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A realidade jurídica da limitação dos juros - Revista Jus Navigandi http://jus.uol.com.br/revista/texto/17190/a-realidade-juridica-da-limita...

Jus Navigandi
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A realidade jurídica da limitação dos juros


http://jus.uol.com.br/revista/texto/17190/a-realidade-juridica-da-limitacao-dos-juros
Publicado em 08/2010
Anderson Royer

A limitação dos juros até hoje é motivo de inúmeras discussões. Alguns juristas invocam a Lei da Usura
(Decreto 22.626/33), o já revogado parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição Federal, o novo Código Civil e o
Código de Defesa do Consumidor para fundamentarem a limitação dos juros. Outros, mais ligados à economia,
defendem que a taxa dos juros deve ser flutuante, segundo as regras do mercado, não podendo o julgador
interferir na economia e criar uma regra rígida, sob pena de comprometer o mercado e, assim, as normas
citadas não teriam aplicação, no que tange à limitação dos juros, em relação às instituições financeiras
integrantes do Sistema Financeiro Nacional, mas apenas aos particulares. Além disso, alguns ainda se apegam,
ainda que sobre outros argumentos, ao pacta sunt servanda, donde que não poderia o mutuário contratar e
depois querer rever a taxa de juros pactuada sob pena de violação do referido princípio.

Todos os argumentos geram celeuma sobre a questão.

Inicio a argumentação citando o artigo 192, caput, da Constituição Federal que dispõe:

"Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento


equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem,
abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive,
sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram" - destaquei.

Ou seja, apesar de o Sistema Financeiro dever ser regulado por leis complementares, tal norma
constitucional, ao dispor que ele será estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do
País e a servir aos interesses da coletividade, acabou por criar um verdadeiro princípio, ou melhor, um
objetivo a ser seguido pelo aludido sistema.

Elucidando essa questão, eis parte do voto (vencedor) prolatado pelo Ministro Eros Grau na Ação
Direta de Inconstitucionalidade 2.591-1, onde se discutiu a aplicação do CDC aos bancos:

"...permito-me ainda discordar do que se afirmou anteriormente, na observação de que o texto do


artigo 192 incorpora expressão que deveria constar da exposição de motivos da lei. A mim parece
incompreensível possa alguém negar força normativa a esta autêntica norma-objetivo consagrada
no texto constitucional, que estabelece os fins a serem perseguidos pelo sistema financeiro nacional, a
promoção do desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos interesses da coletividade".

Vale dizer, na visão atual do STF, o caput do artigo 192 da Constituição Federal, na parte que dispõe

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sobre a necessidade de as instituições financeiras (integrantes do Sistema Financeiro Nacional) promoverem o


desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade é uma verdadeira norma-
objetivo, um princípio norteador do desenvolvimento nacional (objetivo a ser seguido) que, por ser princípio,
evidentemente não precisa ser regulamentado por lei, já que princípios valem por si.

A compreensão disso é de extrema relevância, pois não se pode negar, independentemente da


discussão sobre o Conselho Monetário Nacional ter perdido a competência para regular matéria financeira,
cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações com o advento da Constituição Federal (artigo
48, XIII), que o Conselho Monetário ainda na prática está regulando toda essa matéria, evidentemente que sob
a ótica macroeconômica, criando regras sobre a taxa básica de juros, dentre outras, a ser praticada no
mercado, taxa essa que não é vinculante, de modo que, na verdade, as instituições financeiras praticam os
juros segundo as regras de mercado por elas mesmo regulado. A questão que se formula aqui é saber se o
Judiciário, um dos Poderes do Estado destinado a fazer Justiça, além de fazer parte do sistema de freios e
contrapesos entre os Poderes, pode, em casa caso concreto, ou seja, sob a ótica microeconômica, limitar os
juros, evitando o esmagamento do mais fraco pelo mais forte, sem interferir sobremaneira na política
econômica nacional, que continuará seguindo o seu curso.

