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0,que ha de.errado com A PREGACAO DE HOJE ? Todos os fracassos na pregacéo de nossos dias envolvem, basicamente, as falhas do homem que prega e da mensagem que ele anuncia, e essas coisas ndo podem ser separadas uma da outra. Este sermdao, entreque com autoridade e conviccao por Al Martin, deve fazer o ministro interessado descobrir debilidades, latentes ou reais, em seu proprio ministério pastoral, expostas pela luz perscrutadora da Palavra de Deus: “Rogo ao Senhor que Ele torne real para mim que muitas das pessoas para quem olho de frente, possivelmente ouvirao aquelas terriveis palavras: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno’. (Mateus 25:41). Sinto que preciso rogar a Deus para que torne real para mim a experiéncia de que as pessoas Cujas vozes me dizem a porta da igreja: “Muito agradecido pelo seu serm4o, pastor’, poderiam ser as mesmas vozes que algum dia estarao proferindo aqueles gritos de terror e agonia dos condenados. Preciso solicitar de Deus que me ajude a dar crédito a essas coisas, para que me ajude a anuncia-las de tal maneira que outras pessoas reconhecam que realmente acredito nelas. A verdade que requeimava no domingo, pode tornar-se fria come o gelo na segunda-feira. A verdade que resplandecia no gabinete de oragao, no sAbado, pode mostrar-se destituida\de vida, no domingo. As verdades que recebemos enquanto estamos esperando em Deus, sé podem ser mantidas em seu calor dentro do mesmo contexto de espera no Senhor’. O QUE HA DE ERRADO COM A PREGACAO DE HOJE? Traduzido do inglés: What's wrong with preaching today? Copyright © The Banner of Truth Trust 2.° Edicgéo em Portugués — 1991 Todos os direitos reservados. E proibida a reproducao deste livro, no todo ou em parte, sem a permissdo es- crita dos Editores. EDITORA FIEL DA Missao Evangélica Literdria Caixa Postal 81 12.201 Sao José dos Campos, SP Distribuido em Portugal por: Edicgdes Peregrino Lda. Zona J de Chelas Lote 549 r/c-D 1900 — Lisboa — Portugal INDICE IMtrOdUGAO oo. e eee ccccceeceseestsceccueesseeeeneceess 5 O HOMEM .........cccceccescesssscssernsenssetrsceeess 7 ~ Vida devocional do pregador ............. 12 Oracdo secreta wo... cceeecceeees 16 Piedade pratica ...........ccccccccssceeeeeeenes 21 Pureza de MOotivos .........ccccccccssseeeecsees 24 A MENSAGEM ....0.. oo. ccccccesscsesecsscesseescense 29 Contetido biblico oo. eeeeseeesseseeees 30 Substancia doutrinaria ..0..........ccccceees 31 Aplicagdo pratica .....0... cc eeeeees 32 A maneira de expor a mensagem ...... 39 INTRODUCGAO A guisa de introdugao, permita-me dizer algo a respeito das fontes de minhas observa- goes. Se tivesse de fazer afirmativas finais e ab- solutamente exatas acerca do que anda erra- do com a pregacao destes nossos dias, um pre- gador precisaria ser onisciente. Ea tarefa exi- giria que tal pregador ouvisse todos os tipos de pregagao; e que fosse investido de infaliveis dons de analise, com base nos quais fizesse de- claragées oficiais e pomposas. Obviamente, nao me considero possuidor de qualquer de tais qualificagées. Assim sendo, embora as minhas fontes informativas sejam bastante limitadas, confio que as observacoes aqui oferecidas se- jam validas, a despeito de tudo. Tenho tido o privilégio de passar cinco anos ocupado em um ministério itinerante de tempo integral, durante O qual estive em contato com grandes seccdes da vida evangélica, em varios paises. Durante os seis anos subseqiientes de pastorado, minis- trei em certo numero de igrejas e em conferén- cias para varias denominagées evangélicas. Mi- nhas fontes informativas, portanto, sdo as coi- sas que vi e ouvi, nesses meus ministérios. Também quero dizer algo sobre o padraéo de comparacao. Uma coisa qualquer pode ser julgada boa ou md em termos de sua proximi- dade ou nao de um padrao absoluto. Natural- mente, dentro do campo da prega¢éo boa e efi- caz, nao existe nenhum padrao abrangente e unico. Todavia, acredito que das Escrituras po- demos deduzir um padrao preciso do que seja a boa pregacao, examinando os sermées dos 5 profetas, dos apéstolos e de nosso Senhor Je- sus Cristo. E uma outra base de confronto acha- se nas vidas, no ministério e nos sermées dos grandes pregadores dos séculos passados. Ao empregar a expressao “grandes pregadores’, nao estou pensando naqueles individuos que se tornaram famosos primariamente por sua habilidade de adornar a verdade de Deus com grandes efeitos de oratéria, ou que ficaram bem conhecidos por sua eficiéncia na arte da elo- cugdo. Antes, estou pensando em pregadores que foram instrumentos nas maos de Deus, ca- pazes de conduzir outros homens na diregao do Senhor. Dentro dessa categoria particular, eu incluiria homens como Whitefield, M’Chey- ne, Spurgeon, Edwards, Baxter e Jodo Bunyan. Usando como padrao basico os sermées deles, bem como o efeito de seus respectivos minis- térios, espero ser capaz de estabelecer algumas comparagées validas entre o ministério deles e o ministério de pregadores de nossos dias, para que assim possamos detectar a lamenta- vel auséncia de pregacao eficiente nestes nos- sos dias, descobrindo nesse processo algumas das causas dessa deploravel condi¢ao. Como, pois, poderiamos abordar tao vas- to assunto? Quero sugerir que todo o fracasso na pregagao da atualidade depende, basica- mente, da falha do homem que prega ou da mensagem apresentada por ele. Nao ousamos separar esse duplo fator — o individuo ea sua mensagem — porquanto ha uma intima fusao entre o homem e a sua mensagem na obra da pregacao. Consideraremos © que esta errado na pregacao da atualidade, antes de tudo em ter- mos do pregador, e somente entao em termos da mensagem que ele anuncia. 