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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO


REGIONAL JATAÍ

SUZANE RIBEIRO MILHOMEM

CICLOS DE ESCOLARIZAÇÃO: RELAÇÃO ENTRE FORMAÇÃO E PRÁTICA


DOCENTE DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA

JATAÍ – GO
2016
SUZANE RIBEIRO MILHOMEM

CICLOS DE ESCOLARIZAÇÃO: RELAÇÃO ENTRE FORMAÇÃO E PRÁTICA


DOCENTE DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal de Goiás, Regional
Jataí, na linha de pesquisa Políticas
Educacionais, Gestão e Formação de
Professores como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Lucia Helena Moreira


de Medeiros Oliveira

JATAÍ – GO
2016
Dedico este trabalho a todos os professores e
professoras que diariamente lutam sem perder as
esperanças, nem medir esforços em busca da
transformação social.
AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha orientadora, Lúcia Helena Moreira de Medeiros Oliveira,


pela confiança no meu trabalho, quando nunca hesitou em relação aos meus
objetivos de pesquisa, dando-me apoio, sempre com paciência. Agradeço também
pelas conversas que excederam o trabalho acadêmico, retomando a dimensão
humana que se perde no processo produtivista de estudo.

Agradeço a todos os professores do programa de mestrado, pelo


conhecimento abordado que colaborou intensamente neste trabalho. À secretária,
Vanessa Gonçalves de Freitas, pela paciência e disposição em ajudar na hora do
desespero. E, em especial, aos amigos Wesley Silva Mauerverck, Aline Cristine
Ferreira Braga do Carmo e Lázara Yara Ferreira Valverde, sempre disponíveis para
os diálogos, debates e apoio nessa trajetória.

Agradeço aos professores avaliadores da banca, Luís César de Souza e


Nivaldo Antônio Nogueira David, que colaboraram com críticas construtivas e
correções qualitativas para este estudo e que também acompanham meu processo
de formação e contribuem constantemente com os desafios de ser professor.

Agradeço à minha família pelo constante incentivo e reconhecimento do


esforço de concluir um curso superior e dar continuidade aos estudos, mesmo diante
de diversas dificuldades.

Agradeço aos meus amigos, alguns mais ausentes, outros mais presentes,
Anário Dornelles, Bruna de Paula Cruvinel, Edielson Cantão, Fernando Medeiros,
Janderson Honorato, Karita Cabral, Nadmília Castro, Nivaldo Antonio Nogueira
David, Pâmella Gomes de Brito e Paula Andréia Falcão, que compartilham dos
mesmos enfrentamentos em prol da juventude que se propõem à educação crítica e
de qualidade e que lutam a favor da transformação da realidade social.

Agradeço às forças do universo que sempre corroboram para minha evolução


e aprendizado.
Os socialistas estão aqui para lembrar ao
mundo que em primeiro lugar devem vir
as pessoas e não a produção. As pessoas
não podem ser sacrificadas. Nem tipos
especiais de pessoas – os espertos, os
fortes, os ambiciosos, os belos, aquelas
que podem um dia vir a fazer grandes
coisas – nem qualquer outra.
Especialmente aquelas que são apenas
pessoas comuns (...). É delas que trata o
socialismo; são elas que o socialismo
defende. Eric Hobsbawn (1992)
RESUMO

O presente trabalho é resultado da pesquisa desenvolvida no âmbito do Programa


de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás, Regional Jataí,
em nível de Mestrado, da linha de pesquisa Políticas Educacionais, Gestão e
Formação de Professores, sob orientação da professora Dra. Lucia Helena Moreira
de Medeiros Oliveira. Teve como objetivo principal refletir sobre os Ciclos Escolares,
a prática dos Professores de Educação Física e o cenário atual do processo de
Formação de Professores. Balizado por esses três elementos fundantes, o estudo
acerca dos Ciclos de Formação e Desenvolvimento Humano visa compreender,
numa perspectiva histórico-social, a relação entre a formação docente e a prática
pedagógica dos professores de Educação Física de escolas públicas municipais de
Goiânia organizadas em tempo integral. Os motivos para a realização desta
pesquisa partem do próprio campo empírico que denunciam possíveis rupturas entre
o campo de formação e as necessidades pedagógicas para o trabalho dentro da
organização em ciclos. Desse modo, por meio de diálogos realizados com 20
professores que atuam em escolas de ciclos, organizadas em tempo integral, da
rede municipal de Goiânia, buscamos identificar e refletir criticamente acerca dos
possíveis conflitos, contradições, rupturas e/ou estranhamento entre o lugar de
trabalho e o lugar de formação. Utilizamos como método de pesquisa o materialismo
histórico dialético para analisar os dados e desvelar a realidade dialogando com
autores da sociologia e da educação, como Karl Marx, István Mészáros, Paulo
Freire, Dermeval Saviani, Newton Duarte, Luiz Carlos de Freitas, entre outros. De
acordo com os resultados encontrados ficou evidente que, embora a escola seja em
ciclos, sua composição, estrutura, princípios, concepções, metodologia e relações
pedagógicas estão diretamente relacionados com o pensamento neoliberal, inclusive
na intensificação da desigualdade, contraditoriamente, os ciclos também agregam
princípios da luta engendrada pelo movimento político de educadores críticos que
buscam na educação pública formas mais humanizadas de educar e ser educado,
se constituindo, assim, em mais um espaço de correlação de forças e disputa de
interesses na luta de classes.

Palavras-chave: Educação. Educação Física. Formação de Professores. Ciclos de


escolarização.
RESUMEN

Este trabajo es el resultado de la investigación llevada a cabo en el Programa de


Postgrado en Educación de la Universidad Federal de Goiás, Regional Jataí, en el
nivel principal, la línea de investigación Políticas Educativas, Ordenación y
Formación del Profesorado bajo la dirección de la profesora Dra Lucia Helena
Moreira de Oliveira Medeiros. Dirigido a reflexionar sobre los ciclos escolares, la
práctica de Profesores de Educación Física y la situación actual del proceso de
formación del profesorado. Alentados por estos tres elementos fundamentales, el
estudio de la formación y Ciclos de Desarrollo Humano tiene como objetivo
comprender, en una perspectiva socio-histórica, la relación entre la formación
docente y la práctica docente de los profesores de educación física en las escuelas
públicas en Goiânia organizados en el tiempo completa. Las razones de esta
investigación salen desde el propio campo empírico que informan de posibles
brechas entre campo de la formación y las necesidades pedagógicas para trabajar
dentro de la organización en ciclos. De este modo, a través de diálogos mantenidos
con 20 maestros que trabajan en escuelas ciclos, organizada a tiempo completo, el
Goiânia municipal, que buscan identificar y reflexionar críticamente sobre los
posibles conflictos, contradicciones, las rupturas y / o alejamiento entre el lugar de el
trabajo y el lugar de entrenamiento. Se utilizó como método de investigación
materialismo histórico dialéctico para analizar los datos y revelar la realidad dialogar
con los autores de la sociología y la educación, como Karl Marx, István Mészáros,
Paulo Freire, Dermeval Saviani, Newton Duarte, Luiz Carlos de Freitas, entre otros.
De acuerdo con los resultados, era evidente que aunque la escuela es en ciclos, su
composición, estructura, principios, conceptos, metodología y relaciones
pedagógicas están directamente relacionados con el pensamiento neoliberal,
incluyendo la intensificación de la desigualdad, de manera contradictoria, los ciclos
también se suman principios de la lucha engendrada por el movimiento político de
los educadores críticos que buscan una educación pública formas más humanas
para educar y ser educados, lo que constituye en otra correlación de fuerzas e
intereses espaciales disputan en la lucha de clases.

Palabras-clave: Educación. Educación Física. Formación de profesores. Ciclos de


inscripción.
LISTA DE FIGURAS

Gráfico 1 – Faixa etária dos professores ................................................................. 107


Gráfico 2 – Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD (2013)
................................................................................................................................ 108
Gráfico 3 – Frequência de idas ao cinema por ano ................................................. 115
Gráfico 4 – Frequência de idas ao teatro por ano ................................................... 115
Gráfico 5 – Acesso dos professores aos meios tecnológicos e de informação ....... 116
Gráfico 6 – Tempo de participação dos professores na TV..................................... 117
Gráfico 7: Outras atividades dos professores no tempo de não trabalho ................ 118
Gráfico 8 – Trajetória de formação dos professores ............................................... 123
LISTA DE TABELAS

Quadro 1 – Dimensões contraditórias de concepções de educação, ciclos e


avaliação .................................................................................................................. 19
Quadro 2 – Categorização de teses e dissertações sobre a organização da
escolaridade em ciclos no Brasil (2000 a 2013) ....................................................... 24
Quadro 3 – Principais experiências pioneiras de políticas de não-reprovação no
Brasil (1958-1984) .................................................................................................... 54
Quadro 4 – Tendências da Educação Física no Brasil ............................................. 98
Quadro 5 – Aspectos materiais dos professores pesquisados ................................ 108
Quadro 6 – Critério de Classificação Econômica Brasil ......................................... 110
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABEP Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa


APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CBA Ciclos Básicos de Alfabetização
CFDH Ciclos de Formação e Desenvolvimento Humano
CNE Conselho Nacional de Educação
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico
CONAE Conferência Nacional de Educação
CONFEF Conselho Federal de Educação Física
CREF Conselho Regional de Educação Física
DCN Diretrizes Curriculares Nacionais
EAD Educação à distância
EF Educação Física
EPT Esporte para Todos
ESEFFEGO Escola Superior de Educação Física e Fisioterapia do Estado de
Goiás
FAPEG Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás
FHC Fernando Henrique Cardoso
FIES Financiamento Estudantil
FNE Fórum Nacional de Educação
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBOPE Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IFET Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MCTI Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
MEC Ministério da Educação
ONG Organizações não governamentais
PAR Plano de Ações Articuladas
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PDE Plano de Desenvolvimento da Educação
PL Projeto de Lei
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNAIC Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa
PNE Plano Nacional de Educação
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPC Projeto Pedagógico do Curso
PROUNI Programa Universidade para Todos
UAB Universidade Aberta
UFG Universidade Federal de Goiás
UNESCO Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a
cultura
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 12
1.1 Introdução ao conceito de ciclos 17
1.2 Estudos preliminares acerca do modelo de ciclos 22
1.3 Os procedimentos metodológicos de aproximação da realidade 28
2 OS CICLOS DE ESCOLARIZAÇÃO E O PENSAMENTO NEOLIBERAL 36
2.1 Sistema Capitalista e Neoliberalismo 37
2.2 Sociedade, trabalho e educação 47
2.3 O fracasso escolar e a evolução dos Ciclos no Brasil 52
3 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES HOJE 67
3.1. As Diretrizes Educacionais para os cursos de formação de
professores 67
3.2 A Formação inicial de professores em Educação Física hoje 87
4 TRABALHO DOCENTE E A REALIDADE DOS CICLOS DE FORMAÇÃO
HUMANA 106
4.1 Identidade socioeconômica dos professores 106
4.2 Formação cultural permanente 113
4.3 A formação inicial de professores e sua relação com o modelo de Ciclos
122
4.4 Formação continuada e as novas tarefas educativas no sistema de ciclos
137
4.5 O trabalho da Educação Física na escola em ciclos: motivações e
desafios 144
CONSIDERAÇÕES GERAIS 159
REFERÊNCIAS 166
ANEXO A ROTEIRO PARA DIÁLOGOS INDIVIDUAIS 172
ANEXO B IDENTIFICAÇÃO – Informações iniciais dos professores 175
ANEXO C FORMAÇÃO – Informações acerca da formação 176
ANEXO D TRABALHO – Informações iniciais sobre o trabalho 177
12

1 INTRODUÇÃO

Inicialmente, cabe salientar que este trabalho representa a síntese reflexiva


de uma professora-pesquisadora que acredita nas possibilidades de a educação
promover mudanças substanciais na vida dos indivíduos, na instituição educacional
e na sociedade como um todo. Esta postura parte não só das vivências cotidianas,
mas por entender que o trabalho docente tem a capacidade de modificar o próprio
educador e os educandos quando estes compreendem a realidade – dinâmica e
contraditória – que os cerca e assumem para si o compromisso de modificá-la.
Em segundo lugar, ressaltamos que vivemos em um momento histórico
complexo agravado pela profunda crise que perpassa o modelo capitalista local e
internacional. Crise que tem instituído a ideologia do individualismo e do consumo, a
redução do papel do Estado com enfoque para a subtração dos direitos civis e dos
trabalhadores em particular, em prol da propriedade privada, da despolitização em
massa, entre outros. Se no surgimento do capitalismo o desenrolar da história
parecia obscuro, atualmente, na chamada sociedade da informação vivemos um
grande paradoxo: desde os anos 1970 e 1980 existe um avanço na produção teórica
fundamentada pelo materialismo histórico, jamais visto anteriormente, buscando
revelar os mecanismos da sociedade do capital, suas contradições e perversidade;
mas, ao mesmo tempo, esse conhecimento é desqualificado por uma intensa crise
de aprofundamento teórico, dado que a maior parte dessa produção de
conhecimento é apropriada somente por um grupo reduzido de intelectuais da área
(FRIGOTTO, 2012).
Na educação brasileira, o símbolo desse contexto foi, primeiramente, o
documento preliminar intitulado Pátria Educadora1 que distancia, de forma
escancarada, a educação formal pública do seu papel e função no processo de
humanização do homem, no que se refere aos direitos universais ao conhecimento,
e vincula-se cada vez mais às teorias econômicas e empresariais, fortalecendo a
relação instituição de ensino e mercado. Em segundo, temos, atualmente, o

1
Documento preliminar produzido pelo Governo Federal em julho de 2015 que traça novas diretrizes
para a educação brasileira, em destaque o ensino básico. Disponível em:
https://avaliacaoeducacional.files.wordpress.com/2015/07/federalismo-cooperativo-sistema-nacional-
de-educac3a7c3a3o.pdf. Acessado em 22 de junho de 2016.
13

Programa Escola sem Partido2 e a Proposta de Emenda Constitucional 241/2016 3


que intensificam a precarização da educação e formação acrítica. A formação crítica
e autônoma do sujeito inexiste diante da formação moral e de competências para o
mercado de trabalho. Todo esse cenário pode ser facilmente desvendado pelos
teóricos da educação, da sociologia, da política, entre outros, todavia, a mobilização
coletiva para a mudança ainda é pequena diante das estratégias da estrutura do
capital.
De forma intrigante, o mesmo Governo que publica o documento da Pátria
Educadora, aliado do modelo neoliberal é o mesmo que instituiu políticas (ainda que
insuficientes e transitórias) que possibilitaram uma melhoria da qualidade de vida
dos trabalhadores no quesito da apropriação material (moradia, transporte,
eletrodomésticos, equipamentos tecnológicos, entre outros), acesso ao ensino
superior e diminuição dos níveis de pobreza (ANDERSON, 2011). A situação atual
brasileira, contraditória, pôs em destaque uma classe média assustada que
escancara seu ódio pelo pobre e pede a retomada da ditadura militar como forma de
conter a emersão da camada popular4. Trazer à tona esses elementos é importante,
pois nos certifica e alerta que, na sociedade de exclusão, aqueles que mais têm
oportunidades de acesso ao conhecimento são os que mais têm medo da
construção de uma sociedade justa. Em conjunto com a mídia, a ideologia que anula
qualquer medida que caminhe para ações populares e coletivas chega ao
trabalhador de forma perversa e segregadora distanciando-o de sua própria luta.
Infelizmente, a conjuntura nos mostra que poucos trabalhadores possuem a
2
Projeto de Lei nº 193 de 2016 proposto no Governo de Michel Temer que tomou posse em maio de
2016 após golpe político que resultou no impeachment da presidente Dilma Rousseff. O projeto tem
como centralidade a “neutralidade política, ideológica e religiosa”, destituindo do professor a
possibilidade de ensinar o conhecimento a partir de uma visão crítica. Disponível em:
http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=192259&tp=1. Acesso em: 22 de
novembro de 2016.
3
A Proposta de Emenda Constitucional 241/2016 tem como objetivo limitar despesas com saúde,
educação, assistência social e Previdência, por exemplo, pelos próximos 20 anos. Não aprofundamos
na análise desses documentos originados no governo de Michel Temer dado que o trabalho estava
em fase de finalização, mas consideramos pertinente inserir no corpo do texto como forma de registro
histórico. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/politica/entenda-o-que-esta-em-jogo-com-a-
pec-241. Acesso em: 22 de novembro de 2016.
4
Desde o período anterior às eleições de 2014, a presidente Dilma e o partido político de que advém,
o PT, vêm passando por ataques da oposição fortalecidos pela mídia e classe média brasileira que se
mostraram reacionários e violentos em relação aos que apoiavam a presidente. A candidata foi
reeleita, porém submetida indevidamente ao processo de impeachment concluído em 2016. Mesmo
com as atrocidades que configuraram o golpe político, divulgadas em redes sociais, revistas com
posicionamento político mais crítico, como a Carta Capital, análises de conjuntura de movimentos
sociais e intelectuais da sociedade brasileira, a opressão e ódio contra os pobres foi reforçada e
mantida. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/politica/por-que-tanto-odio.
14

consciência de sua importância histórica e se reconhecem dentro de uma luta de


classes.
Abordando a realidade específica da educação no contexto social, o contato
com outros professores e profissionais que atuam no âmbito educacional, por vezes
nos permite encarar situações de pessimismo político e de dificuldade de pensar
ações coletivas de mudança, o que fortaleceu os questionamentos deste estudo. De
que modo as contradições sociais dificultam ou colaboram para a percepção dos
avanços coletivos dentro de uma sociedade desigual e injusta? Nosso trabalho
contribui a pequenos passos para uma mudança maior, ou contribuímos para a
manutenção desse mundo atual? O que o trabalho do professor de Educação Física
em uma escola de ciclos tem a ver com a nossa sociedade, com a humanização do
homem e com o avanço do sistema escolar? Por fim, como a formação do sujeito-
professor interfere, contribui ou o distancia de um trabalho docente de caráter crítico
na escola? É nesse sentido que a discussão aqui apresentada chama atenção para
o estudo do sujeito-professor em constante formação e também formador,
trabalhador do espaço da escola que também está em movimento e articulado com
a realidade social mais ampla.
Esta pesquisa tem como eixos estruturantes três questões fundamentais: os
Ciclos Escolares, os Professores de Educação Física e o cenário atual do processo
de Formação de Professores. Balizado por esses eixos, esse estudo acerca dos
Ciclos de Formação e Desenvolvimento Humano (CFDH) 5, visa compreender a
relação entre a formação docente e a prática pedagógica dos professores de
escolas públicas municipais de Goiânia, Goiás, organizadas em tempo integral, a
partir de uma perspectiva socialmente circunscrita.
O ponto de partida do estudo teve como referência o trabalho dos professores
de Educação Física no sistema de ciclos com vistas a observar os conflitos, as
contradições e as limitações que ocorrem na prática pedagógica e sua relação com
a formação de professores. O intuito foi levantar as principais problemáticas
presentes na pedagogia escolar relacionando ciclo, escola de tempo integral e a
formação de professores para atuar no contexto já apresentado.
Enquanto objetivos específicos buscamos analisar os ciclos dentro de uma
perspectiva histórico-social, localizando-a em seu contexto social, cultural e político,

5
Proposta de ciclos desenvolvida na Rede Municipal de Educação de Goiânia, Goiás.
15

problematizando os limites e as possibilidades do modelo de escolarização em


questão perante a estrutura social atual; discutir a proposta de ciclos ante seus
aspectos pedagógicos, conceituais, filosóficos e estruturais; entender o processo de
formação de professores na atualidade dentro de sua totalidade situando os
elementos gerais (licenciatura) e específicos (Educação Física); identificar os
conflitos e contradições presentes desde a formação inicial até o trabalho docente,
analisadas a partir de documentos e da realidade concreta.
Em 2012/136, foi desenvolvido um estudo oriundo da nossa participação como
bolsista/pesquisadora no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(PIBID), no qual o subprojeto do curso de Educação Física da Universidade Federal
de Goiás (UFG) previa como objetivo central promover a formação inicial de
professores com base na pesquisa-ação (planejamento-ação-reflexão) “oferecendo
aos acadêmicos instrumentos de pesquisa e de intervenção que assegurem os
processos efetivos de interação com as questões da realidade-escola-trabalho
docente” (UFG, 2009). Ou seja, para além da execução e aplicação de metodologias
em projetos e aulas nas escolas, compunha o trabalho dos bolsistas, a pesquisa,
enquanto forma de aproximação e compreensão do trabalho pedagógico do
professor de Educação Física em sua totalidade. Para isso pressupunha-se o
estabelecimento de “diálogos com os professores do campo educacional com vistas
a compartilhar dos problemas e, sobretudo, atuar junto buscando soluções objetivas
no processo de superação teórico/prático de cada escola envolvida” (Ibid.).
O método escolhido para a pesquisa constituiu-se um espaço formativo de
caráter político que permitia envolver os estudantes de forma orgânica à realidade
escolar. Nesse sentido, orientado pelo método da pesquisa-ação (THIOLLENT,
2008) e do Trabalho Coletivo (DAVID, 1998), cada bolsista obtinha um problema a
ser estudado, que surgia como demanda real dos professores da escola. Após o
momento de pesquisa, o conhecimento era socializado com a comunidade escolar
para que se tivessem instrumentos de construção de ações coletivas para
problemáticas da escola. A pesquisa desenvolvida por mim objetivava compreender
de modo geral os CFDH e identificar, nas escolas, as lacunas, contradições e
conflitos a partir do olhar dos professores de Educação Física. Ao final, foi possível

6
Pesquisa monográfica apresentada à Universidade Federal de Goiás (UFG), sob o título de “Os
ciclos de formação e desenvolvimento humano e a realidade da educação física na escola pública”,
elaborada por Suzane Ribeiro Milhomem (2013).
16

identificar vários conflitos teóricos e metodológicos no que se refere aos CFDH e à


prática pedagógica desses professores. Muitas dessas problemáticas, em certo
sentido, se encontravam ocultas, se tomássemos a relação da formação inicial com
a prática pedagógica dos professores de escolas inseridas no modelo de ciclos
implementado pela prefeitura de Goiânia.
O sistema de ciclos, aos olhos de muitos teóricos e professores, parece mais
como algo que surgiu de uma hora para outra, carregando inúmeros problemas e
transparecendo andar com suas próprias pernas, deixando em paz os projetos
curriculares de formação superior, assim como os demais programas de formação
direcionados aos professores que já atuam no modelo. Poucos professores
apresentavam compreensão dos condicionantes que levaram à constituição dos
ciclos escolares ou mesmo da insistência, por parte do governo, em implementar
políticas de não-retenção nas escolas.
Um dos resultados da pesquisa supracitada foi a identificação de grande
frustração, por parte dos professores, no que se refere ao processo de formação
inicial e formação continuada, configurando, muitas vezes, a inviabilização do
trabalho pedagógico na escola e insatisfação no momento da ação educativa. Foi
denunciado pelos professores pesquisados que boa parte das disciplinas dos cursos
de formação superior e a própria estrutura da Universidade não contribuem com a
nova perspectiva do ciclo, já que não apresentam uma formação adequada e
direcionada para o trabalho pedagógico nesse modelo.
Por se tratar de uma pesquisa que buscou compreender esta realidade de
forma mais articulada e ampla, após a análise dos dados, percebemos a
necessidade de aprofundar a problemática da formação dos professores, com o
intuito de desvelar esses conflitos apresentados e compreender os fatores
fundamentais que permeiam tal realidade educacional.
Portanto, neste estudo atual, não desconsiderando os vários determinantes
que incidem sobre a realidade escolar, definimos que o foco da discussão deveria se
dar em torno da formação do professor enquanto sujeito histórico e, portanto, não
apenas de um sujeito individual que sofre passivamente as consequências de uma
vida comum, oprimida e natural, mas daquele que constrói e participa ativamente da
história humana no sentido transformador.
17

Ao estudar o processo de formação do professor enquanto fenômeno coletivo


e articulado (totalidade) foi necessário perceber e analisar as relações estabelecidas
com a conjuntura social, os interesses de classe e os conflitos econômicos e
políticos que vão incidir na formação dos professores, em específico, os que atuam
no sistema de ciclos.
Milhomem (2013), ao identificar a existência de conflitos entre a formação
superior e a prática dos professores diante da realidade da nova organização
educacional baseada nos CFDH, aponta que os professores demonstram certas
fragilidades teórico-metodológicas atribuídas, por eles, à má formação recebida no
ensino superior, agravando-se mais em virtude do desconhecimento do projeto
curricular de formação quanto às novas exigências dos novos modelos instituídos na
escola no contexto atual. Este quadro nos leva a pensar que os cursos superiores
ainda não se deram conta do modelo de ciclo e que, ao contrário de muitos outros já
propostos, parece-nos que a tendência é de ampliá-lo cada vez mais no país e nos
diferentes sistemas de educação formal e pública.
Por se tratar de algo muito novo, já de imediato se pode perceber que os
conteúdos e as metodologias tradicionais se tornam inaplicáveis neste novo modelo
e a forma de organização dos conhecimentos e a avaliação também perdem o
sentido perante o que se propõe com este novo sistema educacional.
Diante da realidade apresentada e da situação no âmbito da formação de
professores, as discussões trazidas aqui têm como desafio compreender como se
apresenta a formação de professores de Educação Física hoje e sua relação com o
trabalho docente no modelo de ciclos desenvolvidos pela prefeitura municipal de
Goiânia.

1.1 Introdução ao conceito de ciclos

Primeiramente, é necessário ressaltar que o processo de implantação do


sistema de ciclos no Brasil atravessa uma série de medidas e políticas que variam
desde ações pontuais que modificam o fluxo escolar do aluno até mudanças mais
profundas e estruturais que atingem a própria escola.
Nedbajluk (2006) ressalta que, do ponto de vista pedagógico, é possível
perceber uma confusa variedade de denominação de ciclos. Nos documentos
18

oficiais, o termo ciclo vincula-se ao processo avaliativo no que se refere à eliminação


da reprovação do aluno, de forma parcial ou total, objetivando dar continuidade ao
fluxo escolar. Ainda que não exista consenso por parte dos educadores quanto ao
significado e concepções metodológicas e filosóficas dos ciclos, pode-se afirmar que
a concordância se dá em dois aspectos: "a idade biológica como referência para
organizar os alunos e a inexistência da repetência em todos os estágios/etapas, ou
em alguns" (NEDBAJLUK, 2006, p. 249).
Não consideramos, neste trabalho, que políticas de não retenção7 isoladas
sejam diretamente equivalentes ao modelo de ciclos, sendo necessário expor sua
definição para apontar suas influências na formulação de uma proposta de ciclos
mais completa, até porque as consequências dessas políticas vão impactar
diretamente no movimento de aceitação ou negação por parte dos trabalhadores da
escola.
O que é denominado como escola em ciclos, no Brasil, se constitui de formas
diversas, tendo como padrão apenas o objetivo de continuidade do fluxo escolar do
aluno. Sendo assim, neste trabalho os ciclos são entendidos como as propostas de
reestruturação escolar que objetivam romper com o modelo seriado no que se refere
ao currículo, metodologia, tempo e organização escolar, avaliação e objetivos. Como
assinala Freitas (2003, p. 9), essa necessidade de diferenciação conceitual é
oportuna para localizar esses dois modelos entre “a estratégia de ‘organizar a escola
por ciclos de formação que se baseiem em experiências socialmente significativas
para a idade do aluno’ e de ‘agrupar séries com o propósito de garantir progressão
continuada do aluno”. O autor ainda construiu um quadro que destaca alguns
elementos acerca da compreensão e diferenciação entre Progressão Continuada e
Ciclos8.

7
Compreendemos como políticas de não retenção aqueles programas e políticas que objetivam
apenas corrigir a defasagem idade/série, permitindo o fluxo do aluno para a série adequada à sua
idade. Para isso, são adotadas práticas como as salas de aceleração e a retirada da reprovação.
8
Neste trabalho a Progressão Continuada se caracteriza com uma política de não retenção, e não
como uma proposta de ciclos, por isso sentimos a necessidade de referenciá-la no sentido de
perceber a sua relação com o modelo em vigor.
19

Quadro 1 – Dimensões contraditórias de concepções de educação, ciclos e


avaliação
Progressão Continuada Ciclos
Projeto histórico conservador de otimização Projeto histórico transformador das bases
da escola atual, imediatista e que visa o de organização da escola e da
alinhamento da escola às necessidades da sociedade, de médio e longo prazo, que
reestruturação produtiva. atua como resistência e fator de
conscientização, articulado aos
movimentos sociais.
Fragmentação curricular e metodológica, Unidade curricular e metodológica de
que no máximo prevê a articulação artificial estudos em torno de aspectos da vida,
das disciplinas e séries (temas transversais, respeitando as experiências significativas
por exemplo). para a idade (ensino por complexos, por
exemplo).
Conteúdo preferencialmente cognitivo- Desenvolvimento multilateral, baseado
verbal. nas experiências de vida e na prática
social.
Aponta para a alienação, para o Favorece a auto-organização do aluno, o
individualismo do aluno e a subordinação do trabalho coletivo e a cooperação no
professor e do aluno, aprofundando processo, criando mecanismos de
relações de poder verticalizadas na escola horizontalização do poder na escola.
(incluindo a ênfase no papel do diretor e do
especialista).
Treinamento do professor; preparação do Formação do professor em educador.
pedagogo como especialista distinto do
professor (e vice-versa), com fortalecimento
da separação entre o pensar e o fazer no
processo educativo.
Uso de tecnologias para substituir o Subordinação das tecnologias ao
professor e/ou acelerar os tempos de professor, com a finalidade de aumentar
estudo. o tempo destinado pela escola à
formação crítica do aluno.
Sistema excludente e/ou hierarquizador Educação como direito de todos e
(auto-exclusão pela inclusão física na obrigação do Estado.
escola).
Desresponsabilização da escola pelo Educação de tempo integral.
ensino.
Terceirização/privatização.
Retirada da aprovação do âmbito Ênfase na avaliação informal com
profissional do professor, mantendo finalidade formativa e ênfase no coletivo
inalterada a avaliação informal como como condutor do processo educativo.
características classificatórias.
“Avaliação” formal externa do aluno e do Avaliação compreensiva, coletiva e com
professor (de difícil utilização local) como utilização local.
controle.
Avaliação referenciada em conteúdos Avaliação referenciada na formação e no
instrutivos de disciplinas, padronizados em próprio aluno, ante os objetivos da
habilidades e competências. educação e a vida (formação +
instrução).
Fonte: FREITAS, 2003, p. 73-76.
20

Entendemos a progressão continuada como o embrião do modelo de ciclos


mais complexo. Sua estrutura consiste na alteração/eliminação da retenção de
forma total ou parcial ao longo do fluxo escolar. Elementos como currículo,
organização escolar, princípios e normas da instituição, entre outros, permanecem
quase que originais ao sistema seriado. Freitas (2003) registra que essa política
enquadra-se numa concepção conservadora-liberal, sendo a avaliação um
instrumento de controle, dado que sua flexibilização ou extinção está diretamente
vinculada ao objetivo único de ranqueamento escolar no sentido de publicizar o
(falso) desempenho das escolas e dos alunos.
Dentre as propostas de ciclos, temos o desdobramento em outros modelos,
mas apenas dois são os que mais se destacam: os ciclos de aprendizagem e os
ciclos de formação. Só o fato de o modelo de ciclos contrariar a escola seriada e sua
forma de avaliação já deve ser apoiado, pois, “não eliminam a avaliação formal,
muito menos a informal, mas redefinem seu papel e a associam com ações
complementares – reforço ou recuperação paralela, por exemplo” (FREITAS, 2003,
p. 51).
A escola pensada a partir dos ciclos de aprendizagem tem como seu principal
objetivo romper com os tempos e espaços escolares tradicionais no intuito de
respeitar o tempo individual de aprendizagem dos alunos. A escola basicamente se
organiza em tempos plurianuais, podendo variar entre 2 a 4 anos com retenção nos
finais dos ciclos ou não. Para tal, é necessário que a escola estabeleça uma
pedagogia diferenciada, avaliação formativa e percursos diversificados de formação,
com o intuito de neutralizar o fracasso escolar (PERRENOUD, 2004). Segundo
Mainardes (2009, p. 59), “os Ciclos de Aprendizagem evidenciam os aspectos
psicológicos e pedagógicos: o atendimento aos diferentes níveis e ritmos de
aprendizagem dos alunos”, portanto, a sua base teórica mais influente, organizada
pelo autor Perrenoud9 apresenta “formulações [que] são predominantemente
técnico-pedagógicas e utilitaristas” (Ibid., p. 60), com rupturas somente em nível
intra-escolar.

9
A partir de 1994, Philippe Perrenoud se envolveu com a reestruturação do ensino em Genebra, na
Suíça, que mudou para ciclos. Com base nisso, passou a produzir livros e artigos sobre a escola em
ciclos. Dentre suas obras temos: “Construir as Competências desde a Escola” (1999), “Pedagogia
Diferenciada. Das Intenções à Ação” (1999), “Dez novas competências para ensinar” (2000), “As
Competências para Ensinar no Século XXI: A Formação dos Professores e o Desafio da Avaliação”
(2002).
21

Já os ciclos de formação, no qual se insere a proposta10 desenvolvida em


Goiânia, a orientação para organização dos alunos parte dos tempos de vida:
infância (6 a 8 anos), pré-adolescência (9 a 11 anos) e adolescência (12 a 14 anos).
Apesar de, em algumas escolas, a retenção ser adotada ao final de cada ciclo, o
aluno não ficar retido em cada um dos ciclos tem a ver com a necessidade de ir
além do aprendizado de conteúdos escolares, ampliando o processo formativo para
a dimensão sociocultural do aluno.

Os ciclos de formação evidenciam os aspectos antropológicos (as


temporalidades do desenvolvimento humano, a totalidade da
formação humana) e socioculturais (socialização, escola como tempo
de vivência cultural, valorização da cultura e da visão de mundo da
comunidade escolar). De modo geral, esta modalidade de ciclos é
mais complexa que as demais e a sua operacionalização exige uma
reestruturação profunda do sistema escolar, em termos de currículo,
avaliação, metodologias, formação permanente dos professores,
entre outros aspectos (MAINARDES, 2009, p. 62).

Conforme Krug (2002, p. 45),

Nas escolas por Ciclos de Formação, o compromisso é possibilitar a


todas as crianças e adolescentes o acesso ao conhecimento formal.
Para isso, contribuem o conhecimento das fases de formação, a
situação social de desenvolvimento, o contexto cultural e a
concepção de conhecimento.

Nesse sentido, outro aspecto central presente nessas propostas se refere ao


nível da compreensão da relação dialética entre sociedade e educação. Assim, ao
mesmo tempo em que identificam as possibilidades de atuação da escola a partir do
seu papel social específico, reconhecem as influências e contradições sociais que se
reproduzem no interior da escola. Desse modo, sobre “o problema da não
aprendizagem escolar, as abordagens pedagógicas contemporâneas vão entender
que todo o ser humano é capaz de aprender desde que lhe seja assegurada as
condições para isso” (Ibid., p. 26). Essas condições, além de pedagógicas, também
são sociais, e isso não pode passar despercebido. No entendimento das escolas em
ciclos de formação,

10
Houve, no país, experiências escolares denominadas Ciclos de Formação e outras enquanto Ciclos
de Formação e Desenvolvimento Humano. Consideram-se, neste trabalho, as duas enquanto
similares, a partir da análise da forma de organização dos alunos, concepções de educação, de
formação e de currículo.
22

as crianças aprendem o conhecimento formal, quando ensinadas,


mediante a qualidade da intervenção que a escola oportuniza, ou
seja, quando são atendidas nas suas necessidades para aprender,
de reconhecimento do seu desenvolvimento atual, das suas
possibilidades de idade, de tempo para construção de conceitos, de
espaços educativos que atendam suas necessidades específicas, de
conhecimentos que tenham significado para as aprendizagens já
realizadas (KRUG, 2002, p.39).

É dentro desta última concepção de ciclo, deste projeto de escola, que se


enquadra o objeto de estudo analisado nesta pesquisa: a proposta de Ciclos de
Formação e Desenvolvimento Humano organizadas em tempo integral no município
de Goiânia, Goiás.

1.2 Estudos preliminares acerca do modelo de ciclos

A pesquisa realizada anteriormente por Milhomem (2013) permitiu identificar


que parte dos professores que atuam na proposta de ciclos apresenta certa
incompreensão quanto ao modelo referente às dimensões pedagógicas, estrutura e
funcionamento do sistema, bases filosóficas e ideológicas. Até mesmo os
professores que se demonstravam comprometidos e dedicados em materializar o
modelo na realidade escolar esbarravam em conhecimentos do campo específico
dos ciclos ou de sua relação com a educação e a sociedade, no sentido mais
abrangente.
Essa incompreensão por parte dos professores constitui posturas que eles
passam a assumir diante da realidade, da escola e da sua prática docente.

Foi possível identificar os perfis dos professores pesquisados entre


os que negam/rejeitam a proposta, os que aderem de forma cega ao
modelo e os que de fato possuem um comprometimento político.
Constatamos nesse estudo que os dilemas apresentados pelos
professores no âmbito da resistência ao modelo não está colocado
dentro do pensamento crítico, mas por uma postura política de deixar
como está, para frear as transformações, enfim, para ver como fica.
Já os professores que aderem ao modelo transparecem certo vínculo
com uma ação política no sentido de fazer avançar o projeto para
além dos limites da orientação do governo, adotando ações críticas,
inclusive de autocrítica da sua prática de modo a compreender suas
limitações e possibilidades (Ibid., p. 90).
23

Esta observação acerca do posicionamento dos professores não objetiva


identificar culpados, mas colaborar com o processo de problematização da realidade
concreta diante do conjunto de elementos necessários para a concretização do
modelo de ciclos na escola visando a qualidade da educação, dentre elas, a
formação dos professores.
Outro aspecto identificado por Milhomem (2013) gerado pela incompreensão
do sistema e pela resistência por parte dos professores em aderir aos ciclos, é que
tal posicionamento os leva a culpabilizar, de modo geral, o modelo de ciclos pelo
agravamento das desigualdades dentro da escola devido a um fator decisivo, que foi
a retirada da reprovação anual.

[...] parte dos professores que não compartilham com o modelo


apresentam dificuldades para explicar e mesmo entender que os
problemas refletidos na escola decorrem de questões mais profundas
e históricas e que o modelo, no fundo, apenas se propõe adequar ao
tempo presente, portanto visando um reajuste com a realidade
presente no modelo social. Nesse sentido, o ciclo não é uma prática
milagrosa, capaz de superar as contradições da realidade capitalista
atual e nem de superar os conflitos de classes presentes no meio em
que a escola está inserida (Ibid., p. 44).

Essa incompreensão da relação entre desigualdades escolares com os


problemas sociais, políticos e econômicos do modelo societário brasileiro gera
resistência por parte dos professores, que se utilizam de práticas adaptativas e
permanecem reproduzindo o ideário do modelo seriado. Cabe ressaltar, todavia, que
a identificação da resistência não é a única dificuldade, pois até os professores que
se comprometem politicamente com o sentido progressista dos ciclos encontram-se
com dificuldades de realizar a proposta. O processo educacional fragmentado está
enraizado no cotidiano e na prática dos professores. A maioria dos professores
advém de uma educação básica inserida no modelo seriado e, ao se deparar com o
modelo de ciclos, não consegue desvincular-se da visão fragmentada, individualista
e descontextualizada do modelo anterior.
Destarte, ao se pensar nos vários fatores que constituem o processo
educacional, um deles exige atenção especial: a formação de profissionais com
qualidade pedagógica e competência crítica para lidar com a complexidade do
processo educativo e, ao mesmo tempo, saber lidar com as inter-relações presentes
24

no cotidiano do ensino e da aprendizagem dos alunos dentro do processo de


escolarização.
Em relação às produções teóricas, Mainardes (2006) realizou um estudo
contemplando as produções sobre ciclos no Brasil entre 1987 e 2004 em que
identificou um total de 147 textos, sendo 37 dissertações e teses, 10 livros, 38
capítulos de livros e 62 artigos. O autor organizou os textos a partir de cinco
categorias: discussão de aspectos teóricos referentes à escola em ciclos (67 textos),
geração e formulação de políticas (30 textos), implementação de políticas (27
textos), resultados das políticas e impacto no desempenho de alunos (20 textos) e
revisão de literatura (3 textos).
Mais recentemente, Stremel e Mainardes (2014) realizaram um levantamento
de teses e dissertações sobre a organização da escolaridade em ciclos no Brasil que
foram desenvolvidas entre os anos 2000 a 2013. Os autores realizam uma
categorização dessas produções e, ainda que informem que algumas poderiam ser
incluídas em mais de uma categoria, o quadro se configura da seguinte forma:

Quadro 2 – Categorização de teses e dissertações sobre a organização da


escolaridade em ciclos no Brasil (2000 a 2013)
Categoria Quantidade
Processos de ensino-aprendizagem na escola em ciclos (escola e
1 48
sala de aula)
2 Implementação de políticas de ciclos 40
3 Avaliação da aprendizagem dos alunos 37
4 Opinião de professores, pais e alunos 25
5 Ciclos e questões curriculares 28
6 Organização do trabalho pedagógico na escola em ciclos 15
7 Concepção e formulação de política de ciclos 10
Impacto no processo de aprendizagem e análise do desempenho
8 11
de alunos – ciclos
A política de ciclos e seus fundamentos (psicológicos, filosóficos,
9 10
históricos, sociológicos)
10 Ciclos e formação continuada 12
11 Ciclos: impacto sobre o trabalho docente 9
12 Ciclos e gestão 6
13 Ciclos e relação inclusiva 3
14 Ciclos e relação família-escola 2
15 Ciclos e seriação 3
16 Ciclos e formação inicial de professores 1
17 Política de ciclos – análise comparada 1
Total 261
Fonte: STREMEL e MAINARDES, 2014.
25

Embora todas essas categorias sejam pertinentes para o estudo acerca dos
ciclos, pode-se destacar que os itens que se relacionam com a presente temática de
estudo encontram-se pouco explorados. Na análise de Mainardes, em 2006, nem se
identificou o tema específico da formação de professores e trabalho docente para o
modelo de ciclos. Houve uma preocupação com os processos de implantação e
implementação do modelo e as bases que orientavam a proposta assim como com
os resultados do desempenho dos alunos.
Quanto ao segundo levantamento, destacam-se os itens 10, 11 e 16 (total de
22 trabalhos), para apontar que, de 261 produções, entre dissertações e teses,
produzidas no Brasil, apenas 4,6% (12 trabalhos) abordam sobre Ciclos e formação
continuada; 3,83% (9 trabalhos) tratam de Ciclos: impacto sobre o trabalho docente
e apenas 0,38% (1 trabalho) tem como objeto de pesquisa os Ciclos e a formação
inicial de professores. Se, por um lado, pode-se afirmar que houve um aumento de
interesse sobre o tema da formação de professores para os ciclos e o trabalho
docente diante desse modelo, por outro, ainda se configura como uma área
incipiente do ponto de vista de produções científicas.
Ao analisar os resumos das dissertações e teses inseridas nas categorias que
tratam do professor, a maior parte dos trabalhos se volta para a análise de contextos
específicos, possivelmente pela variedade de propostas escolares em ciclos
desenvolvidas no Brasil, sendo o objetivo das pesquisas caracterizar ou explicitar o
andamento dessas políticas de um determinado projeto de ciclo ou de projeto de
formação de professor para o ciclo. Mesmo assim, apenas uma retrata o contexto de
Goiânia.
As pesquisas que realizam o trabalho de mostrar o desenvolvimento de uma
proposta são fundamentais, mas existe a igual necessidade de trabalhos que
relacionem essas problemáticas com contextos mais amplos e com relações mais
complexas. Pela análise dos resumos, não houve qualquer trabalho que se dispôs
claramente a esse objetivo.
Em relação aos ciclos e à Educação Física, dentre as 261 dissertações,
apenas sete abordam essa área, desenvolvendo temas como currículo, organização
do trabalho pedagógico e prática pedagógica, porém não adentram à temática
particular da formação de professores.
26

Diante desses dados, constatamos a necessidade de investigar mais


profundamente a formação do professor de Educação Física que atua nesse sistema
escolar para ampliar o debate nessa área.
A hipótese desse estudo é de que o sistema de ciclos, em sua compreensão
mais ampla, possibilita avanços nos processos de aprendizado do aluno e de
formação humana que englobam a técnica, a ciência, a cultura, a sociedade, a
política, a história, a psicologia e as relações sociais. Como consequência disto,
pode se cogitar que os espaços formativos se tornam inadequados, na medida em
que existem novas demandas e necessidades de outra formação dos trabalhadores
da educação que transcendem as necessidades postas pela lógica do mercado e
das competências imediatas do cotidiano.
É nesse sentido que a formação deveria ser reorientada e reorganizada para
dar condições de formar professores críticos que, além dos conhecimentos
específicos e da base teórica fundamental para sua ação, fossem capazes de
estabelecer relações desse conhecimento com a realidade concreta da escola,
compreendessem a relação entre educação e sociedade, as contradições e conflitos
da escola e as limitações e possibilidades de sua prática social.
Para tanto, é preciso compreender que “o adulto educador também é visto
como ser humano em desenvolvimento” (LIMA, 1998/2001/2002, p. 27) e, portanto,
o enfoque na formação desse professor precisa ser significante. Entende-se na
formação profissional como “uma trajetória de formação de indivíduos,
intencionalmente planejada, para a efetivação de determinada prática social”
(MARTINS, 2010, p.14). Assim, a prática para a qual esse indivíduo é formado pode
ser tanto no sentido de transformação social quanto de reprodução da lógica
hegemônica.

