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Dissertação de Mestrado
Santo André - SP
2015
Programa de Pós-graduação em Planejamento e Gestão do Território
Dissertação de Mestrado
Santo André - SP
2015
À Ada, Maurício e Terezinha.
Agradecimentos
In the decades corresponding to the period between 1991 and 2011 there were important changes in
the economic political and cultural Brazilian landscape, and that of which regards the combat of the
racial differences, new perspectives present themselves. From the economic point of view, the
stabilization of the economy and the drop of inequalities make us wonder to what extent these
processes reached the black population, which according to IBGE were majority in 2010. From the
cultural and political standpoint, since the 80's decade the action of the black movements gained
new outlining, and since the 90's decade, the racial issue becomes part of the public agenda, yet
timidly. It is from this prerogative and its corollaries that this research attempted to understand the
reach of racial differences in the labor market at the region of the Grande ABC in the given period
through information and secondary data provided by the IBGE, DIEESE and the Ministério do
Trabalho e Emprego, arguing about its resilience facing the verified transformations.
.
Quadro 5 - Composição (%) dos quadros das 500 maiores empresas do Brasil por cor ou raça
(2003-2010) ...................................................................................................................................p. 44
Quadro 6 - Percentual de pobres por cor ou raça – Brasil e Grandes Regiões (2001) ..................p. 53
Quadro 7 – Perfil racial da população pobre (%) – Brasil e Grandes Regiões (2001) ..................p. 54
Quadro 8 – Brasil – Grandes regiões – Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) desagregado por
etnia, 1997 – 1999..........................................................................................................................p. 54
Quadro 9 - População brasileira residente em aglomerados subnormais por cor ou raça e regiões
(2010) .........................................................................................................................................., p. 56
Quadro 10 – População brasileira por cor ou raça e domicílios com revestimento externo
inadequado, não existência de energia elétrica e regiões (2010) ..................................................p. 57
Quadro 11 – População brasileira por cor ou raça por abastecimento de água e esgotamento
sanitário nos domicílios e regiões (2010) ......................................................................................p. 57
Quadro 12 – População brasileira por cor ou raça por densidade do cômodo e coleta de lixo nos
domicílios e regiões (2010) ...........................................................................................................p. 58
Quadro 13 – Proporção da remuneração média regional dos negros em relação aos não negros nas
categorias ocupacionais selecionadas (2000-2010) .......................................................................p. 63
Quadro 14 - Distribuição regional de cada grupo racial das categorias ocupacionais selecionadas
(2000-2010) ...................................................................................................................................p. 64
Quadro 15 - Distribuição regional de cada grupo racial das categorias ocupacionais selecionadas em
relação aos ocupados de cada região (2000-2010) ........................................................................p. 66
Quadro 16 - Relação entre rendimento-hora da população ocupada, por sexo e cor/raça, segundo
classes de anos de estudo - Brasil, 1998* e 2008...........................................................................p.75
Quadro 17 - População absoluta por grupos raciais no ABC (1991, 2000-2010) e incremento
absoluto da população negra entre 1991, 2000 e 2010·.................................................................p. 92
Quadro 18 - População relativa por grupos raciais no ABC (1991, 2000-2010) e incremento relativo
da população negra entre 1991, 2000 e 2010.................................................................................p. 92
Quadro 20 – Nível de instrução da população por grupos raciais no ABC (1991-2010) ..............p. 97
Quadro 21 - Estudantes por grupos raciais e curso superior no ABC (1991-2010) ......................p. 98
Quadro 22 – Percentual dos rendimentos dos negros em relação aos rendimentos dos não negros por
classes de anos de estudo no ABC (1991-2010) .........................................................................p. 101
Quadro 23 – Crianças e jovens de 5 a 24 anos fora da escola por grupos raciais e grupos de idade no
ABC (1991-2010) ........................................................................................................................p. 102
Quadro 24 - Renda familiar per capita por localidade em reais (R$) de 2010 (1991-2010) .......p. 104
Quadro 25 - Proporcionalidade do rendimento familiar per capita no ABC (1991-2010) ..........p. 105
Quadro 26 - Distribuição da população do ABC por grupos raciais e faixas de renda em salários
mínimos (1991-2010) ..................................................................................................................p. 106
Quadro 27 - Distribuição da população do ABC por grupos raciais e faixas de renda familiar per
capita em salários mínimos de 2010 (1991-2010) .......................................................................p. 108
Quadro 28 - Renda familiar per capita no ABC por grupos raciais e faixas de rendimento em reais
(R$) de 2010 (1991-2010) ...........................................................................................................p. 108
Quadro 29- Percentual da população do ABC em aglomerados subnormais por cor ou raça (2000-
2010) ............................................................................................................................................p. 111
Quadro 31 - Resumo de indicadores relativos ao bem-estar e qualidade dos domicílios por grupos
raciais no ABC (1991-2010) .......................................................................................................p. 115
Quadro 33 - Distribuição no ABC de cada grupo racial das categorias ocupacionais selecionadas
(2000-2010) .................................................................................................................................p. 117
Quadro 34 - Distribuição no ABC de cada grupo racial das categorias ocupacionais selecionadas em
relação aos ocupados de cada município (2000-2010) ................................................................p. 118
Quadro 37 - Rendimento familiar per capita em reais (R$) de 2010 dos trabalhadores das categorias
de ocupação “Diretores e gerentes” e “Profissionais das ciências e intelectuais” por grupos raciais
no ABC (2000-2010) ...................................................................................................................p. 121
Quadro 39 - Percentual dos trabalhadores por grupos raciais dos cinco ramos de atividade mais
frequentes em que estavam ocupados no ABC (2000) ................................................................p. 124
Quadro 40 - Percentual dos trabalhadores por grupos raciais dos cinco ramos de atividade mais
frequentes em que estavam ocupados no ABC (2010) ................................................................p. 124
Quadro 41 - Indicadores de trabalho e renda por grupos raciais no setor químico e metal-mecânico
no ABC (1991) ............................................................................................................................p. 135
Quadro 42 - Indicadores de trabalho e renda por grupos raciais no setor químico e automotivo no
ABC (2000) .................................................................................................................................p. 136
Quadro 43 – Trabalhadores formais¹ por grupos raciais no ABC (1991 e 2000) ........................p. 137
Quadro 44 – PEA em relação a PIA por grupos raciais no ABC (1991 e 2000) .........................p. 139
Quadro 45 – Posição na ocupação dos trabalhadores no ABC por grupos raciais (1991 e 2000)
......................................................................................................................................................p. 140
Quadro 47 - Remuneração média em reais (R$) de 2000 dos trabalhadores do setor industrial por
grupos raciais no ABC (1991-2000) ............................................................................................p. 141
Quadro 48 - Remuneração média em reais (R$) de 2000 dos trabalhadores em todos os setores por
grupos raciais no ABC (1991-2000) ............................................................................................p. 142
Quadro 50 – Participação dos municípios nos empregos formais por setor no ABC (2000-2010)
......................................................................................................................................................p. 150
Quadro 51 - Evolução percentual do número absoluto de trabalhadores por setor no ABC (entre
2000 e 2010) ................................................................................................................................p. 151
Quadro 52 - Evolução da participação de cada setor em relação ao total de cada município no ABC
(entre 2000 e 2010) ......................................................................................................................p. 151
Quadro 53 – Remuneração e tempo médio de emprego por setor em 2010 no ABC..................p. 152
Quadro 54 - Distribuição dos trabalhadores formais por grupos raciais no ABC (2006-2011)
......................................................................................................................................................p. 157
Quadro 55 - Distribuição dos trabalhadores formais por setor de atividade e grupos raciais no ABC
(2006-2011) .................................................................................................................................p. 158
Quadro 56 - Distribuição dos trabalhadores formais por setor de atividade no interior de cada grupo
racial no ABC (2006-2011) .........................................................................................................p. 158
Quadro 57 - Escolaridade dos trabalhadores formais por grupos raciais no ABC (2006-2011)
......................................................................................................................................................p. 159
Quadro 58 - Tempo médio em meses no emprego dos trabalhadores formais por grupos raciais no
ABC (2006-2011) ........................................................................................................................p. 159
Quadro 59 - Rendimento médio em reais (R$) de 2011 e proporção dos rendimentos dos
trabalhadores formais por grupos raciais no ABC.......................................................................p. 160
Quadro 60 - Rendimento médio em reais (R$) de 2011 e proporção dos rendimentos dos
trabalhadores formais por setor de atividade e grupos raciais no ABC........................................p. 161
Quadro 63 – Participação, distribuição e rendimento médio em reais (R$) de 2011 dos trabalhadores
formais dirigentes e gerentes por setor de atividade e grupos raciais no ABC (2011)
.......................................................................................................................................................p.163
Quadro 64 – Trabalhadores formais¹ por grupos raciais no ABC (2000 e 2010) .........................p.164
Quadro 65 – PEA em relação a PIA por grupos raciais no ABC (2000 e 2010) ..........................p.165
Quadro 66 – Posição na ocupação dos trabalhadores no ABC por grupos raciais (2000 e 2010)
.......................................................................................................................................................p.166
Quadro 68 - Remuneração média em reais (R$) de 2010 dos trabalhadores do setor industrial por
grupos raciais no ABC (2000-2010) .............................................................................................p.167
Quadro 69 - Remuneração média em reais (R$) de 2010 dos trabalhadores em todos os setores por
grupos raciais no ABC (2000-2010) .............................................................................................p.168
Lista de gráficos
Gráfico 1 - Moradias adequadas (%) por cor ou raça do chefe do domicílio e localização do
domicílio no Brasil (2001) .................................................................................................................59
Gráfico 2 - Moradias adequadas (%) por cor ou raça do chefe do domicílio e localização do
domicílio no Brasil (2012) .................................................................................................................59
Gráfico 5 – Taxa de alfabetização (%) da população do ABC por grupos raciais (1991-2010)
............................................................................................................................................................99
Gráfico 6 - Taxa de alfabetização (%) da população adulta (acima de 21 anos) do ABC por grupos
raciais (1991-2010) ..........................................................................................................................100
Gráfico 7 – Média de anos de estudo da população com cinco anos ou mais por grupos raciais no
ABC e no Brasil (1991-2010) ..........................................................................................................100
Gráfico 8 - Renda familiar per capita no ABC por grupos raciais em reais (R$) de 2010 (1991-2010)
..........................................................................................................................................................105
Gráfico 9 – Taxa de dependência (%) no ABC por grupos raciais (1991-2010) ............................107
Gráfico 11 – Percentuais (%) de pessoas por grupos raciais em domicílios sem esgotamento
sanitário por rede geral em Mauá (1991-2010) ...............................................................................113
Gráfico 12 – Percentuais (%) de pessoas por grupos raciais em domicílios sem esgotamento
sanitário por rede geral em Diadema (1991-2010) ..........................................................................114
Gráfico 13 - Ocupados em relação à PEA (%) por grupos raciais no ABC (1991-2000) ...............139
Gráfico 14 - Distribuição dos trabalhadores no interior de cada grupo racial por setores econômicos
segundo a PED-ABC (2011-2012) ..................................................................................................155
Gráfico 15 – Percentual de ocupados em relação à PEA por grupos raciais no ABC (2000-2010)
..........................................................................................................................................................165
Lista de siglas
PARTE I
PARTE II
APRESENTAÇÃO..........................................................................................................................................86
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................................167
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................................................172
17
INTRODUÇÃO
Políticas sociais realizadas no Brasil na década que iniciou este século foram cruciais
para a redução da pobreza e das desigualdades sociais, ainda que a redução destas últimas
ocorresse em menor escala. As diferentes modalidades de desigualdades: de renda, territorial,
racial e etc., podem ser analisadas isoladamente ou como um todo. Porém, em uma
abordagem empírica, dificilmente seria possível isolar analiticamente uma determinada
desigualdade em detrimento de outras, já que de certa forma são interdependentes.
A questão passa a ser como se manifesta esta interdependência. Neste sentido, políticas
direcionadas à redução da pobreza ou à diminuição da desigualdade de renda afetarão
positivamente a redução de outras formas de desigualdades como as raciais, por exemplo,
(SOARES, 2008; CHADAREVIAN, 2011). Apesar disso, as desigualdades raciais mantêm-se
presentes em várias dimensões da vida social. Trabalho, escolaridade, renda, violência e etc.,
apresentam diferenças entre grupos raciais em que a população negra1 tende a ser
desfavorecida. Partindo desta perspectiva, as desigualdades raciais, mesmo em um contexto
de redução de desigualdades, parecem resistir às transformações (IPEA, 2010; SOARES,
2008).
Discussões sobre as desigualdades raciais perpassam todo o debate, atual e histórico,
existente sobre o desenvolvimento das relações raciais no Brasil por uma razão quase óbvia: a
desigualdade é o mote do desenvolvimento das relações raciais no Brasil, ainda que existam
especificidades diferenciando regiões que apresentam maior ou menor grau de desigualdades
raciais.
As desigualdades raciais são multidimensionais, no sentido de que podem ser moldadas
por vários fatores e analisadas por meio de vários processos sociais. Um deles será destacado
em nossa pesquisa: o desenvolvimento das desigualdades raciais que condicionam ao mesmo
tempo em que são condicionadas pela posição do negro no mercado de trabalho. O
reconhecimento da existência de desigualdades raciais no Brasil parece não ser fruto de
discordância entre cientistas sociais e economistas brasileiros (CHADAREVIAN, 2011,
p.283). As questões que orientam o debate passam a ser: a) a existência ou não do racismo
como fenômeno social no Brasil; e b) as causas; os condicionantes; e a melhor forma de
combater as desigualdades raciais, quando e se necessário.
Estas duas questões parecem entrelaçadas nesse debate já que para alguns autores as
especificidades das relações raciais brasileiras remetem às discriminações e preconceitos
1
Utilizaremos a classificação “negro” ou população negra como a soma das classificações “pretos” e “pardos”
do IBGE.
18
episódicos, mas não a um racismo estrutural. Neste sentido, a radicalização racialista proposta
por antirracistas2 implicaria em modelar políticas de combate às desigualdades raciais com
estratégias que produzam um contexto racista inexistente, segundo estes autores, no país. É
sobre alguns dos aspectos deste debate que trataremos no primeiro capítulo, buscando de
forma panorâmica apresentar elementos teóricos que o embasaram (MOURA, 1988;
SKIDMORE, 1991; ANDREWS, 1997; OSÓRIO, 2009; FERNANDES, 2007; TELLES,
2003; PAIXÃO, 2006).
A posição da população negra no mercado de trabalho, que a nosso ver dialoga com estas
questões, também se vale da discussão sobre o desenvolvimento das desigualdades raciais no
Brasil. O mercado de trabalho brasileiro passa a existir em sua configuração contemporânea,
isto é, um mercado de trabalho predominantemente assalariado, a partir do final do século
XIX com a abolição da escravidão. Num contexto em que escravos libertos e mestiços são
estigmatizados pelos séculos de escravidão, a divisão racial do trabalho se impõe de maneira
perversa com desdobramentos ainda visíveis, em especial desdobramentos socioeconômicos
que irão influenciar decisivamente em outras instâncias da vida.
Neste contexto, na primeira parte deste trabalho iremos, de forma breve, problematizar a
transição do trabalho escravo para o trabalho livre e os desdobramentos para a população
negra utilizando tanto a análise de autores que se debruçaram sobre o tema, quanto alguns
dados estatísticos mais recentes (MOURA, 1988; THEODORO, 2008; JACINO, 2008;
OSÓRIO, 2004 e 2009; ETHOS, 2010).
Dos condicionantes das desigualdades raciais no mercado de trabalho no Brasil, a questão
da terra, pela forma que foi tratada no século XIX, especialmente com a Lei de terras de 1850,
se torna particularmente importante. Importante porque para o negro e mestiço, escravizado
ou liberto, não houve possibilidade de aquisição de propriedade para se estabelecer e
desenvolver uma economia de subsistência autônoma. Ao negro afastado da propriedade de
terra restava apenas subordinação aos proprietários, vendendo sua força de trabalho rebaixada
monetariamente com o apoio dos estigmas da escravidão.
A industrialização tardia teria como corolário, além dos baixos salários, um contexto de
superexploração do trabalho que se tornaria mais predatória para a população negra na medida
em que a esta estavam reservados os menores rendimentos. Com o rebaixamento dos salários
fazia-se mister rebaixar a reprodução da força de trabalho (MARICATO, 2012), e a habitação
2
O campo simbólico de que partem racistas e parte dos antirracistas é similar, a diferença está da ressignificação
do racialismo como estratégia de luta por parte dos movimentos negros. Neste sentido a “raça” visa, em grande
medida, sua própria superação, tanto como discurso, quanto como fenômeno definidor de privilégios e
desigualdades. Ver: Guimarães, A.S.A. Classes, raças e democracia. São Paulo: FAUSP;Ed.34, 2002.
19
foi um dos custos retirados desta reprodução. Neste contexto, as pessoas se apropriam dos
espaços que sobram e o organizam da forma possível, muitas vezes na ilegalidade com
autoconstruções precárias e sem acesso a serviços públicos básicos.
A segregação residencial de grupos raciais também é outro fator decorrente da questão da
propriedade da terra no Brasil. Diferente do modelo rígido dos norte-americanos, o modelo
brasileiro é mais sútil e flexível. Envolve aspectos físicos (territoriais), e também simbólicos
ao mesmo tempo em que dialoga com o desenvolvimento da natureza das relações raciais no
Brasil, entendida por muitos como um “racismo à brasileira”. No capitulo três faremos
algumas considerações sobre a questão da terra no Brasil e suas repercussões nas relações
raciais e no mercado de trabalho (HOLSTON, 2013; MENDES, 2009; CARDOSO E
CONCEIÇÃO, 2011; TELLES, 2003; BARROS, 2011; FRANÇA, 2010; ROLNIK, 2007).
Além de breve, mas necessária revisão bibliográfica sobre os temas supracitados, dois
dos argumentos que nortearão nossa pesquisa serão trabalhados na primeira parte: a) a
compreensão de que as transformações econômicas no período foram cruciais para estabelecer
novos padrões de políticas sociais; e b) um ambiente cultural remodelado por forças sociais
que apontava para maiores avanços na redução das desigualdades raciais nas décadas de 1990
e 2000.
Sobre o primeiro, a crise dos anos 1970 e a emergência do ideário neoliberal que se
iniciou no Chile, na Inglaterra e nos EUA e posteriormente se espraiou por vários países do
mundo, dentre eles o Brasil, fez com que o Estado mantivesse uma postura não
intervencionista, diminuindo, portanto, o alcance das políticas sociais. No Brasil, foi no início
dos anos 1990 que emergiu a onda neoliberal como resposta à crise que se arrastou durante
toda a década anterior (FILGUEIRAS, 2006; ALVES, 2014; ARAÚJO, 2012, POCHMANN,
2010). No período posterior, os anos 2000, o modelo neodesenvolvimentista muda a relação
do Estado com a sociedade, ampliando o escopo das políticas sociais. O Estado torna-se assim
mais intervencionista, procurando atuar diretamente nas mazelas sociais que passam por outro
nível de reconhecimento e legitimidade na medida em que o mercado passa a ser, ao menos,
problematizado, sem necessariamente perder seu caráter fetichizado, isto é, o mercado já não
é a resposta para tudo, mas mantém sua posição de influência inabalável. Do ponto de vista
das desigualdades raciais não analisaremos nenhuma política específica, mas faremos algumas
considerações sobre como duas orientações gerais e de naturezas opostas influenciaram as
determinações das desigualdades raciais no mercado de trabalho no período, a saber, o
neoliberalismo e neodesenvolvimentismo e suas influências nas desigualdades sociais, dentre
elas, as raciais (POCHMANN, 2010; ALVES, 2014; IPEA, 2010; SOARES, 2008).
20
3
Ver: Lima, M. Desigualdades raciais e políticas públicas: ações afirmativas no governo Lula. Novos Estudos
CEBRAP, 87, jul./2010, p.77-95.
21
4
Neste trabalho quando referirmo-nos ao “Censo” será sempre o Censo Demográfico do IBGE. Por vezes iremos
subtrair o “Demográfico” sem, contudo, alterar o enunciado anterior.
22
Mas antes de tentar compreender as mudanças com recorte raça ou cor, procuramos
problematizar a questão do crescimento econômico na década de 2000 e como o mercado de
trabalho se comportou diante deste, pois, se é verdade que o nível de emprego volta a
patamares desejáveis, também é verdade que as transformações oriundas da reestruturação
produtiva afetaram o emprego, qualitativamente falando (DIEESE, 2012; POCHMANN, 2006
e 2010; ALVES, 2014; SEADE-DIEESE, 2011). Por fim, faremos breves considerações e
possíveis conclusões sobre os resultados obtidos na pesquisa.
A pergunta que move nossa pesquisa é: ocorreram importantes alterações nas
desigualdades raciais no mercado de trabalho no ABC em duas décadas de grandes
transformações econômicas, políticas e culturais no quadro nacional, considerando as
especificidades da região?
O ABC, região sui generis no que diz respeito à alta dinâmica do mercado de trabalho
urbano com forte histórico industrial e sindicalista, ou seja, um complexo regional trabalhista
que em tese, por estas mesmas especificidades, em um período de expansão da economia
como a década de 2000, se mostraria mais propenso para uma mais robusta redução das
desigualdades entre trabalhadores negros e não negros. Entretanto, nossa hipótese é que as
desigualdades raciais no mercado de trabalho do ABC, dado todo acúmulo de desvantagens
históricas pelos negros, incluindo nestas mecanismos de discriminação, são menos sensíveis
às transformações indicadas, mantendo-se em um nível indesejado em um contexto de crise
ou de expansão da economia.
Do ponto de vista metodológico, qualquer que seja o estudo que envolva desigualdades,
quando se trata da população negra, o elemento “racismo” influi na análise.
Metodologicamente, portanto, assumimos – baseados em vários autores, dentre eles Telles
(2003), Guimarães (2009), e Moura (1988) – a existência do racismo (como fenômeno social)
na sociedade brasileira como pressuposto e não como possibilidade. Considerando as
peculiaridades da formação socioeconômica brasileira e das relações raciais paradoxais
desenvolvidas no Brasil denominadas por alguns autores de “racismo à brasileira” 5, o racismo
e seus corolários não são auto evidentes. Faz-se necessário um estudo sistemático das várias
dimensões do racismo para compreendê-lo. Para tanto a classificação racial e o
reconhecimento de “raça” como categoria social e de análise definidora de uma sociabilidade
5
Ver: Da Matta, R. “Digressão: a fábula das três raças, ou o problema do racismo à brasileira”. In: Da Matta, R.
Relativizando: uma introdução à antropologia social. 4ª ed. Petrópolis: Vozes, 1984. pp. 58-85; Silva, M. J.
