse seja o aspecto mais positivo dos acontecimentos. No que diz
respeito aos aglomerados subnormais, já conceituados em outro momento, há pouca mudança
de 2000 para 2010, inclusive para os grupos raciais, fato que, considerando o crescimento
demográfico da população negra no período, já é algo positivo. Não problematizamos
169

questões importantes como a expansão de programas habitacionais, por exemplo, o “Minha


Casa, Minha Vida”, que certamente contribuiu para não aumentar o contingente da população
negra em favelas; ou mesmo programas de urbanização de favelas que melhoraram a
qualidade de vida nestas localidades, porém, de modo geral, a desvantagem dos negros
continua notória, demonstrando que o baixo poder aquisitivo os empurram para estas
localidades, devido, principalmente aos baixos salários que se relaciona, por sua vez, com a
posição na hierarquia do trabalho.

A qualidade dos domicílios, medida principalmente por acesso a serviços básicos,


quando verificada com recorte raça ou cor, aponta para pior qualidade dos domicílios
resididos por negros. Neste quesito as melhoras de 2010 em relação a 1991 e 2000 são
substanciais, mas os negros continuam levando desvantagem em todos os quesitos. O
esgotamento sanitário foi o que mais avançou no período, onde a diferença entre os grupos
raciais mais recuou.

A distribuição ocupacional mostra também grande diferença entre os grupos raciais. Aqui
dois fenômenos são importantes: o primeiro, a segmentação ocupacional. Há uma clara
divisão racial do trabalho onde os negros tendem a ocupações braçais, menos salubres e com
menor possibilidade de mobilidade. Esta tendência se estabelece ao logo do tempo. O segundo
mostra que mesmo nas posições mais prestigiadas há um “fosso” entre os grupos raciais que
em categorias próximas apresenta uma importante distinção salarial. Como não teríamos
condições de demonstrar como a discriminação atua neste quesito, isto é, por meio de quais
mecanismos discriminatórios se estabelece tamanha cisão, apenas apontamos indicadores que
a sugerem.

Quando saímos da análise mais geral para a população economicamente ativa (PEA), isto
é, trabalhadores ocupados e desocupados, também concluímos que as transformações das
últimas décadas não foram suficientes para transformar as relações raciais no mercado de
trabalho, mesmo que a “atmosfera geral” colaborasse para tanto.

Nos anos 1990 a situação foi de leve deterioração. Ao analisarmos os resultados dos
Censos de 1991 e 2000, percebemos que na taxa de ocupação a piora foi geral e com menos
intensidade para os negros, provavelmente pelo fato de o setor de serviços expandir-se, com
um emprego mais precário. A grande diferença no período está na piora dos índices de
escolaridade dos negros e também da renda. A reestruturação produtiva teve um impacto
importante no emprego do ABC, mas, analisando pelos grupos raciais, a desvantagem está em
uma situação geral pior (no que diz respeito ao mercado de trabalho) e, em se tratando de uma
170

reestruturação de inspiração neoliberal, uma perspectiva de melhoria nula. O próprio ponto de


partida das políticas neoliberais em vigor no país na década de 1990, de que o Estado não
deveria intervir no jogo competitivo, ainda que não reconheça no discurso, pressupõe uma
igualdade fictícia. Os pontos de partida dos grupos raciais não são iguais, portanto, já se sabe
de antemão o resultado, exceto poucas exceções. As medidas regionais efetuadas para evitar
um colapso no mercado de trabalho da região foram importantes, mas não tinham, e dado a
crise, dificilmente teriam, escopo racial. O fato é que como houve um rebaixamento do nível
geral do emprego nesta década, as desigualdades raciais no mercado de trabalho foram pouco
afetadas, já que o negro já se encontrava em uma posição precarizada.

Na década de 2000 a recuperação econômica da região, principalmente no que tange o


mercado de trabalho foi visível. Mas mesmo neste contexto as desigualdades raciais no
mercado de trabalho deram poucos sinais de recuo. Até por uma maior disseminação de
informações para analisar o mercado de trabalho, é possível perceber o quanto as
desigualdades nele são resistentes. As modalidades mais desejáveis e que apresentam
melhores indicadores no mercado de trabalho: trabalho formal e ocupações mais prestigiadas
são as que apresentam maiores diferenças entre os grupos raciais, mas, paradoxalmente,
melhores condições médias entre trabalhadores negros. Ou seja, a “elite” dos trabalhadores
negros está na periferia da “elite” dos trabalhadores numa proporção maior que em outras
escalas no ABC. Este padrão também é nacional, portanto, demonstra não ser a questão racial
uma questão regional, mas estrutural que se articula com as especificidades regionais.
Seríamos ambiciosos e vagos se afirmássemos que do ponto de vista das desigualdades raciais
no Brasil, a variável racial se sobrepõe à variável territorial, isso porque não apresentamos
elementos empíricos suficientemente válidos ou representativamente relevantes. Isso não
significa que uma variável se reduza a outra, mas que do ponto de vista histórico a variável
racial se torna independente do território e da classe, ainda que estes como variáveis
dependentes continuem fundamentais para melhor compreender aquela. No ABC
comprovamos que territorialmente, uma melhoria na condição de vida do trabalhador negro
não necessariamente está vinculada a menores desigualdades raciais no mesmo território, ao
contrário, melhores indicadores sociais do município eram concomitantes a maiores
desigualdades raciais ou maior distância entre os grupos raciais.

Para finalizar, partindo desta última observação, entendemos ser premente que
políticas urbanas e regionais sejam pensadas levando em conta a variável racial com toda sua
historicidade e contradições, caso contrário os negros ficarão sempre à margem dos avanços,
171

isto é, avançando em uma proporção que não vislumbra a equidade, e, por isso mesmo, sendo
os maiores penalizados nas crises.
172

BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, C. C. T. O Grande ABC Paulista: o fetichismo da região. 2008. 336f. Tese


(Doutorado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em Geografia,
Departamento de Geografia, FFLCH-USP, 2008.

ALVES, G. Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. 2ª


Ed. Londrina: Práxis, 2007. p. 289.

______. A nova morfologia do trabalho no Brasil na década de 2000. Perspectivas, São


Paulo, v. 39, p. 155-177, jan./jun. 2011.

______. Trabalho e neodesenvolvimentismo: choque de capitalismo e nova degradação do


trabalho no Brasil. Bauru: Canal 6, 2014. p. 216.

ANDREWS, G. R. O negro no Brasil e nos Estados Unidos. Lua Nova, vol.2 n.1 São
Paulo, Junho, 1985. p. 52-56.

______. Democracia racial brasileira 1900-1990: um contraponto americano. Estudos


Avançados, São Paulo, 11 (30), 1997. p. 95-115.

ARAÚJO, T. B. Ensaios sobre o desenvolvimento brasileiro: heranças e urgências. 2ª Ed.


Rio de Janeiro: Revan: Fase, 2012. p. 392.

BARROS, A. R. Desigualdades regionais no Brasil: natureza, causas, origens e soluções.


Rio de Janeiro: Elsevier Campus, 2011. p. 368.

BENTO, M. A. S. Racismo no trabalho: comentários sobre algumas experiências práticas.


São Paulo em Perspectiva, São Paulo, vol.2, n.2, abril/junho de 1988. p. 54-60.

______.Raça e gênero no mercado de trabalho. In: Rocha, M. I. B. Trabalho e gênero:


mudanças, permanências e desafios. Campinas: ABEP NEPO/UNICAMP e
CEDEPLAR/UFMG. São Paulo: Editora 34, 2000. pp. 295-307.
BENKO, G. Economia, espaço e globalização na aurora do Século XXI. 3ª Ed. São Paulo:
Hucitec, 2002. p. 263.
BRYM, Robert. [et al.] Sociologia: sua bússola para um novo mundo. São Paulo: Cengage
Learning, 2009. p. 585.
173

CARDOSO, L. CONCEIÇÃO, J. G. O Estado e as influências teóricas antirracistas de


Gilberto Freyre, Florestan Fernandes e um possível diálogo com os estudos pós-
coloniais. Rehutec, n.1, vol.2, Bauru, Dez. 2011. p. 88-105.