6 O HOMEM Meditemos juntos sobre o que ha errado com a pregagao, em termos do homem que pre- ga. Desejo exprimir um principio que é ilustra- do nas Escrituras Sagradas, para em seguida aplica-lo a diversas areas especificas. Esse prin- cipio é o seguinte: a menos que queiramos de- gradar a pregacao ao nivel de mera arte da elo- cugao, nunca poderemos olvidar-nos de que o solo onde medra a pregacdao poderosa é a pro- pria vida do pregador. Essa é a grande ques- tao que faz a arte da pregac@o ser diferente de todas as demais artes de comunicagao. Uma atriz famosa pode ser bem conhecida pelos seus erros na vida “moral”. Pode estar viven- do como viveria uma prostituta qualquer. Ape- sar disso, pode subir a um palco, e desempe- nhar com tanta arte a vida de Joana D'Arc que 0 auditério inteiro prorrompa em lagrimas. A maneira dela viver diariamente pode néo ter qualquer relacao direta com 0 exercicio de sua profissao. Um ator igualmente devasso em sua vida pessoal, pode subir 4quele mesmo palco para desempenhar o pape! de Martinho Lute- ro, fazendo-o com tal maestria que sentiremos arrepios na espinha, deixando-nos resolvidos a ser homens e pregadores melhores. Uma vez mais, no entanto, pode n&o haver nenhuma re- lagao direta entre como aquele ator vive dia- riamente e a sua entrada no palco e seu sub- sequente desempenho. Todos admitem prontamente que as Escri- turas nos ensinam que surgem ocasides em que aparecem em cena homens dotados de nota- - ¢ veis dons ministeriais, mas que sao destitufdos da divina graca santificadora (ver Mateus 7:21-23). A histéria da Igreja também registra os feitos de individuos que foram soberanamen- te usados por Deus, no exercicio dos dons mi- nisteriais, e que, a despeito disso, mostraram nao ser possuidores da graca santificadora. Creio, porém, que esse problema particular de ludibrio aplica-se primariamente aqueles ocu- pados no tipo de ministério que Ihes permite nao residir por muito tempo entre os seus ou- vintes, o que impede que suas vidas diarias con- tribuam ou detratem do impacto de seu minis- tério. Assim, limitando esse principio ao con- texto da pregacdo pastoral, acredito que se trata de uma regra valida (com pouquissimas exce- ¢6es) aquela que diz que a pregacao poderosa esta fundamentada sobre o solo da vida diaria do pregador. Alguém ja declarou: “A vida de um ministro é a vida de seu ministério’. Se a pregacao, em tltima analise, é a transmissdéo da verdade por meio de algum instrumento hu- mano, entao a verdade particular que é trans- mitida tem o seu efeito incrementado ou dimi- nuido pela vida através da qual ela se expres- sa. O segredo da poderosa pregacao de Whi- tefield, de M‘Cheyne, e de outros pregadores que foram mencionados antes, encontra-se, an- tes de tudo, nado no contetido de seus sermées, ou na maneira como tais sermées foram entre- gues. Antes, encontra-se nas vidas desses pre- gadores. Suas vidas eram de tal modo revesti- das de poder, e eles viviam em uma comunhao tao profunda com Deus que a verdade tornava- se uma forga viva, quando chegava aos ouvin- tes, através desses vasos do Senhor. Suas vi- das ungidas tornavam-se o solo de seu ungido 8 ministério. Esse principio é particularmente verdadeiro na vida de qualquer pastor residen- te. Quanto mais vocé e eu formos conhecidos pela nossa gente, havera de aumentar ou dimi- nuir a nossa influéncia, de conformidade com a qualidade de nossas vidas diarias. A fim de ilustrar isso com base na Pala- vra de Deus, permita-me sugerir diversas pas- sagens biblicas para vocé considera-las, nao mediante uma pormenorizada exegese, mas para captar o impacto acumulado da verdade presente nas mesmas. Ao escrever a igreja Tes- sal6nica, a qual Paulo teve o privilégio de fun- dar quando ministrava entre eles, diz o apés- tolo: “. . .reconhecendo, irmaos, amados de Deus, a vossa eleicdo, porque o nosso evange- Iho nao chegou até vs tao-somente em pala- vra, mas sobretudo em poder, no Espirito Santo e em plena conviccdo, assim como sabeis ter sido o nosso procedimento entre vés, e por amor de vés” (I Tessalonicenses 1:4-5), Nesse trecho, 0 apéstolo assevera que ha uma rela- ¢ao direta entre o Evangelho que fora anuncia- do “no Espirito Santo e em plena conviccdo”, e 0 tipo de homem que lhes anunciara o Evan- gelho. Idéntico pensamento é desenvolvido no, capitulo 2 dessa mesma epistola, onde diz Paué lo: ““V6s e Deus sois testemunhas do modo por que piedosa, justa e irrepreensivelmente pro- cedemos em relac¢do a vés outros que credes” (v. 10). E novamente, no versiculo 13: “Outra razao ainda temos nos para incessantemente dar gragas a Deus: é que, tendo vés recebido a palavra que de nés ouvistes, que-é de Deus, acolhestes nao como