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13- No caso do Grupo TAP, do total d 193 milhões de euros, cerca de 130 milhões de euros

do goodwill respeitam à empresa de manutenção no Brasil.

Em 2010 o goodwill total nas contas do Grupo TAP era de cerca de 211 milhões de euros
(com um Capital Próprio negativo de 264 milhões de euros e um Passivo Total de 2.351
milhões de euros).

De salientar que, desde 2010, a manutenção Brasil acumulou mais de 200 milhões de
prejuízos.
De acordo com a nota 7 das contas consolidadas da TAP, com base no orçamento do ano
seguinte e estimativas para o período subsequente de 8 anos “não foram identificadas perdas
por imparidades no goodwill”. Em 2014 o valor contabilístico da unidade de manutenção do
Brasil é negativo em 197 milhões de euros (!!).

Algumas normas, muitas vezes com uma interpretação demasiado flexível e estimativas
otimistas sem grande fundamento, transformam os relatórios e demonstrações financeiras de
algumas empresas em simples contentores de palavras ou, como disse Pablo Neruda “prosa
de sal”.

Mais uma vez permitimo-nos citar Tom Peters: resultados excelentes não significam
excelência; podem durar pouco e não ser sinónimo de uma gestão superior.
Começando já a ter alguma distanciação em relação aos escândalos financeiros que
marcaram o início deste século, torna-se cada vez mais relevante “aprender com os erros do
passado”, percebendo porque “morreram de morte súbita” empresas cujos indicadores
económicos e financeiros eram aparentemente bons pouco tempo antes da falência.

O tema da valorização do goodwill e das expetativas (!!) futuras de resultados traz-nos


inevitavelmente à memória o título de alguns livros muito conhecidos – “a Esperança
(André Malraux) ou Ensaio sobre a Cegueira (José Saramago).

14-
TAP (Grupo)
A.1– Caraterização da situação (base demonstrações financeiras de 2014)
Valores em milhões de euros

A.2 – Notas de enquadramento


Em 2009 o Capital Próprio do Grupo já era negativo em 204 milhões de euros;

Os resultados negativos da operação Brasil (manutenção) entre 2010 e 2014 totalizaram


cerca de 278 milhões de euros;

Os resultados negativos da Groundforce handling aeroportuário totalizaram só entre


2009 e 2011, 83 milhões de euros (em 2012 foi vendida a maioria do capital, registando a
empresa lucros (embora inexpressivos) de cerca de 2 milhões de euros em 2013 e 2014;
A TAP (Aviação) registou resultados positivos entre 2009 e 2013 (total acumulado de
cerca de 180 milhões de euros);

O goodwill (193 milhões de euros em 2013 e 2014) apresenta variações pouco relevantes
desde 2009 (neste ano cerca de 204 milhões de euros); representa no essencial, diferenças de
aquisição da Portugália ao Grupo Espírito Santo em 2006 e da Manutenção do Brasil (o
goodwill neste último caso é de cerca de 130 milhões de euros, não existindo, segundo o
relatório da empresa, indícios de imparidades/perdas, não obstante o historial de
prejuízos antes referido;

A.3 – Análise breve


O investimento no Brasil, exclusivamente com capital alheio, numa fase em que o Grupo
tinha Capital Próprio negativo é, no mínimo, um erro de avaliação;

As incongruências a nível da operação Groundforce e da gestão e estrutura de custos fica


bem evidenciada quando se comparam os resultados negativos desta com os resultados
positivos no mesmo período da Portway (operando no mesmo setor de mercado, e até 2012,
também detida por capitais públicos);

Nesta como noutras empresas do setor empresarial do Estado, rácios como o total
cost/colaborador poderão ajudar a perceber algumas vertentes do problema (ver Anuários do
Setor Empresarial do Estado e artigo noutra newsletter sobre “Value for Money”);

Taxas de juro com subidas significativas, fruto essencialmente do risco empresa (capitais
próprios fortemente negativos e liquidez geral de 38% em 2014!); passagem de 4,8% (2013)
para 8% (2014);

Gastos de pessoal em 2014 de 579 milhões de euros (subida de cerca de 7 milhões face ao
ano anterior) e cerca de 13 mil colaboradores; deixamos aos leitores o cálculo e a reflexão
sobre o “total cost” e análise das notas associadas a remunerações, complementos de reforma,
prémios de jubilação;

A.4 – Uma espécie (!!) de conclusões


Soluções como conversão de passivo em capital ou aumentos de capital em numerário
poderão reduzir gastos financeiros mas mantêm parte substancial do problema operacional
(operação historicamente ruinosa no Brasil e gastos de estrutura elevados, com particular
ênfase nalgumas estruturas remuneratórias);

O plano estratégico 2015-2020 do Grupo destaca em primeiro lugar: “renovação e expansão


de todas as frotas “; as questões associadas são: com que capitais? A que custo?

