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Impressão e acabamento:
Papelmunde, SMG, Lda.
1.ª edição, Abril de 2009
ISBN: 978-989-95884-6-2
Depósito Legal n.º 291517/09
Esta obra está protegida pela lei. Não pode ser reproduzida
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será passível de procedimento judicial.
que contém o núcleo da sua teoria. Mas é preciso não perder de vista a
obra como um todo. Nas restantes secções, Bell discute outros temas,
necessários para a compreensão integral do seu ponto de vista.
No primeiro capítulo, Bell avança aquilo a que chama «a hipótese
estética» da definição de arte. A sua abordagem é essencialista, formalista
e intuicionista. Essencialista porque acredita haver uma característica
comum e exclusiva a todas as obras de arte; formalista porque, segundo
Bell, aquilo que distingue uma obra de arte de todos os outros objectos
é a forma significante; intuicionista porque, como nos diz, aquilo que
permite reconhecer a forma significante é a emoção estética que ela
desperta no observador. Apesar das várias objecções que esta teoria tem
levantado desde então, as acusações de circularidade ou de elitismo, por
exemplo, não foram suficientes para a derrubar. Na realidade, muitos
aspectos da sua teoria podem ser questionados – como distinguir a
emoção estética de outras? Existe, de facto, uma separação entre forma
e conteúdo? Haverá realmente algo de comum entre as várias obras de
arte? Porém, a argumentação de Bell, que, aliás, já antecipa as críticas, é
convincente na sua coerência. Além disso, não pode deixar de seduzir o
leitor quando lhe fala de algo que ele próprio experimenta e que garan-
tidamente é comum a todos aqueles que apreciam a produção artística:
a sensação de arrebatamento perante uma obra de arte.
Ainda no primeiro capítulo, Bell avança outra proposta, a que
chama «a hipótese metafísica». Esta hipótese, em estreita ligação com a
primeira, interroga «Porque nos emocionam tão estranhamente certas
disposições e combinações de formas?». Admitindo que esta é uma questão
mais incerta do que a hipótese formalista, Bell não deixa de especular
acerca da origem e natureza da emoção estética, tanto no artista como
no observador.
Se o primeiro capítulo é o mais denso no que toca à problematização
filosófica da arte, os seguintes não têm menor ambição. São capítulos
que visam fundamentar o que se disse no anterior e que dão azo à crí-
tica da arte feita segundo a sua história. Todo este exercício culmina no
elogio ao Pós-impressionismo e à nova geração de artistas que criou um
movimento de ruptura com a época precedente, na qual a arte esteve,
segundo Bell, perto da extinção.
Para sustentar as suas afirmações, a autor serve-se da história da
arte, esboçando a partir dela um diagrama em forma de cordilheira, em
que os picos de criatividade artística contrastam com os escuros vales da
mera imitação – metáfora que usará ao longo de todo o texto. Através
da sua visão, assumidamente redutora e pessoal, dos momentos da arte,
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South Kensington, e para com o Sr. Joyce, do British Museum, tenho uma
dívida mais privada e particular. A minha mulher mostrou-se bondosa ao
ler tanto o manuscrito como as provas deste livro; corrigiu alguns erros
e chamou a atenção para as ofensas mais flagrantes à caridade cristã.
Assim, o leitor não deve tentar desculpar o autor com a precipitação ou
a falta de advertência.
CLIVE BELL
Novembro de 1913
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CLIVE BELL
Charleston, Outubro de 1948
2 Walter Richard Sickert (1860 -1942), pintor impressionista inglês. (N. da T.)
3 «Um grande falhado». (N. da T.)