Racismo à brasileira: raízes históricas: um novo nível de reflexão sobre a história social do Brasil. 4ª Ed. São
Paulo: Anita Garibaldi, 2009; e Telles, E. Racismo à brasileira: uma nova perspectiva sociológica. Tradução
Nadjeda Rodrigues Marquês, Camila Olsen. Rio de Janeiro, RJ. Relume-Dumará/Fundação Ford, 2003.
24
empírica que impacta de maneira positiva ou negativa as pessoas dependendo de sua posição
econômica, no território, o status atribuído e etc., é fundamental, com todos os problemas e
críticas devidas que os acompanham.
6
Ver: Osório, R. O sistema classificatório de “cor ou raça” do IBGE. Brasília: IPEA (texto para discussão nº.
996), 2003.
7
No caso das pesquisas do Censo do IBGE, a definição racial também pode ser atribuída por terceiros, um
membro da família que responde a entrevista, por exemplo.
8
Cardoso, C. F. Escravo ou camponês? O protocampesinato negro nas Américas. São Paulo: Brasiliense, 2004.
25
que tange a se tratar de um bom método oscilar entre dois níveis de análise, geral e regional,
já que a região não é explicável fora da totalidade de que faz parte e que lhe dá sentido, mas
ao mesmo tempo o sentido geral nem sempre é aplicável ou verificável no caso particular, as
especificidades regionais condicionam os significados ao mesmo tempo em que são
condicionadas e transformadas por estes.
Neste movimento, pretendemos testar o alcance e limites das generalizações relativas às
questões raciais encontradas na literatura (para o caso brasileiro) em uma região específica.
Assim como é possível afirmar a existência de um “nexo” que permite considerar as relações
raciais desenvolvidas no Brasil como um “racismo à brasileira”, isto é, um contexto relacional
entre grupos raciais que de certa forma se difunde pelo território nacional, também é preciso
considerar o aspecto regional como fundamental na análise das relações raciais para não
incorrer no erro de generalizações descontextualizadas a priori, pois características regionais
específicas podem influir nas generalizações validando-as ou não e até mesmo, se for o caso,
atualizando-as.
A abordagem metodológica será basicamente a análise de dados secundários
sistematizados e sintetizados em indicadores cotejados com uma literatura que dê conta tanto
das questões raciais quanto das questões relativas ao mercado de trabalho da região do Grande
ABC.
O objetivo da pesquisa é avaliar o comportamento das desigualdades raciais no mercado
de trabalho na região do ABC no contexto contemporâneo de transformações, assim como
aprofundar o debate sobre as desigualdades raciais no mercado de trabalho brasileiro
utilizando o ABC como recorte territorial de análise, contextualizado com o tema.
Do ponto de vista teórico, o objetivo é aprofundar o conhecimento sobre a questão racial
no ABC e a importância do mercado de trabalho como espaço precípuo de reprodução das
desigualdades raciais na sociedade capitalista.
26
PARTE I
Apesar disso, era impossível fechar os olhos para a situação racial do país em sua
diversidade. A pluralidade racial, ainda que se tratasse de um problema para uma elite que se
queria branca em uma nação branca, haveria de ser problematizada e equacionada. A
mestiçagem que então passou a ser uma estratégia transitória para o embranquecimento
gradual da população brasileira tornou ausente uma nítida “linha de cor”, já que “... a
sociedade brasileira baseava-se na crença explícita da superioridade branca, embora não na
supremacia branca” (SKIDMORE, 1991, p.7). Ou seja, a supremacia branca estava
9
Ver: Skidmore, T. E. Preto no branco: raça e racionalidade no pensamento brasileiro. São Paulo: Companhia
das Letras, 2012.
10
Ideologia política que preconiza o controle da reprodução humana a serviço de uma imagem normativa do
homem (Salankis, E. Cadernos Nietzsche, 32, 2013)
11
Teoria segundo a qual as diferentes raças humanas correspondiam a realidades diversas, fixas e essenciais, e,
portanto, não passíveis de cruzamento (Schwarcz, L. M. Nem preto, nem branco, muito pelo contrário: cor e raça
na sociabilidade brasileira. São Paulo: Claro enigma, 2012)
27
impossibilitada pela mistura, mas a superioridade branca era o artifício que justificava essa
mesma mistura e progressivo embranquecimento:
12
O período do Varguismo foi marcado tanto pela assimilação do discurso da democracia racial como elemento
de integração nacional, afirmando, portanto, os benefícios da miscigenação; quanto pela repressão a movimentos
negros como no caso do banimento da Frente Negra Brasileira (ANDREWS, 1985, p.54). A tese da democracia
social em substituição de uma democracia política que acompanhava o ideal de “nacionalidade mestiça”,
condizia com um discurso nacionalista e uma prática autoritária que caracterizou a maior parte da Era Vargas.
28
aparato ideológico que valorizasse a nação sem a ruptura com a sociedade patrimonialista.
Valorizar a nação, portanto, significava valorizar culturalmente seus elementos
“fundacionais”, a saber, o branco europeu, o negro africano e o indígena nativo.
No entanto, para além do valor positivo dado às influências negra e indígena na cultura
nacional, a valorização da mestiçagem – que possibilitaria o futuro desenvolvimento
conceitual do mito da democracia racial – girava principalmente em torno do enriquecimento
cultural da elite, em grande medida branca, e a politização do debate em torno do dilema
29
Isso porque diferente dos Estados Unidos em que as dissensões raciais assumiram uma
forma aberta e a segregação racial, inclusive, instituída como política de Estado13 por várias
décadas (as leis “Jim Crow”), no Brasil, o “racismo à brasileira” tendia a confundir
segregação-exclusão com mistura-inclusão14, tornando o racismo, quando não negado através
de ideologias como a do mito da democracia racial, velado ou transportado ao campo do
preconceito e da discriminação individual. Ou seja, segundo este ponto de vista, algumas
pessoas e não a sociedade brasileira é racista. O orgulho nacional ferido, responsável pela
ideia do “embranquecimento”, também é responsável por sua suposta contraposição. Que vale
dizer que o mito da democracia racial é a continuação de tal ideia, não mais pela substituição
do negro, mas por sua mistura com o elemento branco “superior”. Neste sentido, Antônio
Sérgio Guimarães (2009, p.55) vai afirmar que:
Freyre mantém viva a ideia de “raça” sem superá-la, ele a relativiza deslocando-a do
campo da biologia para o da cultura. Portanto, a perspectiva eurocêntrica que orientou o
racismo científico de cunho biologista da Escola de Nina Rodrigues, orientou também o
culturalismo que o questionava.
13
Segundo Andrews (1985, p.55) “... Se a brutalidade e a crueza do racismo norte-americano provaram ser sua
maior fraqueza, então, ao inverso, a flexibilidade e a sutileza do racismo brasileiro provaram ser sua maior
força”. Esta peculiaridade faz com que o racismo brasileiro seja especialmente problemático no que se refere ao
seu enfrentamento, pois se trata de um inimigo “... mutante, escorregadio e, sobretudo invisível.” (Ibidem, p.56).
14
Especialmente nas classes mais baixas. Nas classes mais altas a segregação racial ocorria e ocorre em vários
espaços privados como bares, clubes, escolas e etc. A segregação se dá por mecanismos simbólicos e ocultos,
especialmente de caráter socioeconômico, ver : CONCEIÇÃO, M. V. P. Rugosidades étnicas e a espacialidade
do preconceito racial. 117f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Faculdade Ciências e Tecnologia, Programa
de pós-graduação em Geografia, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Presidente Prudente, 2004.
30
Para Clóvis Moura (1988, p.9), assim como não ocorreu uma democracia social15
fundamental, da mesma forma não se pode falar de uma democracia racial16, e os negros,
libertos, ficaram inertes ante aos mecanismos de seletividade estabelecidos pelas elites. Com
o declínio da sociedade senhorial e o avanço das relações capitalistas, o escravismo torna-se
anacrônico no Brasil. A incipiente industrialização e a economia cafeeira, ainda
preponderante no final do século XIX, careciam de modernização para que qualitativamente
caminhassem na direção de um capitalismo autônomo. Sem a ruptura com a antiga base
social:
Neste sentido, a subalternização econômica fez com que a ruptura plena e necessária com
a estrutura escravista não ocorresse, mas sim um rearranjo interno que manteve as classes e
estratos sociais oprimidos em um espaço social também subalternizado por meio da
manipulação das “... ideologias de controle e as instituições de repressão dando-lhes uma
funcionalidade dinâmica e instrumental” (MOURA, 1988, p.55). Era, portanto, um projeto de
nação, elaborado pelas elites que pretendia negar à grande parcela da população a condição de
cidadão, ainda que formalmente fingisse integrá-la.
15
A expressão “democracia social” foi assimilada e defendida por Gilberto Freyre como sendo superior à
democracia política europeia, pois integraria em seu campo social elementos diferentes, ao contrário da
democracia europeia que impossibilitava cidadania ao diferente (GUIMARÃES: 2009).
16
Andrews afirma que: “Durante a primeira metade dos anos 1900, (o Brasil) foi frequentemente descrito, tanto
por observadores nativos quanto estrangeiros, como uma democracia racial na qual negros, mulatos e brancos
viviam sob condições de igualdade jurídica e, em grande medida, social” (ANDREWS, 1997, p.95). Este
entendimento do que seria uma democracia racial vigorou para além do período assinalado pelo autor tendo sido
objeto de desconstrução e críticas, principalmente após estudos de Florestan Fernandes e Roger Bastide para o
projeto UNESCO. (GUIMARÃES, 2001, p. 152).
31
Na terceira onda a desigualdade racial já não era mais fruto da proximidade histórica com
a abolição (como na primeira onda) ou de uma modernização lenta (como na segunda onda) e
nem seria o racismo superado pela racionalidade do capitalismo. O racismo plástico e
adaptável fora racionalizado e internalizado nos processos de modernização (OSÓRIO, 2009,
p.16). Florestan Fernandes em artigo de 1966 já levantava a dúvida em relação à validade da
ideia de democracia racial:
17
Na primeira onda era possível identificar Gilberto Freyre, Arthur Ramos, Donald Pierson; na segunda,
Florestan Fernandes, Oracy Nogueira, Otávio Ianni; e na terceira, Nelson do Valle Silva e Carlos Hasenbalg,
porém o debate englobou vários outros autores nas três ondas não citados aqui.
32
Apesar disso, para Fernandes, como observa Osório (2009, p.26), o preconceito racial
surgido no Brasil, no tempo da colônia, tendia ao desaparecimento na medida em que a
sociedade de classes capitalista se desenvolvesse. O racismo arcaico, disfuncional e irracional
era incompatível com uma sociedade urbana de classes moderna em pleno desenvolvimento, e
a integração haveria de ocorrer, porém lentamente.
Telles (2003, pp.76-77) aponta que Hasenbalg concluiu que o racismo e o capitalismo
eram completamente compatíveis, pois o status de inferioridade que o negro adquirira após a
abolição serviria aos interesses simbólicos e materiais das classes dominantes brancas,
desqualificando os concorrentes – em uma sociedade competitiva como a capitalista – não
brancos. As desigualdades raciais, para Hasenbalg, se sobrepunham às desigualdades de
classes e a integração do negro na sociedade de classes não seria o suficiente para eliminar o
racismo e as desigualdades raciais.
A percepção das relações e desigualdades raciais nos diversos autores das correntes
supracitadas pode, segundo Telles (2003, p.302), ser organizada em duas gerações: a primeira,
dos anos 30 aos anos 60 (Gilberto Freyre, Donald Pierson, Marvin Harris e etc.) exibiu as
maravilhas da miscigenação e a segunda, desde o início dos anos 50 (Florestan Fernandes,
Roger Bastide, Oracy Nogueira e etc.) apontou para o racismo amplo e profundo incrustado
nas desigualdades sociais brasileiras. A primeira geração enfatizou o que Telles (2003, p.311)
33
O debate sobre as relações e desigualdades raciais no Brasil reflete e tem embutido em si,
representações e percepções dos conflitos que afetam não só o “imaginário popular”, mas
também a orientação de políticas públicas. Neste contexto, o debate sobre a relação
classe/raça tornar-se-á importante para analisar políticas e definir prioridades. Correndo o
risco de generalizar, pode-se definir que se há o entendimento que a classe se sobrepõe à raça,
políticas voltadas para os mais pobres seriam eficazes para superação das desigualdades
raciais; se, ao contrário, há o entendimento que a raça se sobrepõe à classe, ou estão
imbricadas num mesmo grau de importância, as políticas deveriam ser focalizadas.
Recentemente a questão das ações afirmativas aparece como corolário do debate sobre as
desigualdades raciais. A despeito das desigualdades raciais reconhecidas pela maior parte dos
autores que tratam destas questões, a democracia racial volta ao debate. Como aponta Marcelo
Paixão, vários autores reconhecem a democracia racial como mito, porém “... o mito guarda
uma importância por ele mesmo, tendo em vista sinalizar um tipo de desejo coletivo, ausente
de outras realidades onde a discriminação racial não faria questão de se manifestar de forma
velada” (PAIXÃO, 2006, p.20). E continua o autor:
De fato, a partir dos anos 80 o modelo americano exerceu forte influência nos
movimentos negros brasileiros. Sobre esta questão Andrews (1997) fez importantes
observações: i) o movimento dos direitos civis nos Estados Unidos e as conquistas no
combate as barreiras raciais foram fruto da coesão ante a um inimigo declarado e esta
estratégia política fez com que militantes brasileiros – “... desejosos de expressar uma
identidade independente e oposta...” ante a cooptação de uma brasilidade negra por discursos
como o da democracia racial que discorria sobre as maravilhas da miscigenação – se
inspirassem nos movimentos culturais e políticos negros de resistência norte-americanos
(ANDREWS, 1997, p.104); ii) do ponto de vista histórico o Brasil foi, na primeira metade do
século passado, racialmente mais igualitário que os Estados Unidos, entretanto desde a década
de 1950 a situação se inverteu, tornando os Estados Unidos,
18
Ver: Fry, P. Et al. (Org.) Divisões Perigosas: políticas raciais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Editora
Civilização Brasileira; 2007.
35
Portanto, o apego aos elementos culturais e a percepção identitária forjada por um mito
nacional só faz justificar as desigualdades raciais, combinando mistura racial com racismo;
valorização da cultura negra com genocídio do povo negro, em especial do jovem (CÍRCULO
PALMARINO, 2013); elogio da diversidade com manutenção das desigualdades entendidas
como intrínsecas ao modelo e etc. Paixão (2006) argumenta que o padrão desigual hierarquiza
a interação entre os grupos raciais, em que os brancos se encontram no polo superior
dominante, tanto do ponto de vista moral quanto cognitivo e os negros deveriam se adequar
ao padrão sendo-lhe complacente. Conclui o autor:
Na medida em que estes grupos não reivindicassem igualdade, mais uma vez
em termos econômicos, poder e de prestígio social, as relações entre ambos
os grupos poderiam transcorrer de forma amistosa nos momentos específicos
das festividades, do lazer e da religião (as áreas moles do contato racial). Ou
seja, as assimetrias é o preço que se paga pela paz. Assim, no interior deste
ponto de vista, são as disparidades raciais que garantem a qualidade dos
modos de interação entre brancos e negros no Brasil. Esta é a chave do
entendimento da Lenda da Modernidade Encantada. Ou melhor, esse é o
segredo do racismo à brasileira.
19
A Lei de terras era um obstáculo ao livre acesso da terra por parte da massa da população pobre, inclusive por
parte dos ex-escravos, daqueles que viessem ser libertados da escravidão. Em oposição à lei da colonização
aprovada nos EUA na mesma época (a reforma agrária norte-americana) em que as terras do Oeste foram abertas
à livre ocupação dos colonos, mediante supervisão e controle do governo. (Martins, J. de S. A questão agrária
brasileira e o papel do MST. In: Stédile, J. P. (org.) A reforma agrária e a luta do MST. Petrópolis: Vozes, 1997.
pp. 11-76).
20
Lei que proibia definitivamente o tráfico de escravos para o Brasil.
37
Clóvis Moura (1988), nessa linha de raciocínio, aponta que mesmo no seio do que viria
ser o proletariado brasileiro, havia discriminação racial. A integração social dos negros e
pardos ex-escravos, segundo o autor, não ocorreu, como muitos pregaram, e nem os negros
compuseram por automatismo a classe operária ou camponesa nos seus diversos níveis e
setores, antes, compuseram o setor marginalizado que seria funcional ao que o autor chamava
de capitalismo dependente que despontou com o fim do escravismo tardio21:
Para Moura, a representação do negro como sendo incapaz de trabalhar como assalariado
por possuir um desenvolvimento mental rudimentar; uma forte preferência pelo ócio22 e tantos
21
Escravismo tardio foi o período pós 1850 quando vários setores da sociedade brasileira vislumbravam o fim
da escravidão, mas com a continuidade das desigualdades profundas na ordem social. (Mesquita, E. Clóvis
Moura (1925-2003). Revisto Afro - Ásia, 31 (outubro, 2004), 337-356). O capitalismo dependente possui a
mesma configuração, porém possui como pressuposto o trabalho livre assalariado.
22
Estes estereótipos influenciaram, inclusive, nas análises de grandes intérpretes da sociedade brasileira como
Celso Furtado (Furtado, C. Formação econômica do Brasil. 34ª Ed. São Paulo: Companhia das letras, 2007,
38
outros estereótipos, contribuiu para que a massa de negros disponível não fosse aproveitada
em detrimento do trabalhador estrangeiro, tido como mentalmente superior e mais produtivo
em face da ociosidade do negro, do mestiço. Os estereótipos que se reforçaram especialmente
no período da passagem do trabalho escravo para o trabalho livre, não encontraram eco com a
realidade durante o escravismo quando negros escravizados ocupavam diversas funções:
Outro autor que trata do tema da transição do trabalho escravo para o trabalho livre na
cidade de São Paulo, Ramatis Jacino, argumenta que existia um significativo contingente de
trabalhadores negros, livres, neste período, exercendo as mais variadas profissões, simples e
sofisticadas, “E, ainda, que, no processo de abolição, foram alijados do mercado de trabalho e
substituídos por mão-de-obra estrangeira, fosse por iniciativas legais, fosse por ações da
administração pública empresariais” (JACINO, 2008, p.13).
p.203) e Caio Prado Júnior (Prado Jr., C. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Companhia das Letras,
2011, p.28). A justificativa era de que essas características eram advindas do tipo de desenvolvimento que as
elites brancas impuseram a população negra escravizada, porém não deixa de ser pejorativo.
39
Com base na análise da legislação brasileira produzida ao longo do século XIX, o autor
constata que esta teve como corolário a marginalização do negro no mercado de trabalho. A
lei de 04 de setembro de 1831 que proibia a importação de africanos escravizados não definiu
um status jurídico para os africanos “livres” que eram traficados ilegalmente e, portanto, em
tese, não poderiam ser escravos. Esta falta de uma definição jurídica fez com que este
contingente prestasse serviços análogos à escravidão. A lei Eusébio de Queiroz de 1850
aprofundava alguns pontos da lei de 1831, determinando a não cidadania brasileira para o
africano “livre” que deveria ser deportado para sua região de origem, até isto acontecer o
indivíduo ficaria sobre a tutela do Estado, prestando serviços para este, sem a possibilidade de
concessão a particular. O autor destaca que:
Num contexto de difícil separação entre o público do privado, tal determinação teria
pouca validade e o aspecto mais relevante é que o tempo que separa esta da lei que
normatizava o uso e posse da terra (a Lei de terras era de 18 de setembro) era de apenas
quatorze dias, não se tratando de “coincidência”, mas de novos aspectos econômicos que
iriam reger o país, a substituição da compra do trabalhador pela compra de sua força de
trabalho. É neste contexto que o trabalhador escravizado torna-se livre. Não pela
desumanização a que estava imposto, mas antes por ser disfuncional ao sistema:
Rafael Osório (2004) partindo dos estudos sobre mobilidade social de Carlos Hasenbalg,
Nelson do Valle Silva e José Pastore, vai analisar o grau de mobilidade social dos negros no
Brasil e constata, como os autores citados, que a educação e a origem social são os fatores que
mais pesam como determinantes na posição das pessoas na estrutura social. À transmissão
intra e intergeracional das desvantagens na estrutura social e das realizações educacionais
somam-se ao elemento racial e não o excluem como seria esperado numa sociedade de classes
competitiva em que elementos próximos aos estamentais (como raça ou gênero),
aparentemente disfuncionais, inserem barreiras não apenas ao desenvolvimento dos grupos
em questão, mas a toda sociedade:
Osório, no entanto, discorda de Hasenbalg, Pastore e Silva, entre outros autores por ele
denominado de terceira onda teórica, no que diz respeito à hipótese de alta mobilidade social
na sociedade de classes brasileira, seja para negros, seja para brancos. Neste sentido, numa
sociedade dinâmica, que rapidamente crescia e se urbanizava com a consolidação do trabalho
livre, o imobilismo social dos negros era fruto de barreiras discriminatórias e de um regime de
mobilidade diferenciado (OSÓRIO, 2009, p.37). Para o autor esta é uma perspectiva que diz
respeito a uma determinada forma de entendimento de mobilidade social baseadas em “...
esquemas de classe típicos dos estudos sociológicos...” e na admissão da existência de “... um
volume alto de mobilidade, porém de curta distância...”, isto é, um contexto em que as
pessoas mudam de patamar socioeconômico, porém para um degrau imediatamente superior
aqueles ocupados por seus pais. Conclui:
Constata-se, portanto, que a baixa mobilidade social entre a maioria dos negros deve-se
tanto a sua ascendência escrava; origem pobre; às suas dificuldades em termos de
oportunidades educacionais; e à segmentação no mercado de trabalho que tende a relegar a
população negra aos trabalhos pesados e braçais.
42
Segundo dados do IBGE referentes aos Censos Demográficos de 2000 e 2010, quando
considerados indicadores de renda, educação e trabalho, pode-se perceber que nesta década o
avanço foi importante, mas a diferença entre os grupos de cor ainda permanece bastante
relevante. No tocante aos rendimentos ocorreu uma queda na desigualdade racial, porém se
tomarmos o período entre 2000 e 2010 como referência para projetar o futuro23, o ritmo de
queda na desigualdade sugere que uma igualdade perfeita de rendimentos (domiciliar per
capita) entre negros e não negros dar-se-ia em aproximadamente 90 anos. O quadro 1 nos
mostra o quão ainda distante estão os rendimentos domiciliares per capita e os rendimentos
em todos os trabalhos entre os grupos raciais, apesar do aumento real, o incremento dos
rendimentos dos não negros foi mais significativo.
23
Utilizou-se a linha de tendência polinomial da planilha do software Excel.
