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5JUNHO

Como os três poderes


intensificaram
sua articulação
e sofisticaram os

ANOS
mecanismos de restrição
ao direito de protesto
nos últimos 5 anos

DE

DE 2013
— 5 ANOS DE JUNHO DE 2013 — — INTRODUÇÃO —

Em Junho de 2013, o uso indiscriminado de a própria ocorrência de manifestações foi proibida, protesto, a arena legislativa também protagonizou
armamentos menos letais - como balas de borracha, cerceando-se integralmente o exercício do direito episódios de violência e completa supressão da
spray de pimenta e gás lacrimogênio - e outras práti- de protesto. Além disso, como reflexo direto da participação popular, com o fechamento de gale-
cas arbitrárias das polícias geraram imagens emble- repressão a protestos, também nesse período foram rias do Congresso Nacional e a recorrente retirada
máticas de repressão a protestos. À época, milhares observadas decisões de culpabilização explícita de manifestantes por contestarem determinadas
de manifestantes, comunicadores, advogados e até de comunicadores que sofreram graves lesões ao propostas em discussão.
transeuntes foram alvos de agressões, detenções cobrir estes eventos.
arbitrárias e outras ilegalidades. O reflexo deste A breve síntese aqui proposta sobre o período de
movimento se fez presente, naquele ano, em outros De forma semelhante, no campo do Legislativo 5 anos desde Junho de 2013 centra-se em dois as-
âmbitos do Estado brasileiro, com a proposição perdurou a lógica de elevados números de projetos pectos: o primeiro é a continuidade das violações
imediata de ao menos 20 projetos de lei restritivos e de lei, comumente associados aos principais temas ao direito de protesto, que, evidenciadas naquela
a criminalização de manifestantes e comunicadores em debate sobre protestos a cada momento, como ocasião, perpetuaram-se ao longo dos anos subse-