CASTILHO, B. V. Desigualdades raciais na estrutura ocupacional e o acesso às


ocupações prestigiadas (2002-2009). 2011. 122 f. Dissertação (Mestrado em Estudos
Populacionais e Pesquisas Sociais). Programa de Pós-Graduação em Estudos
Populacionais e Pesquisas Sociais da ENCE/IBGE, 2011.

CHADAREVIAN, P. C. Existe uma teoria econômica da discriminação? TD. 023/2009,


Programa de Pós-graduação em Economia Aplicada - FE/UFJF. Juiz de Fora, 2009. p.
26.

______. Para medir as desigualdades raciais no mercado de trabalho. Revista de Economia


Política, vol. 31, nº. 2 (122), pp. 283-304 abril-junho/2011.

CHAUÍ, M. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 2000. p. 103.

CÍRCULO PALMARINO (2013). As bases estruturais do genocídio da população negra.


(Cadernos de Formação). São Paulo: Circulo Palmarino, 2013. p. 143.

CONCEIÇÃO, J. J. Quando o apito da fábrica silencia: sindicatos, empresas e poder


público diante do fechamento de indústrias e da eliminação de empregos na região do
ABC. São Bernardo do Campo: MP editora, 2008. p. 303.

DIEESE (2012). A situação do trabalho no Brasil na primeira década dos anos 2000. São
Paulo, DIEESE, 2012. p. 406.

DOMINGUES, P. Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos. Revista


Tempo, Rio de Janeiro, Vol. 12, nº. 23, pp. 100-122, jul., 2007.

ETHOS (2010) (Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social). Perfil Social,


Racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas.
São Paulo: ETHOS, 2010. p. 49.

FRANÇA, D. S. N. Raça, Classe e segregação residencial no município de São Paulo.


134f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Departamento de Sociologia, Universidade de São Paulo (USP),
São Paulo, 2010.
174

FERNANDES, F. O negro no mundo dos brancos. 2ª Ed. São Paulo: Global, 2007. p. 313.

FREYRE, G. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da
economia patriarcal. 48ª ed. São Paulo: Global, 2003. p. 768.

FILGUEIRAS, L. A. M. História do Plano Real: Fundamentos, impactos e contradições. 3ª


ed. São Paulo: Boitempo, 2006. p. 294.

FRY, P.; MAGGIE, I. Cotas raciais – construindo um país dividido? Econômica, Rio de
Janeiro, v.6, n.1, p.153-161, junho 2004.

GOMES, N. L. O movimento negro no Brasil: ausências, emergências e a produção dos


saberes. Política e Sociedade, Volume 10, nº. 18, p. 133-154. Santa Catarina,
Abril/2011.

GUIMARÃES, A. S. A. Democracia racial: o ideal, o pacto e o mito. Novos Estudos


Cebrap, n. 61, novembro 2001, p. 147-162.

______. Racismo e antirracismo no Brasil. 3ª ed. São Paulo: Editora 34, 2009. p. 256.

GUIMARÃES, N. A. Reestruturação, mercado de trabalho e desigualdades de gênero e raça


no ABC paulista. In: Projeto FAPESP/CEBRAP. Gestão local, empregabilidade e
eqüidade de gênero e raça: um experimento de política pública no abc paulista.
Santo André: 2003. p. 20-40.

HENRIQUES, R. Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década


de 90. (Texto para discussão nº. 807) Brasília: IPEA, 2001. p. 49.

HOLSTON, J. Cidadania Insurgente: disjunções da democracia e da modernidade no Brasil.


São Paulo: Companhia das letras, 2013. p. 488.

IBGE (2011). Censo Demográfico 2010: Características da população e dos domicílios:


Resultados do Universo. Rio de Janeiro: IBGE, 2011.

______. Censo Demográfico 2010: Resultados Gerais da Amostra. Rio de Janeiro: IBGE,
2011.

______. Censo Demográfico 2010: Sinopse do Censo e Resultados Preliminares do


Universo. Rio de Janeiro: IBGE, 2011.

