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Francisco Doratioto
Pense no Paraguai
Por Bruno Garcia
1/10/2013
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FD – Havia poucos livros sobre história da política externa paraguaia e as relações com o Brasil, e
nenhum analisando o período posterior a 1844, quando o Brasil foi o primeiro país a reconhecer
formalmente a independência paraguaia. Sobre a guerra, todos faziam apologia da figura de
Francisco Solano López, que era herói oficial da ditadura de Stroessner, o qual se apresentava como
herdeiro daquele. A versão do Chiavenato fez muito sucesso no Paraguai, o que é aparentemente
contraditório, pois no Brasil seu sucesso foi junto à esquerda. No Paraguai, foi um sucesso junto à
direita, à ditadura do Stroessner que, para legitimar-se, se apresentava como um herdeiro da luta
de Solano López e da grandeza do Paraguai, de uma suposta “idade do ouro” que, na realidade,
nunca existiu e foi inventada pelo revisionismo nacionalista paraguaio.
FD – Fala-se Paraguai por uma questão didática, mas a decisão foi de Solano López. Tratava-se de
uma ditadura, mas não na forma contemporânea que conhecemos. Não havia meios de comunicação
ou inserção internacional, como hoje. Uma ditadura hoje, por mais ferrenha que seja, tem que
reagir ao contexto internacional e há algum processo decisório, mas na de Solano López tudo se
concentrava nele. A elite paraguaia era ínfima e dependente dele, enquanto o cotidiano dessa
ditadura é algo digno de Gabriel Garcia Márquez, do realismo fantástico. Tanto [o presidente
argentino] Bartolomé Mitre quanto o governo imperial tinham oposições e havia no Brasil e na
Argentina certo debate sobre política externa, além de jornais que refletiam diferentes posições. No
Paraguai não existia jornal, além de um diário oficial, e nem oposição. A oposição estava em
cemitérios ou no exílio na Argentina. A população era pequena, o país era fechado ao exterior e ela
não tinha acesso a outras informações, que não as oficiais.
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FD – A documentação mostra, inequivocamente, que em 1864 não havia nenhum plano militar do
Império do Brasil contra o Paraguai. Sequer havia um exército brasileiro moderno organizado; seus
efetivos não chegavam a 20 mil homens e estavam distribuídos pela imensidão do país. Do lado da
República Argentina, criada em 1862 e ainda sem exército nacional, não interessava um governo
paraguaio, que tinha vínculos com a oposição argentina que se opunha à centralização do poder em
Buenos Aires. Mas Mitre não podia fazer nada contra Solano López, no mínimo por não ter recursos
militares para tanto. Aparentemente, Solano López não pensava assim ou, então, tomou uma opção
de risco, a de iniciar uma guerra, aproveitando-se do contexto favorável para impor-se ao Brasil e à
Argentina.
FD – No Uruguai, ele tinha uma aliança tácita com os blancos, pois lá acontecia uma guerra civil
entre estes, que ocupavam legalmente o poder, e os colorados, que se sublevaram com o apoio de
Mitre e as simpatias dos estancieiros do Rio Grande do Sul e, depois, do governo brasileiro. Na
Argentina, a centralização do poder nas mãos da elite portenha em 1862 era recente e as oligarquias
do interior tinham muito autoridade e resistiam a Buenos Aires. O principal caudilho oposicionista,
Justo José de Urquiza, da província de Entre Ríos, estimulou Solano López a resistir a Buenos Aires
que, por sua posição geográfica, tradicionalmente era um obstáculo ao acesso paraguaio ao Oceano
Atlântico e, portanto, ao comércio com o exterior. Solano López tinha o apoio dos blancos, tinha o
apoio de Urquiza, e sabia que o sul do Brasil era fraco e vulnerável militarmente. Ele fez um plano
militar brilhante, arriscado mas brilhante, que consistia em uma “guerra relâmpago contra o Brasil e
Buenos Aires, mas que deu errado. Afinal, planos brilhantes também dão errado.
