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Aristóteles: a política, a ética e a cidade.

Prof. Dr. Joaquim José de Moraes Neto

RESUMO: Nossa análise parte do conceito de o(rmh/. Entendemos que esse conceito
entendido como impulso ou uma ação impetuosa seja um primeiro impulso para a
realização da koinonia. O que definiria a cidade tem por base o conceito de harmonia
inerente a o(rmh/. Essa idéia está apoiada na concepção de proporcionalidade. A politéia é
uma determinada ordem entre os habitantes da cidade. Esta ordem é o governo (Política
1278 b). O governo só é possível através da constituição, que por sua vez tem como função
dizer quem participa do gerenciamento da lei ou quem delibera e organiza a sociedade. A
cidade é ação organizada segundo uma hierarquia que é construída pela constituição.

PALAVRAS-CHAVE: Aristóteles, política, constituição, ética, natureza.

Quais são os traços que, segundo Aristóteles, formam uma


cidade? Eis aqui a questão de fundo que pretendemos desvendar. Talvez o
tempo e o espaço nos sejam pequenos, mas tentaremos expor os
principais elementos presentes no pensamento de Aristóteles.
Já sabemos que a cidade é uma koinonia1 para Aristóteles, ou seja
é um lugar onde habita aquilo que se designa em grego como sendo
o(rmh/. Vamos nos deter um pouco neste substantivo grego. A palavra
geralmente é traduzida por impulso, mas também pode ser entendida por
ataque, assalto. O importante neste caso é este substantivo grego se forma
a partir do verbo o(rmaw ou ainda de o(rmai/nw. São dois verbos que
na sua forma transitiva expressam a idéia de colocar em movimento,
impelir, desencadear uma ação, pode ainda nos dar a idéia de algo que se
agita no espírito em forma de meditação ou desejo. Em todo caso, aquilo
que podemos compreender é que o(rmh/ designa uma espécie de ação
impetuosa e ardorosa no sentido de ser o primeiro passo em direção à
realização de algo. É o impulso que leva os homens uns em direção aos
outros. Este impulso caracteriza a koinonia aristotélica. A cidade,

1
A expressão vem de koino/j ou seja: aquilo que é comum, público, é o contrário de i)/dioj (próprio,
particular, separado, isolado). Segundo Chantraine (Dictionnaire étymologique de la langue grecque, ed.
Klincksieck, Paris, 1968) o ático koinwni/a designa a comunidade, o companheiro, o companheiro que
participa associado.
2

portanto, é uma comunidade que responde ao impulso natural da


sociabilidade natural, tanto aos homens quanto a outros animais.2
Tanto Ehremberg3 quanto Glotz4 ou outros historiadores5 referem-
se à cidade como sendo o produto de uma evolução que leva o homem a
passar de uma vida dupla (estágio anterior às organizações clânicas tipo
phatriai) a uma existência política plena, passando pelos estágios do clã
patriarcal (patriai ou genos) e da aldeia. Muito embora seja indicado que
uma das características essenciais da polis seja o aspecto territorial em
sua dimensão de identidade política ou de dimensão espacial do poder
político, é bom lembrar que todas as comunidades humanas possuem uma
finalidade econômica. A organização social do genos, por exemplo, nos
permite verificar o cumprimento de tarefas sociais elementares: é a aldeia
que regulará as trocas comerciais entre famílias, permitindo a ampliação
das necessidades materiais entre os homens.6
As comunidades são formadas são formadas em função daquilo
que parece bom ao viver do homem. Se o homem tem capacidade de
estabelecer fins para suas ações é de se considerar que a vida comunitária
não surja de cálculo ou de um projeto determinado pelo homem. Assim
como um instinto leva os sexos a se agruparem em função da procriação,
um tendência ou impulso leva as comunidades mais simples a se
organizarem em famílias, em aldeias, etc. Com isso asseguram a
satisfação de suas necessidades. A comunidade escapa desse esquema de
espontaneidade. Isso acontece porque é a natureza que persegue seu
próprio fim. O esquema é rompido, pois utilizamos a inteligência humana
como meio para conseguirmos um determinado fim.