______. Censo demográfico 2010: Aglomerados subnormais. Rio de Janeiro: IBGE, 2011.
175

______. (2012). Padrão de vida e distribuição de renda. In: Síntese de Indicadores


Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira - 2012. Rio de
Janeiro: 2012. p. 160-201.

IPEA (2010). Objetivos de desenvolvimento do milênio: relatório nacional de


acompanhamento. Brasília: IPEA, 2010. p. 184.

______. (2014). Situação social da população negra por Estado. Brasília: IPEA, 2014. p.
115.

JACCOUD, L.; BEGHIN, N. Desigualdades Raciais no Brasil: um balanço da intervenção


governamental. Brasília: IPEA, 2002. p. 72.

JACINO, R. O branqueamento do trabalho. São Paulo: Nefertiti, 2008. p. 168.

LEITE, I. B. Territórios negros em área rural e urbana: algumas questões. In: LEITE, I.
B. Terras e territórios de negros no Brasil. Textos e debates, ano 1, n.2,
Florianópolis, 1990. p. 39-46.

LEITE, M. P. As desigualdades de gênero e raça conforme a percepção dos atores sociais


no setor automobilístico. In: Projeto FAPESP/CEBRAP. Gestão local,
empregabilidade e eqüidade de gênero e raça: um experimento de política
pública no abc paulista. Santo André: 2003. p. 108-139.

LEITE, M. P. As percepções das desigualdades no setor químico. In: Projeto


FAPESP/CEBRAP. Gestão local, empregabilidade e eqüidade de gênero e raça:
um experimento de política pública no abc paulista. Santo André: 2003. p. 219-
245.

LIPIETZ, A. Miragens e milagres: Problemas da industrialização no Terceiro Mundo. São


Paulo: Nobel, 1988. p. 232.

LOVELL, P. A. Raça e gênero no Brasil. Lua Nova, n.35, São Paulo, p. 39-71.

KLINK, J.J. A Cidade Região: regionalismo e reestruturação no Grande ABC paulista. Rio
de Janeiro: DP&A, 2001. p. 226.

MARICATO, E. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias: planejamento urbano no
Brasil. In: ARANTES, O; VAINER, C; MARICATO, E. A cidade do pensamento
único: desmanchando consensos. 7ª Ed. Petrópolis: Vozes, 2012. pp. 121-192.
176

MARTINS. S. R. Politicas empresariais de diversidade no setor automotivo do Grande ABC.


In: Projeto FAPESP/CEBRAP. Gestão local, empregabilidade e eqüidade de
gênero e raça: um experimento de política pública no abc paulista. Santo André:
2003. p. 140-159.

MENDES, J. S. R. Desígnios da Lei de Terras: imigração, escravismo e propriedade fundiária


no Brasil Império. Caderno CRH, Salvador, v.22, n.55, p.173-184, Jan./Abr. 2009.

MOURA, C. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1988. p. 256.

______. Dialética radical do Brasil negro. São Paulo: Anita, 1994. p. 249.

MAIO, M. C.; SANTOS, R. V. (Orgs.). Raça como questão: história, ciência e identidades
no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010. p. 313.

MATTEO, M.; TAPIA. J. R. B. A reestruturação da indústria paulista e o ABC. In: Projeto


FAPESP/CEBRAP. Gestão local, empregabilidade e eqüidade de gênero e raça:
um experimento de política pública no abc paulista. Santo André: 2003. p. 3-19.

OLIVEIRA, A. Território e mercado de trabalho. São Paulo: UNESP, 2006. p. 198.

OSÓRIO, R. G. A mobilidade social dos negros brasileiros. (Texto para discussão nº. 1033)
Brasília: IPEA, 2004. p. 25.

______. O sistema classificatório de “cor ou raça” do IBGE. Brasília: IPEA (texto para
discussão nº. 996), 2003. p. 53.

______. A desigualdade racial de renda no Brasil: 1976-2006. 2009. 362f. Tese (Doutorado
em Sociologia) – Instituto de Ciências sociais, Departamento de Sociologia,
Universidade de Brasília, Brasília, 2009.