43
notar os efeitos positivos das cotas nas universidades e dos programas de financiamento
universitário para parte da população negra, considerando que o acesso à universidade ainda é
dificultado para todos, no entanto, se em termos de efetividade o objetivo era a diminuição
das desigualdades raciais, este ainda não foi alcançado, pelo contrário, se considerarmos a
dinâmica demográfica dos grupos raciais na década, a distância aumentou. Talvez seja
necessário reavaliar no sentido de aprofundar as ações afirmativas no ensino superior.
Nos grupos de ocupação, a igualdade entre negros e não negros nas posições mais
prestigiadas ocorreria em aproximadamente 45 anos, levando-se em conta o ritmo de queda da
desigualdade racial entre 2000 e 2010. A questão é a que a média salarial dos negros é bem
inferior nos dois momentos em grupamentos ocupacionais teoricamente mais homogêneos.
Lembrando que no quadro 3 a distribuição é no interior de cada grupo, isto é, no ano de 2010,
por exemplo, 2,3 % dos negros ocupados eram diretores e gerentes.
Em pesquisa realizada pelo Instituto ETHOS (2010), em parceria com o IBOPE, sobre o
perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil, a composição por cor ou
raça dos cargos de executivo, gerência, supervisão e funcional apresentaram resultados que
demonstram o grau de segmentação racial nestas empresas.
Nota-se no quadro 5 que a proporção de negros nos quadros mais prestigiados cresceu em
sete anos, com mais representatividade nos cargos de supervisão, porém ao olharmos para o
todo, a distância ainda é considerável. De fato, é uma evolução que deve ser considerada e
refletida, já que segundo o relatório (ETHOS, 2010, p.27) as ações das empresas são em sua
grande maioria pontuais e específicas sem um plano de ação a médio e longo prazo. Ao que
parece dois são os aspectos que incidem sobre este avanço: negros com maior escolaridade e o
efeito social das ações afirmativas, portanto, é principalmente por iniciativa do Estado que as
desigualdades raciais foram e podem ser reduzidas.
45
Quadro 5 - Composição (%) dos quadros das 500 maiores empresas do Brasil por cor ou
raça (2003-2010)
2003 2010
Cargos
Não negros Negros Não negros Negros
Executivo 98,2 % 1,8 % 94,7 % 5,3 %
Gerência 91,1 % 8,8 % 86,6 % 13,2 %
Supervisão 86,4 % 13,5 % 74,3 % 25,6 %
Funcional 76,4 % 23,4 % 68,6 % 31,1 %
Fonte: Instituto ETHOS de Empresas e Responsabilidade social (2010, p. 14).
Nota: Não foram considerados os indígenas, por esta razão a somatória eventualmente não perfaz 100 %.
Apesar dos aspectos positivos, devemos tecer algumas considerações: i) mesmo nos
quadros funcionais a proporção de negros ainda é bem menor que a dos brancos, o que
significa que o negro é sub-representado nestas 500 maiores empresas do país e; ii) deve-se
levar em conta que o incremento da população negra no Brasil foi proporcionalmente muito
maior do que o aumento da participação em postos de comando, e aí o elemento racial faz a
diferença, seja no acesso dificultado à educação superior, seja nos mecanismos
discriminatórios velados presentes no mercado de trabalho. É interessante a observação feita
no referido documento:
divisão social do trabalho. Entendemos que no Brasil vigorou e tem vigorado, com algumas
exceções obviamente, uma regulamentação utópica do ponto de vista do discurso, e racista e
antidemocrática do ponto de vista prático25. A Lei de terras talvez seja um marco neste
processo por ter fracassado em todas as suas expectativas – e não ter sido, ainda que fora das
expectativas, um instrumento para o desenvolvimento do país do ponto de vista capitalista –
exceto em uma: “... a lei impediu o acesso de cidadãos e imigrantes pobres a propriedades de
pequena escala” (HOLSTON, 2013, p.182).
Com o fim da propriedade escrava no horizonte, a Lei de terras afastava o futuro liberto
dos seus meios de subsistência. Em seu artigo 1º fica explícito seu propósito:
Art. 1º Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro título que não seja
o de compra.
Na prática foi a institucionalização da terra como mercadoria e o impedimento do
pleiteamento por parte dos futuros libertos dos territórios por eles ocupados, seja quilombos
ou qualquer outra localidade, ainda que erma, desocupada ou improdutiva. Seguindo a leitura
do documento, percebe-se que as terras ou pertenceriam a um grande proprietário ou seriam
devolutas, isto é, sem dono ou pública (entendida neste contexto como propriedade estatal e
não coletiva), o que não implica em dizer que sua finalidade será social, já que o Estado
reservaria terras para políticas imigratórias, inclusive com o financiamento de colonos,
europeus evidentemente26. A pressão, principalmente dos latifundiários do sudeste cafeeiro,
para que não ocorresse aquilo que racionalmente em uma sociedade que se preparava para a
inserção no mercado a partir do trabalho livre deveria ocorrer, uma reforma agrária27, era a
forma de restringir aos pequenos produtores, potencialmente negros, mas também colonos
estrangeiros pobres, a posse e propriedade da terra. Se em teoria a Lei de terras era importante
25
Ver: Silva, M. M. Relações Raciais e Planejamento Urbano: algumas considerações. Revista Agenda Social,
V. 8, nº. 1, pp.122-138, 2014.
26
É importante destacar que o imigrante europeu, apesar de ser considerado importante do ponto de vista étnico
para embranquecer a população brasileira, era um trabalhador e como tal deveria ser subalternizado e
superexplorado. Holston (2013, p.173) observa que no debate sobre a finalidade e forma da imigração, em 1840,
a questão levantada era de que não deveriam ser produzidos concorrentes, e sim trabalhadores, portanto:
“Comum a todos era a proposta de ligar os novos trabalhadores às fazendas de forma que não fossem criados um
mercado de trabalho livre nem um mercado de terra acessível aos trabalhadores, pois, sem esses mercados, os
imigrantes livres não teriam escolha a não ser trabalhar nas fazendas. Especialmente nos casos em que as
passagens tivessem sido subsidiadas, isso resultaria na substituição da escravidão por um tipo de servidão
contratada”.
27
Holston (2013, p.172) parece entender que a Lei de terras era uma das formas de reforma agrária na medida
em que organizava o sistema fundiário brasileiro estabelecendo prerrogativas. No entanto, entendemos que a
manutenção de privilégios da mesma elite agrária sob novas determinações não pode ser entendida como uma
“reforma”, mas sim como uma pró-forma, isto é, a formalização de uma situação já dada, pois a posse da terra
era condicionada pela violência e insegurança, exceto para os grandes latifundiários.
48
O obstáculo imposto à aquisição de um lote para cultivar fez com que parte
dos que aportavam de forma espontânea no Brasil desistissem de se dirigir
para a agricultura e se voltassem, logo após o desembarque, para atividades
urbanas, inversamente do que pretendeu o legislador.
O negro no período pós-abolição é visto como um problema e vai ser empurrado, por
diversos mecanismos que lhe fugiam o controle, para marginalidade que determinará o seu
“local de residência”. A partir deste processo de marginalização, em um período posterior, a
análise dos aspectos ideológicos e de dominação nacional-desenvolvimentistas – que
pregavam a urbanização e o desenvolvimento como redentores das desigualdades raciais – e
das desigualdades regionais, são importantes, mas não determinantes, por conta da
complexidade da questão racial, para a compreensão do atual quadro, especialmente urbano,
da condição precária da população negra no que tange aos locais de residência. Aqui estamos
tratando de aspectos habitacionais, de infraestrutura e outras condições que influenciam direta
ou indiretamente nas desigualdades raciais no mercado de trabalho.
O processo de industrialização, ao carecer de um contingente de mão-de-obra para atuar
direta ou indiretamente na produção, estruturou novas hierarquias ocupacionais que se
relacionavam com as desigualdades regionais, raciais e habitacionais. A diversificação e a
dinamização das atividades em um contexto de crescimento econômico criam desigualdades e
geram dependências, ao mesmo tempo em que tornam mais complexa a divisão social do
trabalho que está “... na origem das assimetrias que são observadas nas dimensões setorial e
49
28 Bresser-Pereira afirmou sobre o Estado nacional-desenvolvimentista que: “... o objetivo básico da política era
promover o desenvolvimento econômico e, em segundo lugar, para que isso acontecesse a nação – ou seja, os
empresários, a burocracia do Estado, as classes médias e os trabalhadores unidos na competição internacional –
precisava definir meios para alcançar esse objetivo no âmbito do sistema capitalista, tendo o Estado como
principal instrumento de ação coletiva” (Bresser-Pereira, L. C. Do antigo ao novo desenvolvimentismo na
América Latina. Escola de Economia de São Paulo/FGV (textos para discussão 274), São Paulo, novembro,
2010, p. 6-7).
50
Alister Parks (1990 apud TELLES, 2003, p.161) ao referir-se sobre os planos de
autoridades sul-africanas sobre a reforma depois do apartheid observou que:
29
A região Leste neste período era formada pelos Estados de Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio
de Janeiro e o Distrito federal. A região Nordeste o restante dos Estados do atual Nordeste e o estado de São
Paulo fazia parte da região Sul junto com os atuais Estados desta região.
30
Aqui o cálculo foi feito para o que está estabelecido hoje como região Nordeste.
31
http://seculoxx.ibge.gov.br/images/seculoxx/arquivos_download/populacao/1946/populacao_m_1946aeb_08.p
df.
32
http://seculoxx.ibge.gov.br/populacionais-sociais-politicas-e-culturais/busca-por-palavra-chave/populacao
53
Em 2001 os pobres eram majoritariamente negros, exceto pela região Sul devido à alta
concentração da população branca. Porém esta região também apresentou um percentual
maior de negros pobres comparativamente aos brancos. A maior parte dos pobres está
concentrada na região Nordeste, e também de negros pobres. O Centro-Oeste apresenta os
percentuais mais próximos de pobres negros e brancos, mas é no Sudeste que esta porção da
população é mais homogênea racialmente como nos mostra o quadro 6 e 7.
Quadro 6 - Percentual de pobres por cor ou raça – Brasil e Grandes Regiões (2001)
Centro-
Norte Nordeste Sudeste Sul Brasil
Oeste
Branca 33,6% 46,9% 15,6% 20,4% 20% 22,4%
Negra 48,4% 61,9% 32,1% 38,9% 33,6% 46,8%
Total 44,3% 57,4% 21,5% 23,3% 27,6% 33,6%
Fonte: PNUD, 2005, p. 61
Quadro 7 – Perfil racial da população pobre (%) – Brasil e Grandes Regiões (2001)
Centro-
Norte Nordeste Sudeste Sul Brasil
Oeste
Branca 21% 24,1% 46% 73,6% 30,9% 35,5%
Negra 78,8% 75,6% 53,5% 25,9% 67,9% 64,1%
Total 7,7% 49% 27,6% 10,5% 5,2% 100%
Fonte: PNUD, 2005, p. 61
do ponto de vista da fruição da riqueza social gerada existe uma divisão racial no Brasil
(quadro 8). Obviamente que não se trata de supor homogeneidade social no interior do grupo
dos afrodescendentes e dos brancos. Existem outliers nos dois grupos, porém é inegável o
hiato social que funciona como nexo das relações raciais brasileiras, independente da região.
Em todas as regiões há desvantagem dos afrodescendentes, sendo nas regiões Sul e Sudeste as
diferenças mais acentuadas, regiões mais desenvolvidas do país.
É evidente que a estrutura racial em Salvador é diferente de São Paulo, assim como as
desigualdades no mercado de trabalho em Camaçari são diferentes das da região do ABC, mas
há um nexo interrelacional subjetivo e histórico entre grupos raciais que independe de
território, e nessa interrelação a desvantagem é da população negra. Se tomarmos a questão
habitacional como exemplo, em todas as regiões os negros aparecem com piores indicadores.
55
No que diz respeito aos residentes em 2010 nos aglomerados subnormais 33, setores territoriais
mais precários sob vários aspectos (habitação, infraestrutura, acesso a serviços básicos e etc.).
A maior diferença em pontos percentuais de uma e outra categoria está na região Sudeste. A
região que mais se urbanizou e, provavelmente, que mais se desenvolveu financeiramente é
também a que concentra o maior contingente (em valores absolutos) da população negra
nesses setores territoriais precários, mais de 3,5 milhões que equivale a mais de 10 % da
população negra total da região. A região Norte também apresentou percentuais altos, em
termos relativos mais altos que do Sudeste e, no caso de negros e não negros, a diferença é
que nessa região a maioria da população é negra (73,7 %), diferente do Sudeste que a
população negra era de 43,8 % e a não negra 56,1 %, portanto, a proporção de negros em
aglomerados subnormais no Norte, ainda que alta, no que diz respeito a comparação com a
população não negra a desigualdade é menor que no Sudeste.
33
O IBGE assim definiu aglomerados subnormais para o Censo Demográfico de 2010: “O setor especial de
aglomerado subnormal é um conjunto constituído de, no mínimo, 51 (cinquenta e uma) unidades habitacionais
(barracos, casas...) carentes, em sua maioria de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até
período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas, em geral, de forma
desordenada e densa. A identificação dos Aglomerados Subnormais deve ser feita com base nos seguintes
critérios: a) Ocupação ilegal da terra, ou seja, construção em terrenos de propriedade alheia (pública ou
particular) no momento atual ou em período recente (obtenção do título de propriedade do terreno há dez anos ou
menos); e b) Possuírem pelo menos uma das seguintes características: urbanização fora dos padrões vigentes -
refletido por vias de circulação estreitas e de alinhamento irregular, lotes de tamanhos e formas desiguais e
construções não regularizadas por órgãos públicos; e precariedade de serviços públicos essenciais. Os
Aglomerados Subnormais podem se enquadrar, observados os critérios de padrões de urbanização e/ou de
precariedade de serviços públicos essenciais, nas seguintes categorias: a) invasão; b) loteamento irregular ou
clandestino; e c) áreas invadidas e loteamentos irregulares e clandestinos regularizados em período recente.
(IBGE: 2011). Portanto, aglomerados com menos 51 domicílios, mesmo preenchendo os critérios necessários
para identificação de aglomerado subnormal, não foram considerados, a não ser que fossem contíguos a outros,
isto é, alocados sequencialmente. Neste sentido, uma pequena parte das unidades habitacionais do município
passíveis de serem identificadas como aglomerados subnormais ficou de fora deste universo, ainda que a
pesquisa censitária tenha sido realizada no domicílio. Algumas características são básicas dos domicílios deste
recorte territorial: a ilegalidade da posse da terra atual ou há pelo menos dez anos antes da obtenção do título de
propriedade e a inadequação urbanística com entorno e construções fora dos padrões vigentes pelos órgãos
públicos. Além disso, devido às dificuldades de acesso, há precariedade dos serviços públicos quando
comparados às áreas regulares. Quando comparado às características definidas pelo IBGE, àquelas elencadas
pelo Observatório das Favelas (Silva, J. S.; Barbosa, J. L.; Biteti, M.O.; Fernandes, F.L. O que é favela, afinal?
Rio de Janeiro: observatório de favelas do Rio de Janeiro, 2009), estas são bem próximas com a adição de
algumas outras como, por exemplo, a insuficiência histórica de investimentos do Estado e do mercado formal,
em especial, imobiliário, estigmatização socioespacial por moradores de outras áreas da cidade e níveis elevados
de subemprego e informalidade nas relações de trabalho. É importante salientar que a pesquisa do IBGE foi feita
através de critérios definidos por técnicos do IBGE e de outras instituições, inclusive administrações municipais,
mas não esgotam as informações e não traduzem fielmente tudo aquilo o que é o aglomerado subnormal (ou
assentamento precário) e a população lá residente.
56
Quadro 10 – População brasileira por cor ou raça e domicílios com revestimento externo
inadequado, não existência de energia elétrica e regiões (2010).
% da população cujos domicílios não
possuíam revestimento externo % da população cujos domicílios não
Regiões predominante de alvenaria ou madeira possuíam energia elétrica
aparelhada
Não negros Negros Não negros Negros
Norte 5,6 % 9,1 % 4,0 % 7,1 %
Nordeste 4,2 % 7,9 % 1,5 % 2,5 %
Centro-Oeste 1,1 % 2,0 % 0,4 % 0,9 %
Sudeste 0,5 % 1,1 % 0,1 % 0,4 %
Sul 1,6 % 3,5 % 0,2 % 0,7 %
Brasil 1,6 % 4,9 % 0,6 % 2,1 %
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
nascente, dentro ou fora da propriedade. A região Norte apresentou índices mais altos da não
ocorrência do abastecimento nesta modalidade, sendo que uma parte importante dos
domicílios era abastecida por poço ou nascente na propriedade (31,9 %). Na região Sul os
negros levam ligeira vantagem sobre os não negros, considerando que o abastecimento por
rede geral é o mais adequado.
A densidade por cômodo que indica níveis de conforto mais elevados na medida em que
se tenham menos moradores por cômodo, quando verificados domicílios com mais de três
moradores por cômodos, a população negra apresentou índices mais altos em todas as regiões
com disparidade maior na região Norte. O mesmo ocorre com o lixo coletado direta ou
indiretamente, em todas as regiões a população negra leva desvantagem, lembrando que os
percentuais proporcionais à população de cada categoria.
58
Quadro 12 – População brasileira por cor ou raça por densidade do cômodo e coleta de
lixo nos domicílios e regiões (2010).
% da população cujos domicílios
% da população com mais de três não tinham o lixo coletado ou
Regiões moradores por cômodo colocado em caçambas de serviço de
limpeza
Não negros Negros Não negros Negros
Norte 4,0 % 7,6 % 21,3 % 29,4 %
Nordeste 0,6 % 1,3 % 22,2 % 29,5%
Centro-Oeste 0,3 % 0,7 % 9,1 % 11,5 %
Sudeste 0,2 % 0,8 % 4,4 % 7,7 %
Sul 0,2 % 0,6 % 8,8 % 10,2%
Brasil 0,5 % 1,8 % 9,5 % 19,0 %
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Gráfico 1 - Moradias adequadas (%) por cor ou raça do chefe do domicílio e localização
do domicílio no Brasil (2001)
Fonte: IBGE, PNAD – Microdados In: Situação social da população negra por estado / Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada; Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. – Brasília: IPEA, 2014. p. 17.
Gráfico 2 - Moradias adequadas (%) por cor ou raça do chefe do domicílio e localização
do domicílio no Brasil (2012)
Fonte: IBGE, PNAD – Microdados In: Situação social da população negra por estado / Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada; Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. – Brasília: IPEA, 2014. p. 17.
como subsídio para explicar a segregação racial. Como os negros estão em sua maioria nas
classes mais pobres, logo estariam também em sua maioria nas periferias, menos pela cor/raça
e mais pela condição socioeconômica. Nesta lógica, existiriam apenas duas localidades,
periferia e centro com interiores relativamente homogêneos, isto é, não se considera a
segregação no interior destas localidades (TELLES, 2003, p.166).
Telles (2003, p.170) argumenta que a dificuldade em se estabelecer, ou mesmo
encontrar uma segregação residencial sistemática por raça em muitos bairros no Brasil deve-
se ao fato de que os limites entre o legal e o ilegal do ponto de vista fundiário não serem
muito claros. Além disso, o crescimento desordenado das metrópoles e a instabilidade do
setor imobiliário colaboram para que formas veladas de discriminação ganhassem força. Nos
Estados Unidos o modelo racial que lá se desenvolveu gerou uma segregação forte e aberta
que tem raízes históricas com as leis Jim Crow:
Apesar disso, o autor aponta para a existência de maior segregação residencial entre
brancos e negros na medida em que são maiores os níveis de renda. Nas classes mais baixas,
até pelo fato de serem mais restritas as escolhas, a segregação é menor, o que não significa
que inexista racismo, discriminação ou preconceitos nas classes mais baixas.
34
O índice de dissimilaridade é assim definido por Telles (2003, p.167): “O índice de dissimilaridade é a medida
padrão da segregação. Mede o equilíbrio [evenness] na distribuição dos grupos raciais e de estratos de renda
domiciliar pelos setores censitários das áreas metropolitanas, ou a extensão na qual os grupos sociais se
distribuem de maneira diferencial entre bairros de uma área urbana. O conceito de equilíbrio [evenness] é
particularmente conveniente para perceber os níveis de segregação encontrados entre os mosaicos de residências
e bairros que caracterizam as áreas metropolitanas brasileiras. Especificamente, o índice de dissimilaridade (D)
mede o percentual do grupo A que teria que sair do setor censitário atual para que a sua distribuição fosse
coincidente ou igual à do grupo B. O valor de D varia de zero (0), onde os grupos A e B se distribuem
equilibradamente [evenly] por toda a área urbana, até cem (100), onde A e B não compartilham qualquer estrato,
ou seja, uma segregação completa. ”
62
35
www.pnud.org.br
36
www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=136&z=cd&o=2&j=p
63
regiões brasileiras, conforme o quadro 13, é possível, já nos quadros 14 e 15, observar certo
padrão de distribuição territorial das ocupações pelos grupos raciais.
Quadro 13 – Proporção da remuneração média regional dos negros em relação aos não
negros nas categorias ocupacionais selecionadas (2000-2010)
Centro-
2000 Norte Nordeste
Oeste
Sudeste Sul
Profissionais das ciências e das artes 66,2% 60,6% 67,6% 55,1% 57,0%
Trabalhadores de serviços
85,0% 78,3% 78,4% 73,9% 80,4%
administrativos
Trabalhadores de reparação e
75,0% 80,3% 76,8% 71,8% 79,4%
manutenção
Centro-
2010 Norte Nordeste
Oeste
Sudeste Sul
Trabalhadores de apoio
87,9% 85,2% 83,1% 78,1% 84,8%
administrativo
64
Pelo quadro 14 percebemos que a maior parte dos trabalhadores negros em posição
dirigente está no Norte-Nordeste em proporção bem superior, inclusive, ao Sul-Sudeste,
movimento inverso em relação aos não negros. Também no Sul-Sudeste há predominância
dos não negros inclusive nas ocupações elementares, se bem que com salários mais altos do
que dos trabalhadores negros. De modo geral não há muita diferença de uma década para
outra, e em termos absolutos poderíamos falar que a hierarquização ocupacional é menor no
Norte-Nordeste, mas justamente por possuir um contingente relativo de negros maior, é que se
faz importante olhar também para esta distribuição ocupacional em relação aos ocupados de
cada categoria, aí percebemos que a segmentação é geral, como no quadro 15.
