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LEITURAS

Trata-se de um destaque das ideias principais sobre a revolução industrial contidas em duas obras
de dois autores referências no tema, Hobsbawm e Abendroth.

HOBSBAWM, Eric. A formação da classe operária. In: MIRANDA, Sacuntala de; e CARDIA,
Pedro (orgs.). A revolução industrial britânica (antologia). Lisboa: Teorema, s.d.

Com a ressalva, logo na abertura, de que as classes transformam-se constantemente,


Hobsbawm procura situar temporalmente a classe operária, a exemplo do que fez E. P.
Thompson, e com o qual concorda em sua formação no início do século 19, discordando desse
autor quando ele entende que a classe operária manteve-se a mesma antes, durante e depois do
cartismo. Se a classe operária britânica e seus movimentos têm seus antepassados, por exemplo,
no cartismo, todavia se trata de fenômenos diferentes em aspectos relevantes.
Em seguida, mostra como a economia industrial afetou a classe operária. Primeiro,
primeiro pelo seu grande incremento em tamnho e em concentração (ex., o estaleiro Armstrong
tinha entre seis e sete mil trabalhadores em Elswick, na década de 1860, passando a vinte mil em
1914); segundo, a considerável mudança na composição ocupacional dos operários (ex., entre
1871 e 1911, os mineiros passaram de 500 mil a 1.200.000), bem como na composição por idade
e sexo. Terceiro, a transformação das condições do conflito industrial pelo crescimento e
concentração da economia nacional e seus setores, com o aumento do papel do Estado. Quarto, a
ampliação do direito de voto e da política de massas (os políticos agora se preocupavam em
como os proletários votariam).
Mas tudo isso significava uma mudança na classe operária? Para responder à pergunta,
Hobsbawm se pergunta em como e quando observar a mudança, e lança mão da figura do Andy
Capp, personagem de quadrinhos em tiras que satiriza a cultura operária masculina da antiga área
industrial britânica pelo boné, “praticamente o distintivo da classe proletária quando não estava
trabalhando”, conforme nos explica no seu A invenção das tradições, livro em organização
conjunta com Terence Ranger (aqui seguido na tradução brasileira de Celina C. Cavalcante
publicada pela Paz e Terra, 6a ed., 2008, pág. 295). Um distintivo que vai aparecendo ao longo
das décadas, conforme vai transformando a classe operária, que se configura como tal não antes
de 1880, segundo o autor, na década do surgimento do socialismo na Grã-Bretanha e também do
novo sindicalismo, respectivamente, mudanças ideológicas e organizacionais maciçamente
inferiores às mudanças das condições materiais da vida operária, que então se apresentavam com
força desde os anos 1870: queda do custo de vida na Grande Depressão, mercado de massas,
melhores habitações com os típicos sobradinhos geminados, novos arruamentos e novos bairros
operários (que se formam de modo até segregacional), transporte público barato, lazer típico
(futebol), resultando num padrão de vida homogêneo, contudo sem perda de seu caráter
identitário enquanto classe operária.
Classe que assim se consolida por sua ligação de destino, independente das diferenças
internas, como as relacionadas ao tipo de ofício ou ao tipo de qualificação, fato demonstrado
pelos variados modos de segregação pelos quais passou conforme se transformava: a de
residência (os bairros operários); a de expectativa por falta de qualificação ou mesmo por
qualificação da mão de obra, quando então a exclusão social se dava pela marca de classe (do
trabalhador como alguém sem qualquer educação); a de estilo de vida, como a diversão pelo
futebol, que tornando-se de massa também passou a todos os trabalhadores, não apenas dos mais
qualificados; a de alienação relativamente às demais classes, o que aparece nas atitudes de
ostentação dos ricos (ex., automóvel) e no crescimento dos meios de comunicação de massa.
Enfim, como classe é que os operários se organizam em sindicatos e, posteriormente, em
partidos, quando, especialmente a partir de 1914, esvanecem-se as ideias políticas do cartismo,
seja como movimento de massa, seja como um ato do radicalismo liberal.

ABENDROTH, W. Dos primórdios do movimento trabalhista europeu até a derrota da revolução


de 1848; A Associação Internacional de Trabalhadores; A expansão dos partidos trabalhistas
nacionais e dos sindicatos no continente europeu. In: A história social do movimento
trabalhista europeu. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

A manufatura é o início e o avanço da produção capitalista, de meados do século 16 ao