Para chegar nessa visão microeconômica, parto de uma visão macroeconômica. Tive a oportunidade,
certa vez, em 2005, quando assessorava no TJMS, de elaborar uma minuta desse raciocínio a alguns juristas
que queriam mudar de opinião sobre a limitação dos juros, liberando-os. Transcrevo-a:

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"Basta meditar. A questão não é só jurídica. Jurídico talvez seja só o meio. Existe uma enorme
questão social por de trás de tudo isso.

Não com rara freqüência vemos instituições financeiras baterem recorde de lucros (bilhões...). Não
se está aqui invejando o capital alheio, mas observando-se uma imensa atividade de concentração de
renda. A atividade bancária se desenvolveu de tal modo que é praticamente impossível uma pessoa não
depender direta ou indiretamente de um Banco, seja para receber salário, fazer pagamentos, compras e
até mesmo num momento de sufoco entrar no limite de crédito (hoje fornecido automaticamente),
acabando por sapatear meses ou anos para quitar a dívida....

Juros altos só servem para isso, concentrar renda e diminuir, senão esmagar a possibilidade de
crescimento econômico do País. Explico.

Ora, juros altos retiram do povo brasileiro uma parcela considerável de sua renda que, caso
ficasse nas mãos do próprio povo, ele inegavelmente iria (como consumidor nato que é todo ser humano)
injetar esse dinheiro no comércio, seja pagando pela prestação de um serviço ou adquirindo um produto
durável ou não durável, visando melhorar a sua qualidade de vida. Em contrapartida, o comércio,
vendendo mais, além de criar empregos, cuja remuneração também se reverterá para essa corrente, irá
adquirir mais produtos da indústria, que por sua vez também irá empregar mais, gerando novo fator de
riqueza, sendo que igualmente irá adquirir mais matéria prima do produtor que, ao seu turno, irá injetar
riqueza no comércio, completando toda essa corrente. Aliás, essa imensa movimentação de riqueza
acarretará automaticamente o aumento da arrecadação do fisco sem aumentar a carga tributária (outro
fator de repressão ao crescimento econômico e social).

No entanto, não é o que ocorre. As instituições financeiras cobram juros altos (alguns chegam a
150% ao ano, como no cheque-especial), concentram renda, o crescimento econômico e social do País
segue a passo de tartaruga, os recordes de bilhões em termos de lucro são devolvidos para a sociedade
novamente tomar empréstimo e esse círculo vicioso continua e continua. Ou seja, ao invés do sonho
desenvolvido no parágrafo anterior, o povo vive outra triste realidade.

Os Bancos se desenvolveram a tal ponto que chegam a influenciar na inflação. Quando a coisa
arrocha, o governo 'libera' os juros que já estão desde sempre liberados no plano fático; a notícia de juros
altos diminui temporariamente a circulação do dinheiro bancário, a procura cai e os preços também
temporariamente, mas os lucros dos Bancos não.

Mas não é só essa influência política das instituições financeiras... o § 3º do artigo 192 da
Constituição Federal foi revogado pela Emenda 40. Há poucos dias saiu uma Medida Provisória
obrigando o povo brasileiro, nas compras a crédito, ser obrigado a efetuar o pagamento através de cheque
ou de cartão de crédito. Na revista 'Época', o Ministro da Fazenda desabafou que mesmo a economia
estando 'sustentável' os juros e a carga tributária continuarão altos (lembrando-se que a alta carga
tributária incide na classe média – quem mais depende dos bancos – sem contar que, proporcionalmente,
as instituições financeiras deveriam pagar mais tributo).

(...)

Retomando o assunto, agora pergunto: é justo concentrar renda enquanto o povo brasileiro limita a
sua qualidade de vida? É justo concentrar renda enquanto o crescimento econômico do País é
insignificante? Porque será que a Constituição "Cidadã" veio limitar os juros?

Longe de não ter amor ao meu País, mas basta olhar a América do Norte e a Europa para observar
que nos Países de tais regiões se praticam juros baixíssimos... e é exatamente em tais regiões do planeta
que se encontram os Países mais desenvolvidos.