PAIXÃO, M. J. P. Desenvolvimento humano e relações raciais. Rio de Janeiro, DP&A,


2003. p. 159.

______. O justo combate: reflexões sobre relações raciais e desenvolvimento. Rio de Janeiro:
Observatório da Cidadania, v. 10, p. 59-70, 2006.

PETRUCCELLI, J. L.; SABÓIA, A. L. (Org.). Características étnico-raciais da população:


classificação e identidades. Rio de Janeiro: IBGE, 2013. p.208.

POCHMANN, M. Mercado geral de trabalho: o que há de novo no Brasil? Parcerias


Estratégicas, nº 22, Brasília, DF, pp. 121-144. Jun./2006.
177

______. Desenvolvimento, trabalho e renda no Brasil: avanços recentes no emprego e na


distribuição dos rendimentos. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2010. p. 104.

PNUD (2005). Relatório de desenvolvimento humano: racismo, pobreza e violência.


Brasília: PNUD Brasil, 2005. p. 153.

RODRIGUES, I. J. Um laboratório das relações de trabalho: o ABC Paulista nos anos 90.
Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 14(1): 137-157, maio de 2002.

______; RAMALHO, J. R. Sindicato, desenvolvimento e trabalho: crise econômica e ação


política no ABC. Caderno CRH, Salvador, v.26, n. 68, p. 217-231, maio/agosto 2013.

ROLNIK, R. O que é cidade. 3ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 86.

______. Territórios negros nas cidades brasileiras: etnicidade e cidade em São Paulo e Rio
de Janeiro. In. SANTOS, Renato E. (org.) Diversidade, espaço e relações étnico-
raciais: o negro na geografia do Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. pp.75-90.

SANTOS, M.A.O. Política Negra e democracia no Brasil contemporâneo: Reflexões sobre


os movimentos negros. In. PAULA, M. HERINGER, R. (Orgs.). Caminhos
convergentes: Estado e sociedade na superação das desigualdades raciais no Brasil.
Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Boll, ACTIONAID, 2009a. p.227-258.

SANTOS, G. Relações raciais e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2009b. p.
94.

SEADE; DIEESE; CONSÓRCIOABC (2011). Pesquisa de Emprego e Desemprego na


Região do ABC (PED ABC): Evolução do mercado de trabalho na Região do ABC e
sua inserção na Região Metropolitana de São Paulo. São Paulo: DIEESE, 2011. p. 12.

______. (2012). Pesquisa de Emprego e Desemprego na Região do ABC (PED ABC): Os


negros no mercado de trabalho na Região do ABC. São Paulo: DIEESE, 2012. p. 12.

SILVA, J. B. Ação sindical e racismo: as centrais sindicais e a discriminação racial no


Brasil. Congresso Brasileiro de Sociologia, 14, Rio de Janeiro, 2009. p. 30.

SILVA, M. M. Relações Raciais e Planejamento Urbano: algumas considerações. Agenda


Social, V. 8, nº. 1, pp.122-138, 2014.

SKIDMORE, T. Fato e mito: descobrindo um problema racial no Brasil. Cad. Pesq., São
Paulo, n.79, p.5-16, nov. 1991.
178

SOARES, S. A trajetória da desigualdade: a evolução da renda relativa dos negros no


Brasil. In: THEODORO, M. (org.). As políticas públicas e a desigualdade racial no
Brasil: 120 anos após a abolição. Brasília: IPEA, 2008. p. 97-118.

TRAPP, R. P.; SILVA, M. L. Movimento negro no Brasil contemporâneo: estratégias


identitárias e ação política. Revista Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p.
89-98, 2010.

TELLES, E. Racismo à brasileira: uma nova perspectiva sociológica. Tradução Nadjeda


Rodrigues Marquês, Camila Olsen. Rio de Janeiro, RJ. Relume-Dumará/Fundação
Ford, 2003. p. 347.

THEODORO, M. A formação do mercado de trabalho e a questão racial no Brasil. In:


THEODORO, M. (org.). As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil:
120 anos após a abolição. Brasília: IPEA, 2008. p. 15-44.

Você também pode gostar