Do volume de negócios de cerca de 2,7 mil milhões de euros, cerca de 98% são absorvidos
por rúbricas de materiais, fornecimentos e serviços externos (1,8 mil milhões dos quais cerca de
75% assumem caraterísticas de gastos variáveis) e pessoal (579 milhões de euros); entre
algumas coisas difíceis de explicar ao cidadão comum, a empresa (em situação de falência
técnica!) garante (!!) complementos de pensões de reforma (incluindo a Manutenção Brasil) e,
no caso dos pilotos (admitidos até 2007) um prémio de jubilação (mínimo) de 16 vezes o
último salário declarado(!).
16-
A situação da TAP (Grupo) distingue-se das outras por ter apresentado variações
significativas ao longo dos últimos anos. A empresa mais relevante do Grupo, a TAP
Aviação apresentou entre 2009 e 2013, não só resultados operacionais positivos mas
também resultados líquidos positivos. Em 2014 e sobretudo em 2015 os resultados
líquidos da aviação foram negativos fruto de alguma “turbulência”.

Os resultados positivos da aviação foram absorvidos pelos maus resultados da


Groundforce (até 2012) e pela Manutenção do Brasil que se revelou um investimento
ruinoso.

O Brasil representou entre 2011 e 2015 prejuízos de mais de 270 milhões de euros, a
que se devem somar os cerca de 130 milhões de goodwill apresentados nas contas de
2014 e de muito difícil realização (se considerarmos o goodwill como expetativa de
lucros futuros, neste caso, mais que expetativa é esperança!!!).

Algumas “constatações”
Com exceção da TAP (que apresenta vários problemas de nível operacional mas
tem essencialmente problemas financeiros e um investimento ruinoso no Brasil),
as outras empresas em análise têm, na generalidade, graves problemas
operacionais, com resultados operacionais sistematicamente negativos;

Do ponto anterior resulta que, mesmo que o acionista (Estado) aumentasse o Capital
Próprio das empresas de modo a anular a totalidade do Passivo, o que representaria um
montante próximo do triplo do défice do Orçamento de Estado, no ano seguinte, se nada
fosse feito a nível operacional, voltariam a surgir novas necessidades de capital (próprio
ou passivo).

Necessidades de fundos sem fim ou a ilustração do conceito financeiro de círculo


vicioso.

18- TAP (Grupo)


Como identificar os elementos chave das demonstrações financeiras?
(evolução histórica)
goodwill
depósitos bancários
resultados operacionais e líquidos por segmentos
resultados transitados e capital próprio
liquidez geral/fundo de maneio
financiamentos obtidos versus EBITDA
fornecimentos e serviços externos – gastos variáveis e de estrutura
gastos com o pessoal
A análise por segmentos permite perceber que o Grupo TAP tem, no essencial, ao
longo dos últimos anos 2 focos geradores de problemas:
Manutenção Brasil
Handling aeroportuário – Groundforce (até 2012)
Groundforce – gerou entre 2008 e 2011, cerca de 121 milhões de euros de prejuízos
(!!). Em 2012 50,1% foi “cedido” ao Grupo Urbanos/Pasogal passando a ter
resultados positivos a partir de 2013(!!).

Manutenção Brasil – goodwill e prejuízos


o goodwill (Brasil) era no início de 2015, de cerca de 130 milhões de euros, tendo-se
reduzido para 86 milhões no final de 2015 apenas por efeito da desvalorização cambial;
no final de 2016, pelo movimento inverso (valorização cambial) o valor volta a subir
para 109 milhões de euros;
(pág.- 57 Demonstrações financeiras consolidadas – nota 7) – “os testes de
imparidade sustentam a recuperabilidade (…), sendo que o valor contabilístico
da unidade de manutenção do Brasil é negativo em 283 milhões de euros”;

Prejuízos da Manutenção do Brasil (milhões de euros)


2016 – (32) 2015 – (40) 2014 – (23) 2013 – (41)
2012 – (50) 2011 – (63) 2010 – (72)

Nota – os prejuízos da operação Brasil são agravados pelos prejuízos da Aeropar


Participações, Sa (Brasil)

Depósitos bancários – 271 milhões em 2013 (16% do Ativo!!) e 241 milhões de


euros em 2014 (separados em 2 rúbricas – ver nota 22 do anexo às DF’s) – parte
relevante (depósitos restritos) referente nà Venezuela com risco cambial e restrições de
exportação cambial muito elevadas.
A maior parte dos depósitos restritos foi anulado nos anos seguintes.