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Esse raciocínio não mudou. Notícia divulgada no site do jornal "Estadão", em 6 de novembro de 2006,
informa que apenas um dos bancos nacionais, nos nove primeiros meses de 2006, já lucrou mais de cinco
bilhões de reais (vide

http://www.estadao.com.br/ultimas/economia/noticias/2006/nov/06/39.htm). Veja-se que se trata de apenas um


banco. Imagine-se se fosse somar o lucro das centenas de bancos que atuam no País. Outra notícia, titulada
"Receita de tarifas bancárias ultrapassa a de 26 Estados", datada de 10 de março de 2006 (vide
http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=254139) informa que apenas com tarifas, os sete
maiores bancos atuantes no Brasil, em 2005, arrecadaram mais de 31 bilhões de reais, o que
corresponde à soma dos recursos orçamentários de 12 Estados (R$ 28,823 bilhões) da União: Amapá,
Acre, Alagoas, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Piauí, Paraíba, Roraima, Rondônia, Rio Grande do Norte,
Sergipe e Tocantins. Apenas o Estado de São Paulo teve arrecadação superior, sendo que os outros 26
Estados isoladamente tiveram receita inferior. Não se esqueça que a arrecadação com tarifas bancárias é
uma pequena parcela da arrecadação dos bancos, pois a maior parte decorre das altas taxas de juros
pródiga e passivamente permitidas pelo governo. Pense-se, então, no lucro real do setor,
especialmente no ano de 2006 onde houve um aumento considerável do lucro dessas instituições em
relação a 2005. Só para fazer uma pequena comparação, o PIB de 2005 foi de 1,9 trilhões de reais.
Considerando que cerca de 40% do PIB corresponde à carga tributária, bem se vê que dos outros 60%
o sistema financeiro nacional fica com uma considerável parte.
Esse poder das instituições financeiras criar dinheiro é bem explicado pelo Ministro do STF Eros Grau
no voto condutor do julgamento da já citada ADIn 2.591-1, in verbis:

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"O volume de moeda adicional 'criado' pelo banco corresponde a 'moeda escritural', isto é, a
'moeda bancária' - moeda que, na dicção de Eugênio Gudin, 'só se concretiza nos livros' dos bancos,
através de algarismos que passam de um a outro livro ou de uma a outra coluna. Esses algarismos são
animados pela vontade das partes mas não saem dos estabelecimentos de crédito, onde nascem,
circulam e desaparecem'.

Vou me deter um instante neste ponto, procurando desvendar essa poderosa capacidade de
criação de riqueza abstrata de que os bancos desfrutam.

Quando um banco concede empréstimo a alguém, utiliza-se, para tanto, de moeda que recebeu
de seus depositantes. Assim, admitindo-se que o banco A tivesse recebido um volume total de depósitos
igual a 100, alguém poderia supor que esse banco [o banco A] estivesse capacitado a contratar
empréstimos, com B, C e D, no valor total de 100.

Essa suposição é, todavia, equivocada. E isso porque, a qualquer momento, um ou mais titulares
de depósitos à vista no banco A poderão emitir cheques contra o banco depositário. Logo, é evidente que,
se não o valor 100, ao menos uma parcela desse valor haverá de ser mantida em poder do banco A, a fim
de que possa ele, tão logo sacados esses cheques, pagá-los. Essa parcela do valor 100, mantida em
caixa pelo banco A, é chamada de 'encaixe' ('encaixe bancário'). Evidente que, se supusermos que
aqueles depositantes que sacam valores de seus próprios depósitos o fazem para manter consigo os
valores sacados, a parcela de encaixe do banco A será extremamente elevada, em termos percentuais. O
quanto restaria para ser emprestado a B, C e D seria praticamente irrelevante.

Sucede, contudo, em primeiro lugar, que os depositantes no banco A, quando sacam cheques
contra o banco depositário, fazem-no, na maioria das vezes, para liquidar obrigações perante terceiros. E
esses terceiros, naturalmente, depositam os cheques que receberam em um banco. Suponha-se somente
existisse em determinada localidade o banco A: os credores que receberam cheques sacados contra o
banco A irão depositá-los no banco A. Em segundo lugar, ocorre que B, C e D - tomadores de crédito junto
ao banco A - lançam mão desse crédito para efetuar pagamentos a terceiros, que, por sua vez, depositam
os valores recebidos de B, C e D nesse mesmo banco A.