palavra de homens, e, sim, como em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, esta operando eficazmente en- 9 tre vés, os que credes”. Sim, ha uma relacaéo vital entre esses dois fatores. Diz o apéstolo, por um lado: “Sabeis qual foi o nosso comporta- mento entre vés’’; e, por outro lado: “Sabemos como recebestes a Palavra de Deus”. Esses dois fatores nado podem ser isolados um do outro. Paulo e seus companheiros apresentavam-se como exemplos vivos do poder transformador da Palavra de Deus, de tal modo que quando anunciavam a Palavra, ela chegava com toda a autoridade aos ouvidos dos seus ouvintes. No- temos, por conseguinte, que o apdéstolo nao evi- tou usar a sua maneira de viver como um tes- temunho pessoal, a fim de emprestar maior va- lidade ao seu ministério de pregagao. Em Tito 2, ha instrugdées detalhadas sobre o que Tito deveria pregar e ensinar. Ordena-lhe Paulo, no versiculo 7: “Torna-te, pessoalmen- te, padrao de boas obras”. Em outras palavras, na qualidade de ministros de Deus, nao somen- te devemos proclamar as coisas certas, median- te preceito, mas também cumpre-nos reforg¢a- las mediante o exemplo certo. Além disso, co- mo é natural, temos aquela passagem classi- ca sobre o assunto, que é | Timdteo 4:16 — “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Con- tinua nestes deveres; porque, fazendo assim, salvards tanto a ti mesmo como aos teus ou- vintes”. Em esséncia, 6 como se Paulo estives- se dizendo: “Timéteo, a negligéncia em tua vida pessoal resultara, de alguma maneira, em um frouxo cumprimento de tua responsabilidade para com as almas, sobre quem o Espirito San- to tornou-te um supervisor. O fracasso em cui- dares desse particular, em tua prépria vida, re- sultara no fracasso de contemplares o propé- sito salvaticio de Deus operando nos coracées 10 daqueles para quem tiveres de ministrar”. Fiz essas observag6es como alguém que acredita sem reservas nas declaragées paulinas da verdade concernente a imutabilidade do pro- posito de Deus e 4 certeza da salvacao de to- dos os Seus eleitos. Contudo, ndo devemos es- premer para fora dessa passagem de | Timé- teo a sua implicagao ébvia, a saber, que Timé- teo nunca seria aquele instrumento de Deus, que poderia ser, a menos que cuidasse bem da qualidade de sua prépria vida diadria, e entaéo da qualidade de seu ensino. E interessante observarmos que, em rela- ¢ao aos ancidos dedicados ao ministério do en- sino, conforme se vé nos trechos de I Timéteo 3:1 e Tito 1:6, o primeiro requisito para quem esteja aspirando a esse oficio nado é de nature- za doutrindria, e, sim, experimental. “Se al- guém aspira ao episcopado, excelente obra al- meja. E necessario, portanto, que 0 bispo seja. .’ — e qual é a primeira palavra que aparece depois disso? “. . .irrepreensivel’’. O pastor de- ve ser um homem conhecido por sua piedade consistente e pratica. E, na passagem da epis- tola a Tito, a porcao final fala de uma das exi- géncias: “.. . apegado a palavra fiel. . ’’ E, no entanto, o primeiro requisito frisado diz respei- to a vida diaria do ministro. Por qual razdo? Pela simples razao que Paulo vivia e ministrava sob essa convicc¢ao, que a vida do ministério de um homem depende da vida do prdprio ministro. Acredito que essas passagens sao suficiente- mente claras para enunciar o principio que te- mos destacado, embora muito mais poderia ser trazido a tona, a fim de estabelecer esse ponto em particular. Para mim, nao constitui nenhu- ma surpresa que a pregacao esteja atravessan- 11 do dias dificeis, quando as claras prioridades dessas exigéncias ministeriais tém sido rejei- tadas por parte de muitos. Nos concilios de con- sagracgao ministerial, os individuos sao subme- tidos a teste, durante horas, na tentativa de se descobrir a sua capacidade de refutar os here- ges sobre minusculas questées teolégicas, ao passo que qualquer indagacado raramente é feita a respeito da piedade pessoal e doméstica, fa- tores esses que 0 apéstolo Paulo colocava no alto da lista des requisitos ministeriais. VIDA DEVOCIONAL DO PREGADOR Por meio da observagao pessoal de minhas proprias debilidades e das debilidades de meus irmaos de ministério, sinto-me forgado a con- cluir que a prega¢ao de hoje em dia mostra-se ineficaz por causa de nosso fracasso de nao ser- mos vigilantes quanto a diversas 4reas da vi- da. Em primeiro lugar, temos a 4rea da vida de- vocional do individuo. Eu ja havia dito que al- gumas dessas conclusoes alicercam-se sobre minhas préprias observacées, feitas enquanto eu percorria as igrejas, como ministro itineran- te. Uma das mais perturbadoras descobertas feitas durante aquele periodo foi o fato que pou- quissimos ministros tém habitos devocionais pessoais e sistematicos. Estabeleci a pratica de reunir-me com o pastor anfitriao com o intui- to de orar com ele e de compartilhar com ele de areas de interesse mutuo. Quando, finalmen- te, derrubaévamos a maldita fachada do profis- sionalismo, e comegavamos a ser honestos com o Senhor e um com o outro, confessando os nossos pecados um ao outro e orando um pe- 12 lo outro, entao continuamente vinha a tona a confissao de que a Palavra de Deus deixara de ser um livro de relagéo devocional com Cristo, tendo-se