2
É de se considerar que na História dos animais Aristóteles fala sobre o assunto. Resumindo poderíamos
dizer que ele faz uma oposição entre dois tipos de animais: os gregários que vivem em rebanhos e os
solitários. Os homens podem ser gregários e solitários. Estes dois tipos de animais podem ainda se dividirem
entre aqueles que possuem uma vida social (politika) e aqueles que viem de modo esparso (sporadika). O que
diferencia a vida social do simples gregarismo é a participação numa ação comum. O homem, no entanto é o
único que pode chegar a uma forma perfeita e mais elevada da vida social, pois ele possue vida política.
3
Ehremberg, V.; L’Etat grec, ed. Maspero, Paris, 1982.
4
Glotz, G.; La cité grecque, ed. Albin Michel, Paris, 1968.
5
Cf. Schachermeyr, F.; La formation de la cité grecque, in. Diògene, no. 4, 1953, pp. 22-39
6
Política I, 1257 a 22
3

A satisfação das necessidades não é o único fim marcado no ser


humano pela natureza. O homem liga-se a seus semelhantes não sómente
pelo interêsse, mas também por prazer. O homem é o que há de mais
agradável ao homem.7 Isto significa que para Aristóteles não podemos
partir de um indivíduo separado e sim de um homem que já possui
relações com outros homens. Portanto desde o início da organização
comunitária, os homens experimentam as vantagens materiais e afetivas
que é a companhia dos outros traz.8
A partir deste argumento podemos considerar que a comunidade
organizada, inicialmente, é determinada por uma finalidade superior ao
seu objetivo econômico. Nos deparamos com este tipo de argumento na
Economia de Aristóteles (I, 1343 b) onde ele nos diz que o lar é o lugar
onde apreciamos e gozamos a vida. Esta situação será denominada como
o gozo dos esposos. Este gozo só é possível porque o casal está ligado
tanto pela atração sexual e assistência recíproca, quanto pelas relações de
justiça. O que cria ou gera o lar e a polis é o colocar em comum os
valores úteis e justos da vida.9
O estágio evolutivo da koinonia que passa pelas dimensões da
aldeia alarga as relações entre as pessoas, mas não altera sua natureza.
Mas, no entanto, inicia o processo gerador dos primeiros contratos
regulamentando as trocas e organizando os primeiros costumes coletivos.
Isto terminará por consolidar uma vida política que terá sua expressão na
formação do patriarcalismo real grego.10
A cidade possui uma finalidade: a de possuir vida plena e
independente ou autárquica. Esta finalidade ética da cidade só poderá ser
conhecida através da vivência em comum. Mas, pode ser que existam

7
Ética a Eudemo 1237 a 28-29.
8
VERGNIÈRES, S.; Éthique et politique chez Aristote, Pais, PUF, 1995.
9
Política 1253 a 18.
10
Ibid. 1252 b 20. É de se notar que o chefe do genos obedece a uma designação precisa: é o descendente, por
via masculina, mais direto do antepassado divino e, dessa maneira, traz nas veias o sangue mais puro. É o
sacerdote do deus que ele encarna, preside a todas as cerimônias que reúnem os gennetai em torno do lar,
dispõe de poder absoluto sobre sua mulher a quem pode repudiar, vender ou matar, sem ter que justificar-se;
dispõe de ilimitada autoridade sobre os membros de seu grupo. Cf. GLOTZ, G.; op. cit. p. 6.
4