Membros sup.
poder público,
11,2% 2,8% 37,0% 11,9% 12,1% 7,8% 35,2% 55,6% 4,6% 21,9%
dirigentes e
gerentes
Profissionais das
ciências e das 10,8% 2,5% 36,6% 11,8% 10,4% 6,7% 37,5% 58,9% 4,7% 20,1%
artes
Técnicos de nível
11,8% 3,4% 39,1% 14,8% 8,3% 6,2% 36,4% 53,6% 4,5% 22,0%
médio
Trabalhadores
de serviços 9,2% 2,8% 30,7% 11,8% 10,1% 7,0% 45,2% 56,8% 4,8% 21,6%
administrativos
Trabalhadores
de reparação e 9,5% 3,0% 30,6% 10,0% 9,8% 6,8% 44,5% 54,3% 5,6% 25,9%
manutenção
Diretores e
11,2% 3,1% 33,4% 12,4% 11,6% 7,3% 37,9% 52,7% 6,0% 24,4%
gerentes
65
Profissionais das
ciências e 11,8% 3,1% 37,3% 13,4% 9,5% 6,7% 36,7% 56,2% 4,7% 20,7%
intelectuais
Técnicos e
profissionais de 10,5% 3,1% 30,1% 11,8% 10,7% 6,9% 42,1% 53,0% 6,7% 25,2%
nível médio
Trabalhadores
de apoio 9,3% 3,0% 27,2% 11,6% 10,7% 7,0% 46,8% 55,0% 6,0% 23,5%
administrativo
Ocupações
9,5% 3,8% 35,7% 17,7% 8,2% 6,3% 39,1% 45,3% 7,5% 26,9%
elementares
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Notas: ¹Negros; ²Não negros.
O quadro 15 mostra que há desvantagem dos trabalhadores negros nas categorias melhor
remuneradas e de maior status ocupacional em todas as regiões nos dois anos censitários.
Mesmo nas categorias médias é maior a proporção de trabalhadores não negros. Os negros
passam a ser maioria relativa nas ocupações com pior remuneração e status, em todas as
regiões, inclusive naqueles com pouca presença. As regiões Sul e Sudeste apresentam as
maiores distâncias, já no caso do Norte e Nordeste provavelmente o contingente maior de
negros contribua para as menores distâncias entre os grupos raciais nas ocupações. De todo
modo pode-se dizer que o padrão é que o trabalhador negro seja maioria nas regiões menos
desenvolvidas nos aspectos socioeconômicos; e nas ocupações com menores rendimentos e
status ocupacional.
Membros sup.
poder público,
2,1% 5,0% 1,9% 4,9% 3,0% 7,1% 1,9% 6,6% 1,6% 5,2%
dirigentes e
gerentes
Profissionais das
2,9% 6,0% 2,7% 6,6% 3,6% 8,4% 2,9% 9,5% 2,3% 6,4%
ciências e das artes
Técnicos de nível
6,8% 9,2% 6,3% 9,2% 6,2% 8,6% 6,2% 9,7% 4,9% 7,9%
médio
66
Trabalhadores de
serviços 5,2% 8,2% 4,8% 8,0% 7,4% 10,4% 7,4% 11,1% 5,1% 8,4%
administrativos
Trabalhadores de
reparação e 2,1% 2,1% 1,9% 1,6% 2,9% 2,4% 2,9% 2,5% 2,4% 2,4%
manutenção
Diretores e
2,4% 4,7% 2,3% 4,7% 2,9% 5,8% 2,2% 5,8% 2,1% 5,1%
gerentes
Profissionais das
ciências e 6,9% 11,2% 6,9% 12,1% 6,6% 12,8% 6,0% 15,0% 4,4% 10,5%
intelectuais
Técnicos e
profissionais de 5,1% 6,4% 4,6% 6,1% 6,1% 7,6% 5,6% 8,1% 5,2% 7,3%
nível médio
Trabalhadores de
apoio 5,1% 6,5% 4,7% 6,3% 7,0% 8,2% 7,1% 8,9% 5,3% 7,2%
administrativo
Ocupações
21,8% 15,9% 26,1% 18,8% 22,5% 14,4% 25,1% 14,2% 27,9% 16,1%
elementares
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Notas: ¹Negros; ²Não negros.
novo (no sentido de diferente) para a discussão das relações raciais e em especial para a
discussão das desigualdades raciais no mercado de trabalho no Brasil.
68
Estes eventos, não naturais, também não são inéditos, já que o neoliberalismo como
doutrina, a reestruturação produtiva e a globalização ocorreram ou ocorriam em diferentes
69
partes do mundo em contextos particulares. A questão é que a partir dos anos 70, com alguma
restrição talvez (ou pelo menos resistência) ao modelo político neoliberal, ocorre a
disseminação destes processos pelo mundo como uma possível resposta à crise. Práticas e
ideias econômicas, políticas e culturais se difundem com mais velocidade por meio de
sistemas de comunicação mais avançados, o que não invalida os contextos particulares,
mesmo que muitas vezes estes se vejam constrangidos à adaptação forçada ou mesmo
submissão plena.
O modelo político e econômico que vai orientar o Brasil pós-constituição de 1988 será o
neoliberalismo, norte de muitos governos mundiais nos anos 80, mas principalmente nos anos
90, quando consolidou tais práticas e ideias que dirigiriam o status quo posterior, estabelecido
com forte interferência ideológica, tanto acadêmica, quanto da mídia. A hegemonia cultural
neoliberal foi a estratégia que melhor correspondia, em determinado momento, do ponto de
vista capitalista, a tendência da queda das taxas de lucro. Esta atingia principalmente o
trabalhador na medida em que a elevação das taxas de lucro dependia da precarização do
trabalho, ou da desvalorização da força de trabalho como mercadoria:
Alves chama a atenção para os elementos subjetivos, ideológicos, por ele sinteticamente
denominado “bloco histórico do capitalismo neoliberal” que se estrutura a partir dos anos
1970. Neste paradigma há a recusa de que o Estado tenha um papel que não o de garantidor de
contratos e de livre mercado. É importante notar que o respeito aos “contratos” no ideário
neoliberal não é o respeito aos direitos dos trabalhadores, pelo contrário, por esta perspectiva
há a necessidade de desregulamentar o mercado de trabalho e flexibilizar as relações de
trabalho fragilizando o trabalhador.
70
No final dos anos 1970 o Brasil sofria com o modelo nacional-desenvolvimentista que,
servindo as necessidades de uma burguesia dependente, era autocrático e anacrônico.
Autocrático porque ante a fragilidade e incapacidade política da classe dominante, fez-se
necessário um poder que emanava destas classes dominantes; servia-lhes; mas ao mesmo
tempo mantinha práticas que em teoria iam moralmente de encontro com os valores destas, e
anacrônico porque nos países mais desenvolvidos a hegemonia neoliberal começava a se
impor (ALVES, 2014, p.127).
Neste contexto, enquanto a crise do capitalismo que atinge o Brasil com força nos anos
80, impulsiona, no âmbito global, mudanças importantes nas formas de acumulação de
capital, internamente a letargia estatal e das classes dirigentes não abrem possibilidades reais
de reação. As novas tecnologias que promovem o conhecimento a um patamar mais elevado
na estrutura produtiva não são absorvidas ou desenvolvidas pela indústria nacional e, somado
este fato ao cenário de extrema concentração de renda, não há possibilidades de
desenvolvimento social no país. A lógica do curto prazo e de aquilo que muitos chamaram de
“capitalismo selvagem” toma conta do cenário nacional:
A situação de crise dos anos 80 vai impactar no início dos anos 90. O quadro
hiperinflacionário somado à emergência de um modelo neoliberal vão aprofundar a
desconsideração com as políticas sociais na medida em que: “... a hegemonia é da política
fiscal e monetária orientadas para a condução de uma recessão programada...” (ARAÚJO,
2012, p.23). Para Araújo, em texto de 1995, (2012, p. 243), o Brasil é um país com uma “...
economia altamente dinâmica e uma sociedade fraturada”. Na contramão do que afirmava o
então presidente Fernando Henrique Cardoso – de o Brasil ser um país desenvolvido e
desigual – a autora vai apontar que não é viável que um país que se quer desenvolvido tenha
fratura social. Na verdade, parte deste país pode ser considerada desenvolvida em detrimento
de uma parcela que, mesmo participando ativamente da construção da riqueza social, não frui
desta mesma riqueza. A economia do país, afirma a autora (2012, p.244) é bastante dinâmica,
neste sentido, há uma dicotomia entre desenvolvimento social e desenvolvimento econômico,
como se de fato fossem processos antitéticos.
A autora faz a crítica do modelo adotado no país nos anos 90. Segundo ela: “Não estão
em curso mudanças profundas, mas adaptações, porque as regras do jogo mudaram lá fora.”
(2012, p.250). A estabilização da economia (Plano Real) não se tratava de uma “inovação”,
mas uma agenda que seguia padrões internacionais por conta de três grandes tendências, a
saber, a globalização, a reestruturação produtiva e a financeirização da riqueza.
37
Ver: HENRIQUES, R. Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90. (Texto
para discussão nº. 807) Brasília: IPEA, 2001.
72
necessário a construção de “... espaços econômicos com regras as mais homogêneas e as mais
flexíveis possíveis”. (ARAÚJO, 2012, p. 253).
Pochmann (2010, p.7) entende que a década de 90 foi marcada pelo receituário neoliberal
que transferiu os custos do “ajuste fiscal” para a base da pirâmide social. O represamento dos
gastos sociais impediu avanços no setor produtivo e, principalmente, uma política de emprego
que englobasse a todos: “Em síntese, a prevalência de um verdadeiro paraíso da
improdutividade de ricos rentistas montados em cima da profunda desvalorização do trabalho
no Brasil foi protagonizada pelo anacronismo neoliberal” (POCHMANN, 2010, p.8).
Segundo o autor, a ruptura com a lógica neoliberal se dá a partir do governo Lula em que
políticas voltadas para a produção e ocupação foram priorizadas com o aumento da oferta
para o mercado interno e na melhoria das relações comerciais entre os países do Hemisfério
Sul. Estas políticas somadas às políticas distributivas para a base da pirâmide social brasileira,
proporcionaram uma maior capacidade de consumo e ampliação do mercado interno,
consequentemente, mais pessoas eram integradas ao mundo produtivo ativamente. O modelo
denominado pelo autor de “social-desenvolvimentista” obteve, segundo este, resultados
evidentes:
desenvolvimento, portanto, possuem uma mesma matriz estrutural ainda que difiram em
muitos pontos. A transferência patrimonial nos governos neoliberais, em especial de
Fernando Henrique Cardoso, à base de privatizações, fusões e de grande repasse de verbas
do Estado para entes privados gerou uma nova e forte burguesia e um mercado que substitui
o Estado como indutor da economia. O neodesenvolvimentismo não buscou combater a
soberania do capitalismo e do livre mercado, ainda que os parâmetros não mais fossem
neoliberais – mas a premissa, o “tripé” macroeconômico, sim, e neste sentido, não rompe
com o núcleo duro da economia de orientação neoliberal que com o tempo se tornou quase
um fundamento econômico natural – mas ser um importante indutor deste. A questão passa
ser a democratização da economia de mercado integrando um maior contingente de pessoas,
até então na margem, e ampliando a capacidade de consumo por meio de um grande
programa de transferência de renda para os trabalhadores mais pobres. Foi como afirmou
Alves (2014, p.131) a reorganização do capitalismo no Brasil sem nenhuma veleidade
anticapitalista.
Para a população negra, do ponto de vista econômico, se por um lado a precarização das
relações de trabalho a afetou negativamente, por outro, a redução generalizada das
desigualdades a favoreceu pelo fato destas a atingirem mais incisivamente. As políticas
sociais; as ações afirmativas e outras conquistas do movimento negro junto ao Estado foram
importantes, mas devemos ressaltar insuficientes para reduzir as desigualdades raciais
significativamente, ou pelo menos condizentes com as aspirações dos movimentos negros. A
radicalização das políticas sociais de corte racial que argumentamos necessárias deve-se
principalmente ao fato de que o desenvolvimento brasileiro não ocorre sem estímulos do
Estado – se é que em algum lugar ocorre. Portanto, a resistência à redução das
desigualdades é visceral à superexploração do trabalho, e sem políticas sociais mais
contundentes que a confronte, esta resistência tende a reproduzir a ordem oligárquica e
racista que vem sendo remodelada e reposta – não só pela elite, mas por toda a sociedade e
durante toda a história do país – sem ao menos deixar o espaço necessário ao conflito, já que
a superação do racismo, a nosso ver, ainda não está no horizonte, devido, em parte, a sua
funcionalidade política à economia capitalista. Só com a superação desta última o racismo
com o fenômeno social poderia deixar de existir.
Atualmente alguns documentos e estudos (IPEA, 2010; ETHOS, 2010; DIEESE, 2012)
apontam para um novo cenário econômico e cultural no que tange às relações raciais no Brasil
– voltaremos a este assunto posteriormente – porém também apontam que, se no combate aos
74
38
Ver SANSONE, L. Negritude sem etnicidade: o local e o global nas relações raciais e na produção cultural
negra no Brasil. Salvador: EDUFBA; PALLAS, 2003.
75
Curiosamente, em 2008, nos estratos mais altos de escolaridade é que a distância salarial
se faz mais presente O que demonstra, além de um retrocesso em comparação com o ano de
1998, que a variável racial tem ainda um grande peso explicativo. Soares (2008) argumenta
que mesmo com mobilidade posicional (social) da população negra, sendo os negros
sobrerrepresentados nos estratos mais baixos da distribuição de renda...
...é possível que a redução da razão de rendas não seja consequência de uma
redução nas práticas discriminatórias e, sim, do fato de negros serem maioria
entre beneficiários do Programa Bolsa Família, dos benefícios
previdenciários indexados ao salário mínimo e do Benefício de Prestação
continuada (BPC), bem como de outros mecanismos de redução da
desigualdade geral (SOARES, 2008, p.121).
Sendo assim, como as políticas focalizadas não foram suficientemente capazes de reduzir
as desigualdades raciais significativamente, a redução generalizada da desigualdade influiu de
maneira decisiva para melhorar as condições de vida da população negra, ou seja, a melhora
foi em função de políticas distributivas, mas a mobilidade social permanece em níveis baixos,
já que não houve alteração concreta no mercado de trabalho que se mantém segmentado.
Argumentamos hipoteticamente que este processo não foi um fato derivado das
transformações da acumulação do capital; da benesse das classes dominantes ou mesmo de
um desenvolvimento linear das relações raciais no Brasil, mas sim da atuação dos
movimentos sociais, em particular, o movimento negro. Ainda que sem meios de comprovar
esta hipótese empiricamente, entendemos que foi a ação política do movimento negro que
com todas as adversidades conseguiu incluir a questão racial no debate nacional acerca das
desigualdades, além do reconhecimento institucional da prática de racismo e seus corolários
no Brasil. Santos (2009a, p. 229) assim define movimentos sociais:
39
A questão da classificação racial pelo IBGE ou outras instituições públicas tem rendido um rico debate. Seja
no que diz respeito aos critérios de classificação; às categorias de classificação; ou mesmo nas consequências da
classificação, vários estudos tentam captar a percepção da população em relação à classificação racial para
confrontar com os critérios normativos. Ver: Moura, C. Dialética radical do Brasil negro. São Paulo: Anita, 1994;
Maio, M. C.; Santos, R.V. (Org.). Raça como questão: história, ciência e identidades no Brasil. Rio de Janeiro:
Fiocruz, 2010; Osório, R. G. O sistema classificatório de “cor ou raça” do IBGE. Brasília: IPEA (texto para
discussão nº. 996), 2003. .
40
O paradoxo consiste justamente em transformar aquilo que tinha conotação negativa em resistência e
proposição. James Houston (Holston, J. Espaços de cidadania insurgente. In Arantes, A. A. (org.). Revista do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional n° 24. Cidadania. Rio de Janeiro: IPHAN/Deprom, 1996. pp. 237-245)
ao criticar o planejamento modernista, afirma que um de seus equívocos foi não ter desenvolvido
paradoxalmente suas contradições, nesse mesmo sentido pode-se pensar a discriminação positiva, na medida em
que ressignifica a discriminação negativa paradoxalmente, buscando ao invés da segregação e manutenção de
privilégios, a equidade, ainda que temporariamente se utilizando de um sistema de privilégios. Moura (1988,
1994) é outro autor que vai utilizar a noção de cultura negra como resistência. Esta noção seria oriunda de uma
necessidade de os escravos ressignificarem suas culturas tradicionais como forma de resistir à desumanização
imposta. Cultura e identidade (ou em outros termos, a diversidade) em um ou outro caso, têm um valor para além
do cultural imediato, um valor político.
77
Com algumas exceções de grupos que possuem certa autonomia de ação para além ou
aquém do Estado, concordamos com a definição de Santos e entendemos que o movimento
negro, nas suas várias manifestações – e aqui conceituamos o movimento negro como grupos
sociais específicos com ação societária e política peculiar, voltada para questão racial –
representa um projeto de mudança da sociedade brasileira, seja pela longevidade de suas
atividades, seja pelo fato de atuar junto (em contraposição) a um objeto que muito contribuiu
para estruturar as desigualdades na sociedade brasileira. Entretanto, não obstante sua
longevidade, atividade e relevância, apenas nos anos 90 suas reivindicações despertaram
atenção e em alguma medida foram incluídas na agenda pública governamental (TRAPP e
SILVA, p.36, 2010).
Marginalizados durante o período da ditadura militar, é no final dos anos 70 que emerge,
se desenvolvendo na década seguinte (dentre vários movimentos) o MNUCDR (Movimento
Negro Unificado Contra a Democracia Racial), futuro MNU (Movimento Negro Unificado),
rearticulação de movimentos sociais negros e da luta antirracista. Visando combater e
desconstruir o discurso da propalada democracia racial e denunciando os males simbólicos e
78
diferentes esferas de governo. Tendo ou não a SEPPIR como parceira, várias iniciativas foram
desenvolvidas nesta década: as ações afirmativas nas universidades públicas, a aprovação da
lei nº. 10.639/03 que tornou obrigatório o ensino de História da África, cultura africana e afro-
brasileira no currículo da educação básica; o Programa de Combate ao Racismo Institucional;
Programa de Promoção da Igualdade de Oportunidade para Todos do Ministério Público do
Trabalho; Programa Brasil Quilombola; o Estatuto da Igualdade Racial; e etc.
Silva (2009, pp.2-3) analisando o papel das principais centrais sindicais, a Central Única
dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical, na luta contra a desigualdade e a discriminação
racial no trabalho, destaca que, de maneira geral, o posicionamento do sindicalismo em relação
às práticas discriminatórias raciais foi tardio e sem efetividade programática. Havia
reconhecimento, intenções de superação e manifestações contrárias às práticas racistas, mas
não um plano de ação com metas que pudessem combater o racismo no mercado de trabalho. A
classe trabalhadora, entendida como um todo homogêneo, não deveria ater-se a
particularidades que pudessem desfazer sua unidade, apesar disso, nos anos 90 as centrais
sindicais voltam seus olhares para questões particulares como raça e gênero e isso se dá tanto
pelo enfraquecimento do movimento sindical num contexto de reestruturação produtiva e
hegemonia neoliberal, e daí a necessidade da reelaboração de estratégias para resgatar
legitimidade, quanto pela difusão de estudos e estatísticas comprovando as desigualdades
raciais no mercado de trabalho e a pressão do movimento negro na sociedade chamando
atenção para a questão racial. Como bem apontou Bento (1988, p.55) em texto do final da
década de 1980:
80
Note-se que nessa época os sindicatos, em especial os ligados à CUT, já não mais
vislumbravam outra ordem social alternativa e, portanto, restava a luta pela cidadania
(direitos) e por melhores condições de vida. Não se tratava de uma alternativa ao capitalismo,
mas de uma melhor distribuição da riqueza, e a questão racial se insere nesta luta. Ao não
considerar a especificidade do trabalhador negro na história produtiva brasileira os sindicatos
desconsideravam o próprio fator constitutivo da classe trabalhadora brasileira. Há, no entanto,
uma contradição retórica entre discurso e prática no que se refere à questão racial no âmbito
das centrais sindicais. Em relação a CUT, Silva (2009, p.6) argumenta que:
Ainda que tenha transformado sua cultura em relação à questão racial, esta transformação
foi bastante paulatina e influenciada por sindicalistas e ativistas negros de seu interior.
Segundo o autor (SILVA, 2009, p.10) as lutas imediatas num contexto de pauperização do
trabalho com elevado desemprego, inflação, arrocho salarial e etc., fez com que as
preocupações assumissem este caráter genérico. Além disso, a capacidade organizativa dos
sindicalistas negros de introduzirem a questão racial, que deveria ser central, na cultura
sindical foi tardia, retardando a mudança cultural.
Outra hipótese apontada pelo autor para as dificuldades de se estabelecer a questão racial
como relevante no âmbito sindical é a origem da liderança da militância sindical,
eminentemente de esquerda e de classe média, majoritariamente branca, refrataria a
diversidade interna e ligada a partidos e movimentos marxistas que se contrapunham a
ditadura militar buscando uma “unidade da classe trabalhadora”. Estes, por sua origem social,
tinham dificuldade para compreender e sensibilizar-se com a causa dos descendentes de
africanos. O não reconhecimento da questão racial como sui generis no mercado de trabalho
foi a estratégia que se estruturou a partir da ideia de unidade e assim, de novo, como discutido
81
Na primeira parte deste trabalho procuramos apresentar uma abordagem panorâmica que
ajudará compreender teoricamente o problema das desigualdades raciais no mercado de
trabalho no ABC tratada adiante. Esta está inserida na temática das desigualdades raciais, e,
portanto, o debate que histórico sobre as relações raciais no Brasil é fundamental para
compreender como foram interpretadas e avaliadas as desigualdades raciais como processo
inerente da sociabilidade nacional.
As desigualdades raciais compreendem várias dimensões da vida social, porém, segundo
Lovell (1995, p. 40), educação, salários (renda), distribuição ocupacional e local de residência
são aspectos fundamentais para a compreensão da dimensão das desigualdades raciais no
mercado de trabalho. Também Chadarevian (2009, p.19) aponta para a importância da
compreensão destes aspectos entendidos como mecanismos de discriminação sobre os quais o
racismo se mantém e reproduz na economia. O autor especifica quatro mecanismos de
discriminação:
dos anos 90 atingiu a população negra com mais contundência, o crescimento econômico
fundamentado em políticas sociais na década seguinte a beneficiou. Isto porque em um ou
outro caso, era a população mais pauperizada, sendo o para-raio de qualquer medida ou
dinâmica que afetasse a parte de baixo da pirâmide social. Os negros ficaram menos pobres,
porém em relação a si mesmos, porque quando comparado à população não negra, as
desigualdades pouco ou nada se alteraram, e os dados relativos à renda de negros e não negros
comprovam isto. E esta é a chave da nossa argumentação que, se de maneira geral a situação
dos negros avançou, as desigualdades entre os grupos raciais não retrocederam na mesma
proporção, e no mercado de trabalho, principalmente.