Introdução
por meio de investigações e processos judiciais. ilustram propostas sobre bloqueio de vias públi- quentes, com ajustes para aprimorar os mecanis-
cas, aviso prévio para o exercício do direito de mos de repressão e criminalização e adequá-los
Nos anos que se seguiram, esta lógica não se reunião e uso de máscaras em manifestações. São, a acontecimentos relevantes, como aconteceu
alterou; pelo contrário, ao passo que nas ruas, nas atualmente, ao menos 70 propostas legislativas em com os grandes eventos esportivos, com a onda
leis e nos tribunais os processos de repressão e trâmite no Congresso Nacional, com objetivos como de ocupações estudantis, com os desdobramentos
criminalização seguiram intensos (e, em diversos a criação de novos crimes, o endurecimento de da crise política e social no país, dentre outros. O
casos, mais sofisticados) também o aspecto de sanções para crimes existentes e a regulamentação segundo elemento é a articulação – em alguns ca-
articulação entre diferentes órgãos e níveis do do direito de protesto, categorias que se repetem sos deliberada - entre diferentes poderes, órgãos
Estado ficou evidente. Nesse sentido, na atuação também nos âmbitos estadual e municipal. e níveis de organização do Estado a fim de levar
do Poder Executivo destacou-se a sofisticação dos a cabo este complexo conjunto de restrições, que
armamentos e táticas de repressão policial, mas Nesse ínterim, foi aprovada a emblemática Lei tem sido central na agenda do poder público brasi-
também da própria operacionalização das restrições Antiterrorismo, que consubstancia diversas das leiro nos últimos anos. Os elementos apresentados
O EXERCÍCIO DO DIREITO DE PROTESTO no Bra- ao direito de protesto. A esse respeito, pode-se preocupações a respeito da criminalização de mani- sugerem que o Estado brasileiro vem fortalecen-
sil nos últimos 5 anos teve como resposta do Estado citar, dentre muitos exemplos, a participação de festantes e de movimentos sociais, reforçadas ainda do todos os seus instrumentos para reprimir e
uma série de intensas e sofisticadas restrições, mar- forças de segurança não tradicionalmente emprega- por novos projetos de lei que almejam tornar a lei silenciar vozes dissonantes, o que condiz com o
cadas ainda pela articulação institucional entre os das em manifestações públicas, como Guardas Civis aprovada ainda mais restritiva. Para além de palco cenário geral de atrofia das liberdades públicas e
poderes Executivo, Legislativo e o Sistema de Justiça. Municipais ou mesmo o Exército, em toda a cadeia da produção de normas em torno do direito de dos direitos fundamentais no cenário político atual.
Desde Junho de 2013, marco inicial desta análise, a de repressão e criminalização.
repressão policial mesclou-se a outras iniciativas de
limitação à liberdade de expressão e ao direito de Destaca-se que desde 2013, com a proximidade
manifestação, a exemplo de propostas legislativas e dos grandes eventos como Copa das Confedera-
decisões judiciais restritivas. O panorama resultante ções e Copa do Mundo de 2014, o Estado brasileiro
de criminalização dos protestos relaciona-se com um articulou-se nos níveis federal, estadual e municipal,
cenário mais geral de retrocesso na garantia de liber- e por meio de diferentes órgãos, para promover
dades e direitos básicos, de diminuição dos espaços ações de vigilância de forma a subsidiar a ação po-
de participação e ocupação do espaço público, e da licial em manifestações e outras reuniões públicas
fragilização das instituições democráticas do país. de grande porte. Tal prática tem diversos desdobra-
mentos, desde a filmagem sistemática de protestos
Evidentemente, a repressão a manifestações pela polícia até o uso de imagens e informações de
populares não foi deflagrada em 2013 no Brasil, país manifestantes em investigações policiais, campo em
historicamente caracterizado pela violência contra que se recorreu também a buscas em redes sociais
manifestantes e pela criminalização de movimentos e até quebra de sigilo de comunicações de ativistas,
sociais. Entretanto, as chamadas Jornadas de Junho em casos com evidente viés criminalizador.
são comumentes consideradas um marco nessa nar-
rativa – ao menos quando se considera o período Em relação a este ponto, é importante destacar o
pós-redemocratização – pelo volume dos protestos papel do sistema de justiça - nesta análise represen-
e a intensidade da repressão, pouco comum nos tado pelo Poder Judiciário e pelo Ministério Público ATENÇÃO
centros das grandes capitais, ainda que amplamen- - no aprofundamento do cenário de criminalização Essa obra foi licenciada
te disseminada contra as populações marginaliza- dos protestos. Por um lado, o problema de falta de com uma Licença Creative
Commons. Atribuição –
das do país. Assim, práticas estatais de restrição controle externo da atividade policial, inclusive por
Partilha nos Mesmos Termos
ao direito de protesto, algumas novas e outras já omissão destes órgãos, foi central nestes 5 anos
3.0 Não Adaptada.
existentes, foram evidenciadas naquela ocasião e para a continuidade das violações cometidas pelas
permitem que se analise o período posterior a este forças de segurança. Por outro, decisões judiciais
REALIZAÇÃO SUPERVISÃO COORDENAÇÃO TEXTO DESIGN E
episódio a fim de avaliar qual é o cenário atual para contra manifestantes seguiram presentes, assim
ARTIGO 19 Brasil Paula Martins Camila Marques Camila Marques ILUSTRAÇÕES
o exercício da liberdade de manifestação. como diversos exemplos de censura prévia, em que Mariana Rielli Mariana Rielli Instinto