homens que não enxergam esta dimensão ética. Estes homens vivem na
cidade sem perceber a ética da koinonia e só enxergam as vantagens
materiais que podem extrair da vida em comum. Mas, Aristóteles diz que
o homem se forma para permitir viver e a cidade permite, já que existe, o
bem viver.11
Diante disto devemos perguntar qual é a significação desta cidade
mostrada como comunidade natural que se constrói tendo em vista o bem
viver? Do interior desta pergunta vemos aparecer o argumento do
organicismo aristotélico. Através dele a cidade é comparada a um
organismo vivo. Este argumento é importante pois dele depende a
inteligibilidade das relações entre o cidadão e a cidade. Afinal, pode ou
não existir uma compreensão médico-biológica da política e da cidade?
Em que consistiria isto?
Num primeiro momento podemos detectar na página 1253a da
Política onde Aristóteles diz que fora da cidade o homem é um animal
selvagem ou um deus, como as mãos e os pés dos cadáveres não são mais
verdadeiras mãos nem verdadeiros pés. O desenvolvimento de uma parte
do corpo da cidade é semelhante aos desarranjos que um pé muito grande
pode trazer para o resto do corpo. Se, porventura, houver transformações
constantes tanto o animal quanto o regime político poderá sofrer
transformações e mudar de espécie. Num outro trecho onde fala da
educação do Estado Aristóteles invoca argumento semelhante quando diz
que “não se deve crer que cada cidadão pertence a si mesmo, mas que
todos pertencem à cidade, porque cada um é parte dela” ( poiei=sqai kai\
th\n a)/skhsin. a(/ma de\ ou)de\ xrh\ nomi/zein au)to\n au(tou=
tina ei)=nai tw=n politw=n, a)lla\ pa/ntaj th=j po/lewj, mo/rion
ga\r e(/kastoj th=j po/lewj: h( d' e)pime/leia 1337 a 27-29). É por
isso que podemos encontrar nos laços familiares o paradigma dos laços
políticos.12 Num trabalho editado em 1984 V. Goldschmidt afirmará que a
noção de autarquia significa a participação da cidade na ordem das coisas

11
Ibid. 1252 b 29-30
12
Ética a Nicômaco 1161 b 30-33
5

naturais, portanto a autarquia não é conceito jurídico, nem político, mas


sim um conceito biológico.13
Numa outra passagem da Política (1290 b 25 ss.) podemos ver
uma classificação de espécies onde cada uma delas é constituída por
órgãos que realizam uma determinada função. Aristóteles adaptará esta
metodologia à constituição da cidade, determinando que ao conhecer a
natureza e o lugar de cada parte (ou órgão) na corporalidade da polis,
temos condições de caracterizar os diferentes regimes políticos.
Um terceiro momento pode ser reconhecido quando Aristóteles
refere-se à formação da cidade a partir da união entre homem e mulher. A
maturidade biológica assemelha-se ao amadurecimento político. Assim
como o animal se mostra quando seu processo de maturação está
completo, assim também acontece no mundo político. A natureza política
da comunidade só se torna lúcida na polis. A polis (cidade) apresenta-se
num processo de desenvolvimento natural que acontece espontaneamente
a partir de sua matéria, porque tem em si, potencialmente, aquilo em que
vai se transformar.
Um quarto momento da compreensão médico-biológica da política
aristotélica pode ser visto na figura do médico que deve salvar a cidade,
restaurando o equilíbrio de seu corpo. Esta imagem do médico é muito
comum na cultura grega. Podemos encontrá-la tanto entre os sofistas
quanto em Platão.
No entanto, ao realizarmos esta aproximação médico-biológica
temos que considerar que Aristóteles não transforma a comparação em
realidade. Podemos utilizar a comparação como um modelo, mas não
podemos definir a realidade a partir da comparação. No De anima14,
Aristóteles nos mostra três gêneros de seres vivos: as plantas, os animais
e os homens. Em nenhum momento ele compara estes gêneros a um
organismo social, pois o animal pode gerar outro animal, mas uma cidade
não pode gerar uma outra cidade. A comparação metafórica é criada a
13
Le concept d’autarcie in. Écrits t. 1, ed. Vrin, Paris, 1984.
14
De anima 415 a
6

partir de uma analogia e não a partir do princípio de identidade. Aquilo


que, eventualmente, identifica a cidade em sua natureza é um argumento
que existe no início da Política15: trata-se da auto-suficiência da cidade.
Este tema precisa ser estudado a partir da conceituação da cidade como
natureza. Se podemos contestar o caráter biológico da cidade, podemos
também matizar a idéia de seu caráter natural. Neste momento de nossa
argumentação faz-se necessário lançarmos mão de uma passagem da
Física. Nessa passagem diz-se que os seres naturais são vistos como
“seres tendo em si como tendo um impulso (o(rmh) natural em direção à
mudança. Nossa argumetação vai ao encontro do argumento com o qual
iniciamos este artigo. Trata-se do conceito de koinonia que se delineia a
partir de um indeterminado lugar onde habita a ação impetuosa (o(rmh/)
em direção à realização de algo. É, portanto, algo que define os seres
como tendo em si um princípio de movimento e repouso (Física 192 b
13-14) e também como tendo um impulso natural direcionado para uma
situação de mudança (Física 192 b 18). Neste sentido podemos constatar
que Aristóteles não faz referência à cidade quando fala dos seres naturais.
Mas a cidade existe por natureza.
Sob a ótica aristotélica a criação da cidade é um impulso natural
inerente ao homem. Mas, este impulso não significa que a cidade se
produza pelo simples poder da natureza. A gênese da cidade significa
antes de qualquer coisa, que houve uma ruptura na maneira como se
formam as comunidades animais. Na Política encontramos uma passagem
(1252 b 13) onde ele diz que o “lar se forma (synestekuia –
sunejthkui=a) segundo a natureza para a vida”. Originalmente o texto
nos diz o seguinte: . h( me\n ou)=n ei)j pa=san h(me/ran
sunesthkui=a koinwni/a kata\ fu/sin oi)=ko/j e)stin. A
expressão sunesthkui=a koinwni/a kata\ fu/sin nos apresenta o
substantivo koinonia ligado ao verbo formar, estabelecer. Esta ligação
não ocorre por acaso. Sua significação acaba por se definir na fórmula

15
Política 1253 a 29 ss.
7

kata physin (segundo, conforme a natureza). Sabemos que a preposição


grega kata\ junta ao acusativo pode significar segundo a ou então
conforme a. Por sua vez na Política 1253a 30 vemos que “aquele que em
primeiro instituiu (formou) a cidade (o( de\ prw=toj susth/saj) foi a
causa de grandes bens)). Nas duas passagens que citamos, Aristóteles faz
uso do mesmo verbo (su/nistanai). O verbo significa para Aristóteles
formar, instituir, estabelecer.
O fato é que no texto aristotélico existe um termo que indica o
emprego do verbo su/nijqanai. Trata-se da palavra “primeiro”
(prw=toj). Por um lado Aristóteles emprega o verbo designando o
resultado de uma ação passada; gramaticalmente seria a utilização do
perfeito. Mas, o que nos interessa é a utilização do verbo como uma ação
que demonstra o momento presente na sua forma específica, daí a
utilização de protos (primeiro). Aristóteles utiliza o aoristo que demonstra
uma ação precisa que é especificada pela palavra ‘primeiro’. A relação
que existe entre primeiro (grego) e a te/xnh/ (cf. Metafísica 981 b 13)
nos faz crer que a gênese da cidade teve que passar por etapas naturais
donde a criatividade e a intervenção do homem teve um papel importante.
Assim sendo, a cidade é por natureza porque é ato do próprio homem.
Ato que tem origem na sua natureza política (realização de sua essência).
A polis existe por natureza porque ela permite o homem realizar sua
natureza. Nós sabemos que para Aristóteles a te/xnh/ realiza o que a
natureza é incapaz de levar a termo (cf. Física 199a 16). A te/xnh/ não é
natureza. Ela é uma seqüência do movimento da natureza. Ela existe para
aperfeiçoá-lo. Os objetos criados através da te/xnh/ possuem um fim
que define sua adaptação a este fim. Mas, se a polis é o resultado de uma
arte (conseqüentemente da intervenção humana) podemos considerar sua
finalidade natural. A polis não é uma “construção” artificial. Nem tudo
que é uma criação técnica é artificial. Assim, poderíamos perguntar: o que
é uma cidade?
8