Assim, é evidente que, ao contrário do que anteriormente se supôs, a parcela de encaixe do banco
A, aplicada sobre o volume nominal dos depósitos, não será necessariamente elevada, em termos
percentuais.

Resumindo: encaixe bancário é a parcela de moeda que o banco A mantém em seu poder para
atender a eventuais quedas no volume total dos seus depósitos à vista.

Isto posto, teremos que, nas circunstâncias acima consideradas, o encaixe do banco A poderá ser
igual, exemplificativamente, a 20% do volume total dos depósitos à vista que tiver recebido.

Naquelas circunstâncias - supondo-se existisse somente o banco A em determinada localidade e


que nenhum dos titulares de depósito à vista nele tivesse sacado valores, contra esses depósitos, para
mantê-los entesourados consigo, debaixo do colchão - teremos que:

[i] - originariamente foram depositados 100 no banco A;

[ii] - o banco A emprestou 80 a B, C e D;

[iii] - os terceiros, que receberam pagamentos de B, C e D, depositaram esses 80 no banco A;

[iv] – o banco A conservou 20% [= encaixe] desses 80, emprestando 64 a E, F e G;

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Desse entendimento, em sede de ADIn, onde há atualmente o efeito vinculante aos demais órgãos do
Judiciário, percebe-se que o CDC se aplica às instituições financeiras. O acórdão dos Embargos de
Declaração opostos na referida ADin inclusive retirou da emenda a ressalva feito no voto condutor do
julgamento sobre o custo da captação da moeda como limite para a incidência do CDC. Mas esse raciocínio é
até lógico, ou seja, o CDC não pode interferir na definição do "custo" (só isso) da intermediação entre a
captação de dinheiro e o seu empréstimo, já que no plano abstrato isso deve ser feito pelo Conselho Monetário
Nacional, considerando o mercado. Porém, ainda assim tudo que excede a taxa SELIC (taxa elaborada
segundo as variações do mercado) poderá ser discutido, inclusive no plano concreto, frente ao Poder
Judiciário, até mesmo sob a ótica da abusividade (por sinal contemplada no CDC), da onerosidade etc., enfim,
poderá ser discutido frente ao Código Civil e ao ordenamento jurídico como um todo, desde que, repita-se,
isso não venha a definir o custo da mencionada intermediação.

Esse precedente histórico do STF, ainda que na prática tenha se restringindo a consolidar a aplicação
do CDC aos bancos, bem demonstra como se deve, sob uma ótica macroeconômica, ter em vista os ditames
do caput do artigo 192 da Constituição Federal, sem prejuízo de uma análise microeconômica caso a caso.

Vê-se claramente, então, que a regulamentação macroeconômica realizada pelo Conselho Monetário
Nacional, em diversos casos concretos, não atende os preceitos do caput do artigo 192 da Constituição
Federal defendidos pelo STF, pois não promove o desenvolvimento equilibrado do País e não atende os
interesses sociais, pois freia o desenvolvimento, concentra renda, empobrece a nação, o que só é útil para os
próprios Bancos.

Assim, impõe-se a aplicação do artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo o qual, "na
aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum" para se
admitir a redução dos juros. Essa redução, a princípio, deveria se limitar à taxa básica de juros (SELIC), sem
qualquer correção monetária, pois essa taxa já leva em conta a inflação, o custo da captação da moeda etc.
Contudo, resta evidente que limitar os juros e a correção à taxa SELIC de um contrato de mútuo não se mostra
razoável frente à realidade inclusive microeconômica desses contratos. Ao seu turno, juros de 12% ao ano
sobre um capital corrigido pelo IGPM, por exemplo, resultará numa taxa final (juros + correção) superior à
SELIC, o que se mostra razoável à instituição financeira e, ao mesmo tempo, não abusivo ao consumidor.