ABRA PARA LER O INFOGRÁFICO


LEGISLATIVO EXECUTIVO SISTEMA DE JUSTIÇA
PLs QUE
CRIAM NOVOS Sofisticação de
CRIMES Vandalismo REPRESSÃO POLICIAL táticas de repressão Denúncias com
bases inconsistentes
Criminalização de
movimentos sociais SOFISTICADA Condenações de
Terrorismo
Incremento do
Envelopamento
Caldeirão de Hamburgo
CRIMINALIZAÇÃO manifestantes
vigilantismo Aquisição de novos
Tropa de braço
Uso de máscaras armamentos Decisões judiciais
Desordem em criminalizadoras
local público durante investigações
Porte e uso de Uso indiscriminado
fogos de artifício de armamentos
Blindados
Ocupação de menos letais
israelenses Uso de armas letais
repartição pública
Bloqueio de
vias públicas Traje Veículos com CULPABILIZAÇÃO
PLs QUE Robocop canhões de água
DE VÍTIMAS DA
ALTERAM Bombas REPRESSÃO POLICIAL
Balas de
CRIMES borracha
de efeito
moral Spray Ausência de Desproporcionalidade
Inversão da
responsabilidade por
EXISTENTES de pimenta
identificação de de efetivo policial danos físicos causados
Bombas de gás agentes policiais a indivíduos durante
lacrimogênio Canhões
sônicos protestos
Cassetetes
Substituição de
nomes por códigos Violações ao
alfanuméricos direito de filmar Interditos proibitórios
Aumento de penas
Variedade de forças de
Ameaças e agressões
Dano ao patrimônio segurança envolvidas Posicionamentos Proibição genérica de
públicos Quebra e
Desacato apreensão de realização de protestos
criminalizadores
Projetos
de Lei
Associação criminosa
Polícia Militar
Tropa de
choque,
equipamentos CENSURA
Detenções
Polícia Rodoviária
ROCAM e
Cavalaria
PRÉVIA Proibição de participação
Exército em manifestações
Qualificadoras Abordagens
Guarda Civil Metropolitana
abusivas
Agentes do metrô
PLs QUE Dano ao patrimônio
Ausência de transpa- Recomendações do
Uso de máscaras Revista
REGULAMENTAM rência e accountability vexatória
Ministério Público para
coibir protestos
O DIREITO
Falta de parâmetros
DE PROTESTO e transparência na
Aumento de sanções
de outras naturezas
DETENÇÕES atuação policial
ARBITRÁRIAS Ausência de
responsabilização
Responsabilidade civil
de movimentos sociais VIGILANTISMO Ausência de investigação
e lideranças
e responsabilização por
ilegalidades e abusos
OMISSÃO NO
Burocratização
do aviso prévio Ilegalidades na detenção
CONTROLE EXTERNO
Detenções em massa
e interrogatório DA ATIVIDADE
Proibição do Prisão para averiguação Agressões físicas
Falta de controle POLICIAL
uso de máscara estrutural pelo
Uso da força
policial Ministério Público
Intimidação psicológica
Vedação de acesso a Vigilantismo
Uso arbitrário de tipos penais familiares e advogados nas ruas
Violação de prerrogativas Ausência de investigação
Dano de advogados e responsabilização por
Filmagem de
Resistência manifestantes ilegalidades e abusos
Demora excessiva
Incêndio no encaminhamento
a delegacias Policiais
Associação criminosa infiltrados
Corrupção de menores
ROBOCOP Invasão de domicílio
O traje usado pela
PM-SP é composto Portarias e outras Uso de táticas Como acontece a articulação
no Sistema de Justiça
por capacete normativas em investigações
balístico, máscara policiais
antigás, balaclava, Portaria Garantia da
luvas táticas e o Lei e da Ordem (GLO)
traje integrado do Investigação de
exoesqueleto redes sociais Ministério Público e Judiciário: o caso dos 23 ativistas do RJ
ATOS Interpretações Quebra de sigilo
ADMINISTRATIVOS jurídicas desfavoráveis de comunicações

CRIMINALIZADORES Burocratização do
aviso prévio
Ações
Autorização para
desocupação
coordenadas
sem mandado
Polícias
Exército
Como acontece a articulação Como acontece a articulação Agência Brasileira de
Inteligência (ABIN)
INQUÉRITO DENÚNCIA DO PROCESSO

no Poder Legislativo
POLICIAL MINISTÉRIO PÚBLICO CRIMINAL
no Poder Executivo No caso dos 23
ativistas do RJ, houve
O Ministério Público
denunciou os 23 ativistas
Recebida a denúncia
pelo juiz, os 23 ativis-
pedido pelo MP e con- pelas práticas de dano qua- tas passaram a ser
LEGISLATIVO FEDERAL Integração das forças de segurança cessão pela Justiça lificado, resistência, lesão réus e foi decretada
Ao longo destes anos, foram monito- da quebra de sigilo corporal, porte de artefato sua prisão preventi-
rados ao menos 70 projetos de lei no de comunicações dos explosivo e corrupção de va. Um deles chegou
Congresso Nacional, que correspondem manifestantes. menores. O MP também a ficar preso por 6
a todas as categorias listadas. Em termos
de leis vigentes aprovadas no período,
Centro Integrado opinou pela prisão preven-
tiva dos manifestantes.
meses em Bangu.