transformado em um manual oficial para a administragao de meros deveres profis- sionais. Seria motivo de surpresa que o minis- tério de tais homens fosse assinalado pelo de- sequilibrio na 4rea doutrinaria? Seria motivo de admiragao que prevalecesse tao grande frie- za no coracao desses ministros? Nao é mesmo para admirar que haja tao pouca intima e pers- crutadora aplicagdo das Escrituras, quando a grande maioria dos pregadores contempora- neos admite que eles nao se deixam expor sis- tematicamente ao Livro de Deus, com o pro- posito de obterem ali a iluminacdo pessoal e a santificagao. Em II Timéteo 3, um capitulo que tanto gostamos de citar quando queremos demons- trar a verdade da inspiragao divina e da auto- ridade das Escrituras, ha uma recomendacao que nos é dirigida como servos de Deus, um conselho dos mais sondadores. Diz 0 apéstolo Paulo a Timéteo, no versiculo 15: “. . . desde a infancia sabes as sagradas letras. . .” E entéo 0 ap6stolo mostra-nos qual a primeirissima fun- ¢ao das Escrituras: “. . . que podem tornar-te sabio para a salvagao, pela fé em Cristo Jesus”. E como se ele tivesse dito: “As Escrituras conduziram-te a f€ em Jesus Cristo e a salva- ¢ao que nEle ha. Mas, Timéteo, essa nao é a unica fungao das Escrituras. Toda Escritura é inspirada por Deus, e Util para o ensino, para a repreensao, para a correcdo, para a educacéo na justica, a fim de que o homem de Deus se- ja perfeito e perfeitamente habilitado para to- da boa obra’. Notemos que Paulo declara ex- 13 plicitamente que as Escrituras inspiradas tam por finalidade aperfeicoar e amadurecer o ho- mem de Deus. Em outras palavras, a inteireza da revelacdo divina deveria ter, como sua fun- cao primaria, a santificacdo pessoal da vida do servo de Deus. Nenhum pregador tem o direi- to de pregar, simplesmente porque possui o dom de analisar textos e a capacidade de explica-los ao longo de sua exposicao. Se a Pa- lavra que ele prega a outras pessoas, antes de tudo nao serviu de instrumento para seu pré- prio doutrinamento e para sua propria santifi- cacao, ele ndo esta capacitado a anuncia-la a outras pessoas. Essa é a funcdo da Palavra de Deus na vida do pregador, e essa funcdéo sem- pre deve ocupar o primeiro lugar. Na qualidade de pregadores, vocé e eu so- mos, antes de mais nada, cristaos; e somente em segundo lugar é que somos ministros do Evangelho. Ora, essa ordem de coisas jamais deveria ser revertida. Vocé e eu devemos exer- cer vigilancia sobre nés mesmos; e entao, e so- mente entao, sobre a nossa doutrina. Cumpre- nos salvar primeiramente a nés mesmos, e en- tao aqueles que nos déo ouvidos. Jeremias de- clarou: “Achadas as tuas palavras, logo as co- mi; as tuas palavras me foram gozo e alegria para o coracao. . .” (15:16). Com demasiada fre- qléncia, porém, vemo-nos forcados a confes- sar como segue: “Achadas as tuas palavras, lo- go as examinei, e tuas palavras foram para mim a forma e a substancia de um sermao, em meu intelecto”. Em contraste com isso, o profeta que chorava péde dizer: “Tuas palavras foram acha- das e eu as assimilei pessoalmente — experi- mentei o poder transformador delas em minha prépria vida’. Era precisamente isso que Pau- 14 lo recomendava a Timéteo, quando lhe escre- veu: “Permite que a Palavra de Deus te instrua. Obtém tuas instrugdes doutrinarias de joelhos, com a Biblia aberta a tua frente, a fim de que os principios da verdade nao cheguem a ti so- mente como frias proposicées, fixadas a super- ficie da tua mente, mas cuida para que che- guem a tua alma, como grandes realidades que requeimam, que atingem as fibras do cora¢ao. Permite que essa Palavra te ensine, 6 Timéteo. Permite que ela te reprove. Permite que ela te vergaste. Permite que ela te corrija. Permite que ela te instrua no caminho da santidade, a fim de que estejas devidamente preparado para to- da boa obra’. Meu préprio coracgaéo sente-se emociona- do, vezes sem conta, quando penso nas pala- vras de nosso Senhor a igreja de Efeso, em Apo- calipse 2. Em primeiro lugar, Ele apresenta uma palavra de elogio. Jesus fala sobre as cor- tetas doutrinas daqueles crentes, bem como de sua fiel administragao da disciplina. Porém, apés esses elogios, diz o Senhor: “Tenho, po- rém, contra ti que abandonaste o teu primeiro amor. Lembra-te, pois, de onde cafste, arrepende-te, e volta 4 pratica das primeiras obras; e, se nao, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso nao te arrependas (vv. 4 e 5). As cabecgas daqueles antigos cren- tes estavam pensando de maneira correta; suas maos atarefavam-se no servico cristao; mas, seus cora¢ées tinham-se esfriado quanto 4 prin- cipal virtude crista. O Senhor Jesus ensinou- lhes que tao certo como a conservagdo na men- te da correta doutrina, e a continuacgao de obras dirigidas por Deus sao elementos necessarios para que alguém dé testemunho fiel, assim 15 também é indispensavel que 0 cora¢ao do cren- te se mantenha requeimando de amor. Nao houve defeitos nem no intelecto nem nas obras. O defeito deles estava no coragdo, e o Senhor Jesus demonstrou qual seria o resultado, se persistissem nessa falha: “A menos que te cor- rijas, removerei o teu candeeiro de seu lugar”. A luz dessas porcées da Palavra de