Na educação, a expansão das matriculas do ensino básico foram particularmente
benéficas à população mais pobre, portanto, atingiu com maior profundidade a população
negra, porém quando verificamos o nível mais elevado de ensino, o ensino superior, a
desigualdade persiste mesmo em um contexto inédito de ações afirmativas para negros na
educação, o que leva a crer que sem estas, ainda que insuficientes, a situação seria muito mais
caótica. Quando cruzamos informações de renda e anos de estudo vemos cair por terra a frágil
tese da meritocracia, já que negros e não negros com anos de estudo próximos têm diferentes
remunerações com prejuízo para os primeiros. Do ponto de vista ocupacional ocorreu um
pequeno avanço dos negros nas ocupações mais prestigiadas (aquelas mais salubres, que
exigem menor esforço físico, são mais bem remuneradas e que geram maior status social),
mas de novo, quando comparados os salários no interior das categorias, percebe-se a diferença
por recorte racial.
O local de residência também é um importante indicativo das mazelas oriundas das
desigualdades raciais no mercado de trabalho. As desigualdades regionais e segregação
espacial acompanham a segregação social e a segmentação no mercado de trabalho. A questão
habitacional é sem dúvida estratégica para a questão racial na medida em que o acesso à
habitação pela população de baixa renda abriria precedentes para outras reivindicações e
aspirações cidadãs desta população, em sua maioria negra, dentre elas o “direito à cidade”,
seja na dimensão cultural, política ou urbanística.
Na parte II procuraremos apontar por meio de dados estatísticos dos Censos
Demográficos de 1991, 2000 e 2010, do IBGE e de outras bases de dados (RAIS do
Ministério do Trabalho e Emprego e PED-ABC da SEADE-DIEESE) como as desigualdades
raciais no mercado de trabalho se comportaram na Região do Grande ABC num contexto de
reestruturação produtiva e aprofundamento de políticas neoliberais nos anos 90 e de
85
PARTE II
APRESENTAÇÃO
Na primeira parte deste trabalho procuramos caracterizar tanto a questão racial no Brasil,
em especial no que tange ao mercado de trabalho, quanto aspectos recentes que permitem
pensar mudanças na forma como a sociedade convive com esta questão. Se historicamente as
desigualdades raciais se mantiveram num patamar indesejável, em especial, argumentamos,
pela posição do negro no mercado de trabalho, as últimas duas décadas têm sinalizado com
importantes mudanças econômicas e culturais que possibilitariam uma redução maior das
desigualdades raciais.
Partindo desta perspectiva, pretendemos nesta segunda parte analisar o alcance das
desigualdades raciais no mercado de trabalho em uma região específica, a região do Grande
ABC. Esta região é considerada um laboratório para a análise das relações de trabalho e
emprego e não por acaso. O ABC é considerado como o berço do Fordismo no Brasil e
consequentemente foi a região que melhor representou no país a crise deste.
É a partir desse cenário que vamos procurar compreender como a população negra foi
atingida pelas transformações dos anos 1990 que dialogam com a crise e o aprofundamento de
um ideário neoliberal, e nos anos 2000, período de crescimento econômico e desenvolvimento
social que não exclui, mas ressignifica, aspectos importantes dos corolários da crise do
fordismo, principalmente no que diz respeito ao mercado de trabalho.
Estruturaremos esta parte em três capítulos tratando da Região do Grande ABC ora
como “região”41 – que significa dizer que os dados trabalhados não serão desagregados pelas
sete cidades que a compõem – e ora por municípios. Também sempre que possível e
necessário para argumentação, utilizaremos informações dos três anos censitários que
abrangem a pesquisa, a saber, 1991, 2000 e 2010. Por vezes não será possível fazer a
comparação entre os anos censitários pela descontinuidade ou atualização metodológica de
cada Censo. Neste sentido, os maiores prejudicados serão os dados referentes ao Censo de
1991. No primeiro capítulo o objetivo é: i) traçar um breve perfil da região do ABC e sua
especificidade enquanto “berço do fordismo”; ii) discorrer sobre as desigualdades raciais na
educação; de renda; nos locais de residência; e na distribuição ocupacional; áreas importantes
41
Para uma melhor compreensão da gênese e desenvolvimento do ABC como “região” do ponto de vista da
geografia humana ver Almeida (2008). Para a especificidade das relações produtivas no ABC ver, além da autora
já citada: Klink (2001) e Conceição (2008).
87
para a compreensão das desigualdades raciais no mercado de trabalho pelo fato de melhor
demonstrarem sua hierarquização racial (LOVELL, 1995, p.40).
O segundo irá tratar das desigualdades raciais no mercado de trabalho nos anos 1990 a
partir de dois aspectos principais: i) a crise do fordismo e a reestruturação produtiva; e ii) a
emergência do pensamento neoliberal e seus impactos no mercado de trabalho. O objetivo é
analisar como estes processos influenciaram a dinâmica das desigualdades raciais no mercado
de trabalho na região do ABC.
42
Os microdados da amostra do Censo de 2010 do IBGE, bem como os anexos com a documentação que
descrevem e conceitualiza as variáveis e categorias que utilizamos na pesquisa estão disponíveis para download
na página da internet do IBGE no endereço eletrônico
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/resultados_gerais_amostra/resultados_gerais_amo
stra_tab_uf_microdados.shtm. Os microdados relativos aos censos de 2000 e 1991 (e demais censos a partir de
1960) e suas respectivas documentações estão disponíveis para download na página da internet do Centro de
Estudos da Metrópole no endereço eletrônico http://www.fflch.usp.br/centrodametropole/1147.
88
A Região do ABC situa-se na Região Metropolitana de São Paulo e é composta por sete
municípios: Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Santo André, São Bernardo
do Campo e São Caetano do Sul. Segundo o sítio na internet da Agência de desenvolvimento
Econômico do Grande ABC, a região é o berço da indústria automobilística no Brasil e o seu
quinto mercado consumidor. Com uma economia extremamente dinâmica, seja no setor de
serviços, no comercial e, principalmente, no setor industrial, o ABC tornou-se lugar
privilegiado para análise de processos de reestruturação produtiva e rearranjos econômicos.
Klink (2001, p.93) aponta dois fatores importantes para a formação da região do ABC,
periférica à capital: a implantação de núcleos coloniais e a implantação da ferrovia. Os
núcleos coloniais se estabeleceram primeiro como subúrbio rural e posteriormente industrial,
em um e outro caso sua função era produzir e abastecer a capital daquilo que lá não era
produzido. No final do século XIX, com a implantação da ferrovia, que tinha como função
atender a demanda cafeicultora, surgem núcleos residenciais e comerciais próximos a essa.
89
A estrada geral de Santos (o caminho do mar) contribuiu para que, entre idas e vindas das
cidades de São Bernardo do Campo e de Santo André como núcleos político-administrativos,
a primeira tivesse predominância (inclusive já como município) até a instalação da estrada de
ferro. Depois desta (a estrada de ferro) instalada e com o crescimento do Bairro da Estação
que mais tarde viria a ser a atual cidade de Santo André, no começo do século, a cidade de
Santo André se torna a sede da região – ainda que o legislativo continuasse funcionando em
São Bernardo – que até então poderia ser compreendido como o atual ABC devido aos três
núcleos, uma sede e dois distritos: Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do
Sul.
Do ponto de vista produtivo, é nos anos de 1950 que a ferrovia passa a ser insuficiente
ante a demanda que ela mesma criou. A expansão demográfica e a dinamização da economia
nacional com consequências regionais estabeleceram novos elos produtivos e comerciais em
localidades não atendidas pela linha férrea e a demanda por transportes então cresceu. Neste
sentido, afirma Klink (2011, p.97):
43
Estas questões foram esmiuçadas no segundo capítulo da Tese de Doutorado de Almeida, 2008.
44
Sobre as transformações relativas às décadas de 1990 e 2000 na região do ABC trataremos mais adiante nos
próximos dois capítulos.
91
movimento operário urbano. A classe operária da região surge junto com a indústria no
começo do século passado, e consequentemente a expansão da manufatura propiciou a
formação de um sindicalismo ainda nesse período. Este sindicalismo, combativo, possuía
raízes nos movimentos libertários, por esta razão era constante a presença de sindicatos do
ABC nas greves de São Paulo (CONCEIÇÃO, 2008, pp.62-63).
As greves no ABC foram registradas desde o começo do século, porém foi a partir do
final da década de 1970 que uma nova forma de organização sindical surge no Brasil, e o
ABC tem uma grande relevância neste contexto pela própria organização industrial regional.
A alta concentração industrial em especial da indústria automobilística fez com que a
organização de trabalhadores ligados a este setor fosse forte, e esta força irradiou para outros
setores industriais da região fortalecendo bastante os sindicatos regionais que por sua vez
tinham estreita relação com as centrais sindicais.
O novo sindicalismo45 surgido neste período, com o foco de combate mais voltado para
as condições de trabalho e vantagens salariais e menos para a luta revolucionária e de
resistência à ditadura, mas ao mesmo tempo com uma ação mais ampla e mais conflituosa no
nível das greves, teve seu ponto de inflexão, segundo Rodrigues (2002, p.142), nas greves em
São Bernardo em maio de 1978. Desde então o ABC, até pela vinculação da luta sindical à
luta pela redemocratização, sempre foi lembrado por estas greves e a imagem de região
industrial e politizada se estabeleceu como identidade regional.
45
Alves caracteriza o novo sindicalismo como: “... uma passagem, no plano da estratégia sindical, da
confrontação à cooperação conflitiva, ou ainda, da luta de classes na produção para uma “convergência
antagônica”, ou um sindicalismo de participação ou de “concertação social”, que é, nada mais, nada menos, que
um defensivismo de novo tipo, de cariz neocorporativo” (Alves, G. Do ‘novo sindicalismo” à “concertação
social”: ascensão (e crise) do sindicalismo no Brasil (1978-1998). Rev. Sociol. Polít. Curitiba, 15, p. 111-124,
nov. 2000).
46
Inclusive indígenas e não declarados.
92
Diadema 131.608 171.544 145.900 207.230 193.259 192.589 14.292 47.358 61.651
Mauá 100.961 193.056 122.221 238.043 178.724 237.583 21.260 56.502 77.763
Ribeirão
23.407 61.416 29.644 74.129 39.484 73.485 6.237 9.840 16.077
Pires
Rio Grande 12.598 17.084 15.640 21.083 23.934 19.992 3.042 8.294 11.336
da Serra
Santo André 114.656 498.367 131.933 512.874 186.131 489.641 17.277 54.198 71.475
São
Bernardo do 131.551 432.338 195.578 502.073 259.129 505.132 64.027 63.551 127.578
Campo
São Caetano
16.290 130.815 14.970 124.246 18.929 130.275 -1.320 3.959 2.639
do Sul
ABC 531.071 1.504.620 655.886 1.679.678 899.590 1.648.697 124.815 243.702 368.519
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: Doravante, negros: pretos + pardos; não negros: brancos + amarelos.
Diadema 56,2% 43,1% 40,9% 58,4% 50,0% 49,9% 10,9% 32,5% 46,8%
Mauá 34,2% 65,4% 33,6% 65,5% 42,9% 56,9% 21,1% 46,2% 77,0%
Ribeirão Pires 27,6% 72,2% 28,4% 70,9% 34,9% 65,0% 26,6% 33,2% 68,7%
Rio Grande da
42,1% 57,1% 42,1% 56,8% 54,3% 45,4% 24,1% 53,0% 90,0%
Serra
Santo André 18,6% 80,8% 20,3% 78,9% 27,5% 72,3% 15,1% 41,1% 62,3%
São Bernardo do
23,2% 76,3% 27,8% 71,4% 33,9% 66,0% 48,7% 32,5% 97,0%
Campo
São Caetano do
10,9% 87,5% 10,7% 88,5% 12,7% 87,3% -8,1% 26,5% 16,2%
Sul
ABC 30,4% 68,9% 29,1% 70,1% 35,3% 64,6% 23,5% 37,2% 69,4%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Este incremento não pode ser explicado apenas por crescimento vegetativo ou mesmo por
migrações, mas provavelmente tem como principal fator um ambiente cultural e institucional
mais propício para a autoafirmação racial/étnica, seja pelos aspectos positivos decorrentes de
maior valorização cultural, seja pelos aspectos negativos em que a morte de jovens negros por
forças repressivas do Estado torna o conflito menos obscurecido e faz com que a percepção da
existência de uma relativa desvantagem por conta de um determinado atributo não seja nem
95
episódica, nem ulterior. Porém, a expansão da população negra ocorreu num período de crise
e posterior crescimento econômico, o que torna necessário verificar se do ponto de vista das
desigualdades raciais houve avanços ou retrocessos, em especial nos aspectos que conversam
diretamente com as desigualdades raciais no mercado de trabalho.
Estudos recentes47 apontam para redução das desigualdades raciais na educação, mas
também apontam para a insuficiência desta redução. A expansão de matrículas e o avanço no
sentido de tornar a educação universal, ainda que se tenha que problematizar a qualidade,
foram benéficos para população negra na medida em que proporcionam o acesso que no
futuro pode influenciar positivamente nas vidas de jovens negros. Apesar disso, o
desenvolvimento e avanço nos indicadores educacionais não são homogêneos no que tange
47
Ver: Valverde, D. O.; Stocco, L. Notas para interpretação das desigualdades raciais na educação. Estudos
Feministas, Florianópolis, 17(3): 909-920, setembro-dezembro/2009;
96
grupos raciais diferentes, e também não são lineares. É importante, neste sentido, verificar se
há uma barreira racial que impede a homogeneidade (ou algo próximo) entre os grupos
raciais. Outra questão importante, da qual não nos ocuparemos, diz respeito às questões que
envolvem os efeitos psíquicos do racismo na escola levando a negação das identidades raciais
por parte de jovens e crianças que se sentem inferiorizados por seu “atributo” fenotípico.
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Estes resultados positivos não foram suficientes para equacionar a questão das
desigualdades raciais, reconhecendo algumas importantes mudanças. Provavelmente a
expansão das matriculas do ensino básico (médio e fundamental) somada às políticas de
97
Para a população negra a faculdade pública torna-se mais interessante pelo sistema de
cotas que algumas já possuem e a legitimidade em relação a outros programas de
98
financiamento como ProUni ou o FIES. Mas nota-se que apesar do importante incremento da
população negra no ensino superior no nível de graduação, 6,6 pontos percentuais, a
diferença, também em pontos percentuais entre negros e não negros aumentou de 5,5 em 1991
para 8,6 em 2010.
Para a população negra a faculdade pública torna-se mais interessante pelo sistema de
cotas que algumas já possuem e a legitimidade em relação a outros programas de
financiamento como ProUni ou o FIES. Mas nota-se que apesar do importante incremento da
população negra no ensino superior no nível de graduação, 6,6 pontos percentuais, a
diferença, também em pontos percentuais entre negros e não negros aumentou de 5,5 em 1991
para 8,6 em 2010. Somados graduação e pós-graduação a diferença sobe para 10,7 pontos
percentuais, a tendência é, pois, que se formem o dobro de estudantes não negros no nível
superior, com uma influência bastante importante na segmentação racial do mercado de
trabalho. Também é importante notar que a desigualdade cresceu com maior ferocidade no
período entre 1991 e 2000, que torna mais evidente os malefícios da ordem neoliberal e da
inexistência de políticas sociais efetivas neste período.
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Para a população adulta a diferença entre os grupos raciais é maior, assim como é maior a
taxa de alfabetização geral, como mostra o gráfico 6. Já o gráfico 7 mostra a média de anos de
estudo48, e por ele constatamos que as diferenças entre os grupos raciais reduziram mais no
ABC comparado aos resultados nacionais. A média dos anos de estudos dos negros do ABC
foi a que menos cresceu no período entre 1991 e 2010 e mais cresceu no período seguinte.
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
48
A variável “anos de estudo” não está disponível no Censo Demográfico 2010 do IBGE. Foi calculada a média
de anos de estudo utilizando as variáveis “Série/Ano que frequenta” para estudantes e “Curso mais elevado que
frequentou” somados com a variável “Conclusão deste curso” para não estudantes.
100
Gráfico 7 – Média de anos de estudo da população com cinco anos ou mais por grupos
raciais no ABC e no Brasil (1991-2010).
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Como já discutimos na primeira parte deste trabalho, uma quantidade maior de anos de
estudo faz toda a diferença para que o indivíduo possa ter melhores rendimentos49 e quanto
49
Que não implica em reproduzir a tese do capital humano. Como já apontamos, a escolaridade medida seja por
curso, seja por anos de estudo é ainda a proxy mais aceita e trabalhada para tratar de qualificação para o trabalho.
No entanto há de se reconhecer a precariedade desta na medida em que a qualificação para o trabalho engloba
fatores outros como a experiência e condições sociopsicológicas.
101
maior a quantidade de anos de estudo, maior a diferença salarial entre negros e não negros. Na
base da pirâmide educacional existe a distância racial, mas no topo (e mesmo em níveis
médios) esta é bastante acentuada50. Também é no ano censitário de 2000 que encontramos as
maiores desigualdades com uma recuperação considerável no ano de 2010.
Quadro 22 – Percentual dos rendimentos dos negros em relação aos rendimentos dos
não negros por classes de anos de estudo no ABC (1991-2010)
Outro dado, crianças e jovens de 5 a 24 anos de idade fora da escola, também nos
mostram o peso do ensino superior nas desigualdades raciais, já que na idade desejada para o
ensino superior é onde se apresenta a maior diferença entre negros e não negros fora da
escola.
Quadro 23 – Crianças e jovens de 5 a 24 anos fora da escola por grupos raciais e grupos
de idade no ABC (1991-2010)
1991 2000 2010
Faixas de
Não Não Não
idade Negros Negros Negros
negros Negros negros
De 5 a 10 39,7% 35,9% 10,5% 7,4% 3,0% 2,6%
De 11 a 14 11,9% 6,3% 4,0% 2,2% 3,9% 3,0%
De 15 a 18 46,6% 32,3% 25,4% 20,4% 24,4% 20,2%
De 19 a 24 85,9% 77,0% 77,9% 68,9% 78,6% 66,4%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
50
Aqui se faz necessário investigar o destino dos graduados por cor ou raça para tentar uma aproximação da
explicação de tal diferença de rendimentos. No caso do ensino médio, na classe de 11 a 15 anos de estudo, a
questão é mais complexa, pois a diferenciação neste caso não pode ser explicada pela diferença de ocupações
melhor remuneradas como médicos, engenheiros, advogados e etc., talvez as profissões técnicas possam oferecer
alguma pista, mas a variável racial parece ser um fator mais importante que a própria ocupação.
102
A redução ocorreu entre todas as faixas etárias nos grupos raciais investigados e
impressiona naqueles entre 5 e 10 anos de idade. Ainda que se possa questionar a qualidade
desta inquestionável melhoria quantitativa, também é preciso compreender que estes
questionamentos só fazem sentido após ocorrida a mudança quantitativa. Do ponto de vista da
equidade entre os grupos raciais, a diferença diminuiu entre estes na faixa etária dos 15 aos 18
anos – ainda que pese desta ser uma faixa etária “obrigatória” para o estudo, isto é, seria
desejável que a incidência fosse zero ou próximo disto – entre 1991 e 2000 e o aspecto mais
negativo foi que as diferenças pouco retrocederam de 2000 para 2010 nas faixas etárias acima
de 11 anos. Na faixa etária dos 19 a 24 anos, além da alta incidência de jovens fora da escola,
foi onde houve um aumento da diferença entre os grupos raciais no período.
Como neste momento o objetivo não é atemo-nos à renda no trabalho, mas a uma visão
mais abrangente das desigualdades de renda, utilizaremos a renda familiar per capita,
composta tanto pela renda adquirida no trabalho, em sua maior parte, mas também de outras
fontes como aposentadoria, pensão, programas de transferência de renda e etc., além do fato
desta ser repartida entre todos os membros de cada família, portanto, neste contexto, não só
nível da renda é importante, mas também sua distribuição.
desigualdade de renda não necessariamente tem um viés economicista, ainda que monetário.
O nível de renda é potencialmente influente no que diz respeito a outras dimensões da vida
social. O acesso a um nível maior de renda pode significar educação de melhor qualidade;
acesso a tratamentos de saúde mais complexos e completos; acesso à cultura, eventualmente
melhor mobilidade, habitação e etc. pelo fato de vivermos em uma sociedade capitalista em
que praticamente todos os recursos disponíveis os são sob a forma de mercadoria.
Quadro 24 - Renda familiar per capita média por localidade em reais (R$) de 2010
(1991-2010)
Localidade 1991 2000 2010
São Paulo - Estado 767,75 991,13 1.083,11
São Paulo – RM 923,66 1.155,21 1.215,02
São Paulo - Capital 1.074,69 1.412,16 1.467,30
Diadema 562,23 633,84 687,10
Mauá 550,63 603,38 706,09
Ribeirão Pires 651,76 773,75 844,70
Rio Grande da Serra 406,78 423,29 582,98
Santo André 857,30 1.082,80 1.335,99
São Bernardo do
972,23 1.110,58 1.220,12
Campo
São Caetano do Sul 1.112,11 1.714,91 2.022,73
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: Valores corrigidos pelo IPCA (IBGE).
Em relação a 1991, a renda média do ABC foi 38,0 % maior quando ajustada pela
inflação medida pelo IPCA. Quando analisados por grupos raciais, para os negros a elevação
104
foi menor que a média, 26,1 %. No período de 1991 a 2000, inclusive, houve um recuo de 5,3
% na renda das famílias negras, enquanto para os não negros o aumento foi de 11,4 %. Já
entre 2000 e 2010 o aumento mais significativo foi para os negros, 33,1 % enquanto a média
da região foi de 14,2 % e do grupo dos não negros 22,1 %.
Ocorre, ao que parece, indícios de recuperação da renda média das famílias negras, ainda
que a equiparação com os não negros esteja muito longe, já que em termos proporcionais, a
renda dos negros em relação aos não negros em 2010 foi de 51,8 %, 4,2 pontos percentuais
maior que em 2000 e 4,1 pontos percentuais menor que 1991, ou seja, em termos de
desigualdade, tomando um período pelo outro, a situação os grupos se manteve.
Gráfico 8 - Renda familiar per capita no ABC por grupos raciais em reais (R$) de 2010
(1991-2010)
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: Valores corrigidos pelo IPC-A (IBGE).