Esse entendimento ganha realce se for considerar a legislação, a par do CDC (já decidido pelo STF),
quanto à taxa de juros.

Neste contexto, já tive, antes mesmo de ingressar na magistratura, quando auxiliava magistrados,
oportunidade de defender que, antes da promulgação da Carta Magna de 1988, no ano de 1933, os juros já
tinham sido fixados em 1% ao mês pelo Decreto 22.626, de 7 de abril de 1933, conhecido como "Lei de Usura",
que em seu artigo 1º dispõe:

"É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros
superiores ao dobro da taxa legal".

A taxa legal, desde a promulgação do Código Civil de 1916 era conhecida como aquela não contratada,
ou seja, de 6% ao ano (artigo 1.063), e a Lei de Usura permitiu a elevação para o dobro, ou seja, 12 % ao ano,
estabelecendo uma nova taxa legal, mas agora como limite máximo de qualquer contratação. A fixação dessa

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taxa de 12% ao ano, aliás, foi o espírito do Decreto 22.626/33 (que tem força de lei) e não se alterou, mesmo
com o advento do novo Código Civil, até porque entendimento contrário implicaria na revogação do primeiro
pelo último (artigo 591 do novo Código Civil c.c. artigo 161 parágrafo primeiro, do CTN, ou seja, o novo estatuto
fixou novamente os juros em 12% ao ano frente ao CTN, até porque o artigo 406 do novo Código, ao falar em
juros da mora da Fazenda Nacional, não se refere à taxa SELIC pelo simples fato dessa última também embutir
em seu cálculo, conforme visto, a inflação etc. – tanto que a União apenas utiliza essa taxa, sem incidir
correção monetária, para os débitos fiscais - não servindo, portanto, como pura taxa de juros).

Essa legislação infraconstitucional ainda está em vigor, uma vez que não foi revogada expressa ou
tacitamente por outro dispositivo de igual ou superior hierarquia.

Não há como admitir que as entidades financeiras estão excluídas da limitação da Lei de Usura por
força da Lei 4.595/64, que em seu artigo 4º, inciso IX, conferiu ao Conselho Monetário Nacional (CMN) poderes
para estipular as regras sobre os juros nas operações financeiras. Foi quando o CMN, convenientemente,
editou a Resolução 1.064 liberando os juros para os bancos.

A Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942), em seu artigo 2º, §
1º, dispõe que a lei posterior revoga a anterior: a) por declaração expressa; b) por incompatibilidade; c) quando
regular inteiramente a matéria.

A Lei 4.595/64 não revogou expressamente qualquer dispositivo do Decreto 22.626/33.

Igualmente não ocorre incompatibilidade da lei posterior com a anterior. Ao prever a lei posterior
competência do Conselho Monetário Nacional para "limitar sempre que necessário, as taxas de juros,
descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou
financeiros...", não ampliou a limitação dos juros prevista na Lei de Usura, pois limitar não significa liberar.

Ainda, a Lei de Usura se destina à coletividade, enquanto a Lei 4.595/64 somente é dirigida às
relações com entidades bancárias ou creditícias. Como diversos são os objetivos dos dois diplomas legais,
não se pode afirmar que a Lei 4.595/64 regulou toda a matéria de que trata o Decreto 22.626/33.

Consequentemente, a Resolução 1.064 do CMN, que liberou os juros para as instituições financeiras,
afronta tanto a Lei 4.595/64, que tinha atribuído ao CMN a competência de "limitar" e não liberar os juros para
as instituições creditícias, quanto o Decreto 22.626/33 que limitou os juros em de 12 % ao ano, no máximo.

Ademais, o Ministro do STF Eros Grau, no já citado voto vencedor na ADIn 2.591, analisando situação
semelhante, onde, com base na Lei 4.595/64 e, por conseqüência, com base em Resolução do CMN, os
bancos pretendiam excluir a incidência do CDC em suas operações, bem decidiu essa questão:

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"Parece-me oportuno, de outra banda, considerarmos argumento desenvolvido em memorial,


segundo o qual a lei especial, como tal entendida, no caso, uma resolução do Conselho Monetário
Nacional, afastaria a aplicação da lei geral, vale dizer, do Código de Defesa do Consumidor.

O artigo 4º, inciso VIII, da Lei n. 4.595/64 estabelece que compete ao Conselho Monetário
Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República (redação da Lei n. 6.045/74),
'[r]egular a constituição, funcionamento e fiscalização dos que exercerem atividades subordinadas a esta
lei, bem como a aplicação das penalidades previstas'.

O vulgo, quem não é versado nos meandros do direito supõe, equivocadamente, que é o Banco
Central quem dispõe sobre esta matéria. Não é assim, contudo. O titular do exercício da chamada
'capacidade normativa de conjuntura' é o Conselho Monetário Nacional. O Banco Central limita-se a dar
publicidade às deliberações do colegiado. A questão a considerar respeita à determinação do significado,
no contexto do preceito - isto é, no mencionado artigo 4º, inciso VIII --- do vocábulo 'funcionamento'. É
unicamente sobre esta matéria que o Conselho Monetário Nacional está autorizado a dispor texto
normativo. Os que exercem atividades subordinadas à Lei n. 4.595/64 são as instituições financeiras.
Logo, é do 'funcionamento' das instituições financeiras que se trata. Podemos, portanto, dizer:
desempenho de suas atividades pelas instituições financeiras. O Conselho Monetário Nacional regula o
desempenho de suas atividades pelas instituições financeiras. O vocábulo 'funcionamento' é, porém,
mais forte, na medida em que expressivo da circunstância de as instituições cumprirem uma função no
quadro do sistema financeiro nacional. O vocábulo tem a virtude de tornar bem explícito o fato de a lei ter
estabelecido que para funcionar, para desempenhar a atividade de intermediação financeira, a empresa
deverá cumprir o que determina o Conselho Monetário Nacional no que concerne a sua adequação a esse
desempenho. Vale dizer, quanto ao nível de capitalização, à solidez patrimonial, aos negócios que
poderá realizar [por exemplo, câmbio, captação de depósitos à vista, etc.], à sua constituição de
conformidade com as regras legais [lei das sociedades anônimas, com todas as suas
implicações]. Entrando em funcionamento, a instituição financeira, mercê da autorização que para tanto
recebeu, pode exercer determinadas atividades, v.g., captar depósitos à vista, pagar benefícios
previdenciários, captar poupança, receber tributos. Essas atividades deverão ser, no entanto,
desempenhadas no quadro das determinações dispostas pelo órgão normativo [v.g., tipos de operações
permitidas ou vedadas; volumes a serem aplicados nessa ou naquela modalidade de crédito; posições
cambiais (níveis) a serem cumpridas e negócios dessa natureza que podem ou não ser contratados]. Digo
mais: esse exercício há de ser empreendido de modo que a empresa - isto é, a instituição financeira -
funcione em coerência com certas diretrizes de políticas públicas, suas prerrogativas sendo exercidas
conforme definições, estruturais e conjunturais, que as delimitam [v.g., recolhimentos compulsórios,
encaixe obrigatório].

Vê-se bem, destarte, que a função das instituições financeiras é sistêmica, vale dizer, respeita ao
seu desempenho no plano do sistema financeiro. Ainda em outros termos, essa função somente pode ser
cumprida no plano do sistema financeiro.

Ora, o Conselho M onetário Nacional é competente apenas para regular - além da sua
constituição e da sua fiscalização - o 'funcionamento' das instituições financeiras, isto é, o
desempenho de suas atividades no plano do sistema financeiro. Tudo quanto exceda esse
desempenho não pode ser objeto de regulação por ato normativo produzido pelo Conselho
M onetário Nacional.

Por isso as resoluções que dispõem sobre a proteção do consumidor dos serviços
prestados pelas instituições financeiras - resolução n. 2.878, de 26 de julho, alterada pela de n.
2.892, de 27 de setembro, ambas de 2.001 --- são francamente ilegais. Como essa é matéria que
excede o 'funcionamento' das instituições financeiras, é inadmissível afirmar-se que suas disposições

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Ou seja, desse julgado do STF bem se evidencia a completa ilegalidade de normas administrativas que
visem limitar o alcance da lei (no caso Decreto 22.626/33), especialmente frente às atribuições do CMN
conferidas pela Lei 4.595/64.

Além disso, mesmo se assim não fora, com o advento da Constituição Federal de 1988, o Conselho
Monetário Nacional perdeu sua atribuição de fixar os juros para as operações de crédito das entidades
vinculadas ao sistema financeiro nacional, nos termos do artigo 48, XIII, da Constituição Federal:

"Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida
esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União,
especialmente sobre:

...

XIII – matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações;...".

Bem se vê que tanto a Lei 4.595/64 como a Resolução 1.064 não foram recepcionadas pela
Constituição Federal em vigor. A competência para estabelecer os juros a serem cobrados pelas instituições
financeiras não pode ser do Conselho Monetário Nacional conforme referida regra constitucional, que determina
ser tal competência do Congresso Nacional, sendo que é defesa a delegação dessa competência, nos termos
do artigo 68, § 1º, da Constituição Federal.

Vale ressaltar, por oportuno, que a Medida Provisória 45, de 31 de março de 1989, não teve o condão
de prorrogar o prazo de 180 dias previsto no artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, já
que não foi convertida em lei, perdendo a sua eficácia.

Esgotado referido prazo em 3 de abril de 1989, veio a Lei 7.770, de 31 de maio de 1989, regular a
Medida Provisória 53, de 3 de maio de 1989, ambas posteriores ao fim do prazo. Assim, referida Lei não teve
condições de prorrogar um prazo que já havia se esgotado. Igual raciocínio se aplica em relação às Leis
7.892/89, 8.056/90, 8.127/90, 8.201/91 e 8.392/91 que são sucessoras da mencionada Lei.

Consigne-se, ainda, que o próprio CDC pode ser invocado para limitar os juros desde que isso não
implique na definição do custo da intermediação do mútuo e tais juros se mostrem abusivos (artigo 51, IV, do
CDC).

Aliás, o STJ, ainda que em poucos casos, já se pronunciou, consoante o voto condutor do Min. Carlos
Alberto Menezes Direito, no julgamento do AgRg. 608.991, no dia 1º de abril de 2004, no seguinte sentido:

"...o Código de Defesa do Consumidor não é incompatível com a legislação financeira, mais
precisamente a Lei n. 4.595/94. Apenas a liberação da taxa de juros firmada com base na interpretação
desta lei encontra limite, atualmente, na abusividade, que pode macular as cláusulas contratuais à luz do
referido Código".

E, em relação aos créditos rurais, comerciais e industriais, considerando a ausência de autorização do


CMN, igualmente tem-se norteado o STJ, certamente levando em conta a finalidade social de tais créditos:

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"Ante a eventual omissão desse órgão governamental, incide a limitação de 12% ao ano prevista
na lei de usura (Decreto nº 22.626 de 1933)" (STJ – REsp 131624 – RS – 3ª T. – Rel. Des. Carlos Alberto
Menezes Direito – J. 05.05.1998).

Tudo ponderado (entendimento do STF quando ao princípio inserto no caput do artigo 192 da
Constituição Federal; abusividade dos juros contratados nos termos do CDC; Lei de Usura; o novo Código Civil
e até mesmo a ausência de competência do CMN, bem como levando em conta o crescimento econômico e
social do País, norte que a própria LICC impõe em seu artigo 5º), e verificando-se que a limitação dos juros em
várias análises microeconômicas não abalará a economia sob uma ótica macroeconômica, cuja política por
sinal é deficiente, deve o Poder Judiciário limitar os juros em 12% ao ano.

Sobre o autor
Anderson Royer

Juiz de Direito do Estado de Mato Grosso do Sul

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT


ROYER, Anderson. A realidade jurídica da limitação dos juros. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2600, 14 ago. 2010.
Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/17190>. Acesso em: 15 ago. 2010.

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