Deus, a indispensével necessidade da manutencao da vida devocional do pregador é algo percebido com toda a clareza. Deus ordenou-nos que, por esse intermédio, continuassemos cultivando os nossos coragées. A Palavra de Deus deve ser para nos, antes de tudo, aquele Livro ao qual tanto prezamos, porquanto nele vemos o ros- to de Deus a quem tanto amamos, o qual tam- bém nos reconciliou conSigo mesmo por meio de Jesus Cristo. Devemos examinar as suas pa- ginas com grande anelo, porque ansiamos co- nhecer a vontade do Senhor, e anelamos por ser adoradores de Sua pessoa. Deveriamos debrugar-nos com freqiiéncia e longamente so- bre essas paginas sagradas, porque desejamos que 0 nosso servico, e tudo quanto somos e fa- zemos, seja moldado e modelado pelas pala- vras vivas do Deus vivo. ORAGAO SECRETA A pregagaéo esta atravessando tempos di- ficeis, nao somente porque o ministro falha em fazer aplicagao pessoal da Palavra de Deus ao seu préprio coragaéo, mas também porque fa- _Iha quanto a questao importante da ora¢ao se- creta. No livro Lig6es aos meus Alunos — um livro que procuro ler periodicamente — Spur- geon diz: “Dificilmente seria necessdrio recomendar-lhes os agradaveis usos da devo- 16 ¢ao particular, e, contudo, nado posso abster-me de fazé-lo. Para vocés, como embaixadores de Deus, 0 propiciatorio tem valor que ultrapas- sa todas as estimativas. Quanto mais familia- rizados estiverem com a corte do céu, melhor se desincumbirao do seu encargo celeste. “Dentre todas as influéncias estruturado- ras que formam um honrado homem de Deus no ministério, nado sei de nenhuma outra que seja mais poderosa que a sua familiaridade com o propiciatério. Tudo que o curso da fa- culdade pode fazer por um estudante é tosco. e superficial, comparado com o refinamento es- piritual excelente obtido pela comunhao com Deus. Enquanto 0 ministro que ainda nao to- mou forma gira sobre o eixo da preparacao, a oragao é a ferramenta do grande oleiro com a qual molda o vaso. Todas as nossas bibliotecas € escrit6rios s40 uma simples vacuidade, com- parados com os nossos quartos. Crescemos, fi- camos cada vez mais poderosos, prevalecemos na oragao secreta. “A oragao lhes prestara singular assistén- cia na transmissdo do sermao. De fato, nenhu- ma outra coisa pode qualificar-vos tao glorio- samente para pregar como alguém que desce do monte da comunh4o com Deus a fim de fa- lar com os homens. Ninguém é téo capaz de pleitear com os homens como quem esteve pe- lejando com Deus em favor deles. Dizem de Al- leine que ‘ele derramava 0 coragéo quando ora- va e pregava. Suas sUplicas e suas exortacdes eram tao afetuosas, tao cheias de zelo, vida e vigor, que conquistavam os seus ouvintes; ele se fundia sobre eles, de modo que amolecia, derretia, e as vezes dissolvia os mais duros coracées’, 17 “A oragao nao podera torna-los eloqiien- tes a moda humana, mas os tornara verdadei- ramente eloqiientes, pois falarao de coragao; e nao é este o sentido da palavra eloqiiéncia? Ela trara fogo do céu sobre o seu sacrificio, e as- sim provara que € aceito pelo Senhor. “Assim como vigorosas fontes de pensa- mento muitas vezes irromperao em resposta a oragao, enquanto se preparam, também sera na entrega do sermao. Muitos pregadores que se pdem na dependéncia do Espirito de Deus lhes dirao que os seus pensamentos mais vividos e melhores nao sao os que foram premedita- dos, mas as idéias que ilhes vém, voando co- mo que em asas de anjos; inesperados tesou- Tos trazidos de repente por mdaos celestiais, se- mentes das flores do paraiso que vém flutuan- do dos montes de mirra.”! Quando esse resplendor divino desce so- bre algum servo de Deus, todas as suas facul- dades mentais parecem ser incrementadas, e os seus poderes de expressdo e a sua capaci- dade de sentir a verdade de Deus sao expandi- dos além de suas medidas naturais. Ele transforma-se em um outro homem, quando é revestido pelo Espirito. O Espirito Santo, de uma maneira que para nos é misteriosa, precipita-se até nés, em resposta a4 nossa ora- cao. A promessa de nosso Salvador nunca dei- xou de ter cumprimento: “ .. quanto mais o Pai celestial dara 0 Espirito Santo aqueles que lho pedirem?” (Lucas 11:13). E conforme Pau- lo disse em Filipenses 1: “Porque estou certo de que isto mesmo, pela vossa suplica e pela provisao do Espirito de Jesus Cristo, me redun- dara em libertacao” (v. 19). E dentro do con- 1 — Ligdes aos Meus Alunos — V. 3° — pags. 50,53 18 texto da oragao secreta que as realidades eter- nas, com as quais concordamos constantemen- te, tornam-se realidades vivas. Tenho descober- to — e digo isso muito mais como uma con- fiss4o pessoal do que como uma exortacéo — que minhas proprias palavras escarnecem de mim, com exagerada freqiiéncia, quando estou pregando. Para exemplificar, quando posso pro- ferir a palavra “inferno” sem sentir o horror nela envolvido; ou quando posso dizer a palavra “céu” e nao sentir-me aquecido pelo santo res- plendor, a luz do fato que esse é o lugar que meu Senhor esté preparando para mim. Nao encontro outra solugao para esse problema, se- nao ficar meditando longamente sobre as pas- sagens biblicas alusivas a essas realidades es- pirituais, pedindo a Deus que 0 Espirito