Se considerarmos como Soares (2008, p. 125) que a dependência entre os membros das
famílias – isto é, o percentual de membros de uma determinada família que não recebem
rendimentos de nenhum tipo – tem potencial para contribuir para uma menor renda familiar
per capita, no ABC apenas no ano de 2000 pode-se estabelecer alguma relação deste tipo,
mesmo frágil, já que o nível médio dos rendimentos dos negros caiu e dos não negros subiu,
da mesma forma, a taxa de dependência dos negros subiu de forma irrisória, 0,1 % e dos não
negros caiu 4 pontos percentuais. Como avalia o autor (2008, p. 127) para o caso brasileiro,
(também para o ABC, completamos) não é a demografia que pode explicar a desigualdade de
renda. Em 1991 a taxa de dependência é praticamente a mesma e os rendimentos bem
diferentes e em 2010 a diferença na taxa de dependência é pequena, 1,1 pontos percentuais
106
enquanto a renda dos não negros é quase o dobro da do grupo dos negros. O que se altera é
uma sensível diminuição na taxa de dependência que pode ser consequência tanto do aumento
do nível de emprego como dos programas de transferência de renda.
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Quando olhamos para o quadro 26, notamos que a distribuição da população pelas faixas
de rendimentos, sem compatibilizar os valores com 2010, é mais equânime nos anos de 1991
e 2000 que em 2010. Ao descontar a inflação, tornando o ano de 2010 a referência (quadro
27), verificamos que na realidade ocorreu menor concentração nas faixas mais baixas (mas
ainda assim bastante concentração) em 2010 e uma elevação média no rendimento familiar
per capita. Ocorre que o salário mínimo na década de 2000 foi mais valorizado que em
períodos anteriores, por esta razão quando tornamos equivalentes a valores de 2010 os
salários mínimos dos anos de 1991 e 2000, percebemos uma alta concentração na faixa de
107
renda mais baixa de até 1 salário mínimo, sendo que a população negra chegava a mais de 60
% concentrada nesta faixa de renda e mais de 90 % concentrada na faixa de renda de até 2
salários mínimos nos anos de 1991 e 2000.
Em relação ao rendimento médio por cada faixa de renda, os não negros superam em
pequeno valor os negros, mas curiosamente na faixa de renda mais alta os negros superam em
termos de rendimento familiar per capita médio, fato que pouco contribui para a redução das
desigualdades dado que o percentual de participação da população negra nesta faixa de renda
é mínimo.
Quadro 28 - Renda familiar per capita no ABC por grupos raciais e faixas de
rendimento em reais (R$) de 2010 (1991-2010)
1991 2000 2010
Faixas de
Não Não Não
rendimento Negros Negros Negros
negros Negros negros
Até 1 222,21 233,05 175,05 188,33 301,24 322,12
Mais de 1 até 2 512,82 524,32 424,31 438,12 722,30 751,85
Mais de 2 até 3 867,88 879,30 713,62 722,53 1.237,06 1.268,56
Mais de 3 até 5 1.337,97 1.381,21 1.129,12 1.100,32 1.911,23 1.968,83
Mais de 5 até 10 2.388,81 2.422,08 1.950,95 2.026,15 3.339,93 3.469,83
Mais de 10¹ 7.260,20 6.053,98 5.141,33 2.668,30 12.906,49 10.212,19
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: Valores corrigidos pelo IPCA (IBGE).
¹ Ressalta-se que a baixa representatividade de negros nesta faixa de rendimento pode influir nos resultados, já que outliers não
foram desconsiderados. Neste sentido, a maior concentração de não negros faz com que exista uma divisão maior do montante
e, provavelmente, um menor rendimento em relação aos negros.
108
O local de residência é outra dimensão bastante importante para a análise do alcance das
desigualdades raciais, e quando de alguma forma vinculada ao mercado de trabalho, pode nos
oferecer a compreensão de como o espaço social e o espaço físico estão interligados na
medida em que este se estrutura a partir daquele e nele interfere. As transformações ocorridas
nas décadas em questão interferem no nível de emprego; na qualidade do trabalho; na
remuneração, e etc., e certamente influem no acesso à moradia pelos trabalhadores. Em uma
situação precarizada, trabalhadores ocupam espaços urbanos vulneráveis. Tratamos
brevemente das questões que envolvem a dinâmica territorial e as desigualdades no capítulo
III deste trabalho, aqui iremos tratar diretamente das questões relativas ao ABC tomando o
que já foi exposto no capítulo citado como pressuposto.
51
A equidade racial não é necessariamente um indicativo de superação da superexploração do trabalho, mas sua
busca, sem dúvida, é uma das ferramentas que possibilita esta superação. Nas sociedades modernas em que a
riqueza produzida e potencial são suficientes para eliminar a exploração do homem pelo homem, apenas em um
modo de produção baseado em um economicismo frio (contraditório a todo o potencial “calor” humano), como o
é o capitalismo, pode ocorrer a flexão moral que permite o racismo. O discurso de que o racismo, xenofobia,
etnocentrismo ou coisa que os valha é próprio da natureza humana porque ocorreram em todas as sociedades é
completamente anacrônico. Uma coisa são elementos simbólicos que permeiam a luta pela sobrevivência em
sociedades com recursos escassos, outra é a preservação desta estratégia, ainda que de forma inconsciente, num
contexto de incomensurável (por conta de todo potencial humano) e mundializada riqueza.
109
Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: Inclusive os municípios de Rio Grande da Serra e São Caetano do Sul.
110
Em Diadema houve não apenas a diminuição geral de pessoas nestas localidades, mas
também uma diminuição na quantidade de domicílios em aglomerados subnormais, em São
Bernardo do Campo este fenômeno se repete. Porém, é em São Bernardo que está a maior
concentração da população negra em aglomerados subnormais, seja em termos relativos ou
absolutos, quase um terço, e a maior diferença percentual entre negros e não negros. Em
Mauá, apesar de grande diferença entre negros e não negros nos dois anos censitários, ocorreu
leve redução desta em 2010, além da redução geral da população em aglomerados
subnormais, fato que também ocorre em Diadema que, considerando o grande contingente de
negros em sua população, apresenta menores desigualdades entre os grupos raciais.
Domicílios com energia elétrica chegaram próximo à universalidade, com uma pequena
desvantagem para os negros. Indicadores de saneamento como esgotamento sanitário, lixo
coletado e abastecimento de água tiveram melhoras substantivas desde 1991. Esgotamento
sanitário que ainda é um problema considerável para a população foi o que mais evoluiu,
especialmente para a população negra que passou de quase um terço sem esgotamento por
rede geral em 1991 para pouco mais que um décimo em 2010, ainda assim quase o dobro da
população negra em termos relativos estava nesta condição precária. Rio Grande da Serra era
o município com mais problemas neste quesito, até por se tratar de uma área composta quase
que inteiramente por mananciais. 76,8 % dos negros e 62 % dos não negros não possuíam
esgotamento sanitário por rede geral, já em 2010 estes percentuais caíram para 41,8 % e 39,5
% respectivamente. Mauá obteve uma significativa melhora no período de 1991 a 2010,
mesmo depois de em 2000 estar em uma situação pior que em 1991.
52
Ver IBGE. Censo Demográfico 2010: Famílias e domicílios. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.
112
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
11,2 % e 4,1 %. Em São Caetano do Sul a situação era bem diferente em 1991, 4,7 % dos
negros e 1,2 % dos não negros residiam em domicílios sem esgotamento sanitário por rede
geral enquanto em 2010 eram respectivamente eram 1,8 % e 0,6 %. Resultados mais
expressivos apareceram em Diadema com uma expansão significativa do serviço de
esgotamento sanitário que se traduziu não apenas na melhoria geral como na redução da
diferença entre grupos raciais a 0,6 pontos percentuais.
O percentual de domicílios sem abastecimento de água por rede geral pouco se alterou no
período, uma leve queda em 2000 em relação a 1991 e uma nova subida em 2010, sendo que
Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra apresentaram as maiores ocorrências, em torno de 10 %
de domicílios sem abastecimento de água por rede geral, nos três anos censitários,
independente do grupo racial. A quantidade de pessoas em domicílios com mais de dois
moradores por cômodo também reduziu bastante em termos relativos em todos os municípios
com destaque para Diadema, principalmente no que tange à população negra que em 1991
eram 14,2 % em domicílios com mais de dois moradores por cômodo e em 2010 eram 2,8 %.
A evolução é notória nos indicadores apresentados, porém a persistência das desigualdades
também é. Pelos indicadores verificados, os níveis de bem-estar da população negra no ABC
em termos domiciliares aumentaram – com destaque para o município de Diadema – algo que
não é pouco e potencializa a organização das pessoas na busca de equidade com qualidade.
Quando analisamos pelo recorte raça ou cor é possível perceber o peso da diferenciação
para os negros, ainda que do ponto de vista da distribuição em si em Diadema e Mauá a
proporção de negros dirigentes seja maior que a dos não negros e em Santo André e São
Bernardo seja equivalente. Pelo fato de estas últimas cidades possuírem maior contingente
absoluto de trabalhadores e de negros, há uma maior proporção destes em relação aos outros
municípios. Portanto, o quadro 33 revela a distribuição ocupacional no ABC e pouca alteração
de um ano censitário para o outro, mesmo levando em conta as limitações de
comparabilidade.
115
São Caetano do
Rio Grande da
Ribeirão Pires
São Bernardo
Santo André
do Campo
Diadema
Mauá
Serra
Sul
Ocupações
Trabalhadores de apoio
10,6% 9,2% 8,6% 8,8% 10,3% 11,1% 10,2%
administrativo
Ocupações elementares e outras¹ 45,3% 47,1% 41,1% 50,2% 32,6% 34,6% 20,6%
Membros sup.
Profissionais Trabalhadores Trabalhadores
poder público, Técnicos de
das ciências e de serviços de reparação e
dirigentes e nível médio
2000 gerentes
das artes administrativos manutenção
N NN N NN N NN N NN N NN
Diadema 17,3% 5,9% 17,0% 5,6% 21,2% 8,8% 25,5% 12,1% 17,1% 13,1%
Mauá 8,4% 5,6% 15,8% 6,7% 14,6% 9,3% 13,3% 10,6% 30,0% 6,7%
Ribeirão
3,2% 3,5% 3,6% 3,6% 4,3% 3,3% 3,5% 3,2% 3,7% 4,5%
Pires
Rio Grande
5,9% 0,6% 0,4% 0,5% 1,1% 0,5% 1,4% 0,6% 2,1% 1,3%
da Serra
116
Santo
26,9% 31,9% 23,6% 33,3% 22,8% 33,8% 22,1% 32,5% 20,7% 36,5%
André
São
Bernardo 30,6% 37,1% 32,5% 35,9% 31,6% 34,5% 29,9% 31,7% 25,0% 30,4%
do Campo
São
Caetano do 7,6% 15,4% 7,1% 14,3% 4,4% 9,8% 4,4% 9,3% 1,3% 7,5%
Sul
ABC 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
N NN N NN N NN N NN N NN
Diadema 15,8% 5,7% 16,0% 6,2% 20,9% 8,1% 21,6% 12,5% 22,0% 17,0%
Mauá 16,5% 7,2% 15,6% 7,8% 18,3% 10,9% 16,2% 12,5% 19,1% 19,2%
Ribeirão
3,5% 2,5% 4,8% 3,5% 5,3% 3,5% 3,0% 3,7% 4,1% 4,6%
Pires
Rio Grande
1,4% 0,3% 2,0% 0,4% 2,0% 0,7% 2,6% 0,8% 2,7% 1,8%
da Serra
Santo
28,2% 35,6% 27,0% 34,9% 23,0% 32,8% 22,9% 29,0% 20,8% 23,4%
André
São
Bernardo 31,0% 35,1% 30,3% 34,1% 27,8% 33,7% 31,4% 33,5% 29,3% 29,4%
do Campo
São
Caetano do 3,5% 13,5% 4,3% 13,2% 2,7% 10,4% 2,2% 8,0% 2,1% 4,5%
Sul
ABC 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Notas: ¹Negros; ²Não negros.
Ou seja, o negro em São Caetano, apesar da robusta desigualdade, encontra-se, neste quesito,
em patamares superiores aos outros municípios do ponto de vista ocupacional, especialmente
porque são maioria relativa (em relação aos outros municípios) entre os profissionais das
ciências e intelectuais. Ao que parece a melhor qualidade de vida faz com que o precário seja
pouco menos precário, mas não necessariamente menos desigual. Em São Bernardo,
município com maior número absoluto de negros, também apresenta desigualdades
significativas. Porém, é em Rio Grande da Serra que estão os maiores percentuais de
trabalhadores na categoria de “ocupações elementares” nos dois grupos raciais.
Provavelmente um menor dinamismo econômico e a maior distância da capital impactem
nestes percentuais.
Membros sup.
Profissionais Trabalhadores Trabalhadores
poder público, Técnicos de
das ciências e de serviços de reparação e
dirigentes e nível médio
2000 gerentes
das artes administrativos manutenção
N NN N NN N NN N NN N NN
Diadema 1,5% 3,6% 2,0% 4,6% 6,2% 8,8% 9,5% 13,6% 3,2% 3,7%
Mauá 1,0% 3,2% 2,5% 5,3% 5,7% 8,8% 6,6% 11,3% 7,6% 1,8%
Ribeirão
1,4% 6,1% 2,2% 8,7% 6,4% 9,6% 6,6% 10,3% 3,6% 3,6%
Pires
Rio Grande
5,3% 4,6% 0,4% 4,7% 3,4% 6,3% 5,3% 7,8% 4,2% 4,5%
da Serra
Santo
2,6% 7,5% 3,1% 10,6% 7,4% 13,1% 9,2% 14,1% 4,4% 4,0%
André
São
Bernardo 2,0% 8,6% 2,9% 11,3% 7,0% 13,2% 8,5% 13,6% 3,6% 3,2%
do Campo
São
Caetano do 5,0% 13,3% 6,4% 16,9% 10,0% 14,0% 12,5% 15,0% 1,9% 3,0%
Sul
ABC 2,0% 7,2% 2,7% 9,8% 6,7% 12,0% 8,5% 13,4% 4,3% 3,3%
N NN N NN N NN N NN N NN
Diadema 1,5% 3,1% 4,6% 8,9% 5,7% 6,9% 9,1% 12,2% 22,4% 15,7%
Mauá 1,8% 3,2% 5,2% 9,5% 5,8% 7,8% 7,9% 10,2% 22,5% 14,9%
118
Ribeirão
1,6% 3,8% 6,8% 14,0% 7,2% 8,2% 6,4% 9,9% 20,8% 11,8%
Pires
Rio Grande
1,1% 1,8% 4,9% 6,8% 4,8% 5,9% 9,6% 7,9% 23,3% 18,2%
da Serra
Santo
2,6% 7,1% 7,8% 19,0% 6,3% 10,4% 9,7% 10,6% 21,2% 8,1%
André
São
Bernardo 2,1% 6,8% 6,4% 17,9% 5,6% 10,3% 9,7% 11,8% 21,8% 9,8%
do Campo
São
Caetano do 2,9% 9,7% 11,1% 25,6% 6,7% 11,8% 8,5% 10,4% 19,3% 5,5%
Sul
ABC 2,0% 6,1% 6,2% 16,5% 5,9% 9,6% 9,1% 11,0% 21,9% 10,4%
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Notas: ¹Negros; ²Não negros
No que diz respeito ao acesso aos postos de trabalho de “... maior prestígio social, onde
se encontram pessoas de mais alto nível de escolaridade e os detentores da propriedade e do
poder sobre o gerenciamento dos meios de produção” (CASTILHO, 2011, p.39), que além
disso, também possibilitam maior remuneração e abrange, no Censo do IBGE, as categorias
de “Diretores e gerentes” e “Profissionais das ciências e intelectuais”, Tanto uma quanto outra
categoria possuía maioria não negra em seu contingente no anos de 2000 e 2010. O percentual
de diretores e gerentes pouco se alterou, exceto para não negros em 2010 quando o percentual
cai e, consequentemente reduz a assimetria. Já na categoria de profissionais das ciências e
intelectuais a mudança foi substancial, em especial para os não negros com um incremento de
6,1 pontos percentuais. A diferença entre os grupos raciais cresce de 7,1 para 9,7 pontos
percentuais no período. Na somatória das categorias a diferença sobe de 12,4 para 13,5 pontos
percentuais, portanto, no topo da pirâmide ocupacional as assimetrias aumentaram, mas, como
em outros aspectos, num outro patamar qualitativo.
Como já dito, como se tratam de posições de comando mais próximas do controle dos
meios de produção, havia em 2000 uma considerável parcela de pessoas destas categorias, em
especial diretores e gerentes, que não apenas exercem uma posição de comando, mas também
são empregadores. Em 2000, o percentual de empregadores que exercia uma posição de
comando ou uma função entre cientistas e intelectuais era de 41,3 %, a grande maioria
diretores e gerentes não negros. Negros, por serem sub-representados na posição de
empregadores aparecem com percentuais bastante baixos e, em 2010, há uma queda geral nos
percentuais de empregadores. Uma hipótese era que a maioria dos empregadores do ABC
residia fora da região, e de fato, pelo Censo de 2010 verifica-se que apenas 15 % dos
empregadores do ABC residiam na região, infelizmente no Censo de 2000 a variável que
119
Quadro 37 - Rendimento familiar per capita em reais (R$) de 2010 dos trabalhadores
das categorias de ocupação “Diretores e gerentes” e “Profissionais das ciências e
intelectuais” por grupos raciais no ABC (2000-2010)
2000 2010
Categoria de ocupação Não Não
Negros Negros
Negros negros
Diretores e gerentes 1.713,22 3.087,09 1.766,90 3.291,69
Profissionais das ciências e
1.460,89 2.693,98 1.676,81 2.574,19
intelectuais
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Nota: valores corrigidos pelo IPCA (IBGE).
Diadema 31 53 74 104
Mauá 21 41 52 76
Ribeirão Pires 10 27 41 58
Santo André 8 15 26 39
ABC 10 20 38 55
Fonte: Dados calculados a partir dos Censos demográficos do IBGE de 2000 e 2010.
ocupados foi maior que a proporção da elite ocupacional. Este aumento se deve em grande
medida pelo incremento demográfico dos negros observado na década.
Já dentre as principais (cinco) atividades exercidas por trabalhadores negros e não negros,
o caráter industrial da região vem à tona. Mesmo com a crise e redução dos postos de trabalho
na indústria, assunto que trataremos mais a frente, quase um terço da população estava
empregada na indústria de transformação em 2000 e um quinto em 2010. Redução
significativa que vem acompanhada de outra circunstância, o fato de que em 2010 outros
ramos de atividade absorveram este contingente da indústria, dado que o percentual das outras
categorias aumentou para além das cinco principais que praticamente se repetiram nos dois
anos censitários, significando desconcentração (ou fragmentação) maior dos ramos de
atividades.
Duas são as principais diferenças verificadas entre os grupos raciais nos cinco mais
frequentes ramos de atividade: i) construção civil e serviços domésticos aparecem nos dois
anos censitários para os negros e em nenhum dos dois para os não negros; e ii) inversamente,
setores como educação, saúde e transporte e armazenagem aparecem para não negros e não
para os negros dentre os cinco mais frequentes ramos de atividades nos dois anos censitários.
Construção e serviços domésticos são setores de atividades que têm um rendimento médio
bem abaixo daqueles que aparecem entre não negros, excetuando indústria de transformação,
comércio e atividades imobiliárias/aluguéis/prestação de serviços, comum aos dois grupos
raciais.
Quadro 39 - Percentual dos trabalhadores por grupos raciais dos cinco ramos de
atividade mais frequentes em que estavam ocupados no ABC (2000)
Não Negros Negros
Indústria de
28% Indústria de transformação 30%
transformação
Comércio (inclusive Comércio (inclusive oficina de
19,8% 16,4%
oficina de autos) autos)
Atividades imobiliárias/
Aluguéis/ Prestação de 9% Construção 10,3%
serviços
Transporte e
6,5% Serviços domésticos 10%
armazenagem
Atividades imobiliárias, aluguéis,
Educação 6,4% 6,7%
serviços prestados
Outras 30,3% Outras 26,6%
Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2000 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
123
Quadro 40 - Percentual dos trabalhadores por grupos raciais dos cinco ramos de
atividade mais frequentes em que estavam ocupados no ABC (2010)
Não Negros Negros
Indústria de transformação 20,5% Indústria de transformação 22,5%
Comércio (inclusive oficina de Comércio (inclusive oficina de
17,2% 15,5%
autos) autos)
Educação 6,0% Construção 8,4%
Saúde humana e serviços sociais 5% Serviços domésticos 8%
Atividades administrativas e
Transporte e armazenagem 4,7% 5,4%
serviços complementares
Outras 49,6% Outras 40,2%
Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Para analisar a relação entre mercado de trabalho e desigualdades raciais, entendemos ser
necessário olhar para as transformações que ocorreram nas últimas décadas no mercado de
trabalho, e especificamente no caso desta pesquisa, no mercado de trabalho da região do
ABC. Com a crise no capitalismo mundial nos anos 70, as mudanças no mundo produtivo
impactaram de forma diferente, tanto localidades diferentes, quanto parcelas diferentes da
população, seja por características socioeconômicas (classes), seja por características
socioculturais (raça ou cor, gênero). As inovações que condicionam, motivam e decorrem da
reestruturação produtiva, interiores e exteriores ao capitalismo, são, ao mesmo tempo,
tecnológicas e sociometabólicas (ALVES, 2007, p.156), isto é, as relações sociais
transformam e são transformadas pela técnica e inovações tecnológicas num processo difícil
de apontar o que vem primeiro. O fato é que deste processo decorrem novas relações sociais e
de trabalho/produção.
Reestruturação, como observa Gomes (2011, p.53), não é ruptura plena com o momento
anterior em que uma estrutura se sobrepõe à outra. É, essencialmente, processo; um devir
conflitivo que combina continuidade e mudança; avanço e retrocesso. Expressa, segundo a
autora, um processo dialético e não circular, e é principalmente socioespacial na medida em
que implica em mudanças na organização social e do espaço. Dado que o consenso (a síntese)
é apenas um momento breve na lógica capitalista contemporânea em que o tempo de
realização da mais-valia é acelerado, a reestruturação, com todos os interesses em jogo, se
torna conflito constante; um jogo de forças em que continuidades e descontinuidades se
amalgamam, assim como o velho e o novo, neste caso, produção fordista e produção flexível.
125
Benko (2002, p.20) argumenta que a crise do Fordismo – sistema de acumulação que
vigorou com sucesso durante trinta anos, no pós-guerra – é uma modalidade de
aprofundamento das relações capitalistas em que ocorre a inserção de novas estratégias
focadas no reexame da relação salarial fordista e na busca por novas fontes de produtividade,
isto significa um reexame da rigidez das “regras” trabalhistas, flexibilizando-as. A ordem
instalada seria mais um “neofordismo”, ou seja, uma nova modalidade nos modelos de
acumulação com traços da anterior que um “pós-fordismo”, isto é, uma ruptura com o modelo
anterior. Portanto, se a ruptura existe, reside em: “... estratégias capitalistas de
racionalização/flexibilização – comparada a uma revanche de classe de alcance histórico –
remodelavam a totalidade das práticas de socialização fordista”. (BENKO, 2002, p.20).
