Você está na página 1de 2

Lê o texto com atenção e responde às questões apresentadas.

D. João visita o Porto

Partio el-rei de Coimbra, como tinha ordenado, pera o Porto, que eram de ii dezoito légoas,
cidade onde nunca fora, nem em logar du a divisar1 pudesse. Esta cidade é situada junto com o
rio que chamam Doiro, na qual se fazem muitas e booas naaos e outros navios, mais que em
outro logar que no reino haja. (…) Os desta cidade, sabendo que el-rei havia de viir a ela,
fezeram-se prestes2 de o receber, estabelecendo per mandamento que nenhum nom usasse de
seu ofício e que todos, aquel dia, cessassem dos acostumados trabalhos. (…) As gentes da
cidade, carecentes de todo nojo3 , com novas e melhores vestiduras que cada uum tinha, ferviam
andando per toda a parte, trigando4 de se correger5 tam bem que nom pudessem seer
prasmados6 . As ruas per u el havia de iir ataa os paços onde havia de pousar eram estradas de
ramos e froles e ervas de boons cheiros, de guisa que do chãao nom aparecia nenhuma cousa.
As portas das casas destas ruas eram todas abertas e enramadas de louro e doutros frescos
ramos; (…) E esto podiam bem fazer naquel tempo, ca era no mês de Maio;(…) Aas janelas
lançavom panos e mantas e outras roupas que afremosentavom muito as ruas, (…) As janelas
das casas todas eram ocupadas com fremosas donas e molheres de outra condiçam, com grande
desejo e amor de o veer, assi guarnidas7 de taaes corregimentos que fealdade e maao parecer
nom ousou naquel dia entrar na cidade. Em certos logares havia bandos de molheres que
cantavom muitas cantigas, e cordas armadas para treparem homens que o bem

fazer sabiam quando el-rei ali chegasse. (…) Aa porta per u el-rei havia de vir estavom muitos
cidadãos honradamente vestidos com guarnimentos de ouro e de prata, e muito outro pôboo
fora, com a siina8 da cidade; uuns com varas nas maãos para reger9 os jogos, logo que el-rei
chegasse; outros pera irem em sua companha ataa os paaços u havia de pousar. (…) E, sendo
todos assi aguardando, cada uuns em seu logar, apareceo a gente d’el-rei da parte de aalém de
Gaia (…) e os batées que andavom salcando pelo rio forom logo ali muito prestes com grandes
apupos10 e tanger de trombetas, mostrando grande ledice11, antre os quaaes era uum grande e
fremoso batel ricamente corregido e toldado em que el-rei havia de passar. E, (…), começarom
todos a vogar ao longo do rio, o d’el-rei deante, muito apendoado12 e outros todos detrás que
era gram prazer de veer. E aa porta de Miragaia, onde o estavom atendendo, saio el-rei em terra
per uuma larga e espaçosa prancha, onde o beijar da mão e mantenha-vo Deos, senhor era tanto
que nom podiam haver vez de comprir suuas vontades. E, depois de uum boom espaaço que se
nisto deteverom, falou uum cidadão a que desto era dado cárrego e disse: - Senhor, tomae esta
siina em vossas maãos, e per ela nos poemos em vosso poder, e vos fazemos preito e menagem13
de vos servir com os corpos e haveres ataa despender as vidas por honra do reino e vosso
serviço. El-rei, em quanto el esto disse, teve as maãos na hasta dela, dizendo que assi era ele
prestes para defender a vida e corpo por honra do reino e defensom deles, e que os havia por
boons e leaaes, e lhes faria muitas mercees quando lhe per eles requeridas fossem. Entom
começaram a reger suas danças e jogos, na quaaes mui ameúde em alta e clara voz bradavom,
dizendo: Viva el-rei Dom Joam! Viva! El-rei iia muito passo14 pela cidade, ca nom podia doutra
guisa, porque a gente era tanta per tôdalas ruas polo veer que parecia que se queriam afogar; e
as donas que estavom aas janelas, falavom altamente que o mantevesse Deos muitoa anos e
boons e que muita fosse sua vida e booa, e outras taaes razoões: e em dizendo esto, lançavom
de cima muitas rosas e froles e milho e trigo e outras cousas. A qual festa e recebimento, desta
guisa feito, demovia muitas delas a reger suas fremosas caras com doces e prazives lágrimas. E
assi foi el-rei levado, com este prazer e ledice, aos paaços u havia de pousar; e as gentes se
tornarom, festejando cada uuns pera suas casas. (…)

Crónica de D. João I, Fernão Lopes

1 du – de onde; divisar – avistar; 2 fezeram-se prestes – aprontaram-se; 3 carecentes de todo


nojo – sem tristeza; 4 trigando – esforçando-se ;5 correger – enfeitar, arranjar ;6 prasmados -
censurados ;7 guarnidas – ornamentadas, enfeitadas; 8 siina – bandeira, estandarte ;9 reger –
dirigir; 10 apupos – gritos; 11 ledice – alegria;12 apendoado – enfeitado com pendões; 13
menagem – juramento de fidelidade ;14 passo – devagar

1. Atenta no primeiro parágrafo. 1.1 Dá conta da caraterização que o narrador faz acerca da
cidade do Porto. (15 pontos)

Você também pode gostar