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Navegantes, bandeirantes, diplomatas – Synesio Sampaio

Capítulo V – Bandeirismo: A superação de Tordesilhas


5.1 Entradas ou bandeiras
É corrente diferenciar os dois termos entendendo que entradas foram as expedições
organizadas pelo Governo e “bandeiras” as incursões de caráter puramente particular. Essa
dicotomia, entretanto, não é mais aceita, eis que ficou provado que, em muitos casos,
confundem‑se a participação do poder público com a da iniciativa privada.
Afirma o autor que tampouco merecem respaldo as diferenciações que consideravam
entradas os pequenos grupos que percorriam os sertões à procura de pedras e metais preciosos e
bandeiras os grandes corpos que guerreavam e escravizavam índios.
Aponta que muitos historiadores sequer efetuam essa divisão, generalizando as entradas
e bandeiras como movimento comum.
Elucida, todavia, que os historiadores contemporâneos tendem a utilizar o vocábulo
“entrada” para designar: a) na costa leste, as campanhas geralmente oficiais de conhecimento da
terra e pesquisa de metais preciosos, especialmente as do século XVI, que tiveram como origem
as várias povoações litorâneas, Porto Seguro, Salvador e Olinda em especial; b) na costa norte,
as expedições fluviais do século XVII que, depois da fundação de Belém, foram desbravando as
margens dos grandes rios da Amazônia.
A palavra “bandeira”, de outra sorte, ficaria, pois, reservada para o mais duradouro e o
mais importante conjunto de ações de devassamento do sertão: o que teve por cenário a
Capitania de São Vicente (Capitania de São Paulo a partir de 1681), que, em certa época,
chegou a abranger o Sul e o CentroOeste do Brasil; e, por foco irradiador, o povoado de São
Paulo de Piratininga.
5.2 Focalizando o movimento
Apesar da importância da utilização dos rios para a formação e unidade territorial do
Brasil, notadamente o Rio Tietê e o São Francisco, hoje em geral é aceito pelos historiadores
que as bandeiras foram um movimento basicamente terrestre, normalmente utilizando antigas
trilhas indígenas ou novas picadas abertas nas matas e nos campos. Os rios, em que pese serem
pontos de referência, eram normalmente obstáculos a serem ultrapassados, sendo que o
deslocamento fluvial não era muito utilizado no início das bandeiras e só no século XVIII, com
as monções, os rios do percurso entre São Paulo e Cuiabá tornamse uma transitada entrada
fluvial.
O bandeirismo de apressamento de índios voltou-se menos ao abastecimento de mão de
obra para os engenhos de açúcar e mais às necessidades da agricultura da região em torno de
São Paulo. Inicialmente os brancos se aproveitavam das guerras tribais para fazer escravos, com
o tempo, entretanto, foram assumindo o comando das ações e estendendo suas atividades cada
vez mais longe da sede. Alcançavam, por exemplo, as missões jesuíticas do Guairá (região de
Foz do Iguaçu), fazendo com que os padres jesuítas deslocassem seus aldeamentos para mais ao
sul e ao Uruguai, mas mesmo assim não ficaram protegidos dos avanços dos paulistas, o que
melhorou a partir de 1640, quando conseguiram a autorização do papa para se armarem e
passaram a ocorrer algumas derrotas de bandeirantes.
5.3 Controvérsias
Uma primeira controvérsia sobre as bandeiras referese ao período da União Ibérica
(15801640), considerado por alguns fundamental para o surgimento e desenvolvimento do
bandeirismo e para a consequente ocupação das terras extra Tordesilhas.
Afirmam estes que nesse período teria ocorrido a remoção do mito jurídico da linha de
Tordesilhas, que era imobilizador e uma exacerbação do mito do ouro, não havendo mais
obstáculos a se chegar ao Eldorado, o que impulsionava o expansionismo.
Para outros, é um erro considerar a União Ibérica como causa importante do movimento
bandeirante, posto que, nesse período, as colônias americanas teriam permanecido tão separadas
quanto eram antes, hipótese que é reforçada por documentos da época, que evidenciam a
manutenção da separação entre as colônias. Na prática, o interior da América do Sul era o
“sertão bravo”, onde ninguém tinha meios para fiscalizar, nem antes da União Ibérica, nem
durante ela, nem depois dela, o cruzamento da fronteira.
Por outro lado, não há como garantir que o bandeirismo teria surgido se não tivesse
havido a União Ibérica. O movimento se iniciou nesse período e, provavelmente, sem a
unificação das coroas, os espanhóis teriam tomado mais providências para defender as
fronteiras. Outrossim, com Portugal independente, os holandeses possivelmente não haveriam
ocupado Pernambuco e feitorias portuguesas na África, fato que, provocando a escassez de
escravos negros, estimulou o bandeirismo de apresamento de indígenas.
Outra controvérsia se verifica em relação ao papel povoador das bandeiras. Como é
cediço, esse movimento levou populações a várias regiões do Brasil, o Sul principalmente, às
cidades históricas de Minas Gerais, quando do ciclo do ouro, bem como rede de povoações
surgidas diretamente da atividade de mineração em Mato Grosso e Goiás, isto é, a oeste de
Tordesilhas, em torno de núcleos como Pirenópolis (Meia Ponte), Goiás Velho (Vila Boa de
Goiás), Cuiabá (Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá) e Vila Bela (Vila Bela da
Santíssima Trindade). Sem os garimpeiros aventurosos dos primeiros tempos, vindos nas
bandeiras descobridoras, e substituídos pouco a pouco, como em Minas, pelos membros de uma
sociedade mais urbanizada, não se pode garantir que seria brasileiro o atual CentroOeste.
Ocorre que, ao lado deste papel povoador, alguns apontam um caráter despovoador,
posto que as bandeiras teriam dizimados os estoques indígenas do vale do Rio Tietê e reduzido
as populações dos povoamentos jesuítas do Guairá, Tapé e Itatim.
Uma última controvérsia, referente à consciência ou não de que com suas ações os
bandeirantes estavam conquistando para Portugal, à custa da Espanha, é a que apresenta menos
consenso. Alguns historiadores defendem que alguns bandeirantes tinham a consciência de que
as regiões que perlustravam sem oposição havia décadas passavam a ser portuguesas, outros
apontam a independência e autonomia dos movimentos face ao governo português.
5.5 a visão ortodoxa
Ao contrário do descrito em alguns livros sobre as bandeiras (suas fábulas e mitos), os
documentos da época, como inventários e testamentos, evidenciam que essa população tinha por
característica a pobreza e modéstia no viver, salvo poucas exceções.
Outra característica marcante é a independência dos bandeirantes em relação a Lisboa,
Salvador ou ao Rio de Janeiro, que pode ser verificada em documentos da administração
colonial que evidenciam a insubmissão dos paulistas. Esta característica pode ser explicada pela
dificuldade de contato com o litoral, tendo em vista as próprias dificuldades de relevo para
alcança-lo, estimulando uma vida autônoma.
Outra característica mencionada detém natureza mais abstrata, seria a atração pelo
sertão, associada à maior miscigenação com os indígenas verificada na região de São Paulo,
com maior absorção de seus costumes no dia a dia, levando alguns a considerarem, inclusive,
que as bandeiras seriam um fenômeno mameluco.
5.6 A dimensão política
Na visão ortodoxa, o bandeirismo é tido como um movimento autônomo, independente
em relação à Metrópole, sem solidariedade com os objetivos do governo português. Entretanto,
alguns historiadores conseguem verificar a presença dos interesses de Portugal no bandeirismo,
a exemplo da atuação de Raposo Tavares, que sempre teria mantido laços com a Coroa
Portuguesa.
Não implica em considerar que a geopolítica seja a causa de todas as bandeiras; mas não
se crê, igualmente, que a caça ao índio ou a procura de metais preciosos esgotem os objetivos do
movimento.
Afirma Cortesão que os português teriam adquirido com os Tupi-Guarani a ideia da
base territorial insuficiente, assimilando uma noção de unidade do país (chamado por esses
indígenas de Pindorama), que extrapolava os limites traçados por Tordesilhas.
Esse país era para os Tupi-Grarani uma ilha, limitada pelo encontro de um grande rio do
norte com o rio da Prata em uma lagoa. Nos primeiros tempos, o grande rio do Norte foi
identificado como o Tocantins e, dessa maneira, a lagoa estaria no Planalto Central. Essa visão
da ilha Brasil alongada na direção nortesul e quase totalmente dentro do meridiano das 370
léguas estava, aliás, bem de acordo com a ideia, que persistiu por alguns anos, de que a América
do Sul era bem mais estreita do que é realmente.
Com o decurso do tempo o mito da ilha brasil foi se dilatando para o oeste e o rio do
norte passou a ser identificado não mais como o Tocantins, mas sim com a linha fluvial
Madeira-Amazonas, de modo que a ideia do Brasil foi se ampliando, adquirindo forma
vagamente parecida com a atual.
A fundação de Belém, em 1616, teria sido fundamental para a ampliação da ilha Brasil,
pois “a posse do vastíssimo delta amazônico fez compreender aos portugueses quanto seria
precária a soberania sobre esta área do território brasileiro se o vale amazônico viesse a cair
totalmente em mão dos espanhóis”.
Os portugueses, desde primeiro quartel do primeiro século da colonização, procuraram
moldar sua colônia americana numa forma geográfica orgânica, com fronteiras naturais. Isso era
geralmente conseguido nos mapas deslocandose a foz do Prata para leste, de maneira a incluíla,
com a foz do Amazonas, na área limitada pela linha de Tordesilhas. Esta, por sua vez, era
empurrada para oeste, e quase sempre passava perto de uma divisa natural constituída pelos
cursos norte e sul dos dois grandes rios continentais. Tudo revelando o desejo português de que
a ilha Brasil ficasse inteiramente na sua parte do continente.
Em relação à ação orientadora da Coroa portuguesa sobre o movimento bandeirante, na
verdade ela não transparece das obras dos que estudaram os documentos mais de perto,
predominando o entendimento de que o bandeirismo foi um movimento espontâneo, provocado
basicamente por razões econômicas locais. É possível que algumas bandeiras tenham tido a
finalidade de ocupar espaço, de apossarse de uma região que, de boa ou má fé, acreditavam sua,
todavia, não se comprova que o Governo português tenha organizado uma grande jornada com
esse intuitos, nem que a finalidade das bandeiras era tomar conta da terra.
É certo, pois, que se pode ver uma ilha Brasil em vários mapas antigos; é certo que o
Governo português procurou ocupála com ações diretas, no Prata e no Amazonas e, em alguns
períodos, apoiou os bandeirantes no oeste (como em Mato Grosso, nas décadas anteriores ao
Tratado de Madri, de 1750). Não está provado, entretanto, que as bandeiras paulistas, ou mesmo
algumas delas, tivessem, além de suas finalidades reconhecidas da caça ao índio e da procura de
metais preciosos, o objetivo de conquistar territórios para Portugal. Motivação política,
portanto, não; o que não quer dizer que as bandeiras não tenham tido imensas consequências
políticas.
5.7 Julgamentos
Do bandeirismo pode-se tirar uma lenda positiva − do herói com escassos meios e seus
grandes trabalhos −e uma lenda negativa −o cruel caçador e suas vítimas indígenas.

Capítulo VI – Rio da Prata: a fronteira desejada


6.2 A colônia da discórdia
Tanto em Lisboa quanto no Rio de Janeiro havia muito interesse em chegar ao Prata. As
justificativa imediatas deste interesse eram ocupar a área livre existente na região (toda a
margem esquerda do prata) e participar do contrabando em Buenos Aires. Soma-se a esses
fatores, um objetivo mais remoto, de criar condições para ulterior conquista de Buenos Aires.
A ocupação da Região foi realizada mediante armada de D. Manuel Lobo, que em 1680
deu início às primeiras construções da Nova Colônia do Santíssimo Sacramento, na margem
oposta a Buenos Aires. A armada foi atacada pelos espanhóis, que mataram e aprisionaram os
portugueses lá presentes, ocorrendo a primeira ocupação espanhola da Colônia. Portugal
conseguiu a restituição da praça no ano seguinte, de forma provisória, sendo que a arbitragem
papal deveria esclarecer quem tinha direito sobre o local, o que jamais ocorreu.
Em 1704 aconteceu o segundo ataque e vitória dos espanhóis em Colônia, com sua
ocupação até 1715, quando o Tratado de Ultrech determinou a restituição da região para
Portugal. Referido tratado devolveu a Portugal, como dizia seu texto, “o território e a colônia”.
As autoridades espanholas de Buenos Aires interpretaram a expressão apenas como a área
coberta por um tiro de canhão, disparado da fortaleza, diferentemente das portuguesas, que
acreditavam que o território da Colônia deveria incluir todas as terras situadas entre a margem
esquerda do rio Uruguai e o litoral, isto é, toda a chamada Banda Oriental (o atual Uruguai).
Os portugueses tentaram fortificar-se no sítio próximo, Montevidéu, mas meses depois
tiveram que abandoná-lo, sendo este ocupado pelos espanhóis que fundaram a cidade de
Montevidéu em 1726.
Aproveitando-se de um incidente que provocou a ruptura das relações diplomáticas,
tropas de Buenos Aires tentaram ocupar pela terceira vez Colônia, não obtendo sucesso.
Falhando a ocupação de Montevidéu, os portugueses estabeleceramse mais ao norte, em
outro ponto intermediário de importância: o escoadouro da lagoa dos Patos, fundando Rio
Grande de São Pedro (hoje apenas Rio Grande), em 1737, origem do Estado do Rio Grande do
Sul.
Em 1750 foi assinado o Tratado de Madri, mediante o qual Portugal trocou a Colônia do
Sacramento pelos Sete Povos das Missões e legalizou a posse das grandes áreas ocupadas, o
CentroOeste e o Norte na atual divisão regional do Brasil. Ocorre que o tratado não foi
integramente cumprido, Portugal não entregou Colônia porque não conseguiu ocupar a Região
dos Setes Povos, em virtude da guerra guaranítica.
Em 1762, os espanhóis tomam pela terceira vez Colônia, para restituíla também pela
terceira vez, no ano seguinte, conforme prescrevia o Tratado de Paris. Em 1776, retomam (a
quarta vez) Colônia, ocupam a ilha de Santa Catarina e a parte sul do atual Estado do Rio
Grande do Sul, inclusive a povoação de Rio Grande.

Capítulo VII – Rio Amazonas: A fronteira conquistada


7.2 A subida de Pedro Teixeira
A fundação de Belém, em 1616 garantiu a ocupação futura da maior parte do Rio
Amazonas e de seus afluentes. O início da ocupação foi difícil, devido à presença de
estrangeiros (holandeses, franceses e ingleses) e de índios hostis. Com os franceses
estabelecidos na Guiana (Caiena foi fundada em 1634) bloqueou-se a expansão no sentido norte,
mas estava livre a entrada pelo Amazonas.
Em 1637 foi realizada a primeira viagem à contracorrente, até Quito, estimulada pela
possibilidade de comércio com os espanhóis do Peru, acesso a uma região na qual haviam
metais preciosos e conquista de terras para Portugal. Havia a ordem de se fundar uma povoação
que marcasse o limite entre as terras portuguesas e espanholas e para tomar posse da enorme
região situada a leste desse ponto, em nome do rei comum da Espanha e de Portugal, mas − o
que era fundamental − para sua Coroa portuguesa. Essas instruções e a proximidade da data de
separação das Coroas ibéricas fazem Jaime Cortesão ver a viagem como ligada à conspiração de
que resultaria a independência de Portugal, em 1640: tratarseia de assegurar a posse da maior
parte do rio Amazonas, antes que se efetivasse a separação, então já prevista e desejada. A
povoação foi fundada em 1639, sendo chamada de Franciscana.
Não conseguiram os portugueses, subindo o Amazonas, manter a fronteira de
Franciscana, mas conseguiram fixála no rio Javari, depois de superarem o obstáculo das
reduções jesuíticas espanholas do Solimões.
7.3 Povoamento
Assegurados alguns pontos básicos da bacia amazônica, percebeu a metrópole que teria
dificuldades em ocupála sem a ajuda da Igreja: “desde os primeiros tempos, verificada a
existência de multidões infinitas de tabas indígenas, das mais variadas famílias, o que permitiu a
impressão de que se estava numa nova Babel, apelou o Estado para a cooperação das Ordens
Religiosas”192. Assim, a partir de 1657, quando jesuítas fundaram seu primeiro
estabelecimento do rio Negro, foram os religiosos criando missões nas margens de vários rios
da bacia do Amazonas.
Acerca da ocupação da Amazônia três fatores merecem destaque: as drogas do sertão,
os índios e os missionários. A obra de catequese religiosa foi fundamental para a ocupação
portuguesa da Amazônia, realizada nas missões, integradas por nacionais e apoiadas pela Coroa,
agiam como representantes dos interesses de Portugal. Mas, sem as “drogas do sertão”, não
haveria base econômica para se estabelecer permanentemente na região. Para completar a
menção aos agentes principais da penetração pelo grande rio e seus afluentes, é necessário citar
os colonos leigos, geralmente mestiços e falantes da língua geral, os droguistas do sertão, às
vezes integrantes das chamadas tropas de resgate (ou tropas de guerra), verdadeiras bandeiras
fluviais voltadas principalmente para a preação dos selvagens.
Cumpre ressaltar, por oportuno, no que toca ao papel do Estado, que a ocupação da
Amazônia não foi apenas consequência da geografia, que proporcionou aos portugueses, após a
fundação de Belém, o acesso à magnífica avenida da penetração e às estradas fluviais dos
afluentes do grande rio; nem foi somente obra dos indivíduos, cujos interesses, espirituais ou
materiais, os levaram a entrar naquele imenso sertão florestal. A conquista da Amazônia teve
sempre, em escalas variáveis no tempo e no espaço − mais nítida no norte, menos no sul − a
orientação e o apoio da Coroa portuguesa.

Capítulo VIII – Monções: a ocupação do oeste


8.1 As monções cuiabanas
Existem diferenças entre o movimento das monções e o das bandeiras. As monções,
diferentemente das bandeiras, eram exclusivamente fluviais, seguiam roteiros fixos e tinham um
único objetivo: chegar às minas de ouro dos rios Cuiabá e Guaporé. A própria sociedade em que
vivia o monçoeiro era já bem diversa daquela que favorecia a existência do tipo individualista e
aventureiro, tão caraterístico da época das bandeiras. Era já uma sociedade que produzia padres,
militares, artesãos e, principalmente, mercadores.
Há, todavia, semelhanças entre os dois movimentos antes de tudo porque são
basicamente movimentos de expansão territorial: as bandeiras levaram ao conhecimento da terra
em várias regiões do Brasil, as monções garantiam o povoamento do centro do continente.
Sérgio Buarque de Holanda vê as monções como as continuadoras das bandeiras. Foram as
monções que consolidaram a posse das terras entre o planalto de Piratininga e os campos e as
florestas do CentroOeste, regiões há muito trilhadas por bandeirantes e que correspondem a boa
parte dos atuais estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rondônia. No início do
movimento, os próprios bandeirantes − seus descendentes mais tarde − eram os tripulantes e os
passageiros das canoas que demandavam Cuiabá.
A vida das monções, que durou mais de cem aos, começa com o descobrimento de ouro
em afluentes do rio Cuiabá, a cerca de 800 m a oeste do meridiano de Tordesilhas. Apesar de
não serem as minas mais abundantes, eram as que mais facilmente se produziam, podendo o
ouro ser recolhido com as próprias mãos, facilidade esta que explica o grande deslocamento
populacional para aquelas regiões, tão distantes dos centros urbanos do Brasil Colônia.
As monções se caracterizam por ser um fenômeno exclusivamente brasileiro, eram
caravanas de canoas que partiam nos meses de abril e maio, quando as aguas estavam cheias
chegando a Cuiabá cerca de 5 meses depois, atravessando um percurso difícil.
Vinculados às monções cuiabanas, há dois episódios de grande importância para a
ocupação do Oeste. Um deles foi a descoberta de ouro em Goiás em 1725, na última bandeira
típica de que se tem notícia. A descoberta preencheu o perigoso vazio populacional que havia no
Planalto Central, ao norte da rota das monções, e justificou a abertura de um caminho terrestre
para Goiás, mais tarde prolongado por mais mil quilômetros até Cuiabá.
O outro episódio importante − que interessa mais do ponto de vista da formação das
fronteiras − foi a descoberta de ouro no rio Guaporé, a cerca de 600 quilômetros a oeste de
Cuiabá, havendo ouro em suas margens. Os garimpeiros dessas franjas pioneiras passaram a
receber da Coroa portuguesa o apoio necessário para se manter na área, que era considerada
castelhana pelos jesuítas espanhóis.
Em 1742, estabeleceuse a ligação fluvial com Belém, pelos rios Guaporé, Madeira e
Amazonas, e, quatro anos depois, criouse a capitania de Mato Grosso, com a determinação de se
fundar um povoado à margem do Guaporé, por razões que hoje chamaríamos geopolíticas. O
tratado de Madri já legalizava a posse da área. O núcleo criado objetivava consolidar a ocupação
do extremo oeste do território nacional, servindo de centro aos vários ajuntamentos mineradores
existentes naqueles confins do Brasil.
8.2 Conflitos de soberania
Não há dúvidas acerca da participação governamental na ocupação do Norte e do Sul. A
fundação de Belém e de Colônia do Sacramento são os padrões que os portugueses colocaram
nas bocas dos dois grandes rios continentais que sempre foram considerados as fronteiras
naturais da colônia.
A conquista do Oeste, é vista como consequência primeiro da exploração das bandeiras
e da posterior fixação desses povos, agora transformados em mineradores, com a descoberta do
ouro na região. Todavia, também se encontram marcos da ação do Estado, embora bem menos
nítidos que no norte e sul.
8.3 As monções do norte
Em 1752, revertendo a política anterior de proibição de navegar das minas do Guaporé
ao Amazonas, baseada meramente em questões fiscais, o Governo português abriu a rota do
Madeira, passando, inclusive a estimular as comunicações entre Vila Bela e Belém. Era a
oficialização das monções do norte, como se chama essa navegação, para diferenciála das
anteriores, antiga mente chamadas de povoado, hoje cuiabanas ou simplesmente monções, sem
adjetivos. Articuladas, ambas as monções navegavam boa parte do contorno fluvial da ilha
Brasil: “A função histórica dessa autêntica estrada fluvial de perto de dez mil quilômetros, que
abraça quase todo o território da América portuguesa” − ensina Buarque de Holanda − “supera a
de qualquer outra linha de circulação natural do Brasil, sem exclusão a do São Francisco,
chamado por alguns historiadores o rio da unidade nacional”.
As condições das monções do norte eram diferentes, as canoas eram maiores e os rios,
mais volumosos, apresentavam menos dificuldades de trajeto que os do sudeste.
A ligação entre o Centro-Oeste e o Norte durante o meio século que se seguiu ao
Tratado de Madri foi importante para a sobrevivência da primeira região, tão distante dos
centros principais da Colônia e com eles tão dificilmente conectada. O período de existência das
monções do norte coincide paradoxalmente com o período de decadência das minas de Cuiabá e
do Guaporé, quando a economia regional passou a assumir seu caráter pastoril, predominante
até há poucas décadas. Sem elas, entretanto, teria sido difícil para Portugal manter o controle
dessa vasta área.

Capítulo IX – O mapa da Colônia


9.1 Madri: um acordo favorável a Portugal?
Relembremos os traços básicos da conquista do território brasileiro. O século XVI, o
primeiro da colonização portuguesa na América, basicamente dedicado à ocupação de pontos
isolados no litoral leste, viu surgirem as entradas pioneiras. O século XVII foi o período das
grandes bandeiras paulistas, trilhando o Sul e o Centro Oeste; foi também a época da fundação
de Belém, das tropas de resgate e das primeiras missões de religiosos portugueses no rio
Amazonas e seus afluentes; em 1680, o Governador do Rio de Janeiro funda a Colônia do
Sacramento, na tentativa de assegurar a fronteira natural do Prata. A primeira metade da
centúria seguinte foi o tempo das “minas gerais”, dos centros mineradores de Goiás e de Mato
Grosso e das monções cuiabanas que ligavam Cuiabá a São Paulo; da consolidação da presença
portuguesa em vários rios da Amazônia e das monções do norte, a navegação entre Vila Bela e
Belém; e, também, das lutas pela posse da Colônia e das tentativas de ocupação do território que
hoje se divide entre o estado do Rio Grande do Sul e o Uruguai.
Embora a Independência ainda tardasse 72 anos, a exata metade do século XVIII, 1750,
é uma boa data para dividir a História do Brasil, atingido o auge, começa a diminuir a produção
aurífera do Brasil; morre D. João V, cujo reinado de 44 anos foi o mais longo da História de
Portugal, e sobe ao trono D. José I, inaugurando, com seu PrimeiroMinistro, o futuro Marquês
de Pombal, a época portuguesa do despotismo esclarecido; completase, com a extinção das
bandeiras paulistas, um ciclo muito importante da ocupação do território brasileiro; e, o que
mais interessa aqui, assinam o Tratado de Madri as potências coloniais.
Ocorre que esse tratado, assinado, ratificado e promulgado em 1750, já em 1761 é
anulado elo Tratado de El Pardo. Retomado quase integralmente, à exceção da fronteira sul,
pelo Tratado de Santo Ildefonso, de 1777, foi de novo anulado em 1801, quando se desfechou
mais uma das muitas guerras peninsulares. Ao se restabelecer a paz, nesse mesmo ano, pelo
Tratado de Badajoz, não se revalidou nenhum acordo anterior.
Durou, portanto, muito pouco para um tratado de limites, tipo de acordo que visa a
soluções permanentes. E, apesar dessa curta vigência formal, é na História do Brasil o texto
fundamental para a fixação dos contornos do nosso território. Fora o Acre; o triângulo formado
pelos rios Japurá, Solimões e a linha Tabatinga Apaporis; e pequenos acertos de fronteiras foi o
Tratado de Madri que legalizou a posse do Rio Grande do Sul, do Mato Grosso e da Amazônia,
regiões situadas a ocidente da linha de Tordesilhas.
Como dividiu um continente, fato sem precedente e sem consequente no Direito
Internacional, ao fixar os limites brasileiros, estava também estabelecendo as lindes terrestres
básicas de todos os dez vizinhos do Brasil.
Historiadores de nacionalidades neutros atribuem ao Tratado de Madri as qualidades de
equilibro e moderação. No Brasil, também há uma tendência de elogiá-lo - Capistrano de Abreu
é a voz divergente, pois acha o acordo injusto pelos êxodos cruentos que determinou (os Sete
Povos). Já especialistas latino americanos realmente veem a avença com antipatia, considerando
o tratado prejudicial às colônias americanas da Espanha e, em consequência, aos países sul-
americanos que nela se formariam.
Pela análise dos mapas atuais de fato tem-se a impressão de que a Espanha cedeu
bastante, mas a explicação para isso é que houve uma compensação global: no Oriente foi a
Espanha quem legalizou a posse de regiões que seriam portuguesas pela divisão de 1494 (e
acordos posteriores), como as ilhas Filipinas e Molucas. Tratouse, portanto, de um acerto
mundial de contas.
9.2 O desconhecido revelado
Alexandre de Gusmão é um português, nascido e criado na colônia americana, que, por
seus conhecimentos específicos e qualidades de estadista, revelouse um articulado e bem
sucedido defensor dos interesses territoriais daquela parte do império luso que mais tarde seria o
Brasil.
9.3 Madri: ocupação e transação
Ao negociarem o Tratado de Madri, dissemos que os portugueses estavam em melhor
posição no terreno, graças à ocupação territorial realizada em terras extraTordesilhas, na
Amazônia e no CentroOeste; mas não no Sul, onde a força estava do lado dos espanhóis
Afora o Prata, o império colonial espanhol na América do Sul estava centralizado em
Lima, tendo outros centros de importância como Quito, Bogotá e Chuquisaca (hoje Sucre)
situados nos andes. A descoberta da mina de Potosi contribui para que boa parte da população
europeia se fixasse nas montanhas, diferente foi a situação de Portugal, que demorou dois
séculos para encontrar metais preciosos em suas possessões. Desse modo, tendo a riqueza de
Potosi, careciam os espanhóis de motivos para se deslocar à Amazonia, ambiente de selva
hostil, tendo se adaptado, outrossim, às formas de vida em altas altitudes. Ademais, desde o
começo da colonização os portugueses haviam se apossado das melhores portas de entrada das
planícies, com as trilhas das bandeiras e rotas das monções. De outra sorte, para os espanhóis
era difícil partir da costa do Pacífico até a Amazônia.
No centro-oeste a situação foi um pouco diversa e os portugueses encontraram certa
resistência espanhola, que estava mais perto da região, no Paraguai, e especialmente com as
missões dos jesuítas, que se chocaram em algumas oportunidades com os bandeirantes. Com o
enfraquecimento da ocupação espanhola na região do atual Paraguai foi facilitada a penetração
das bandeiras.
Foi na região do sul que se deram os conflitos mais importantes e as únicas guerras que
envolveram o Brasil, as do Uruguai e a do Paraguai. Eram antigas as pretensões de Portugal de
chegar até o Prata, mas nunca tiveram os portugueses a capacidade de colonizar a região
intermediária para que Colônia tivesse uma base segura de sustentação; mas a verdade é que não
faltaram esforços de vária índole e que a estes se deve a ocupação do atual Rio Grande do Sul, o
que deu ao território brasileiro uma fronteira sul de boas dimensões na direção leste oeste e
quase natural (rios e elevações).
Existiram duas importantes iniciativas portuguesas para fazer do rio da Prata a divisa
meridional do Brasil. A primeira, teórica, foi uma falsificação geográfica tão convincente, que
se difundiu por outros países europeus, na qual toda a região da foz do Prata foi deslocada para
leste, de tal maneira que ficasse integralmente na parte lusa da divisão de Tordesilhas. Até os
espanhóis, os naturais prejudicados por esse fato, adotaram essa visão. A outra, prática, foi a
política de ocupação do atual sul do Brasil. Antes da fundação de Colônia, foi muito relevante o
estabelecimento do núcleo irradiador de Laguna (1676); depois, houve a fundação, em 1737, da
colônia militar de Jesus, Maria e José (Rio Grande). Igualmente notável foi a grande imigração
organizada pela Coroa, na década de 1740, que previa o transporte de 4 mil casais açorianos
para Santa Catarina e o Rio Grande do Sul. A primeira área ocupada foi o norte da lagoa dos
Patos, onde se desenvolveu, perto da localidade já existente de Viamão, o então chamado Porto
dos Casais. Havia a ideia de que os açorianos ocupassem as Missões, mas a Guerra Guaranítica
impediu que esse desiderato fosse atingido.
Apesar desses esforços, os lusobrasileiros nunca povoaram o atual Uruguai e as duas
ocupações de Colônia, mais o grande cerco de 1735, eram uma claríssima evidência de que os
espanhóis, neste ponto do seu vasto império americano, não cederiam.
9.4 Alexandre de Gusmão
Além das vantagens no terreno, Portugal possuía, ao assinar o tratado de Madri, outros
trunfos, como dois tratados, entre os vários assinados em Utrecht, ao final da Guerra da
Sucessão na Espanha. Um deles, de 1713, assegurou à nação lusa a posse das terras à margem
esquerda do Amazonas até o “Japoc ou Vicente Pinzón” Recordese aqui que, para se conseguir
a conveniente fronteira do Oiapoque, região na verdade só parcialmente ocupada pelos
lusobrasileiros, houve a sorte histórica de os ingleses se aliarem nas negociações aos
portugueses, por não quererem ver os franceses na foz do Amazonas. O outro, de 1715,
devolveu a Portugal a soberania sobre a Colônia do Sacramento.
Nessa época Portugal também contava com um momento de relativa prosperidade
econômica, propiciada pelo ouro brasileiro, estabilidade política ao longo do reinado de D. João
V e conjunturas de alianças pessoais na cúpula dos dois países variáveis aos portugueses. Além
disso, contava Portugal com um servidor público que conhecia como ninguém o problema das
fronteiras brasileiras (menos por lá ter nascido, mais por haver muito estudado) e tinha grande
habilidade diplomática: Alexandre de Gusmão. Ele sabia como era importante para Portugal,
que nessa época já havia perdido para a Inglaterra e a Holanda várias de suas possessões
orientais, assegurarse firmemente da colônia americana, dilatada muito além de Tordesilhas.
Todavia, assinado o Tratado de Madri, sua estrela se apaga com a morte do rei, seu
protetor, e a ascensão de D. José I, com o futuro Marquês de Pombal como Ministro. Vêm agora
os tempos tristes dos ataques ao acordo e da perseguição política. Não sobrevive muito: em
1753 morre − pobre, abandonado, frustrado.
9.5 Ideias criativas
O tratado assinado em 1750 se assenta sobre as seguintes proposições: Portugal ocupou
terras na América, mas a Espanha se beneficiou no Oriente; as fronteiras não mais seriam
abstratas linhas geodésicas, como a de Tordesilhas, mas, sim, sempre que possível, acidentes
geográficos facilmente identificáveis; a origem do direito de propriedade seria a ocupação
efetiva do território; e, em casos excepcionais, poderia haver troca de territórios.
Em que pese uma ou outra opinião em contrário, maior parte dos historiadores concorda
que foi Alexandre de Gusmão o estadista que mais claramente viu a conveniência de se
utilizarem as regras do uti possidetis e das fronteiras naturais para limitar as imensas áreas
coloniais do centro da América do Sul e teve a coragem de, após muitas disputas, aceitar a troca
da Colônia do Sacramento e, pois, abandonar o velho sonho do Prata. Mas as ideias de
Alexandre de Gusmão não surgiram assim do nada. Já estavam em forma embrionária presentes
em documentos de anteriores administradores.
Quanto ao território perdido (o Uruguai de hoje), é suficiente constatar que os
lusobrasileiros nunca foram aí dominantes. Só tinham de fato o controle de Colônia, cujo
território, na visão espanhola do Tratado de Utrecht, não ultrapassava o perímetro de “um tiro
de canhão”. E o controle, assim mesmo, não absoluto, pois Colônia era indefensável, se os
espanhóis de Buenos Aires e Montevidéu estivessem realmente dispostos a tomála.
9.6 Madri: negociações
A oportunidade histórica para o início da discussão de um tratado de limites entre
Espanha e Portugal veio com a ascensão, ao trono espanhol, em 1746 de Fernando VI, genro de
D. João V. Houve uma primeira proposta portuguesa com bases para um ajuste e a réplica
espanhola; uma nova proposta portuguesa, agora já articulando um acordo, e a tréplica
espanhola, melhorando aspectos formais e introduzindo algumas novidades
Cumpre mencionar o artigo 21 do futuro tratado, que não permitia que houvesse guerra
no continente sulamericano, mesmo que as matrizes europeias estivessem em combate −
considerado por vários autores como a semente do futuro pan-americanismo, artigo este que não
foi de autoria de Gusmão, mas sim de Carbajal.
O que Portugal buscava era negociar um tratado equilibrado, que, à custa de ceder no
Prata, se necessário, conservasse a Amazônia e o CentroOeste e criasse, no Sul, uma fronteira
estratégica que vedasse qualquer tentativa espanhola nessa região.
Já para a Espanha, o alvo primeiro era parar de vez a expansão portuguesa, que comia
gradativamente pedaços de seu império na América do Sul; depois, reservar a exclusividade do
estuário platino, evitando o contrabando da prata dos Andes, que passava por Colônia; e,
finalmente, com a paz proporcionada por um acordo, impedir que a rivalidade peninsular na
América fosse aproveitada por nações inimigas de Madri, numerosas na Europa, para aí se
estabelecerem.
As propostas portugueses articulavam-se em torno das seguintes linhas: a) celebração de
um tratado geral de limites e não ajustes sucessivos sobre trechos específico, como inicialmente
queria a Espanha, b) um tratado desse teor só poderia ser feito abandonando-se o meridiano de
Tordesilhas, desrespeitado pelos portugueses na América e mais ainda pela Espanha no oriente;
c) deveria se estruturar nos princípios do uti possidetis e das fronteiras naturais; d) a Colônia do
Sacramento e o território adjacente eram portugueses, se não pelo Tratado de Tordesilhas,
certamente pelo segundo Tratado de Utrecht, de 1715; e) poderseia admitir [é clara a lembrança
da Colônia do Sacramento] que uma parte troque o que lhe é de tanto proveito, com a outra
parte, a que faz maior dano que ela o possua.
As réplicas espanholas pontuavam que: a) sendo complexas as circunstâncias históricas
que levaram à soberania espanhola várias ilhas do Pacífico, o melhor para a boa evolução das
tratativas era prescindir de qualquer alegação nesse hemisfério; b) sobre a Colônia do
Sacramento, mais que qualquer eventual direito, era intolerável para a Espanha ser ela “causa de
la disipación de las riquezas del Perú”; c) era aconselhável a troca da Colônia por uma área
equivalente “fácil de encontrar nos territórios de Cuiabá e Mato Grosso, ainda que, à morte de
Felipe V, o Governo espanhol estudasse os meios para recobrá la”253 [sem troca nenhuma,
presumese].
Pouco a pouco foise precisando a descrição das fronteiras, singularizando-se o território
dos Sete Povos das Missões Orientais do Uruguai como a moeda de troca pela Colônia do
Sacramento e cessão pela Espanha dos estabelecimentos possuía na margem direita do Guaporé,
mas em compensação ficou com o ângulo formado pelos rios Japurá e Solimões (neste rio havia
um forte português, ancestral de Tabatinga).
Para servir de apoio visual às negociações é elaborada uma carta geográfica, o Mapa das
Cortes, no qual a área extraTordesilhas do Brasil era, entretanto, bastante diminuída, o que dava
a impressão de haver parcos ganhos territoriais, sobretudo o Centro-Oeste. Apesar desse defeito,
era o melhor mapa que havia no momento, pois incorporava os dados obtidos pelas penetrações
sertanistas mais recentes.
9.7 Tratado de Santo Idenlfonso
Vários são os motivos que levaram à anulação do Tratado de Madri. É certo que, no Sul,
houve a Guerra Guaranítica e, no Norte, as dificuldades de demarcação revelaramse
insuperáveis. É controvertido que a oposição jesuítica tenha representado papel decisivo na
falência do tratado. A deterioração das relações entre as Coroas, provocada, na Espanha, pela
ascensão, em 1760, de Carlos III, um opositor do acordo, e, em Portugal, pela consolidação do
poder de outro, o Marquês de Pombal, foi seguramente causa importante da rápida morte
(apenas aparente, como revelou o futuro) do acordo. Pombal era contra o Tratado de Madri
porque não concordava com a cessão da Colônia do Sacramento. Talvez a antipatia que o
poderoso ministro nutria por seu antecessor em valimento, Alexandre de Gusmão, também
contribuísse para explicar sua posição.
O fato é que, em 1761, os dois países assinaram o Tratado de El Pardo, pelo qual, o
Tratado de Madri e os atos dele decorrentes ficavam “cancelados, cassados e anulados como se
nunca houvessem existido, nem houvessem sido executados”.
Voltavase, assim, pelo menos em teoria, às incertezas da divisão de Tordesilhas.
Todavia, na prática, nenhuma nação pretendia renunciar a suas conquistas territoriais ou a seus
títulos jurídicos. Tanto é assim, que foi exatamente no período pombalino que se construíram ou
reconstruíram os grandes fortes que até hoje balizam as fronteiras do Brasil: Macapá, São
Joaquim, São José de Marabitanas, Tabatinga, Príncipe da Beira, Coimbra. Esperava-se apenas
o momento propício para novo ajuste de limites.
Esse momento ocorreu em 1777, quando D. Maria I sobe ao trono de Portugal e inicia a
política de reação ao pombalismo, que ficou conhecida como “viradeira”. Já se vinha
negociando um tratado, mas a queda de Pombal e, na Espanha, a substituição do
PrimeiroMinistro Grimaldi pelo Conde de Florida Blanca modificaram o equilíbrio de forças
“para pior quanto aos interesses portugueses”e precipitaram os acontecimentos.
A Espanha fez exigências e impôs a assinatura de um Tratado Preliminar de Limites, o
Tratado de San Ildefonso, que conservava para o Brasil as fronteiras oeste e norte negociadas
em Madri (apenas mais precisadas em certos trechos), mas cedia, entretanto, a Colônia do
Santíssimo Sacramento, sem receber a compensação dos Sete Povos das Missões.
Não há dúvida de que, pelo Tratado de Santo Ildefonso, Portugal perdia com relação ao
que havia ganhado pelo Tratado de Madri; não se pode, no entanto, garantir ter sido o tratado
totalmente mau para Portugal, pois confirmava a inclusão no território nacional de quase toda a
área dos dois terços do Brasil extraTordesilhas
Há divergências entre brasileiros e hispanoamericanos sobre a validade do Tratado de
Santo Ildefonso, após a Independência. A maioria dos autores de língua espanhola o vê como
aquele que estabeleceu de forma definitiva os limites coloniais.
A doutrina brasileira, desenvolvida no Império, apegavase não ao texto do Tratado de
Santo Idelfonso, que era “preliminar” (como diz seu título oficial) e fora anulado pela guerra de
1801 (argumentávamos sempre), mas, sim, a seu princípio fundamental, que era o mesmo do
Tratado de Madri, o uti possidetis. Santo Ildefonso serviria, sim, mas só como orientação
supletiva e naquelas áreas onde não houvesse ocupação de nenhuma das partes envolvidas. No
fundo − e até que tivéssemos, mais tarde, ao término dos grandes trabalhos do segundo Rio
Branco, fronteiras perfeitamente definidas em tratados bilaterais −, era a posse que continuava a
definir o território.
9.8 A incorporação dos Sete Povos
A Revolução Francesa inicialmente uniu as potências peninsulares, que até participaram
de uma invasão conjunta no sul da França; mas, depois, quando Madri aderiu a Paris, em 1795,
separouse perigosamente de Portugal, que passou a ter o único e grande vizinho como inimigo.
Por exigência do PrimeiroCônsul Napoleão Bonaparte (seu irmão Luciano era embaixador em
Madri), a Espanha invade Portugal com o objetivo de impedir que navios ingleses
frequentassem portos portugueses, nessa quadra do bloqueio continental. A guerra foi rápida
mas teve consequências importantes na América: os lusobrasileiros, invadiram a região dos Sete
Povos, aproveitandose da situação precária em que estes se encontravam, após a expulsão dos
jesuítas.
A guerra de 1801 terminou nesse mesmo ano com a assinatura da Paz de Badajós. As
áreas invadidas pela Espanha na Europa foram restituídas a Portugal, mas nada dispôs o acordo
sobre a América, e por isso a antiga área dos Sete Povos continuou na posse dos lusobrasileiros.