Santo as imprima a fogo, em meu coragdo. E rogo ao Senhor que Ele torne real para mim que mui- tas das pessoas para quem olho de frente, pos- sivelmente ouvirado aquelas terriveis palavras: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eter- no. . .” (Mateus 25:41). Sinto que preciso rogar a Deus para que torne real para mim a expe- riéncia de que as pessoas cujas vozes me di- zem a porta da igreja: “Muito agradecido pelo seu serm4o, pastor’, poderiam ser as mesmas vozes que algum dia estaraéo proferindo aque- les gritos de terror e agonia dos condenados. Preciso solicitar de Deus que me ajude a dar crédito a essas coisas, para que me ajude a anuncia-las de tal maneira que outras pessoas reconhegam que realmente acredito nelas. A verdade que requeimava no domingo, pode tornar-se fria como o gelo na segunda-feira. A verdade que resplandecia no gabinete de ora- ¢ao, no sabado, pode mostrar-se destituida de 19 vida, no domingo. As verdades que recebemos enquanto estamos esperando em Deus, s6 po- dem ser mantidas em seu calor dentro do mes- mo contexto de espera no Senhor. Se estou len- do corretamente as biografias dos grandes ho- mens de Deus, entao descubro que esse teste- munho é unanime. Todos eles, a uma s6 voz, declaram que se porventura houve algum se- gredo em seu ministério, esse segredo foi 0 se- guinte: o individuo cultivava a sua vida interior na presencga de Deus. Por conseguinte, apresen- to-lhe a proposigao de que ao considerarmos © que esta afetando negativamente a pregacao da atualidade, a caréncia dessa pratica é a raiz mesma do problema. Como é que os homens poderiam ensinar algumas daquelas coisas que ensinam, em no- me da ortodoxia, se estivessem de joelhos, pers- crutando as Sagradas Escrituras? Nao, eles nao estao de joelhos, examinando as Escrituras; e é por esse motivo que simplesmente ficam re- petindo o que seus pares tém dito. Como é que nds, que dizemos que cremos nas doutrinas bi- blicas, poderiamos falar sobre elas de modo tao indiferente como fazemos, se realmente esti- véssemos recebendo essas verdades da parte do Senhor, dentro do contexto de uma viva co- munhao com Ele? Se estivermos recebendo es- sas verdades, no resplendor de Sua presenca gloriosa, entao haveremos de referir-nos a es- sas verdades com o fulgor das chamas do céu em nossas almas. Portanto, o problema da pre- gagao, nestes nossos dias, jaz no préprio indi- viduo que prega, acima de tudo na 4rea de sua vida devocional. 20 PIEDADE PRATICA Uma outra area de derrota, entre os pre- gadores, é a 4rea da piedade prdatica. O minis- tério de um grande numero de igrejas esta sen- do terrivelmente obstaculizado através da au- séncia da piedade pratica na vida dos pastores encarregados de ministrar 0 ensino. F. muito significativo que, em I Timéteo 3, tendo men- cionado que o candidato ao pastorado deve ser alguém dotado de carater irrepreensivel, em se- guida Paulo passa a abordar uma 4rea especi- fica, a saber, ada vida doméstica do anciao em potencial. “E necessdrio, portanto, que o bis- po seja irrepreensivel, esposo de uma sé mu:- lher, temperante, sébrio, modesto, hospitalei- To, apto para ensinar; ndo dado ao vinho, nao violento, porém cordato, inimigo de contendas, nao avarento; e que governe bem a sua prépria casa, criando os filhos sob disciplina, com to- do respeito (pois se alguém nao sabe governar a propria casa, como cuidara da igreja de Deus?)” (vv. 2-5). Portanto afirmo, nado em tom de censura, mas impelido por auténtica preo- cupagao, que muitos pulpitos, de alguns pre- ciosos servos de Deus, est&o sendo tolhidos pe- lo seu fracasso quanto 4 piedade pratica no campo da vida doméstica. Ainda recentemen- te, chegou ao meu conhecimento a dolorosa situagao de um ministro que foi solicitado a re- signar de sua posig&o de pastor de determina- da igreja local por causa da peconhenta lingua de sua esposa. O problema fundamental daque- le pastor nao era a sua Mensagem ou 0 seu mi- nistéric em geral, mas o seu fracasso em con- trolar a sua propria familia, nado tendo conse- guido fazer sua esposa ajustar-se a devida con- 21 duta crista, em relagéao ao pecado da maledicéncia. Como é que nés, os ministros do Evange- lho, ousariamos exortar outras pessoas a serem obedientes a Palavra de Deus, se nds mesmos somos abertamente desobedientes quanto a es- sa questao? Deus assevera claramente que, para estarmos qualificados a ocupar a posicaéo de mestres, em nossas igrejas locais, os nossos proprios lares terao de estar sendo bem gover- nados por nés. Nao que a Palavra de Deus re- queira que nossos lares sejam governados com perfeicdo; e também ela nao diz que temos o poder de infundir a graga divina nas almas de nossos filhos. Porém, se nao possuimos prin- cipios claros, € as nossas préprias vidas nao sao suficientemente corretas, mediante 0 nosso pie- doso exemplo, na direcdo de nossos lares, co- mo poderiamos governar bem a Casa de Deus? Essa é uma questao vital. Faz parte de minhas convic¢ées pessoais que se um pregador nao satisfaz a esse requisito, nao tem o direito de permanecer no ministério, tal e qual como se ele estivesse falhando quanto aos demais re- quisitos basicos. Nao presumo poder avaliar ca- sos individuais, pois