FD – Começar uma guerra contra o Brasil, em um ataque surpresa a Mato Grosso, para garantir a
retaguarda paraguaia, o que ocorreu em dezembro de 1864 e, ao ter negada permissão de Mitre
para passar com as tropas por território argentino para invadir o Rio Grande do Sul, Solano López
invadiu a província de Corrientes em abril de 1865 e o Rio Grande do Sul em junho. Ao que tudo
indica, o plano era vencer Mitre e impor uma derrota militar ao Império no Uruguai. Esse plano era
exequível, tanto que os paraguaios chegaram até Uruguaiana e ocuparam Corrientes com facilidade.
Só não foram além porque, no Rio Grande do Sul, o coronel Estigarribia desobedeceu a ordem de
não entrar nas cidades para não perder tempo na marcha. Mas como Uruguaiana era um centro
comercial, os paraguaios nela entraram para saqueá-la, dando tempo aos aliados de se organizarem,
sitiarem a cidade e, após combate, obterem a rendição de Estigarribia.
RH – E em relação à Argentina?
FD – Solano López pensou em uma guerra relâmpago contra a Argentina e o Brasil. Após ocupar
Corrientes, o comandante das forças paraguaias, general Robles, também desobedeceu as instruções
de marchar para o sul e manteve-se imóvel, dando tempo de reação por parte dos aliados. Ademais,
Urquiza aderiu aos aliados, inviabilizando um apoio organizado da oposição argentina a Solano
López. O plano era de os invasores marcharem para o sul, rumo a Buenos Aires, na condição de
libertadores das províncias do interior contra a capital, contra Mitre.
FD – Esta foi uma surpresa para mim. Fiz minha graduação durante a ditadura militar e tudo o que o
regime afirmava a gente pensava o contrário. Se o regime apresentava Caxias como herói, nós
éramos contra. Este foi um grande prejuízo para o mundo intelectual brasileiro: a polarização
política e a falta de liberdade acadêmica levaram a interpretações que, em outras condições, não
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FD – Para mim, foi fantástico ler a correspondência dele, porque descobri um “outro Caxias”. Por
exemplo, ele foi contra a continuação da guerra em 1868. Ele foi a favor da paz, mas o imperador
mandou-o continuar. Aquele senhor de mais de 60 anos de idade, que tinha sido ministro da Guerra,
era senador vitalício, enfim, que estava numa posição politica confortável, aceitou ir para a guerra
em 1866, em um momento em que a possibilidade da vitória aliada estava comprometida. Falava-se
em derrota, em fazer a paz; o exército estava desorganizado e desmoralizado após a derrota na
batalha de Curupaití e, ainda assim, ele aceitou ir para o Paraguai.
FD – Caxias era um fiel servidor do Estado monárquico. Embora não fosse um amigo do imperador,
ele era extremamente fiel à sua figura. O que me surpreendeu foi sua dimensão humana, suas
angústias com a guerra e sua subordinação ao poder civil. Ele era uma figura mais complexa do que
o chefe militar vitorioso, disciplinador e centralizador que o regime militar me apresentara nas
décadas de 1970 e 1980. Ele foi um grande líder militar, cometeu erros, mas muito mais acertos, e
conseguiu destruir o exército inimigo. Em todos os comandos que exerceu, Caxias obedeceu às
ordens superiores, inclusive aquelas das quais discordava pois, além de disciplinador, era
disciplinado e sempre foi fiel à Constituição e subordinado ao poder civil; foi um legalista do
Império. Estas características devem ser recuperadas na construção de um Brasil democrático e
moderno.
