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FICHAMENTO DO TEXTO DO KIKE – LÓGICAS NO FUTEBOL - CAPÍTULO 3

PÁGINA 247 – MESAS DE BARES E A SOCIABILIDADE COTIDIANA

PÁGINA 260- SOCIABILIDADE COTIDIANA E O ETHOS DE BAR

PAGINA 270 – TORCER E ENXERGAR O JOGO

PÁGINA 247 – MESAS DE BARES E A SOCIABILIDADE COTIDIANA

Toledo inicia o texto destacando citação de Machado da Silva:

“Outro tema muito abordado é o futebol, sobre o qual todos têm sempre algo a dizer.
Este é um dos poucos assuntos contantes que dá margem a conversas demoradas entre
membros de subgrupos diferentes, e permite a participação até mesmo de estranhos. O
interessante – já que futebol é assunto de conversa em quase todas as camadas sociais
no Brasil – é que poucos são aqueles que vão pessoalmente a algum jogo e raríssimos os
frequentadores assíduos dos estádios. Toda informação sobre o tema provém dos
jornais, rádio (principalmente) e televisão”. (MACHADO DA SILVA, 1978:101)

Segundo Toledo, o futebol estimula no plano do investimento na pessoa torcedora, a


manifestação sintetizada na expressão sociabilidade por distanciamento, cujas
categorias emprestadas das redes de relações mais amplas, tais como “amigo, colega,
truta, xará, estranho”, consolidades nas atitudes e modos de vida observados em
variadíssimos contextos, são reduzidas à categoria genérica “torcedor”,
consequentemente à natureza das contendas lúdicas que constituem o futebol
verbalizado no domínio da vida cotidiana.

“Esta sociabilidade por distanciamento pode ser concebida ainda como um sistema
classificatório inclusivo. Inclusivo porque permite acessar de qualquer ponto de uma
cadeia ilimitada de eventos e significados um lugar para “o outro”, quer seja “amigo” ou
“estranho”, tomando estes dois termos como pólos limítrofes de um continuum que
define o lugar das diferenças (dos afins, particularmente tomados aqui como “inimigos
potencias”, neste sistema de sociabilidade existente no domínio publico a partir do gosto
pelo futebol.” (250,251)

“o futebol funda uma sociabilidade assentada em um jogo de diferenças e oposições.


Retomando o aspecto lúdico em suas várias dimensões, como fruição e festa, mas
também como negociação e excesso, ele recria a cada jogo ou partida diferenças
simbólicas entre torcedores. [...] Pensar o conflito no futebol é pensar na polissemia
promovida por sua sociabilidade. Sociabilidade que consegue unir adversários em uma
mesa de bar [...] bem como segregálos nas arquibancadas.” (TOLEDO, 1996:104)

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“Ainda que o assunto futebol seja propagado em outros espaços de convívio e interação
social, pode ser conferido aos bares uma dinâmica singular, pois consistem em
referências espaciais sui generis da relação simbiótica estabelecida entre a modalidade
esportiva em questão e o cotidiano de milhares de indivíduos mobilizados pelas
particularidades da sociabilidade descrita acima”. (p260)

“Sobretudo entre os mais populares, mas não somente neles, não é raro observar certos
elementos de uma cultura material urbana que os integram visualmente ao ethos
esportivo dominante, incrementando a simbiose que parece existir entre estes espaços e
a sociabilidade em torno do futebol.” (p. 260)

“A começar pela presença das televisões, geralmente destinadas à fruição dos torcedores
freqüentadores, fundamental para reunir e mobilizá-los em torno do futebol e de seu consumo
ampliado. Comumente estes aparelhos ficam suspensos em suportes nas paredes e
“competindo” com outros elementos igualmente muito recorrentes nesses espaços, para além
das prateleiras de bebidas, tais como imagens de santos ou entidades do catolicismo popular
ou dos cultos afro-brasileiros, dispostas em pequenos oratórios destinados às devoções
cotidianas, sobretudo dos donos dos estabelecimentos. Mas são os adereços, pôsteres de
times, souvenires, copos estampados com distintivos, flâmulas, enfim, adornos dispersos por
sobre balcões, geladeiras ou pregados nas paredes, que dão aos bares uma marca e
característica inquestionáveis no que se refere a filiação de seus donos, funcionários e
freqüentadores aos clubes de futebol. Estas marcas distintivas, que demarcam visualmente o
espaço, por si só já estimulam e emulam as contendas verbais em torno das preferências
clubísticas.” (p261)

“Uma outra característica peculiar que compõem o ethos “de bar” e que sustenta parte da
sociabilidade verificada em inúmeros bares de caráter mais popular é a presença de jogos e
passatempos definidos legalmente como sendo “de azar”. Mesas de sinucas, bilhares ou mata-
mata, diversos jogos de baralho, genericamente conhecidos pelo termo “carteado”, dominó ou
simples palitos, ou mais recentemente a presença dos caça-níqueis eletrônicos, enfim,
incrementam à vivência nos bares a dimensão do imponderável, identificada no sorte ou no
azar. Dimensão fortemente presente nos significados atribuídos ao próprio futebol, sobretudo
da parte dos torcedores que “maculam e contaminam” o esporte através destas outras
modalidades de divertimento e ganho menos sensibilizadas pela lógica competitiva e
profissional, ou pela ética esportiva apregoada por muitos dos especialistas comprometidos
com o futebol como forma de entretenimento e espetáculo. Apostam-se, nesses lugares de
encontro, nos resultados das partidas de futebol. Penhoram por dinheiro ou por espécie, mais
precisamente por bebidas, a performance de seus times e jogadores. Solidariedades gratuitas
engendradas à revelia dos sentidos da competição, que somente adquirem significados se
compreendidas como operadoras da interação entre indivíduos e da formação de grupos, que
se atiram nestes jogos especulativos. Nesse sentido, o futebol está mais próximo dos jogos
populares, o “jogo do bicho” é um exemplo, do que propriamente de outros esportes coletivos
aparentados. É Roberto Da Matta que analisa o futebol como um fenômeno que encerra
algumas dimensões em conflito e relação, sobretudo para contextualizar o caso brasileiro, tais
como o binômio sorte/azar, que o caracteriza como um jogo, por um lado, e modalidade
esportiva, por outro (DA MATTA, 1982).” (p 263)
“As duas dimensões estão presentes na sociedade brasileira como um dilema sociológico,
observadas de maneira recorrente nas representações sobre o futebol. Ele aponta para uma
distinção etimológica no que se refere aos usos das palavras jogo e esporte em sociedades
como a brasileira, a inglesa e a americana. No Brasil, ao contrário dos outros países citados, a
palavra futebol nunca surge sozinha, mas é sempre precedida do qualificativo jogo. Ou seja, as
dimensões da sorte e do azar, características enunciadas como elementos fundamentais do
universo lúdico mas reprovadas de um ponto de vista normativo40, estão imbricadas de modo
acentuado à cultura brasileira, ao passo que em inglês, para jogos de azar, utilizam o termo
game, diverso de sport, usado para definir as atividades físicas, predominantemente (DA
MATTA, 1982). (p.263)

“Portanto, a espacialidade dos bares e seus equipamentos disponíveis, suporte material da


existência deste entrelaçamento entre as esferas esportiva e lúdica, atestam o livre trânsito
que estas duas ordens simbólicas possuem no domínio da performance torcedora. Até mais do
que propriamente no ensejo ritual das partidas, joga-se com a sorte neste futebol falado e
conjectural, tal como nos dados, nas “pedras” de dominó, nos palitos, no “carteado” ou no
“jogo do bicho”.” (p. 264)

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