4 Slade School of Fine Art. (N. da T.)
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I. A HIPÓTESE ESTÉTICA
II. ESTÉTICA E PÓS-IMPRESSIONISMO
III. A HIPÓTESE METAFÍSICA
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Uma vez que chamamos «beleza» a uma propriedade que não suscita
a emoção estética característica, seria enganador dar o mesmo nome a uma
propriedade que o faz. Para tornar a «beleza» no objecto do sentimento
estético devemos dar à palavra uma definição rígida e invulgar. Toda a gente
usa, de vez em quando, «beleza» num sentido não-estético; a maioria fá-lo
habitualmente. Para todos, exceptuando talvez o ocasional esteta, o sentido
habitual da palavra é não estético. Não preciso de dar conta do seu gros-
seiro abuso, patente nas nossas conversas quotidianas: «bela caçada», «bela
pontaria» (isso seria, aliás, convidar um purista a replicar que não se trata
de abuso algum); além do mais, aqui não há o perigo de se confundir o uso
estético com o não-estético. Mas, quando falamos de uma mulher bela, há.
Quando um homem comum diz que uma mulher é bela, seguramente não
quer apenas dizer que ela o emociona esteticamente; mas, quando um artista
chama bela a uma velha bruxa engelhada, pode estar a dizer o mesmo que
diz quando se refere à escultura de um torso. O homem comum, caso seja
um homem de gosto, chamará bela à escultura, mas não à velha engelhada,
porque, em questão de mulheres, ele não atribui o epíteto à propriedade
estética que essa mulher possa ter. De facto, a maior parte de nós não sonha
sequer em procurar causas de emoção estética em seres humanos, a quem
exigimos algo de muito diferente. Podemos chamar a este «algo», quando
o encontramos numa jovem, «beleza». Vivemos tempos benévolos. Para
o homem comum, «belo» é, o mais das vezes, sinónimo de «desejável».
A palavra não designa necessariamente uma qualquer reacção estética, e
sinto-me tentado a pensar que, nas mentes de muitos, o teor sexual da
palavra se sobrepõe ao estético. Tenho notado a coerência daqueles para
quem a coisa mais bela do mundo é uma mulher bela, e a segunda coisa
mais bela do mundo é o retrato de uma mulher bela. A confusão entre
beleza estética e sensual não é, no seu caso, tão grande quanto se possa
pensar. Talvez nem haja nenhuma, pois talvez nunca tenham tido uma
emoção estética com a qual possam confundir as suas outras emoções.
A arte a que chamam «bela» está, em geral, estreitamente associada às
mulheres. Um retrato belo é a fotografia de uma jovem bonita; música
bela é a música que provoca emoções parecidas com as que provocam as
jovens em peças musicais; e poesia bela é a que evoca as emoções sentidas,
vinte anos antes, pela filha do reitor. É evidente que a palavra «beleza» é
usada para designar objectos de emoções muito diferentes, e esse é um
motivo para não empregar um termo que causaria inevitáveis confusões e
mal-entendidos junto dos meus leitores.
Por outro lado, não tenho discórdia alguma com aqueles que con-
sideram mais adequado chamar a estas combinações e disposições de
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formas que são causa das nossas emoções estéticas «relações significantes
de formas» em vez de «forma significante», na tentativa de aproveitar
o melhor de dois mundos, o estético e o metafísico, designando estas
relações como «ritmo». Tendo tornado claro que por «forma signifi-
cante» entendo combinações e disposições que nos emocionam de um
modo particular, é de boa vontade que me junto àqueles que preferem
dar outro nome à mesma coisa.
A hipótese de que a forma significante é a propriedade essencial de
uma obra de arte tem, pelo menos, um mérito, negado a muitas outras
hipóteses, mais famosas e sedutoras: ajudar a explicar as coisas. Estamos
todos familiarizados com quadros que suscitam o nosso interesse e des-
pertam a nossa admiração, mas que não nos sensibilizam enquanto obras
de arte. A esta classe pertence aquilo a que chamo «Pintura Descritiva»,
ou seja, pintura na qual as formas são usadas não enquanto objectos de
emoção, mas como meios de sugerir emoção ou veicular informação. A
esta categoria pertencem quadros de valor histórico e psicológico, obras
topográficas, quadros que contam histórias e apresentam situações, bem
como ilustrações de todo o tipo. É evidente que todos reconhecemos a
distinção; quem nunca disse, de um ou outro desenho, que é uma exce-
lente ilustração, mas desprovida de valor como obra de arte? É claro que
muitas pinturas descritivas possuem, entre outros atributos, significado
formal, sendo, portanto, obras de arte; mas isso não acontece com muitas
mais. Podem interessar-nos e emocionar-nos de mil maneiras diferentes,
mas não nos emocionam esteticamente. Segundo a minha hipótese, não
são obras de arte. Deixam incólumes as nossas emoções estéticas por-
que não somos afectados pelas suas formas, mas sim pelas ideias ou pela
informação que as suas formas sugerem ou veiculam.
São poucos os quadros mais conhecidos ou mais amados do que A
Estação de Paddington de Frith 6; serei certamente a última pessoa com
ressentimentos da sua popularidade. Passei minutos sem fim a deslindar
os fascinantes episódios que o compõem, inventando para cada um deles
um passado imaginário e um futuro improvável. Mas, se é certo que a
obra-prima de Frith, ou reproduções dela, proporcionou a centenas de
pessoas muitas meias horas de prazer curioso e imaginativo, não é menos
certo que ninguém experimentou diante dela um único instante que fosse
de êxtase estético; isto apesar de a obra conter várias passagens de cores
bonitas e de não estar, de modo algum, mal pintada. A Estação de Paddington
6 William Powell Frith (1819 – 1909), pintor inglês especializado em pintura de género
descritivo que viria a tornar-se membro da Royal Academy. (N. da T.)
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Mas pinturas descritivas que não são obras de arte (e que, portanto, não
são necessariamente meios para chegar a bons estados mentais), são bons
objectos de estudo da ética. Não sendo uma obra de arte, O Médico não
tem nenhum do imenso valor ético que possuem todos os objectos que
provocam o arrebatamento estético e, além disso, o estado mental para
o qual é meio, enquanto ilustração, parece-me indesejável.
As obras desses jovens empreendedores que são os futuristas italianos
são exemplos notáveis de pintura descritiva. Tal como os membros da
Royal Academy, eles usam a forma, não para provocar emoções estéticas,
mas para transmitir informação e ideias. De facto, as teorias divulgadas
pelos Futuristas provam que os seus quadros não têm absolutamente
nada que ver com arte. As suas teorias sociais e políticas são respeitá-
veis, mas gostaria de sugerir aos jovens pintores italianos que é possível
ser-se futurista no pensamento e na acção, não deixando por isso de ser
artista, caso se tenha tido a sorte de para isso nascer. Associar a arte à
política é sempre um erro. Os quadros futuristas são descritivos porque
pretendem apresentar em termos de linha e cor o caos da mente num
dado momento; as suas formas não têm o objectivo de suscitar a emoção
estética, mas sim o de transmitir informação. E diga-se de passagem que
estas formas, qualquer que seja a natureza das ideias que sugerem, são,
em si mesmas, tudo menos revolucionárias. Nas pinturas futuristas que
vi – exceptuando talvez algumas de Severini –, o desenho, sempre que
se torna figurativo, o que é frequente, pertence àquela convenção deli-
cada e vulgar que Besnard tornou moda há uns trinta anos e que muito
marcou os estudantes de Belas Artes desde então. Como obras de arte,
as pinturas futuristas são insignificantes; mas não é como obras de arte
que devem ser avaliadas. Um bom quadro futurista triunfaria do mesmo
modo que triunfa uma boa observação psicológica: revelando, através da
linha e da cor, as complexidades de um estado mental interessante. Se
estas obras futuristas fracassam, devemos procurar uma explicação, não
na falta de qualidades artísticas que não estavam destinados a possuir,
mas nas mentes cujos estados mentais se pretendem revelar.
A maioria das pessoas que se interessa vivamente pela arte verifica
que as obras que mais as emocionam são, em grande medida, aquelas a
que os estudiosos chamam «primitivas». É claro que destas há exempla-
res de fraca qualidade. Por exemplo, lembro-me de ter ido ver, cheio de
entusiasmo, uma das mais antigas igrejas românicas em Poitiers (Notre-
-Dame-la-Grande) e de a ter achado tão mal proporcionada, ultra-decorada,
grosseira, bojuda e pesada como qualquer um dos edifícios das classes
altas concebido por um desses sofisticados arquitectos que prosperaram
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mil anos antes ou oitocentos anos mais tarde. Mas excepções como esta
são raras. Por norma, a arte primitiva é boa – e também aqui a minha
teoria se revela pertinente –, uma vez que, regra geral, não possui pro-
priedades descritivas. Na arte primitiva não encontramos representações
precisas, apenas forma significante. No entanto, nenhuma outra arte nos
emociona tão profundamente. Quer consideremos a escultura suméria
ou a arte egípcia pré-dinástica, a arte grega arcaica, as obras-primas das
dinastias Wei e T’ang 9, as obras japonesas primitivas como aquelas
cujos soberbos exemplos tive a sorte de ver (especialmente dois Bodhi-
sattvas 10 de madeira) na Exposição de Sheperd’s Bush 11 em 1910, ou
então, mais perto de nós, a arte bizantina primitiva do século VI e os
seus desenvolvimentos primitivos entre os bárbaros do Ocidente, ou
ainda, mais distante, a misteriosa e soberba arte que floresceu na América
Central e do Sul antes da chegada do homem branco, encontraremos, em
todos os casos, três características comuns: ausência de representação,
ausência de exibicionismo técnico, e forma sublime. É igualmente fácil
detectar a conexão entre as três. O significado formal perde-se quando
há a preocupação com a representação exacta e com a ostentação das
habilidades 12.
9 A existência de Ku K’ai-chih torna claro que a arte deste período (séculos V a VIII)
foi um típico movimento primitivo. Chamar à magnífica arte vital das dinastias Liang, Chen,
Wei e Tang um desenvolvimento da muitíssimo refinada e já desgastada arte da decadência
Han – da qual Ku K’ai-chih é um precioso exemplo tardio – é o mesmo que chamar à escul-
tura românica um desenvolvimento de Praxíteles. Entre ambos, alguma coisa sucedeu que
revitalizou o curso da arte. O que aconteceu na China foi a revolução emocional e espiritual
como consequência da introdução do Budismo.
10 Na tradição budista, Bodhisattva significa «ser iluminado». Neste caso, o autor
refere-se a um qualquer par específico de representações artísticas desta figura, alvo de muita
veneração no Oriente e não só. (N. da T.)
11 Um distrito de Londres. (N. da T.)
12 Não quer isto dizer que a representação seja em si uma coisa negativa. É indiferente.
Uma forma perfeitamente representada pode ser insignificante, mas sacrificar o significado à
forma é fatal. A controvérsia entre significado e ilusão parece ser tão antiga quanto a própria
arte e tenho poucas dúvidas de que o que torna a maior parte da arte paleolítica numa coisa
tão má é a preocupação com a representação exacta. Evidentemente que os desenhadores
paleolíticos não tinham noção do significado da forma. A sua arte assemelha-se à dos mais
competentes e sinceros membros da Royal Academy: é um pouco melhor que a de Sir Edward
Poynter e um pouco pior que a do falecido Lord Leighton. Que isto não é um paradoxo é o que
provam os desenhos das grutas de Altamira ou obras como os esboços de cavalos encontrados
em Bruniquel, e que actualmente se encontram no Museu Britânico. Se a cabeça de uma jovem,
em marfim, descoberta na Grotte du Pape, em Brassempouy (Museu St. Germain), e o busto
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Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Prefácio à segunda edição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1. O QUE É A ARTE?
I. A Hipótese Estética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
II. Estética e Pós-Impressionismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
III. A Hipótese Metafísica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
2. ARTE E VIDA
I. Arte e Religião . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
II. Arte e História . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
III. Arte e Ética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
3. A ENCOSTA CRISTÃ
I. A Ascensão da Arte Cristã . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
II. Grandeza e Declínio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
III. O Renascimento Clássico e as suas Maleitas . . . . . . . . . . . . . 101
IV. Alid ex Alio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
4. O MOVIMENTO
I. A Dívida para com Cézanne . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
II. Simplificação e Design . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
III. A Falácia Patética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
5. O FUTURO
I. Sociedade e Arte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
II. Arte e Sociedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163