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Constituição de 1988
Paulo Mohn
Sumário
1. Introdução. 2. Os modelos de repartição
de competências. 2.1. A repartição horizontal de
competências e o federalismo dual. 2.2. A repar-
tição vertical de competências e o federalismo
cooperativo. 3. A repartição de competências
na Constituição de 1988. 3.1. As competências
privativas da União. 3.2. As competências re-
manescentes dos Estados. 3.3. As competências
privativas dos Municípios. 3.4. As competências
comuns (materiais concorrentes). 3.5. As com-
petências legislativas concorrentes. 4. Conside-
rações finais.
1. Introdução
O federalismo demanda uma divisão do
poder, principalmente entre o ente central
(União) e os Estados-membros, mas tam-
bém com os Municípios. Na lição de Silva
(2002, p. 494), poder significa “a porção de
matérias que a Constituição distribui entre
as entidades autônomas e que passam a
compor seu campo de atuação governa-
mental, suas áreas de competência”. Então,
a competência determina a “esfera delimi-
tada de poder que se outorga a um órgão ou
entidade estatal, mediante a especificação
de matérias sobre as quais se exerce o poder
de governo” (SILVA, 2002, p. 494).
Portanto, a divisão de poderes opera-se
Paulo Mohn é Mestre em Direito e Políticas
principalmente pela repartição de compe-
Públicas (Uniceub), Especialista em Direito Pú-
blico (IDP) e Consultor Legislativo do Senado
tências, que representa “o ponto fulcral
Federal. a ser considerado em uma Constituição
Incisos do artigo 21 da
Agrupamento
Constituição Federal
I – manter relações com Estados estrangeiros e participar de orga-
nizações internacionais;
II – declarar a guerra e celebrar a paz;
III – assegurar a defesa nacional;
Autoridade do Estado no plano in- IV – permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças
ternacional, guerra e paz, e defesa do estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam
território temporariamente;
VI – autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material
bélico;
XXII – executar os serviços de polícia marítima, aeroportuária e de
fronteiras (redação dada pela EC 19/1998);
Proteção da ordem constitucional em V – decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção
momentos de crise federal;
VII – emitir moeda;
VIII – administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as opera-
Moeda e câmbio
ções de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e
capitalização, bem como as de seguros e de previdência privada;
Incisos do artigo 21 da
Agrupamento
Constituição Federal
XIII – organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a
Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios;
XIV – organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de
Distrito Federal
bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência
financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por
meio de fundo próprio (redação dada pela EC 19/1998).
XV – organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia,
Serviços oficiais
geologia e cartografia de âmbito nacional;
Almeida (2005, p. 91) sugere que al- Outra competência privativa da União
gumas dessas competências poderiam que se pode questionar refere-se à área do
compor o rol de competências comuns. planejamento nacional e regional. Almeida
Uma delas seria a de planejar e promover (2005, p. 92) lembra que o planejamento é
a defesa permanente contra as calamida- informado pelos princípios da “unidade
des públicas (inc. XVIII), especialmente as por integração” e da “globalidade”, o que
secas e inundações. O socorro aos Estados resulta em dificuldade de conciliação com
em caso de calamidade pública foi o pri- a autonomia das unidades federadas. Con-
meiro (e único, à época) instrumento de tudo, argumenta a autora, embora possa
cooperação entre eles e a União (BRASIL, utilizar-se de processos de centralização
1891, art. 5o) e serviu, muitas vezes, como autocráticos, o planejamento pode valer-se
instrumento de interferência federal nos de medidas de coordenação com a forma
assuntos de economia interna dos Estados. federativa, por meio da concertação dos
Para Ferreira Filho (1997, p. 161), o apelo à planos federal e estaduais. Isso depende-
União para que prestasse socorro às secas ria do desenvolvimento que se desse à lei
do Nordeste “foi um fator importantíssimo que “estabelecerá as diretrizes e bases do
que ponderavelmente contribuiu para a planejamento do desenvolvimento nacional
centralização no federalismo brasileiro”. equilibrado, o qual incorporará e compa-
Apesar da relevância da atuação da União, tibilizará os planos nacionais e regionais
especialmente na função de planejamento, de desenvolvimento” (BRASIL, 1988, art.
não se justifica que essa competência não 174, § 1o).
seja compartilhada com os próprios entes A competência para “elaborar e executar
federativos envolvidos nas reiteradas planos nacionais e regionais de ordenação
ocorrências. do território e de desenvolvimento econô-
Outros domínios, embora não tenham nados pela instância federal, porque dizem
correspondência imediata com as compe- respeito à nação e sua relação com o exterior
tências materiais do art. 21 ou de normas e os estrangeiros:
esparsas, são assuntos tipicamente discipli-
Incisos do artigo 22 da
Agrupamento
Constituição Federal
VIII – comércio exterior e interestadual;
Competências legislativas tipica- XIII – nacionalidade, cidadania e naturalização;
mente federais XV – emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de estran-
geiros;
Em alguns casos, a competência legis- caráter nacional, para fomentar uma ação
lativa da União foi determinada porque se ordenada e uniforme na área. Esses grupos
entendeu necessário constituir sistemas de estão relacionados a seguir:
Incisos do artigo 22 da
Agrupamento
Constituição Federal
XI - trânsito e transporte;
XVI - organização do sistema nacional de emprego e condições para o
Sistemas de caráter nacional exercício de profissões;
XIX - sistemas de poupança, captação e garantia da poupança popular;
XX - sistemas de consórcios e sorteios;
Incisos do artigo 30 da
Agrupamento
Constituição Federal
Competência legislativa privativa I – legislar sobre assuntos de interesse local;
Competência legislativa concor-
II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
rente
Incisos do artigo 30 da
Agrupamento
Constituição Federal
III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como
Tributária aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas
e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;
IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação esta-
dual;
Distritos e ordenamento territorial VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, me-
diante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação
do solo urbano;
V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou per-
Serviços públicos missão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte
coletivo, que tem caráter essencial;
VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado,
programas de educação infantil e de ensino fundamental (redação dada
Social (educação e saúde) pela EC 53/2006);
VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado,
serviços de atendimento à saúde da população;
Proteção do patrimônio histórico- IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, obser-
cultural vada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.
No inciso V do art. 23 figura a importan- amento básico (art. 21, XX). Desse modo,
te área da educação, na qual a União legisla os “programas de construção de moradias
sobre as diretrizes e bases da educação na- e a melhoria das condições habitacionais e
cional (art. 22, XXIV). Nesse setor, a própria de saneamento básicos” (BRASIL, 1988, art.
Constituição Federal traçou uma divisão 23, IX), a serem promovidos por todos os
vertical de competências, ao dispor que os entes federativos, deverão estar coerentes
Estados atuarão prioritariamente no ensino com aquelas diretrizes, além de seguir as
fundamental e médio e os Municípios, no normas gerais estabelecidas pela União na
ensino fundamental e na educação infantil legislação sobre direito urbanístico (BRA-
(art. 211, §§ 2o e 3o). SIL, 1988, art. 24, I).
Outra área em que deverão ser seguidas As demais competências materiais co-
as diretrizes da União é a de desenvolvi- muns do art. 23 estão todas vinculadas a
mento urbano, inclusive habitação e sane- competências legislativas concorrentes: