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Aristóteles A Política e A Cidade1
Aristóteles A Política e A Cidade1
RESUMO: Nossa análise parte do conceito de o(rmh/. Entendemos que esse conceito
entendido como impulso ou uma ação impetuosa seja um primeiro impulso para a
realização da koinonia. O que definiria a cidade tem por base o conceito de harmonia
inerente a o(rmh/. Essa idéia está apoiada na concepção de proporcionalidade. A politéia é
uma determinada ordem entre os habitantes da cidade. Esta ordem é o governo (Política
1278 b). O governo só é possível através da constituição, que por sua vez tem como função
dizer quem participa do gerenciamento da lei ou quem delibera e organiza a sociedade. A
cidade é ação organizada segundo uma hierarquia que é construída pela constituição.
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A expressão vem de koino/j ou seja: aquilo que é comum, público, é o contrário de i)/dioj (próprio,
particular, separado, isolado). Segundo Chantraine (Dictionnaire étymologique de la langue grecque, ed.
Klincksieck, Paris, 1968) o ático koinwni/a designa a comunidade, o companheiro, o companheiro que
participa associado.
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É de se considerar que na História dos animais Aristóteles fala sobre o assunto. Resumindo poderíamos
dizer que ele faz uma oposição entre dois tipos de animais: os gregários que vivem em rebanhos e os
solitários. Os homens podem ser gregários e solitários. Estes dois tipos de animais podem ainda se dividirem
entre aqueles que possuem uma vida social (politika) e aqueles que viem de modo esparso (sporadika). O que
diferencia a vida social do simples gregarismo é a participação numa ação comum. O homem, no entanto é o
único que pode chegar a uma forma perfeita e mais elevada da vida social, pois ele possue vida política.
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Ehremberg, V.; L’Etat grec, ed. Maspero, Paris, 1982.
4
Glotz, G.; La cité grecque, ed. Albin Michel, Paris, 1968.
5
Cf. Schachermeyr, F.; La formation de la cité grecque, in. Diògene, no. 4, 1953, pp. 22-39
6
Política I, 1257 a 22
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7
Ética a Eudemo 1237 a 28-29.
8
VERGNIÈRES, S.; Éthique et politique chez Aristote, Pais, PUF, 1995.
9
Política 1253 a 18.
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Ibid. 1252 b 20. É de se notar que o chefe do genos obedece a uma designação precisa: é o descendente, por
via masculina, mais direto do antepassado divino e, dessa maneira, traz nas veias o sangue mais puro. É o
sacerdote do deus que ele encarna, preside a todas as cerimônias que reúnem os gennetai em torno do lar,
dispõe de poder absoluto sobre sua mulher a quem pode repudiar, vender ou matar, sem ter que justificar-se;
dispõe de ilimitada autoridade sobre os membros de seu grupo. Cf. GLOTZ, G.; op. cit. p. 6.
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homens que não enxergam esta dimensão ética. Estes homens vivem na
cidade sem perceber a ética da koinonia e só enxergam as vantagens
materiais que podem extrair da vida em comum. Mas, Aristóteles diz que
o homem se forma para permitir viver e a cidade permite, já que existe, o
bem viver.11
Diante disto devemos perguntar qual é a significação desta cidade
mostrada como comunidade natural que se constrói tendo em vista o bem
viver? Do interior desta pergunta vemos aparecer o argumento do
organicismo aristotélico. Através dele a cidade é comparada a um
organismo vivo. Este argumento é importante pois dele depende a
inteligibilidade das relações entre o cidadão e a cidade. Afinal, pode ou
não existir uma compreensão médico-biológica da política e da cidade?
Em que consistiria isto?
Num primeiro momento podemos detectar na página 1253a da
Política onde Aristóteles diz que fora da cidade o homem é um animal
selvagem ou um deus, como as mãos e os pés dos cadáveres não são mais
verdadeiras mãos nem verdadeiros pés. O desenvolvimento de uma parte
do corpo da cidade é semelhante aos desarranjos que um pé muito grande
pode trazer para o resto do corpo. Se, porventura, houver transformações
constantes tanto o animal quanto o regime político poderá sofrer
transformações e mudar de espécie. Num outro trecho onde fala da
educação do Estado Aristóteles invoca argumento semelhante quando diz
que “não se deve crer que cada cidadão pertence a si mesmo, mas que
todos pertencem à cidade, porque cada um é parte dela” ( poiei=sqai kai\
th\n a)/skhsin. a(/ma de\ ou)de\ xrh\ nomi/zein au)to\n au(tou=
tina ei)=nai tw=n politw=n, a)lla\ pa/ntaj th=j po/lewj, mo/rion
ga\r e(/kastoj th=j po/lewj: h( d' e)pime/leia 1337 a 27-29). É por
isso que podemos encontrar nos laços familiares o paradigma dos laços
políticos.12 Num trabalho editado em 1984 V. Goldschmidt afirmará que a
noção de autarquia significa a participação da cidade na ordem das coisas
11
Ibid. 1252 b 29-30
12
Ética a Nicômaco 1161 b 30-33
5
15
Política 1253 a 29 ss.
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Política 1280 b 8-11. O mesmo argumento é utilizado por VERGNIÈRES, S. in. op. cit. p. 158
17
Sobre o conceito de harmonia e proporção cf. De anima 407 b – 408 a, Política 1284 b, 1274 b, 1276 b.
18
Política 1276 b, 1263 b.
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Poucas palavras são tão frequentemente empregadas como o termo cidade, a consequência disto é a
banalização semântica da palavra. J. Quartim de Moraes em seu livro Epícuro (ed. Moderna, SP, 1998) traz
uma nota que esclarece o assunto. Diz ele que traduzir polis somente por estado no sentido único de
comunidade de cidadãos não é correto. Polis tem um duplo sentido: societário enquanto significa
comunidade de cidadãos e também estatal enquanto significa organização do poder e das relações políticas
entre os cidadãos. “Era uma comunidade urbana detentora do poder político. Diz Quartin: “Traduzir somente
por estado mutila o componente societário, explícito na fórmula koinonia politikê (comunidade política)...”
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BIBLIOGRAFIA
10) GLOTZ, G.; La cité grecque, ed. Albin Michel, Paris, 1968.
11) SCHACHERMEYR, F.; La formation de la cité grecque, in. Diògene, no. 4, 1953,
pp. 22-39.
12) VERGNIÈRES, S.; Éthique et politique chez Aristote, Pais, PUF, 1995.
13) TORDESILLAS A. e AUBENQUE, P.; Aristote politique. Études sur la politique
d’ Aristote, ed. PUF, Paris 1993.
14) AUBENQUE, P.; Politique et éthique chez Aristote, in. Ktema, no. 5, Strasbourg,
1980, pp. 211-221. (obs. O presente número da revista Ktema saiu com o título
“Autour de la politique d’ Aristote”).
15) BONITZ, H.; Index Aristotellicus, ed. Akademische Druck und Verlagsanstalt,
Leipzig, 1955.
16) CHANTRAINE, P.; Dictionnaire étymologique de la langue grecque, ed.
Klincksieck, Paris, 1968.