Não há prática educativa, como de resto nenhuma prática, que


escape a limites. Limites ideológicos, epistemológicos, políticos,
econômicos, culturais. [...] Esta afirmação recusa, de um lado, o
otimismo ingênuo que tem na educação a chave das transformações
sociais, a solução de todos os problemas; de outro, o pessimismo
igualmente acrítico e mecanicista de acordo com o qual a educação,
enquanto supra-estrutura, só pode algo depois das transformações
infra-estruturais (FREIRE, 2001, p. 47).
27

A formação do professor é algo necessário e de caráter permanente que deve


ir além de capacitá-los com conhecimentos técnicos e utilitaristas ou de soluções
imediatas do cotidiano escolar. Deve ter como base a ampliação da consciência
desse professor sobre o seu papel diante da realidade social para que suas ações
estejam comprometidas com mudanças e transformações que almejem uma
educação pública de qualidade. Dessa maneira,

a primeira condição para que um ser possa assumir um ato


comprometido está em ser capaz de agir e refletir. [...] É preciso que
seja capaz de, estando no mundo, saber-se nele. Saber que, se a
forma pela qual está no mundo condiciona a sua consciência desse
estar, é capaz, sem dúvida, de ter consciência dessa consciência
condicionada (FREIRE, 1979a, p. 7).

O sistema econômico atual passa por um processo de reestruturação do


modelo produtivo social e isto tem desencadeado a precarização da educação
pública no país em diferentes níveis. Isso resulta em impactos profundos na
desvalorização do trabalho docente, desestruturação da escola, terceirização da
educação, fragmentação e aligeiramento da formação dos professores e
implementação de projetos governamentais que “incham” a escola pública
desviando seu adequado foco educacional.
É dentro desse contexto que o ciclo se instala e dessa nova concepção de
ensino, novas competências e ações são exigidas dos professores. O professor,
sujeito concreto da realidade objetiva, se depara, ainda, com outras limitações,
dentre elas: o processo de formação inicial que supostamente não permite a
aproximação e compreensão de concepções que embasam a proposta, a forma
arbitrária em que se realizou o processo de implantação de ciclos e os espaços de
formação continuada que foram concentrados apenas no processo inicial de
implantação e, portanto, não acompanhou as mudanças e as necessidades
pedagógicas (MILHOMEM, 2013).
Em face das dificuldades enfrentadas, a solução imediata dos professores é a
retomada de procedimentos e posturas vinculadas ao modelo anterior, fragmentando
a proposta de ciclos na escola, com a adesão apenas em parte, gerando, assim, a
desestruturação de sua concepção mais ampla. Um dos motivos para o retorno
dessas práticas escolares pode se dar principalmente pela dificuldade dos
professores e da escola, de modo geral, de compreender o núcleo fundante desse
28

projeto de formação, de se apropriar das concepções e de realizar a proposta de


ciclos.

1.3 Os procedimentos metodológicos de aproximação da realidade

Este estudo tem como pano de fundo metodológico o processo de


investigação e de análise baseado na pesquisa qualitativa, orientada segundo a
concepção histórico-social ou materialismo histórico dialético, objetivando
compreender a realidade dos ciclos de escolarização e a formação de professores
diante das novas demandas educativas e a prática pedagógica dos professores de
Educação Física na escola.
O enfoque da investigação está no estudo da relação entre a formação inicial
e as dificuldades, deficiências ou capacidades adquiridas que se manifestam na
prática dos professores nas escolas organizadas em ciclos.
O ponto de partida foram diagnósticos empíricos que objetivaram buscar a
realidade, pelo olhar dos professores de Educação Física que atuam no modelo de
ciclos em escolas de tempo integral, tendo, como referência, a sua capacidade
docente. A escolha pela escola de tempo integral ocorre em razão da ideia de que
esta nova configuração do sistema escolar possibilita maiores subsídios para a
materialização de uma nova qualidade do ensino escolar e, consequentemente,
impõem novas exigências no projeto de formação superior no âmbito das
licenciaturas.
A identificação das problemáticas geradas no campo a ser investigado se
constituiu em elemento fundamental da pesquisa dentro da perspectiva dialética na
qual se buscou relacionar formação e prática docente na escola, segundo a
concepção da totalidade histórico-social. Esse movimento de ida e volta está
fundamentado pela necessidade crítica de superar as primeiras impressões da
realidade enquanto aparência do fenômeno para se aproximar, da melhor forma
possível, da sua natureza essencial. A aparência não é o oposto da essência, não
coincidem, mas não se excluem.

O fenômeno não é radicalmente diferente da essência e a essência


não é uma realidade pertencente a uma ordem diversa da do
fenômeno. Se assim fosse efetivamente, o fenômeno não se ligaria à
essência através de uma relação íntima, não poderia manifestá-la e
29

ao mesmo tempo escondê-la, a sua relação seria reciprocamente


externa e indiferente. Captar o fenômeno de determinada coisa
significa indagar e descrever como a coisa em si se manifesta
naquele fenômeno, e como ao mesmo tempo nele se esconde.
Compreender o fenômeno é atingir a essência (KOSIK, 1976, p. 12).

Todavia, a análise crítica do fenômeno deve ser realizada incorporando a


dimensão histórico-social dos fatos, abarcando as questões políticas, econômicas,
culturais, educacionais, sociais e históricas que envolvem os problemas da formação
de professores dentro do contexto já especificado. Nessa perspectiva de pesquisa,

[...] todo fenômeno deve ser entendido como parte de um processo


histórico maior. No caso da educação, suas transformações estão
relacionadas com as transformações culturais e sociais. [...] As
visões não-críticas dispensam ou ignoram a relação da educação
com a sociedade e buscam sua explicação no interior do próprio
fenômeno escolar” (GAMBOA, 2007, p. 115–116).

Nesse mesmo sentido, David (1998, p. 2) aponta que, na pesquisa, os


problemas a serem identificados “devem ser extraídos das situações objetivas
presentes no coletivo dos professores, de suas necessidades específicas, dos
conhecimentos que eles possuem sobre o tema gerador ou um problema que
precisa ser solucionado”. Desse modo, o intuito da pesquisa é de que os sujeitos
pesquisados participem do processo, das construções e reflexões sobre essa
realidade investigada. A interação entre os sujeitos da pesquisa e a pesquisadora é
um aspecto importante para a constituição da relevância do estudo da realidade
pesquisada, contribuindo na construção de elementos pedagógicos direcionados à
prática da Educação Física no modelo de ciclos de formação.

Qualquer ato de intervenção exige do pesquisador a sua interação ao


próprio processo investigatório visando construir objetivamente, junto
com os atores sociais envolvidos, a apropriação de instrumentos e
metodologias que auxiliem pensar a prática a partir dos seus
problemas e de suas possibilidades concretas (DAVID, 1998, p. 1).

A finalidade não é de se pautar ações aos sujeitos envolvidos na pesquisa,


mas de considerar as possibilidades concretas dos sujeitos, por estarem inseridos
ativamente no processo investigatório, de se reconhecerem no resultado da
pesquisa transformando-a em um instrumento a ser utilizado nos processos de
formação e qualificação do grupo envolvido e de fato seja uma pesquisa de
30

relevância social, “assim, pesquisa se converterá num instrumento eficiente para a


ação inovadora ou transformadora da educação” (GAMBOA, 2007, p. 120).
Como instrumento metodológico, foram estabelecidos diálogos com os
professores de Educação Física das escolas municipais de tempo integral da cidade
de Goiânia. Inicialmente, o projeto da pesquisa previa que esses diálogos fossem
realizados em dois momentos: primeiro, individualmente, por meio de uma conversa
pesquisador-professor, e, num segundo momento, de conversas entre os
professores para se debater questões mais abrangentes da formação e do
trabalho11.
Os diálogos foram construídos tendo em conta duas perspectivas: os contatos
individuais e coletivos, que ocorreram de forma espontânea ou planejada. A
concepção de diálogo na pesquisa é importante para superar a noção de entrevista
a partir da relação de perguntas e respostas entre pesquisador e pesquisado. Ao se
estabelecer um diálogo com o professor, o modelo utilizado, além de seguir um
plano orientador de comunicação, assegurava ao pesquisador dar o foco, destaque
ou ênfase ao que emergia da fala do professor, ainda que não lhe parecesse útil em
primeiro momento. Com o auxílio de um roteiro de perguntas a conversa permitia
que todas as mesmas questões fossem discutidas com todos os professores sem
engessar o procedimento. Cabe ressaltar que, no intuito de preservar o anonimato
dos participantes deste estudo, os mesmos serão identificados pela palavra
“Professor” seguida de um numeral, por exemplo, Professor 1.
O processo de pesquisa deve estar vinculado politicamente à realidade social,
e, nesse sentido, as escolhas metodológicas aqui adotadas pretenderam contribuir
com a conscientização (e, se possível, com a práxis) desses professores em relação
à temática debatida. Segundo Paulo Freire (1979b, p. 15):

A conscientização implica, pois, que ultrapassemos a esfera


espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a uma
esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na
qual o homem assume uma posição epistemológica. A
conscientização é, neste sentido, um teste de realidade. Quanto mais
conscientização, mais se “desvela” a realidade, mais se penetra na
essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para

11
Cabe destacar que estes espaços se tornaram formativos e muito importantes, no entanto, o
segundo momento contou com a participação de somente dois professores, deixando algumas
questões em aberto, mas levantando outros pontos em relação à pesquisa, à formação e ao trabalho
do professor.
31

analisá-lo. Por esta mesma razão, a conscientização não consiste


em “estar frente à realidade” assumindo uma posição falsamente
intelectual. A conscientização não pode existir fora da “práxis”, ou
melhor, sem o ato ação – reflexão. Esta unidade dialética constitui,
de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo
que caracteriza os homens.

Diante desta compreensão, a proposição de espaços de diálogo nessa


pesquisa permitiu que os sujeitos pesquisados pudessem transitar entre o
conhecimento adquirido e a sua prática cotidiana, e, assim, refletirem sobre seu
trabalho e seus processos formativos. Deste modo, o exercício do diálogo assume,
nesta pesquisa, uma dupla dimensão: contribuir para o levantamento de informações
sobre a realidade, mas, também, estabelecer com os professores um momento de
conversa, exposição e discussão das problemáticas educacionais. A concepção de
diálogo defendida nesta pesquisa parte do entendimento de que

o verdadeiro diálogo não pode existir se os que dialogam não se


comprometem com o pensamento crítico; pensamento que, não
aceitando a dicotomia mundo – homens, reconhece entre eles uma
inquebrantável solidariedade; pensamento que percebe a realidade
como um processo de evolução, de transformação, e não como uma
entidade estática; pensamento que não se separa da ação, mas que
se submerge, sem cessar, na temporalidade, sem medo dos riscos
(FREIRE, 1979b, p. 43).

Não devemos assumir uma postura ingênua de pensar que todos os


professores que participaram desta pesquisa se colocaram plenamente conscientes
e críticos a respeito do mundo social ou de sua própria realidade educacional,
contudo, esse processo aqui organizado pode provocar ou inquietar esses sujeitos
para o pensamento crítico no que se refere à sua prática ou do lugar que ocupa a
sua atividade docente dentro da escola.
A coleta de dados se ateve aos diálogos com os professores, por isso, não
considerando dados referentes à instituição escola. A seleção dos sujeitos se
realizou a partir das escolas e se deu pela tentativa estratégica de abranger um
número significativo de professores com realidades diversas sobre as experiências
educacionais.
A hipótese desta estratégia de trabalho investigativo-participante, ou trabalho
coletivo de construção da realidade é de que os diálogos são procedimentos
importantes para saltos qualitativos dos professores, tanto para avaliar a sua prática,
32

como da formação docente. Entendemos, igualmente, que a disponibilização da


pesquisa aos professores faz parte do processo formativo para que eles se
reconheçam no processo histórico e reconstruam e fortaleçam suas ações no campo
educacional para a qualidade da educação.
Sobre o levantamento de problemáticas analisadas nesta pesquisa, Minayo
(2009) aponta que:

[...] nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido,


em primeiro lugar, um problema da vida prática. As questões da
investigação estão, portanto, relacionadas a interesses e
circunstâncias socialmente condicionadas. São frutos de
determinada inserção no real, nele encontrando suas razões e seus
objetivos. Toda investigação se inicia por um problema com uma
questão, com uma dúvida ou com uma pergunta, articuladas a
conhecimentos anteriores, mas que também podem demandar
criações de novos referenciais (MINAYO, 2009, p. 17 - 18 – grifos da
autora).

Com isso, os momentos de diálogo se constituíram em processos de fazer


emergir questões sobre a realidade social dos professores, suas inquietações e
necessidades, transformando estes conflitos em possibilidades de levá-los a ações
de mudança.
Ato contínuo ao processo de pesquisa empírica foi realizado o estudo acerca
de diferentes teorias sobre a formação de professores, formação em Educação
Física e o modelo de ciclos educacionais, segundo uma visão crítica de educação. A
apropriação teórica teve o objetivo de aprofundar conhecimentos teórico-
metodológicos dentro de certas abordagens que assegurassem, ao pesquisador, a
possibilidade de analisar problemáticas da formação identificadas nos diálogos, a
partir do sentido de totalidade histórico-social. A totalidade, como afirma Kosik
(1976, p. 36 – grifos do autor) não significa compreender tudo para “captar e exaurir
todos os aspectos, caracteres, propriedades, relações e processos da realidade”. O
autor considera, ainda, que o

princípio metodológico da investigação dialética da realidade social é


o ponto de vista da totalidade concreta, que antes de tudo significa
que cada fenômeno pode ser compreendido como momento do todo.
Um fenômeno social é um fato histórico na medida em que é
examinado como momento de um determinado todo; desempenha,
portanto, uma função dupla, a única capaz de dele fazer
efetivamente um fato histórico; de um lado, definir a si mesmo, e de
33

outro, definir o todo; ser ao mesmo tempo produtor e produto; ser


revelador e ao mesmo tempo determinado; ser revelador e ao
mesmo tempo decifrar a si mesmo; conquistar o próprio significado
autêntico e ao mesmo tempo conferir um sentido a algo mais. Esta
recíproca conexão e mediação da parte e do todo significam a um só
tempo: os fatos isolados são abstrações, são momentos
artificiosamente separados do todo, os quais só quando inseridos no
todo correspondente adquirem verdade e concreticidade. Do mesmo
modo, o todo de que não foram diferenciados e determinados os
momentos é um todo abstrato e vazio (KOSIK, 1976, p. 40-41, grifos
do autor).

Trata-se, portanto, de uma concepção que servirá de suporte para a análise


da realidade da educação, organização da escola, prática dos professores e
formação. A análise dos documentos não se configura como elemento central nesta
pesquisa, mas como forma de apontar mais aspectos que permeiam a prática
pedagógica e sua relação com a formação de professores, não no sentido de uma
mera classificação e ordenamento a partir das opiniões dos informantes, mas de
uma busca de sentidos diante dos fundamentos da base teórica quanto às
contribuições e expectativas dos sujeitos da pesquisa.
Para a realização dos diálogos partimos de duas pré-categorias: Formação e
Trabalho. No tratamento dos dados empíricos, conceituais, documental e teórico,
foram delineadas algumas categorias de análise com base nos diálogos transcritos.

A definição da natureza das categorias, de seu lugar e de seu papel,


no desenvolvimento do conhecimento está diretamente ligada à
resolução do problema da correlação entre o particular e o geral na
realidade objetiva e na consciência, assim como à colocação em
evidência da origem das essências ideais e da relação dessas
últimas com as formações materiais, com os fenômenos da realidade
objetiva (CHEPTULIN, 2004, p. 5).

Neste estudo, as categorias de análise são os conteúdos declarados ou


anunciados a partir das falas dos professores no que tange à sua prática social.
Nelas se procurou estabelecer uma relação entre o geral e o particular na
constituição dessas categorias, pois, “[...] as categorias de partida, na análise das
categorias, devem ser aquelas que refletem o fator fundamental e determinado do
desenvolvimento do conhecimento, isto é, as categorias da prática” (Ibid., p. 60).
Do ponto de vista do materialismo histórico, o pensamento dialético
compreende o movimento espiralado do conhecimento humano, “no qual todos os
34

conceitos entram em movimento recíproco e se elucidam mutuamente [...] não é


uma sistematização de conceitos que procede por soma” (KOSIK, 1976, p. 41-42).
Recorremos às categorias e princípios da dialética como fundamentos
importantes de análise ao compreender que o conhecimento mais amplo envolve

o conhecimento das propriedades e das conexões universais da


realidade, que se exprimem nas categorias filosóficas, [pois] é
absolutamente indispensável ao homem para sua orientação, para
que possa determinar as vias que lhe permitirão resolver as tarefas
práticas que surgem no processo de desenvolvimento da sociedade
(CHEPTULIN, 2004, p. 1).

O processo de constituição das categorias de análise desta pesquisa


decorreu dos dados extraídos do processo de pesquisa. “As categorias, que são
noções gerais, não existem antes das coisas singulares, mas são, pelo contrário, o
resultado do conhecimento destas, assim como o reflexo das propriedades e das
relações que lhes são próprias” (ARISTÓTELES apud CHEPTULIN, 2004, p. 6).
Este estudo está dividido em três partes, ao longo das quais foi exposta uma
nova síntese acerca da formação de professores dentro do modelo de ciclos,
apontando os conflitos e as contradições existentes, bem como as possibilidades de
ações objetivando a superação e transformação da realidade social.
Na primeira parte, que constitui o capítulo 2 e está intitulada “Os ciclos de
escolarização e o pensamento neoliberal”, apresentamos o contexto mais amplo
estabelecendo relações entre sociedade, trabalho e educação, evidenciando a
gênese da escola de ciclos com o modelo social pensado a partir da totalidade
sócio-histórica e de sua articulação com os sistemas educacionais. Neste capítulo
será discutido, ainda, o trabalho do professor de Educação Física no contexto
educacional organizado por ciclos.
No capítulo 3, denominado “A formação de professores hoje”, serão tratadas
algumas abordagens, ainda que genéricas, das políticas de formação de professores
de forma geral (licenciatura) e específica (Educação Física).
No capítulo 4, “Trabalho docente e a realidade dos ciclos de formação
humana”, será discutida a relação entre trabalho e formação. Serão demonstrados o
perfil da organização em ciclos e as análises dos dados coletados, visando desvelar
os possíveis conflitos, contradições, rupturas e/ou estranhamentos entre o lugar de
35

trabalho e o lugar de formação do professor de Educação Física que desenvolve


suas atividades na escola de ciclos e de tempo integral.
Por último, temos as “Considerações Gerais”, em que serão tecidas as
reflexões, certos apontamentos e algumas posições da pesquisadora relativas ao
estudo realizado.
36

2 OS CICLOS DE ESCOLARIZAÇÃO E O PENSAMENTO NEOLIBERAL

Este capítulo propõe identificar alguns elementos da conjuntura social, política


e econômica que auxiliam na leitura e na compreensão dos ciclos em uma
perspectiva de totalidade histórico-social. Isto significa dizer que os fenômenos
sociais não estão desarticulados da educação e nem podem ser analisados de
forma isolada, dada à multiplicidade de determinantes e fatores que o constituem.
Diante disto, pode-se afirmar que a inserção do modelo de ciclos enquanto
proposta escolar e as suas características predominantes não surgem ao acaso,
existe um panorama ao qual se relaciona e que o determina. Contudo, não se pode
esquecer que a nossa sociedade apresenta traços contraditórios e, assim, não se
deve analisar esses elementos numa simples relação de causa e efeito sem
considerar os avanços dentro da dinâmica social e a própria ação dos sujeitos na
vida social diante dessas mudanças e transformações.
É fundamental evidenciar os elementos históricos e sociais – sujeitos,
correlação de forças e acontecimentos importantes (SOUZA, 2014) – que são pano
de fundo para a compreensão da configuração da proposta de ciclos, assim como os
conceitos e categorias que sustentam o funcionamento desse modelo escolar na
sociedade, dada a estrutura socioeconômica atual. A necessidade e interesse, já
evidenciados na introdução deste trabalho, são importantes de serem retomados,
pois compreender a formação de professores de Educação Física que atuam em
escolas organizadas em ciclos e em tempo integral, significa, também, retomar e
evidenciar o cenário em que se encontram esses sujeitos (professores de Educação
Física na sociedade capitalista), como se conformam junto aos acontecimentos
sociais (mudanças da configuração escolar e sistema educacional) e quais as
implicações mediante a correlação de forças existentes na nossa sociedade
(formação do professor e a relação com o trabalho docente no contexto).
Queremos destacar que o modelo político tem atuado objetivamente com a
questão das reformas educacionais contemporâneas, no Brasil e no mundo. No
nosso caso, o modelo político neoliberal, sua estrutura, implicações e contradições
estabelecem relações diretas entre Educação-Estado e Sociedade e, como
consequências, apresentam propostas que se ajustam a este modelo, dentre ele, o
modelo de ciclos na educação.
37

2.1 Sistema Capitalista e Neoliberalismo

O Brasil, desde a proclamação da República, jaz imerso ao modo de


produção e organização social capitalista. Já passou por várias etapas deste modelo
e agora vive sua fase mais agressiva, tendo em vista que, além de associar-se ao
pensamento neoliberal, está submetido às determinações do modo de
reestruturação produtiva dentro do processo de globalização econômica mundial.
Isso implica dizer, primeiramente, que existe uma disputa de interesses entre
classes antagônicas distintas: a burguesia e os trabalhadores, e, num grau
estrutural, na base produtiva, no profundo conflito entre capital e trabalho. Mesmo
que as diferenças entre classes e diversas formas de subordinação e hierarquias
tenham existido em modelos de sociedades anteriores, o modo capitalista simplificou
esses antagonismos em duas grandes classes que se enfrentam diretamente: a
classe que possui os meios de produção e a que vende sua força de trabalho, a que
domina e a que é dominada, a que explora e a que é explorada (MARX; ENGELS,
2008).
A ascensão e domínio da burguesia em contraposição ao feudalismo
trouxeram, para a história da humanidade, profundas transformações. Inicialmente,
tratava-se da busca da igualdade e liberdade dos indivíduos, mas que se converte,
agora, em uma corrida desenfreada pela expansão e acumulação de capital,
mediante a superexploração do trabalho dentro da lógica do mercado e do livre
comércio de mercadorias e do consumo.
Segundo Mészáros (2011), o capital, nas sociedades pré-capitalistas, estava
subordinado ao “valor de uso12” e se estabelecia uma relação de autossuficiência
entre a produção material e o seu controle. Diante das rupturas paradigmáticas que
se deram no início da era moderna, há uma abertura para a implantação da
ideologia burguesa que alteraria profundamente as formas de relação de produção,
concepção de sociedade e indivíduo, poder e política.

Ao se livrar das restrições subjetivas e objetivas da autossuficiência,


o capital se transforma no mais dinâmico e mais competente extrator
do trabalho excedente em toda a história. Além do mais, as

12
“Todo o produto do trabalho humano deve ter, normalmente, uma utilidade, deve poder satisfazer
uma necessidade humana. Portanto, todo o produto do trabalho humano possui um valor de uso”
(MANDEL, 2006, p. 14).
38

restrições objetivas e subjetivas da autossuficiência são eliminadas


de uma forma inteiramente reificada, com todas as mistificações
inerentes à noção de “trabalho livre contratual” (Ibid., p.102 – grifos
do autor).

A ruptura com essa autossuficiência articulada às mudanças de padrões


culturais no que se refere à propriedade, à herança e ao poder, juntamente à
reclusão do aspecto religioso e à organização político-social, representam algumas
das condições favoráveis para a consolidação da burguesia como classe dominante.
Com isso, todas as formas de relações sociais e de produção da vida e da
sociedade (sistema educacional e, inclusive, a escola em ciclos hoje) estão
contaminadas pelo domínio do capital, norteadas pelos princípios da
superexploração do trabalho humano, do individualismo, do produtivismo, do fetiche
e do consumo.
A referência ao modo de produção econômica no qual a sociedade está
organizada é importante, pois o sistema econômico não é uma estrutura isolada na
sociedade, ele compõe uma das dimensões da produção do próprio homem e se
estrutura em elementos que se conectam e interagem diretamente de modo que a
mudança em um, gera mudança nos demais.

Por isso, compreende nele três elementos essenciais, em geral


considerados isoladamente por seus críticos: a) as forças materiais
de produção (as forças naturais e os instrumentos de produção como
máquinas, técnicas, invenções etc.); b) um sistema de relações
sociais, que definem a posição relativa de cada indivíduo na
sociedade através de seu status econômico; c) um sistema de
padrões de comportamento, de que depende a preservação ou
transformação da estrutura social existente (FERNANDES, 2008, p.
34).

Para Florestan Fernandes (2008), Marx, ao analisar a sociedade europeia


ocidental, identifica que, em relação a essas três dimensões do modo de produção
econômica, a sociedade burguesa tem como predominante o primeiro item, que se
constitui como base material do modo de produção capitalista. Ou seja, por mais que
haja uma relação entre esses elementos, na sociedade capitalista, se sobressai a
influência dos meios de produção na constituição das relações sociais e nos padrões
de comportamento. É nesse sentido que Marx (2008) afirma:
[...] na produção social da própria existência, os homens entram em
relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade;
39

essas relações de produção correspondem a um grau determinado


de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade
dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da
sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura
jurídica e política e à qual correspondem formas determinadas de
consciência (MARX, 2008, p. 47).

O homem, enquanto ser social, produz a sua existência a partir das formas de
produção material da vida. Assim, o modo de produção capitalista hegemônico, além
de definir as estruturas econômicas da produção material, define a consciência dos
homens e seu comportamento. Auxiliado pela base jurídica e política, o Estado,
enquanto mediador dos antagonismos existentes, busca manter as condições
necessárias para a reprodução da lógica do capital.

O Estado moderno, altamente burocratizado, com toda a


complexidade do seu maquinário legal e político, surge da absoluta
necessidade material da ordem sociometabólica do capital e depois,
por sua vez – na forma de uma reciprocidade dialética – torna-se
uma precondição essencial para a subseqüente articulação de todo o
conjunto. Isso significa que o Estado se afirma como pré-requisito
indispensável para o funcionamento permanente do sistema do
capital, em seu microcosmo e nas interações das unidades
particulares de produção entre si, afetando intensamente tudo, desde
os intercâmbios locais mais imediatos até os de nível mais mediato e
abrangente (MÉSZÁROS, 2011, p.108-109).

Como na sociedade capitalista as forças produtivas materiais estão sob


domínio da elite burguesa, aos trabalhadores resta a opção de submeter a sua força
de trabalho às condições exploratórias para que consigam minimamente subsistir
enquanto seres humanos. Marx (2008) salienta que nessa relação de conflito de
interesses, em determinado momento a força que orienta a produção material social
(no capitalismo é a expansão e acumulação) se confronta com a própria
necessidade de produção material de existência humana que, porventura, se coloca
como entrave para o desenvolvimento das forças produtivas materiais, assim, “as
forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam, ao
mesmo tempo, as condições materiais para resolver esses antagonismos” (MARX,
2008, p. 48).
O sistema capitalista, por conta das contradições criadas por ele próprio,
instaura a necessidade de sua abolição e superação, pois os problemas dessa
estrutura não são exteriores, mas intrínsecos a ela (MÉSZÁROS, 2011). Algumas
40

imposições para seu funcionamento como excedente de força de trabalho para


reserva de mercado, pobreza dos trabalhadores para o acúmulo de riqueza pelos
capitalistas, o distanciamento entre a produção material e sua apropriação pela
classe trabalhadora e a maior delas, a própria criação da classe trabalhadora, todas
essas contradições possibilitam a formação da consciência revolucionária do
trabalhador que não poderia existir sem esses antagonismos já que, enquanto
humanos, são “dotados de consciência e de vontade, capazes de modificar,
inclusive, a natureza e de orientar a sua ação em direções socialmente
determinadas” (FERNANDES, 2008, p. 23).
Essa compreensão de homem é fundamental no entendimento da sociedade,
pois coloca o sentido de humanidade e seu desenvolvimento em outro patamar, ou
seja, enquanto histórico, desvinculando-o da visão naturalizada que é imposta pela
compreensão burguesa.
O conjunto de fatores exposto até o momento pode nos indicar alguns
motivos que levam o sistema capitalista a entrar em constantes crises, pois, “não
pode existir sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, e,
portanto as relações de produção e com elas todas as relações da sociedade”
(MARX; ENGELS, 2008, p. 40). Forma de relação (dominadora e exploradora)
importante para a burguesia ascender ao poder e expandir o seu modo de produção,
mas que, devido às devastadoras crises que o sistema produz a si no intuito de fazer
prevalecer o seu objetivo primário totalizador enquanto mascara, atua sobre os
conflitos de classe por meio da força, da ideologia – ou de ambos –, mediados pelas
instituições sociais a seu serviço. “Como um modo de controle sociometabólico, o
capital, por necessidade, sempre retém seu primado sobre o pessoal por meio do
qual seu corpo jurídico pode se manifestar de formas diferentes nos diferentes
momentos da história” (MÉSZÁROS, 2011, p. 98).
O entendimento da sociedade enquanto uma construção histórica dos
homens, dentro de relações socialmente determinadas, permite desconstruir a ideia
de que o modelo capitalista é comum, natural, o melhor e mais avançado que
podemos ter no momento. Pelo contrário, ele é exceção, pois o sistema capitalista é
o mais corrosivo de todos os tempos e instituiu uma das formas de dominação mais
totalizadoras de toda a história da humanidade ( MÉSZÁROS, 2011). O autor destaca
41

que nunca no mundo houve um controle tão intenso e avassalador de um sistema de


produção na amplitude da sociedade. Isso significa que a dominação do capital é

uma poderosa – na verdade, até o presente, de longe a mais


poderosa – estrutura “totalizadora” de controle à qual tudo o mais,
inclusive os seres humanos, deve se ajustar e assim provar sua
“viabilidade produtiva”, ou perecer, caso não consiga se adaptar. Não
se pode imaginar um sistema de controle mais inexoravelmente
absorvente – e, neste importante sentido, “totalitário” – do que o
sistema do capital globalmente dominante, que sujeita cegamente
aos mesmos imperativos a questão da saúde e a do comércio, a
educação e a agricultura, a arte e a indústria manufatureira, que
implacavelmente sobrepõe a tudo seus próprios critérios de
viabilidade, desde as menores unidades de seu “microcosmo” até as
mais gigantescas empresas transnacionais, desde as mais íntimas
relações pessoais aos mais complexos processos de tomada de
decisão dos vastos monopólios industriais, sempre a favor dos fortes
e contra os fracos (MÉSZÁROS, 2011, p. 96 – grifos do autor).

Até os dias atuais, toda a eficácia para o sucesso da expansão do sistema


capitalista se deu por um conjunto de medidas que ocultam ideologicamente o seu
funcionamento e suas consequências, seja pela utilização da força ou pela
implantação e disseminação de conceitos e ideologias sobre o indivíduo, a
democracia, a liberdade e a igualdade que distorcem a realidade. Para ele,

O capital jamais se submeteu a controle adequado duradouro ou a


uma autorrestrição racional. Ele só era compatível com ajustes
limitados e [...] consistiam em contornar os obstáculos e resistências
encontrados, sempre que ele fosse incapaz de demoli-los (Ibid., p.
100 – grifos do autor).

A década de 1980, pode-se dizer, é o momento central de transição entre os


ideais liberalistas e neoliberalistas. Na realidade, com o surgimento dos ideais
neoliberais não se extinguiram os ideais liberalistas. Há, na verdade, a
predominância de uma sobre a outra, mas todas coexistem. Segundo Apple (2010),
dentre os grupos que disputam a hegemonia tem-se:

[...] o primeiro grupo é o que eu chamo de neoliberais. Estão


profundamente comprometidos com mercados e com a liberdade
enquanto ‘opção individual’. O segundo grupo, os neoconservadores,
tem a visão de um passado edênico e quer um retorno à disciplina e
ao saber tradicional. O terceiro é o que eu chamo de populistas
autoritários – fundamentalistas religiosos e evangélicos
conservadores que querem um retorno a (seu) Deus em todas as
42

nossas instituições. E, por fim, [...] membros de uma fração particular


da nova classe média de gerentes e de profissionais qualificados
(APPLE, 2003, p. 13 – grifos do autor).

Cabe ressaltar que essa passagem, ou distinção de interesses, não ocorre de


forma abrupta e nem linear. O movimento social cria as condições para as
transformações e, na correlação de forças, se impõem novas estruturas que mantém
relação com as anteriores dentro de um movimento dialético de mudança.
As mudanças ocorridas nos anos 1980 se configuraram como marco histórico
de instalação do neoliberalismo enquanto nova configuração do sistema capitalista
em nível mundial. Se, em certa medida, até aquele período, o consumo capitalista
havia idealizado um padrão de vida burguês alimentado pelo Estado de Bem-estar
Social, possível a todo indivíduo por meio do esforço do seu trabalho, o contexto
explícito de contradições, dado o alto nível de pobreza, miséria e exploração,
ofereceu condições ao trabalhador de assumir certo posicionamento contrário ao
que estava posto, exigindo ao sistema medidas sociais de forma organizada
politicamente, colocando em risco a hegemonia do modelo.
Nesse período, face aos perigos que corria o sistema capitalista, novas
medidas e estratégias são adotadas pelo sistema, no sentido de reformar a si
mesmo e manter sua sobrevivência. A burguesia, ao longo da história moderna,
sempre agiu politicamente no sentido de estabelecer reformas visando o controle, o
domínio e a manutenção do sistema de poder.
De acordo com Anderson (1995), no fim dos anos 1940, Friedrich Hayek e
outros liberais, preocupados com o destino do capitalismo diante dos perigos que o
“igualitarismo” gerado neste período com a real liberdade dos cidadãos e a vitalidade
da concorrência. Após a II Guerra Mundial, a reestruturação do sistema capitalista
consistiu em um ataque “contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por
parte do Estado, denunciadas como uma ameaça letal à liberdade, não somente
econômica, mas também política” (Ibid., p. 9).

A partir daí as idéias neoliberais passaram a ganhar terreno. As


raízes da crise, afirmavam Hayek e seus companheiros, estavam
localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de
maneira geral, do movimento operário que havia corroído as bases
de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre
os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado
43

aumentasse cada vez mais os gastos sociais (ANDERSON, 1995, p.


10).

A crise do Bem-Estar Social revela outros elementos além dos prejuízos da


intervenção do Estado para o sistema capitalista. Evidencia, como destaca Paulo
Netto (1995, p. 71 – grifos do autor), a profunda necessidade de enfraquecer e
reduzir os benefícios sociais como essencial para a sua reprodução, “em si, revela
que a manutenção e o evolver da ordem capitalista, estão implicando, cada vez com
mais intensidade, ônus sócio-humanos de monta” .
Com a crise do modelo de Estado do Bem-Estar Social, as mudanças centrais
consistiram na redução de papel do Estado no que se refere ao atendimento e
investimento em demandas sociais e a forte atuação no desmanche dos direitos e
organizações trabalhistas em detrimento do livre comércio. A redução do papel do
Estado nas intervenções econômicas era o elemento fundamental para a
manutenção da desigualdade, aumento das taxas de desemprego e criação de
reserva de trabalho, reformas fiscais, privatizações, entre outros, tão essenciais para
a retomada triunfante da expansão do sistema capitalista.

No que toca às exigências imediatas do grande capital, o projeto


neoliberal restaurador viu‑se resumido no tríplice mote da
“flexibilização” (da produção, das relações de trabalho), da
“desregulamentação” (das relações comerciais e dos circuitos
financeiros) e da “privatização” (do patrimônio estatal). Se esta última
transferiu ao grande capital parcelas expressivas de riquezas
públicas, especial mas não exclusivamente nos países periféricos, a
“desregulamentação” liquidou as proteções comercial‑alfandegárias
dos Estados mais débeis e ofereceu ao capital financeiro a mais
radical liberdade de movimento, propiciando, entre outras
consequências, os ataques especulativos contra economias
nacionais. Quanto à “flexibilização”, embora dirigida principalmente
para liquidar direitos laborais conquistados a duras penas pelos
vendedores da força de trabalho, ela também afetou padrões de
produção consolidados na vigência do taylorismo fordista (PAULO
NETTO, 2012, p. 417).

No Brasil, foi a ditadura militar que preparou o campo para a instalação do


modelo Neoliberal. E, como em toda a América Latina, o desenvolvimento de
ditaduras foi importante para fortalecer a ideologia burguesa ao barrar reformas de
base e o anseio pelo socialismo.
Essa dilapidação [do Estado] propiciou o clima para que a ideologia
neoliberal, então já avassaladora nos países desenvolvidos,
44

encontrasse terreno fértil para uma pregação anti-social. Aqui no


Brasil, não apenas pelos reclamos antiestatais (na verdade anti-
sociais) da grande burguesia, mas sobretudo pelos reclamos do
povão, para o qual o arremedo de social-democracia ou do Estado
de bem-estar, ainda que de cabeça para baixo, tinha falhado
completamente (OLIVEIRA, 1995, p. 25 – acréscimo nosso).

A falha do modelo do Estado de Bem-estar no Brasil, seguido por um


momento de ditadura marcado pela forte opressão, impulsionou, em toda a
população, um sentimento de defesa pela liberdade e democracia ao qual o ideal
neoliberal fortemente pregava.

Mas a democracia em si mesma – como explicava incansavelmente


Hayek – jamais havia sido um valor central do neoliberalismo. A
liberdade e a democracia, explicava Hayek, podiam facilmente
tornar-se incompatíveis, se a maioria democrática decidisse interferir
com os direitos incondicionais de cada agente econômico de dispor
de sua renda e de sua propriedade como quisesse (ANDERSON,
1995, p. 19-20).

Se em certo momento a massa popular aparentava lutar pelos mesmos ideais


que o neoliberalismo no período de abertura democrática, isso poderia ser
facilmente desvelado ao pôr à mostra os reais conceitos de democracia e liberdade
que, assim como as classes, eram igualmente antagônicos. No campo da luta social,
os sujeitos e os movimentos sociais, de fato, engendraram a luta em várias
dimensões da sociedade – saúde, educação, direitos humanos, ciência, direitos do
trabalho – objetivando melhorias na vida de toda a população. Já no outro plano, o
projeto neoliberal, sustentado pelo discurso da democracia, objetivava, na verdade,
modificar a figura de Estado intervencionista, redimensionando as relações entre
público e privado de modo a garantir a liberdade do mercado.

Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito


num grau com o qual seus fundadores provavelmente jamais
sonham, disseminando a simples ideia de que não há alternativas
para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando,
têm de se adaptar a suas normas. Provavelmente nenhuma
sabedoria convencional conseguiu um predomínio tão abrangente
desde o início do século como o neoliberal hoje. Este fenômeno
chama-se hegemonia [...] (ANDERSON, 1995, p. 23).

O neoliberalismo teve êxito em seu projeto central, qual seja, o de reanimar o


capitalismo avançado mundial e instalar mudanças ideológicas que consolidassem
45

essa proposta enquanto inabalável. Segundo Chauí (2001, p. 130), se no sentido


econômico-político o neoliberalismo respondeu ao fordismo e keynesianismo da
época com a terceirização, desregulação do trabalho e do mercado,
desenvolvimento tecnológico, velocidade de informação, Estado mínimo,
privatizações e competitividade, na dimensão teórico-ideológica, há o predomínio da
crise da razão, da negação da objetividade em detrimento da “subjetividade
narcísica desejante”, negação da história humana em prol de uma história “local e
descontínua, desprovida de sentido e necessidade, tecida pela contingência” (Idem),
negação da totalidade ressaltando sempre o diferente e o particular, entre outros
elementos que distorcem as construções sociais e a luta política coletiva.

Categorias gerais como universalidade, necessidade, objetividade,


finalidade, contradição, ideologia, verdade são consideradas mitos de
uma razão etnocêntrica, repressiva e totalitária. Em seu lugar,
colocam-se o espaço-tempo fragmentados, reunificados
tecnicamente pelas telecomunicações e informações; a diferença, a
alteridade; os micro-poderes disciplinadores, a subjetividade
narcísica, a contingência, o acaso, a descontinuidade e o privilégio
do universo privado e íntimo sobre o universo público; o mercado da
moda, do efêmero e do descartável. Não por acaso, na cultura, o
romance é substituído pelo conto, o livro pelo poder, e o filme pelo
video-clip. O espaço é a sucessão de imagens fragmentadas; o
tempo, pura velocidade dispersa (Ibid., p. 131).

Opondo-se ao pensamento marxista, a ideologia vinculada ao neoliberalismo,


que será identificada como pós-moderna, vai pautar a crise da razão e o fim da
história. O pós-modernismo “é a expressão do neoliberalismo” (Ibid., p. 129) e
servirá como braço direito para a desmobilização popular política.

O que dirige as ações dos indivíduos é um conhecimento tácito,


constituído por coisas que se sabe, mas não se pode dizer, sendo
um conhecimento efêmero e sempre passível de erro. Não há,
portanto, como prever os resultados do conjunto de ações
individuais, isto é, não há como prever os rumos da sociedade e não
se deve interferir nas ações espontâneas do indivíduo (DUARTE,
2001, 99).

Nesse sentido, o homem age individualmente no mundo, pois sua forma de


apreender o conhecimento é fragmentada e limitada ao ambiente imediato. Com
isso, a sociedade, a ordem social, a propriedade privada e o mercado são resultados
de ações casuais dos indivíduos, portanto, é impossível que se construa um plano
46

coletivo e intencional de sociedade, “trata-se nitidamente de uma naturalização do


social, que é visto como resultante incontrolável e incognoscível das imprevisíveis
ações individuais” (DUARTE, 2001, p. 100).

Há uma outra coisa especialmente curiosa sobre a nova idéia de


pós-modernidade, um paradoxo particularmente notável. Por um
lado, a negação da história na qual ela se baseia é associada a uma
espécie de pessimismo político. Uma vez que não há sistemas ou
história suscetível de análise causal, não podemos chegar às raízes
da dos muitos poderes que nos oprimem; e certamente não podemos
aspirar a algum tipo de oposição unificada, de emancipação humana
geral, ou mesmo de contestação geral do capitalismo, do tipo em que
os socialistas costumavam acreditar. O máximo que podemos
esperar é um conjunto de resistências particulares e separadas
(WOOD, 1999, p. 122).

Esses elementos da ideologia pós-moderna nos levam ao que foi exposto


inicialmente acerca da falta de opção quanto ao capitalismo e o que Mészáros
(2011) define como o “slogan do não há outra alternativa” e fecha a estrutura do
sistema capitalista de produção social do homem constituindo novas formas de
pensar e agir no mundo engendradas pelo individualismo exacerbado, pensamento
fragmentado, imediatismo e consumo 13.
No sentido mais específico, essa nova faceta assumida pelo Estado neoliberal
se exprime na adoção de novas formas de regulação das políticas (MUNDIM, 2009)
mediante implantação de ações e programas governamentais que propiciam o
ambiente adequado para a continuidade do processo de acumulação do capital e
que incorporam uma lógica de mercado, voluntariada e humanista como estratégia
para a supremacia da classe burguesa. Diante das contradições, é necessário,
inclusive, que sejam adotadas algumas medidas no sentido de minimizar as
consequências devastadoras do sistema “impelido a uma grande massa
[condenada] à pobreza, à degradação humana e à decadência social” (MUNDIM,
2009, p. 26).
No cenário de globalização, todo esse processo passou a ser dirigido por
organismos internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional
que têm como “metas centrais desse processo as políticas de desestatização,

13
Não é objetivo deste trabalho adentrar na análise do pensamento pós-moderno, mas considera-se
importante destacar que esta abordagem é relevante, uma vez que encontra-se infiltrada nas teorias
pedagógicas e compõe o trabalho/discurso dos professores e o arcabouço de projetos políticos
escolares e de sistemas educacionais.
47

desregulamentação, privatização, descentralização e ‘modernização’. Com abertura


para o livre fluxo do capital, elas generalizaram-se e passaram a constituir o novo
cenário internacional” (Ibid., p. 35).
Desse modo, o Estado, enquanto um alicerce que mantém a lógica capitalista,
se apropria dos discursos humanistas críticos e incorpora nas novas políticas,
mantendo, no entanto, os interesses reais do sistema.

[...] o enfoque econômico na acumulação flexível, na insegurança


econômica e na mercantilização da vida social não se sustenta
sozinho. Uma ideologia da liberdade e da igualdade do mercado
baseadas na “opção” não é mais suficiente para resolver as
contradições e condições que nascem dessas políticas econômicas,
sociais e educacionais [...] todos esses fatores também requerem um
Estado muito mais forte para complementar o Estado fraco
supostamente defendido pelos neoliberais (APPLE, 2003, p. 24-25 –
grifos do autor).

A ressalva a ser feita aqui é para demonstrar como o metabolismo do capital


se organiza para abranger todas as esferas da sociedade dando, ao Estado, o papel
de mediador dessas relações de exploração com o intuito de garantir a reprodução
do capital. Esses aspectos serão melhor abordados no item a seguir, em que
explicitaremos as relações entre sociedade, educação e trabalho e o objeto de
estudo em curso.

2.2 Sociedade, trabalho e educação

Para compreender como a escola de ciclos se relaciona com o contexto atual,


é preciso, primeiramente, evidenciar a relação indissociável entre trabalho,
sociedade e educação. Portanto, o propósito aqui é dar subsídios para se discutir o
trabalho do professor (trabalhador da educação) frente à configuração da proposta
de ciclos no cenário atual, no entanto, em consonância aos princípios da proposta
de ciclos mais crítica abrangendo seus aspectos pedagógicos, conceituais,
filosóficos e estruturais.
Ao partir de uma compreensão dialética de sociedade, tendo-a como um
campo de tensionamento de forças antagônicas, pode-se afirmar que as instituições
sociais – dentre elas a escola – corroboram e reproduzem no seu interior os conflitos
e as relações de força presentes nesta mesma da sociedade.
48

No caso da sociedade orientada pela lógica do capital, em nível mundial, toda


sua estruturada se baseia na exploração dos seres humanos em prol de interesse e
benefício de certa minoria. Se ao longo da história foi possível identificar momentos
de violência, exploração e opressão, desde o momento que se instala o modelo
capitalista, esse contexto supracitado é intensificado a cada instante em que se
afirma que os interesses econômicos individuais e a propriedade privada estão
acima do coletivo humano. Assim, o trabalho e a educação que deveriam constituir o
homem e sua humanização, são convertidos em instrumentos de coisificação do ser
humano para reproduzir e se conformar com essas relações de exploração.
Do ponto de vista ontológico, o trabalho e a educação são de fundamental
importância para a constituição do homem como ser humano. Para Marx (2013, p.
255),

O trabalho é, antes de tudo, um processo entre homem e natureza,


processo este em que o homem, por sua própria ação, medeia,
regula e controla seu metabolismo com a natureza. [...] A fim de se
apropriar da matéria natural de uma forma útil para sua própria vida,
ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua
corporeidade: seus braços e pernas, cabeça e mãos. Agindo sobre a
natureza externa e modificando-a por meio desse movimento, ele
modifica, ao mesmo tempo, sua natureza. Ele desenvolve as
potências que nela jazem latentes e submete o jogo de suas forças a
seu próprio domínio.

O que o autor destaca é que, diferentemente dos animais que se adaptam ao


meio natural, o homem tem a capacidade de estabelecer uma relação de
transformação com a natureza para atender suas necessidades mediante uma
intencionalidade planejada. Ou seja, o trabalho humano parte de um princípio
teleológico, pois o homem planeja suas ações antes de executá-las, avalia o que foi
feito e reelabora sua ação. Ao materializar o produto do seu trabalho, o homem
também se modifica, tanto no sentido de suas funções psicológicas superiores,
quanto às habilidades do corpo, ao aprimoramento da função social do produto
produzido e sua utilidade para si e seu coletivo.

No processo de trabalho, portanto, a atividade do homem, com ajuda


dos meios de trabalho opera uma transformação do objeto do
trabalho segundo uma finalidade concebida no início. O processo se
extingue no produto. Seu produto é um valor de uso, um material
natural adaptado às necessidades humanas por meio da modificação
49

de sua forma. O trabalho se incorporou a seu objeto. Ele está


objetivado, e o objeto trabalhado (MARX, 2013, p. 258).

Saviani (2011b) destaca que ao realizar trabalho, o homem objetiva um


mundo humano, um mundo da cultura. Para que esse mundo se desenvolva e se
aprimore, o processo de trabalho, também entendido como ação intencional
transformadora, implica o processo de educação enquanto parte não material dessa
ação. “Dizer, pois, que a educação é um fenômeno próprio dos seres humanos
significa afirmar que ela é, ao mesmo tempo, uma exigência do e para o processo de
trabalho, bem como é, ela própria, um processo de trabalho” (SAVIANI, 2011b, p.
11).
A educação é o processo dialético de apropriação e mediação dos
conhecimentos produzidos e acumulados pelo homem a partir de relações sociais
estabelecidas entre os sujeitos de determinado meio social. Isto é, a partir do
processo educativo os sujeitos transmitem e/ou se apropriam da cultura e da forma
de produzir cultura, ou seja, da produção humana e da atividade de trabalho, sendo
o objeto dessa atividade o conhecimento, a cultura, a técnica, os valores, a história e
a ciência. “Numa palavra, trata-se da produção do saber, seja do saber sobre a
natureza, seja do saber sobre a cultura, isto é, o conjunto da produção humana”
(Ibid., p. 12).
O processo de trabalho se concretiza na objetivação, na exteriorização do
objeto produzido (MARX, 2004). No ato educativo, o objeto do conhecimento é
transformado pelo mediador de modo a se tornar compreensível pelo que se
apropria. Contudo o objeto (imaterial) se materializa na apropriação do
conhecimento pelo outro sujeito. Nesse processo, o conhecimento não é mais
somente do mediador e pode se modificar para ambos os sujeitos à medida que se
reelabora, se reconstrói e se aperfeiçoa. Para Saviani (2011b):

a compreensão da natureza da educação enquanto um trabalho não


material, cujo produto não se separa do ato de produção, permite nos
situar a especificidade de educação como referida aos
conhecimentos, ideias, conceitos, valores, atitudes, hábitos, símbolos
sob o aspecto de elementos necessários à formação da humanidade
em cada indivíduo singular, na forma de uma segunda natureza, que
se produz, deliberada e intencionalmente, através de relações
pedagógicas historicamente determinadas que se travam entre os
homens (p. 20).
50

Segundo a lógica do capital, uma educação plena e um trabalho criativo


humanizador não podem ser garantidos a todos os sujeitos. Isso porque as relações
estabelecidas e o objetivo da acumulação capitalista exigem sacrifícios da classe
trabalhadora e das pessoas que estão a margem da riqueza produzida. Poucos
sujeitos hoje têm a liberdade de escolha para usufruir da produção humana, do
trabalho digno, da cultura, da ciência, do conhecimento. A maioria está condenada à
venda da sua força de trabalho para se manter vivo neste mundo. O sentido
ontológico do trabalho é distorcido incorporando-se ao sociometabolismo do capital.

Dessa forma, perde-se a compreensão, de um lado, de que o


trabalho é uma relação social e que esta relação, na sociedade
capitalista, é uma relação de força, de poder e de violência; e de
outro, de que o trabalho é a relação social fundamental que define o
modo humano de existência, e que, enquanto tal, não se reduz à
atividade de produção material para responder à reprodução físico-
biológica (mundo da necessidade), mas envolve as dimensões
sociais, estéticas, culturais, artísticas, de lazer etc. (mundo da
liberdade) (FRIGOTTO, 2012, p. 21).

Pode-se deduzir, portanto, que as formas de trabalho e de educação


burguesa não compartilham dos objetivos de uma formação humanizadora do ser
humano. A começar pelo fato de que o trabalhador não usufrui diretamente do
produto do seu trabalho.

O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz,


quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O
trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais
mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas
(Sachenwelt) aumenta em proporção direta a desvalorização do
mundo dos homens (Menschenwelt). O trabalho não produz somente
mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma
mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato, mercadorias em
geral. [...] A efetivação do trabalho tanto aparece como desefetivação
que o trabalhador é desefetivado até morrer de fome (MARX, 2004, p.
80).

Na divisão social entre burgueses e trabalhadores,

o que o trabalhador troca com o capital é seu próprio trabalho (na


troca, a disponibilidade sobre ele); ele o aliena. O que ele recebe
como preço é o valor dessa alienação. O trabalhador troca a
atividade ponente de valor por um valor predeterminado,
51

independentemente do resultado de sua atividade (MARX, 2011, p.


400-401).

O trabalho do homem torna-se a força de trabalho vendida para o capitalista e


o produto do seu trabalho, torna-se alheio a si mesmo. Em troca dos produtos
objetivados pelo homem para sua sobrevivência, a força de trabalho executa uma
ação estabelecida por seu comprador em troca do salário, por isso, na lógica da
sociedade do capital, “o processo de trabalho não é mais do que o consumo de uma
mercadoria por ele comprada [...] processo de trabalho se realiza entre coisas que o
capitalista comprou, entre coisas que lhe pertencem” (MARX, 2013, p. 262-263).
Se a educação é um processo inerente ao trabalho do homem, a forma que
esta assume na realidade concreta também incorpora essas contradições e
tensionamentos sociais. Para conservar essas relações de exploração, a classe
dominante se utiliza de uma estrutura ideológica a qual se insere a educação. Isso
significa que, amparada pelos documentos legais, a educação formal é organizada
de modo que os sujeitos sejam cerceados e distanciados dos conhecimentos que
permitam ampliar seu nível de consciência acerca do lugar que ocupam nesse meio
cultural para, com isso, desenvolver-se cultural, científico e intelectualmente, e de
terem a liberdade para agir e refletir sobre a realidade que os cerca. A educação
preconizada pela classe burguesa para a classe trabalhadora é aquela de caráter
imediato e utilitarista que ensina os valores e a moral para ser um bom cidadão e as
técnicas e habilidades necessárias para assumir uma ocupação no mercado de
trabalho. Nesse sentido, as atividades específicas humanas, o trabalho e a
educação, que tornariam o homem livres e autônomos, passam a ser atividades
estranhas e exteriores a si.

O trabalho externo, o trabalho no qual o homem se exterioriza, é um


trabalho de auto-sacrifício, de mortificação [...] é a perda de si
mesmo. Chega-se, por conseguinte, ao resultado de que o homem (o
trabalhador) se sente como [ser] livre e ativo de em suas funções
animais, comer, beber e procriar, quando muita ainda habitação,
adornos etc., e em suas funções humanas só [se sente] como
animal. O animal se torna humano, e o humano, animal (MARX,
2004, p. 83).

Isso que Marx assinala sobre o trabalho, não é diferente na educação formal,
onde os educandos, filhos de trabalhadores, veem a escola como um local de
52

sacrifício, de obrigação, como a única forma (esperança) de terem acesso ao


mercado de trabalho e manterem sua existência. Por isso, não é importante para os
burgueses que todos os sujeitos se apropriem da totalidade dos conhecimentos
existentes, principalmente aqueles conhecimentos que os permitam se libertar, que
os faça assumir o controle e tomarem decisões sobre sua própria história.
Frigotto (2012) assinala que a ideologia burguesa age de modo a naturalizar
essas relações na sociedade para a manutenção do sistema de acumulação do
capital, encenando, a ponto de torná-la uma necessidade para a classe trabalhadora
que almeja, em determinado momento, usufruir de uma vida digna, isso, a depender
de seu esforço individual. Nesse sentido, a educação, constituinte do processo de
trabalho e também um tipo de trabalho, passa a se estruturar para igualmente
atender aos objetivos e características da ordem social: fragmentação, lucro,
eficiência e individualismo.
A contradição colocada pela correlação de forças existentes, é que os sujeitos
que vivem de seu trabalho, mesmo inseridos nessa lógica, podem compor, ao
mesmo tempo, grupos que se reconhecem nesta luta de classe e travar um conflito
em busca da ruptura com o pensamento dominante.

2.3 O fracasso escolar e a evolução dos Ciclos no Brasil

Ao retomar as origens do modelo de ciclos no Brasil, podemos identificar que


esse movimento se insere no cenário brasileiro devido à saturação do sistema
seriado, seguindo as adequações do momento histórico em que se desenvolvia.
Vários autores – Barretto e Mitrulis (2001), Nedbajluk (2006), Alavarse (2009) –
apontam os anos 20 como o momento de inserção de proposições e ações que
futuramente configurariam a proposta de ciclos como necessidade, principalmente,
do contexto econômico e político instaurado. A demanda de novas organizações
escolares ou proposições exclusivamente metodológicas se deu para resolver
problemas imediatos de caráter econômico e social causados principalmente pelas
altas taxas de retenção e evasão escolar.

Em função do congestionamento de fluxo causado pelo número


exagerado de repetências no Brasil, nos meados dos anos 20 e 50
do século passado, medidas de ordem política provocaram propostas
de ordem pedagógica, a implantação dos (então) denominados ciclos
53

[...] os resultados, se negativos, seriam punidos não mais pela


reprovação na escola e sim pelo mercado de trabalho. À população
seria dada a 'chance' de aprender mediante a garantia de ensino
(NEDBAJLUK, 2006, p. 252 – grifos do autor).

Barretto e Mitrulis (2001) também apontam que

Os ciclos escolares, presentes em alguns ensaios de inovação


propostos pelos estados sobretudo a partir da década de 60, e, em
alguns de seus pressupostos, defendidos desde os anos 20,
correspondem à intenção de regularizar o fluxo de alunos ao longo
da escolarização, eliminando ou limitando a repetência (BARRETTO
e MITRULIS, 2001, p. 103).

O projeto de ampliação da educação básica para a população brasileira a


partir do período republicano esbarrou nos índices de qualidade de ensino e sucesso
do aluno na trajetória escolar gerando consequências até os dias atuais. Segundo
Nedbajluk (2006, p. 248), a expansão do modelo preliminar de ciclos, principalmente
no ensino público, se deu "sob a justificativa política da universalização do Ensino
Fundamental mediante a eliminação da multirepetência e do consequente
congestionamento do sistema".
O modelo seriado configura um conjunto de implicações para o processo de
aprendizagem do aluno, dado o currículo fragmentado, os processos avaliativos
excludentes e as metodologias de ensino tradicionais e acríticas. Vários são os
dados trazidos pelos autores que evidenciam o fracasso escolar, desde os altos
índices de evasão e as porcentagens de reprovação ao quantitativo de alunos com
distorção idade/série e estatística de alunos com deficiência em leitura e escrita.

Em meados do século, o Brasil apresentava os índices de retenção


mais elevados em relação a outros países da América Latina: 57,4%
na passagem da 1ª para a 2ª série do ensino fundamental. Estudos
da Unesco mostravam, à época, que 30% de reprovações
acarretavam um acréscimo de 43% no orçamento dos sistemas de
ensino [...] de cada 100 crianças matriculadas na 1ª série, apenas 16
concluíam as quatro séries do ensino primário após os quatro anos
propostos para a sua duração (BARRETTO e MITRULIS, 2001, p.
104).

Diante desse contexto, a justificativa para a implantação dos ciclos se dava


principalmente pelo ideário desenvolvimentista da época alegando ser a educação o
alicerce para o crescimento do país. “A partir desse período tornam-se mais
54

frequentes os argumentos de natureza social, política e econômica que advogavam


a adoção da promoção automática, ou de alguma forma de flexibilização do percurso
escolar” (BARRETTO e MITRULIS, 2001, p. 105). As autoras destacam que apesar
dessas mudanças na escola se configurarem como uma saída à rigidez do modelo
seriado, no intuito de garantir o direito do aluno de progredir em seu próprio ritmo,
havia fortes influências comportamentalistas, em que o processo de aprendizagem
ainda se constituía de forma linear e cumulativa com currículos fragmentados em
partes cada vez menores. No quadro abaixo, Mainardes (2009) apresenta as
principais experiências desenvolvidas dos anos 1950 aos anos 1980:

Quadro 3 – Principais experiências pioneiras de políticas de não-reprovação no


Brasil (1958-1984)
Período Programa Localização
1958-? Reforma da educação primária Estado do Rio Grande do Sul
Grupo Escolar Experimental -
1959-62
Promoção por rendimento efetivo Secretaria da Educação do Estado de
São Paulo
1963-final Distrito Federal
Organização do ensino primário
dos anos
em fases e etapas
1960
1968-? Organização em níveis Estado de Pernambuco
1969-71 Organização em níveis Estado de São Paulo – Rede Estadual
Estado de Santa Catarina- Rede
1970-84 Sistema de Avanços Progressivos
Estadual
1979-84 Bloco Único Estado do Rio de Janeiro
Fonte: MAINARDES, 2009, p. 34.

Essas primeiras experiências tinham como foco as séries iniciais,


preocupadas com alfabetização. Mainardes (2009) aponta que essas tentativas
iniciais tiveram curta duração, mas serviram de base para a estruturação das
propostas que viriam em seguida. Os resultados até então foram pouco satisfatórios
e havia muitas dificuldades a serem enfrentadas pelos professores que
“desconheciam os fundamentos dessas reformas, tiveram pouca participação
durante os processos de sua formulação e implementação e as estratégias de
formação continuada foram insuficientes e descontínuas” (Ibid., p. 38).
Com a chegada dos anos 1980, observa-se o desenvolvimento de Ciclos
Básicos de Alfabetização (CBA) em São Paulo, Minas Gerais, Pará, Paraná, Goiás,
Rio de Janeiro. Essa política inaugurou o cenário de redemocratização de propostas
de ciclos, dado o contexto histórico, incluindo na construção de políticas “a
55

ampliação da participação dos professores [...], maior investimento na formação


continuada de professores e políticas voltadas à redução da reprovação e da evasão
escolar” (MAINARDES, 2009, p. 39).

O CBA levou a uma redução significativa das taxas de reprovação


[...] contribuiu para que a reprovação (cultura da repetência) e a
seriação fossem desafiadas e, ao mesmo tempo, ofereceu muitos
elementos para a implantação de políticas de ciclos mais complexas,
formadas por ciclos mais longos (Ibid., p. 40-41).

Pelo período político, a oferta dos CBA’s representava uma ação de retomada
da democracia. Mesmo com a permanência de argumentos anteriores, a inserção
dos ciclos para alguns profissionais extrapolava a visão técnica de continuidade do
fluxo do aluno para uma discussão mais ampliada de reorganizar a escola pública
“com o objetivo de diminuir a distância entre o desempenho dos alunos das
diferentes camadas da população, assegurando a todos o direito à escolaridade”
(BARRETTO e MITRULIS, 2001, p. 112). Isso incluía a necessidade de flexibilização
do currículo e mudanças de ordem administrativa, metodológicas, avaliativas e
epistemológicas. Abre-se espaço para a concepção construtivista de educação em
resposta ao comportamentalismo, porém, “as orientações genericamente chamadas
construtivistas deslocaram, contudo, o eixo sócio-político que motivara a criação do
ciclo básico nos estados, transportando-o para o terreno preponderantemente
cognitivo e da interação entre os indivíduos” (Ibid., p. 113).

Entretanto, passado o impacto da introdução do ciclo básico, certos


procedimentos criados pelas escolas se transformaram em rotinas
burocráticas terminando por constituir um registro muito pobre das
efetivas avaliações dos alunos feitas pelos professores no cotidiano.
Não obstante os percalços da implementação, pela consistência de
suas formulações e pela oportunidade de medidas que propunha, o
ciclo básico foi uma medida que não só prevaleceu nas redes
estaduais que o implantaram na década de 80, a despeito das
mudanças de governo e de partidos políticos no poder, como
expandiu-se, com algumas variações para novos estados (ibid., p.
114).

Com a chegada dos anos 1990, como o Brasil vivencia um momento de crise
nos paradigmas científicos, políticos e culturais que dão força às novas orientações
pedagógicas e escolares, há um maior desenvolvimento de escolas em ciclos em
seu sentido mais completo, ou seja, escolas que se propõem a alterar as bases e
56

concepções do modelo tradicional de ensino objetivando romper com o modelo


seriado. A globalização, a tecnologia, o neoliberalismo e a redefinição dos meios de
comunicação vão abrir possibilidades de se romper efetivamente com os modelos
tradicionais seriados até então instituídos14. A partir desta década, as mudanças vão
se configurar sob a influência de diferentes fatores até então desconhecidos no
sistema educacional.

[...] as fontes de informação se multiplicam rapidamente em tempos


de mudança acelerada e passa a prevalecer nas sociedades
contemporâneas a ideia do conhecimento em rede, a escola deixa de
ter papel tão marcado na pura transmissão do conhecimento,
devendo transformar-se numa facilitadora do manejo de informações
pelos alunos. Ao mesmo tempo, passa a ser entendida com o espaço
privilegiado de construção de identidades, do cultivo da cidadania e
dos valores de convivência que aspiram a melhoria da qualidade de
vida [...] A concepção de conhecimento em rede contribuiu para
subverter a hierarquia dos tempos escolares, que havia servido de
álibi para a reprovação, e pretendeu inaugurar um período de grande
liberdade da escola e dos professores para construir e desconstruir o
currículo (ibid., p. 116).

Se é questionável que esse novo contexto altera o sentido e a função social


da escola, em contrapartida, essa quebra de paradigmas abre espaço para a efetiva
participação dos professores, dos alunos e da comunidade para a construção de
propostas escolares que levem em consideração o trabalho coletivo, o contexto
sócio-cultural do aluno e as várias dimensões do aprendizado humano. Outro
elemento importante é que, nesse período, a escola em ciclos deixa de atender
apenas os anos iniciais da educação básica para se expandir para todo o ensino
fundamental.
Surgem a partir dos anos 1990 uma série de documentos do Governo Federal
que incentivam a adoção, por parte das escolas, de maneiras de flexibilizar o
currículo, os processos avaliativos e os tempos escolares. Não é por acaso que o
próprio Estado implementa políticas que estimulam a adesão de novas tecnologias e
formatos escolares mais alternativos e flexíveis que incentivam tanto a escola em
ciclos como a escola integral. As políticas educacionais e programas desenvolvidos
pelo Estado e fomentados pelos financiadores internacionais vão se inserindo

14
Observa-se que até esse momento, as propostas construídas mantinham a base da seriação na
escola, alterando prioritariamente as formas de fluxo escolar.
57

gradualmente, se mesclando aos discursos críticos até incorporarem de vez as


práticas escolares.
Quanto à adesão aos ciclos, Mundim (2009) destaca que várias justificativas
sustentaram e sustentam a implantação deste modelo, seja pelo Estado enquanto
política, pela secretaria de educação em nível municipal ou estadual ou por uma
escola de forma isolada. Aponta que, apesar do modelo se fundamentar em autores
como Vygotsky, Wallon, Piaget e Paulo Freire, as justificativas não parecem se
fundamentar nesses autores, mas nos conceitos de democratização do acesso e
melhoria da qualidade de ensino. Em geral, veem os ciclos

como uma proposta menos excludente e como possibilidade de


garantir a educação como direito [...] apresentam na proposição
pontos comuns no que se refere à perspectiva de construção de uma
escola pública democrática, inclusiva e de qualidade para todos
(Ibid., p. 53).

As justificativas oficiais se resumem à redução da taxa de reprovação e a


racionalização do fluxo escolar, enquanto as que se consideram alternativas às
oficiais, afirmam que o modelo de ciclos podem se contrapor às políticas neoliberais
e às propostas baseadas no mercado, contudo, a autora alerta que,
independentemente da justificativa e fundamentos para sua implantação, “essa
forma de organização insere-se no conjunto das mudanças resultantes de uma nova
regulação das políticas educacionais que, por sua vez, co-respondem a um novo
modelo de regulação social” (idem).

o processo de mundialização do capital, com suas conseqüentes


alterações nos centros de poder, particularmente no que tange à
redefinição do papel do Estado tem provocado alterações
significativas no âmbito do contrato social. Tem imprimido um
acelerado processo de flexibilização/desregulamentação das
relações de trabalho, uma grande centralização do capital e
descentralização das operações, possibilitados pela automação e
pela teleinformática (MUNDIM, 2009, p. 26).

Todas essas mudanças conjunturais trouxeram desdobramentos para o


trabalho docente e organização escolar. As últimas décadas do século XX, explica a
autora, são marcadas por reformas que se desdobram em novas formas de
58

regulação das políticas para a educação necessária para a nova forma de


organização do capitalismo regida pela acumulação flexível, entendendo a regulação

como o movimento oriundo dos processos de intervenção do Estado,


compreendendo que a intervenção, bem como a não intervenção
podem se constituir em fatores imprescindíveis a regulação. Convém
esclarecer ainda que não se trata de tomar a regulação apenas no
aspecto da oposição entre regulação do mercado e regulação do
Estado. Parte-se do princípio de que os processos de intervenção do
Estado na educação, aqui denominados novas formas de regulação
das políticas, incluem, em muitos momentos, a incorporação da
lógica de mercado, da lógica do voluntariado, da lógica humanista e
outras diferentes e sofisticadas estratégias de intervenção para a
realização da precípua finalidade de manutenção da hegemonia de
uma determinada classe (Ibid., p. 23).

Diante deste contexto, se percebe, já a partir de 1996, com a Lei de Diretrizes


e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9.394/96 e os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), em 1998, um forte incentivo por parte do Governo para adesão ao
modelo de ciclos, com foco na flexibilização dos espaços e tempos escolares, assim
como dos processos avaliativos. Apesar de algumas escolas já terem iniciado a
experiência enquanto proposta alternativa, esse movimento amplo se dá a partir da
LDB 9.394/96, pela instituição do:

Art. 23. A educação básica poderá organizar-se em séries anuais,


períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de
estudos, grupos não seriados, com base na idade, na competência e
em outros critérios, ou forma diversa de organização, sempre que o
interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar
(BRASIL, 2013, p. 17).

Os PCN também vão referenciar a proposta de ciclos como uma forma atual
de organizar a escola e conhecimento.

A organização em ciclos é uma tentativa de superar a segmentação


excessiva produzida pelo regime seriado e de buscar princípios de
ordenação que possibilitem maior integração do conhecimento [...]
tornando possível distribuir os conteúdos de forma mais adequada à
natureza do processo de aprendizagem. Além disso, favorece uma
apresentação menos parcelada do conhecimento e possibilita as
aproximações sucessivas necessárias para que os alunos se
apropriem dos complexos saberes que se intenciona transmitir
(BRASIL, 1997, p. 42).
59

Tanto a LDB quanto os PCN anunciam a possibilidade de outra forma de


organização escolar, no entanto, não se tem um modelo específico que oriente
essas novas estruturas. Sendo assim, as escolas vão se configurar de maneiras
diversas segundo o seu Projeto Político Pedagógico, também previsto na LDB. O
documento mais recente que incentiva a adoção de ciclos é o novo Plano Nacional
de Educação – PNE (2014) que, dentre outros itens que enfatizam a correção e
melhoria do fluxo escolar, aponta, na meta 3.5, o seguinte direcionamento:

3.5) manter e ampliar programas e ações de correção de fluxo do


ensino fundamental, por meio do acompanhamento individualizado
do (a) aluno (a) com rendimento escolar defasado e pela adoção de
práticas como aulas de reforço no turno complementar, estudos de
recuperação e progressão parcial, de forma a reposicioná-lo no ciclo
escolar de maneira compatível com sua idade (BRASIL, 2014).

Quanto a esta forma de organização escolar, várias pesquisas têm


evidenciado que parte dos professores divergem, se mostram céticos ou
pragmáticos ao discutir o objeto em questão. Se, por um lado, os ciclos se justificam
pela democracia e inclusão do aluno na escola, por outro, aos olhos de professores
e comunidade, o questionamento se dá no nível da materialização da proposta.
Segundo Mainardes (2009, p. 54), a proposta de ciclos pode claramente
assumir uma postura mais conservadora ou mais progressista e emancipatória a
julgar pelas “concepções de Estado e de política educacional que fundamenta cada
gestão; dos objetivos e dos propósitos atribuídos à política de ciclos; das estratégias
usadas na formulação e na implantação da política”, ou seja, a proposta depende de
inúmeros fatores ao se concretizar no âmbito escolar para definir se irá de fato
materializar-se como proposta crítica ou conservadora.
Na década de 1980, quando se intensificaram os movimentos sociais em prol
da educação, ao mesmo tempo havia, de um lado, os professores, os alunos e a
comunidade preocupada com a educação pública de qualidade e, de outro, o Estado
Neoliberal enquanto mediador da relação sociedade e capital, direcionando a
educação para o mercado, para a livre iniciativa e o processo de privatização.
Quanto à organização dos educadores podem-se destacar dois grandes
eixos:
60

[...] aquele caracterizado pela preocupação com o significado social e


político da educação, do qual decorre a busca de uma escola pública
de qualidade, aberta a toda a população e voltada precipuamente
para as necessidades da maioria, isto é, classe trabalhadora; e outro
marcado pela preocupação com o aspecto econômico-corporativo,
portanto, de caráter reivindicativo, cuja expressão mais saliente é
dada pelo fenômeno das greves que eclodiram a partir do final dos
anos de 1970 e se repetiram em ritmo, freqüência e duração
crescentes ao longo de 1980 (SAVIANI, 2011a, p. 404).

Já no que se refere aos partidos de oposição eleitos desde 1982, afirma o


autor, há um esforço para a adoção de políticas de interesse popular como, por
exemplo, em Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Santa Catarina.
Essas experiências de gestão democrática, apesar de efeitos positivos, acabam
esbarrando “em sérios obstáculos representados pelos interesses excludentes e
pela tradição de descontinuidade que predominam na política educacional de nosso
país; e acabaram tendo duração efêmera” (SAVIANI, 2011a, p. 407).
Todos esses subsídios teóricos até aqui discutidos, presentes no cenário
educacional, são trazidos para a reflexão no sentido de demonstrar que a escola em
ciclos acompanha toda essa conjuntura de mudanças sociais e contradições sociais.
Basta observar a experiência de ciclos comprometida com o desenvolvimento social,
nomeada Escola Cidadã, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, que foi resultado de
ações de um governo denominado Administração Popular 15, “uma coligação
partidária que se autodefine identificada com forças políticas comprometidas com a
necessidade de transformação das condições sociais e econômicas excludentes
impostas pelo capitalismo à maioria da população” (KRUG, 2002, p. 85).
Tendo como principal ação orientadora da democratização social o
“Orçamento Participativo”, esse movimento buscou estabelecer “rupturas a serem
processadas na relação sociedade civil e Estado [e] sugeriam a necessidade de uma
nova dinâmica política entre governados e governantes” (KRUG, 2002, p. 86). Essa
proposta oportunizou fóruns para a participação da comunidade nas decisões acerca
das políticas públicas e da aplicação do orçamento fundamentado pela democracia
participativa.

15
A Administração Popular era constituída por uma Frente Popular aglutinada pelo Partido dos
Trabalhadores (PT). 1ª Gestão: 1989-1992. 2ª Gestão: 1993-1996. 3ª Gestão: 1997-2000 (KRUG,
2002).
61

Assim, esses fóruns se constituem em espaços pedagógicos que


possibilitam a apropriação, pela população, das contradições entre a
realidade vivida em seu cotidiano e a realidade percebida via meios
de comunicação. Esse movimento de passagem da realidade
percebida, influenciada pela mídia, pela falta de informações e
espaços qualificados de discussão coletiva à leitura da realidade
concreta, vivida pelas classes populares, é um dos eixos centrais do
trabalho em Educação Popular e uma das funções pedagógicas do
Orçamento Participativo (ibid., p. 87).

A partir desses fóruns populares, a Escola Cidadã começou a ser construída


e foi “marcada pela necessidade de incorporar a democratização da escola para
além da abordagem construtivista do conhecimento, introduzindo-a na ampla
dimensão das políticas públicas da cidade” (ibid., p. 93). Esse novo projeto de
política educacional propôs rupturas desdobradas em gestão democrática,
desprivatização da instituição escolar, criação de conselhos escolares e da
constituinte escolar, novas formas de eleição de diretores e vice-diretores, novas
concepções de princípios de convivência, de currículo e de conhecimento.
Em 2001, com a mudança de gestão, a escola cidadã foi substituída pela
Cidade Educadora. Segundo Krug (2002), esta gestão pode ser entendida como um
grupo de técnicos e consultores que representam a descontinuidade do acúmulo das
administrações anteriores.
O exemplo acima pode ser relacionado com a explicação de Saviani (2011a)
sobre o movimento dos anos 1980. Ou seja, existe todo um contexto oportuno para
a emersão de ações contra-hegemônicas, principalmente no campo da educação,
que são limitadas e aplacadas primeiramente pela queda do “socialismo real”, em
1989 e, do ponto de vista sociológico e linguístico, pela duplicidade contida na
expressão “transição democrática” que orienta o caminhar das políticas
educacionais voltadas para a “estratégia da conciliação”.

A expressão “transição democrática” é ambígua do ponto de vista da


linguagem porque pode significar tanto “transição para a democracia”
como uma “transição que é feita democraticamente”. Neste segundo
caso não se especifica o ponto de partida nem o ponto de chegada
da transição. Ora, transição significa passagem, movimento de um
ponto a outro. Pergunta-se, então: transição (democrática) de que
para quê? (SAVIANI, 2011a, p. 413 – grifos do autor).

Quanto ao sentido sociológico, explica o autor, que essa expressão tem


significado de acordo com as características da classe que a carrega, trazendo junto
62

os seus interesses classistas. Se, para os trabalhadores, essa expressão


representaria um momento de libertação da sua situação de exploração e opressão,
para o grupo hegemônico representava uma estratégia de conciliação que permite a
preservação de seus interesses, com o consentimento dos menos privilegiados.
Todavia, ao camuflar essa oposição sociológica “a expressão acaba por
desempenhar o papel de camuflar os antagonismos entre classes sociais
fundamentais, abrindo espaço para a obtenção do consentimento dos dominados à
transição conservadora transacionada pelas elites dirigentes” (SAVIANI, 2011a, p.
414).
Para tal, com a ação intensa do Estado neoliberal, as novas políticas
educacionais, por mais que apresentem certas conquistas e avanços para a camada
popular e para a escola pública, sofrem fortes entraves onde prevalece a alienação
do trabalhador, a reprodução da miséria e da desigualdade. A tal escola almejada
pela concepção crítica de educação, como o espaço social que deve “propiciar a
aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência),
bem como o próprio acesso aos rudimentos desse saber” (SAVIANI, 2011b, p. 14)
ainda não conseguiu se materializar a não ser em experiências temporárias e
isoladas. O que temos hoje é o desdobramento de uma escola que ensina a moral, a
técnica e as habilidades necessárias para o mercado de trabalho.
Manacorda (2010, p. 303) aponta que, desde a revolução industrial e
ascensão da burguesia, a consolidação do modo de produção fabril “gera o espaço
para o surgimento da moderna instituição escolar pública. Fábrica e escolas nascem
juntas [...]”. Para se adequar ao sistema de trabalho da fábrica, era necessário que
todos os trabalhadores obtivessem os conhecimentos necessários referentes às
técnicas e habilidades e à moral e comportamento adequado.

Ao entrar na fábrica e ao deixar sua oficina, o ex-artesão está


formalmente livre, como o capitalista, também dos velhos laços
corporativos; mas, simultaneamente, foi libertado de toda a sua
propriedade e transformado em um moderno proletário. Não possui
mais nada: nem o lugar de trabalho, nem a matéria-prima, nem os
instrumentos de produção, nem a capacidade de desenvolver
sozinho o processo produtivo integral, nem o produto do seu
trabalho, nem a possibilidade de vendê-lo no mercado. Ao entrar na
fábrica, que tem na ciência moderna sua maior força produtiva, ele
foi expropriado também de sua pequena ciência, inerente ao seu
trabalho; esta pertence a outros e não lhe serve para mais nada e
com ela perdeu, apesar de tê-lo defendido até o fim, aquele
63

treinamento teórico-prático que, anteriormente, o levava ao domínio


de todas as suas capacidades produtivas: o aprendizado.
(MANACORDA, 2010, p. 328).

Como assinala o autor, diante dessas profundas mudanças no modo de


produção material e do próprio homem, cabe destacar que, por um lado, a conquista
da escola laica, universal e gratuita pela burguesia revolucionária, e, por outro, o
desenrolar desse espaço de instrução substitui a capacidade de aprendizado e o
conhecimento produzido pelo pequeno artesão em ignorância ao moderno proletário.
Em decorrência disto, “os trabalhadores perdem sua antiga instrução e na fábrica só
adquirem ignorância” (Ibid., p. 328).
Sobre o sistema formal de ensino, Meszáros (2008, p. 35 – grifos do autor)
também destaca:

A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos,


serviu – no seu todo – ao propósito de não só fornecer os
conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em
expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um
quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se
não pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade.

Com o desenvolvimento global do capitalismo, as mudanças de um país não


são isoladas e estão sempre relacionadas com mudanças em nível macro. De
acordo com Antunes (2011), os anos 1980 também se caracterizam por profundas
transformações no mundo do trabalho que vão se refletir tanto nas formas de
inserção na estrutura produtiva quanto nas formas de representação sindical e
política do trabalhador. A globalização e mundialização do capital, o
desenvolvimento da tecnologia, da automação e da robótica estabelecem novos
processos de trabalho. O sistema produtivo fabril transita do modelo fordista-
taylorista para o modelo toyotista, agora com base na flexibilização e
desespecialização,
onde o cronômetro e a produção em série e de massa são
“substituídos” pela flexibilização da produção, pela “especialização
flexível”, por novos padrões de busca de qualidade, por novas formas
de adequação da produção à lógica do mercado (ANTUNES, 2011,
p. 24)

Conforme este autor, não se deve compreender a mudança do taylorismo-


fordismo para o toyotismo como um novo modo de organização societária e nem
64

que essa mudança seja sinônimo de avanço do sistema capitalista. É preciso


analisar até que ponto esses dois modelos se diferenciam essencialmente. Contudo,
do ponto de vista do “estranhamento” do trabalho, no modelo toyotista este é mais
profundo.
Dado o avanço tecnológico, há uma redução da classe operária industrial
tradicional, caracterizando uma desproletarização do trabalho industrial em contraste
a um aumento do trabalho assalariado no setor de serviços dentro da lógica de
subproletarização que coloca o trabalhador em empregos parciais, precários e
temporários, que ainda por cima reduzem seus direitos trabalhistas. Esse processo
intensifica a heterogeneização, fragmentação e complexificação da classe
trabalhadora, como evidencia Antunes (Ibid., p. 41 – grifos do autor):

A desindentidade entre indivíduos e gênero humano, constatada por


Marx nos Manuscritos, encontra-se presente e até mesmo
intensificada [...] A subsunção do ideário do trabalhador àquele
veiculado pelo capital, a sujeição do ser que trabalha ao “espírito”
Toyota, à “família” Toyota, é de muito maior intensidade, é
qualitativamente distinta daquela existente na era fordismo. Esta era
movida centralmente por uma lógica mais despótica; aquela, a do
toyotismo, é mais consensual, mais envolvente, mais participativa,
em verdade mais manipulatória.

A própria lógica da gestão democrática invade as empresas, gerando uma


desconcentração industrial devido às formas de gestão participativa, trabalho em
equipe, entre outros.
Diante dessas mudanças apresentadas, o modelo de ciclos se apresenta
como uma proposta que se adapta às novas necessidades do capital. A começar
pela possibilidade que o ciclo tem de descongestionar o fluxo escolar e gerar mão de
obra com a qualificação necessária para o mercado, sem os altos gastos com
repetência escolar. Em segundo, o profissional a ser formado na escola, através do
processo educacional, deve se acomodar a essas novas exigências da
multifuncionalidade, criatividade, flexibilidade.

Quais são os contornos desse “novo tipo de trabalho”? Ele deve ser
mais “polivalente”, “multifuncional”, diferente do realizado pelo
trabalhador que se desenvolveu na empresa taylorista e fordista. O
trabalho que cada vez mais as empresas buscam não é mais aquele
fundamentado na especialização taylorista e fordista, mas o que se
gestou na fase da “desespecialização multifuncional”, do “trabalho
65

multifuncional”, que em verdade expressa a enorme intensificação


dos ritmos, tempos e processos de trabalho (Bernardo, 2004). E isso
ocorre tanto no mundo industrial, como nos serviços, para não falar
do agronegócio (ANTUNES, 2011, p. 107 – grifos do autor).

Com a alteração e desenvolvimento das forças produtivas há um


tensionamento para que se modifiquem as relações de trabalho, a consciência dos
indivíduos e a produção da própria existência material.
Este quadro mostra claramente que a produção econômica está relacionada
diretamente às outras dimensões da produção do homem e da sua vida na
sociedade e que são contagiadas pela lógica da produção, qual seja, a cultura, o
lazer, a educação e a saúde, entre outras. Os ciclos, portanto, também se encaixam
enquanto necessidade de mudar a escola seriada tradicional diante desses
tensionamentos e reajustes do capital que se encontram articulados com as novas
posturas políticas do neoliberalismo.
Ao retomar conceitos centrais das propostas de ciclos no Brasil que foram
indicadas em documentos oficiais de reformas educacionais fica fácil estabelecer
uma relação entre a individualidade, diferença, inclusão, a flexibilização dos tempos
e espaços escolares em diferentes propostas em andamento no país e as
transformações que ocorreram no modelo capitalista. O próprio pensamento
neoliberal e pós-moderno se torna visível na constituição das transformações
educacionais em particular as posições acerca do respeito ao diferente, a
valorização do cotidiano do aluno no currículo escolar, os múltiplos espaços de
formação para múltiplas habilidades, tudo isso transmutado e infiltrado no processo
de redemocratização do país.
Ao longo dessa relação entre educação escolar e sociedade capitalista, vê-se
prevalecer a proposição das estratégias educacionais utilizadas para amenizar
temporariamente graves conflitos escolares. Mesmo aquelas propostas que são
apresentadas pelo discurso crítico e que, em sua análise, evidenciam as
desigualdades sociais, mas suas ações ficam apenas no limite em

desejar utilizar as reformas educacionais que propusessem para


remediar os piores efeitos da ordem reprodutiva capitalista
estabelecida sem, contudo, eliminar seus fundamentos causais
antagônicos e profundamente enraizados (MÉSZÁROS, 2008, p. 26
– grifos do autor).
66

Discute-se a resolução dos efeitos do sistema capitalista, mas não sua causa.
A lógica do sistema capitalista se instaura de forma a gerar uma sensação de
impossibilidade de mudança da sua estrutura básica. Mészáros (2008) reforça que
um dos motivos para grandes reformas educacionais não terem sucesso se deve
principalmente por não compreender que o sistema capitalista e suas determinações
fundamentais serem irreformáveis, sua natureza reguladora sistêmica incorrigível e
seus parâmetros estruturais falsamente incontestáveis.

Limitar uma mudança educacional radical às margens corretivas


interesseiras do capital significa abandonar de uma só vez,
conscientemente ou não, o objetivo de uma transformação social
qualitativa. Do mesmo modo, contudo, procurar margens de reforma
sistêmica na própria estrutura do capital é uma contradição em
termos. É por isso que é necessário romper com a lógica do capital
se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional
significativamente diferente (ibid., p.27 – grifos do autor).

Diante disto, fica evidente o caráter interessado das soluções educacionais


formais apontando que essas políticas adotadas e difundidas em grande escala no
país, mesmo assumindo um discurso crítico, “podem ser completamente invertidas,
desde que a lógica do capital permaneça intacta” (Ibid., p. 45).
É importante compreender os projetos de mudanças, o que está por trás dos
seus objetivos e, sobretudo, analisar o real para avaliar quais são as possibilidades
efetivas de produzir mudanças e transformações tanto na sociedade como na
educação. É preciso verificar as razões das resistências dos professores que atuam
no modelo seriado diante da inserção da escola de ciclos e o porquê das mudanças
da escola seriada diante da crise educacional, mas sem analisar os fundamentos
que dão sustentação à resistência declarada e a realidade concreta da educação
capitalista existente, pode-se estar de frente com proposta de adequação e
manutenção da ordem estabelecida ou de resistências que existem por
conservação, inércia e ignorância quanto aos processos de reprodução social da
escola e suas possibilidades de mudança.
67

3 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES HOJE

Este capítulo pretende abordar a formação de professores no contexto atual


dentro de uma perspectiva de totalidade histórico social, situando os elementos
gerais (licenciatura) e específicos (Educação Física), sobretudo indicando as
reformas educacionais que se configuraram nas três últimas décadas. Não
analisaremos as políticas de formação de professores de forma detalhada, vamos
apenas apontar alguns de seus traços essenciais e dos programas de formação de
professores desenvolvidos na atualidade e sua relação com a vida social. Entre os
aspectos selecionados destacaremos a formação para as habilidades e
competências, o papel do Estado como mediador e defensor dos interesses privados
que consolidam a formação de professores de caráter acrítico e as mudanças da
Universidade dentro do processo de mercadorização da educação. Além disso,
salientaremos o real significado da formação de professores para as novas
demandas pedagógicas apresentadas pela escola em ciclos. Os autores referenciais
desta seção dos estudos se enquadram dentro do pensamento progressista e/ou
crítico da educação e da Educação Física.
Como no capítulo anterior, discorremos sobre a sociedade capitalista, seus
mecanismos de controle que permitem reestruturar e manter a hegemonia neoliberal
e sobre o papel do Estado e a importância da criação das políticas para atender a
essa finalidade. Cabe, agora, expor criticamente o compósito das políticas de
formação de professores e de outras políticas educacionais analisando como se
organizam para desenvolver uma nova lógica no processo de escolarização e
formação do trabalhador.