A cidade ou polis não pode ser vista a partir, unicamente, da noção


de indivíduo ou de um ajuntamento desordenado de pessoas. Aristóteles
recusa a idéia platônica de estado-indivíduo ou a idéia de contrato que
regula as relações econômicas e sociais.16 Adota-se a idéia de comunidade
(koinonia), onde temos a concepção de uma diversidade de partes que se
organizam segundo uma determinada ordem e hierarquia.
A idéia de organização comunitária que definiria a cidade tem por
base o conceito de harmonia. Aristóteles aceita justificar a cidade a partir
da concepção de proporcionalidade.17 A politéia é uma determinada
ordem entre os habitantes da cidade. Esta ordem é o governo (Política
1278 b). O governo só é possível através da constituição, que por sua vez
tem como função dizer quem participa do gerenciamento da lei ou quem
delibera e organiza a sociedade. A cidade é ação organizada segundo uma
hierarquia que é construída pela constituição. Esta ação tem como
finalidade o bem comum daqueles que governam e dos governados.
Temos, portanto, que reconhecer a concepção de cidade enquanto
organização hierarquizada. Esta organização nos é demonstrada nas
passagens onde Aristóteles fala da arte e do coro musical, onde cada
personagem exerce seu papel em vista da harmonia.18 Esta concepção
organizada da cidade é uma comunidade de cidadãos. A noção de
cidadania em Aristóteles não tem como objetivo a determinação de cada
um ocupando e exercendo seu lugar na sociedade segundo uma
hierarquia. Ele troca o conceito de hierarquia pelo de igualdade. A relação
política acontece entre semelhantes (Política 1328 a 36). Esta comunidade
supera a condição artesanal ou o modelo associativo dos sofistas. Seu
objetivo é a amizade política (Ética a Nicômaco 1167 a 22) ou homonoia
que é a capacidade de deliberar e de agir em comum.
O modelo que detectamos em Aristóteles afasta-nos de uma
concepção política onde os cidadãos vivem em estado de subordinação a

16
Política 1280 b 8-11. O mesmo argumento é utilizado por VERGNIÈRES, S. in. op. cit. p. 158
17
Sobre o conceito de harmonia e proporção cf. De anima 407 b – 408 a, Política 1284 b, 1274 b, 1276 b.
18
Política 1276 b, 1263 b.
9

uma autoridade. A cidade não é o Estado19, mas sim os cidadãos.


Pertencer à polis é agir como cidadão com cidadãos. A cidade como
comunidade política é muito mais coisa comum do que ato comum. Ela, a
cidade, se organiza em função das ações participativas de semelhantes
que encontram uma justa proporção de interesses. Agir em conjunto como
um bloco único não é expressão de cidadania. O ato institucional que
origina a constituição e todo corpo jurídico que a constitui não é
independente, ele só pode ser uma realidade quando é respeitado por
ações cívicas e políticas que lhe dão estatuto de realidade. Mas, qual o
meio através do qual isto pode se tornar realidade?
A resposta é encontrada em Política 1263b 36-37 quando
Aristóteles referindo-se à educação diz que é “preciso conduzir, graças à
educação, a cidade a ser comum e uma” (w(/sper ei)/rhtai
pro/teron, dia\ th\n paidei/an koinh\n kai\ mi/an poiei=n:
kai\ to/n ge me/llonta paidei/an ei)sa/gein). Só a (paidei/an)
é que permite formar e fortificar uma comunidade. Assim é que os
cidadãos serão capazes de viver segundo a felicidade. Podemos, então,
dizer que a cidade é uma comunidade verdadeiramente política quando
for ética. Temos dois aspectos que estão entrelaçados: o primeiro é o
cidadão que realiza sua tarefa onde pode dar provas de suas qualidades e
experimentar a felicidade por ele construída no seio da koinonia; o
segundo é que o homem é um animal doméstico (Ética a Eudemo 1242 a
23) e isto significa que ele deve gozar de todos os bens que a vida privada
pode lhe oferecer.
Finalizando pode-se dizer que não se faz política sem ética. A
afirmação pode parecer óbvia, mas se olharmos os subterfúgios e os
subterrâneos do poder constataremos a necessidade de repensar a política