final do 18, enquanto a divisão social do trabalho assumiu características tais que o indivíduo se
reduziu a executor isolado dos demais, sem compreender o sentido do processo global e
submetido a um mando rigoroso. A revolução industrial, em fins do século 18, com a máquina
maximiza essa condição do trabalhador, a ponto de substituí-lo muitas vezes, em harmoniza com
o interesse capitalista de maximização do próprio lucro. Por isso é compreensível que, ao longo
do século 17, as revoltas operárias visassem à destruição das máquinas.
É com a Revolução Francesa, também no final do século XVIII, que a história europeia
assiste a uma mudança na qual os direitos humanos e a democracia impõem-se, se bem que, nos
seus inícios, a democracia pequeno-burguesa não se tenha estendido para uma idependência
social e política dos trabalhadores, porém ao menos as premissas de mudança estavam postas
para o futuro desenvolvimento do movimento trabalhista europeu, inclusive no sentido da
necessidade da solidariedade internacional na luta pelos direitos humanos.
Assim, pouco a pouco, os trabalhadores passam a compreender que sua ação não poderia
limitar-se às questões econômicas, por isso se tornou central a luta pelo direito democrático do
voto, como caminho para obrigar o Estado a promulgar leis favoráveis ao operariado, como
lembra Marx ao se referir à lei de 1847, na Inglaterra, que fixou a jornada de trabalho legal, um
triunfo dos trabalhadores sobre a burguesia. O operariado inglês, com suas lutas, especialmente
entre as duas revoluções de 1830 e 1848, demonstraram que era possível levar o poder público a
intervir em matérias sociopolíticas.
O Manifesto comunista, publicado em 1848, logo após o início da revolução na França, se
teve pouca dulgação e sem qualquer influência, décadas depois tornou-se a carta programática do
movimento trabalhista em todos os países, cujo conteúdo era a defesa de uma sociedade sem
classes promovida pelo operariado. Era o puro reflexo de um movimento que, surgido na
Inglaterra, ganhara paralelos na França e na Alemanha, com ápice na onda revolucionária
europeia impulsionada pela crise do ano de 1847.
Todavia, resolvida essa onda, o desenvolvimento industrial capitalista avança com uma
conjuntura favorável, sob o predomínio do Exército e da burocracia, seja na Alemanha, seja na
França, estando a classe operária sem suas lideranças, mortas, presas e exiladas, e incapaz, pois,
de tomar a dianteira nas suas ações, restando apenas na Inglaterra um resto de organização dos
grupos sindicais. O progresso econômico parecia correr tranquilo, embora o movimento
trabalhista poderia a qualquer tempo ganhar expressão, a depender das ações da burguesa,
porque o ardor exploratório burguês já antes precisou enfrentar as barreiras de pressão do
operariado, como a lei sobre fábricas na Inglaterra de 1833, que determinou jornadas têxteis de
12 horas diárias para menores entre treze e dezoito anos, de 8 horas para menores entre nove e
treze anos e, para menores de nove anos, proibiu o trabalho. Uma conquista operária.
Conquista que só foi confirmando a tomada de consciência de classe, ao ponto de se criar
a Associação Internacional de Trabalhadores, que teve em Marx um integrante de seu conselho
geral e cujo projeto formou os seus estatutos. Essa, no entanto, tivera que conviver com a
oposição burguesa, além de lidar com divergências entre seus integrantes internamente, como
entre Marx e Proudhon ou entre Marx e Bakunin. Externamente, a imprensa burguesa europeia
dirigia-lhe uma campanha difamatória, inclusive se aproveitou do massacre contra a comuna de
Paria para, desvirtuando os fatos, tachar como responsáveis pessoas ligadas ao conselho geral.
Um pouco pela experiência de anos anteriores, em vários países, principalmente na
Inglaterra e na Alemanha, a Associação Internacional de Trabalhadores recomendou aos
trabalhadores a criação de partidos trabalhistas, como forma de reação, ao mesmo tempo em que
os sindicatos assistiam a um rápido crescimento (na Alemanha, eram 300 mil associados em
1892, tornando-se 2,5 milhões em 1913). Assim, por toda a Europa, fortaleceu-se a consciência
de que somente um movimento trabalhista sindical e político forte garantiria uma barreira ao
embate das forças capitalistas burguesas, sendo resultado da atuação do operariado qualquer
intervenção governamental a favor dos trabalhores. Essa consciência resultou de muitos e muitos
anos de luta, física e ideológica, às vezes no próprio meio operário, uma vez que o próprio uso da
greve como força de convencimento precisou ser aprendido pela classe operária.

A leitura conjunta de ambos os autores, e diga-se que com textos bastantes densos, a
exigir leituras prévias, faz saber que, primeiro, o movimento operário possui um local e um
tempo históricos, a Inglaterra da revolução industrial, mas que se dissemina por outros países
além do continente europeu, seja porque as formas de exploração capitalistas se estendem, seja
porque, e talvez principalmente por isso, à medida que se fortalece como movimento de um
coletividade, o operariado percebe que a solidariedade de classe é que torna forte o movimento.
Por isso a frase na abertura da Primeira Internacional (“operários do mundo inteiro, uni-vos!”)
soa como um lema ao mesmo tempo que é a palavra-síntese desse momento.
Os operários, nesse percurso, tiveram de aprender também a enfrentar suas disputas
internas, às vezes aparentemente resultantes das diferenças na qualificação da mão de obra (o
que podia significar diferenças materiais), além de aprender a se revigorar dos enfrentamentos,
que na maioria das vezes eram verdadeiros massacres, como mortes, prisões, exílios.
Especialmente, tiveram de saber avançar aos poucos, como quando conseguiram uma jornada de
trabalho menor, porém ainda muito extenuante, de doze horas diárias para adolescentes entre
treze e dezoito anos. Um aprendizado histórico e de que necessitamos neste momento presente
brasileiro de perda de direitos individuais e sociais.

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