trata-se de uma prerroga- tiva de Deus; mas certamente nao pode provir de Deus que, em igreja apés igreja, pouco po- der espiritual manifeste-se no pdlpito, porquan- to a vida do ministro seja tao carente na area da piedade pratica, particularmente quanto as quest6es de sua vida doméstica. Uma outra area da piedade pratica que en- volve um perigo peculiar para o ministro da Pa- lavra € a de sua conversagao comum, nao- profissional. Certo querido servo de Deus, de- clarou: “Ninguém pode ser, ao mesmo tempo, 22 um palhago e um profeta. E cada pregador tem que fazer a sua escolha entre essas alternati- vas’. Isso néo quer dizer que nao devamos ser autenticamente humanos, e que a habilidade natural de rir envolva qualquer elemento de pe- caminosidade, ou que fosse pecaminosa a ale- gria natural que se deriva de um riso que pro- cede do fundo do coragao. Entretanto, 0 esfor- ¢o desnatural de certos pregadores para serem “contadores de piadas”, entre a nossa gente, constitui uma tendéncia que precisa acabar. A transi¢ao de um palhaco para um profeta é uma metamorfose extremamente dificil! Se a serie- dade — nao o espirito carnalmente sombrio, mas a auténtica seriedade — nao for uma das grandes caracteristicas de nossas vidas, em nos- sos contatos com as pessoas, entao igualmen- te nao deveriamos esperar que, quando subi- mos ao pulpito, alguma espécie de processo magico imediatamente fara nossos ouvintes fi- carem tremendo ao som das palavras de Deus. Nossos ouvintes antes pensarao que somos me- ros atores cémicos. Se nunca nos observam considerando com seriedade as realidades eter- nas em situa¢des néo-profissionais, jamais os veremos absortos pela sobriedade dessas ques- toes, ao procurarmos transmiti-las do pulpito. O problema com a nossa pregacao, meus ir- maos, jaz no esfarrapamento de nossas vidas, no terreno da piedade pratica, expressa na vi- da doméstica e na linguagem que usamos a to- das as horas. Mencionaremos ainda um outro aspecto da piedade pratica — o emprego de nosso tem- po util. Basta que os membros de uma igreja suspeitem da preguiga de um pastor para que, embora ele tenha alguma ocasional noite de 23 reuniao de oracao, para rogar a Deus poder pa- ra o seu pulpito, ele nao experimentara esse po- der. Basta que 0 povo suspeite de que seu pas- tor é preguicgoso, e o respeito que faz parte do poder do pulpito, desaparecera por encanto. O fato que nao temos algum reldégio de ponto pa- ra ser marcado, aumenta ainda mais a neces- sidade de que sejamos individuos dotados de grande autodisciplina. Talvez fizéssemos bem em preparar 0 nosso proprio “relégio de pon- to”, conservando o registro de quanto tempo nos dedicamos a ora¢ao e ao ministério da Pa- lavra. Com grande freqiiéncia, tornamo-nos muito eficientes na arte negativa da “catimba’”. Eu descreveria essa habilidade como a capa- cidade de ficar se ocupando em coisas triviais e ndo-essenciais, de tal maneira que engane- mos a nés mesmos e a nossa gente, a fim de que todos n6és pensemos que estamos atarefa- dos com o trabalho do reino de Deus. PUREZA DE MOTIVOS Além daquilo que ja dissemos, ha também a questao importante da pureza de nossos pro- prios motivos. Quao freqiientemente, quando me apresento nas igrejas, ougo algum pastor dizer, mui apologeticamente, porquanto pen- so que eles j4 notaram que a covardia espiri- tual deles tornou-se evidente: “Estou muito sa- tisfeito que vocé esta aqui, esta semana. Ha al- gumas situagdes em que confio que o Senhor dar-lhe-4 a liberdade de ventilar, durante a pré- dica. Ha alguns jovens que se sentam nos ulti- mos bancos, e que ficam brincando o tempo todo, mas nunca falei com eles sobre isso, Tal- vez vocé possa fazer alguma coisa a esse res- 24 peito. Além disso, ha uma outra questado, a sa- ber. . .” — e assim continuam a falar tais pas- tores, exprimindo quest6es que sabem que ha muito deveriam ter sido abordadas, mas que eles nado tém tido a coragem de tentar resol- ver. Oh, irmao, quao urgentemente precisamos de pureza de motivos, se quisermos realmen- te experimentar o poder do alto em nossos pulpitos! Permita-me sugerir trés areas que envol- vem a motivacdéo que nos convém ter: Em primeiro lugar, e supremamente, pre- cisamos levar em conta o temor a Deus. A me- lhor definigéo que conheco sobre o temor a Deus encontra-se no comentario de John Brown sobre a primeira epistola de Pedro, on- de ele emprega dezoito paginas para expor a breve expressao: “‘temor a Deus”. A esséncia das suas notas a respeito daquela seccado é que o temor a Deus é uma atitude ou disposic¢ao em que 0 individuo considera o sorriso de Deus co- mo o seu maior deleite, e, por conseguinte, o seu alvo principal, e o desagrado de Deus co- mo a pior coisa a ser temida e evitada. Um ho- mem que ande no temor a Deus entre os seus semelhantes, como servo deles, mas com os olhos fixos no sorriso ou no desagrado do Se- nhor, € o homem cujo motivo é tal que a sua lingua mostrar-se-a liberta a fim de exprimir a mente de Deus. Disse o Senhor a Jeremias: “,..nao te espantes diante deles, para que eu nao te infunda espanto na sua presenga. . . Pe- lejarao contra ti, mas nado prevalecerao; porque eu sou contigo, diz o Senhor, para te livrar” (1:17 