Alguns indicadores/rácios relevantes – ver evolução


Passivo remunerado/EBITDA;
Gastos financeiros, FSE, Pessoal versus volume de negócios;
Custo total (gastos com pessoal) por colaborador;
Colaboradores por avião;
Resultados transitados versus Ativo;
Fundo de maneio versus volume de negócios
Tesouraria versus volume de negócios

Reestruturações – Mistérios insondáveis


Mais uma vez a afirmação de que o patamar mínimo de viabilidade e manutenção da
continuidade (“going concern”) passa por resultados operacionais positivos
sustentáveis (futuros !!) ou seja, expurgados de efeitos extraordinários, não repetíveis
e, muitas vezes meramente “cosméticos”.

Assim, convém não sobrevalorizar demasiado operações de redução de passivo


(conversão ou perdão da dívida) e rácios de estrutura de capital (autonomia financeira
ou outros) pois a uma autonomia financeira de 100%pode corresponder uma empresa
inviável se o resultado da operação corrente (antes de gastos financeiros) for negativo.

E se de repente uma “fada madrinha” anulasse todo o passivo


A propósito da passagem da Carris para a gestão municipal, assumindo o Estado a
maioria do passivo, muitos foram os que teceram comentários muito pouco
fundamentados do ponto de vista económico e financeiro.
Vejamos alguns dados referentes a 2015 (últimas contas divulgadas embora sem
relatório de auditoria):
Valores em milhões de euros
Capital Próprio (negativo) -834
Passivo Total 940
Resultados Transitados (negativos) -1.157
Volume de Negócios (incluindo subsídios) 95
Resultado Operacional (negativo) -8
Resultados Líquidos (negativos) -21

A propósito da previsão do que vai ocorrer nas demonstrações financeiras de


2017:
volume de negócios sem subidas relevantes (sem alteração dos valores cobrados aos
clientes ou políticas de subsídios à exploração);
aumento significativo dos gastos com o pessoal pela reposição dos cortes salariais
(este facto, se tudo o resto se mantivesse invariável poderia facilmente triplicar o
prejuízo operacional de 2015);
renovação da frota poderá gerar novos gastos (embora não desembolsáveis) com
depreciações que afetam o resultado operacional.

Notas Finais (provocatórias como sempre!)


Se a causa essencial de grande parte das falências é a “crise” e o risco setorial
porque não “morre” a maior parte das empresas dos setores em crise?
(ou será a teoria Darwin da seleção natural das espécies?)

Qual a justificação para que situações como os Estaleiros Navais de Viana do


Castelo e a Groundforce, com prejuízos operacionais recorrentes, “de repente”
fossem invertidas (passando a ter lucros) mesmo quando a respetiva atividade é gerida
por grupos com óbvias dificuldades do ponto de vista da estrutura financeira?
(ou será que o “segredo” está na capacidade dos gestores e analistas de
estabelecer um diagnóstico credível e coerente, identificando os fatores críticos, as
questões chave, em vez de repetir fórmulas e calcular mecanicamente indicadores).
Não esquecer: As demonstrações financeiras identificam hoje (com frequentes
distorções) o que aconteceu ontem, mas o papel do analista é prever o amanhã!

20- O goodwill (diferença entre o custo de uma participação financeira e o montante


correspondente ajustado do capital próprio da participação) é também um exemplo frequente
deste tipo de otimismo. A TAP, por exemplo, continua a não identificar qualquer indício de
imparidade para a sua participação na Manutenção Brasil, não obstante esta ter gerado, desde a
sua aquisição, várias centenas de milhões de euros de prejuízos.
Também os depósitos bancários da TAP na Venezuela foram alvo, até 2015, de um otimismo
exagerado, levando ao reconhecimento de perdas elevadas num único ano quando alguns
critérios de prudência poderiam ter levado à repartição por vários exercícios.

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