FD – Foi destruído. Claro que também não era o país industrializado e moderno, mito construído por
aquele revisionismo histórico mais populista. Era um país agrário, com técnicas de cultivo atrasadas
e com alguns lampejos de modernidade com finalidade militar. Se você aceitar a tese de que o
Paraguai era desenvolvido e industrializado, o que não é verdade, a destruição teria sido abismal. Se
você considerar que se tratava de um país agrário, também foi uma destruição. Mas nos faltam
dados confiáveis.
RH – De que tipo?
FD – Sabemos que houve uma imensa perda demográfica, mas não sabemos exatamente de quanto,
e essa falta de informação também se aplica às forças aliadas. Podemos falar que o exército
imperial teve uma imensa perda, mas só sabemos em termos relativos, não absolutos. Não temos
certeza, até hoje, de quantos homens foram para guerra pelo lado do Brasil. Nós não sabemos qual
era a população do Paraguai no início da guerra. Sabemos que não era de 1 milhão, como afirma o
revisionismo, mas sabemos que a maior parte da população masculina morreu, podendo-se afirmar
que houve uma hecatombe demográfica, pois no país a mortandade se concentrou entre aqueles que
estavam em idade reprodutiva. A perda masculina foi tão grande que, inclusive, se cita a poligamia
como consequência da guerra, mas este não é um bom argumento, pois ela existia no Paraguai
desde os tempos coloniais. A historiadora alemã Bárbara Potthast-Jutkeit afirma que o número de
mulheres que um homem tinha era um indicador de prestígio político no Paraguai colonial.
FD – A agricultura perdeu terreno para uma floresta que reocupou os campos, e o interior ficou
despovoado. A partir da década de 1870, houve o início da valorização de matérias-primas, devido à
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industrialização acelerada da Europa. Argentina, Uruguai e Brasil se beneficiaram muito com isso,
mas não o Paraguai. O país não tinha um produto competitivo para exportar e nem acesso a essas
correntes internacionais de comércio devido à sua posição geográfica de país mediterrâneo. Desse
modo, o Paraguai se tornou a periferia da periferia, dependente da Argentina.
FD – Não pesquisei no arquivo do Exército, de modo que nada posso afirmar sobre ele, mas não me
surpreenderia que nele ou em outros arquivos houvesse algo inédito, em decorrência da
classificação incompleta de documentos. No entanto, quando se fala em arquivo secreto da Guerra
do Paraguai, cita-se o diplomático, do Itamaraty, no Rio de Janeiro. Conheço bem esse arquivo e
tenho certeza de que nele não há documentação sobre a Guerra do Paraguai, sobre as operações
militares que tenham se mantido secretas. Existiu, de fato, essa documentação, mas ela foi liberada
na década de 1990; de verdadeiramente inédito, havia pouco menos de duas dezenas de cartas do
Solano López sobre condições de saúde no exército. O resto era material já de conhecimento
público, mas que ficou secreto por muito tempo não pelo conteúdo, mas pela lógica burocrática da
instituição, e em função da falta profissionais que pusessem a documentação em ordem para a
consulta.
FD – Leva alguns anos até os resultados de uma pesquisa original chegarem aos livros didáticos dos
ensinos Fundamental e Médio. Muitas vezes editoras e autores de livros didáticos não querem fazer
essas inclusões, por comodidade ou custo financeiro. Ademais, o professor do Fundamental e do
Médio, que é um herói, pois ganha pouco e trabalha muito em condições precárias, não tem tempo e
nem dinheiro para se atualizar. Além disso, dizer que o imperialismo não foi responsável pelo
conflito ou que foi Solano López que iniciou o conflito, retirando-lhe o papel de vítima, faz com que
se tenha de repensar outras explicações para o processo histórico de nosso país e da América
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se tenha de repensar outras explicações para o processo histórico de nosso país e da América
Latina. Se você passou 20 anos acreditando em uma coisa, é difícil mudar de opinião. É muito mais
fácil e confortável culpar o imperialismo por todos os problemas do nosso continente, embora,
evidentemente, tenha existido a ação imperialista, como o demonstra a criação do Canal do
Panamá.
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