e 19). Antes dessa oportunidade, Jeremias ha- via dito ao Senhor Deus, ao ser indicado para o Oficio profético: “Ah! Senhor Deus! Eis que 25 nao sei falar; porque ndo passo de uma crian- ga” (1:6). E Deus havia retrucado a Jeremias: “Nao digas: Nao passo de uma crian¢a; porque a todos a quem eu te enviar, iras; e tudo quan- to eu te mandar, falards” (1:7). Em esséncia, Deus estava dizendo que a chamada de Jere- mias ao oficio profético nado era questao de ex- periéncia e idade — porquanto Deus estava procurando um vaso que fosse onde Ele o en- viasse, e que dissesse o que Ele ordenasse. Em I Tessalonicenses 2:4, declara o apéstolo Pau- lo: “. . . visto que fomos aprovados por Deus a ponto de nos confiar ele o evangelho, assim falamos, nao para que agrademos a homens, e, sim, a Deus que prova os nossos coracées’’ Um dos fatores da pregagao poderosa con- siste em pregar a Palavra como um homem que foi liberto. Mas, liberto do qué? Dos efeitos agri- lhoadores do temor a opiniao humana. Vocé ja- mais estara inteiramente liberto para ser um instrumento de béncao na mao de Deus para a sua congrega¢ao, a menos que se liberte dos efeitos dos sorrisos e das carrancas dos mem- bros da mesma. As pessoas acabam perceben- do quando um pastor pode ser comprado com Os seus sorrisos, ou derrotado por cenhos fran- zidos. Um homem liberto desses efeitos, porém, éum homem livre em Cristo Jesus. A Palavra de Deus declara: “Quem teme ao homem ar- ma ciladas. . ”’ (Provérbios 29:25a), Tal temor arma ciladas para a sua lingua, e de maneira tal que quando aqueles stibitos lampejos de luz descerem sobre o pulpito, e surgirem oportu- nidades de aplicagao que o pregador sabe que espicagarao e ferirao certos membros “seletos” da igreja, se os seus olhos estiverem fixados nos homens, vocé sera incapaz de exprimir aquilo 26 que sabe que faz parte de seu dever. Por outro lado, quando vocé sente-se em liberdade para nao se deixar influenciar pelos sorrisos e pe- las carrancas de seu povo, entdo tem a liber- dade de ser um instrumento de béncdos para eles. Assevero que se tiver de haver um poder espiritual crescente no pdlpito, precisaremos retornar a pureza de motivos, algo que esta en- volvido na questaéo do temor a Deus. Em segundo lugar, uma pura motivagao envolve o amor a verdade divina. Fomos con- vocados para declarar aos homens todo o con- selho de Deus (ver Atos 20:27). Paulo declara que somente quando assim fazia, ficava sem culpa do sangue de todos os homens. Paulo de- clarava o espectro inteiro da revelacao biblica. S6 ha uma razao pela qual pregamos que os homens estao perdidos, acorrentados aos seus pecados, e debaixo da condenacdo e da ira de Deus, isto é, que Deus declara ser essa a ver- dade, e por amor a Sua verdade nés proclama- mos isso. Sem importar se essa verdade pare- ce saborosa ou insipida aos homens, o nosso amor a verdade deve ser tao profundo que quei- ramos que 0 mundo inteiro saiba tudo aquilo que Deus tem nos revelado. A terceira 4rea vinculada a essa questéo da pureza de motivos € 0 amor aos nossos se- melhantes, Estou convencido, irmao, de que es- se € o fator que nos impulsiona a prega¢cao que aplica as verdades as vidas das pessoas. Preci- samos ter um amor tal pelos homens que nao toleraremos vé-los apaticos e sonolentos sob o nosso ministério. Precisamos ter um amor tao intenso por eles que isso nos leve a ter o sen- so de responsabilidade de fazer tudo quanto es- tiver ao nosso alcance, a fim de que a verdade 27 de Deus torne-se viva para eles. Asseverou o grande M’Cheyne: “O pregador que ama de fato aos seus ouvintes é aquele que mais verdades lhes diz sobre eles mesmos”. E em II Corintios 7, Paulo diz: “. . . ainda que vos tenha contris- tado com a carta, nao me arrependo.. . E, a fim de completar o seu préprio pensamento, ele explica: “. . : agora me alegro, nado porque fostes contristados, mas porque fostes contris- tados para arrependimento. . . Porque a triste- za segundo Deus produz arrependimento pa- ra a salvagao. . .” (vv. 8-10). E algures, disse o mesmo apéstolo: “Se mais vos amo, serei me- nos amado?” (II Corintios 12:15b). Paulo com- pletou seu pensamento, dizendo: “Lamento, po- rém continuarei amando a vocés de qualquer maneira, e continuarei expondo diante de vo- cés a verdade divina, mesmo que vocés ndo me amem’. O que nos impede de sermos fiéis aos nossos semelhantes, quanto a esse particular, na realidade é uma espécie de amor-préprio. Amamos aos nossos préprios sentimentos de maneira tal que nao nos dispomos a correr o risco de ofender as pessoas, e vé-las entAo ira- das conosco. Oh, elas poderao perecer no in- ferno, mas isso néo nos importa, contanto que mesmo perecendo continuem a amar-nos. Te- nho ouvido pessoas comentarem sobre alguns ministros: “Aquele pastor sem divida pregou com destemor”. Ora, meu irmao, isso deveria poder ser dito a respeito de cada um de nés, porquanto o nosso amor ao préximo deveria ser tal que estivéssemos dispostos a comunicar- Ihes a verdade divina, aquela verdade que tal- vez eles néo aprovem, mas que visa ao bem eterno deles, 4 salvacgaéo de suas almas. Que ha de errado com a pregac¢ao da atua- 28

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