Assim como o Fordismo central se difunde pelo mundo, modulando e sendo modulado
pelas características locais, o mesmo ocorre com a ordem surgida de sua crise. Neste sentido,
sendo o Fordismo no Brasil, segundo Lipietz (1988, p.127), tardio e periférico, sua
reestruturação ocorrerá também de forma tardia (final dos anos 80 e anos 90) se subordinando
às exigências do capital internacional como forma de inserção no jogo da globalização, isto é,
também periférico.
A lógica da valorização passou a ter como foco não apenas a empresa, mas a
“cadeia de valor” ou a “cadeia produtiva”. As redes, fusões e alianças
diversas interfirmas intensificaram a concentração de capital, com a
construção de novas estratégias competitivas por parte das empresas. Os
novos padrões de relações entre empresas tiveram consequências sobre a
negociação coletiva (...). A reconfiguração de cadeias produtivas tornou a
terceirização um elemento-chave na reestruturação industrial, com efeitos
diretos na precarização do trabalho e no enfraquecimento sindical...
(CONÇEIÇÃO, 2008, p. 49).
53
Bresciani, L. P.; Oda, N. T. Reestruturação produtiva e negociações coletivas no setor automobilístico no
ABC. Cadernos de pesquisa CEBRAP, São Paulo, nº 8, março de 2003, pp. 55-66.
127
importantes na região, o setor automobilístico era o carro-chefe e foi justamente o que mais
sofreu alterações e intervenções importantes na década de 1990. Conceição (2008, p.111)
aponta que com o fechamento da fábrica da Ford tratores no início da década, estabeleceu-se
um diálogo, encabeçado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e
Diadema, no sentido de reverter a decisão. Sem êxito na empreitada, o diálogo continuou em
torno da situação da crise no setor. A partir disto foi criada a Câmara Setorial com vias a
estabelecer negociações entre os atores participantes e interessados diretamente no processo,
já que indiretamente parte importante da cadeia produtiva nacional estava em jogo. A câmara
era a tentativa de regulação do mercado pela sociedade que, devido à prevalência da lógica
neoliberal, foi desativada pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
O impacto destas ações foi profundo no nível do emprego e salarial dos trabalhadores
do setor, aumentando a terceirização e fragmentação do trabalho. Apesar de ter expandido o
número de estabelecimentos no período, o volume de empregos diminuiu. Isto porque o porte
dos estabelecimentos diminuiu e a capacidade tecnológica aumentou. Estes estabelecimentos
menores assumiram a parte terceirizada das grandes empresas, neste sentido o aumento na
quantidade de estabelecimentos não significa dinamismo da indústria:
Também Matteo e Tapia (2003) vão afirmar que mesmo com a crise a atividade produtiva
no ABC não cai, pelo contrário, a indústria continua bastante dinâmica. O que ocorre é que as
tecnologias permitem poupar mão-de-obra e consequentemente afeta o emprego, seja
rebaixando salários, seja tornando mais seletivo o emprego. Estratégias como a terceirização
ajudam a rebaixar os salários sem perder o essencial da produtividade.
Neste sentido, o setor de serviços, com menor remuneração e com condições de trabalho
também mais precárias, cresce no nível de empregos em detrimento da indústria. A questão
para os autores é que a indústria no ABC apresenta a mesma participação na indústria paulista
que em outros tempos, porém o desemprego industrial cresce, levando a concluir que o
desenvolvimento econômico das empresas não rebateu nos empregos e este seria o grande
desafio (MATTEO e TAPIA, 2003, p.19) para a reengenharia institucional que estava sendo
administrada na região.
Parte dos motivos da queda nos postos de trabalho, principalmente nas empresas-polo-de-
inovação – possuidoras de empregos mais qualificados – é que a instabilidade e ajustes
macroeconômicos fizeram com que as empresas adotassem uma postura defensiva,
desativando linhas de produção e reduzindo o número de produtos, além da busca de
estratégias para a “qualidade total”. É certo que as mudanças refletiram o fortalecimento do
pensamento liberal nos países centrais que visava tornar homogêneo um novo modelo de
acumulação viabilizando o resgate das taxas de lucro em detrimento do trabalho, portanto
cada região deveria fornecer um suporte territorializado – no sentido de um ambiente
favorável – com vantagens fiscais, desregulamentação do trabalho, apoio logístico do estado e
etc.
A crise dos anos 1980 fez emergir um posicionamento regional de como seria o seu
enfrentamento. Para Ramalho e Rodrigues (2013) as propostas de desenvolvimento regional
tornam-se o mote de enfrentamento coletivo da crise e dos processos de reestruturação em que
firmas e empregos migravam ou simplesmente se esvaiam da região. Neste momento a região,
como sujeito coletivo, torna-se importante para fortalecer o enfrentamento de processos
supralocais. É neste contexto que surge instâncias institucionais supramunicipais como a
Câmara Setorial; Câmara Regional do Grande ABC; o Fórum da Cidadania do Grande ABC;
o Consórcio Intermunicipal do ABC; a Agência de Desenvolvimento Econômico e etc.
(RAMALHO e RODRIGUES, 2013, pp.220-221).
130
No que tange à população negra a questão é mais complexa, pois além de maior
dificuldade para conseguir empregos de melhor qualidade, quando empregada, tendia a
menores rendimentos e, neste caso, tanto a questão racial quanto a de gênero influenciava já
que homens negros recebiam salários inferiores aos dos homens brancos e das mulheres
brancas e as mulheres negras acumulavam um mix de desvantagens explicativas (raça,
gênero, escolaridade e etc.) da diferença salarial, tanto em relação aos homens brancos,
quanto aos homens negros e mulheres brancas. Para as mulheres negras não só o racismo, mas
também o sexismo é um duro fardo a ser superado.
últimos que veem a discriminação como elemento de distinção e seletividade (LEITE, 2003,
p.115).
As barreiras principais para acesso e promoção dos negros nas empresas, tanto na
percepção dos gerentes quanto dos sindicalistas, nos setores automotivo e químico são, em
ordem de importância: i) menor escolaridade; ii) menor qualificação técnica; e iii)
trabalhadores brancos não aceitarem a autoridade dos negros. (LEITE, 2003, p.117). Nesse
caso há um misto de “meritocracia” (conceito social absolutamente estéril em uma sociedade
desigual como a brasileira) e discriminação. A mais baixa escolaridade dos negros, que já
constatamos segundo dados do IBGE, ser um fato, tem raízes históricas e uma correlação
interdependente com outras mazelas sociais. Um problema estrutural, portanto. A menor
qualificação técnica, além da questão da escolaridade, também ocorre por problemas nos
treinamentos, seja pela incompatibilidade de horários, e as mulheres sofrem mais com dupla
jornada; seja pela discriminação nos treinamentos; ou também pela inadequação dos
treinamentos em relação às necessidades da mão-de-obra. As diferenças na percepção dos
gerentes e sindicalistas dos setores automobilístico e químico existem, mas de forma sutil,
sendo maior a distinção na percepção entre categorias do que entre setores. Diferente do setor
automobilístico, a percepção dos gerentes é que há um aumento da presença de homens
negros em posições qualificadas e de algum poder como supervisores e inspetores, e de
mulheres negras em serviços de escritório. Os sindicalistas do setor químico compartilham,
em parte, a percepção dos gerentes, porém para eles o aumento da presença de homens negros
foi na gerência e das mulheres, negras e não negras foi na área de engenharia e inspeção de
qualidade (LEITE, 2003, p.223).
grupos raciais apresentava distância maior que em relação às montadoras. Em relação aos
anos de estudo o padrão de dois anos de diferença aproximada ente os grupos raciais manteve-
se, mostrando que a evolução ocorre de forma não discriminatória, positiva ou negativamente,
mas sim com um avanço bastante grande nestes setores produtivos. Mas a remuneração talvez
seja o indicador mais importante para mostrar as diferenças entre os grupos raciais nestes
setores. O ganho real para os não negros foi mais substancial que para os negros e no setor
químico houve perda real para os negros em 2000 comparado com 1991, ainda que a média de
anos de estudo tenha aumentado bastante. Em resumo, um trabalhador negro mais qualificado
e pior remunerado, em consonância com os projetos neoliberais de fazer mais com menos. O
aumento da produtividade, neste contexto, possui estreita relação com o aumento da
exploração da mão-de-obra. Os negros em 1991 recebiam em média, aproximadamente 40 %
a menos que os não negros, no setor químico a diferença era um pouco mais acentuada. No
ano de 2000 a diferença salarial entre os grupos raciais se intensificou, talvez porque a
precarização do trabalho atingiu com mais força os negros que estavam locados em ocupações
com menor remuneração.
Além disso, não há estudos sobre a reestruturação produtiva no ABC que leve em conta o
recorte racial, exceto pelo já citado trabalho de Guimarães e, de forma pouco mais lateral,
outros trabalhos que faziam parte do Projeto FAPESP/CEBRAP, citado acima. Apesar disso,
talvez seja uma das únicas (senão a única) referências para a compreensão da relação entre
reestruturação produtiva e a questão racial no ABC. Aliás, Gomes (2011, pp.64-67) faz um
levantamento sobre trabalhos de diversos autores em diversas áreas sobre a temática da
reestruturação produtiva no Brasil e em nenhum deles está presente à temática racial. Talvez a
escassez dos dados disponíveis seja o principal fator explicativo. Levando isto em
consideração podemos pensar em algumas importantes considerações a partir dos escassos
dados disponíveis pelo IBGE para o tema.
A tese de alguns autores discutidos acima sobre a queda no nível de emprego formal nos
anos 90, considerando os problemas assinalados, parece se concretizar segundo os Censos do
IBGE. Conforme o quadro 43 fica bastante evidente a queda no nível de empregos formais e,
ao que tudo indica, ao menos quantitativamente, ela afetou menos os negros do que os não
negros. A queda na participação no trabalho formal na média do ABC foi de 12,6 pontos
percentuais para não negros e 6,8 pontos percentuais para negros em relação à população
empregada. Essa diferença talvez se explique pela estrutura de um emprego que não exigia
alta escolaridade no período fordista e, consequentemente, salários mais altos poderiam ser
cortados sem prejuízo da produção. O corte de custos afetava mais os trabalhadores com
maiores salários, os não negros. Aqui a racionalidade capitalista se fez valer, principalmente e
54
O Ministério do Trabalho e Emprego disponibilizou a partir do ano de 2006 os Microdados da RAIS e do
CAGED constando a variável raça. Disponível em http://portal.mte.gov.br/geral/estatisticas.htm.
135
não por acaso, porque mantinha inalterado o status atribuído aos grupos raciais. Exceto por
São Caetano do Sul em que a população negra apresentou incremento entre os trabalhadores
formais, em todos os outros municípios (inclusive São Caetano para os não negros) houve
queda no percentual de trabalhadores formais. É importante salientar que a massa de
trabalhadores negros em São Caetano é pequena, portanto, não chega a alterar o padrão de
queda geral na região.
55
A PIA, segundo o IBGE, corresponde à população com 10 anos ou mais e compreende a população
economicamente ativa e a população não economicamente ativa. A população economicamente ativa (PEA)
compreende, segundo o IBGE, “... o potencial de mão-de-obra com que pode contar o setor produtivo, isto é, a
população ocupada e a população desocupada, assim definidas: população ocupada - aquelas pessoas que,
num determinado período de referência, trabalharam ou tinham trabalho mas não trabalharam (por exemplo,
pessoas em férias); e População Desocupada - aquelas pessoas que não tinham trabalho, num determinado
período de referência, mas estavam dispostas a trabalhar, e que, para isso, tomaram alguma providência efetiva
(consultando pessoas, jornais, etc.)”. Há controvérsias no que diz respeito a considerar ou não jovens de 10 a 14
anos como possuindo “idade ativa”, já que por critérios legais estariam impedidos de exercer qualquer atividade
laboral. Por outro lado, investigar a ocorrência ou não do trabalho nesta idade permite a caracterização do
trabalho infantil. A partir da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD) 2011 realizada pelo IBGE,
a PIA passou a se referenciar pela idade de 15 anos ou mais
136
Censo de 1991, por abranger os últimos doze meses, fez com que o número de ocupados em
relação à PEA inflasse, mais de 90 %, bastante diferente do ano 2000, portanto, neste aspecto,
a comparação entre os censos fica um tanto precarizada. Outro aspecto importante é que ao
incluir ocupados e desocupados, a PEA explicita também aqueles que estavam
desempregados e procurando trabalho, e exclui, por exemplo, estudantes.
Gráfico 13 - Ocupados em relação à PEA (%) por grupos raciais no ABC (1991-2000)
1991 2000
Negros 90,5 74,9
Não Negros 92,5 81,1
Negros 15-29 anos 83,7 67,3
Não Negros 15-29 anos 84 74
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
Quadro 44 – PEA em relação a PIA por grupos raciais no ABC (1991 e 2000)
Município 1991 2000
137
Não Não
Negros Negros
Negros Negros
Diadema 38,6% 43,8% 48,0% 48,5%
Mauá 36,5% 37,8% 43,9% 43,6%
Ribeirão Pires 35,1% 40,6% 44,9% 45,0%
Rio Grande da Serra 34,4% 39,7% 39,3% 43,5%
Santo André 39,7% 44,9% 46,8% 46,8%
São Bernardo do Campo 40,1% 43,4% 49,6% 47,4%
São Caetano do Sul 42,8% 50,9% 50,2% 56,7%
ABC 39,3% 42,8% 47,5% 46,9%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991e 2000 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
No que diz respeito à posição na ocupação, existe pouca diferença entre um Censo e
outro, já que a distância entre negros e não negros, ou seja, a desigualdade entre os grupos
raciais, permanece inalterada. Exceto a posição de empregadores, que ficou estável com leve
variação positiva para os não negros, todos os outros percentuais das posições na ocupação se
modificaram, para mais no caso dos trabalhadores domésticos e os trabalhadores por conta-
própria, ou para menos no caso dos empregados do setor público e privado. Este crescimento
representa, ao mesmo tempo, a migração para mão-de-obra de serviços e uma maior
fragilização do trabalho em ocupações que tradicionalmente não têm cobertura previdenciária.
Se considerarmos posições de maior ou menor prestígio na estrutura ocupacional, a diferença
entre negros e não negros é maior naquelas com menor prestígio (trabalhadores domésticos) e
remuneração, proporcionalmente maior entre os negros, e maior prestígio (empregadores) e
remuneração, proporcionalmente maior entre os não negros.
Quadro 45 – Posição na ocupação dos trabalhadores no ABC por grupos raciais (1991 e
2000)
1991 2000
Posição na ocupação
Não Negros Negros Não Negros Negros
Trabalhar doméstico 3,1% 7,2% 5,6% 12,5%
Empregado no setor privado
78,3% 78,6% 66,5% 66,1%
e público
Empregador 4,5% 1,2% 4,8% 1,2%
Conta-própria 14,1% 13,0% 23,1% 20,2%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
participação no setor. Em 1991 a maioria dos trabalhadores ocupados não negros (40,5%) e
negros (43,4 %) era do setor industrial. Em 2000 a queda na participação é mais desfavorável
aos negros (13,9 pontos percentuais), enquanto para os não negros foi de 12,0 %. Os
municípios mais afetados foram: Rio Grande da Serra, Diadema e Mauá, com maior queda na
participação nos dois grupos raciais, e justamente onde residiam os maiores contingentes
relativos de negros.
É também em Rio Grande da Serra, Diadema e Mauá que as remunerações são mais
baixas, principalmente para os negros que apresentaram queda na remuneração real em todos
os municípios, exceto São Caetano, já os não negros em Santo André, São Bernardo e São
Caetano obtiveram ganhos na remuneração média no setor industrial.
A diferença de renda entre os negros e não negros é o dado mais significativo tanto no
ano de 1991 quanto no ano de 2000, ou seja, no período mais contundente da reestruturação
produtiva, pouco se alterou em termos de diferença de renda entre as duas populações, os
ganhos são geralmente para a população não negra e a variação, inclusive, foi negativa para os
negros e positiva para os brancos. No setor industrial os negros recebiam, tanto em 1991
quanto em 2000, pouco mais da metade da renda dos não negros (60 % em 1991 e 54,6% em
2000).
No que diz respeito à renda média dos trabalhadores em todos os setores, a desigualdade
foi pouco maior e o rendimento dos negros equivalente, respectivamente, a 57,9 % em 1991 e
53,8 % em 2000, do rendimento dos não negros. Os municípios mais desenvolvidos
economicamente, Santo André, são Bernardo e São Caetano, foram os que apresentaram
maior desigualdade tanto em 1991 quanto em 2000. Em São Caetano o rendimento médio dos
negros era menos que a metade dos rendimentos dos não negros nos dois momentos, enquanto
em Santo André e São Bernardo era pouco mais que a metade. Nos municípios em que havia
maior contingente de negros a desigualdade era menor. Aparentemente no ABC, na década de
1990, o maior desenvolvimento foi acompanhado de maior desigualdade racial no mercado de
trabalho
Ocorre segundo Martins (2003, p.142) uma contradição entre o discurso que valoriza a
diversidade por parte das empresas e as medidas efetivas que precarizaram o trabalho com o
avanço da reestruturação produtiva. Esta, ao precarizar contingentes de trabalhadores
aprofunda o processo de desigualdade nas relações de trabalho. Este discurso se reproduz nos
cargos hierarquicamente mais altos no interior das empresas, como por exemplo, a percepção
dos gerentes dos setores automobilístico e químico, para os quais não houve alteração nem
positiva e nem negativa em relação aos efeitos da reestruturação produtiva quando
considerados grupos raciais, teria permanecido igual, isto é, os negros continuam com
menores possibilidades de acesso a cargos superiores (LEITE, 2003, pp. 116 e 225-226).
Existe implícita nesta premissa uma aproximação com o discurso meritocrático já que se não
ocorreram efeitos negativos nas transformações do ponto de vista racial e as principais razões
de diferenciação são a escolaridade e qualificação, não há de se falar em discriminação e sim
em mérito. Seja histórico, relativo aos descendentes daqueles melhores posicionados na
estrutura ocupacional, por acaso homens brancos, seja contemporâneo, relativo à falta de
empenho dos negros.
Com a dificuldade de acesso e manutenção dos estudos por parte dos negros, torna-se
extremamente perverso o discurso de valorização do “trabalhador flexível”, já que esta
“flexibilidade” carece de um conjunto de fatores (informação, formação, experiência e etc.)
geralmente mais afastados daqueles. Do ponto de vista dos trabalhadores, o discurso
empresarial da diversidade era visto como puramente ideológico:
O contexto capitalista somado ao peculiar “racismo à brasileira” faz com que propostas
ou mesmo a tentativa de debate sobre questões raciais obtenha como resposta a suposta
igualdade de direitos, e o discurso costuma ser forte o bastante para que os próprios
trabalhadores negros não queiram debater a questão. Porém, também é fato que nos anos
1990, com forte atuação do movimento negro foi impossível se esquivar deste debate. A
141
desigualdade racial, a partir do momento que se difundem estudos que a tornam transparente,
fez com que setores conservadores (no que tange à questão racial, também setores da esquerda
podem ser considerados conservadores) tivessem que considerar a questão, um avanço em
relação a um momento anterior em que estas questões sequer eram consideradas no mercado
de trabalho, ficando restritas ao âmbito acadêmico.
O mercado de trabalho nos anos 2000 no ABC ainda sentia os efeitos da reestruturação
produtiva dos anos 1990. O baixo crescimento econômico do país nos primeiros anos afetou a
região no que diz respeito à taxa de emprego. Mesmo com a manutenção do tripé econômico
iniciado em 1999, o fortalecimento do mercado interno e a redução das vulnerabilidades
externas permitiram um incremento no mercado de trabalho nacional com rebatimento nos
mercados de trabalho regionais. Segundo o DIEESE (2012, p.15) duas foram as principais
novidades na reestruturação do mercado de trabalho brasileiro na década: a geração de
empregos formais e a melhoria de renda.
Há, em certa medida, uma direção contrária àquela adotada na década anterior que
preconizava a flexibilização das leis e relações de trabalho. Esta possibilitou a criação de
empregos sem alteração efetiva dos fatores internos do mercado de trabalho como educação
ou qualificação, ou seja, a seletividade tornou-se menos predatória neste início de século, mas
a precarização do trabalho, intimamente ligada a flexibilização das leis trabalhistas iniciada na
década de 1990, passou a ser o elemento a ser analisado.
Foi a partir desta gama de variáveis que o emprego formal voltou a crescer, porém
elementos próprios da precarização aprofundada nos anos 1990 como as elevadas taxas de
desemprego, a informalidade, as desigualdades regionais continuaram bastante relevantes
influenciando na qualidade dos postos de trabalho criados:
143
As mudanças nas tecnologias e nos padrões de consumo, ao que parece, produziram uma
taxa de desemprego diferente daquela dos anos 1990, elevada e considerada estrutural, pois ao
longo dos anos 2000 é a qualidade do emprego e a renda que vão para o centro do debate e
não a existência ou não do emprego, se tratando, pois, de um avanço. De fato, ao final da
década, comparando o ano de 2009 com o ano de 1999, o incremento de empregados formais
no primeiro foi 64,9 % maior, com a criação de quase 15 milhões de vínculos formais. O
estoque de empregos formais passa de 26,2 milhões em 2000 para 41,7 milhões em 2009,
resultado altamente expressivo considerando a situação anterior (DIEESE, 2012, p.78).
Esta dinâmica parece corroborar com aquilo que Pochmann (2006) entende com
reestruturação do mercado de trabalho brasileiro. O autor sustenta que nos anos 80 há um
decréscimo no assalariamento no que diz respeito aos empregos formais em relação ao total
da ocupação. O “movimento de desestruturação” citado por ele é o crescimento de um
segmento não organizado, difuso e heterogêneo da força de trabalho típico de economias
subdesenvolvidas (POCHMANN, 2006, p.123) e que contribui marginalmente (à margem)
com o desenvolvimento capitalista. Isto é, não pertence diretamente às organizações
tipicamente capitalistas, mas ao mesmo tempo faz parte do complexo de geração de riquezas.
Este segmento não protegido pela previdência social, entre outras coisas, tende a aumentar a
exploração da força de trabalho na medida em que rebaixa os rendimentos auferidos deste,
que do ponto de vista capitalista concentra a riqueza e diminui os níveis de competição
internos, ou seja, tende a estagnar o desenvolvimento.
A reestruturação do mercado de trabalho brasileiro ocorre a partir dos anos 2000 (mais
especificamente 2003), com a criação de empregos formais e tem forte relação com a
144
O autor, no entanto, não faz esta mesma reflexão no que diz respeito à reestruturação
contemporânea do mercado de trabalho, isto é, até que ponto não ocorreu um movimento
paradoxalmente inverso na medida em que não houve redução do custo do trabalho, já que as
políticas sociais contribuíram para valorizar a força de trabalho, em especial no que diz
respeito à valorização real do salário mínimo e expansão da escolaridade, porém, além da
expansão do mercado informal concomitante à do mercado formal, a precarização reduziu o
custo do emprego ainda que este seja expandido e preservado.