3.1. As Diretrizes Educacionais para os cursos de formação de professores

A política nacional de formação docente é o resultado de um processo


histórico que começou a se desenvolver especificamente a partir dos anos 90, com o
fortalecimento do modelo neoliberal de sociedade representado, no Brasil, pelo
governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), que acompanha as mudanças
globais do papel do Estado, das novas relações entre o público e o privado e do
desenvolvimento da globalização.
68

São vários os documentos, resultado de conferências e acordos mediados e


financiados por instituições internacionais, que vão dar o tom para o novo processo
de escolarização em nível mundial, pois se tornam referências para a construção de
políticas e diretrizes nacionais. No Brasil, esses documentos vão transitar entre o
crítico e reacionário, democrático e conservador, pela presença dos movimentos
sociais nos debates e conquistas em contraste com o mimetismo das políticas
neoliberais. Isto é, na correlação de forças, os documentos possuem, em certo
sentido, avanços teóricos, ideológicos e conceituais, por também serem parte dos
objetivos daqueles que lutaram no período militar por uma sociedade mais justa e
democrática. No entanto, os reais objetivos dessas políticas ficam ocultos ao
primeiro olhar, principalmente no que se refere às formas de concretização do
avanço qualitativo dessas políticas que, por vezes, esbarram nas condições
objetivas para sua materialização e no distanciamento entre a realidade social e o
que é proposto, ficando na superficialidade.
Quanto aos documentos internacionais que foram basilares para as reformas
no Brasil, evidenciamos, inicialmente a “Declaração Mundial sobre Educação para
Todos” (UNESCO, 1990), “Declaração de Nova Delhi sobre Educação para Todos”
(UNESCO, 1993) e “Declaração de Salamanca” (UNESCO, 1994). As declarações
foram construídas em reuniões internacionais com participação de representantes
de vários países para discutirem e acordarem ações para os rumos de um mundo
em globalização. Esses documentos apresentam características em comum, a
começar pela defesa de uma nova forma de compreender a aprendizagem, a escola
e o aluno para a educação do século XXI, assim como indicam formas de
organização do sistema educacional.
A educação para todos à qual se referem é a formação capaz de satisfazer as
necessidades básicas de aprendizagem, sendo elas, a leitura, a escrita, a expressão
oral, o cálculo, a solução de problemas, conhecimentos, habilidades, valores e
atitudes, tornando universal a educação básica. Para os jovens e adultos, destacam,
além da alfabetização, o aprendizado de técnicas e ofícios. Conforme o primeiro
documento:

1. Cada pessoa - criança, jovem ou adulto - deve estar em condições


de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer
suas necessidades básicas de aprendizagem. Essas necessidades
compreendem tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem
69

(como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de


problemas), quanto os conteúdos básicos da aprendizagem (como
conhecimentos, habilidades, valores e atitudes), necessários para
que os seres humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente
suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar
plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida,
tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo (UNESCO,
1990, p. 3).

O foco é a aprendizagem do aluno, voltado para suas individualidades e


diferenças, incluindo todos, até os alunos com alguma deficiência, respeitando a
diversidade e dando ao indivíduo a capacidade de lidar e enfrentar os problemas
sociais. Cabem ao professor e à escola o uso da criatividade e a competência de
inovar, utilizando metodologias que permitam ao aluno participar ativamente de sua
própria aprendizagem.
Para garantir que esse acordo internacional seja cumprido pelos países
participantes, a eficácia deve ser mensurada a partir de sistemas de avaliação de
desempenho, tendo como referência níveis desejáveis de aquisição de
conhecimentos (UNESCO, 1990).
Outro aspecto importante, bastante enfatizado nos três documentos, é a
necessidade de se estabelecer alianças entre a comunidade, família, governo,
parceiros não-governamentais e instituições privadas. Fica claro que, tendo em vista
a amplitude da proposta, o Estado não irá arcar sozinho com a responsabilidade e
solicitam, inclusive, a colaboração das instituições financeiras internacionais.
Por seguinte, a Unesco convoca uma comissão liderada por Jacques Delors
para produzir o livro Educação um Tesouro a descobrir, de 1996. Assim como as
três declarações supracitadas, a educação é apresentada como indispensável para
o desenvolvimento do homem e das sociedades, sendo necessário um esforço por
parte de todos para ser colocada em primeiro lugar.
Para falar da educação, a comissão apresenta o contexto mundial, expondo
um período em que ainda se falava na destruição e consequências da Segunda
Guerra Mundial e no fim da Guerra, assim, o discurso da paz e unificação entre os
povos encontra força. Outro elemento citado no documento é a globalização, o que
implica para aqueles que aceitaram o desafio, pensar um novo modelo educacional
que unisse e que fosse comum para todos.
70

O livro desenvolve de modo explicativo o que se defende nas outras três


declarações, trazendo mais elementos para orientar a nova forma de se pensar a
educação. Argumenta que o modelo tradicional de escola é insuficiente e
excludente, sendo necessário reformular as concepções, metodologias, currículo,
relação professor-aluno, dentre outros aspectos. Essa educação para um novo
século deve levar em consideração o novo contexto global de migrações em massa,
de pobreza e desemprego, de diversidade cultural, de multiplicidade de línguas, de
proliferação de meios de informação e comunicação, um mundo que se constrói
entre a globalização e a busca da identidade cultural.
Para a comissão, a educação deve seguir quatro pilares: aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. A educação se
apresenta com o papel de dar ao indivíduo condições de atingir objetivos sociais e
melhorar a qualidade de vida. O papel das políticas educativas é de poderem
“contribuir para um mundo melhor, para um desenvolvimento humano sustentável,
para a compreensão mútua entre os povos, para a renovação de uma vivência
concreta da democracia” (UNESCO, 1996, p. 14).
A escola deve achar formas de flexibilizar o caminho do aluno, principalmente
para aqueles que sofrem mais com problemas sociais, para garantir que ele tenha a
mesma oportunidade de conquistar suas necessidades básicas de aprendizagem. O
documento cita, inclusive, as salas de aceleração como alternativa para permitir que
o aluno em defasagem idade/série possa alcançar a sua turma na idade
correspondente.
Em um capítulo dedicado ao professor, evidenciam o quanto será exigido dele
o compromisso, os conhecimentos e as competências para lidar com esse contexto
diverso.

Espera-se que os professores sejam capazes, não só de enfrentar


estes problemas e esclarecer os alunos sobre um conjunto de
questões sociais desde o desenvolvimento da tolerância ao controle
da natalidade, mas também que obtenham sucesso em áreas em
que pais, instituições religiosas e poderes públicos falharam, muitas
vezes (UNESCO, 1996, p. 154).

E destaca que “quanto maiores forem as dificuldades que o aluno tiver de


ultrapassar — pobreza, meio social difícil, doenças físicas — mais se exige do
professor” (Ibid., p. 158-159). Por isso, para a comissão, essa profissão exige
71

motivação, competência, profissionalismo e devotamento16. O professor, ao assumir


esse desafio, deve sair da condição de solista17 para ser o acompanhante18 do
aluno, ajudando-o no processo de encontrar e organizar o saber, apresentando o
conhecimento ou informações sob a forma de problemas a solucionar. E mais,
enquanto uma classe organizada e vinculada aos sindicatos, devem extrapolar os
debates sobre salário e carreira para focar no papel do professor nessas reformas
objetivando “instaurar na profissão um clima de confiança e uma atitude positiva
diante das inovações educativas” (UNESCO, p. 156).
Após dez anos da primeira declaração, 164 governos realizaram outro
encontro, o “Fórum Mundial de Dakar”, no Senegal, para avaliar os progressos até
aquele momento, assim como verificar e assegurar as metas e objetivos do projeto
“Educação para todos”, originando o documento “Marco de Dakar, Educação para
todos: compromisso de Dakar” (UNESCO, 2000). Neste documento, já se
apresentam dados, metas, estratégias e prazos para os próximos anos reafirmando
os compromissos feitos desde a primeira declaração. Dentre os temas pendentes
para os países das Américas19 temos: assistência e educação da Primeira Infância;
Educação Básica; satisfação das necessidades básicas de aprendizagem de jovens
e adultos; resultados positivos de aprendizagem e qualidade da educação; educação
inclusiva; educação para a vida; aumento do investimento nacional em educação e
mobilização efetiva de recursos em todos os níveis; profissionalização docente;
novos espaços para a participação das comunidades e da sociedade civil; gestão da
educação.
No que se refere ao quesito Profissionalização Docente, destacamos os
seguintes pontos:

Tendo em conta que: [...] A valorização da profissão docente na


sociedade está associada ao melhoramento de suas condições de
trabalho e de vida. [...] Os países se comprometem a: Oferecer aos
docentes uma formação de alto nível acadêmico, vinculada à
pesquisa e à capacidade de produzir inovações, que os habilite no
desempenho de suas funções em contextos socioeconômicos,
culturais e tecnológicos diversos; Estabelecer políticas de
reconhecimento efetivo da carreira docente [...]; Implementar
sistemas de avaliação do desempenho dos docentes e de

16
Termo do próprio documento.
17
Idem.
18
Idem.
19
América Latina, Caribe e América do Norte.
72

mensuração da qualidade e dos níveis de êxito na profissão, com


base em padrões básicos, em consenso com as associações de
professores e organizações sociais (UNESCO, 2000, p. 35).

Observa-se, nessa citação, o empenho em voltar a formação para as


inovações e para lidar com contextos diversos, assim como controlar o trabalho do
professor a partir de sistemas de avaliação de desempenho. Segundo Oliveira
(2005), quando essas políticas e diretrizes afirmam o professor como protagonista
dessas reformas associando-o ao desempenho dos alunos, da escola e do sistema,
o professor passa a responder por exigências que extrapolam sua formação,
desempenhando funções que estão além da tarefa educativa.
Ambos os documentos citados evidenciam as novas demandas que, em certo
sentido, tornam o trabalho do professor mais complexo diante desses desafios
educacionais. Aparece um Estado que se isenta da total responsabilidade de
oferecer esse direito social para dividir o compromisso com toda a sociedade, com
olhar especial para o professor.
Com certeza, esse documento possui um significado importante por
apresentar uma visão mais humanista para a educação em que se valoriza o
diálogo, a inclusão, o respeito aos processos diferenciados de aprendizagem, o
desenvolvimento de outras dimensões do ser humano que não apenas a cognitiva,
entre outros. Este relatório retoma e denuncia vários acontecimentos em nível
mundial, no entanto, sem apontar de fato qual é o grande causador, não reconhece
que, dentro do contexto denunciado, existe uma estrutura que sustenta e provoca a
pobreza, a fome e a desigualdade. Tudo é colocado como se não houvesse sujeitos
e processos históricos que o provocassem, como se fossem fenômenos naturais que
fugissem ao controle do homem e que a união de todos em torno da educação
pudesse modificar e superar a situação. A pauta da educação é usada como uma
forma de todos olharem para os problemas sociais de outro modo, como algo que
temos que aprender a enfrentar, juntos, e não transformar e superar.
Todos os elementos apontados como a inclusão, aproximação com a
realidade social do aluno e valorização da cultura, são inseridos de forma superficial
por não dialogarem com a totalidade. Colocam a escola como o espaço que vai
permitir trabalhar tudo isso e mudar o aluno. Lidar com a realidade social, apenas
reconhecendo-a, sem discutir, debater e ter consciência da sua origem, coloca o
73

professor e a escola em uma situação de buscar ações pragmáticas para se resolver


problemas que são mais profundos.
No fundo, os novos pilares para a educação e a formação de professores
assumem uma “cultura empresarial no sistema brasileiro”. Segundo Silva (2003, p.
291),

após a Segunda Guerra Mundial, o Banco Mundial (1944) e o Fundo


Monetário (1944) assumem a liderança política e afirmam ter
capacidade para prover o desenvolvimento econômico nos países
devedores. Por meio de empréstimos aprofundaram ainda mais a
dependência dos governos e exigiram vantagens para o capital.
Resultado: a execução de políticas sociais insuficientes,
compensatórias, fragmentadas e focalizadas que aprofundam as
desigualdades.

Os países em desenvolvimento como o Brasil, ao realizarem empréstimos


junto a essas instituições, ficam presos aos projetos e sob o controle desses acordos
são pressionados a cumprir com o mínimo de gastos possível para que o pagamento
da dívida e dos juros seja garantido. Silva (2003) explica que mesmo com os
empréstimos, os financiamentos são parciais, pois exigem uma contrapartida do país
em questão e só são concretizados quando este realizar sua parte do acordo,
cumprindo as exigências internacionais. Revestidos de cooperação técnica e ajuda
aos países menos desenvolvidos, esses projetos, que direcionam a educação,
saúde, cultura, produção científica e tecnológica, entre outros setores da sociedade,
partem de políticas formuladas pelos conselhos dessas instituições internacionais
que são compostas por ninguém menos que representantes dos países
desenvolvidos e por uma equipe técnica responsável por avaliar, fiscalizar e
controlar o uso dos recursos adquiridos pelo empréstimo. Por fim, é possível afirmar
que o país considerado menos desenvolvido é prejudicado, já que, de forma
descontextualizada, é obrigado a assumir ações adequadas ao Banco, mas lesivas
ao país. Sobre essa relação que os países estabelecem com essas organizações,
Silva (2003, p. 288) destaca:

Não é apenas a presença das missões e dos técnicos do Banco


Mundial que nos preocupa, algo que vem sendo praticado desde
1964, quando foram assinados os Acordos MEC-USAID, entregando
a reorganização da educação brasileira aos técnicos da Agency for
International Development [AID] (Romanelli, 2003, p. 213), mas a
74

receptividade que este pensamento encontra nos técnicos brasileiros


e que se materializa na criação de uma estrutura paralela ao MEC
para fiscalizar, avaliar e pressionar, com a anuência do governo
federal. A presença e a atuação desses técnicos foi exemplar na
década de 1990, pela sua capacidade de servir-se da estrutura
organizacional para canalizar seus objetivos, ideologias,
estratégias e concepção de educação.

Dourado (2002, p. 241) complementa:

Nos anos 90, especialmente na gestão de Fernando Henrique


Cardoso, as políticas públicas são reorientadas por meio, entre
outros processos, da reforma de Estado que, como explicitamos
anteriormente, engendra alterações substantivas nos padrões de
intervenção estatal, redirecionando mecanismos e formas de gestão
e, consequentemente, as políticas públicas e, particularmente, as
políticas educacionais em sintonia com organismos multilaterais. Tais
ações na arena educacional expressam-se no processo que resultou
na aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei nº 9.394/96), negligenciando parte das bandeiras encaminhadas
pela sociedade civil, especialmente o Fórum Nacional em Defesa da
Escola Pública.

Com base nesses acordos realizados entre o Brasil e as instituições


financeiras internacionais para desenvolver os projetos de educação, alguns
documentos nacionais foram fundamentais para orientar a educação brasileira 20.
Iniciando pelo Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003), este foi
criado em consonância a Conferência Mundial sobre educação para todos e propõe
estratégias e metas para ampliar a educação básica no país. O documento se
apresenta com o objetivo de realizar um levantamento de informações sobre a
realidade das escolas brasileiras e orientar um debate acerca das problemáticas
escolares, para que cada escola estabeleça metas próprias para os próximos dez
anos refletindo sobre os seguintes temas sugeridos: acesso, sucesso escolar,
aprendizagem, professores e profissionais do ensino, gestão, relacionamento com a
comunidade, cidadania na escola, financiamento e gastos com a educação. Por

20
Para abordar a política nacional de formação docente, vamos utilizar como ponto de partida o
Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003), Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (1996), Plano Nacional de Educação – Lei 10.172 (2001), Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Formação de Professores da Educação Básica (2002), Plano de Desenvolvimento da
Educação (2007), Plano de Metas Todos pela Educação (2007), Política Nacional de Formação de
Profissionais do Magistério da Educação Básica (2009), Documento Final Conae (2010), Documento
Final Conae (2014), Plano Nacional de Educação – Lei 13.005 (2014), Parecer CNE/CP nº 2/2015,
Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (2015) e o documento
preliminar Pátria Educadora (2015).
75

mais que se fale em melhoria da qualidade da educação o documento deixa claro


que “o Plano responde ao dispositivo constitucional que determina ‘eliminar o
analfabetismo e universalizar o ensino fundamental’ nos próximos dez anos”
(MEC/UNESCO, 1994, p.14) entendendo que

as diferentes clientelas a serem atendidas trazem consigo


necessidades de aprendizagem igualmente variadas, exigindo das
escolas grande flexibilidade e capacidade de adaptação em seus
planos de ensino e métodos de gestão. Para incentivar estas
qualidades da escola, experiências inovadoras serão objeto de
acompanhamento, avaliação, apoio e disseminação, tendo em vista
estimular seu efeito de demonstração para o desenvolvimento de
estratégias educativas aptas a suplantar as questões críticas do
sistema, especialmente as que dizem respeito à "cultura da
repetência", à avaliação da qualidade e à eficiência e
democratização da gestão escolar (MEC/UNESCO, 1994, p. 47 –
grifos nossos).

Diante da necessidade de universalizar o ensino básico e alfabetizar em


massa, as políticas e programas caminham no sentido de garantir o acesso e a
permanência do aluno na escola o que, do ponto de vista pedagógico, significa que
o professor deve aderir à novas estratégias e metodologias de ensino. É o
documento que apresenta para o Brasil as demandas internacionais, pautando para
as escolas as mudanças necessárias para esse novo contexto 21.
Com a fim do governo Itamar Franco e início do governo FHC, em 1995,
começa um período caracterizado por três estratégias articuladas e
complementares: desregulamentação, descentralização e autonomia e privatização,
em que qualquer ação ou política estava “associada e subordinada aos organismos
internacionais, gestores da mundialização do capital e dentro da ortodoxia da
cartilha do credo neoliberal, cujo núcleo central é a ideia do livre mercado e da
irreversibilidade de suas leis” (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003, p. 103).

Em seu conjunto, o projeto educativo do Governo Cardoso encontra


compreensão e coerência lógica quando articulado com o projeto de
ajuste da sociedade brasileira às demandas do grande capital. As
demandas da sociedade organizada são substituídas por medidas
produzidas por especialistas, tecnocratas e técnicos que definem as

21
Se tratando dos ciclos, esse pontapé inicial para a discussão no interior da escola sobre sua
organização e diretrizes foi o que possibilitou o desenvolvimento de escolas em ciclos em nível
experimental em várias regiões do país.
76

políticas de cima para baixo e de acordo com os princípios do ajuste


(FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003, p. 106-107).

As reformas educacionais, em destaque a aprovação da LDB, se constroem a


partir de uma correlação de forças entre os movimentos sociais e o governo. Como
estratégia, o governo utilizou-se do Conselho Nacional de Educação (CNE) e,
durante todo o mandato do FHC, foram nomeados conselheiros suficientes em
número para garantir que o projeto educativo não escapasse aos princípios da
reforma política e econômica.

Na primeira composição foram incluídos alguns nomes sugeridos


pelas entidades do magistério, mas sem força suficiente para além
de retardar ou dificultar algumas medidas. No segundo mandato do
ministro (1998-2002), o CNE, reeditando o passado, foi espaço de
legitimação do projeto mercantilista e privatista do Governo Cardoso
(FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003, p. 111).

Dado o alinhamento da LDB com as forças conservadoras seguindo o modelo


de educação do pensamento neoliberal, esse documento foi alvo de críticas dos
movimentos organizados da sociedade civil 22. Ainda assim, é um documento
importante para a reforma educacional até os dias atuais, conduzindo inúmeras
reformas sob a forma de diretrizes e parâmetros. Naquele período, dentre os
documentos oficiais que vão normatizar o projeto de formação de professores para a
educação básica, estão o Parecer nº 9/CNE/2001 e a Resolução nº 1/CNE/ 2002 23.

Art. 3º A formação de professores que atuarão nas diferentes etapas


e modalidades da educação básica observará princípios norteadores
desse preparo para o exercício profissional específico, que
considerem: I - a competência como concepção nuclear na
orientação do curso; II - a coerência entre a formação oferecida e a
prática esperada do futuro professor, tendo em vista: a) a simetria
invertida, onde o preparo do professor, por ocorrer em lugar similar
àquele em que vai atuar, demanda consistência entre o que faz na
formação e o que dele se espera; b) a aprendizagem como processo
de construção de conhecimentos, habilidades e valores em interação
com a realidade e com os demais indivíduos, no qual são colocadas
em uso capacidades pessoais; c) os conteúdos, como meio e suporte
para a constituição das competências [...] (BRASIL, 2002 – grifos
nossos).

22
Segundo David (2003), movimentos organizados como a Anfope, Andes-SN, CNTE, Anped, CBCE
e outros, realizam críticas ao modo anti-democrático que a LDB foi aprovada no Congresso Nacional.
23
Resolução e parecer sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores
da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena.
77

Se por um lado eles apresentam avanços pelas novas relações que


estabelecem entre a aproximação com a realidade e os processos formativos do
aluno e do docente, a centralidade no desenvolvimento das competências como
alicerce para a formação do professor pode demonstrar a fragilidade desses
documentos no que se refere à resolução das problemáticas da educação básica. O
próprio conteúdo de ensino fica submetido ao desenvolvimento da competência.
Segundo o documento, o currículo para a formação do professor deve
prepará-lo para ensinar visando a aprendizagem do aluno, lidar com a diversidade,
promover atividades de enriquecimento cultural, desenvolver práticas investigativas,
desenvolver conteúdos do currículo a partir de projetos, utilizar metodologias e
tecnologias inovadoras e desenvolver a colaboração e o trabalho em equipe.
Observa-se que nada desses elementos foge das demandas amplamente
incentivadas pelos documentos que viemos analisando até o momento.
Os cursos de formação, além de abranger as competências necessárias para
a atuação profissional, são convocados a ressignificar também os seus processos
avaliativos e didáticos, priorizando a autonomia do professor em relação aos seus
processos de aprendizado, que deve ser fundamentalmente orientado pelo princípio
metodológico da resolução de situações-problema. Conforme o artigo 5º das DCN,
parágrafo único, “a aprendizagem deverá ser orientada pelo princípio metodológico
geral, que pode ser traduzido pela ação-reflexão-ação e que aponta a resolução de
situações-problema como uma das estratégias didáticas privilegiadas”.
Quanto aos conhecimentos exigidos aos cursos para que se construam as
competências necessárias, a formação deve contemplar:

I - cultura geral e profissional; II - conhecimentos sobre crianças,


adolescentes, jovens e adultos, aí incluídas as especificidades dos
alunos com necessidades educacionais especiais e as das
comunidades indígenas; III - conhecimento sobre dimensão cultural,
social, política e econômica da educação; IV - conteúdos das áreas
de conhecimento que serão objeto de ensino; V - conhecimento
pedagógico; VI - conhecimento advindo da experiência (BRASIL,
2002).

De modo geral, o documento apresenta orientações que giram em torno da


formação para as competências dando a sensação de reducionismo para com as
78

demais dimensões, dentre elas o conteúdo, que fazem parte e são fundamentais
para a formação do professor. De certo modo, a supervalorização das competências
deixa “a impressão de que a educação está sendo tratada pelo governo de forma
simplista, reducionista e imediatista do processo educacional em seu todo” (DAVID,
2003, p. 6).
Outro documento aprovado durante o governo FHC foi o Plano Nacional de
Educação (2001). O documento associa a melhoria da qualidade de educação com
a valorização do magistério que se dará através de uma política global que articule
três condições fundamentais: formação profissional inicial, condições de trabalho,
salário e carreira e formação continuada (BRASIL, 2001). Abaixo, segue o texto do
objetivo e prioridade no PNE de 2001 sobre a formação e carreira do professor:

4. Valorização dos profissionais da educação. Particular atenção


deverá ser dada à formação inicial e continuada, em especial dos
professores. Faz parte dessa valorização a garantia das condições
adequadas de trabalho, entre elas o tempo para estudo e preparação
das aulas, salário digno, com piso salarial e carreira de magistério
(BRASIL, 2001).

De acordo com Frigotto e Ciavatta (2003, p. 112), a aprovação do PNE de


2001 foi “uma resposta autocrática do Governo Cardoso (1994-2002) ao Plano
Nacional da Educação da Sociedade Brasileira, elaborado sob a liderança do Fórum
Nacional em Defesa da Escola Pública” pois, “no Brasil, onde a tradição autoritária
suplanta, freqüentemente, os procedimentos democráticos, os planos educacionais
aproximam-se da política e assumem sua feição mais genérica, ficando a salvo do
cumprimento de metas definidas em função dos problemas a resolver” (Idem).
Segundo eles,

O projeto governamental foi orientado pelo centralismo de decisões,


da formulação e da gestão da política educacional, principalmente na
esfera federal. Pauta-se pelo progressivo abandono, por parte do
Estado, das tarefas de manutenção e desenvolvimento do ensino,
por meio de mecanismos de envolvimento de pais, organizações
não-governamentais, empresas e de apelos à “solidariedade” das
comunidades onde se situam as escolas e os problemas. O que
resultou em parâmetros privatistas para o funcionamento dos
sistemas de ensino (Ibid., p. 112).

Freitas (2007) aponta que, em relação às condições de trabalho, salário e


carreira, o PNE não apresentou metas concretas para seu enfrentamento e
79

superação no que se refere, por exemplo, à quantidade de alunos por professor,


implantação de jornada única, implementação do piso salarial nacional, dentre
outros. Assim, os itens afirmados nesses documentos acabam por se tornar
abstratos à medida que não apresentam ações concretas para se alcançar as
melhorias. A autora ainda destaca que a realidade social das crianças e jovens que
frequentam as escolas elevam as condições do trabalho pedagógico na escola
pública para outro patamar, o que demandaria um alto investimento na formação e
nas condições de trabalho do professor.
Para Oliveira (2009), essas reformas que se deram no período FHC
caminharam em sentido contrário à Constituição Federal de 1988, à medida que se
utilizou de emendas constitucionais para priorizar a determinado público alvo o que
deveria ser direito universal24. Outra problemática identificada nas políticas do
período FHC é que a dinâmica de resolver problemas locais e imediatos da escola
provocou certa desmobilização das organizações dos profissionais da educação que
passaram a concentrar seus esforços para resolução de problemas do seu local de
trabalho não mais se relacionando com a educação em um sentido mais amplo.

Tais mudanças contribuem para o desmantelamento dos regimes


organizativos dos profissionais da educação, com base em maior
autonomia de caráter corporativo-profissional, e sua substituição por
regimes de empresa: o estabelecimento de missões e objetivos que
cada escola por si deve atingir. Esse processo faz com que a escola
vá se distanciando do contexto social e político mais amplo no qual
está inserida, restringindo-se a uma visão do entorno mais imediato –
o local –, o que aos poucos contribui para o enfraquecimento da
noção de educação como bem público e universal. [...] põe em
prática novas formas de controle e vigilância, de autoverificação,
muitas vezes com base na cobrança dos resultados que foram
prometidos por meio da fixação de objetivos e metas pelos próprios
envolvidos (Ibid., p. 202).

Com a transição para o governo Lula (2003-2011) a expectativa dos eleitores


desse novo governo era de ruptura com a racionalidade técnica presente nas
políticas do FHC (OLIVEIRA, 2009). Aqui no Brasil, como em outros países da
América Latina, os indicadores de qualidade da educação acabaram por evidenciar
o fracasso das reformas que se deram a partir dos anos 1990, demandando aos

24
A autora cita como exemplo o investimento no ensino fundamental via Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) que substituiu o
amplo direito à educação do nascimento à conclusão do ensino médio.
80

novos governos com caráter democrático e popular essa necessidade de criar novas
políticas que apresentassem, em certa medida, rupturas com o modelo das reformas
já implementadas (FREITAS, 2012). No entanto, para Oliveira (2009, p. 198),

o primeiro mandato do presidente Lula foi marcado, no campo


educacional, muito mais por permanências que rupturas em relação
ao governo anterior. Tendo sido herdeiro de uma reforma
educacional de longo alcance e complexidade, que durante os dois
mandatos do governo que o precedeu – FHC – mudou os rumos da
educação brasileira do nível básico ao superior, restava a esse
governo re-reformar a educação ou conservar e manter as iniciativas
anteriores. A opção parece ter sido pelo segundo caminho.

O que se pode observar no sentido geral é que existe uma continuidade no


projeto educacional do governo anterior, inclusive no desenvolvimento de políticas
que priorizassem a inclusão social no lugar do direito universal à educação, mas
pode-se identificar também uma ambivalência nas políticas do governo Lula, em
especial no seu segundo mandato. O governo federal se diferenciou no sentido de
desenvolver programas “estabelecendo parcerias com os municípios e com as
escolas diretamente, muitas vezes sem a mediação dos estados, consolidando
assim um novo modelo de gestão de políticas públicas e sociais” (OLIVEIRA, 2009,
p. 197).
Quando se analisa, por exemplo, o Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE) e o Plano de Metas Todos pela Educação, ambos de 2007, observa-se um
conjunto de medidas e programas que estabelecem uma nova relação com os
municípios e escolas. “Por meio do Plano de Ações Articuladas (PAR), o governo
federal presta assistência técnica e apoio aos municípios buscando, nas palavras do
próprio ministro, consolidar uma cultura de parcerias para melhorar a qualidade do
ensino” (OLIVEIRA, 2009, p. 205). Por um lado a busca pela qualidade ocorre ainda
por meio do discurso do compromisso de todos pela educação, contando com
parceiros da sociedade em geral, regulada por avaliações de padrões de qualidade
como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), evidenciando a
continuidade das políticas implantadas a partir de 1990. Por outro lado, o governo
81

federal passa a atuar, em certa medida, como protagonista na definição de políticas


em âmbito nacional o que não havia ocorrido no governo passado25 (Ibid.).

O PDE, apesar de ser apresentado como portador de uma


concepção de educação formal pública que é responsabilidade do
Estado, constitui-se da reunião de dezenas de programas
independentes desenvolvidos no âmbito do MEC. As ações, em
número de mais de 40, que compõem o PDE, ao mesmo tempo em
que expressam a mesma orientação das políticas descentralizadas,
focadas em público alvo específico e implementadas em nível local,
tentam resgatar o protagonismo do Estado [...] Essa é a ambivalência
que tem marcado as políticas educacionais do governo Lula no seu
segundo mandato. O que se pode depreender das citações acima,
que, em certa medida, refletem ações e políticas congruentes ao
afirmado, é que diferentemente do governo anterior, os princípios e
dispositivos conquistados na Constituição Federal da República de
1988 constituem-se em importante referência na condução das
políticas. Mas essa é uma questão que merece maior investigação
(Ibid, p. 206-207).

As contradições existentes no governo Lula e no que se segue, da Presidente


Dilma, vão alcançar proporções maiores evidenciado pela disputa da hegemonia
entre os poderes executivo, legislativo e judiciário e no interior do próprio poder
executivo (OLIVEIRA, 2015).

A tramitação do Plano Nacional de Educação (PNE) foi bastante


ilustrativa dessas contradições, o que fez com que tal processo
levasse mais de três anos no Congresso Nacional. Sob fortes
pressões de diversos setores, incluindo o empresariado, grupos
religiosos, Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE),
Organizações Não Governamentais (ONG) e a vigilância permanente
das entidades do movimento educacional, com especial destaque
para aquelas que compõem o Fórum Nacional de Educação (FNE), o
texto sofreu avanços e recuos em relação ao projeto de lei original
(PL 8.035/2010), apresentado pelo poder executivo, que deveria ser
embasado no Documento da Conferência Nacional de Educação
(CONAE 2010) (ibid., p. 628).

Além disso, ao mesmo tempo em que investem em políticas sociais


permitindo o acesso aos que mais precisam e se demonstram eficientes no combate
à pobreza26, as políticas desenvolvidas continuaram a responder pelas demandas

25
Segundo Oliveira (2009), um exemplo disto é a atuação do governo com relação ao piso salarial
profissional nacional do magistério.
26
Segundo o Relatório do Desenvolvimento Humano de 2015, o Programa Bolsa Família,
(desenvolvido no governo Lula desde 2003) é um dos maiores programas de transferência de
82

dos setores privados empresariais27. O governo reconhece, por exemplo, a pobreza


e a desigualdade e como ela se reproduz no interior e na própria estrutura da escola,
realiza investimentos em políticas sociais que amenizam e atrelam o educando ao
âmbito escolar, mas não abriu mão dos mecanismos de controle e de avaliação
escolar no intuito de avaliar sua eficiência baseada no mérito acadêmico (OLIVEIRA,
2015).
Quanto à formação de professores, essas contradições também vão ocorrer à
medida que se mantém a lógica do controle pela avaliação em que os professores
são sufocados de procedimentos avaliativos, vinculando o sucesso do seu trabalho
ao desempenho do aluno em exames nacionais, além de criar funções na escola
que permitem a contratação de profissionais sem formação adequada gerando o
processo de flexibilização e desprofissionalização do magistério (FREITAS, 2012).
Por outro lado há uma expansão das oportunidades de formação inicial e continuada
para os professores, em vários formatos e modalidades e, o mais importante, criam-
se, nesse período políticas que, de certo modo, representam um arcabouço legal
para garantia de melhorias nas condições de trabalho e de formação do professor
como, por exemplo, a aprovação do Piso Salarial Nacional (Lei nº 11.738/08) e a
Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica
instituída pelo decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009. Esta última se apresenta
com a finalidade de organizar a formação inicial e continuada dos docentes que
atuam na educação básica pública do país.
Segundo informação retirada do site28 da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o objetivo desta política é de

Induzir e fomentar a oferta de educação superior, gratuita e de


qualidade, para professores em exercício na rede pública de
educação básica, para que estes profissionais possam obter a
formação exigida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDB e contribuam para a melhoria da qualidade da
educação básica no País.

rendimento do mundo. Em 2012, abrangeu 26% da população brasileira. “Desde que o programa foi
lançado, 5 milhões de brasileiros saíram da pobreza extrema, sendo que, até 2009, o programa havia
reduzido a taxa de pobreza num valor estimado de 8 pontos percentuais. É atribuído ao programa o
mérito do aumento das taxas de matrícula em 5,5 pontos percentuais no ciclo dos 1-4 anos de
escolaridade e de 6,5 pontos percentuais no ciclo dos 5-8 anos de escolaridade, embora o seu efeito
sobre as taxas de abandono escolar não tenha sido tão positivo” (PNUD, 2015, p. 189).
27
Oliveira (2015) cita como exemplo o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o
Financiamento estudantil (FIES).
28
Disponível em: http://www.capes.gov.br/educacao-basica/parfor.
83

Dentre seus doze princípios, reforça a importância de formação docente para


a garantia da qualidade da educação. Enfocamos, do artigo 2º, os incisos II, V e XI,
que afirmam:

II - a formação dos profissionais do magistério como compromisso


com um projeto social, político e ético que contribua para a
consolidação de uma nação soberana, democrática, justa, inclusiva e
que promova a emancipação dos indivíduos e grupos sociais; V - a
articulação entre a teoria e a prática no processo de formação
docente, fundada no domínio de conhecimentos científicos e
didáticos, contemplando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão; XI - a formação continuada entendida como componente
essencial da profissionalização docente, devendo integrar-se ao
cotidiano da escola e considerar os diferentes saberes e a
experiência docente (BRASIL, 2009).

Quanto aos documentos mais recentes, o que podemos constatar é que as


exigências dos pensadores progressistas da educação se fazem mais presentes,
provavelmente pelos embates travados a partir dos resultados obtidos com as
primeiras reformas implementadas.

A avaliação do PNE (2001-2010) mostra que as metas


estabelecidas para os profissionais da educação, em todos os
níveis, etapas e modalidades, foram objeto de políticas e ações em
decorrência, principalmente, do PDE. Contudo, demandas relativas
à valorização dos profissionais da educação continuam na agenda
para o atual PNE. São várias as razões para que o quadro assim se
apresente, e, talvez, as mais profundas sejam decorrentes das
políticas de formação e de financiamento, que não viabilizaram o
atendimento das metas nos planos anteriores. Também é preciso
destacar a pouca visibilidade desses profissionais na sociedade
brasileira (CONAE, 2014).

Iniciando pela análise do PNE, várias pautas favoráveis aos educadores são
inseridas. Destacamos as metas quinze e dezesseis que tratam da formação de
professores inicial e continuada:

Meta 15: garantir, em regime de colaboração entre a União, os


Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de 1 (um) ano
de vigência deste PNE, política nacional de formação dos
profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput
do art. 61 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurando
que todos os professores e as professoras da educação básica
possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de
licenciatura na área de conhecimento em que atuam [...] Meta 16:
84

formar, em nível de pós-graduação, 50% (cinquenta por cento) dos


professores da educação básica, até o último ano de vigência deste
PNE, e garantir a todos(as) os(as) profissionais da educação básica
formação continuada em sua área de atuação, considerando as
necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de
ensino (BRASIL, 2014).

Nas estratégias elaboradas para alcançar essa meta, o documento abrange o


financiamento estudantil para estudantes de licenciatura, ampliação dos programas
de iniciação à docência, programas de formação específicos para profissionais da
educação indígena, quilombola, do campo e da educação especial, concessão de
bolsas de estudo de idiomas, dentre outros.
Em relação à valorização, a meta 17 propõe equiparar a renda média do
professor da rede básica aos demais profissionais com escolaridade equivalente e a
meta 18 assegura a criação dos planos de carreira tomando como base o piso
salarial nacional.
Em 2015, foi aprovado outro documento de extrema relevância, trata-se das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de
licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda
licenciatura) e para a formação continuada (DCN). Em relação aos princípios e
fundamentos que as norteiam, podemos dizer que existem avanços em relação às
DCN de 2002 e aos demais documentos que vieram orientando o processo de
formação docente. Deixando um pouco de lado a noção de competências,
observemos como são apresentados os conceitos de docência e de ação do
professor no artigo 2º:

§ 1º Compreende-se a docência como ação educativa e como


processo pedagógico intencional e metódico, envolvendo
conhecimentos específicos, interdisciplinares e pedagógicos,
conceitos, princípios e objetivos da formação que se desenvolvem na
construção e apropriação dos valores éticos, linguísticos, estéticos e
políticos do conhecimento inerentes à sólida formação científica e
cultural do ensinar/aprender, à socialização e construção de
conhecimentos e sua inovação, em diálogo constante entre
diferentes visões de mundo. § 2º No exercício da docência, a ação
do profissional do magistério da educação básica é permeada por
dimensões técnicas, políticas, éticas e estéticas por meio de sólida
formação, envolvendo o domínio e manejo de conteúdos e
metodologias, diversas linguagens, tecnologias e inovações,
contribuindo para ampliar a visão e a atuação desse profissional.
(BRASIL, ano).
85

A primeira DCN estava associada, por completo, às novas demandas


internacionais, tendo como foco a formação das competências necessárias para o
professor lidar com o que fosse necessário para manter o aluno dentro da escola,
nos seus mais variados contextos e personalidades. Como mencionado
anteriormente, até o próprio conteúdo a ser ensinado estava subserviente ao
desenvolvimento dessas competências.
Nas DCN de 2015, ainda podemos observar a presença, em vários
momentos, dessas demandas, porém, também estão presentes as pautas dos
movimentos progressistas da educação. De acordo com o artigo 3º, a formação
inicial e continuada deve preparar e desenvolver o profissional nas mais diversas
etapas e modalidades da educação formal,

a partir de compreensão ampla e contextualizada de educação e


educação escolar, visando assegurar a produção e difusão de
conhecimentos de determinada área e a participação na elaboração
e implementação do projeto político-pedagógico da instituição, na
perspectiva de garantir, com qualidade, os direitos e objetivos de
aprendizagem e o seu desenvolvimento, a gestão democrática e a
avaliação institucional (BRASIL, 2015).

Cabível de interpretações variadas, esse trecho do documento pode


apresentar avanços a partir do momento que a formação construída a partir de uma
compreensão ampla e contextualizada da educação possa significar a educação em
relação dialética com a sociedade, onde se intervém a partir da sua área de
conhecimento, e quando a participação pode se referir à participação enquanto
sujeito político nos espaços da escola. Outro elemento a ser considerado é o papel
ocupado pela pesquisa na formação, aparentemente, mudando de significado no
processo formativo. Nas DCN de 2002 temos a pesquisa quase como um aparato
metodológico para incentivar o estudo e a busca pelo conhecimento. Onde aparece
no artigo 3º: “III - a pesquisa, com foco no processo de ensino e de aprendizagem,
uma vez que ensinar requer, tanto dispor de conhecimentos e mobilizá-los para a
ação, como compreender o processo de construção do conhecimento”. Já na diretriz
atual a pesquisa aparece sempre atrelada à concepção de universidade que deve
ser orientada pelo “ensino-pesquisa-extensão” dando à pesquisa o status de
processo formativo mais complexo de apreensão da realidade para (re)elaboração
da práxis docente.
86

Ainda na DCN de 2015, a base comum nacional estipulada para a formação


dos profissionais do magistério também apresenta avanços quando se desvinculam
das necessidades imediatas de aprendizagem do aluno e se vinculam às
necessidades de formação do sujeito-professor e seu papel social na escola a partir
da inserção do conhecimento em sua dimensão emancipatória que pode ser
oportunizado pela universidade. Se em alguns momentos é possível observar as
competências diluídas dentre os princípios, em outros podemos perceber a
retomada do papel do conhecimento na formação. Citamos alguns exemplos
contidos no artigo 5º:

I - à integração e interdisciplinaridade curricular, dando significado e


relevância aos conhecimentos e vivência da realidade social e
cultural, consoantes às exigências da educação básica e da
educação superior para o exercício da cidadania e qualificação para
o trabalho; II - à construção do conhecimento, valorizando a pesquisa
e a extensão como princípios pedagógicos essenciais ao exercício e
aprimoramento do profissional do magistério e ao aperfeiçoamento
da prática educativa; [...] V - à elaboração de processos de formação
do docente em consonância com as mudanças educacionais e
sociais, acompanhando as transformações gnosiológicas e
epistemológicas do conhecimento (BRASIL, 2015)

Em segundo momento, o conhecimento aparenta estar secundarizado pelas


habilidades e informações ao descrever no artigo 7º a característica geral do
egresso que “[...] deverá possuir um repertório de informações e habilidades
composto pela pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos, resultado do
projeto pedagógico e do percurso formativo vivenciado cuja consolidação virá do seu
exercício profissional” (BRASIL, 2015).
Ainda em relação ao conteúdo, existe uma mudança na carga horária mínima
passando de 2.800 para 3.200. A Resolução CNE/CP 02/2002 indica, no artigo 1º “III
– 1.800 (mil e oitocentas) horas de aulas para os conteúdos curriculares de natureza
científico-cultural”, enquanto a DCN atual indica “III - pelo menos 2.200 (duas mil e
duzentas) horas dedicadas às atividades formativas estruturadas pelos núcleos
definidos nos incisos I e II do artigo 12 desta Resolução, conforme o projeto de curso
da instituição” (BRASIL, 2015). Esta mudança de carga horária permite a ampliação
87

dos conteúdos pertinentes à formação e também a equiparação aos cursos de


bacharelado29.
Como se tratam de políticas recentes, mesmo contando com a participação
civil para a elaboração do novo plano nacional de educação e das novas diretrizes
para formação de professores, os desdobramentos e materialização dessas políticas
ainda precisam de tempo para serem analisadas. São várias as interpretações e
caminhos a serem seguidos no processo de transposição dessas diretrizes, até
mesmo pelo fato de cada instituição ter certa autonomia na construção do currículo.
O que se pode apontar, diante da conjuntura política atual, é que o contexto não se
demonstra favorável à categoria dos professores e ao avanço da educação. Com
base nos cortes realizados atualmente na educação, pela instabilidade política
instaurada e com a proposta de um documento preliminar, “Pátria Educadora”, que,
em certo sentido, anula o PNE de 2014, o cenário indica que a luta pelas condições
de trabalho e valorização da carreira docente vai ser longa e complicada.

3.2 A Formação inicial de professores em Educação Física hoje

Para se falar da formação inicial em Educação Física (EF) nos dias atuais, é
necessário pontuar que todas essas tramas, crises e conflitos que se dão no nível
macro se relacionaram na constituição da EF brasileira e, consequentemente, na
organização e nos princípios do processo formativo do professor de EF. Além de
acompanhar as mudanças da totalidade, a trajetória das diretrizes que orientam a
formação do professor de EF, segue uma característica própria, em virtude dos
conflitos internos oriundos da disputa de interesses no nível epistemológico, de
mercado e ideológico.
Portanto, não cabe apenas evidenciar as políticas e documentos que orientam
a formação em nível superior, pois o que estudamos até o momento nos dá
condições de perceber que, essas políticas, assim como as demais transformações
sociais expostas no trabalho até o momento, apresentam uma direção política e
orientação teórico-metodológica “que objetivam garantir uma formação intelectual,
profissional e cultural dentro de horizontes ideológicos previamente estabelecidos
pela lógica capitalista” (DAVID, 2002, p. 120).

29
Retomaremos esse debate acerca das implicações da carga horária no item a seguir.
88

torna-se difícil e inadequado abordar a questão da formação de


professores/profissionais em educação física de forma isolada ou
centralizando a crítica exclusivamente nas Diretrizes Curriculares
Nacionais aprovadas pelo CNE, pois, mesmo admitindo alguns
avanços dentro de aspectos estruturais do processo educativo,
pedagógico e curricular sugeridos, estes preceitos não refletem
significativamente projetos transformadores, uma vez que estes já
estão, a priori, determinados por sua matriz epistêmica no campo
político e econômico-produtivo do modelo capitalista (ibid., p. 120-
121).

Nesse sentido, achamos pertinente abordar também outros pontos


relacionados à EF e às transformações sociais do modelo neoliberal que vão incidir
no campo específico e que colaboram com a configuração da área. Elencamos duas
questões fundamentais para embasar nossa exposição pensando nos futuros nexos
a estabelecer com a análise de dados. Trata-se, primeiramente, da busca pela
legitimidade científica da área e, em segundo momento, do contexto de
diversificação do campo de trabalho do professor. Esses dois elementos que vão se
construir no cenário da EF, tomam força diante dos reordenamentos neoliberais, ora
favorecendo o debate progressista, ora gerando entraves, conflitos, contradições e
fragmentações na formação.
No que se refere ao primeiro item, a busca pela legitimidade científica da área
tem raízes no seu próprio desenvolvimento histórico. A partir das influências
recebidas pelas instituições militar, médica e esportiva, a EF vai delineando seu
papel social, se assumindo em vários momentos como instrumento para educação
do corpo com o objetivo de adequação da população ao modelo social, econômico e
político que se desenvolvia no Brasil.
Segundo Castellani Filho (2010), a história da EF por vezes se confunde com
a dos militares. Com a criação da Escola Militar, em 1810, dois anos após a chegada
da família real ao Brasil, aos poucos se criam outras instituições para a introdução
dos modelos ginásticos na educação militar, sendo considerada um importante
instrumento para a educação do físico e da saúde corporal. Nesse período a EF era
ministrada pelos próprios militares e

[...] desde o século XIX, foi entendida como um elemento de extrema


importância para forjar aquele indivíduo “forte”, “saudável”,
indispensável à implementação do processo de desenvolvimento do
país que, saindo de sua condição de colônia portuguesa, no início da
89

segunda década deste século, buscava construir seu próprio modo


de vida (CASTELANNI FILHO, 2010, p. 30).

Diante do cenário do Estado Novo onde se preconizava a construção de uma


nação brasileira regida pela noção de ordem e progresso, a EF era de caráter
puramente prático, motivo que levou a não diferenciá-la da instrução militar
(COLETIVO DE AUTORES, 2009). Junta-se a este projeto a classe médica que, a
partir de um pensamento higienista, sustentado pela ciência positivista, “auto
proclamavam-se a mais competente das categorias profissionais para redefinir os
padrões da conduta física, moral e intelectual da ‘nova’ família brasileira”
(CASTELANNI FILHO, 2010, p. 30). O contexto brasileiro no período republicano era
de extrema pobreza, altos índices de doenças e de mortalidade, por isso, foi
necessário tomar medidas sanitaristas para o controle higiênico das cidades com o
intuito de restaurar as forças de trabalho.

O exercício físico era, objetivamente, mais um valioso canal para a


medicalização da sociedade. Era necessário adequá-lo, discriminá-lo
por idade e por sexo, atendendo, assim, exclusivamente ao
reconhecimento da existência das diferenças biológicas das crianças.
Quem detinha o conhecimento sobre estas diferentes capacidades
biológicas das crianças, senão os médicos? Ora, se eram os
médicos que detinham aquele saber, somente eles poderiam
prescrever mais este remédio: o exercício físico, com todas as suas
particularidades e para todos os corpos particulares (SOARES, 2012,
p. 67).

Segundo Soares (2012), tanto a Higiene, quanto a Ginástica ou a EF passam


a incorporar as reformas educacionais como forma de disciplinar o corpo, tornando-o
mais dócil e submisso, do ponto de vista do poder, e mais forte e ágil, adequando-o
ao trabalho fabril. Com isso, a EF na escola torna-se fundamental para a educação
do trabalhador. É na escola que a EF vai se sedimentando e criando espaço para
exercer seu papel de educação do corpo.
Observemos que, em primeiro momento, é o militar que instrui a EF em
conjunto com os conhecimentos produzidos pelo médico. A EF encontra-se
subordinada a essas áreas, dando a entender que se trata de mais uma prática
isolada e restrita para atender a um objetivo específico médico ou militar do que um
campo de conhecimento que colabora com essas instituições.
90

Ainda no cenário do Estado Novo, aos poucos as medidas higienistas vão se


distanciando dos objetivos da EF, dando centralidade ao desenvolvimento do físico e
do cuidado com o corpo, a partir da noção de eugenia da raça. Era necessário, para
a construção do povo brasileiro, garantir a reprodução de indivíduos com boas
qualidades hereditárias. “O raciocínio era simples: mulheres fortes e sadias teriam
mais condições de gerarem filhos saudáveis, os quais, por sua vez, estariam mais
aptos a defenderem e construírem a Pátria” (CASTELLANI FILHO, 2010, p. 43).
Em relação ao perfil do professor a ser formado para atender a essas
demandas, desde a aprovação do primeiro documento legal a tecer orientações
acerca dos conteúdos para a formação do professor de EF 30 observa-se o
predomínio de disciplinas da área médica e as de natureza prática, tendo em menor
quantidade as da área das ciências humanas (história, didática e psicologia). Melo
(1997), ao problematizar a necessidade de se estudar história nos cursos de EF
relata que, embora esses cursos tenham contido as disciplinas de cunho histórico, a
maior parte se tratava de apresentação de conteúdos denominados de “clássicos”, a
partir da exposição de vários fatos e datas “eleitos como relevantes, enquadrados no
interior de períodos consagrados tradicionalmente e importados da História Geral
(Grécia Antiga, Roma, Idade Média etc.), a partir de uma ausente, confusa ou não
consciente compreensão historiográfica” (Ibid., p. 56). No ano de 1958, ocorre um
aumento na quantidade de disciplinas, porém, mantém-se o caráter biologicista e
desportivizante do currículo de 1939 (DAVID, 2003).
Portanto, o perfil do professor desse período era de executor de exercícios
físicos e ginásticos que priorizassem a excelência e eficiência corporal. Os
conhecimentos necessários para a época se limitavam aos práticos e biológicos,
pois o papel exercido pelo professor não extrapolava essas dimensões e objetivos,
nem se questionava se deveria ser de outra forma.
Outra instituição que influenciou o desenvolvimento da EF no Brasil é o
esporte. Após a Segunda Guerra Mundial, o esporte vai proporcionar uma ideologia,
seja na empresa, na escola ou na sociedade em geral, de cooperação, de
socialização e de saúde (revigorando o corpo do trabalho).

30
Decreto-lei 1.212 de 1939 que cria, na Universidade do Brasil, a Escola Nacional de Educação
Física e Desportos, objetivando a formação técnica (um ano) e superior (dois anos) na área de EF,
além do incentivo ao desenvolvimento de pesquisas que auxiliassem a difundir pelo país o método
mais adequado para sua prática.
91

Ela nos proporcionará um desenvolvimento muscular mais amplo,


uma capacidade pulmonar maior, a circulação mais ativa e a função
digestiva mais regularizada, em síntese, o equilíbrio orgânico.
Intelectualmente, ela solucionará situações variadas que requerem
raciocínio, atenção, iniciativa, controle, memória e julgamento. [...]
Nos campos de desporto, devem-se ministrar lições de cooperação e
de compreensão ao respeito pelos direitos alheios e à lei,
ajustamento ao grupo e a sacrificar-se pelo benefício comum
(CASTELLANI FILHO, 2010, p. 77).

Com o golpe da ditadura militar em 1964, a EF e o esporte não são apenas


associados ao desenvolvimento do homem ideal como também incorporam o
princípio da segurança. O espírito esportivo e toda a importância construída em
torno do jogo e da torcida, colaboraram para consolidar o esporte como conteúdo
central da EF, dada sua alta capacidade de envolvimento. O esporte passa a ser o
conteúdo privilegiado tanto na escola, como no campo do trabalho 31, bem como em
outros espaços através de projetos sociais, sendo amplamente difundido no Brasil.

[...] os anseios, esperanças e frustrações dos brasileiros, foram


imensamente explorados. A lembrança do “... Noventa milhões em
ação, prá frente Brasil, salve a Seleção!” [...] Foi também no início
dos anos 1970, que começou a ganhar corpo o depois conhecido
Movimento “Esporte para Todos”, o EPT (CASTELLANI FILHO,
2010, p. 91 – grifos do autor).

Não objetivando aprofundar na trajetória histórica da EF, cabe aqui apenas


evidenciar que o fato da área ter se desenvolvido a partir de interesses e objetivos
de outras instituições, a colocou em desvantagem em relação à produção de
conhecimento. A EF acaba por reproduzir práticas ora para disciplinar o corpo, ora
para o lazer, ora para torná-lo mais saudável, seja do ponto de vista do físico,
emocional ou psicológico, contudo, sempre como executor das ações pensadas
pelas outras áreas. O esporte, ao determinar as práticas da EF, também interfere
nas relações entre professor e aluno, “que passam da relação professor-instrutor e
aluno-recruta para a de professor-treinador e aluno-atleta. Não há diferença entre o
professor e o treinador, pois os professores são contratados pelo seu desempenho
na atividade esportiva” (COLETIVO DE AUTORES, 2009, p. 54).
Com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº
4.024/1961, que determinou a obrigatoriedade da EF para a educação brasileira, foi

31
Em relação ao campo do trabalho podemos destacar a criação do Sistema S (Sesi, Senai, Senac).
92

possível a aprovação de um modelo de currículo mínimo 32 que introduziu matérias


ligadas à formação pedagógica com a inserção de disciplinas como Psicologia da
Educação, Adolescência e Aprendizagem, Didática, Elementos da Administração
Escolar e Prática de Ensino (Estágio Supervisionado). Contudo, com a instalação da
ditadura militar, pode-se dizer que houve certo retrocesso nos documentos legais 33
que normatizaram a EF, à medida que supervalorizaram o ensino do desporto. É
importante recordar que o período de ditadura militar no Brasil se instaura como
processo de preparação do cenário brasileiro para a chegada do neoliberalismo.
Com isso, já se iniciam reformas com características da nova ordem visando a lógica
de formação amparada pela teoria do capital humano (DAVID, 2003).

Durante o regime autoritário militar, vários estudos revelaram que


esse período trouxe para a Educação Física, além de confirmar a
obrigatoriedade em todos os níveis de ensino, a publicação de uma
quantidade de leis, pareceres e resoluções normatizando a sua
prática no sistema educacional como um todo. [...] Quanto aos
resultados dessas ações para a Educação Física, evidenciou-se um
forte alinhamento dos seus conteúdos escolares para o atendimento
das determinações do sistema esportivo nacional e da segurança
nacional. Os objetivos não se converteram em resultados desportivos
positivos, porém houve um claro enfraquecimento e desvalorização
dos conteúdos da Educação Física na escola (DAVID, 2003, p. 38).

Com a desvalorização da EF mediante práticas adotadas em caráter


puramente tecnicista e esportivista, os profissionais da área passam a se organizar
para problematizar os rumos tomados pela EF. Em meados dos anos 1970, perante
as reformas educacionais em nível universitário e o desenvolvimento do esporte
vinculado à prática da EF, cria-se um movimento no sentido de delimitar o campo de
conhecimento, de modo a legitimar quanto à sua cientificidade, inclusive no sentido
de definir as diferenças entre EF e a instituição esportiva e de questionar a base
epistemológica que orientava a formação neste período.

A partir da Reforma Universitária, através da Lei 5540 de 1968, que


estabeleceu as regras para a pós-graduação, baseadas basicamente
no modelo Norte-Americano, a Educação Física vai
almejar/reivindicar o status acadêmico da pós-graduação. Isto é, as

32
Parecer nº 298 de 17 de novembro 1962 elaborado pelo Conselho Federal de Educação.
33
Lei nº 4.540/1968 que dá início à reforma no Ensino Superior; Resolução nº 69/69/CFE e Parecer
nº 894/69 que fixa os conteúdos mínimos nacionais e o tempo de duração do curso de EF; Parecer nº
417/CFE/71 que aprovou o Plano de Licenciatura Curta em Educação Física (DAVID, 2003).
93

‘práticas científicas’ passam a fazer parte, de maneira agora mais


intensa, da atividade acadêmica dos docentes dos cursos superiores
de Educação Física. Ora, já se instalara a relação de simbiose
(parasitismo) entre Esporte e a Educação Física, já havia se
consolidado a esportivização da Educação Física, com a
instrumentalização desta última pelo primeiro, instrumentalização
esta, aprofundada pelos sucessivos planos governamentais da área
que colocavam a Educação Física como base para o desporto
nacional. Assim, pesquisa em Esporte e em Educação Física podiam
se confundir (BRACHT, 1993, p. 112).

O objetivo era de se inserir na pós-graduação para produzir conhecimento


acerca da EF, sobre seu objeto de estudo, sobre o entendimento da EF como
ciência. Esse processo de desenvolvimento de pesquisas dá suporte para o
Movimento Renovador da Educação Física, em meados dos anos 1980,
caracterizado “pela presença de princípios filosóficos em torno do ser humano, sua
identidade e valor, tendo como fundamento os limites e interesses do homem e
surge como crítica a correntes oriundas da psicologia conhecidas como
comportamentalistas” (COLETIVO DE AUTORES, 2009, p. 55).
Nos anos que se seguem, vários estudos e pesquisas são desenvolvidos
objetivando denunciar os papéis ideológicos que a EF cumpriu historicamente na
escola, traçando esse debate em torno da legitimidade instrumental e da relevância
social da EF (SILVA, 2004). Nesse movimento, ocorre uma aproximação da área
com outros campos de conhecimento que não apenas as ciências médicas, trazendo
para dentro da Educação Física, o debate mais abrangente sobre o papel da
educação e do professor de EF na educação do ser humano, vista sob uma
perspectiva mais crítica.
Segundo Bracht (1993), é possível caracterizar pelo menos dois momentos na
produção do conhecimento na área até os anos 1990. Primeiramente, nos anos
1980, estudos concentrados em identificar ou descrever as sub-áreas da EF, assim
como suas possibilidades de crescimento. Esse modelo de pesquisa permitiu
constatar o predomínio das ciências naturais, contudo, indicava, também, um
crescimento das sub-áreas da EF vinculadas às ciências sociais e humanas. Já nos
primeiros anos da década de 1990, os estudos se voltam para o debate
epistemológico de quais concepções de ciência orientam as pesquisas da área.
Percebeu-se, então, uma produção de conhecimento baseada na concepção
94

positivista de ciência e um crescimento das pesquisas fundamentadas na


fenomenologia e no materialismo histórico dialético.
Esses dados sugerem que a EF, ao ser pensada sob novos olhares, ampliou
suas possibilidades nas formas de atuação, nas formas de relação e no conteúdo
social da área. O debate acerca da base epistemológica, da identidade da área e
seu respectivo objeto de conhecimento constitui um processo importante para os
desdobramentos na construção da base curricular de formação dos professores de
EF. Se não foi possível chegar a um consenso 34 no tocante a esses elementos, pelo
menos os debates permitiram pensar a EF como área de conhecimento e ampliar o
campo na produção científica. Como aponta Castellani Filho (2013, p. 16), sobre as
discussões desse período, o

fato concreto é que se abre a possibilidade de se pensar o presente


no âmbito da EF como produto do trabalho humano. O Homem
produziu o esporte e o vem ressignificando visando o atendimento de
suas necessidades sociais, e buscar saber a qual necessidade social
o homem pretendeu responder quando produziu e desenvolveu
essas práticas sociais, desencadeia outro sentido ao processo de
formação profissional e acadêmica, obrigando os que a ela se
circunscrevem a buscar outros referenciais para responder às
questões originárias das ciências humanas e sociais não presentes
no universo das ciências biológicas.

Isso se torna evidente à medida que tanto as diretrizes de 1987, quanto as de


2004, que traçam novas orientações para os cursos de EF, possibilitaram que as

34
Castro, Silva e Souza (2008) ao realizarem um estudo acerca das tendências pedagógicas e a
relação com as abordagens da Educação Física, enumera algumas propostas desenvolvidas como
resposta a esses questionamentos do movimento renovador. Dentre eles podemos citar: a)
abordagem desenvolvimentista elaborada por Go Tani e seus colaboradores, tem o “movimento”
como objeto da Educação Física e entendem que o papel social “não é buscar na Educação Física
solução para os problemas sociais do país, a aula de Educação Física deve privilegiar a
aprendizagem do movimento, embora possam ocorrer outras aprendizagens em decorrência da
prática das habilidades motoras” (p. 7); b) abordagem construtivista-interacionista, que tem como
colaborador o professor João Batista Freire, parte de uma vertente humanista para trabalhar no
sujeito seu desenvolvimento cognitivo. “Na proposta construtivista o jogo, enquanto
conteúdo/estratégia tem papel privilegiado. É considerado o principal modo de ensinar, é um
instrumento pedagógico, um meio de ensino, pois enquanto joga ou brinca a criança aprende” (p. 8);
c) abordagem crítico-superadora que tem como referência a obra elaborada pelo Coletivo de Autores
em 1992, Metodologia do Ensino da Educação Física, se insere dentro das pedagogias progressistas,
consideram que o objeto da área é a cultura corporal, ou seja, as produções corporais e culturais
elaboradas e acumuladas pelos seres humanos que possuem sentido e significado social e abrangem
os jogos, as lutas, o esporte, as danças, entre outras manifestações. Os autores citam outras
abordagens, como Sistêmica, Saúde Renovada, Psicomotricidade, Cultural, dos Jogos Cooperativos,
Crítico-emancipatória e a dos Parâmetros Curriculares Nacionais.
95

dimensões pedagógica, filosófica e histórica fossem inseridas no currículo, de


acordo com os projetos de formação de cada instituição.

Como resultado de importantes e conflituosos debates nacionais


surgiu a Resolução nº 3/CFE, de 16 de junho de 1987, que, dentre
outras providências, eliminou o currículo mínimo nacional,
estabeleceu a organização dos conteúdos dentro da concepção de
currículos plenos, suprimiu os parâmetros de composição de grades
curriculares por meio de disciplinas de conteúdos, passando-os para
áreas de conhecimento, e criou a nova figura do profissional bacharel
em Educação Física e/ou esportes [...] estabeleceu em definitivo a
existência de dois tipos de habilitações no nível superior em
Educação Física: a licenciatura e o bacharelado. (DAVID, 2003, p.
41).

O artigo 3º da Resolução nº 03/87 estabelece que os currículos para os


cursos de graduação em Educação Física devem contemplar uma Formação Geral
(humanística e técnica) e Aprofundamentos de conhecimentos. Os conhecimentos
de cunho humanístico incluem o conhecimento filosófico e conhecimento do ser
humano, já os de caráter técnico incluíam “conjunto de conhecimentos e
competências para planejar, executar, orientar e avaliar atividades da Educação
Física, nos campos da Educação Escolar e Não-Escolar contribuindo para a geração
e a transformação do próprio conhecimento técnico” que deveria ser desenvolvido
de forma articulada aos conhecimentos humanísticos. A parte do currículo
denominada Aprofundamento de Conhecimento ficaria destinada às especificidades
do mercado de trabalho local e do perfil do egresso. Além disso, o artigo 4º
apresenta outro avanço que é a mudança da duração mínima do curso para 4 anos,
equiparando-o aos demais cursos de graduação.
Para David (2003), a Resolução nº 3/CFE/87 e o Parecer nº 215/CFE/87
apresentam elementos “revolucionários” como a quebra da tradição de organização
curricular modificando as formas de seleção e organização dos conteúdos de ensino
permitindo aos cursos novas possibilidades na formação, “pois estabeleceu a
formação com base em uma articulação do perfil que se desejava construir nas IES,
incluindo os objetivos e as competências centradas no aluno” (DAVID, 2003, p. 44 –
gifos do autor). Contudo, o autor observa que a criação de duas habilitações no
curso de EF provocou uma dicotomização na formação, primeiro, pelo fato de tratar
o bacharelado como especialização em contrariedade à tradição de outros cursos
que possuem essas duas modalidades onde a licenciatura que se constitui como um
96

campo de especialização para o sistema educacional, em segundo, é que as


formações possuíam as mesmas orientações curriculares, mesma carga horária e
mesma identificação, mudando apenas o tipo de aprofundamento.

Na verdade estava em evidência, no campo da formação em


Educação Física, o caráter de especialista que era dado também ao
bacharelado para que o graduado pudesse melhor se situar no
campo das ocupações de trabalho reservando à licenciatura a
perspectiva generalista da formação (DAVID, 2003, p. 45).

Se essa divisão, em certa medida, pode ter contribuído para o aumento de


disciplinas pedagógicas, políticas e filosóficas na modalidade licenciatura, podemos
pensar que poderia ter levado o curso de bacharelado ao outro extremo, retornando
ao modelo de formação fundamentado apenas nas disciplinas com base médica e
prática.
A busca pela legitimidade científica da área, seguida pelas modificações
oficiais nos cursos de EF vão sim abrir possibilidades de se pensar uma Educação
Física para além da reprodução de técnicas do conteúdo esportivo. Esse movimento
de inserção de conhecimentos humanistas, mesmo acompanhando as mudanças
neoliberais internacionais, permitiram debates acerca da formação humana,
possibilitando que essa área, arraigada no pensamento positivista médico e militar,
pudesse transitar para outras formas de compreender a realidade, a educação e o
corpo e ser alvo de reflexões a partir de um pensamento crítico acerca da realidade
e mais, pelos próprios sujeitos protagonistas dessa formação.
Objetivando refletir sobre as tendências na EF brasileira, Castellani Filho
(2013) identifica que, naquele período de abertura epistemológica, havia três
tendências principais, representadas pelo seguinte quadro:
97

Quadro 4 – Tendências da Educação Física no Brasil

Biologização da Psico-pedagogização da Concepção


Educação Física Educação Física histórico-crítica

A influência médica
A aparente
detectada em toda a Educar é um ato
contraposição ao
história da Educação político.
biologismo.
Física.

A percepção dessa influência: A percepção da A percepção do


a) Levantamento da grade pedagogia como fim em aspecto político da
curricular das 96 escolas si mesma. prática pedagógica.
de Educação Física a nível
superior; A percepção de Homem:
b) A produção do a) O Homem concreto;
conhecimento nas ciências b) O Homem como conjunto das
do esporte. relações sociais.

O conceito biológico/fisiológico
de saúde.
O conceito de saúde
social (OMS).
Fonte: CASTELLANI FILHO, 2013, p. 23.

O autor chama a atenção, em um primeiro momento que, na tentativa de se


contrapor ao modelo biologicista, surge outro marcado pela pedagogização da EF.
Essas tendências, apesar de opostas, apresentavam-se vinculadas a concepções
acríticas de educação, ou seja, “fortemente influenciadas por uma teoria e prática
tecnicista, traziam em si uma influência neopositivista que as fazia portadoras de
uma postura defensora da ideia de neutralidade científica, de uma ciência apolítica,
como se isso fosse possível” (Ibid., p. 22). A terceira concepção surge para
contrapor e superar as duas outras existentes no intuito de transformar a prática da
EF que ocorria até aquele momento, trazendo para a sua essência a questão da
concepção histórica do homem e de sua produção cultural para o âmbito da EF.
Nesta perspectiva, a EF apresenta um projeto contra-hegemônico
organicamente vinculado a um novo projeto de sociedade. Enquanto constituinte da
formação humana, cabe a essa área não mais adestrar o corpo do ser humano para
atender aos interesses do modelo social do capital. O homem precisava aprender a
técnica, a cultura e expressão corporal para além de um movimento correto e eficaz
condizente com as normas e interesses sociais. É preciso que o “corpo” também
seja formado para a autonomia, para a criatividade, para a liberdade e para atuar de
98

modo consciente na realidade, enfim, seja estudado e compreendido como um corpo


cultural e histórico. Para essa concepção de EF,

[...] educar era um ato político. A ação pedagógica tinha seu aspecto
político no possibilitar a apropriação pelas classes populares, do
saber dominante, instrumentalizando-as para a transformação social.
Para ela interessava o “Homem concreto”, o “Homem como conjunto
das relações sociais”. Para ela, inovar significava mudar raízes;
significava colocar a EF a serviço de novos fins, a serviço da
mudança estrutural da sociedade (CASTELLANI FILHO, 2013, p. 23 –
grifos do autor).

Esse debate ainda não está superado e, atualmente, existem várias


perspectivas de EF e de formação coexistindo amparadas pelas diferentes
concepções científicas – positivista, fenomenológica, marxista e pós-moderna –.
Vale ressaltar, contudo, que o fato de existir a possibilidade de agir diferente do
modelo inicial preconizado pelos médicos e militares já é um grande avanço35.
Mesmo com essa expansão de concepções na área, ocorrida nos anos 80, o
contexto da década seguinte, mediante o avanço do neoliberalismo, coloca a EF em
novos rumos, principalmente no que se refere à diversificação dos locais de trabalho
e a inserção da lógica do empreendedorismo. Existe um desenvolvimento do campo
científico fundamentado pela ciência empírico-analítica que vai transvestir os
conceitos de eugenia, da atividade física e saúde, dentre outros, adequando-os às
modificações do modelo neoliberal em desenvolvimento. Os princípios da
valorização do indivíduo e da privatização intensificam a ideologia dos cuidados com
o corpo trazendo para a Educação Física a lógica do fitness, a expansão das
academias e a figura do personal trainner. “A Body Systems chega ao Brasil com
suas aulas pré-coreografadas ou aulas prontas, provocando um impacto significativo
no mercado. Ocorre uma grande diversificação das modalidades e de outros
produtos vendidos pelas academias” (FURTADO, 2009, p. 5).

35
Para compreender melhor o contexto, até os dias atuais, a EF está vinculada à área de Ciências da
Saúde conforme a Tabela de áreas de conhecimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), agência do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Disponível em: http://www.cnpq.br/documents/10157/186158/TabeladeAreasdoConhecimento.pdf.
Não realizamos uma pesquisa acerca dos cursos de EF que estão situados na área de humanas,
contudo, podemos afirmar que o curso de licenciatura em Educação Física na UFG de Goiânia é,
segundo seu PPC, “a única experiência curricular no Brasil, no interior das Ciências Humanas e
Sociais contrapondo, assim, a tradição conservadora de situar a formação na área de ciências
biológicas e/ou ciências da saúde, cuja ação político-pedagógica delimitou um importante marco
referencial de orientação curricular no País, mas que, somente agora, passa a se constituir em
perspectiva possível para outros cursos” (UFG, 2013, p. 3).
99

A nova imagem do professor de Educação Física é reflexo da flexibilização e


precarização do trabalho. Ele faz seus horários e o salário fica vinculado à
quantidade de alunos que consegue. Além disso, fica preso às modalidades que são
vendidas em forma de curso pelas multinacionais. A imagem do professor bem
sucedido é a do personal, desvalorizando a figura do professor da escola.

A regulamentação da profissão Educação Física, compreendida


como tentáculo da ofensiva neoliberal, e os apologetas da sociedade
de mercado visam a substituir a perspectiva dos professores de
Educação Física pela dos profissionais liberais de Educação Física.
Essa tendência visa a fragmentar essa categoria profissional ainda
mais na luta pela educação e em sua organização coletiva na escola
por determinações ideológicas disseminadas pelo ideário neoliberal,
que compreendem a educação como ponto estratégico de
implementação da organização econômica, política, social e
ideológica sob a gerência da ética do livre mercado (SILVA, 2004, p.
80).

O autor também explica que diante da ascensão do perfil de profissional no


campo fitness e com as mudanças transcorridas pelo modelo neoliberal, a
desvalorização do professor de EF ocorre, ainda, devido os interesses sociais e
ideológicos que sustentavam a obrigatoriedade da EF na escola, não mais existirem.
Os dois grandes fatores que impulsionaram a inclusão desta disciplina como
obrigatória no currículo escolar foram, primeiramente, pelo movimento da classe
médica de higienização e educação moral e do corpo das famílias populares
brasileiras e, em segundo, pelo interesse econômico à medida que a EF era um
meio de preparação da força humana de trabalho. Assim, a construção do
Movimento Renovador de Educação Física, também se orienta tanto para contrapor
essa lógica que afunda a importância do papel social do professor de EF, como em
busca de ressignificar a EF na escola. Os professores de EF que antes eram
associados a técnicos esportivos, passam a se inserir em espaços de debates sobre
a sociedade, a economia, a cultura, a política, se equiparando aos teóricos e
intelectuais brasileiros para colaborar nas proposições sobre a educação, a
formação humana, a aprendizagem e outras temáticas que extrapolam o campo
específico desta área de conhecimento, justamente pelas novas inter-relações
estabelecidas.
Diante do crescente desenvolvimento desses novos campos de trabalho
da EF, ocorre, em 1998, a regulamentação dos profissionais de EF, objetivando
100

tomar conta daquelas áreas que estavam surgindo e se consolidando. O Conselho


Federal de Educação Física (CONFEF), instituído pela Lei nº 9.696 de 1998, assim
caracteriza o perfil desse profissional:

Art. 3º Compete ao Profissional de Educação Física coordenar,


planejar, programar, supervisionar, dinamizar, dirigir, organizar,
avaliar e executar trabalhos, programas, planos e projetos, bem
como prestar serviços de auditoria, consultoria e assessoria, realizar
treinamentos especializados, participar de equipes multidisciplinares
e interdisciplinares e elaborar informes técnicos, científicos e
pedagógicos, todos nas áreas de atividades físicas e do desporto
(BRASIL, 1998).

O estatuto do CONFEF (2010) evidencia a relação com a área da saúde e do


empreendedorismo ao conceituar o campo e a atividade profissional como uma área
especializada em atividade física, sendo competência do profissional intervir,
conforme seu Art. 10, com a finalidade de “prevenção, promoção, proteção,
manutenção e reabilitação da saúde, da formação cultural e da reeducação motora,
do rendimento físico-esportivo, do lazer e da gestão de empreendimentos
relacionados às atividades físicas, recreativas e esportivas”.
A divisão da graduação em EF em licenciatura e bacharelado pela resolução
de 87 colabora em peso para uma ruptura entre os movimentos da EF. David (2003)
aponta que mesmo se tratando de um documento que resultou de debates e luta
social, a divisão em duas modalidades revelou certa sintonia com o pensamento
neoliberal à medida que apresentava um novo modelo para a formação em âmbito
nacional:

a) a formação de professores (licenciatura), para atendimento aos


interesses/necessidades da educação básica e, b) a formação de
profissionais (bacharéis), para atender às demandas do mercado
referentes à serviços e ao setor produtivo. Trata-se de dois caminhos
distintos para a formação de recursos no ensino superior (DAVID,
2003, p. 49).

Quando partimos do entendimento que a Universidade deve propiciar uma


formação ampla para o sujeito que inclua conhecimento tanto para o campo de
trabalho, mas também para a formação humana do discente, munindo-o de
conhecimentos políticos, históricos, culturais e técnicos que lhe permitam realizar
uma leitura coerente da realidade e decidir autonomamente como intervir sobre ela,
101

podemos supor que, de certo modo, a regulamentação do campo profissional não


determina efetivamente o campo da formação. Entretanto, compreendemos que as
instituições sociais, diante das reformas educacionais, políticas e sociais realizadas,
acompanham os interesses de mercado, principalmente nos cursos de formação
desenvolvidos pela iniciativa privada.
Assim sendo, as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de
graduação em Educação Física (DCN), dispostas sob a forma da Resolução nº 07
de 2004, ainda que tivessem sido aprovadas em um período já avançado a respeito
das discussões da área, ainda apresenta a vinculação com o campo biologicista e
técnico instrumental e acrescenta, na formação, a visão empreendedora relacionada
ao novo contexto, conforme apresenta o artigo abaixo:

Art. 3º A Educação Física é uma área de conhecimento e de


intervenção acadêmico-profissional que tem como objeto de estudo e
de aplicação o movimento humano, com foco nas diferentes formas e
modalidades do exercício físico, da ginástica, do jogo, do esporte, da
luta/arte marcial, da dança, nas perspectivas da prevenção de
problemas de agravo da saúde, promoção, proteção e reabilitação da
saúde, da formação cultural, da educação e da reeducação motora,
do rendimento físico-esportivo, do lazer, da gestão de
empreendimentos relacionados às atividades físicas, recreativas e
esportivas, além de outros campos que oportunizem ou venham a
oportunizar a prática de atividades físicas, recreativas e esportivas
(BRASIL, 2004).

Não se trata, aqui, de desconsiderar a importância da dimensão biológica do


ser humano, mas, por conta das várias discussões e movimentos ocorridos até
aquele período, era de se esperar que as diretrizes ampliassem as concepções que
direcionam os aspectos formativos do profissional, pelo menos saindo de uma visão
positivista de saúde para uma perspectiva mais ampliada. Outro aspecto é que essa
área acadêmico-profissional cada vez mais se distancia de determinações da área
da saúde para ampliar seus horizontes quanto à intervenção profissional, prática
social e produções científicas e pedagógicas relacionadas com outras áreas de
conhecimento social (DAVID, 2003). Em relação ao Parecer nº 138/CNE/02, o autor
aponta que, apesar da área se caracterizar como um campo interdisciplinar e
multiprofissional, tanto a definição da área de conhecimento, quanto do perfil do
egresso nas DCN apresentam um quadro difuso de palavras sem sentido,
102

evidenciando uma grande confusão se voltando para o desenvolvimento de


competências e habilidades de gerenciamento, liderança e planejamento da saúde.

A definição do perfil do profissional de Educação Física e o tipo de


ocupação que pode exercer permitem inferir que o graduado em
Educação Física pode tudo. Estará apto para exercer qualquer
atividade, exceto desempenhar suas tarefas em plena articulação
com a saúde do ser humano, como se prevê no caput do parecer.
Não é por mero acaso que existe coincidência entre a classificação
do campo ocupacional ligado ao mercado, proposto pelo Confef ao
Ministério do Trabalho, definindo a atividade profissional da
Educação Física no plano de classificação das ocupações no
mercado de trabalho e o perfil delineado pelo Parecer nº 138/CNE/02
(DAVID, 2003, p. 57).

O parecer ainda indica como conteúdos curriculares: Conhecimentos


Biodinâmicos da Atividade Física/Movimento Humano; Conhecimentos
Comportamentais da Atividade Física/Movimento Humano; Conhecimentos Sócio-
Antropológicos da Atividade Física/Movimento Humano; Conhecimentos Científico-
Tecnológicos; Conhecimentos Pedagógicos; Conhecimentos Técnico-Funcionais
Aplicados; Conhecimentos sobre a Cultura das Atividades Físicas/Movimento
Humano; e Conhecimentos sobre Equipamentos e Materiais. Entendemos que, as
diretrizes devem indicar os eixos norteadores para um currículo que forme
profissionais com conhecimentos básicos para iniciar sua atuação. Além disso,
esses eixos possuem várias ramificações e podem se desdobrar em amplas
manifestações do conhecimento. Todavia, esses conteúdos curriculares
apresentados, com foco para a atividade física/movimento humano, enquanto o
objeto de conhecimento da área e ainda o destaque para o item de conhecimento
sobre equipamentos e materiais, permite interpretar que a formação recomendada
privilegia o profissional multitarefas, capaz de atuar “por meio das diferentes
manifestações e expressões do movimento humano, visando a formação, a
ampliação e o enriquecimento cultural das pessoas, para aumentar as possibilidades
de adoção de um estilo de vida fisicamente ativo e saudável” (BRASIL, 2004). O
conhecimento produzido pelo homem no campo da cultura corporal, como o esporte,
a dança, a ginástica, dentre outros, aparece como meio e não como conteúdo
específico dessa área de conhecimento, todos eles ainda com objetivos de cuidados
e educação do corpo.
103

A identidade do curso defendida pelo parecer desconsidera a produção da


cultura corporal humana em detrimento das atividades físicas/motricidade
humana/movimento humano. Tratando-se de uma diretriz voltada para um curso
inserido nas ciências da saúde, prevalece o entendimento de uma formação “com
ênfase na promoção, prevenção, recuperação e reabilitação do indivíduo, indicando
as competências comuns gerais para esse perfil de formação contemporânea dentro
de referenciais nacionais e internacionais de qualidade” (BRASIL, 2002, p. 2). É
importante dizer que nada nessa orientação se modifica quando a EF é tratada na
licenciatura, ou seja, o foco na saúde prevalece mesmo quando se versa sobre a EF
escolar.
Como afima David (2002, p. 129-130),

Uma formação restrita ao campo específico da cultura do movimento


por meio das distintas formas de mover, explicitamente orientada às
questões da saúde, denota limitações aos aspectos técnicos do
movimento e uma dificuldade em estabelecer relações com as
questões da saúde pessoal e coletiva no campo social. Entendemos
que reduzir a formação a partir do eixo do movimento corporal ou
cultura de movimento é reduzir aos seus significados técnicos e
excluir seus determinantes histórico-culturais que lhes deram
validade pessoal e coletiva no contexto das aprendizagens humanas.
Além disso, tal postura demonstra total ignorância quanto ao trabalho
pedagógico e à prática social do profissional da educação física na
implementação de ações que devem articular a teoria e a prática, o
pensar e o fazer, a ciência e a sua aplicação pedagógica de natureza
essencialmente docente.

Por fim, devemos ressaltar que todos os princípios educacionais liberais


também são inseridos no discurso do documento, a inclusão, as habilidades e
competências, a prática como eixo central para o aprendizado, inclusive, os quatro
pilares da educação que constam no documento presidido por Jacques Delors.

A estrutura do Curso de Graduação em Educação Física deverá


assegurar: [...] a definição de estratégias pedagógicas que articulem
o saber; o saber fazer e o saber conviver, visando desenvolver o
aprender a aprender, o aprender a ser, o aprender a fazer, o
aprender a viver juntos e o aprender a conhecer que constituem
atributos indispensáveis à formação do Profissional de Educação
Física (BRASIL, 2002, p. 9).

Intensificando a fragmentação e conflitos internos da EF, as duas


modalidades de formação em EF, orientadas pela mesma diretriz, se deparam com
104

duas resoluções que definem a carga horária dos cursos36. Primeiro, a Resolução
CNE/CP nº 02 de 2002, que institui a carga horária mínima de 2.800 horas para os
cursos de licenciatura e a Resolução CNE nº 04 de 2009, que define como carga
horária mínima para o bacharelado em EF o total de 3.200 horas. Podemos observar
que essas duas resoluções não estão de acordo com a lógica delineada pela
inversão da formação em licenciatura e bacharelado na EF, em que a primeira se
configura numa formação generalista e a segunda, enquanto especialização,
diferenciando-se dos demais cursos com essas duas modalidades. Desse modo,
desde 2009, essas mudanças serviram de argumento para considerar a área da
licenciatura com menor nível de aprofundamento já que se exigia carga horária
menor.
Como afirmamos inicialmente, não desconsideramos os avanços obtidos
pelas políticas até o momento, mas é preciso ponderar as fragilidades do documento
quando se aborda a formação superior em um sentido mais amplo. Nota-se que, do
ponto de vista documental, existe uma concordância teórica que indica conceitos e
concepções para a formação do profissional de ajuste ao contexto neoliberal. Para
David (2002, p. 21), as DCN evidenciam rupturas entre o mundo oficial e o mundo
real que se agravam diante da “política neoliberal que introjeta formas artificializadas
de ver o real e as relações sociais existentes nele”.

Este discurso comprova claramente o ideário da instrumentalização


técnica para um tipo de fazer cotidiano centralizando todo o ensino
no pragmatismo e no utilitarismo pedagógico. O professor a ser
formado nesta nova lógica deve ser possuidor de competências para
agir eficientemente na realidade a partir de um tipo de intervenção
orientada pelo fazer para solucionar problemas ou situações
emergentes no cotidiano do sistema escolar (DAVID, 2003, p. 122-
123).

Os prejuízos da formação para as competências no âmbito da EF ampliam o


abismo que já existia entre a formação inicial e o conhecimento teórico, técnico,
filosófico, histórico, social e cultural direcionando para o aprendizado na prática, ou
seja, os conhecimentos necessários para que o professor pudesse realizar uma
leitura da realidade do seu trabalho e intervir intencionalmente no aprendizado dos

36
Não é nosso objetivo adentrar na discussão entre licenciatura e bacharelado em EF. Reportamos-
nos apenas ao que se considerou necessário e relevante no processo de formação inicial de
professores em EF.
105

alunos naquilo que compete à área de EF. Resta-nos supor que este profissional
passará apenas a reproduzir atividades que fizeram parte do seu mundo
experiencial, com aulas pragmáticas, sem, ao menos, compreender o que a EF
significa para a escola nos dias atuais.
106

4 TRABALHO DOCENTE E A REALIDADE DOS CICLOS DE FORMAÇÃO


HUMANA

A partir dos diálogos estabelecidos com os professores de EF, buscamos


realizar, primeiramente, uma aproximação com as condições objetivas de vida
entendendo esse elemento como um determinante na concretização do seu
trabalho. Posteriormente, questionamos sobre a trajetória, problemáticas e relações
da formação com a escola em ciclos. Por fim, investigamos o campo de trabalho e a
prática docente do professor para estabelecer as conexões e rupturas acerca do
objeto investigado.

4.1 Identidade socioeconômica dos professores

Desta pesquisa, participaram os professores que tiveram disponibilidade para


realizar os diálogos e que estavam atuando na área de EF em escolas municipais de
ciclos e de tempo integral de Goiânia, Goiás. Nossa primeira preocupação foi
identificar, ou ao menos nos aproximar, das condições de vida desses trabalhadores
e perceber, em certo sentido, as implicações de suas condições de vida com a sua
prática docente. Selecionamos alguns itens que julgamos serem elementos básicos
para a estabilidade social, sendo eles: a moradia, meio de transporte, estrutura
familiar, renda individual e o tempo para chegar ao trabalho.
Participaram dos diálogos 20 professores, sendo dez do sexo masculino e
dez do sexo feminino37. Os participantes38 possuem entre 28 e 58 anos de idade,
conforme dispomos no gráfico 1 abaixo.

37
A quantidade igual de professores participantes por sexo não foi proposital, pois, conforme já
mencionado, os professores foram selecionados a partir da modalidade da escola, de ciclos e
integral.
38
O detalhamento destas informações podem ser averiguados nos anexos B, C e D que contém
informações gerais dos professores investigados”.
107

Gráfico 1 – Faixa etária dos professores


70

60

50

40
Idade
30

20

10

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Homens 28 29 32 35 41 45 48 48 49 57
Mulheres 28 31 38 38 38 44 45 46 56 59

Fonte: Diálogos com os sujeitos da pesquisa, 2015.

Podemos observar, no gráfico 1, que a maioria dos professores, de ambos os


sexos, encontram-se na faixa entre 30 e 50 anos, sendo que a média de idade entre
os professores é de 41 anos, o que se aproxima do perfil apresentado pelos dados
do QEdu (2016)39. De acordo com as informações oficiais de 2011, 71% dos
docentes estão na faixa de 30 a 50 anos e a média de idade dos professores da
educação básica é de 38 anos, com uma pequena variação, de apenas 5 anos,
quando se toma o conjunto de docentes de cada etapa.
Em relação à constituição familiar, 13 professores apresentam seu estado civil
como casado ou união estável, seis como solteiros(as) e um como divorciado. Do
total, 13 professores possuem filhos. Quanto às condições materiais, questionamos
em relação ao tipo de moradia, meio de transporte e bens eletrônicos que possuíam
em casa. Temos o Quadro 5, a seguir:

39
Dados referentes ao “Questionário professor Prova Brasil 2011”, no qual foram aplicados 304.412
questionários 233.971 foram respondidos. Os dados foram organizados e disponibilizados no site:
http://www.qedu.org.br/brasil/pessoas/professor.
108

Quadro 5 – Aspectos materiais dos professores pesquisados


CATEGORIA QUANTIDADE DE PROFESSORES
MORADIA
Própria 18
Alugada 01
Dos pais 01
TRANSPORTE
Carro 14
Moto 02
Bicicleta 02
A pé 02
BENS QUE TEM ACESSO
Computador 20
Celular 20
Tablet 11
Videogame 12
Notebook 18
Tv à cabo 17
Fonte: Diálogos com os sujeitos da pesquisa, 2015.

Gráfico 2 – Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD (2013)

74,50% 75,50%

49,50%
43,60% 43,10%

Moradia própria Carro Celular Computador Internet

Fonte: IBGE, 2014.

Trouxemos o quadro 5 para demonstrar alguns itens da situação material dos


professores e, o gráfico 2, que expressa um parâmetro, segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relativo à população brasileira em geral.
É possível afirmar que, de modo geral, os professores aparentam certa estabilidade,
tendo em vista que a maioria possui moradia própria, carro e acesso a alguns bens
109

de consumo que, segundo os dados do IBGE, não são totalmente acessíveis ao


conjunto da população brasileira.
No entanto, apesar das condições materiais darem pistas sobre a qualidade
de vida dos professores, é preciso, ao mesmo tempo, ter certa cautela, à medida
que esses dados não são os únicos fatores que compõem a qualidade de vida e
estabilidade do trabalhador. Em relação ao nível salarial 40, podemos apontar que a
renda varia entre R$ 2.091,37 e R$ 6.181,57, com valor médio de R$ 2.475,00, a se
considerar o turno de 30h. Tendo como referência o salário mínimo do ano de 2015,
no valor de R$ 788,00.

Quadro 6 – Critério de Classificação Econômica Brasil


Estrato Sócio Econômico Renda média Domiciliar
Classe A R$20.272,56
Classe B1 R$8.695,88
Classe B2 R$4.427,36
Classe C1 R$2.409,01
Classe C2 R$1.446,24
Classe D-E R$639,78
Fonte: ABEP, 2014.

De acordo com o Critério Brasil de 2014, a ponderar o salário, os professores


estariam inseridos nas classes sociais C1 e B2, com maior concentração nas
classes C1.
Os dados do IBGE nos auxiliam a identificar, a princípio, qual a classe social
em que os professores se enquadram. No entanto, sob um olhar mais atento,
existem várias problematizações que podem ser realizadas que colocam em conflito
a real condição de vida desses professores. Cabe questionar, por exemplo, qual a
condição em que o imóvel foi adquirido, pois, no contexto atual, que existem
inúmeras formas de aquisição da casa própria, o que, por si só, não pode ser
considerado um elemento de ascensão social, mesmo que signifique uma condição
melhor de vida. Isso quer dizer que essa condição de melhoria de vida foi possível
diante dos vários programas sociais e abertura para crédito e financiamentos que
oportunizaram à população adquirir bens duráveis, automóveis e moradias.

40
Esses valores referem-se à folha de pagamento dos professores no período da realização dos
diálogos e foram retirados do portal da transparência do município de Goiânia. Disponível em:
http://www.goiania.go.gov.br/sistemas/sisrh/asp/sisrh00000f3.asp.
110

É preciso lembrar que a possibilidade de consumo está relacionada à


disponibilidade de dinheiro para tal. Assim, à medida que se permite o consumo a
partir de empréstimos e financiamentos, o trabalhador fica rendido, cada vez mais,
ao trabalho. No processo de consumo, o homem consome a si mesmo através do
trabalho para se apropriar do bem consumido.

Na tentativa de antecipar o prazer produzido pelo consumo, o


homem faz empréstimos, pagando juros. Como uma montanha russa
que acumula energia, o juro da dívida, ou o desgaste reproduzido
continuamente sem nenhum tipo adicional de consumo, garante a
reprodução ampliada da negação de si mesmo, sem que esse
consumo de si tenha como contrapartida a energia repositora,
psíquica ou física, do consumo da mercadoria. A dívida é um
desgaste do ser pelo trabalho, agindo em condição inercial, até ser
parada pelo pagamento, que representa adiar um possível consumo
imediato. Em outras palavras, a dívida potencializa o lado negativo
do consumo em troca de permitir o prazer adiantado pelo consumo
antecipado da renda do trabalho que ainda não se consumou
(ABDALA, 2012, p. 242).

Nesse sentido, por mais que a possibilidade de acesso a esses bens para
classes sociais mais baixas tenham possibilitado melhorias, do outro lado, essas
melhorias vieram condicionadas ao aprisionamento do trabalhador ao trabalho para
o pagamento e quitação de dívidas realizadas. Isso, de certo modo, não pode ser
visto como melhoria de vida. O trabalhador passa a consumir, a adquirir bens, mas
também acaba por não usufruir em seu sentido mais amplo, já que o tempo de vida
é direcionado ao trabalho e ao descanso para o trabalho.
Outro fator relevante é que, em geral, as moradias estão localizadas em
lugares periféricos da cidade. Como as escolas de tempo integral, a partir dos
objetivos do Estado, exercem um papel de auxiliar famílias carentes que necessitam
de um lugar para deixar seus filhos quando vão para o trabalho, os locais em que
são instaladas, são nas proximidades dos bairros de famílias de baixa renda.
Provavelmente por proximidade ou conveniência, os professores acabam ou
adquirindo sua moradia próxima ao local de trabalho ou pedem transferência para a
escola mais próxima de sua moradia. Seja por um motivo ou outro, identifica-se que
ambas as circunstâncias situam a maioria dos professores em locais periféricos de
Goiânia.
111

Conforme disseram nos diálogos, o tempo de deslocamento de casa ao


trabalho varia da seguinte maneira: 15 professores demoram entre 5 e 15 minutos
para chegar ao local de trabalho, dois demoram em média 25 a 30 minutos e três,
mais de 30 minutos à 1 hora.
Lembramos que esses salários são resultado de conquistas recentes, devido
à lei do piso salarial41, ao qual se garante um valor mínimo obrigatório pelo trabalho
do professor e agrega ao salário seu plano de carreira. Portanto, é preciso analisar
que os professores que possuem as maiores faixas salariais são aqueles que estão
há mais tempo vinculados ao serviço público, fazem a “dobra”, trabalhando 60h
semanais, possuem pós-graduação e são, ainda, aqueles que ocupam outras
funções como coordenação de turno. Ou seja, esse valor atual é decorrente de
muitos anos de luta e trabalho para garantir tal renda. Se for comparado com outras
classes profissionais, o plano de carreira demonstraria várias fragilidades e
precarização do profissional. No contexto nacional, Oliveira e Vieira (2012, p. 18)
apontam que

Os docentes do estado de Goiás, em sua maioria, informaram uma


remuneração abaixo de três salários mínimos (65,6%),
acompanhando a tendência dos demais estados. Todavia,
apresentaram uma média salarial abaixo de todos os demais
estados, R$ 1.032,16, cerca de R$ 200,00 a menos que a média do
conjunto dos sete estados. Além disso, a renda familiar informada é
uma das menores entre os sete estados (R$ 2.428,89), maior apenas
que o rendimento familiar dos docentes do Rio Grande do Norte (R$
2.303,40).

Por mais que os indicadores sociais retratem uma aparente melhoria nas
condições de vida desses trabalhadores, a realidade revela situações muito
precárias. O dinheiro recebido em troca do trabalho realizado não exprime a
satisfação das necessidades humanas do trabalhador.

A taxa mais baixa e unicamente necessária para o salário é a


subsistência do trabalhador durante o trabalho, e ainda (o bastante)
para que ele possa sustentar sua família e (para que) a raça dos
trabalhadores não se extinga. O salário habitual é, segundo Smith, o
mais baixo que é compatível com a simples humanidade (simple
humanité), isto é, com uma existência animal (MARX, 2008, p. 24).

41
Em 2015, foi de R$ 1.917,78 para a jornada de 40h semanais.
112

O próprio modelo econômico impõe certas “melhorias” para o trabalhador com


a finalidade de garantir sua existência para o trabalho, mas sempre atrelado a níveis
mais profundos de exploração. Alguns professores, além de dobrar a carga horária,
também estão vinculados a outros empregos ou serviços públicos, trabalhando
inclusive aos finais de semana. De acordo com o QEdu (2016), 44% dos professores
exercem outra atividade para complementar a renda pessoal, um número
significativo.
Desde o início do trabalho, temos evidenciado o agravamento das condições
de vida da classe trabalhadora e a depreciação dos direitos sociais, dentre eles, a
educação, circunstâncias do modelo societário neoliberal.
O processo de reestruturação socioeconômico e, com ele, a modificação das
relações de trabalho, impõe aos professores desafios quanto ao trato com o
conhecimento e funções exercidas socialmente, contrapondo-se ao desmanche de
sua carreira e âmbito de trabalho.
Nesse movimento, perde-se o essencial para este problema complexo, a
noção de identidade enquanto classe trabalhadora e, falando de forma mais
específica, enquanto professor. Uma das estratégias do neoliberalismo é transformar
o professor, trabalhador multitarefa, com o aumento de sua responsabilidade diante
das fragilidades do sistema educacional e social tornando-o naquele sujeito que
resolve os problemas imediatos e cotidianos. A degradação do trabalho em seus
diferentes níveis, ao mesmo tempo em que destrói sua autonomia e o torna
impotente diante da impossibilidade de ser realizado, se distancia cada vez mais da
luta coletiva dos docentes e dos trabalhadores em geral.
Essa profunda reestruturação da profissão do professor, além de alterar suas
condições de sobrevivência e existência, transforma profundamente as relações com
o saber, com seus alunos, comunidade e classe social, tornando-o impotente para
“demonstrar a relevância do seu trabalho em relação às novas declarações de
missão institucional e outras semelhantes estão gerando uma mistura de anomia e
alienação – ao menos para aqueles que são surpreendidos por essas mudanças”
(BECH; YOUNG, 2008, p. 588).
Portanto, os dados que apresentamos e analisamos nesta pesquisa, ao
tempo que tratam do campo da EF, não deixam de se referir aos professores dentro
113

do quadro geral de profissionais que vivenciam a mesma estrutura, reflexo dos


princípios e ditames neoliberais.
Diante disto, não podemos associar as melhorias de vida desses
trabalhadores, por exemplo, à ampliação de tempo para aprofundar seus
conhecimentos, tempo para reflexão e autocrítica do trabalho docente, ao contrário,
observamos uma necessidade constante de intensificação do trabalho e desgaste
diante das distintas responsabilidades às quais são cada vez mais vinculados. Isso
fica mais evidente quando, ao invés de questionar apenas os aspectos básicos de
existência, nos voltamos para o campo do lazer e da formação cultural, discutida no
item a seguir.

4.2 Formação cultural permanente

Saindo das condições materiais e objetivas gerais do trabalhador-professor,


vamos abordar especificamente a questão da formação cultural e suas implicações
para a prática docente. Entende-se que esses dois itens estão imbricados, mas o
primeiro estaria mais vinculado ao que se necessita para sobreviver e continuar
trabalhando no meio social, já a formação cultural permanente extrapola a condição
mínima de existência, se direcionando para engrandecer o homem nas dimensões
científicas, estéticas e intelectuais.
Conforme exposto anteriormente, nem sempre o acesso a bens materiais ou
determinado valor salarial pode garantir uma boa condição de vida do professor.
Esses dados, analisados de forma isolada, nos distanciam da realidade concreta,
pois mascaram a verdadeira situação que os professores têm que enfrentar
diariamente para conseguir uma vida mais digna. Por mais que alguns professores
tenham um nível salarial que os coloque em uma classificação econômica
mediana42, observamos que a maioria trabalha os dois turnos ou mais para garantir
esse nível econômico, abstendo-se do convívio familiar, do lazer, do ócio, enfim, da
fruição da vida como um todo.
A formação cultural permanente, enquanto um processo necessário para a
docência e, sobretudo, para o ser humano, implica no direito e garantia dada aos
diferentes processos de apropriação da realidade e da vida em suas formas mais
42
Quero dizer melhor no sentido da maioria da população em condições de pobreza e miséria
extrema.
114

complexas. Essa é, portanto, condição fundamental para o nível de consciência do


indivíduo que pretende atuar como educador das novas gerações. “O indivíduo
desenvolve a consciência de si mesmo e do fato de pertencer ao gênero humano
por meio do mundo criado pelos seres humanos, constituído pelas objetivações da
vida humana” (DUARTE, 2013, p. 74). A formação do indivíduo dar-se-á, portanto,
“apropriando-se dos resultados da história social e objetivando-se no interior dessa
história, ou seja, sua formação realiza-se por meio da relação entre objetivação e
apropriação” (Ibid., p. 46). Porém, no mundo capitalista, a maior parte da riqueza
cultural produzida, objetivada pelo homem, é negada ao trabalhador, permitindo-lhe
alcançar apenas estágios de apropriação que forneçam o mínimo de condições para
garantir sua sobrevivência na vida diária.

A maneira como os homens produzem seus meios de existência


depende, antes de mais nada, da natureza dos meios de existência
já encontrados e que eles precisam reproduzir. Não se deve
considerar esse modo de produção sob esse único ponto de vista, ou
seja, enquanto reprodução da existência física dos indivíduos. Ao
contrário, ele representa, já, um modo determinado da atividade
desses indivíduos, uma maneira determinada de manifestar sua vida,
um modo de vida determinado. A maneira como os indivíduos
manifestam sua vida reflete exatamente o que eles são. O que eles
são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o que eles
produzem quanto com a maneira como produzem. O que os
indivíduos são depende, portanto, das condições materiais da sua
produção (MARX; ENGELS, 2001, p. 11 – grifos dos autores).

Para os autores não é a consciência que determina a vida, mas a vida que
determina a consciência. Isso quer dizer que as pessoas, ao passo que se
desenvolvem na sociedade, vão constituir sua consciência a partir das relações
estabelecidas com outros indivíduos, mas também com os meios materiais que
estão disponíveis para usufruírem.
A centralidade do trabalho na vida cotidiana da classe trabalhadora implica,
de certo modo, na restrição do tempo de não trabalho para se estabelecer outras
formas de relação com o lazer, a cultura, a arte e o conhecimento crítico.
Com o propósito de constatar os níveis de acesso ou experiências culturais
formativas dos professores, realizamos alguns questionamentos sobre o que os
professores realizam em seu tempo fora da escola, qual seja, fora da docência
oficial de trabalho. Vejamos os gráficos 3 e 4, comparativos:
115

Gráfico 3 – Frequência de idas ao cinema por ano


50%
45%
40%
35%
30%
25%
20%
15%
10%
5%
0%
Nunca - Quase nunca - De vez em Sempre -
0 vezes 1 a 5 vezes por quando - 12 ou mais
ano 6 a 11 vezes por vezes por ano
ano

Brasil Pesquisa

Fonte: Diálogos com os sujeitos da pesquisa, 2015; QEdu (2016).

Gráfico 4 – Frequência de idas ao teatro por ano


50%
40%
30%
20%
10%
0%
Nunca - Quase nunca - De vez em Sempre -
0 vezes 1 a 5 vezes por quando - 12 ou mais
ano 6 a 11 vezes por vezes por ano
ano

Brasil Pesquisa

Fonte: Diálogos com os sujeitos da pesquisa, 2015; QEdu (2016).

Em relação à frequência ao cinema e ao teatro, constatamos que, no tocante


a ambas as atividades culturais, a maior parte dos professores se concentra na faixa
de 0 a 5 vezes por ano, ou seja, quase não frequentam esse espaço cultural. Do
total, 20% afirmaram nunca ir ao cinema e esse número aumenta para 40% quando
se trata da ida ao teatro. Sobre o cinema, entre os que afirmaram ir com frequência,
muitos vincularam ao fato de ir para levar os filhos e passear com a família; já sobre
o teatro, entre aqueles que têm maior frequência, isso se deve pelo contato por meio
do trabalho ou de alguém da família que está sempre envolvido com essa área.
Existem ainda aqueles que só vão ao cinema e ao teatro quando acompanham os
116

alunos em algum evento escolar. Poucos relataram frequentar os dois espaços


como parte de seus interesses culturais e sua primeira escolha como lazer.
Além das informações acerca do acesso ao teatro e cinema, baseados nos
indicadores nacionais, organizamos as demais informações sem estabelecer, à
priori, um parâmetro nacional. Observemos o gráfico 5 abaixo:

Gráfico 5 – Acesso dos professores aos meios tecnológicos e de informação


25
20 20
20 18
17 17

15 13
12
11
10

Fonte: Diálogos com os sujeitos da pesquisa, 2015.

O questionamento acerca dos meios tecnológicos aparece como elemento


importante para verificar de que modo os professores se relacionam com esses
instrumentos. Apesar de o acesso em casa não significar o domínio dessas
tecnologias, podemos supor que minimamente possuem elementos para auxiliar no
trabalho e em formas alternativas de informação e estudo. Principalmente para
aqueles professores que tiveram uma formação mais tradicional, podemos, inclusive,
supor que o uso desses mecanismos possibilita sua inserção no mundo atual e
globalizado. Diversificar as fontes de informação e de estudo possibilita ampliar o
repertório pedagógico e interligar os professores com as novas tecnologias como
celular, tablet e notebook, que podem servir de instrumentos que auxiliarão o
professor no seu trabalho.
117

Gráfico 6 – Tempo de participação dos professores na TV


6.1 Tempo diário dedicado à TV 6.2 Conteúdos de TV
14 12

12 10

10 8
6
8
4
6
2
4 10 1 11 7 2 4
0
2
12 1 4
0
Pouco (0 a 2h) Regular (2 a 3h) Muito (Mais de 3h)

Fonte: Diálogos com os sujeitos da pesquisa, 2015.

A maioria dos professores, embora tenha acesso à TV a cabo e a um leque


variado de programas, declaram assistir televisão diariamente apenas nos horários
de intervalo entre um emprego e outro, privilegiando os jornais locais para obtenção
de notícias. Outra opção que teve muitos adeptos foram os programas de
entretenimento que incluem os filmes, seriados e animações. Nesse item, alguns
professores informaram que conforme o tipo de programa, preferem até acessá-lo
pelo computador.
Mesmo quando se trata da televisão, como um aparelho eletrônico de posse
de grande parte da população brasileira43, os professores declaram estar muito
ocupados com outras atividades de trabalho, de casa ou em cuidados com a família
para assisti-la, evidenciando que a posse, ou o acesso, não garante a qualidade da
programação no uso da tecnologia.
No gráfico 7, a seguir, temos mais elementos que compõem o momento de
não trabalho dos professores.

43
Segundo dados do PNAD (2013), 97,2% da população brasileira tem acesso à televisão (IBGE,
2014).
118

Gráfico 7: Outras atividades dos professores no tempo de não trabalho

Programação do fim de semana Ida ao Shopping


14 6
12 5
10
4
8
3
6
2
4
2 1
1 12 10 10 1 2 5 5 3 1
0 0
Programação Passeios Trabalho Programação Programação Nunca Até 1 vez 2 vezes 3 a 4 vezes 5 ou mais
Noturna em família Caseira Religiosa por mês por mês por mês vezes por mês

Práticas ligadas à Cultura Corporal


8
7
6
5
4
3
2
1
7 1 1 4 5 2 6
0
Nenhuma Dança Capoeira Bicicleta Musculação Esporte Corrida /
Caminhada

Participação Política Religião


16 7
14 6
12 5
10 4
8 3
6 2
4 1
4 2 3 5 6
2 0
15 4 1 Nenhuma Crê em Evangélico Espírita Católico
0 Deus /
Não participa Ocasionalmente Participa Fonte: Cristão Diálogos com os
sujeitos da pesquisa, 2015.

Podemos dizer que as práticas apresentadas pelos professores quanto às


suas formas de preenchimento do tempo de não trabalho, refletem cada vez mais
um trabalhador sem tempo e opções para o lazer e para ampliar sua formação
cultural. Primeiramente, em relação ao que os professores fazem no final de
semana, constatamos que parte deles se dedica ao trabalho, pois alguns
complementam sua renda atuando em clubes, academias e também há os que
levam trabalho para casa ou trabalham no sábado na reposição das “faltas” no
119

período de greve. Ou seja, o tempo destinado para o não trabalho, na verdade é


deslocado para outros vínculos de produção de sua existência. Ressalta-se que
alguns desses professores ainda possuem vínculo com escolas no nível estadual,
submetendo-se, com isto, até três turnos diários de trabalho.
Dentre as outras opções disponíveis ao professor, temos a utilização do final
de semana com programação mais caseira, que inclui atividades de descanso,
leitura, limpeza/organização da casa, assistir televisão, dormir e outras similares.
Aqueles que realizam passeios em família incluem programas simples como ir ao
cinema, almoço em casa de parentes e situações similares. Ainda temos um que se
dedica à programação religiosa.
A frequência ao shopping indica que 50% vão no máximo duas vezes por
mês. Dados do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística – IBOPE (2013)
indicam que um consumidor típico vai ao shopping cerca de quatro vezes por mês.
Distinguindo as visitas pelas classes sociais44, a classe C visita em média de 2 a 3
vezes. Todavia, vale lembrar que o shopping é um local que oferece vários serviços,
e a maioria dos participantes desta pesquisa informou que a atividade mais realizada
se refere ao pagamento de contas e uso dos caixas eletrônicos, por considerarem
ser um local mais seguro do que um banco. Nenhum professor relatou ir ao
shopping para consumo de objetos como roupas, calçados, móveis e acessórios
como principal objetivo.
No tocante às práticas relacionadas à EF, também buscamos as formas de
experiências culturais ligadas diretamente ao corpo que colaboram com a formação
da cultural corporal, principalmente pela vivência e apropriação das outras formas
que não as hegemônicas do campo da EF, como é o caso do esporte (ênfase no
futebol) e no campo do fitness. Esse questionamento permitiu múltiplas respostas
que inferiu em um quadro diverso incluindo musculação, dança, corrida, ciclismo,
esporte e capoeira praticado regularmente pelos participantes da pesquisa. Porém,
cabe destacar que, dos 20 professores, sete disseram não realizar nenhuma prática
regular, incluindo aqueles que estão com algum impedimento médico, aqueles que
consideraram a aula de Educação Física como exercício e os que informaram
práticas não regulares, apenas ocasionais.

44
Dados do IBOPE (2013) indicam que mulheres jovens da classe A frequentam o shopping em
média seis vezes por mês. Mas, de modo geral, temos o seguinte quadro de frequência em dias por
mês: Classe A1: 4,9; Classe A2: 4,7; Classe B1: 4,3; Classe B2: 3,6; Classe C1: 3,0; Classe C2: 2,1.
120

No que se refere à participação política, averiguamos que os professores não


estão envolvidos politicamente em grupos organizados que discutem e atuam em
prol de seus interesses. Apenas um professor se considerou envolvido com uma
organização política, ao anunciar o vínculo com o Conselho Regional de Educação
Física (CREF), participando das reuniões e discussões promovidas. Aqueles que
disseram participar ocasionalmente incluem os que se manifestam individualmente
nos espaços, os que colaboram nos movimentos de greve e ainda os que
informaram participar de um movimento da igreja que, pelo teor da conversa,
pareceu ser mais a frequência na igreja do que um movimento paralelo. No mais,
75% dos professores afirmaram não se envolver com nenhuma forma de grupo,
debate ou organização política, sindical entre outras.
Detectar a participação política dos professores é importante para perceber
de que modo eles agem como protagonistas ou coadjuvantes nas lutas coletivas
pela melhoria da educação e transformação social. A não participação é um
importante ponto de partida para reflexões, tendo em vista que o movimento político
dos educadores no Brasil foi muito relevante para conquistas trabalhistas. Assim, a
negação, omissão ou o não reconhecimento do cidadão como ser político na
estrutura social pode revelar um posicionamento apático diante da realidade,
sofrendo passivamente diante das condições postas pelas políticas públicas
neoliberais e pelos mecanismos adotados de controle e repressão impostos pelo
Estado na órbita da educação. Mas pode também ser reflexo de uma sociedade que
exerce amplamente sua dominação pela forma de exploração e alienação do
trabalho, retirando do trabalhador a capacidade de compreender conscientemente a
realidade e, assim, manter a sua energia e vigor para os enfrentamentos das lutas
imediatas e gerais da sociedade de classe.
Pelas informações coletadas nos diálogos, o conjunto dos dados nos remete
ao entendimento de que os professores, diante das condições de trabalho,
exploração e alienação, não usufruem adequada e amplamente da produção cultural
humana, tão necessária aos processos de formação crítica, estética e mesmo moral
das gerações sob a responsabilidade da escola. O professor ainda está distante do
acesso à cultura mais elaborada, mantendo-se preso a uma formação cultural
pautada no imediatismo da vida cotidiana, nos meios de comunicação mais
difundidos e voltados para os interesses da vida comum das massas. Isso tudo
121

implica diretamente na qualidade do trabalho docente e no nível de sua consciência


quanto à realidade, das relações e papéis sociais que deve assumir dentro da
formação humana.
A ausência de participação social contribui com a deformação política e, uma
vez associada ao restrito mundo das instituições religiosas, pode se fortalecer na
efetivação de práticas conservadoras, e interferir no papel social da escola pública
laica e democrática. A formação da consciência política dos professores se torna
elemento crucial para a leitura e atuação sobre a realidade, no sentido de revelar e
agir sobre as relações de poder e exploração neste modelo social capitalista.
Entendendo que a ação do professor não é um ato simples de transmissão de
conhecimento, mas uma ação intencional, que carrega valores, princípios e a própria
subjetividade do professor, as implicações da privação aos bens culturais no
trabalho docente vão atuar na forma como o conhecimento é tratado pelo professor,
pelo nível de consciência que ele tem do objeto de conhecimento e das relações que
estabelece com os homens e com o mundo. É preciso compreender que a prática
docente é uma relação complexa entre dois sujeitos que têm histórias e diferentes
níveis de acesso à cultura e ao conhecimento. Desse modo, por mais que se
defenda aqui uma postura respeitosa entre professor e aluno, o docente é alguém
que supostamente domina certos conhecimentos ainda não apropriados pelo
estudante e tais conhecimentos não são destituídos de uma base ideológica.
Portanto, urge que o professor tenha acesso maior à cultura, que sua visão da
realidade educacional esteja articulada com a totalidade da vida social, e que o
conhecimento mais elaborado, as tecnologias e as diferentes ciências é que vão
assegurar uma grande diferença em sua ação pedagógica quanto ao nível do
conhecimento que deverá ser trabalhado na escola.
Evidencia-se, aqui, uma das contradições presentes neste novo modelo
escolar em ciclos, que é a carência na formação cultural dos professores que
trabalham em uma escola cuja proposta é ampliar a concepção de formação dos
alunos para outras dimensões socioculturais e políticas. Quando a escola em ciclos
se propõe a trabalhar novos conteúdos e conhecimentos, o professor, como
mediador do processo educativo, deve ser a ponte entre o aluno e esses novos
saberes. No caso, se o próprio professor está distante disto, acaba por reproduzir,
no interior da escola, o que já é amplamente difundido no meio social.
122

A argumentação não caminha no sentido de defender a postura crítica e


ampliada do professor apenas na escola em ciclos, inclusive os capítulos anteriores
nos permitem compreender que a maior parte dessa ampliação se constitui como
discurso pelo capital e que a precarização da vida, do trabalho e da formação está
objetivada no sentido de ir contra a formação humana. Mas, apesar disso, é
necessário perceber que esse modelo escolar oportuniza esses espaços de
ampliação cultural, de construção da autonomia do aluno, de novas formas de
relação com o currículo e com o conhecimento, devendo, portanto, ser explorados
ao máximo no processo de formação dos alunos. Esta seria uma das razões pelas
quais deve se defender a luta pelo acesso à cultura, porém, nunca dissociada da
mudança social. Em função disso é que o olhar diferenciado para esse modelo
escolar pode criar condições para ensinar, desenvolver, produzir e reconstruir
conhecimentos com os alunos. É preciso buscar formas de aprimorar o nível cultural
da classe trabalhadora, em um exercício constante de conhecer a realidade e o
mundo social complexo que está aí, ao tempo que também se busque
transformação social, para formas mais humanas e dignas de viver a produção
cultural humana.

4.3 A formação inicial de professores e sua relação com o modelo de Ciclos

A discussão a respeito da formação inicial é um dos pontos centrais deste


estudo. As diretrizes curriculares e princípios filosóficos e ideológicos que norteiam a
formação de professores impactam diretamente nas escolhas e na postura assumida
por eles no campo de trabalho. Nos diálogos, buscamos entender a conjuntura
social em que se formaram e quais conceitos e concepções passaram a orientar a
sua prática profissional.
Pensando nesses condicionantes, no âmbito da EF, além do tempo socio-
histórico existem várias tendências pedagógicas que compõem esses contextos, e
que podem ser assim destacados: formação esportivista, tecnicista e militarizada,
psicomotora com foco na individualidade do aluno ou, ainda, várias concepções
consideradas progressistas ou críticas, com destaque para a formação orientada
pela ideia da cultura corporal. Essas concepções vão refletir de uma forma ou de
outra na ação docente do professor em suas práticas escolares.
123

Na tentativa de se orientar e melhor compreender a relação do trajeto de


formação desses professores, temos o seguinte panorama, a partir dos dados do
gráfico 8:

Gráfico 8 – Trajetória de formação dos professores


120%

100% Não soube dizer

80% Não fizeram

60% Mista

40%
Particular
20%
Pública
0%
Educação Básica Graduação Pós-graduação

Fonte: Diálogos com os sujeitos da pesquisa, 2015.

Pelo gráfico, podemos perceber como o acesso às diferentes esferas


educacionais se modifica em relação ao nível educacional cursado. A maioria dos
professores frequentou a educação básica em escolas públicas e, apesar de 25%
terem sido classificados como educação mista, é preciso dizer que esse percentual
inclui aqueles que fizeram todo o fundamental na escola pública e apenas um ano
ou todo o ensino médio na escola privada. Inclui também aqueles que fizeram o
inverso, cursaram a primeira fase do ensino fundamental na escola particular e o
restante nas escolas públicas. De todo modo, a porcentagem de professores que
tiveram acesso misto às escolas o fez em maior quantidade no ensino público.
Em relação à graduação, 90% dos professores a cursaram em universidade
pública, 17 na ESEFFEGO45 e um na UFG46, os dois restantes cursaram em
instituições privadas. O acesso à educação básica em instituições de ensino público
e a opção pela graduação nos cursos de licenciatura podem apresentar relações
mais profundas no que se refere à escolha profissional. David (2012) constatou, em
sua pesquisa, que, dos alunos matriculados em cursos de licenciatura, 55% fizeram
o ensino fundamental diretamente no ensino público e 60,1% em relação ao ensino

45
Escola Superior de Educação Física e Fisioterapia do Estado de Goiás.
46
Universidade Federal de Goiás.
124

médio. O autor chama atenção para o fato de esses dados refletirem uma realidade
importante do movimento do sujeito em relação à escola pública, isto é, muitos
ingressantes nos cursos de licenciatura, provenientes das instituições públicas de
ensino, retornam a este mesmo local na condição de professores.

Essas informações nos possibilitam avaliar e refletir sobre o sistema


público, tanto na formação superior como no campo de trabalho onde
se realiza a prática docente. Embora existam conflitos e mal
entendidos em relação a essas realidades, na verdade elas formam
um ciclo de continuidade em sucessivos momentos de conexão [...]
Nesse sentido, a escola pública é o lócus privilegiado de referência
para a busca constante da qualidade do ensino e do trabalho
docente, como também elemento da realidade da formação de
professores na universidade a ser pensado no sentido de
continuidade, inter-relação e superação (DAVID, 2012, p. 190-191).

A escola pública deve ser objeto de estudo e reflexão na formação para que
se garanta uma intervenção qualitativa por parte dos professores. Buscando
compreender em que medida os professores estão conectados com as reflexões do
seu lugar de trabalho, perguntamos a eles se tiveram acesso ao debate sobre a
escola pública e a escola em ciclos durante a formação na graduação, ao que 13
professores afirmaram ter estudado sobre a escola pública e sete disseram não ter
discutido nada. Vejamos algumas falas dos professores:

Sim, mas aquilo que nós víamos para a escola pública estava
pautada na legislação da época que, até lembro, antes do novo
currículo entrar em vigor, tinha um manual de ordens unidas para a
Educação Física. Ordem unida, quer dizer, coisa pra militar, né? Era
uma das matérias, mas aí como nós só a veríamos lá na frente, com
a mudança do currículo, nós não chegamos a ver, então entraram
outras matérias daquele período e aí tem que ver na ESEFFEGO
porque eu não lembro (Diálogo – Professor 6, 2015).

Escola pública, demais. Muito, muito. Da falta de estrutura da escola


pública, da falta de incentivo ao professor, da capacitação, da
especialização, da pós-graduação do professor (Diálogo – Professor
10, 2015).

Quase não tinha. Era assim, até meio discriminado, na minha época,
dar aula em escola pública... A gente sempre falava que não, se
alguém quer ganhar dinheiro, se quer ser alguém na vida, que pense
em montar uma academia, ou fazer um curso melhor pra ser um
técnico. Era isso na época lá (Diálogo – Professor 12, 2015).
125

As falas dos professores indicam que o estudo da escola pública vivenciada


pelos professores na universidade ocorreu tanto no sentido de problematizar e
qualificar esse campo de trabalho dos egressos como também de distanciar o futuro
professor desse importante espaço de atuação profissional. Concordamos que a
realidade precária, à qual as escolas estão submetidas nos dias atuais, deve ser
explicitada como forma de situar os futuros professores tanto em questões materiais,
de estrutura física e pedagógica, como acerca dos problemas sociais que incidem na
e sobre a dinâmica escolar. Porém, o professor em formação deve também
compreender o real significado do seu trabalho neste espaço e também como deve
atuar politicamente para garantir a melhoria deste campo de atuação.
Se por um lado a escola é um espaço complexo, ainda é o que oferece
melhores condições de trabalho, principalmente para o campo da Educação Física.
O ideário empreendedor disseminado nos anos 90 difundiu um pensamento
equivocado em relação às condições de trabalho oportunizado pelo ramo fitness,
desqualificando o espaço da escola para esse professor.
Sobre a escola em ciclos, apenas quatro disseram ter estudado a respeito
desse modelo escolar:

Eu só tive a discussão do modelo de ciclos porque um professor meu


era professor da rede. Então eu acho que sabendo da quantidade de
gente que ia prestar o concurso na época que eu fiz, antes, a gente
até leu um livro sobre ciclos e ele sempre discutia. Tanto é que ele é
um defensor dos ciclos, foi meu orientador e tudo mais (Diálogo –
Professor 16, 2015).

Eu terminei em 2007. Eu fui ouvir falar de ciclo quando eu cheguei


aqui nessa escola (Diálogo – Professor 2, 2015).

De forma alguma. O ciclo não foi implantado, foi imposto. Eu lembro


que eu já estava na rede municipal. Eu entrei em 95 na rede
municipal, na escola que eu trabalhava na ocasião, chegaram na
escola no final do ano e a partir do ano [seguinte já] seria diferente
(Diálogo – Professor 5, 2015).

De certo modo pode ser até compreensível que alguns professores não
tivessem estudado sobre o modelo de ciclos na universidade, considerando que
alguns se formaram no processo de implantação desse sistema escolar. Quando
nos reportamos às datas e períodos de conclusão da graduação, identificamos que
um professor formou-se na década de 1970, quatro concluíram o curso nos anos
126

1980, cinco, na década de 1990 e 10 terminaram a graduação após os anos 2000.


Essa divisão temporal linear da formação não é feita sugerindo que cada período
estruturou formações com diferenças substanciais, principalmente se tratando do
curso de Educação Física.
Contudo, desde os anos 1990, os currículos foram indicados à reformulação
no sentido de considerar novas formas de pensar a escola, sua estrutura,
organização, gestão, currículo, avaliação, processos de ensino e aprendizado,
enfim, foi possível para as instituições formadoras, ampliar o currículo com a
inserção de conhecimentos mais abrangentes que possibilitassem uma formação
mais generalista que desse, ao futuro docente, condições de refletir sobre o seu
campo de trabalho e organizar sua prática a partir de objetivos da educação formal
sistematizada em cada área específica de conhecimento.
Faz parte dos princípios da Universidade o ideário de local privilegiado para
se produzir conhecimento, de refletir sobre o campo de trabalho, de trazer
contribuições ao campo educacional e social. Mesmo que o modelo de ciclos não
seja a organização hegemônica de ensino no Brasil, por vezes, os professores que
estão inseridos na rotina da escola, pouco conseguem refletir sobre as transições
ocorridas no âmbito da formação de professores na Universidade, nestas ultimas
décadas, e de sua relação com a escola. Com isso, a ausência de discussão, e por
vezes, o desconhecimento sobre um modelo escolar em expansão47, indicam que a
universidade se mostra desconexa da realidade ou pelo menos ignorando-a
enquanto um dos movimentos de mudanças no sistema educacional. Diante disto, a
formação de professores fica apartada ou aquém da realidade que se expande e
intensifica seus problemas no país como um todo. Entendemos que a escola em
ciclos ainda não representa a totalidade do sistema oficial de educação, mas uma

47
De acordo com Barreto e Souza (2004), os ciclos ainda são minoria em relação à organização
escolar, porém, apontam um aumento expressivo desde os anos 90. “Considerando o conjunto de
escolas brasileiras com ensino fundamental em 2002, públicas e privadas, encontra-se que 19,4%
organizavam o ensino fundamental em ciclos; 10,9% delas adotavam unicamente ciclos e 8,5%
combinavam ciclos e séries, conforme dados do censo escolar do Inep. Ainda segundo esta fonte, o
percentual de alunos matriculados exclusivamente no regime seriado, nesse mesmo ano, era de
62,2%, enquanto aqueles matriculados em escolas que possuíam unicamente ciclos ou que
adotavam regimes mistos constituíam 37,8% da população escolar” (p. 5). Além desses dados, as
políticas atuais implementadas através de programas como Pacto Nacional pela Alfabetização na
Idade Certa (PNAIC) introduzem a dinâmica dos ciclos nos anos iniciais acordando entre os Estados
e Municípios o compromisso de “assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito
anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental”. Disponível em:
<http://pacto.mec.gov.br/noticias/134-adesao-2016>.
127

parte significante que vem ocorrendo em grandes estados brasileiros, portanto, não
pode ser ocultado nos projetos de formação de professores nas Universidades e
nem objeto de estranhamento pelos professores que nele estão atuando. Além
disso, mesmo com a reafirmação cada vez mais constante através das políticas
públicas da manutenção e ampliação dessa lógica educacional, ainda há aqueles
que se opõem ao modelo. Do mesmo modo, compreendemos que a universidade,
como um espaço de produção de conhecimento, sempre manteve certa distância
das inovações que surgem fora delas, especialmente aquelas anunciadas pelo
Estado ou por meio de políticas sociais temporárias ao gosto de interesses nem
sempre transparentes dos governantes ou de interesse comum.
Em 1992, teóricos da própria EF já reconheciam essa possibilidade e
propunham o ensino deste campo pensado a partir de uma nova lógica educacional:

Nos ciclos, os conteúdos de ensino são tratados simultaneamente,


constituindo-se referências que vão se ampliando no pensamento do
aluno de forma espiralada, desde o momento da constatação de um
ou vários dados da realidade, até interpretá-los, compreendê-los e
explicá-los. [...] Ao introduzir o modelo dos Ciclos, sem abandonar a
referência às séries, busca-se construir pouco a pouco as condições
para que o atual sistema de seriação seja totalmente superado
(COLETIVO DE AUTORES, 2009, p. 36).

Nos cursos de graduação em Educação Física, o debate da formação ampla


se constrói em um espaço de disputa epistemológica e ideológica sobre a qual área
de conhecimento ela pertence. Uma formação onde a hegemonia dos
conhecimentos biologicistas ainda predomina em relação aos da área de humanas.
Debater a EF escolar e o trabalho do professor implica em discutir qual homem, qual
educação e para qual sociedade se pretende formar. Quando questionamos os
professores acerca dos conteúdos que privilegiaram ao longo da formação tivemos
12 respostas para as disciplinas práticas, sete para as disciplinas de humanas e
cinco para as disciplinas biológicas. A maioria, que opta pelas disciplinas práticas,
converge com o pensamento hegemônico nacional, tendo em vista que grande parte
dos professores escolhe o curso de Educação Física pela proximidade com área das
práticas ligadas ao corpo-biológico. Existem também aqueles que entendem o
campo da EF pelo saber prático, o que, neste caso, pode trazer sérias
consequências para a formação intelectual e política do professor, pois,
128

a Educação Física assume a função de desenvolver e aprimorar o


físico, seja em caráter mais antigo de preparação para a guerra, seja
num sentido mais moderno de aquisição de aptidões atléticas, sem
que para esta seja necessária a reflexão acerca de um corpo de
conhecimentos (SOUZA JÚNIOR, 1999, p. 4).

Diante disto, ao pensar que o próprio interesse dos alunos, direcionado às


disciplinas práticas, fosse um empecilho para a dedicação em outras de cunho
pedagógico, por exemplo, foi quando se iniciou um debate acerca dos sistemas
escolares e metodologias de ensino e avaliação, o que daria uma base para o aluno,
ao ingressar nas escolas com modelo organizacional diferente, assim como se
apropriar de metodologias diferentes da tradicional seriada. Se o interesse pelas
disciplinas práticas já era um dado esperado, o que nos parece intrigante, diante do
histórico da EF e sua constituição curricular, é a sobreposição da escolha das
disciplinas de humanas em relação às de cunho biológico. Desses dados, podemos
trazer as seguintes reflexões: primeiro, que a área de humanas a que nos referimos
agrupa disciplinas de metodologia, currículo, história, psicologia, desenvolvimento
humano que não necessariamente vão se conformar no ensino do aluno pelo viés
crítico48; segundo, os cursos de EF das instituições públicas do Estado de Goiás,
das quais esses professores são oriundos, representam um currículo liderado por
um grupo de profissionais que engendraram muitas lutas em prol de uma EF crítica
voltada para a formação humana. Na constituição e reformulação dos cursos, a
intencionalidade de agregar aos conhecimentos da área uma formação crítica pode
ter, de certo modo, influenciado os alunos que acompanhavam a transição curricular
nos cursos de EF, fato que pode ser constatado pela declaração de um dos
professores:

[...] a minha turma foi a primeira a receber aquele currículo e foi


praticamente uma revolução no conceito da Educação Física, da
Educação Física escolar. Na minha turma foi, em alguns aspectos,
foi até uma cobaia porque a grade curricular daquela época para cá

48
Ao se abordar a EF no ensino infantil, por exemplo, podemos abordar o desenvolvimento humano
dentro da visão corretiva da psicomotricidade como verdade absoluta, ou ter acesso a esse
conhecimento compreendendo suas contribuições e limitações. No primeiro caso, aborda-se um
conteúdo da área de humanas, mas ainda fundamentado pela base biologicista como caminho a ser
adotado, mas na segunda perspectiva o conteúdo é apresentado ao aluno, problematizado e se dá a
oportunidade de escolher entre esse ou outros modos de tratar o desenvolvimento humano a se
conhecer durante a formação.
129

mudou demais, sofreu mudanças assim, absurdas. [...] A gente


pegou uma época que [...] quase mataram a prática nas aulas de
Educação Física. Pra mim foi muito interessante porque eu sempre
enxerguei a Educação Física como uma disciplina dentro da escola
tão importante quanto as outras e que não deveria ser reduzida à
prática burra e repetitiva. Mas eu acho que o pecado desse período
foi teorizar demais e ter menosprezado a prática da Educação Física
escolar. [...] Nesse aspecto, acho que acabou facilitando, porque a
gente já encarava a Educação Física escolar como um desafio
absurdo. A gente já tinha consciência de que ia chegar na escola
meio que quebrando paradigmas históricos. Esse professor de
Educação Física, por exemplo, que questiona a quadrilha, a gente já
tinha essa consciência. E no ciclo foi uma oportunidade para dar
vazão à esse novo viés (Diálogo – Professor 9, 2015).

Essas instituições públicas, UFG e ESEFFEGO se propuseram a pensar a EF


pelo viés da formação humana, da formação acadêmica em uma perspectiva
ampliada49. Historicamente, os cursos de EF foram agregando disciplinas humano-
filosóficas em seus currículos, mas não se pode afirmar até que ponto o currículo em
ação oportunizou esses debates e essa dinâmica de formação.
Perguntamos, também, se caso pudessem retomar os estudos, quais
disciplinas que eles deixariam em segundo plano? Das escolhas dos professores,
temos: 10 seriam voltadas para a área de humanas, cinco para as biológicas e uma
para as práticas. Houve seis professores que afirmaram não sentir necessidade de
retomar nenhuma. Podemos destacar que o maior interesse pelas disciplinas de
humanas seja pela própria vivência tensionada para que o professor assuma uma
ação docente mais coerente e elaborada por um amparo teórico consistente.

49
É importante ressaltar que os cursos de EF dessas instituições apresentam trajetórias e
características diferentes, mas explicitam, em seus projetos de curso, um compromisso com a
formação em uma perspectiva ampliada. De acordo com o PPC de Educação Física, modalidade
Licenciatura da UFG “defende-se que os conteúdos significativos devem ser construídos por meio
das competências, entendendo-as como práxis pedagógica, como ação crítica e reflexiva, mantendo
assim a perspectiva de que o ensino deve formar para a autonomia da gestão escolar e o respeito
aos saberes adquiridos (experiências) pelos alunos em processos informais e implementada a
realização da prática de ensino e estágios curriculares obrigatórios (contatos com o real) em todo o
processo de formação acadêmico/profissional” (2013, p. 11). No PPC da ESEFFEGO, o curso se
apresenta como “comprometido com a formação de professores capazes de intervir na sociedade de
maneira crítica, o curso possibilita uma formação humana que permite a apreensão da realidade de
forma concreta. A relevância do curso se projeta também pela sua proposta de qualidade no trato
com os conhecimentos da área específica, articulados com os saberes mais amplos, pela sua luta de
manutenção pública e laica construída ao longo de mais de quatro décadas, constituindo-se em uma
das poucas possibilidades públicas para a formação profissional na área da Educação Física no
Estado de Goiás” (2015, p.13).
130

Segundo Castellani Filho (2015)50, ao abordar a temática da formação de


professores de EF, hoje, é necessário se voltar ao panorama nacional da educação
superior no Brasil. O autor retoma informações do INEP, de 2009, para apontar que
os dados dessa época registravam aproximadamente 1300 cursos superiores de EF
no país, um dado alarmante, pois

[...] nós não temos a menor ideia do que está acontecendo nesses
1300 cursos, não há estudos de natureza empírica que tenham ido
visitar sequer 20% desses 1300 cursos. Eu quero dizer o seguinte
com isso, eu não tenho, academicamente falando, nenhuma prova,
nenhum dado concreto que me permita afirmar que as diretrizes de
2004 estão ofertando uma formação pior, ou melhor, que aquela
ofertada pela diretriz 03/87 [...] o que faz com que, portanto, fique
claro pra nós que, o que falamos aqui, o que defendemos aqui, o que
escrevemos, o que publicamos, tem uma base fortemente marcada
por um discurso ideo-político que é importante, que precisa se fazer
presente, mas que precisa mais do que urgentemente, vir
acompanhado de dados que comprovem ou refutem as afirmações
de natureza política ou ideo-política que eu ou qualquer um de nós
aqui venha fazer (CASTELLANI FILHO, 2015).

Esse importante teórico do campo da EF sugere que, de certo modo, a


aproximação da EF com o campo da educação, pelo viés do conhecimento crítico
humano-filosófico, e destacamos aqui a formação de professores, não pode ser
constatada a não ser em casos isolados. Ou seja, no processo de construção dos
cursos das instituições citadas acima, há um forte vínculo ideológico da formação
humana em EF, mas cada professor que compõe o corpo docente desses cursos e
que materializa esse currículo possui também sua posição ideológica, que pode ser
convergente ou antagônica. É uma disputa de forças e ideologias que vão colaborar
ou distanciar esses discentes de uma formação numa concepção crítica. Seria
necessário, para trazer tais afirmações, aprofundar as análises desses PPC’s, e
buscar uma aproximação da realidade desses cursos para compreender melhor
esse contexto. Ainda sobre a ampliação dos cursos e a qualidade da formação, o
autor destaca:

Todavia, não tenho receio em dizer que aproximadamente 90% dos


cursos superiores de EF hoje existentes não dão conta de garantir a
apropriação por parte de seus alunos do aqui mencionado, fruto de

50
Palestra proferida no XVIII Encontro Regional de Estudantes de Educação Física da Regional V
realizado em Goiânia-GO no dia 22 de maio de 2015. Áudio transcrito pela autora deste estudo.
131

uma massificação da educação superior que, dissociada da


observância de critérios definidores de parâmetros de qualidade
social, acaba desqualificando o acesso à educação superior por
parte de setores da sociedade que, ludibriados pelo (falso) discurso
da democratização do acesso à educação, continuam se defrontando
com a realidade de acessibilidade desigual ao mundo do trabalho
(CASTELLANI FILHO, 2003, p. 28).

Ao refletirmos sobre a totalidade do processo de formação de professores, e a


de alguns professores deste estudo, se percebe que ainda pode ser algo muito
distante se pensar nos cursos de EF que priorizam os conhecimentos técnico-
desportivos e médicos. Já no sentido da formação de professores em geral, não é
somente o currículo que impacta no perfil do egresso, pois a expansão universitária
que visa a certificação docente, enquanto medida de regulação da profissão,
também colabora no esvaziamento da formação.
Podemos destacar a ampliação das instituições para formação em
licenciatura que não acompanham em qualidade a quantidade em que se
expandiram. Essa expansão gera níveis gravíssimos de desqualificação na
formação do docente e, internamente, cria grandes disparidades em níveis de
formação entre os próprios educadores. Com o surgimento das EAD’s, IFET’s e UAB
a formação assume o caráter técnico-profissionalizante, distanciando o sujeito de
uma formação considerada apropriada que desenvolva o “saber científico, a
consciência crítica e o saber gestionário” (FREITAS, 2012). A expansão das
Universidades é de extrema importância para nosso país,

[...] mas a essa expansão massiva do ensino superior público e de


seus quadros docentes, deve corresponder, obrigatoriamente, a
elevação da qualidade referenciada socialmente no acesso das
classes populares à cultura, às artes, aos conhecimentos científicos,
e na profunda vinculação da escola com a vida social (Ibid., p. 103).

Isso retoma, no desenvolvimento histórico da educação, a constante


postergação dos processos de formação de professores que contemple o
“estabelecimento de uma política nacional de formação, profissionalização e
valorização dos educadores que defina os caminhos que fortaleçam a construção da
identidade profissional dos docentes da educação básica” (ibid., p. 94).
132

A fim de dialogar com os professores, perguntamos a eles qual o tipo de


formação adequado para se alcançar um perfil profissional considerado ideal. Eis
algumas respostas.

Eu acho que o que deixa a desejar assim, é a falta de mais


experiência prática na faculdade. Eu percebi depois que eu saí da
faculdade que tinha muita teoria e pouquíssima prática. E a teoria
não me ajudou muito no dia a dia da escola. Eu tive que aprender a
dar aula, dando aula, porque eu cheguei na escola e não me sentia
preparado. Eu tinha alguma bagagem teórica, mas na hora assim, da
prática, foi bem aquém. Então eu achei que meus estágios da
faculdade foram poucos e insuficientes, fracos, não deu base
(Diálogo – Professor 2, 2015).

Claro que tem que ter essa formação mesmo acadêmica. E tem que
ter aquela formação do ser humano, tem que ser um bom ser
humano, eu penso. Aí estudando, fazendo curso, se aprimorando e
tentando resgatar o que o aluno mesmo precisa [...] na escola, de
tempo integral, mais ainda. Porque tudo que acontece com o aluno
no dia a dia que deveria acontecer com a família, acontece com a
gente [...] Quando a gente vai para o mercado de trabalho sente
muita dificuldade. Com o pegar na massa mesmo, a gente tem muita
dificuldade. Tem que ir em busca, até dentro da escola... Eu aprendi
muito na escola, com as professoras, no dia a dia (Diálogo –
Professor 12, 2015).

A universidade deveria proporcionar, no caso, essas vivências da


teoria com a prática. Então eu acho que, na formação, você já ter
essa vivência da teoria com a prática logo em seguida, porque,
dependendo da forma que você vai trabalhar, já tem o professor pra
você dialogar e verificar o que você tem feito de errado para poder
melhorar. Aí, quando você chegar na sua vida profissional você não
terá tanta dificuldade, porque, como muitas vezes acontece: no
primeiro dia da sua vida profissional você tem que correr na
faculdade pra pegar os livrinhos lá pra ver se dão um socorro
(Diálogo – Professor 20, 2015).

De acordo com estes depoimentos, a característica central apresentada é a


fragmentação entre teoria e prática, que é compreendida como um obstáculo para
se iniciar o trabalho na escola. Podemos analisar o distanciamento entre teoria e
prática entendendo que essa fragmentação está associada, primeiramente, a uma
forma de compreender a realidade. Assim, tanto a própria universidade pode, de
fato, aprofundar esse distanciamento pelo modelo dos currículos implementados,
que teorizam sem levar em consideração o movimento da realidade e as
contingências ou, mesmo, pelo modo como se desenvolveu a leitura da realidade
pelo professor que não consegue refletir sobre sua realidade, e, de forma autônoma,
133

reelaborar suas ações para atuar conforme seus objetivos, dos alunos e da escola.
Outro fator importante em relação a essa forma de compreender a realidade é que,
se o mundo é visto como resultado de múltiplas determinações, compreende-se que
é pouco provável que a ação docente individual possa eliminar ou modificar
determinadas problemáticas sociais graves como a violência, a pobreza ou a falta de
estrutura escolar. Mas, para aqueles em que falta essa perspectiva, todas as ações
serão frustradas, pois a incompreensão da relação dialética entre sociedade e
educação pode fundamentar ações docentes ingênuas e superficiais, visando a
transformação de algo por um caminho pouco plausível.
Outra explicação para o posicionamento dos professores trata-se da própria
lógica de competências instituída nas diretrizes da formação de professores, cuja
formação, para as competências, pode assumir um sentido ampliado de formação
educativa e qualificação do trabalho por meio da “capacidade de mobilizar
conhecimentos/saberes junto aos postos de trabalho, os quais são adquiridos
através da formação, da qualificação e da experiência social enquanto elementos
que caminham juntos em função dos resultados” (DAVID, 2002, p. 123) ou se
enquadrar na concepção capitalista flexível, que forma o trabalhador para o
emprego, que centra a preparação de professores para a resolução de problemas
cotidianos da escola, pelo aprender pela prática sem se estabelecer uma mediação
com as bases científicas vinculadas à concepção de formação humana ampliada
(Ibid.).
Outra qualidade considerada pelos participantes da pesquisa como
importante para a formação de um bom professor vem à tona nas declarações a
seguir:

Acho que um pouco já vem de gostar mesmo. Primeiro ponto, acho


que é gostar do que faz. O segundo é que você tem estar interado,
porque as coisas vão mudando, a dinâmica é muito rápida. Interagir
com a internet, ver o que está acontecendo naquele momento
(Diálogo – Professor 18, 2015).

Eu acho que a minha faculdade, a minha pós-graduação já me deu


formação boa. E eu costumo assim, quando eu pego uma oficina por
um ano, né? Se eu vou dar uma oficina de ginástica, eu pesquiso na
internet, dou uma pesquisada para ver como que está, né? A
atualidade (Diálogo – Professor 14, 2015).
134

Pela forma como está apresentada, a atualidade como princípio da formação,


aparece como uma característica que deve partir do indivíduo. Outra propriedade
que surge dos diálogos realizados com os professores também não se vincula à
formação acadêmica:

Olha, isso aí eu vou classificar de acordo com o meu pensamento.


Isso aí pra mim é o dom de cada um. Porque tem professor, nessa
escola mesmo aqui, tem professor que o aluno faz o que quer. Você
entra na sala e fala: não tem professor aqui! E o professor está lá
dentro (Diálogo – Professor 5, 2015).

Primeiro eu acredito que, educação, não sei se todo mundo acredita


nisso, mas as pessoas que eu converso até chegam nesse
consenso, que professor... não basta você querer ser professor, você
tem que ter o dom de ser professor. Porque você vê na escola que
tem gente que pra manter o controle de uma sala grita, leva
presente, balinha e tem outros que não precisam desse
comportamento. Ele tem o dom de tocar aquela banda ali. Então eu
acredito, sei lá, que é mais uma questão de vocação e esforço da
pessoa em procurar aprender mais sempre (Diálogo – Professor 10,
2015).

Tanto a inovação, quanto o dom de ser professor exprimem as ideias de um


grupo que considera que a formação do professor parte de uma condição primeira
associada às características individuais do sujeito. O destaque é dado ao dom, ou
seja, uma característica inata do sujeito. Outras características também citadas são
a vontade de ensinar e correr atrás do conhecimento para ser professor.
Entendemos que, de certa forma, o professor precisa, desde o início do seu
trabalho, assumir um compromisso com a educação que deve ser a força propulsora
da busca pelo conhecimento, do incentivo constante das lutas pela educação. Não
compreendemos que o indivíduo que se torna professor nasce com isso
determinado geneticamente, mas sim que as histórias de vida, a formação, as
experiências, os exemplos bons e ruins traçam características e levam certas
pessoas para o caminho da docência enquanto uma escolha. Outros se tornam
docentes pelas oportunidades que lhes são oferecidas e nem sempre, quando se
deparam com as reais condições de trabalho, conseguem exercer um trabalho com
qualidade diante das frustrações e condições de trabalho concretas.
No entanto, mesmo para aquelas pessoas que possuem afinidade com a
docência, antes mesmo de assumirem o trabalho docente, torna-se necessário que
adquiram conhecimentos da sua área de atuação. Em relação à formação, temos
135

que entender, primeiro, que trata-se de um processo. Formar significa construir


qualidades, conhecimentos, competências técnicas intelectuais, culturais, dentre
outras que tornem o sujeito qualificado para exercer sua profissão, ou seja, é
agregar conhecimento. No entanto, por mais que sejam apropriadas pelo indivíduo,
se constituem a partir de uma relação com outros sujeitos. Assim, torna-se
necessário distinguir o que se aprende no cotidiano, nas relações sociais primeiras,
na educação informal que também compõem o sujeito e caracterizam seu trabalho
docente.
Opondo-se a esses posicionamentos, alguns professores citaram como
elemento fundamental para a formação do professor a passagem pela universidade
tanto em nível de graduação como de pós-graduação.

[...] eu vejo o seguinte, as varias teorias que têm aí, são


necessárias? São. Acho que temos que ter um conhecimento que
assim como um médico tem uma formação para clínico geral, o
professor tem uma formação ampla como um clínico geral e tem uma
especialização. Mas ele tem que ter também uma capacidade de
verificar a forma dele conduzir a área dele em conjunto com as
outras áreas da educação. Aí as pessoas vão falar: mas isso é
impossível! Não é (Diálogo – Professor 6, 2015).

Primeiro a faculdade. Depois, até uma especialização de boa


qualidade que, eu, particularmente, não tenho de boa qualidade
(Diálogo – Professor 16, 2015).

Ele teria que realmente fazer um curso superior, ele tem que ter uma
graduação. Ele tem que procurar uma graduação, ele tem que
procurar outros cursos que possam complementar essa graduação,
porque a faculdade não te forma "o". Quer dizer, a minha dança na
faculdade, ela foi rasa, então, se eu não tivesse feito outros cursos,
hoje eu não estaria trabalhando dança da forma que eu trabalho,
mas sem a graduação não tem como, porque a graduação, ela te dá
a base, não adianta (Diálogo – Professor 17, 2015).

Como se pode perceber nos destaques dos diálogos acima, existem aqueles
sujeitos que já avaliam como importante a formação acadêmica e científica inclusive
estabelecendo uma comparação com em medicina. O que podemos refletir acerca
desse aspecto é que os movimentos que ocorreram na sociedade desqualificaram o
trabalho do professor a tal ponto de, os próprios professores, associarem que o que
precisam aprender está presente somente no “chão da escola”, desconsiderando a
relevância social de seu trabalho e, inclusive, as implicações da ação de um
136

profissional incompetente no desenvolvimento do indivíduo. De fato, o trabalho de


um médico, dada a sua ação imediata na doença e no paciente, pode provocar certa
preocupação social e exigência na formação, afinal, um erro, pode levar
imediatamente à doença visível de uma pessoa. Já o professor, as mudanças e
reflexos do seu trabalho precisam de tempo para se constituírem no sujeito. O
próprio professor não pode medir ao certo o quanto sua ação pedagógica pode
formar ou deformar um indivíduo.
Mesmo com as declarações que demonstram rupturas entre a formação
acadêmicas e as demandas percebidas pelos professores que atuam na escola,
perguntamos se eles se consideram satisfeitos com a formação inicial e se, mesmo
diante de algumas dificuldades, a formação inicial deu condições de trabalhar com a
Educação Física em uma escola pública em sistema de ciclos?

Não. Faculdade não. Eu acho que eu aprendi muito mais como atleta
e como estagiário, que eu fiz estágios por conta própria, do que pela
faculdade. Que eu sempre, desde que eu entrei na faculdade, eu já
dava aula, eu já acompanhava os professores em outras escolas e
eu aprendi mais assim do que na faculdade mesmo. Eu acho que a
Educação Física muda menos do que para outra disciplina, o fato de
ser ciclo ou de não ser. Então assim, eu acredito que uma professora
pedagoga que não souber o que é ciclo e chegar aqui ela vai sentir
mais (Diálogo – Professor 2, 2015).

Deu. Não especificamente a questão dos ciclos, mas a questão da


escola pública e Educação Física sim. A história do ciclo a gente
amadureceu depois, dentro do chão da escola mesmo, dentro da
escola. Não teve jeito de fugir disso, não. No meu tempo, foi aqui. Foi
aqui que se começou a discutir, foi aqui que começou a mudar
(Diálogo – Professor 3, 2015).

Olha, eu queria ver mais coisas que eu não vi. Eu queria ter, vamos
dizer assim, tem muita coisa que eu ainda tenho dúvida, tenho que
pesquisar, recorrer à internet, a colegas da mesma área. Então, eu
sinto um pouco esse vago, de querer aprender mais, a trabalhar de
uma forma diferente. Então é essa formação aí que eu sinto um
pouco deficitária. [...] Minha formação inicial eu vou falar a verdade,
eu vejo ela como um alicerce. Agora, o acabamento da obra, o
restante, aí quem tem que correr atrás, quem tem que pesquisar e
fazer acontecer, é o profissional (Diálogo – Professor 4, 2015).

Sim. Porque eu entendi que não é só o meu caso que você aprende
é na prática. Te dá uma base, mas você aprende é na prática. [...]
Deu. Não digo nem o foco no ciclo, mas na criança. [...] a gente teve
as experiências, as metodologias com criança lá no colégio de
aplicação do fundo da ESEFEEGO e nos estágios a gente acaba
vivenciando (Diálogo – Professor 10, 2015).
137

Dos depoimentos acima, destacamos aqueles professores que não se


consideram satisfeitos com sua formação entendendo inclusive que a sua prática na
escola foi mais válida do que a formação acadêmica, mas existe aquele grupo que
entendeu que a formação inicial deve assumir um caráter mais generalista, durante
a qual o professor adquire os conhecimentos básicos para chegar ao campo de
trabalho e ali poder atuar e continuar seu processo de formação.
Existem muitos fatores que vão permear a formação inicial, como a estrutura
dos cursos superiores, o currículo, as condições socioeconômicas dos estudantes.
Por vezes, a fragilidade da formação pode estar associada à postura assumida pelo
estudante e o compromisso com o seu processo formativo. Todavia, precisamos nos
voltar às instâncias superiores exigindo o que é de direito, dentre eles:

[...] investimento público massivo em políticas de profissionalização e


formação continuada de professores, de qualidade elevada, para a
educação básica, além de condições de infra-estrutura que ofereçam
suporte para a formação integral da infância e da juventude,
produção de conhecimento e a formação científica adequada às
demandas contemporâneas da ciência e da técnica, da cultura e do
trabalho (FREITAS, 2012, p. 125).

Ou seja, essas lacunas encontradas são ponto de partida e argumentos para


confrontar os modelos, os princípios e as diretrizes que estão postos, buscando
melhorar as condições de formação dos futuros professores.

4.4 Formação continuada e as novas tarefas educativas no sistema de ciclos

Em continuidade às reflexões anteriores sobre a questão da formação,


entendemos que a Universidade por si só não seria capaz e nem tem como o seu
objetivo principal preparar para as várias especializações no processo de formação
de um campo profissional, mas seria por natureza um dos lugares onde os
professores poderiam retornar para a busca de qualificação, novas certificações e
mesmo a sua formação continuada da docência.
Os gráficos demonstraram que a maioria dos professores participantes da
pesquisa se formou, na educação básica e na graduação, em instâncias
educacionais públicas. Contudo, este cenário muda quando olhamos para a
138

formação continuada: 10 professores possuem duas pós-graduações em nível de


especialização, sete possuem uma, e os três restantes não fizeram este tipo de
qualificação. Os dados nacionais indicam que 55% dos professores possuem pós-
graduação em nível de especialização e 36% não fizeram ou não completaram,
apenas 2% possuem mestrado e 0%, doutorado (QEdu, 2016). Dentre essas pós-
graduações, 15% realizaram em instituições públicas, 35% em particulares, 25%
abarcam aqueles que fizeram mais de uma, sendo uma em cada tipo de instituição
(mistas), 15% não fizeram e ainda temos 10% que não se recordaram o local da
formação. É possível supor que esses 10% se refiram às instituições privadas,
principalmente as que oferecem cursos na modalidade EAD, o que ampliaria o
quantitativo de 35% para 45% sobre o número de professores que tiveram sua
formação continuada realizada em locais particulares. Na tentativa de acompanhar a
lógica de profissionalização da categoria, os professores acabam optando por
cursos de pós-graduação em instituições que se adaptam à sua rotina de trabalho.
Esse quadro aponta as possibilidades reais das políticas voltadas para a
formação de professores concentrarem esforços na preparação inicial do futuro
profissional intentando responder às exigências imediatas da educação pública que
remetem a educação para o mercado de trabalho. Assim, predominam mais as
necessidades imediatas do campo de trabalho e menos a preocupação em formar
capacidades intelectuais e científicas para aprofundar os conhecimentos desses
trabalhadores quanto à prática docente. No intuito de atender às demandas
mundiais, os programas de formação de professores, vinculados a organismos
internacionais são orientados pela necessidade de cumprimento de metas,
centralizando a avaliação da qualidade de educação a partir dos parâmetros dessas
instituições. Para tal procedimento, percebe-se uma movimentação de empresas
privadas envolvidas na discussão de currículo, formação, avaliação, entre outras,
atreladas ao processo de mercantilização da educação.
Freitas (2012) ressalta que, apesar do grande investimento em políticas de
formação de professores e de demonstrar que houve sim expansão nos espaços
formativos, muitas dessas políticas são criadas para compor um “arcabouço legal”
para a formação e profissionalização docente e, de fato, esse é um aspecto
importante, mas quando isso se desenvolve, esbarram em problemas como a
autonomia dos entes federados que não obriga ações articuladas entre união,
139

estados e municípios. Ao mesmo tempo em que demonstra avançar,


contraditoriamente, o sistema neoliberal coloca condições perversas que impedem o
real avanço dessas políticas. “As soluções liberais contêm seu próprio projeto
político. Ainda que sua implantação não se dê sem algum grau de contradição, no
geral, visa adequar a escola e os professores às necessidades do novo padrão de
exploração da classe trabalhadora” (Ibid., p. 93).
A situação acima é evidenciada quando nos deparamos com os seguintes
depoimentos dos professores no que se refere à formação continuada. Perguntamos
aos professores, se eles tiveram acesso a espaços formativos após ingressarem na
escola de ciclos:

No começo foi bastante, mas agora não tem feito muita atualização
nessa área não de ciclo. Mas todos os dias na escola nós discutimos
questões ligadas aos ciclos, questões específicas. De maneira tal
que hoje talvez o curso, se você for para um curso talvez você não
teria tanto proveito de chegar na sua escola, discutir a realidade e
resolver os seus problemas ali. Muitas vezes os cursos estão muito
longe da realidade (Diálogo – Professor 1, 2015).

[...] nesses 9 anos aí posso contar uma ou duas oportunidades que a


secretaria ofereceu. É obvio que se a gente for com esse argumento
lá, eles vão ter uma estatística gigantesca, mas o fato é que é muito
desorganizado. Quando tem iniciativas, são muito isoladas, muito
sem objetivo, nem de longe poderia ser classificada como formação
continuada. É o que eu chamo de embuste, né? Determinadas
pessoas que inventam alguma coisa para não serem acusadas de
ócio (Diálogo – Professor 9, 2015).

Ah, assim, eu sempre participo. Sempre quando tem, a rede aqui


propõe, eu participo. Quando eu entrei, eu ia nos seminários da UFG,
da faculdade de Educação, aí a gente vai relaxando, não vai dando
tempo, sempre bate com o horário de trabalho e, assim, a gente não
tem essa flexibilidade de sair da escola (Diálogo – Professor 16,
2015).

A ênfase de cursos realizados no momento inicial da implantação da escola


em ciclos, mas que se esvai à medida que ele se consolida enquanto sistema
municipal de educação, revela a intencionalidade prática dos processos formativos
oferecidos pela administração pública, com foco para o ajuste dos professores às
mudanças necessária para o andamento do modelo escolar implantado.
140

Questionamos, ainda, se são oferecidos cursos de capacitação em nível


municipal, estadual ou federal que abordem outros temas senão os ciclos escolares
e a resposta não foi diferente:

Então, muito menos do que eu acho que eu deveria e gostaria. Eu,


nesse caso, eu responsabilizo a própria estrutura da rede municipal,
porque eu acredito que quando um professor ele pertence a uma
determinada rede de ensino, acho que é responsabilidade da
administração, principalmente na administração pública, fornecer
essa questão da formação continuada [...] deveria ser reservado um
espaço, um tempo, pra isso (Diálogo – Professor 9, 2015).

Tem, participei em 2009. Foi extremamente perda de tempo. Perda


de tempo muito grande, não acrescentou em nada. Era mais uma
questão formal em busca de certificado e quando junta professores é
interessante que o assunto é falar mal do aluno, falar mal da escola.
Não discute a questão em si, o problema, a educação, as
metodologias, as estratégias, alguma coisa para melhorar. Não, só
falando mal. Conversando e o professor reclama que o aluno
conversa, mas também conversavam, e, muitas vezes, nem escutava
nada o que tava falando o professor, o palestrante. Extremamente
vago. Não gostei de jeito nenhum (Diálogo – Professor 10, 2015).

De dois em dois anos tem a jornada pedagógica, mas assim, tem uns
temas interessantes, umas palestras interessantes também e eu
sempre... Mesmo durante a faculdade, não exatamente de ciclo,
porque eu nem sabia, eu participava de cursos para a formação
porque ficar só com o conhecimento da graduação não é tão
aprofundado do que você participar de um evento que está
explicando, mais específico, daquilo ali. Então, alguns cursos eu
participo, de dois em dois é certeza (Diálogo – Professor 20, 2015).

Os dados coletados pelos diálogos indicam que, de modo geral, os


professores reconhecem a necessidade da formação continuada, porém, eles
indicam algumas dificuldades, como a condição de tempo, horário e mesmo de
liberação do trabalho para realizar a qualificação. Apesar de relatarem que a
prefeitura oferece algumas capacitações, os depoimentos corroboram que se trata
de cursos no campo prático sem os aprofundamentos necessários para o trabalho
do professor.
Um destaque às falas se volta para o diálogo dentro do trabalho que é
oportunizado pelo modelo de ciclos. Um dos professores inclusive comenta que o
momento do planejamento é mais formativo por conta das discussões e debates
acerca das reais problemáticas escolares já que os cursos oferecidos por vezes não
abordam temas interessantes vinculados à realidade deles.
141

De todo modo, a falta de tempo para estudo e formação continuada do


professor, além de impedir a ampliação da qualidade da sua prática pedagógica,
implica na própria identidade dos professores na sua relação com o conhecimento,
não permitindo que eles se reconheçam como intelectuais que são, enquanto
trabalhadores da escola, o ambiente formal que trata da formação de indivíduos por
meio da socialização dos conhecimentos produzidos pelo homem. Dos professores
participantes, apenas quatro se consideram como intelectuais. Tanto nas afirmações
ou negações, os professores não falaram muito a respeito, a maioria respondeu sim
ou não, porém, surgiram algumas falas interessantes:

Não. Sou uma pessoa que participa ativamente de coisas práticas do


dia a dia. Sou ativista mesmo. Tanto que não fiz mestrado, pois fiquei
envolvido com a capoeira (Diálogo – Professor 1, 2015).

Da Educação Física não. Acho que eu, na questão assim... Outros


temas eu posso ser, por gostar muito de ler, por analisar muitas
coisas, mas da Educação Física eu acho que eu precisava estudar
mais, discutir mais. Da Educação Física eu acho que não (Diálogo –
Professor 2, 2015).

Sim. Porque o meu conceito de intelectual não tem nada a ver com
esse conceito comum que todo mundo tem. Ah, o intelectual é o
inteligente. Na verdade, pra mim o intelectual é aquele que pensa,
que trabalha com o pensamento. Eu acho que professor que não se
considera intelectual, aí sim, esse está na profissão errada porque
nós temos que assumir esse caráter de intelectuais, que não é nada
que nos coloque numa posição privilegiada perante a humanidade,
mas é a nossa ferramenta de trabalho, o conhecimento, o
pensamento, então, não tem como fugir disso (Diálogo – Professor 9,
2015).

Não... E eu era, mas não sou mais. Eu participava de grupos de


estudo, tudo [...] E sempre participei, só que aí foi acabando e
assim.. Foi erro meu, porque a gente devia ir atrás. Porque a gente
publicou trabalho. Aí como eu entrei direto [na escola], o mestrado
era uma coisa que eu queria fazer, e ficou para trás (Diálogo –
Professor 16, 2015).

Dentre as respostas, é importante ressaltar que alguns professores afirmaram


gostar de ler e estudar, mas não em relação à Educação Física. Não justificaram
muito, apenas se posicionaram. Talvez a problemática maior seja em torno do
conceito de intelectual que perpassa desde o início da formação.
142

O professor tem uma formação ampla como um clínico geral e tem


uma especialização. Mas ele tem que ter também uma capacidade
de verificar a forma dele conduzir a área dele em conjunto com as
outras áreas da educação [...] o profissional tem que estudar, ele não
pode parar no tempo, ele tem que, não é reciclar, porque quem
recicla é objeto, mas estar em constante formação, porque nós não
somos detentores da verdade e nem das coisas. O que hoje é
necessário, talvez amanhã não é mais”; “Pra ter absorção do
conhecimento a aula tem que ser de qualidade, pra ela ser de
qualidade ela tem que ser bem planejada, se você não tem tempo
para planejar, você vai planejar o quê? Não tá dando tempo nem de
dormir!”; “Se estabelece uma regra, uma norma pra escola de tempo
integral, tem que estabelecer também que o ser humano não é robô,
se ele não é robô, tem que ter tempo de descanso sim, tem que ter
tempo de estudo dentro da escola, tempo de formação dentro da
escola também, porque aí sim você vai estar valorizando a pessoa
que está como detentor do conhecimento pra, não só reproduzir, mas
dividir esse conhecimento, ver até onde esse aluno está com sua
capacidade de aprendizagem e dar o estímulo adequado para que a
aprendizagem aconteça de fato e de direito, porque é um direito do
aluno. A gente não tem o direito de ganhar o dinheiro e embromar!
(Diálogo – Professor 6, 2015).

É provável que a não identificação do professor enquanto intelectual tenha


relações com as atuais diretrizes formativas que privilegiam a ação docente
espontânea, sem fundamentação de teorias arraigadas no pensamento reflexivo e
ou progressista.
Cabe considerar que o reconhecimento e status de um profissional também é
determinado pela relação com o conhecimento que é de domínio desse profissional
e a relação assimétrica estabelecida entre esse conhecimento e a sociedade. Desse
modo, quando o professor desconsidera a importância da formação acadêmica
inicial como fundamental para os conhecimentos “preparatórios” para a inserção no
mundo da educação, ou quando é a formação inicial que não se porta como tal, ou
quando não se tem o tempo necessário para aprofundar seus conhecimentos sobre
o seu trabalho e muito menos para ampliar sua dimensão intelectual e pedagógica,
ou mesmo quando o excesso e exploração do trabalho mutila a possibilidade do
profissional se dedicar ao estudo, nos deparamos com alguns dos fatores da
depreciação da profissão do professor.

Por definição, uma profissão consiste, antes de mais, na aplicação


de conhecimentos especializados para a resolução/satisfação de
problemas/necessidades individuais e/ou coletivos. Por isso, o
critério de quem precisa e pode escolher um (a) profissional é
principalmente a sua competência científico-técnica, e não tanto a
143

(boa) pessoa que pode ser. Embora se espere que um bom


profissional seja uma boa pessoa, um profissional competente pode
ser uma pessoa má, e uma boa pessoa pode ser um profissional
incompetente. Portanto, o que está sobretudo em jogo, no exercício
de uma profissão, é o poder dos seus saberes (MONTEIRO, 2015, p.
33).

Nesse sentido, a formação continuada seria o aprofundamento de


conhecimentos do campo específico escolhido pelo profissional, onde se executa
aquilo que, se espera, seja feito com qualidade e que não pode ser realizado por
outro tipo de profissional. Renovando, retomando e construindo conhecimentos no
sentido espiralado, pelo processo constante de ação-reflexão-ação partindo das
demandas concretas da realidade do profissional, mas também indicando um
horizonte de ações não materializadas que, todavia, são precursoras de uma leitura
de realidade no plano da totalidade que sustentariam ações mais consistentes e
progressistas. Ou seja, a formação continuada, não pode tratar só do aqui e agora,
do imediato, do pragmático. Ela precisa dar continuidade ao processo que
supostamente se iniciara na graduação, de compreender os conflitos e contradições
sociais gerais e específicos da área, para elaborar ações qualitativas, ainda que se
reconheçam suas limitações. Espera-se também que esteja relacionada com o
domínio do campo científico, técnico e teórico da área, a partir de novas elaborações
advindas de reflexões do lugar de trabalho.
É no próprio discurso do aprender pela prática que desvelamos a fragilidade
dessa premissa. No momento que a formação inicial por competências reduz o
papel do professor, que passa acreditar que a sua prática cotidiana na escola é
suficiente para sua formação, temos aí o grande golpe do neoliberalismo, instituído
na categoria profissional do professor, tirando-lhe o que garantia seu lugar clássico
de intelectual da sociedade.
Os saberes a que Monteiro (2015) se refere não representam qualquer saber.
É aquele que propõe uma relação assimétrica do profissional com a sociedade e
seus alunos. O discurso engendrado pelas tendências pedagógicas neoliberais que
alegavam propor a superação do professor tradicional, possivelmente
desconstruíram junto tal superioridade que era conferida ao professor diante dos
seus conhecimentos, para propagar uma visão de professor que dialoga com o
aluno que mantém uma relação igualitária entre os sujeitos no processo da, então,
construção do conhecimento, realizado, agora, pelo aluno. Assim, neste percurso,
144

perde-se a objetivação do trabalho imaterial do professor, o conhecimento,


colocando em jogo a competência e reconhecimento profissional do professor na
sociedade.
Para tal, Monteiro (2015) ressalta a importância da formação do profissional e
o entendimento da competência profissional ainda que expresse predominantemente
uma conotação prática, relacionada ao que supostamente deve fazer um
profissional.

Todavia, importa não perder de vista que os saberes práticos


especializados pressupõem saberes teóricos mais ou menos
aprofundados. São saberes exclusivos dos membros de uma
profissão, tanto mais profissionais quanto maior for o seu nível de
abstração, sistematização, aplicabilidade e sucesso. Além disso, as
profissões de profissionalidade superior, designadamente, têm outra
dimensão – a do saber ser. Diz respeito aos valores, qualidade,
atitudes, conduta e maneiras que se espera dos seus profissionais. A
competência tem, portanto, um conteúdo cognitivo-prático, ético e
pessoal (MONTEIRO, 2015, p. 38).

Ou seja, a experiência com a formação após a conclusão e inserção no meio


acadêmico se esvazia e diante das demandas de trabalho, acabam tornando
práticas em si, automatizadas, sem tempo para reflexão e reelaboração. Se na
graduação os professores denunciam que a teoria não sustenta a sua prática, ao
assumir os postos de trabalho, essa ruptura se mantém, mas aí, encontramos a
predominância da prática sem bases teóricas consistentes. Nesse caso, esse
abismo não é apenas no nível da compreensão do conhecimento, mas se
materializa pelas instituições escola e universidade, espaços componentes do ciclo
da constituição do professor, mas que não demonstram estar em sintonia na
qualificação e valorização do profissional.

4.5 O trabalho da Educação Física na escola em ciclos: motivações e desafios

No processo construído a partir dos diálogos com os professores foi possível


captar importantes traços acerca do trabalho da EF na escola em ciclos e de tempo
integral. Ao questionarmos sobre o papel desempenhado pela EF e pelo professor,
bem como alguns conceitos sobre a escola e a educação, o fizemos com o intuito de
identificar se existem avanços ou conflitos em relação ao contexto abrangente da EF
145

na escola em ciclos e em tempo integral e, quais seriam as ações superadoras no


que se refere ao papel social da educação do corpo na educação escolar.
Quanto ao papel e perfil do professor, os diálogos objetivaram elencar as
qualidades que um bom professor deveria ter a partir do olhar dos próprios
professores de EF. Vejamos os depoimentos acerca do que seria um bom professor:

O professor bom não deve ensinar somente o conteúdo, mas tem


que ensinar o aluno a vivenciar várias fases da vida, várias coisas.
Então eu costumo falar: tem que ensinar o aluno a viver. Não basta
você chegar lá e despejar conteúdo, você tem que trabalhar o
emocional do aluno, psicológico, incentivar, saber qual é a
dificuldade dele. A fim de você conseguir uma melhora (Diálogo –
Professor 4, 2015).

Pela clientela que eu atendo aqui, eu acho que o bom professor é


aquele que consegue resgatar do aluno o lado social, afetivo, porque
aqui é muito difícil o nosso trabalho. São meninos carentes, eles não
têm aquele vínculo familiar. Então, antes de tudo, o professor tem
que ter aquela sensibilidade de ver o aluno como um todo e não ficar
preocupado em passar conteúdo [...] Então, muita vezes, aqui, não
digo que a gente tem que ser mãe, mas a gente tem que ser amiga,
companheira e ouvi-los. Eles têm muita necessidade de conversar,
de falar, porque eles não têm isso em casa (Diálogo – Professor 12,
2015).

Esse primeiro grupo apresenta a ideia de que para ser um bom professor é
necessário ter paciência, dedicação e disposição, e, carinhosamente, educar o
aluno. O ato de educar, no entanto, não privilegia o trato com o conteúdo, mas com
a formação no campo afetivo e social, buscando trabalhar com o aluno aquilo que se
perde ou mesmo nunca se aprendeu fora da escola, como valores morais e formas
de socialização. Provavelmente, esse tipo de entendimento do ser professor
perpassa pelo próprio contexto vivenciado pelos participantes da pesquisa, onde a
escola presencia grandes problemáticas sociais trazidas para seu interior através
dos alunos e suas realidades tornando a dimensão da humanização um fator
potencial para o trato com esses alunos.
Não discordando que o professor deve possuir uma postura mais
humanizadora com o seu aluno, David (2012) apresenta uma leitura a respeito
desse tipo de entendimento:

Educar é humanizar, e estudar representa um esforço muito grande,


requer tempo, disciplina, hábito de leitura, elaboração mais
146

sistematizada e envolvimento com a cultura. Por isso, por se tratar de


estudantes pobres e sem tempo para os estudos, tais manifestações
se mostraram até certo ponto compreensível, pois o amor e a
tolerância dos professores são elementos importantes de
sociabilização com os futuros colegas de caminhada. Caso essas
duas posições não sejam as mais adequadas, na pior das hipóteses
estamos lidando com alunos apáticos, acomodados e sem muita
motivação para enfrentar os estudos universitários (DAVID, 2012, p.
204).

Por mais que o autor retrate a relação entre o professor e o aluno no nível
universitário, entendemos ser pertinente a citação acima no interior das relações da
educação básica, reconhecendo haver certa correspondência entre esses sujeitos
estudantes de instituições públicas. O autor destaca a importância de tal atitude
mais afetiva, mas não elimina o papel do professor no trato com o conhecimento e
nem a responsabilidade do aluno com o estudo. O professor deve ter em mente que
o conhecimento para as classes menos privilegiadas é um forte instrumento de luta
social. Por isso, centralizar os processos educativos em práticas amorosas e
religiosas no intuito de amenizar as mazelas vivenciadas por esses estudantes
deixando em segundo plano a organização e socialização do conhecimento pode
reforçar a exclusão social.
Em segundo, trata-se do grupo que evidencia o professor pela sua
capacidade técnica, intelectiva e criativa para formar os alunos:

Primeiro lugar é aquele que gosta do que faz. É aquele que busca
uma aula criativa, que seja de acordo com a necessidade do aluno,
principalmente propicie o envolvimento do aluno. Tem que ser uma
aula prazerosa, tem que ser sempre inovadora (Diálogo – Professor
11, 2015).

Hoje em dia a educação está confundindo o professor com pai e


mãe, mas assim, um bom professor, na minha área, eu acho que tem
que diagnosticar as dificuldades da criança, aquela dificuldade de
lateralidade, da psicomotricidade... Porque, segundo as diretrizes,
você tem que ensinar a criança até a cair e levantar, então a gente,
no meu ponto de vista, um bom professor observa a criança como
um todo, como ser humano, como criança motora que corre, que tem
sentimento, nesse sentido, mas eu assim, não compará-lo como pai
e mãe, mas quanto à criança, vê-la como um todo (Diálogo –
Professor 15, 2015).

Um professor que reúne várias qualidades para ensinar. Tem que ter
uma boa relação professor-aluno, tem que saber se comunicar bem,
tem que conseguir ensinar os alunos de maneira eficiente, de
147

maneira, sei lá, que os alunos possam se inspirar também (Diálogo –


Professor 7, 2015).

Tem que ter domínio da técnica, do conteúdo; saber fazer uma ponte
entre a técnica e o objetivo educacional que é de formar cidadão
(Diálogo – Professor 1, 2015).

Nesses trechos, podemos constatar que, de certo modo, existe uma


contraposição em relação ao primeiro grupo. Esse segundo grupo entende a
necessidade da disciplina tanto do aluno quanto do professor no que se refere à
assiduidade, compromisso com o planejamento e uma sistematização da aula de
modo a não ser comparado a um professor “rola bola”51. Assim, do ponto de vista
pedagógico, esse segundo grupo demonstra entender a ação pedagógica como
diretiva, intencional à medida que o professor é o que organiza o conteúdo ensinado.
Porém, dentro deste mesmo grupo, destacamos que pode haver diferenças
substanciais entre os professores inovadores e os professores mais tradicionais e
que, todas essas características elencadas pelos professores, se desenvolvidas de
modo isolado, podem restringir a figura do docente e fragmentar sua prática
pedagógica entre o inovador, o tecnicista ou o tradicionalista. A articulação desses
elementos e o bom senso são imprescindíveis para compor a prática do profissional.
Por fim, temos aquele grupo que caminha para uma dimensão mais política,
no sentido de se estabelecer um compromisso com a escola, com o conhecimento e
com a educação pública:

O bom professor é aquele que se sente incomodado, aquele que


foge da zona de conforto, aquele que sempre busca dar uma aula
diferente [...] o trabalho de um professor pode não ter efeito imediato
no aluno ou no funcionamento da escola, ele pode passar por um
professor comum ou mediano, mas que na vida do aluno vai fazer
diferença (Diálogo – Professor 9, 2015).

Um bom professor é aquele que tem compromisso com a escola,


com os alunos e que se preocupa com eles. Preocupa-se ali em
formar um cidadão, um cidadão pensante, um cidadão que não
procure reproduzir o que está acontecendo na sociedade atual
(Diálogo – Professor 10, 2015).

Às vezes tem pessoas que acham que um bom professor é aquele


que tem a vivência. Eu acredito que um bom professor é aquele que

51
Expressão comumente usada para caracterizar professores de Educação Física que orientam sua
prática pedagógica a partir do interesse do aluno, deixando-os livres para realizar, durante a aula, o
que for de seu interesse.
148

está aberto para o conhecimento, não tem medo de repassar esse


conhecimento. Não é período, tempo, não é prática, não é o tempo
que você está em sala de aula (Diálogo – Professor 17, 2015).

Quanto ao posicionamento desses professores, não existe uma fala que


expresse um viés declaradamente politizado, mas como educar é, em si, um ato
político, seja a favor dos interesses hegemônicos ou da classe menos privilegiada,
entendemos que essas falas acima demarcam o compromisso com o ensino na
escola pública.
Pensando que ambas as propriedades fazem parte das características de um
bom professor que, diante da complexidade exigida na sua profissão, deve
desenvolver a dimensão intelectual, cultural, científica, técnica, política e social em
um sentido amplo que deverá se materializar de modo articulado no momento da
prática docente.
Partindo para o papel e importância da EF escolar, os professores relataram
alguns itens que ressaltam e valorizam a área para a escola. Dentre os motivos
temos: momento para criança gastar energia e descanso do professor de sala;
interdisciplinaridade; conteúdo que ajuda as outras disciplinas; desenvolvimento
corporal do aluno.

Aqui dentro ela é vista como uma disciplina importante, você não
ouve nenhum professor dizendo, não é da Educação Física. Muito
pelo contrário, valorizam demais porque é um momento que para o
aluno da escola de tempo integral é muito valioso porque ele fica o
tempo inteiro dentro de sala. Acaba que eles usam até como uma
arma: “oh, tem Educação Física, se você brincar você não vai, se
não fizer essa atividade você não vai”. Então ela é, de certa forma,
valorizada e como conhecimento também (Diálogo – Professor 10,
2015).

Eles, como em muitos lugares, veem muito a Educação Física com a


questão só do lazer, pais e alunos. Os professores, a maioria deles a
gente já percebe que enxerga a Educação Física como uma
ferramenta pedagógica para ajudar eles no conteúdo deles. Mas a
Educação Física ainda é vista assim: é a aula que você pode mudar
o horário dela, é a aula que você pode colocar um ensaio dentro dela
porque ela aparenta assim, para os professores, para a coordenação
e para os pais, não ser tão importante como uma de Matemática, por
exemplo. Isso ainda acontece (Diálogo – Professor 2, 2015).

Pelas citações acima podemos perceber que a EF na escola ora está


vinculada com o momento de lazer e descanso do aluno ou quando se posiciona
149

como uma área de conhecimento aparece para auxiliar nos demais conteúdos
escolares. Se de um lado o motivo da interdisciplinaridade pode agregar a EF ao
coletivo escolar, por outro podemos apontar que ela, por si só, aparenta não ser
reconhecida como um componente curricular para a escola.
Muitas vezes o trabalho articulado da EF com outras áreas pode tirar o foco
do seu objetivo central de formação do aluno por meio do aprendizado dos
conhecimentos da cultura corporal. Nem todos os professores têm essa visão de EF
enquanto instrumento de aprendizado dos conteúdos, a que, nos diálogos, os
professores se referiram como interdisciplinaridade.

Então, essa questão interdisciplinar eu acho que é um... Não sei a


palavra que eu uso... Porque eu já enjoei dessa palavra "desafio",
tomei birra, porque a administração pública, principalmente, adora
falar sobre desafios, mas na verdade é um termo que eles usaram
para substituir a falta de ação da própria administração pública em
relação a determinadas áreas e põe o nome de desafio. Desafio é a
merda que eles fizeram e agora tem que consertar. Enfim, eu acho
que é um desafio, trabalhar essa questão interdisciplinar, não só na
educação física em relação às outras, mas a escola como um todo, é
a dificuldade da escola de tempo integral, inclusive. O professor mal
da conta de fazer um planejamento da disciplina dele, por uma série
de motivos também. Então, sentar, juntar professores de áreas
diferentes e montar um projeto que envolva várias disciplinas, eu
acho muito complicado (Diálogo – Professor 9, 2015).