pode-se citar a Lei Antiterrorismo e a Lei de Comando e Controle


nº 13.281/2016, que aumenta as sanções
O CICC, uma base de monitoramento com par-
para o bloqueio de vias públicas e foi
motivada pelos protestos de caminhonei-
ticipação de diversos órgãos de segurança, foi
inaugurado em 2013 no RJ e replicado em outros
Justiça Federal e Justiça Estadual
ros pelas rodovias do país em 2015 . LEGISLATIVO ESTADUAL
A partir de 2013, foram aprovadas estados com o propósito de garantir segurança
leis estaduais a fim de regulamentar o diante dos grandes eventos no país, mas foi
direito de protesto em São Paulo, Rio usado para monitorar manifestantes e coordenar a
De Janeiro, Alagoas, Minas Gerais, repressão a protestos. FEDERAL ESTADUAL
etc… O objeto principal destas leis foi A 2ª Vara Federal de Pelotas Em 2015, o Sindicato dos
a Proibição do uso de máscaras em (RS) proibiu a obtrução das Professores de São Paulo
protestos, e a criação de Requisitos Polícia rodovias BR-116 e BR-392 declarou greve e promoveu
LEGISLATIVO MUNICIPAL para o Aviso Prévio previsto no art. Civil Polícia durante protestos previstos para uma série de protestos,
No âmbito municipal também têm sido Federal
5º, XVI da Constituição Federal. acontecer em função da votação como ocupações de prédios
propostos projetos de lei, como o PL Polícia
368/2014 de São Paulo, que tratava da Caso Balta Militar SAMU
do processo de impeachment
da presidente Dilma Rousseff
e bloqueios de rodovias. O
protesto levou o Governo
Responsabilidade de Movimentos Sociais do Estado a entrar com
Em 04/09/2016, 22 jovens que se dirigiam a Corpo de Polícia
e Lideranças por danos causados em Bombeiros um interdito proibitório,
um ato em SP foram detidos em uma ação co- Rodoviária
reuniões públicas, dentre outros pontos. Federal instrumento jurídico
ordenada entre PM e Exército por ‘’crimes que
Em Porto Alegre, recentemente foi apro- preventivo que impõe altas
viriam a ser cometidos’’. A ação foi marcada Defesa
vada a Lei Complementar 832/2018, que multas caso uma violação à
pela sofisticação da estratégia e tecnologia Civil CET-Rio
trata do combate ao Vandalismo e, dentre posse de determinado bem
empregada e por uma série de violações con- Guarda
outras coisas, endurece as regras sobre Municipal seja concretizada.
tra os direitos dos manifestantes.
Bloqueio de Vias e Aviso Prévio.

Poderes
envolvidos
na articulação

Como acontece a articulação entre os Poderes

AVISO PRÉVIO MÁSCARAS VIGILANTISMO ANTITERRORISMO


Debates sobre a notificação prévia de protestos, que O uso de máscaras em protestos por manifestantes tem Ao longo dos últimos anos surgiram muitas estratégias coordenadas de A criação do crime de terrorismo no Brasil, impulsionada
já foi usada para legitimar repressão de manifestantes, gerado muitas respostas do Estado além da repressão, vigilantismo sobre protestos, que incluem a integração das forças de pelos grandes eventos, ameaça as liberdades
têm ocorrido em todas as esferas do Estado, desde a com a proposta e aprovação de diversas leis para proibir segurança, mas também o uso destes dados em investigações e proces- democráticas e os movimentos sociais e teve participação
regulamentação, até a interpretação do STF. essa prática, questão que também será discutida no STF. sos judiciais contra manifestantes e PLs para incrementar a vigilância. tanto do Poder Legislativo quanto do Executivo federal.

Diversos
projetos de
Durante uma onda de Uso de máscaras Em 2013, a ABIN
lei, em maior
protestos, Secretaria de como pretexto montou um esque-
número após
Segurança Pública de para repressão ma de monitora-
2013, preten-
SP emite declarações generalizada mento da internet
dem tipificar o
sobre aviso prévio e para se antecipar Após a aprovação, ao
terrorismo
descrição de trajeto. a protestos menos 10 novos proje-
tos de lei são propostos
por parlamentares para
tornar a Lei Antiterroris-
mo ainda mais restritiva
Polícias locais realiza-
Houve decisões
No STF, há uma ram “rondas virtuais”
de proibição de
discussão judicial pelas redes sociais
protestos ou
sobre a constitucio- de manifestantes,
imposição de multa
nalidade de uma que foram processa-
por ausência de
das leis estaduais dos com base nessas
aviso prévio.
que proíbem o uso informações.
de máscaras. O Exército usou o
Manifestações que Diversas leis software ‘’Guardião’’ Uso sistemático
não declararam Surgem estaduais são para monitorar a de câmeras por
previamente seus projetos de lei aprovadas Diversos internet e enviar policiais em O Executivo Federal As negociações sobre o
trajetos e motivos sobre o tema proibindo o uso projetos de lei informações à Policia grandes protestos propõe um projeto de lei texto, durante a tramitação
podem sofrer na Câmara dos de máscaras em são propostos a Federal e Secretarias para filmar que acaba dando origem à do PL 2016/2015,
repressão policial. Deputados. protestos nível federal de Segurança Pública. manifestantes Lei Antiterrorismo envolvem o Executivo

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