É neste sentido que Alves (2014, p.18) vai chamar a atenção para as novas formas da
precarização do trabalho no século XXI, precarização salarial (advinda de uma regulação
salarial precária, gestão toyotista e novas tecnologias informacionais), existencial (advinda do
modo de vida Just-In-Time) e do homem-que-trabalha (fruto da degradação do homem
enquanto ser genérico). O autor (2011) observa que é no período histórico que abrange os dois
governos Lula (2003-2010), que ocorre a retomada do crescimento econômico, mas também é
nesse período que o assalariamento de cariz flexível se consolida. O Estado assume um maior
protagonismo se dividindo entre Estado financiador, investidor e social, e é a conjunção
destes fatores que dá a tônica do desenvolvimento capitalista na década (ALVES, 2011, pp.
156-158). A natureza do emprego neste período e no anterior vai se diferir mais por apontar,
145
Saliente-se que as maiores reduções nas taxas de desemprego entre 2000 e 2010 no Brasil
foram entre os menos escolarizados (SEADE-DIEESE, 2011, p.66), que tendem a menores
remunerações e piores condições de trabalho e a criação e distribuição dos empregos formais
se deu em relativo equilíbrio dentre as faixas de escolaridade, já no ABC a criação de
empregos formais se deu principalmente entre os mais escolarizados, médio e superior
completo, empregos teoricamente de melhor qualidade. A participação se refere à quantidade
de vagas ofertadas em determinado município, não necessariamente estas são preenchidas por
trabalhadores do próprio município, mas a tendência é que a maior quantidade de vagas no
município colabore para que o trabalhador permaneça no município, diminuindo o custo e o
transtorno com o transporte.
A participação nos empregos formais desagregada por setores mostra o peso de alguns
municípios no mercado de trabalho do ABC. São Bernardo do Campo apresenta uma grande
importância relativa em todos os setores, demonstrando uma economia bastante diversificada
com peso no setor industrial muito forte na região, apesar da retração. Diadema também
mostra uma importante participação no emprego industrial, provavelmente a proximidade
com o complexo de rodovias Anchieta/Imigrantes é a principal causa da expressividade do
emprego industrial em São Bernardo e Diadema. Mauá além de aumentar sua participação no
setor industrial, foi o município que obteve maior alta nos empregos do setor da construção
civil, seguido por São Caetano. Os outros municípios quando não apresentaram queda,
mantiveram-se estáveis. No comércio não ocorreram mudanças importantes na participação
148
dos municípios nos empregos formais. No setor de serviços, exceto por São Caetano, todos ou
outros municípios aumentaram sua participação, mas a dinâmica deste setor, em termos de
participação no emprego formal, pouco se alterou intermunicipalmente. O setor agropecuário,
apesar da queda da participação em Mauá e do aumento em São Bernardo, é pouco
representativo no que diz respeito aos empregos formais.
Quadro 50 – Participação dos municípios nos empregos formais por setor no ABC
(2000-2010)
Construção
Indústria Comércio Serviços Agropecuária
Localidade Civil
2000 2010 2000 2010 2000 2010 2000 2010 2000 2010
Diadema 23,2% 23,2% 8,1% 8,9% 12,3% 13,2% 7,3% 8,2% 19,9% 1,3%
Mauá 7,3% 11,1% 4,0% 15,3% 8,0% 10,0% 4,4% 5,4% 55,7% 15,4%
Ribeirão
2,8% 3,3% 4,8% 3,7% 2,8% 3,5% 2,2% 2,3% 1,1% 11,4%
Pires
Rio Grande
0,3% 0,6% 1,0% 1,1% 0,3% 0,3% 0,4% 0,3% 0,0% 1,8%
da Serra
Santo André 13,8% 13,9% 20,6% 20,2% 33,0% 29,4% 26,2% 30,7% 21,4% 19,7%
São Bernardo
44,9% 38,3% 43,3% 25,4% 29,7% 31,3% 31,5% 35,9% 1,7% 46,9%
do Campo
São Caetano
7,7% 9,7% 18,2% 25,3% 13,8% 12,3% 27,9% 17,3% 0,3% 3,5%
do Sul
ABC 100 % 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS). Elaboração própria.
56
A quantidade de empregos formais em 2010 correspondia a 83,7 % dos empregos formais em 1990 da região,
respectivamente, 246.790 em 2010 contra 294.767 em 1990.
149
Este dado, da insuficiente recuperação do emprego industrial, fica mais evidente quando
avaliamos a evolução da participação dos empregos formais em relação ao total de empregos
em cada município (quadro 52) entre os anos de 2000 e 2010. Apenas São Caetano e Rio
Grande da Serra apresentaram evolução na participação do emprego industrial no total de
empregos, os setores que mais aumentaram participação foram o de construção civil e
comércio. Quando se trata de retração na participação em municípios como São Bernardo,
Diadema e Santo André, o peso é maior, dado o elevado contingente de trabalhadores
industriais nestes municípios.
A importância do emprego industrial na região diz respeito a vários fatores, dentre eles o
fato de possuir uma remuneração média bem mais elevada que os outros setores – e a renda é
150
sem dúvida uma Proxy de qualidade na medida em que permite o acesso a bens e serviços – e
um tempo médio no emprego mais elevado, denotando uma relativa estabilidade e indo de
encontro ao problema muito discutido da alta rotatividade da força de trabalho a partir da
reestruturação produtiva e reformas neoliberais. Segundo os dados da RAIS, em São Bernardo
e São Caetano a média salarial na indústria girava, em 2010, em torno de R$ 3.500,00
enquanto o tempo médio de emprego ultrapassa os 90 meses na indústria de São Bernardo e
75 na indústria em São Caetano. O menor tempo médio do emprego industrial em 2010, em
Mauá, equivale aos maiores, dentre todos os municípios, do setor de serviços. Portanto, o
avanço do emprego no setor de serviços, em detrimento do emprego industrial, precariza os
postos de trabalho, e a recuperação do emprego industrial aponta para a recuperação de um
emprego potencialmente melhor qualificado.
disponibilizados os microdados, enorme avanço para futuras pesquisas sobre a questão racial
no mercado de trabalho formal. A PED-ABC também passa a trabalhar com o recorte racial a
partir de 1998, disponibilizando também os microdados e produzindo um importante boletim
comparando períodos do biênio 2001/2002 – 2010/2011. Estas estatísticas permitem
aprofundar o conhecimento sobre as desigualdades raciais no mercado de trabalho na região
na década e tentar compreender o alcance dos avanços na primeira década deste século, ou
seja, a resposta ao problema passa a ser mais subsidiada e questões impossíveis de serem
compreendidas pelas análises mais abrangentes vêm à tona.
O rendimento médio por hora dos negros e não negros no biênio 2010-2011 aumentou
em relação ao biênio de 2001-2002 sendo, respectivamente, R$ 6,35 e R$ 10,60; e o
percentual crescimento do rendimento no período também foi desproporcional entre negros e
não negros, respectivamente 3 % e 5,5 % (SEADE; DIEESE, 2012, p.8). Ressalta-se que de
modo geral, em que pese às diferenças entre os grupos raciais, os rendimentos aumentaram.
Porém, existem outras possíveis razões da persistência das desigualdades de renda para além
da discriminação?
Gráfico 14 - Distribuição dos trabalhadores no interior de cada grupo racial por setores
econômicos segundo a PED-ABC (2011-2012)
57
Ver Chadarevian, P. C. Existe uma teoria econômica da discriminação? TD. 023/2009 Programa de Pós-
graduação em Economia Aplicada - FE/UFJF. Juiz de Fora, 2009. Disponível em
http://www.ufjf.br/poseconomia/files/2010/01/TD-023-Chadarevian.pdf. Acessado em 12/01/2015.
154
Quadro 54 - Distribuição dos trabalhadores formais por grupos raciais no ABC (2006-
2011)
Negros Não negros
Localidade
2006 2011 2006 2011
Diadema 25,5% 29,4% 65,9% 58,4%
Mauá 19,1% 22,6% 68,1% 63,2%
155
Quadro 57 - Escolaridade dos trabalhadores formais por grupos raciais no ABC (2006-
2011)
Negros Não negros
Escolaridade
2006 2011 2006 2011
Analfabeto 0,4 % 0,2% 0,3% 0,1%
Fundamental Incompleto 29,9% 15,8% 16,3% 10,4%
Fundamental completo 16,9% 13,9% 15,1% 11,2%
Médio Incompleto 10% 8,6% 8,5% 7,2%
Médio Completo 42,1% 53,4% 41% 49,4%
Superior Incompleto 2,9% 3,1% 5,7% 5,4%
Superior Completo 3,6% 5,1% 13,1% 16,2%
Total 100% 100% 100% 100%
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (Microdados RAIS). Elaboração própria.
média 15 meses a menos que trabalhadores não negros no emprego, o que indica maior
rotatividade e, por conseguinte, precariedade na relação de emprego. É muito difícil afirmar
que isto é fruto de discriminação sem um estudo específico, e não temos condições para isto,
mas é fato que negros tendem a menor estabilidade, no setor inclusive em que mais cresceu
sua participação, o comércio. A indústria que é o emprego mais estável, também é onde
aparece a maior diferença entre os grupos raciais. E a diferença cresceu no período já que o
tempo médio no emprego aumentou para não negros, indicando maior estabilidade ao mesmo
tempo em que reduzia para os negros.
Quadro 58 - Tempo médio em meses no emprego dos trabalhadores formais por grupos
raciais no ABC (2006-2011)
Negros Não negros
Setor
2006 2011 2006 2011
Agropecuária 36 25 51 51
Indústria 67 65 77 81
Comércio 23 20 26 27
Construção Civil 32 27 33 32
Serviços 31 29 41 43
Total 44 39 54 54
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (Microdados RAIS). Elaboração própria.
O rendimento médio é outro dado que mostra a diferença entre os grupos raciais e
mantém o padrão de outras bases de dados e posições na ocupação. São Caetano aparece com
a maior diferença, sendo que os negros recebiam, proporcionalmente, 60 % dos rendimentos
dos não negros. Houve aumento real no período para os dois grupos em praticamente todos
os municípios, e em alguns deles como Mauá e Ribeirão Pires, os rendimentos dos dois
grupos se aproximaram mais em 2011, mas como em São Bernardo, que tinha a maior média
salarial e maior número de empregos, a proporcionalidade ficou menor, a média da região
também retrocedeu em 2011.
158
Quadro 59 - Rendimento médio em reais (R$) de 2011 e proporção dos rendimentos dos
trabalhadores formais por grupos raciais no ABC
Proporção de
rendimentos dos
Negros Não negros negros (em %) em
Localidade
relação aos não
negros
2006 2011 2006 2011 2006 2011
Diadema 1.350,39 1.518,76 1.838,98 2.069,04 73,4% 73,4%
Mauá 1.395,68 1.582,47 1.919,97 1.971,61 72,7% 80,3%
Ribeirão Pires 1.193,43 1.427,40 1.473,22 1.657,75 81,0% 86,1%
Rio Grande da
1.332,01 1.324,68 1.632,33 1.631,24 81,6% 81,2%
Serra
Santo André 1.198,00 1.289,91 1.676,16 1.769,31 71,5% 72,9%
São Bernardo do
1.582,51 1.690,03 2.411,13 2.771,52 65,6% 61,0%
Campo
São Caetano do Sul 1.238,90 1.382,42 2.101,76 2.303,09 58,9% 60,0%
ABC 1.378,65 1.508,40 2.039,28 2.267,75 67,6% 66,5%
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (Microdados RAIS). Elaboração própria.
Nota: Valores atualizados pelo IPCA (IBGE)
De novo a indústria aparece como “vilã” na distância entre grupos raciais, desta vez em
relação à renda. A situação na indústria é paradoxal, porque ao mesmo tempo em que a
proporcionalidade de rendimentos dos negros em relação aos não negros é menor, muito
próxima ao setor de serviços, a indústria remunera expressivamente melhor. No comércio a
remuneração se aproximou bastante em 2011, ao que parece o setor com menor desigualdade
nos indicadores verificados. A indústria, apesar de apresentar maiores diferenças, portanto, o
setor em que as desigualdades raciais no mercado de trabalho mais se explicitam, é também o
emprego mais qualificado, mais estável e que remunera melhor, sendo assim, o mais
desejável.
Quadro 60 - Rendimento médio em reais (R$) de 2011 e proporção dos rendimentos dos
trabalhadores formais por setor de atividade e grupos raciais no ABC
Proporção de
rendimentos dos
Negros Não negros negros (em %) em
Setor de atividade
relação aos não
negros
2006 2011 2006 2011 2006 2011
Agropecuária 530,23 759,71 772,22 1.025,98 68,7% 74,0%
Indústria 1.951,33 2.187,55 2.932,43 3.360,87 66,5% 65,1%
Comércio 1.231,79 1.581,33 1.479,99 1.765,39 83,2% 89,6%
159
Sobre a diferença salarial média entre negros e não negros dirigentes e gerentes,
extremamente elevada, informações anteriores e o quadro 63, referente ao ano de 2011 nos
indicam algumas pistas: i) o negro é sub-representado no setor que melhor remunera no ABC,
a indústria, e desconsiderando esta peculiaridade e utilizando como comparação a média dos
160
rendimentos dos dirigentes e gerentes por grupos raciais no setor industrial, ainda assim a
diferença é enorme; ii) a maioria dos negros dirigentes e gerentes estava concentrada no setor
de construção civil, aquele com menor remuneração; iii) em todos os setores de atividade
dirigentes e gerentes negros obtinham remuneração mais baixa.
Quadro 62 - Rendimento médio em reais (R$) de 2011 e proporção dos rendimentos dos
trabalhadores formais por setor de atividade e grupos ocupacionais no ABC
Proporção de
rendimentos dos
Negros Não negros negros (em %) em
Grupo ocupacional
relação aos não
negros
2006 2011 2006 2011 2006 2011
Dirigentes e
2.326,72 2.833,66 6.126,37 6.356,34 38,0% 44,6%
gerentes
Profissionais das
ciências e 3.140,39 3.425,27 4.315,69 4.585,96 72,8% 74,7%
intelectuais
Técnicos de nível
2.091,22 2.220,69 2.871,82 2.958,89 72,8% 75,1%
médio
Trabalhadores
domésticos e 671,02 768,15 725,72 838,80 92,5% 91,6%
correlatos
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (Microdados RAIS). Elaboração própria.
Nota: Valores atualizados pelo IPCA (IBGE).
Ressalta-se ainda que uma parcela razoável dos dirigentes e gerentes não declarou sua
raça ou cor, na medida em que a soma das categorias “não identificados’ e “indefinidos”
alcançou um alto percentual, 15,6 %. Este percentual foi menor que o verificado entre os
profissionais das ciências e intelectuais, 23,0 %. Entre os técnicos do nível médio foi de 18,4
%. Já dentre os trabalhadores domésticos e correlatos, o percentual de não declarados era de
8,7%. Ao que parece nas categorias mais próximas à elite ocupacional há uma dificuldade
maior de definição da raça ou cor, porém não há como saber se uma possível definição
diminuiria a sub-representação na elite ocupacional, provavelmente sim, levando-se em conta
o fato de que se as maiores diferenças entre os grupos raciais estão no topo ou próximos dele
na hierarquia de classes, portanto, na hierarquia ocupacional a tendência é que o preconceito e
discriminação sejam potencializados.
161
Distribuição (no
Participação Média de
interior de cada
relativa rendimentos
grupo racial)
Setor de atividade
Não Não Não
Negros Negros Negros
negros negros negros
de todo modo o emprego formal para estes se manteve estável. Mesmo com o avanço ainda
não foram alcançados os níveis de 1991.
Quadro 65 – PEA em relação a PIA por grupos raciais no ABC (2000 e 2010)
2000 2010
Município Não Não
Negros Negros
Negros Negros
Diadema 48,0% 48,5% 61,4% 63,0%
Mauá 43,9% 43,6% 59,4% 61,0%
Ribeirão Pires 44,9% 45,0% 57,0% 60,6%
Rio Grande da Serra 39,3% 43,5% 58,3% 61,5%
Santo André 46,8% 46,8% 60,3% 64,0%
São Bernardo do Campo 49,6% 47,4% 61,7% 62,9%
163
2000 2010
Negros 74,9 89,0
Não Negros 81,1 92,0
Negros 15-29 anos 67,3 83,3
Não Negros 15-29 anos 74 86,7
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria
Quadro 66 – Posição na ocupação dos trabalhadores no ABC por grupos raciais (2000 e
2010)
2000 2010
Posição na ocupação
Não Negros Negros Não Negros Negros
Trabalhar doméstico 5,6% 12,5% 3,8% 8,0%
Empregado no setor privado
65,5% 66,1% 75,4% 77,1%
e público
Empregador 4,8% 1,2% 3,0% 0,7%
Conta-própria 23,1% 20,2% 17,8% 14,2%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 2000 e 2010 (Resultados Gerais da Amostra). Elaboração própria.
164
Fica claro que os resultados da RAIS são mais significativos para o trabalho formal por
tratar-se de um cadastro obrigatório e que compreende a quase totalidade do universo dos
trabalhadores formais, enquanto os Resultados da Amostra do Censo do IBGE é uma pesquisa
amostral de uma população mais ampla, que por maior rigor estatístico que tenha, perderá em
relevância para uma pesquisa específica de um segmento como o caso da RAIS para o
trabalho formal. Em Diadema e em Mauá a participação do emprego industrial é maior que
em outros setores, diferente de São Bernardo e Santo André em que o emprego nos serviços
tem maior participação.
A renda média em todos os setores mantém-se pouco abaixo da renda média da indústria,
com maior diferença em 2010. A desigualdade de remuneração é menor do que na indústria,
tanto em relação aos grupos raciais quanto entre os municípios. Os valores do IBGE destoam
dos resultados da PED-ABC na medida em que nesta houve aumento real no período, de 3 %
para negros e 5,5 % para não negros (SEADE; DIEESE, 2012, p.8).
166
Verificamos que no ABC há grande diferença entre o emprego formal, apresentado nos
dados da RAIS do Ministério do Trabalho e Emprego e o informal, encontrado tanto nos
dados dos Censos demográficos do IBGE, quanto na PED-ABC. O crescimento verificado na
década de 2000 e as políticas sociais de cunho progressistas se converteram em ganhos para a
população negra, mas, apesar do patamar diferente, superior, as desigualdades raciais no
mercado de trabalho resistem, em especial, na renda e nos níveis superiores de escolaridade.
A qualidade do trabalho é outro fator a ser verificado, já que o emprego industrial,
considerado por nós mais qualificado, apresenta grandes diferenças entre os grupos raciais.
167
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na primeira parte deste trabalho procuramos apresentar elementos para compreensão das
desigualdades raciais no mercado de trabalho brasileiro do ponto de visto histórico – visto que
estes elementos ainda podem ser encontrados, independentemente do território, no contexto
nacional – e do ponto de vista conceitual, ressaltando que as formulações simbólicas que
emergiram ao longo do tempo ainda pesam sobre nossa sociedade. A sociedade brasileira,
hierarquizada e autoritária, estruturou-se a partir das assimetrias raciais. Esta é a base sobre a
qual todas as outras se ergueram, a saber, a base do projeto de nação que se pretendia num
período que o país se consolidava enquanto estado-nação. E considerando que o longo
percurso das desigualdades raciais enraizadas no tecido social criou uma resistência tal a
estas, entendemos que apenas a intervenção robusta do Estado pode produzir algum efeito no
sentido de reduzir as assimetrias raciais.
Em relação aos rendimentos, mais especificamente, renda familiar per capita, o padrão é
parecido com a escolaridade: ocorreram avanços no que diz respeito à média geral (aumento
da renda, melhor distribuição pelas faixas de renda), mas as desigualdades entre os grupos
raciais em pouco ou nada se alteraram. Entre 2000 e 2010 houve incremento na renda familiar
no ABC, em todos os municípios, mas a proporcionalidade de rendimentos dos negros em
relação aos não negros em 2010, aumentou tendo o ano de 2000 como base, mas não
recuperou os resultados de 1991, que já eram bastante desiguais. De um modo geral os negros
continuam com rendimentos equivalentes a pouco mais que a metade dos não negros.
O local de residência demonstrou certa estabilidade nos indicadores no que diz respeito
às desigualdades, e talvez esse seja o aspecto mais positivo dos acontecimentos. No que diz
respeito aos aglomerados subnormais, já conceituados em outro momento, há pouca mudança
de 2000 para 2010, inclusive para os grupos raciais, fato que, considerando o crescimento
demográfico da população negra no período, já é algo positivo. Não problematizamos
169
A distribuição ocupacional mostra também grande diferença entre os grupos raciais. Aqui
dois fenômenos são importantes: o primeiro, a segmentação ocupacional. Há uma clara
divisão racial do trabalho onde os negros tendem a ocupações braçais, menos salubres e com
menor possibilidade de mobilidade. Esta tendência se estabelece ao logo do tempo. O segundo
mostra que mesmo nas posições mais prestigiadas há um “fosso” entre os grupos raciais que
em categorias próximas apresenta uma importante distinção salarial. Como não teríamos
condições de demonstrar como a discriminação atua neste quesito, isto é, por meio de quais
mecanismos discriminatórios se estabelece tamanha cisão, apenas apontamos indicadores que
a sugerem.
Quando saímos da análise mais geral para a população economicamente ativa (PEA), isto
é, trabalhadores ocupados e desocupados, também concluímos que as transformações das
últimas décadas não foram suficientes para transformar as relações raciais no mercado de
trabalho, mesmo que a “atmosfera geral” colaborasse para tanto.
Nos anos 1990 a situação foi de leve deterioração. Ao analisarmos os resultados dos
Censos de 1991 e 2000, percebemos que na taxa de ocupação a piora foi geral e com menos
intensidade para os negros, provavelmente pelo fato de o setor de serviços expandir-se, com
um emprego mais precário. A grande diferença no período está na piora dos índices de
escolaridade dos negros e também da renda. A reestruturação produtiva teve um impacto
importante no emprego do ABC, mas, analisando pelos grupos raciais, a desvantagem está em
uma situação geral pior (no que diz respeito ao mercado de trabalho) e, em se tratando de uma
170
Para finalizar, partindo desta última observação, entendemos ser premente que
políticas urbanas e regionais sejam pensadas levando em conta a variável racial com toda sua
historicidade e contradições, caso contrário os negros ficarão sempre à margem dos avanços,
171
isto é, avançando em uma proporção que não vislumbra a equidade, e, por isso mesmo, sendo
os maiores penalizados nas crises.
172
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