Podemos supor que o que o professor destaca como interdisciplinaridade é


um desafio diante do próprio trabalho coletivo da escola ao tentar articular
conhecimentos historicamente fragmentados pelo modelo seriado e que ainda não
está superado. De certo modo, mesmo a interdisciplinaridade se apresentando como
algo difícil de ser realizado na escola, os esforços em tentar fazê-la permitem que a
EF opine, argumente e se mostre mais na escola.
As respostas sobre a EF e o modo como se relaciona com a escola e com as
demais áreas permitem perceber se é vista enquanto uma área de conhecimento
assim como as demais ou se mantém um distanciamento em relação aos outros
professores. É possível supor que a escola em ciclos, ao difundir a formação do
aluno contemplada também pela sua dimensão corporal, tenha aberto o espaço para
um protagonismo da EF na educação em relação às instituições que historicamente
a compuseram. Porém, mesmo com o reconhecimento da área, não identificamos
que essa conquista de espaço na escola se deu pelo entendimento da EF como uma
150

área que produz conhecimento, mas pela sua capacidade de envolver e motivar o
aluno nas demais atividades escolares assim como de ser um instrumento auxiliar
para a disciplina dos alunos na escola.
Sobre a abertura de espaço oferecida à EF pela escola em ciclos, mesmo que
tenha sido comentado por apenas um professor, damos destaque para o fato de que
o modelo de ciclos, ao abrir a cultura em várias dimensões (a dança, o teatro, a
música, o canto, a arte e também a EF) permite que não seja vista como um
momento a parte da escola. Ou seja, a lógica do aluno ou estudar ou fazer
Educação Física é rompida, pois a EF é um componente curricular e as oficinas
oferecidas é que podem ser associadas ao espaço mais livre do aluno.
Aparentemente, os diálogos têm nos dado pistas que levam ao entendimento
que a EF tem um novo espaço, mais amistoso e democrático, dentro da escola de
ciclos. Contudo, buscando estabelecer as conexões entre a formação, as novas
demandas dos ciclos e o trabalho realizado pelos professores, buscamos identificar
aspectos que indicassem novos conteúdos e metodologias de ensino neste novo
modelo educacional.
De modo geral, os professores relatam que a escola em ciclos não
apresentou alterações profundas para a EF, houve melhorias pontuais, mas que na
prática docente realizada por eles, tanto na questão do conteúdo como da
metodologia, foram necessários apenas alguns ajustes entre o modelo anterior e o
atual:

Eu acho que, no meu trabalho, facilitou. Porque agora eles são


agrupados por idade, então, pra mim é melhor. Porque antes era por
conhecimento. Então tinha meninos muito grandes com meninos
pequenininhos. Então as atividades... Era difícil. Hoje não, eu acho
que o ciclo na área de Educação Física, facilitou. Ficou mais fácil o
trabalho [...] Eu vejo que, assim, aquele menino que tem dificuldade,
ele tem a possibilidade da coleguinha ajudar, os pares idênticos. Eu
vejo que isso ajuda muito aqui (Diálogo – Professor 12, 2015).

Assim, na minha área mesmo em relação ao meu conteúdo aqui, eu


não tenho muita dificuldade não. A dificuldade maior é só em relação,
mais pras pedagogas, as crianças que estão em defasagem de
aprendizado lá. [...] Porque o ciclo é ciclo de desenvolvimento
humano, cada um na sua faixa etária na mesma sala. Pra mim, pra
eu trabalhar com aquele aluno que tá com doze, com doze, com
doze, é mais fácil do que aquele que tem nove com doze. Entendeu?
Pra mim é mais fácil assim. O não gostar do ciclo é só em relação à
aprendizagem dele mesmo em sala (Diálogo – Professor 15, 2015).
151

É possível que alguns posicionamentos sobre a EF na escola em ciclos


remetam a não compreensão do professor quanto ao seu trabalho neste modelo,
mas há também a alternativa de que há outra compreensão quanto às possibilidades
de intervenção dada a essa área de conhecimento no ambiente escolar.
Identificamos que esses trechos podem se referir tanto ao fato de os
professores não conseguirem se distanciar da sua prática pedagógica, a ponto de
perceber mudanças no seu trabalho docente, como também pode significar que, de
fato, o professor não alterou suas concepções e metodologias diante das demandas
da proposta. Nos diálogos, os professores disseram manter uma metodologia de
aula semelhante à do modelo seriado:

Eu uso o sistema tradicional, não sei se é isso que você está


perguntando. Então tem três momentos da aula: primeiro você faz a
preparação, o aquecimento, depois você trabalha aquele conteúdo,
depois você faz um momento de colocar em prática aquilo que você
aprendeu. Então esse é o eixo principal, o sistema principal que a
gente utiliza (Diálogo – Professor 1, 2015).

Eu acho que tem um momento tecnicista, tem um momento... Outras


teorias a gente acaba usando... [em determinados momentos] é... por
exemplo, eu, como fui atleta, é muito difícil você dar aula de
fundamentos do futsal e não ser tecnicista. Do mesmo jeito que você
vai dar uma atividade cooperativa aí é mais fácil você utilizar outras
técnicas. Então assim, eu não consigo falar: eu sou um profissional
tal (Diálogo – Professor 2, 2015).

Ah, eu não tenho. A gente, assim, tem hora, dá impressão que eu


sou desenvolvimentista, mas eu acho que, na verdade, sou mais
crítico-superadora. Uma coisa aquilo nem aquilo outro, igual na
coordenação, no equilíbrio, nós somos construtivistas, então não tem
uma... Não dá pra eu te falar (Diálogo – Professor 11, 2015).

Totalmente dinâmica, bem lúdica, o tempo inteiro. A minha prática


era lúdica. Tinha alguns dias da semana, em alguns raros momentos,
que eu percebia que os alunos maiores estavam tendo necessidade
de jogar um vôlei, alguma coisa assim, que eu entrava com essas
aulas, mas o meu foco mesmo era dinâmica e lúdico (Diálogo –
Professor 20, 2015).

Os excertos apresentados acima retratam o que identificamos como um ponto


em comum, independente da metodologia de aula que o professor afirmou
desenvolver, eles não mencionaram, em nenhum momento, que pensaram ou
adotaram novas formas de trabalhar com a EF na escola em ciclos. Porém, se uma
152

diferenciação metodológica da aula na escola em ciclos, na seriada e em tempo


integral, não é evidenciada na fala deles, existem outros momentos, como o
planejamento coletivo, a escolha de referências para a seleção de conteúdo que vai
além do conteúdo esportivo.
No processo de desvencilhamento da EF de suas raízes biologizantes, o
modelo de avaliação da aptidão física dos alunos foi um dos elementos
problematizados e discutidos no sentido de ser superado. A partir disso, aqueles que
caminham juntamente a essas novas perspectivas vivenciam um processo de
legitimar sua forma de avaliação no contexto escolar. Assim, as modificações dos
procedimentos avaliativos, trazidas pela lógica dos ciclos, que para os professores é
um dos maiores obstáculos para o aprendizado, não impacta profundamente na
atuação da EF. Sobre os procedimentos avaliativos adotados pelos professores
temos os seguintes relatos:

A escola tem um sistema próprio. Então, cada professor, baseado


em uma tabela, a gente estabelece, baseado nos objetivos, o que
cada aluno conseguiu atingir ou não atingir. Na parte psicomotora,
afetiva e cognitiva. Não existe um padrão. Baseado na participação,
no interesse, na efetividade do aluno. Mas uma avaliação que a
gente faz aqui é bastante empírica mesmo, porque nós não temos
condições, tempo, nem como aplicar testes. Então, algumas
avaliações teóricas, a gente avalia também o caderno de Educação
Física, se ele faz as tarefas que são passadas, os trabalhos (Diálogo
– Professor 1, 2015).

Eu gosto de dividir minha nota assim, em quatro partes. Vamos dizer


assim, no aprendizado prático, no movimento, não avalio, falo pra
eles bem claro, que não estou aqui para avaliar o melhor e nem o
pior, eu estou aqui para avaliar quem está tentando executar a
atividade, com suas dificuldades também, mas está tentando
melhorar. Eu vou pegar aluno por aluno e cada aluno eu vou fazer
uma avaliação dele. Peraí, o aluno tal, melhorou quanto? Ah, não
regrediu? Foi pra frente? Continua na mesma? Está se socializando
melhor? Está conseguindo fazer atividade? Isso na prática. Na teoria,
ver o que eles aprenderam, produção de texto, filmes (Diálogo –
Professor 4, 2015).

Pra esse ano, o que eu vou implementar mais, porque até ano
passado eu estava com oficina, então, é uma avaliação diferenciada.
Pra esse ano vou utilizar como critério o desenvolvimento do aluno,
não o resultado, mas o que ele conseguir desenvolver em termo
cognitivo, termo afetivo-social, sensório motor (Diálogo – Professor 7,
2015).
153

Avaliação em Educação Física é sempre complicado, inclusive é uma


discussão que parece que não tem fim. O conceito de avaliação por
desempenho físico, se eu me deparo com esse tipo de conceito
ainda, sinceramente, eu ficaria chocado, porque é absolutamente
superado pra mim. Mas aí entra outra questão, se não é por isso aí,
quais são os critérios de avaliação? E aí fica a cargo dessas
questões mais subjetivas, inclusive eu trabalho isso com os meus
alunos (Diálogo – Professor 9, 2015).

Avaliação é permanente. Ela... São observações. Ela é permanente,


o interesse do aluno pela aula. Nem tanto ele cumprir uma meta
técnica, mas assim, o envolvimento, a participação. Eu acho que o
fator mais importante da avaliação é o interesse do aluno (Diálogo –
Professor 11, 2015).

Sete professores que disseram realizar avaliações teóricas o fazem através


de pesquisas a serem realizadas pelos alunos, atividades no caderno de EF,
avaliações escritas por meio de simulados da escola. A avaliação prática apresentou
unanimidade e é realizada por todos os professores. Já nos procedimentos adotados
para essa verificação, temos formas diferentes de avaliação. Uma das formas de se
avaliar é realizando, ao final do período, uma prova prática em que os alunos devem
executar o que foi ensinado pelo professor, é importante destacar que, nesse
método avaliativo, os professores não mencionaram estabelecer um padrão para
classificar os alunos, a avaliação consistiria em averiguar o nível que o aluno
alcançou dentro do conteúdo vivenciado. Existe um grupo de professores que
identifica empiricamente a evolução dos alunos dentro dos conteúdos da aula,
observando o progresso ou retrocesso na prática desenvolvida na aula.
Outra forma de avaliação prática ocorre também por meio da observação,
porém o que se observa já estava previamente estabelecido pelo coletivo da escola,
ao determinar objetivos de aprendizagem motora, afetiva e do ciclo e do trimestre,
nesse sentido, ao final do período, o professor avalia a partir de conceitos dentro dos
objetivos que foram definidos para o grupo de alunos. Outro aspecto mencionado
em relação ao processo de avaliação é que os que trabalham com ciclo I não acham
produtivo realizar avaliação teórica com os alunos, pois ainda encontram-se no
processo de alfabetização, e o método se diferencia a partir das condições de
aprendizado dos alunos, conforme a declaração abaixo:

No ciclo I, às vezes, no ciclo II, também, porque aqui tem os dois


ciclos, eu faço mais observação. Eu não tenho como avaliar o aluno
fazendo prova, aquelas coisas, trabalho, essas coisas. [...] Então eu
154

avalio individualmente o quê que ele conseguiu avançar de como ele


era antes e de como ele está conseguindo superar as dificuldades
dele, ou se não tem dificuldades, mas, dessa forma. [...] Aí eu já
começo do simples para o complexo. Lá na turma F, como eles já
tiveram toda essa vivência, às vezes eu aplico prova, ou algum
trabalho, ou algum exercício (Diálogo – Professor 20, 2015).

A modificação dos processos avaliativos arbitrários, da qual os professores


reclamam hoje, já foi vivenciada pelos professores de EF em outros momentos e já
não apresenta um empecilho para a organização da sua aula. Quando os
professores falam, por exemplo, que a retirada da avaliação diminuiu a
responsabilidade dos alunos e a autoridade do professor, poucos aparentam se
referir à sua disciplina, uma vez que os processos avaliativos, em certo sentido, já
estão associados a procedimentos de diagnóstico, acompanhamento e reflexão
acerca do desenvolvimento dos alunos dentro da cultura corporal.
Aparentemente, a escola, após ter passado pela transição de seriado para
ciclo, enfrentou outra mudança: a de dois turnos para escola de tempo integral, os
posicionamentos e reclamações se direcionam muito mais à escola de tempo
integral do que os problemas comumente relatados sobre a avaliação. Existe uma
análise sobre o que se denuncia indicando que a problemática não é negativa em si,
mas por conta dos desdobramentos no modelo escolar. No caso da avaliação que é
constante na discussão da escola em ciclos, vemos os seguintes posicionamentos
dos professores:

Eu acredito que, talvez, o ciclo não tenha trazido avanço, pelo


contrário, retrocesso. Porque a falta de sentimento e de
responsabilidade do aluno o leva a não querer respeitar as normas
da escola, ter problema com disciplina. Então eu acredito que não
tenha sido muito interessante essa questão de implantação de ciclo
por falta... Pela questão de avaliação (Diálogo – Professor 1, 2015).

Eu sou muito contra essa questão de não ter nota, não ter... Não é a
reprovação em si, mas é porque tirou muito a responsabilidade do
aluno também. Não que não tenha a responsabilidade do professor
em ensinar e do aluno em aprender. A gente tem as notas, a gente
tem os conceitos aqui, mas a sociedade, de uma forma geral, ela
banalizou isso dentro da escola [...]. A gente já teve alguns
professores que dizem "não... não precisa disso agora, e tal, não é
assim", com certa comodidade, não de despreocupação... Não é
questão natural do ciclo, mas [dos sujeitos que estão nos ciclos] isso,
dos sujeitos. E aí sim, isso que eu vejo como dificuldade (Diálogo –
Professor 3, 2015).
155

Ou seja, mesmo indicando que a exclusão ou modificação do processo


avaliativo escolar se apresenta como um problema para o trabalho do professor, ao
mesmo tempo, sugerem desafios relacionados à responsabilidade do aluno com o
processo educacional. Ao longo do tempo, nos formatos tradicionais e
conservadores de educação, o aluno é subjugado em relação ao professor. Nas
relações de transmissão do conhecimento, acaba por reduzir sua atuação no
processo de ensino aprendizagem a mero receptor de conhecimento. Cabe aqui um
espaço para se discutir a formação crítica do aluno e a construção da sua
autonomia, mas não no sentido da concepção escolanovista, que visa o aluno ativo,
existe um investimento em conhecimentos cotidianos e pragmáticos que não
aprofundam a formação do aluno no que se refere à essência da educação escolar.
Ao identificar que a retirada da avaliação implica na obediência e relações de poder
previamente estabelecidas na escola, cabe ao professor e à escola reconstruir essas
relações com o aluno a ponto de se compreender o que significa o conhecimento
para aquele estudante pertencente à educação pública na sociedade atual. É
necessário ressignificar o conhecimento, as formas de produção do conhecimento.
Outro argumento que vai contra a manutenção da escola em ciclos refere-se
ao mercado de trabalho e à continuidade na formação após a educação básica. Em
certo sentido, os professores se preocupam com os conhecimentos que os alunos
precisam para conseguir se destacar ou ao menos ingressar no mercado de trabalho
ou em uma faculdade ou curso técnico, contudo, a evidência que demonstra que a
escola em ciclos está articulada a um movimento mais amplo é a própria
modificação nos processos seletivos para ingresso nas universidades.

Eu acho assim, que o ciclo, o problema do ciclo, tem que tomar


cuidado para falar isso, mas talvez ele tenha tirado a autoridade do
professor na sala de aula porque não tem reprovação. Então, eu
acho que eu sou a favor... Eu acho que tem que ser uma coisa que
precisa ser revista no ciclo. Porque o aluno, ele sai do ciclo e ele vai
encarar um vestibular, ele vai encarar uma competição. Então, eu
tenho preocupação em relação a isso, até que ponto [...] isso pode
gerar um despreparo do aluno (Diálogo – Professor 11, 2015).

Se a avaliação no formato tradicional na escola é usada como forma de


preparar o aluno para o vestibular, é certo que muitas universidades estão também
aderindo a outras formas de ingresso como, por exemplo, o Exame Nacional do
156

Ensino Médio (ENEM) que, embora seja uma prova, é em nível nacional e, por isso,
permite que a nota gerada seja utilizada pelo aluno para se inscrever em várias
universidades do país, o que amplia suas chances de ingresso, além de o conteúdo
da prova privilegiar o conhecimento interdisciplinar. A seleção ainda permanece,
mas de forma dinamizada. Atribuímos a resistência em manter os antigos
procedimentos avaliativos, mesmo que na Educação Física eles não tenham sido
usados, nem mesmo na escola tradicional, à própria cultura escolar dos professores
que se formaram nos modelos anteriores e que tiveram esse viés reforçado ao longo
da sua graduação. Um dos professores afirma o seguinte sobre as dificuldades em
atuar no modelo de ciclos:

Eu acho que dificuldade não, porque eu acho que se eu tivesse


trabalhado no seriado e depois passado pro ciclo aí eu acho que teria
uma certa dificuldade. Então, como não teve essa experiência, eu
não tive essa dificuldade [...] eu acredito que todas as propostas têm
sim os avanços, claro, porque senão permaneceria do mesmo jeito
(Diálogo – Professor 20, 2015).

Um desafio também evidenciado por outro professor refere-se à compreensão


da escola em ciclos no que tange à formação humana mais ampliada:
Acho que não só minha quanto da maioria dos professores que
trabalham em ciclo é ter em mente, claramente, as características do
ciclo no que se refere a ir na direção dos ciclos de desenvolvimento
humano, das características do ciclo de desenvolvimento humano.
Apesar de eu ter visto na faculdade isso, mas já tem certo tempo, eu
tenho um pouco de dúvida ainda sobre isso (Diálogo – Professor 7,
2015).

A dificuldade que eu tenho é de repente a falta de compreensão,


porque o ciclo é bem assim, as inteligências múltiplas, o tempo do
aluno, e, assim, muitas vezes, outros profissionais, colegas, acham
que, apesar da escrita ser o carro chefe, se vai avaliar, vai julgar o
aluno, se vai ser retido, se não vai ser retido, só por conta de um
fator e esquece a proposta do ciclo, então eu tenho essa (Diálogo –
Professor 11, 2015).

No capítulo anterior, quando os autores nos relatam que a Educação Física


escolar, ao perder seu vínculo com o adestramento corporal para o trabalho
industrial fica subjugada na escola, a discussão dos ciclos nos parece uma
alternativa para reafirmar seu papel social instituído por um projeto social diferente
do atual, mas também que, contraditoriamente, pode ser desenvolvido na escola
157

sem aparentemente contrapor os ideais neoliberais que se desenvolvem no


momento atual. Assim, outra motivação indicada pelos professores em relação ao
trabalho na escola em ciclos é o status da Educação Física em relação ao conjunto
da escola.

Por outro lado, é positivo também, porque às vezes o sistema de


reprovação é ruim [...] [e também] a paridade, né, que o modelo, a
quantidade de aulas é mais ou menos igual, então não tem aquela
diferenciação de uma matéria com a outra. É lógico que, assim, a
gente procurar dar prioridade para o Português e pra Matemática,
mas hoje é mais paritário. No estado já é ao contrário, né. Você dá
uma aula de educação física na semana. Às vezes o aluno teve uma
situação naquela semana, aí ele nem tem a aula. Já aconteceu de ter
evento, feriado, algum evento, no Estado, e você passar um mês
sem entrar em uma determinada turma (Diálogo – Professor 18,
2015).

Primeiro, é preciso explicitar que, por mais que o sistema educacional


brasileiro seja o produto de um sistema maior, ao qual se denomina de
neoliberalismo, a trajetória de implantação de programas e propostas nas escolas,
de introjeção dos princípios educacionais a favor do mercado e das competências,
não ocorre em nenhum sentido de maneira linear, homogênea ou fora de conflitos.
Apesar das falas dos professores serem expressões imediatas do seu
cotidiano, podemos perceber que o modelo de ciclos passa por problemas comuns,
e, também, possui uma trajetória particular em cada escola. Do mesmo modo,
ampliando a jurisdição, muitos professores deixaram transparecer que existem
diferenças profundas entre as redes municipais e estaduais, e que nessa
comparação, a escola em ciclos é melhor, proporciona mais conhecimento e uma
formação mais justa e adequada para os alunos e mais, oferece melhores condições
de trabalho para o professor.
Portanto, isso nos leva a crer que, por mais que o desenvolvimento do
sistema educacional tenha sido orientado por uma mesma perspectiva que prioriza a
massificação sem qualidade, o aprendizado para o trabalho ao invés da formação
humana, as experiências no interior das escolas demonstram conflitos, resistências
e não são totalmente controladas pelo sistema do capital. No trabalho do professor,
suas concepções, também fruto do mesmo sistema, podem se modificar, ampliar e
qualificar aquilo que chega sucateado ao ensino público.
158

Os professores reconhecem que os ciclos favorecem a Educação Física, mas


não demonstram querer avançar com atitudes progressistas em relação ao trato com
o conhecimento específico. Ou seja, existe um potencial que pode ser explorado na
escola em ciclos e em tempo integral, mas fica a desejar no âmbito formativo.
Temos que levar em consideração que a análise parte do discurso (fala) dos
professores e que não tivemos a oportunidade de assistir e conhecer o seu trabalho
cotidiano. Observamos que o que prevalece na concepção de ciclo na aula dos
professores investigados é o entendimento e sentimento de inclusão e aceitação das
diferenças individuais dos alunos, ao invés de incorporação de novos procedimentos
e princípios que melhor aproveitem os espaços da escola em ciclos para qualificar
sua prática. Trata-se, por exemplo, da organização componente curricular/oficinas
que oferecem mais espaços para o trato com a cultura corporal; os momentos de
planejamento em conjunto com outros profissionais incluídas na carga horária do
professor; a grade paritária que iguala o tempo pedagógico ofertado aos alunos,
tanto nas disciplinas tradicionais como Português e Matemática; o planejamento
orgânico com os objetivos da escola; e o trabalho da EF como parte do trabalho no
desenvolvimento das funções psíquicas superiores.
159

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Compartilhamos da ideia de que a educação não pode ser compreendida de


forma isolada do contexto social onde se realiza a sua prática. Entre sociedade e
escola existe uma relação historicamente indissociável e recíproca, premissa que
nos permitiu compreender as razões objetivas de certos contextos sociais, históricos,
econômicos e políticos interferirem diretamente nas questões educacionais, dentre
as quais, as concepções de educação e escola, as práticas educativas e o papel
social do professor no processo de formação social e histórico das sucessivas
gerações.
Se a educação exprime, por diversos motivos, as relações contraditórias e de
disputa hegemônicas, temos que perceber como esses movimentos conflitantes e
contraditórios se materializam na escola. Tivemos que fazer o movimento de ida e
volta, de aproximação e distanciamento para identificar, nos ciclos, as características
do novo modelo e as lacunas que nos permitem agir politicamente.
Partindo do objetivo geral deste estudo, que foi o de compreender como se
constitui a formação de professores de Educação Física a partir das experiências e
de relações extraídas do trabalho docente na realidade das escolas públicas
municipais de Goiânia, organizadas em tempo integral, foi possível evidenciar que
existem muito mais escolas estruturadas em ciclos nas políticas educacionais de
hoje do que imaginávamos no início da pesquisa. E que, embora exista uma
quantidade significativa de professores formados em um período de forte influência
do neoliberalismo, o espaço da escola proporciona avanços e retrocessos nas
práticas dos professores.
Ao avaliar a implantação do modelo de ciclos, observamos o quanto as
políticas públicas já vinham desenhando este modelo desde os anos 1990. Se
analisarmos os princípios apresentados nas declarações mundiais e na própria
tendência pedagógica engendrada pelo sistema capitalista, podemos sinalizar que o
modelo escolar organizado em ciclos é a materialização dos princípios e ideais
educacionais difundidos nos anos 90, inclusive nas formas precárias em que eles se
manifestam no interior da escola e também no desgaste e exploração do
trabalhador.
160

Ao avaliarmos a proposta de ciclos dentro de uma perspectiva histórico-social,


situando-a no contexto social, cultural e político e problematizando os limites e
possibilidades do modelo de escolarização na estrutura social atual, ficou evidente
que a escola em ciclos, sua composição, estrutura, princípios, concepções,
metodologias e relações pedagógicas possuem completa relação com o
pensamento neoliberal e, inclusive, sintonia com a intensificação da desigualdade
mascarada sob a falácia de inclusão. O aluno está lá inserido, mas, ao mesmo
tempo, alheio, por diversos motivos, do conhecimento que lhe é ensinado,
principalmente aquele tipo de conhecimento que conscientiza e eleva sua
capacidade para a autonomia. Apesar disso, ele ainda está lá.
Contraditoriamente, a escola em ciclos também agrega princípios da luta
engendrada pelo movimento político de educadores que buscam, na educação
pública, formas mais dignas de educar e de ser educado, humanizando-se.
O presente estudo foi um tanto desafiador, tendo em vista que se faz
necessário discutir os desdobramentos dos objetivos educacionais neoliberais na
sua materialidade escolar e de como esses elementos encontram-se em pleno
movimento, assegurando a sua materialidade na prática dos professores e na
realidade escolar. O que temos de mais concreto hoje é a expansão da escola em
ciclos em todo o País, um processo no qual não se tem muito claro quais princípios
vão prevalecer e quais irão se esvair no momento em que esse modelo estiver
consolidado. Isto significa dizer que os elementos educativos, aos quais chamamos
a atenção dentro da escola de ciclos, podem, pelo próprio desinteresse ou
desconhecimento dos professores e também da sociedade, retroceder e prevalecer
apenas os que favorecem diretamente aos ajustes e adaptações de interesses do
capital.
Os princípios neoliberais, ao indicarem novos conceitos para a educação na
década de 90, não estavam apenas ampliando os níveis de acesso à escola, a partir
da massificação da educação para ajustar a formação dos recursos humanos aos
seus interesses, bem como a modificação da própria escola. Sendo este um
processo nem sempre transparente, boa parte dos sujeitos envolvidos nessa
transição, por vezes demora a perceber a instalação do novo, deixando para refletir
e emitir posicionamentos a respeito apenas quando as bases já se encontram
consolidadas.
161

Neste estudo foi possível identificar que a dinâmica da escola em ciclos,


pensando no processo educativo sem rupturas no fluxo escolar, está ocupando
espaço em cada nova política estatal, em cada novo programa desenvolvido no
interior da escola, inclusive naquelas que continuam aprisionadas ao modelo
seriado.
A hipótese desse estudo foi de que o sistema de ciclos possibilita avanços
nos processos de aprendizado do aluno e de uma formação humana que engloba a
técnica, a ciência, a cultura, a sociedade, a política, a história, a psicologia e as
relações sociais, o que parece ser verdade em razão dos dados e informações
coletadas e analisadas junto aos professores. Entretanto, podemos perceber que os
espaços formativos ainda se mostram inadequados, na medida em que existem
novas demandas e necessidades de outra formação dos trabalhadores da educação
que sejam críticos e capazes de superar a lógica do mercado e das competências
imediatas do cotidiano.
Nas nossas análises foi possível constatar que, de fato, tanto para a EF
quanto para as outras áreas de conhecimento escolar, o modelo de ciclos possibilita
o trabalho no campo da formação da consciência do aluno, da construção de sua
autonomia e ampliação da formação cultural do estudante que podem ser
oportunizadas, principalmente, pela ampliação do tempo pedagógico, pela retirada
da avaliação escolar como elemento controlador, pelo momento diário de encontro e
planejamento coletivo. Porém, percebemos, igualmente, que os espaços
potencializadores da formação humana também são alvos da precarização por parte
do sistema econômico, viabilizando apenas o conhecimento necessário, superficial e
pragmático para uma formação de professores refém das questões imediatas da
vida cotidiana e dos interesses técnicos para mão-de-obra minimamente qualificada
dentro do processo produtivo.
Num sistema globalizado ficou claro que todas as instituições se organizam
para garantir o bom andamento dos ajustes e avanços do processo produtivo
capitalista, e, dentro deste contexto, temos as instituições formadoras, que também
estão ali para cumprir o seu papel na precarização da formação do professor, seja
pela sua estrutura, pela sua metodologia ou pelo sucateamento das atividades
formativas, razão das péssimas condições de trabalho docente.
162

Na busca de entender o processo de formação de professores, numa


perspectiva de totalidade histórico-social, situando os elementos gerais (licenciatura)
e específicos (Educação Física), problematizamos a lógica das competências como
orientadora da formação docente tanto na licenciatura em geral, como no caso
específico da EF, concluímos que, ainda que os cursos de formação (inicial e
continuada) possam ter incorporado a superficialidade teórica e científica que
constitui alicerces frágeis na formação do docente, esse espaço formativo conta com
pesquisadores e professores envolvidos na luta da melhoria e garantia da educação
pública e na materialização do currículo que objetiva resgatar e desenvolver
conhecimentos e fundamentos como a formação para a totalidade do indivíduo, a
inclusão ao invés de processos excludentes que intensificam a marginalização do
aluno da classe trabalhadora, a valorização da diferença e da cultura no ensino de
escolares, a competência do docente comprometido com a sua profissão e
responsabilidade social e o principal, a leitura crítica da realidade.
Assim, sobre a relação do trabalho e formação diante das transformações
socioeconômicas atuais, a questão que fica é: existe de fato uma ruptura entre o
lugar de formação e o lugar de trabalho?
Para responder a essa pergunta, devemos pensar de onde ela parte.
Acreditamos que, do ponto de vista da concepção político-econômica hegemônica, a
própria fragmentação existente entre teoria e prática e entre os conhecimentos
apreendidos na formação do professor, cria uma continuidade formativa que se
materializa na escola aos moldes dos interesses neoliberais. No entanto, partindo do
sujeito aspirante a professor, nem o lugar de formação, nem o lugar de trabalho são
articulados, existe, no caso, um estranhamento entre o que se deve ser e o que se
pode ser, desqualificando o trabalho docente nos níveis mais profundos.
Desse modo, ao estabelecer conexões entre o trabalho e a formação, não se
trata de defender uma formação inicial e continuada voltada apenas para a escola
em ciclos, trata-se de defender uma formação ampla para que o professor possa,
dentro das limitações postas socialmente, atuar em consonância com a
transformação social. Ao se almejar um novo tipo de sociedade, entende-se a
dialética da mudança no conflito entre o velho e o novo e como essa transformação
almejada não é algo imediato. Mesmo assim, existem ações que podem ser feitas no
163

hoje, tornando possível atuar com certa autonomia diante das inúmeras formas de
regulação às quais somos submetidos.
Está claro que precisamos desenvolver coletivamente níveis de consciência
que nos permitam entender os interesses reais do modelo capitalista para não agir
incoerentemente, assumindo posturas contrárias aos interesses da nossa própria
classe. Destarte, essa formação defendida pela maioria dos professores como ideal,
o aprender na prática, dentro da escola em ciclos, representa uma formação
precária, onde o conhecimento apenas ocorre no fazer sem estabelecer conexão
com teorias mais elaboradas que permitam compreender e refletir sobre o que se
desenvolve na escola. Esta atitude acaba por tornar a ação docente mecanizada
que se ajusta, diante dos contextos variados, mas sem apresentar um propósito
político na formação dos alunos da escola pública. Coletivamente, essas posturas
devem ser refletidas criticamente e superadas.
Sobre a dimensão política da formação e do trabalho do professor, as
reflexões identificadas a partir deste contexto estudado demonstram que foi nos
momentos de luta política organizada que os trabalhadores conseguiram progredir
quanto às conquistas dos direitos sociais e melhorias da qualidade de vida. Hoje, ao
contrário, o que se observa é a falta de participação e ausência da organização
política dos trabalhadores, facilitando, com isto, retrocessos e mais retrocessos no
direito à educação e nas garantias trabalhistas próprias dos docentes. É no
momento que o trabalhador recua de suas lutas por direitos sociais que o capital
avança e não apenas destrói as conquistas obtidas, mas aprofunda mais a
exploração e as desigualdades sociais.
Diante deste perverso cenário, os professores precisam buscar estratégias
para retomar o vínculo político como mais uma das características indispensáveis
para a formação docente e humana. Sem essa dimensão do conhecimento, cada
vez mais estaremos distantes de conquistas reais. É esse olhar critico que permitirá
que se identifiquem as possibilidades reais de ação na construção de um novo
projeto de educação e sociedade. A proposta de ciclos que possibilita o avanço e
aprendizado real do aluno certamente existirá quando vinculada a uma sociedade
mais justa e voltada para o bem coletivo, mas, enquanto isto não se efetiva, torna-se
necessário atuar nas contradições e dentro das oportunidades de avanço
educacional, desde que fundadas numa formação crítica e compromissada com a
164

maioria da sociedade que demonstra sinais propícios aos avanços dentro dos limites
possíveis da educação.
Este estudo nos faz acreditar que o atual momento se mostra oportuno para a
reconstrução do movimento político dos trabalhadores, e dentro dele, o movimento
de educadores brasileiros. Abrem-se novos debates e reflexões a respeito do projeto
de formação de professores na Universidade e novas discussões estão surgindo
acerca da prática dos professores na escola a partir deste novo modelo de
organização educacional.
Se partirmos do entendimento de que a educação é um direito humano, no
sentido da formação plena de cada sujeito e de cada nação, as experiências de
ciclos podem estimular novas formas de experiências, discussão e reflexão relativas
aos conhecimentos a serem ensinados e das práticas a serem modificadas no
espaço da escola e das práticas sociais.
Talvez seja este o momento de avaliar profundamente o sentido dado ao
distanciamento entre teoria e prática ou aliar a teoria com a prática, a prática
transformadora da realidade e da vida real. Assim, questionar qual teoria
fundamenta a prática, e qual ideologia está por trás da “dita teoria educacional em
vigor”, pois podemos estar envolvidos com discursos fantasiosos no que tange à
realidade a ser mudada. O professor deve observar que a sua prática como
professor inicia no momento que ele decide ser professor, analisa a realidade,
planeja, atua, avalia, replaneja e opta por este tipo de atividade social.
Os educadores, ao desvincularem seu trabalho das necessidades imediatas
do capital, sem estabelecer o comprometimento de mudanças por meio de um
projeto histórico, nesta sociedade de classe, estarão buscando, nas margens da
remediação capitalista, uma aparente solução para os problemas sociais e
educacionais.
Quando a proposta de ciclos surge como resposta aos problemas existentes
na escola e na educação em geral, de forma ingênua e esperançosa os
trabalhadores não percebem que a gênese destas mudanças também ocorre nos
próprios sujeitos que trabalham com a educação, com destaque para os
professores, diretores, coordenadores, setor administrativo e os políticos vinculados
ao meio educacional. Outro aspecto fundamental que se tem destacado é que, se a
sociedade não tem como objetivo criar organizações e projetos que visam o bem
165

comum, não se pode esperar que dentro da escola tudo se resolva, até mesmo os
problemas da inclusão, da ética, da disciplina e da formação moral própria das
obrigações da família.
A questão central e conclusiva deste estudo é que não basta transformar a
escola, papel quase impossível, sem que se atue na transformação da sociedade
capitalista que está aí. Não será uma tarefa simples e rápida de ser concretizada, é
preciso agir nas contradições do próprio sistema, e buscar construir formas de se
aproximar das questões fundamentais e objetivas da existência dos sujeitos e das
classes sociais, com o propósito de ampliar a consciência humana acerca das
injustiças e das possibilidades de superação para um outro modelo social. Ou seja,
o capital não é o ultimo estágio da formação social e econômica e nem a única saída
para o desenvolvimento cultural do ser humano. Existem alternativas, basta que os
sujeitos que produzem a história construam outra história, a história dos incluídos
socialmente, dos homens éticos que produzem a riqueza humana, a dos sujeitos
autônomos e livres. Enquanto professora crítica e compromissada com a justiça e a
igualdade entre os homens acredito que nosso papel está demarcado pela luta
contra as formas de exclusão e desumanização que acontecem nos dias de hoje, e
a escola pode colaborar neste sentido.
166

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172

ANEXO A
ROTEIRO PARA DIÁLOGOS INDIVIDUAIS

IDENTIFICAÇÃO

1. Nome:
2. Email:
3. Telefone:
4. Escola:
5. Data de Nascimento:
6. Sexo: 7. Religião:
8. Estado civil: 9. Filhos:
10. Meio de transporte para o trabalho: ( ) a pé ( ) moto
( ) carro ( ) ônibus ( ) bicicleta ( ) outro:
11. Bairro onde mora:
12. Mora em: ( ) casa ( ) apartamento ( ) outro
13. Condição: ( ) própria ( ) alugada ( ) parentes
14.Tempo de deslocamento de casa ao trabalho:
15. O que faz nos finais de semana?

16. Em casa você tem acesso a: ( ) computador ( ) celular


( ) tablete ( ) videogame ( ) revistas
( ) jornais ( ) notebook ( ) Tv a cabo
17. Você assiste televisão? Quanto tempo por dia? Quais programas?

18. Quantas vezes por ano você vai ao cinema?


19. Quantas vezes por ano você vai ao teatro?
20. Quantas vezes por mês/ano você vai ao shopping?
21. Pratica algum esporte ou exercício físico regular?
22.Participa de algum grupo político ou de movimentos sociais? Qual?

FORMAÇÃO

1. Formação (básica, inicial superior e continuada):

2. O que você considera como um bom professor?

3. Que tipo de formação você acha ideal para formar um bom professor?

4. Você acha que esse ideal de professor existe? Por que?

5. Você se considera um bom professor?

6. Você se considera satisfeito com sua formação inicial? Por quê?


173

7. Durante sua formação quais disciplinas você priorizou?

8. Se você pudesse retomar a formação inicial, quais conhecimentos você retomaria para estudar?

9. Durante sua formação inicial você estudou sobre o modelo de ciclos? Explique.

10. Durante sua formação inicial você estudou sobre a escola pública?

11. Depois que você entrou na escola em ciclos, participou de algum espaço formativo (congressos,
seminários, encontros)? Quantas vezes por ano?

12. Já participou de algum programa de formação do Governo? Qual?

13. Você considera que sua formação inicial deu condições de você trabalhar com a Educação Física
em uma escola pública em sistema de ciclos? Explique.

TRABALHO

1.Carga horária semanal de trabalho (oficial e real):


2. ( ) Efetivo ( ) Substituto
3. Já trabalhou em sistema de seriado? ( ) Sim ( ) Não
4. Tempo:
5. ( ) Municipal ( ) Estadual ( ) Particular
6. Tempo de trabalho no sistema de ciclos:
7. Tempo de trabalho nessa escola:
8. Trabalha em outros lugares?
9. Em relação ao modelo de ciclos, quais as suas maiores dificuldades de trabalho? E quais as
mudanças que você percebeu enquanto avanço proporcionadas por esse modelo?

10. O que você acha do seu local de trabalho?

11. Como você avalia seu trabalho como professor?

12. Você tem tempo para planejar suas aulas?

13. A partir do que você planeja suas aulas?

14. Como você seleciona o conteúdo para as aulas de educação física?

15. Qual a sua metodologia de aula? Você tem alguma específica que orienta seu trabalho?
174

16. Como são organizados os procedimentos avaliativos?

17. Além de aulas, que tipo de atividades você realiza na escola?

18. Quais as vantagens em se trabalhar em uma escola de tempo integral?

19. Como é o seu relacionamento com as pessoas do seu trabalho?

20. Você escolheu ser professor? Você é feliz na sua profissão?

21. Como a Educação Física é vista na escola?

22. Você se identifica com os demais professores, em se percebe isolado? Explique.

23. Qual autor da educação física ou livro você costuma utilizar?

24. Você se considera um intelectual?

25. A proposta de ciclos passa por um processo de reescrita neste momento. Em relação a isto, como
você descreve sua participação e contribuição neste processo? Houve abertura por parte da secretaria
para a participação de todos os professores?

26. Tem algo mais que considere importante ser dito nesse primeiro momento?
175

ANEXO B
IDENTIFICAÇÃO – Informações iniciais dos professores

Idade Sexo Estado Filhos Religião Transporte Moradia


Civil para o
trabalho
P1 48 M Casado N Espírita Carro / moto Casa própria
P2 29 M Solteiro N Espírita Carro Casa dos pais
P3 48 M Casado S Católico Moto Casa própria
P4 28 M União S Cristão Carro Casa própria
Estável
P5 49 M Casado S Católico Carro Casa própria
P6 57 M Casado S Crente A pé Casa própria
P7 32 M Solteiro N Católico Carro Apto. próprio
P8 45 M Casado S Nenhuma Carro Casa própria
P9 41 M Casado S Nenhuma Ônibus/Bicicleta Casa alugada
P10 35 M Casado S Nenhuma Moto/bicicleta Casa própria
P11 38 F Casada N Nenhuma Carro Chácara
própria
P12 56 F Casada S Evangélic Carro Apto. próprio
a
P13 59 F Divorciada S Católica Carro Casa própria
P14 31 F Casada S Espírita Carro Apto. próprio
P15 45 F Solteira S Evangélic A pé Casa própria
a
P16 28 F Casada N Católica Moto Apto. próprio
P17 38 F Solteira N Espírita Carro Apto. próprio
P18 44 F Solteira S Espírita Carro Casa própria
P19 38 F União S Crê em Carro Casa própria
Estável Deus
P20 46 F Solteira N Católica Carro Casa própria
176

ANEXO C
FORMAÇÃO – Informações acerca da formação

Idade Sexo Ed. Graduação: Local de Pós-graduação


Básica ano de graduação
conclusão
P1 48 M PU 1989 UEG Educação Física Escolar (UEG) /
Planejamento Educacional
(Universo)
P2 29 M PA 2007 UEG Métodos e técnicas de ensino
(Universo) / Personal Trainner
(CEAFI)
P3 48 M MI 1987 UEG Nenhuma
P4 28 M PU 2009 UEG Nenhuma
P5 49 M PU 1994 UEG Educação Física Escolar (Universo)
P6 57 M PU 1983 UEG Pós-graduação em Atletismo (UEG –
1986)
P7 32 M PU 2005 UFG Gestão escolar (não lembrava o
lugar)
P8 45 M PA 1994 UEG Educação Física Escolar (UEG –
1998) / Treinamento desportivo
(Universo – 2001)
P9 41 M PU 2001 UEG Docencia do ensino superior (FABEC
– 2011)
P10 35 M PU 2007 UEG Educação Integral (UFG) / Gestão
(FABEC)
P11 38 F MI 2002 UEG Fisiologia do Exercício (Esc. Paulista
de Med.) / Alfabetização e letramento
(não lembrava o nome)
P12 56 F MI 1979 UEG Ciências do esporte (Primeira pós da
UEG)
P13 59 F MI 1988 UEG Treinamento desportivo (São
Gonçalo (RJ) ofereceu na UEG)
P14 31 F MI 2006 UEG Educação Física Escola (UEG –
2010) / Inclusão (não lembrava o
local)
P15 45 F PU 1993 UEG Educação Física Escola (Universo –
1994) / Psicopedagogia (UniEAD)
P16 28 F PU 2009 UEG Educação Infantil (?) / Docência
(?)(não lembrava o local)
P17 38 F MI 2013 Universo Dança e Consciência Corporal
(Estácio) / Téc.. Dança
Contemporânea e Ballet
P18 44 F PU 1992 UEG Treinamento desportivo (Universo) /
Planejamento educacional
P19 38 F PA 2012 Universo Nenhuma
P20 46 F PU 1999 UEG Educação Física Escolar (UFG –
2005) / Docencia Universitária (PUC
– 2006)
LEGENDA: PU (pública); PA (particular); MI (mista); F (feminino); M (masculino)
177

ANEXO D
TRABALHO – Informações iniciais sobre o trabalho

Idade Sexo Vínculo Carga Outra função/emprego Ciclos Tempo na Experiência


Horária escola no seriado
O/R
P1 48 M E 30/50 Voluntário do CREF – Desde o S. 10 anos
Palestras surgimento
P2 29 M E 60/60 Coordenação / Personal 7 anos Desde S. 06 anos
Trainner 2008 - 7
P3 48 M E 30/30 Trabalha no SESI das 06 às Desde o 24 anos S.
12h surgimento
P4 28 M S 60/60 As vezes como personal 8 anos 2 meses S
trainner
P5 49 M E 60/60 - Desde o Efetivo S
surgimento desde 95
P6 57 M E 60/60 - Desde o Desde 94 S
surgimento
P7 32 M E 60/60 20h no Estado Desde 2008 Desde Desde 2006
2010
P8 45 M E 30/30 14h em escola particular e Desde o 15 anos 24 anos
15h em clube aos finais de surgimento
semana
P9 41 M E 60/60 - Desde 2002 Desde N
2007
P10 35 M E 60/60 - 2003/2004 Desde S. 02 meses
2008
P11 38 F E 30/30 - 2003 3 anos N
P12 56 F E 49/49 Aposentou dos outros ? ? S
vínculos/ realiza oficinas com
as crianças no horário de
almoço
P13 59 F S 60/60 - Sempre fez 2001/2002 S. Desde 89
substituição como
desde que substituição
formou de licenças
e contrato
P14 31 F E 20/20 - 5 anos 3 anos S. 2006 a
2011 – 7
anos
P15 45 F E 60/60 Trabalha em casa como Desde o 7 anos S.
artesã surgimento
P16 28 F E 30/30 - Desde 2009 4 anos N
P17 38 F S 30/30 A tarde trabalha na escola Começou Desde S.
particular de uma faculdade, agora. fev/2014
UniAnhanguera (dança- Primeiro ano
educação, projeto no contra-
turno) e a noite trabalha com
o curso técnico de dança no
Basileu França.
P18 44 F E 60/60 14h no estado Desde o Desde 92 Desde 93
surgimento
P19 38 F S 30/30 - 1 ano 1 ano N
P20 46 F E 60/70 - 2003 2006 N
Legenda: E (efetivo); S (substituto); R (real); O (oficial).
178

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