19
Poucas palavras são tão frequentemente empregadas como o termo cidade, a consequência disto é a
banalização semântica da palavra. J. Quartim de Moraes em seu livro Epícuro (ed. Moderna, SP, 1998) traz
uma nota que esclarece o assunto. Diz ele que traduzir polis somente por estado no sentido único de
comunidade de cidadãos não é correto. Polis tem um duplo sentido: societário enquanto significa
comunidade de cidadãos e também estatal enquanto significa organização do poder e das relações políticas
entre os cidadãos. “Era uma comunidade urbana detentora do poder político. Diz Quartin: “Traduzir somente
por estado mutila o componente societário, explícito na fórmula koinonia politikê (comunidade política)...”
10

nos dias de hoje. Política e cidade estão em relação constante, na medida


que construímos e organizamos a vida social. A cidade não é uma forma
natural ou biologicamente viva, tampouco é um artefato que construímos
artificialmente através de contratos. Nós aprendemos com Aristóteles que
a cidade é um ato que comprova um gênero de vida. Quando Aristóteles
escreveu a História dos animais20 ele vislumbrava que a vida social ou
política é uma maneira de viver e de agir em conjunto de certas espécies,
mas não o advento de novos tipos de organização. 21 Toda cidade deve ser
solidamente organizada para que aí possa existir uma economia, uma
política que sejam éticas e que se revertam para o bem comum em forma
de educação, saúde, alimentação, moradia, segurança, etc. Enquanto os
homens forem capazes de compreender isto eles poderão subsistirem
juntos.

BIBLIOGRAFIA

1) ARISTÓTELES, Política, ed. Oxford Press, London, 1957.


2) _____________, Ethica Eudemia, ed. Oxford Press, London, 1991.
3) _____________, Eudemian Ethics, ed. Cambridge University, Loeb
Classical Library, London, 1935.
4) _____________, Nicomachean Ethics, ed. Cambridge University, Loeb
Classical Library, London, 1990.
5) _____________, Physique, ed. Belles Lettres, Paris, 1952-1956.
6) _____________, De l’âme, ed. Belles Lettres, Paris, 1966.
7) _____________, Metafísica, ed. Oxford Press, Oxford Classical Texts,
London, 1973.
8) GOLDSCHIMIDT, V.; Le concept d’autarcie in. Écrits t. 1, ed. Vrin, Paris, 1984.
20
Cf. 487 b
21
VERGNIÈRES, S. op. cit. p. 161
11

9) EHREMBERG, V.; L’Etat grec, ed. Maspero, Paris, 1982.

10) GLOTZ, G.; La cité grecque, ed. Albin Michel, Paris, 1968.

11) SCHACHERMEYR, F.; La formation de la cité grecque, in. Diògene, no. 4, 1953,
pp. 22-39.

12) VERGNIÈRES, S.; Éthique et politique chez Aristote, Pais, PUF, 1995.
13) TORDESILLAS A. e AUBENQUE, P.; Aristote politique. Études sur la politique
d’ Aristote, ed. PUF, Paris 1993.
14) AUBENQUE, P.; Politique et éthique chez Aristote, in. Ktema, no. 5, Strasbourg,
1980, pp. 211-221. (obs. O presente número da revista Ktema saiu com o título
“Autour de la politique d’ Aristote”).
15) BONITZ, H.; Index Aristotellicus, ed. Akademische Druck und Verlagsanstalt,
Leipzig, 1955.
16) CHANTRAINE, P.; Dictionnaire étymologique de la langue grecque, ed.
Klincksieck, Paris, 1968.

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