A diplomacia na construção do Brasil

Parte I – o Território
O processo expansivo brasileiro foi conduzido por um regime absolutista e uma
metrópole colonial. Na época, ao contrário do que se verifica no expansionismo dos Estados
Unidos, o fator limitativo de crescimento não era a falta de terras, estas em abundância, muito
além da capacidade de utilizá-las, mas sim a falta de mão-de-obra.
Enfatiza o autor que a pressão demográfica por terra somente surge no século XX, no
Rio Grande do Sul, decorrente do êxito da imigração, principalmente italiana e alemã.
Tardou muito para que o povoamento se aproximasse efetivamente da fronteira do
extremo oeste: só na década de 1970, dois séculos e meio após a corrida do ouro de Cuiabá, os
estados de Mato Grosso e Rondônia voltariam a receber povoadores de outras regiões, atraídos
pelo baixo custo da terra agrícola e os estímulos do regime militar.
Não foi a busca por terra e sim por metais preciosos que estimulou as incursões de
Portugal pelo interior, no intuito de encontrar um Eldorado como o espanhol em Potosi.
Todavia, a mineração no Brasil não repercutiu em um desenvolvimento das terras no entorno
das minas, se verificando uma prosperidade fulgaz das regiões, que se desfez com o declínio das
jazidas. Os remanescentes de população estabilizaram-se nas velhas zonas de mineração,
vegetando numa agricultura e pecuária de subsistência que se prolongou em Goiás e Mato
Grosso até a fundação de Brasília e a retomada da expansão da fronteira agrícola quase em
nossos dias.
Na história brasileira, somente em duas ocasiões a atração de riquezas desencadeou
correntes migratórias para áreas situadas além das fronteiras: na busca de ouro e diamantes no
século XVIII e, já no final do século XIX e início do século XX, no ciclo da borracha, que
transplantou nordestinos a terras bolivianas no Acre. Em todas as demais migrações, os polos
econômicos que atraíram novos povoadores se situavam dentro das fronteiras tradicionais em
zonas jamais disputadas: café, cacau, indústria de São Paulo, a soja, o algodão, o gado.
Do descobrimento até a expulsão dos holandeses em 1654 os portugueses se
concentraram no povoamento e defesa do litoral, mormente do Nordeste açucareiro. Com a
capitulação holandesa e a paz com a Espanha (1668) foram liberados recursos e geradas
condições internas para o início da expansão em torno de 3 eixos: o Amazonas, o oeste e o
Prata.
Não foi por acaso que os três eixos da expansão coincidiram com os grandes sistemas
fluviais do espaço geográfico brasileiro. As águas do Amazonas e seus afluentes, as do Tietê e
do sistema Paraná-Paraguai, do Guaporé, Mamoré e Madeira favoreceram a penetração das
florestas e os braços dos rios transportaram os exploradores aos pontos mais longínquos no
interior do continente.
Vindos do lado oposto, das margens do Pacífico, os castelhanos detiveram-se nas alturas
dos Andes, onde encontraram ouro, prata e populações indígenas densas e dóceis, que
forneceriam abundante mão de obra para trabalhar nas opulentas minas, não havendo razão,
pois, para que se deslocassem para o ambiente mais hostil da selva amazônica.
Em contraste, na experiência brasileira, os povoadores tiveram de converter-se em
aventureiros e exploradores em busca de jazidas de ouro economicamente viáveis que
demoraram a ser localizadas. Além da busca pelos metais preciosos, a carência de trabalhadores
agiu como motivo adicional a impulsionar a exploração do interior, a fim de capturar e
escravizar índios.
Além da barreira dos Andes, havia dificuldades de logística para que os espanhóis
conseguissem chegar na Amazônia, já para os portugueses, uma conexão sem problemas os
levava a Belém e de lá se prosseguia.
Do ponto de vista logístico, situação inversa se caracterizou no Prata. A fragilidade da
resistência espanhola na Amazônia contrastou com seu vigor na região meridional e, de certa
forma, antecipou uma realidade contemporânea: ainda hoje, os hispano-americanos, salvo uma
ou outra exceção (Peru), possuem presença diminuta na região amazônica.
Tanto na Amazônia como no Prata houve grande controle da Coroa em relação ao
movimento de expansão, levada adiante com recursos humanos e financeiros majoritariamente
oficiais. De outra sorte, no oeste a espontânea iniciativa dos particulares, em especial dos
paulistas, desempenhou papel pioneiro de extrema importância. Não obstante, apesar de em
menor medida, para a ocupação desta região também foram importantes atos diplomáticos e
administrativos do estado.
Cumpre mencionar que em outubro de 1733, apenas 26 anos antes da assinatura do
Tratado de Madri, um decreto real proibiu o contato pelo extremo oeste entre o estado do Brasil
e o estado do Maranhão-Pará, as duas regiões administrativas em que estava separado o Brasil
de hoje. Os aventureiros, no entanto, não tomaram conhecimento da proibição e desbravaram as
rotas fluviais conectando entre si os postos avançados da expansão às margens dos rios
Guaporé, Mamoré, Madeira, Tocantins, até o Amazonas, e também com Belém, águas abaixo.
Nos vinte anos que se estendem entre 1730 e 1750 é que se desenrola a atuação oficial, na
antevéspera das negociações do tratado. Foi assim, com títulos recentíssimos de ocupação, que
Portugal adquiriu as terras do extremo oeste, a mais importante fronteira agrícola do Brasil de
nossos dias.
Na região do Prata era a coroa espanhola que dominava a saída do sistema fluvial, em
oposição à situação verificada na Amazônia. Essa diferença de posição geográfica iria revelar-se
determinante na afirmação da soberania espanhola sobre grande parte da região meridional. A
disputa secular que se cristalizaria entre castelhanos e portugueses nessas paragens provinha das
dúvidas razoáveis sobre o ponto no qual a linha de demarcação de Tordesilhas deveria cortar a
costa. Sem ir tão longe como os proponentes da fronteira na distante Baía de São Matias, na
Patagônia, não faltavam opiniões de que a fronteira de Portugal alcançava a margem norte do
Rio da Prata, coincidindo com os chamados “limites naturais”. Dessa pretensão nasceu entre os
reinos ibéricos uma prolongada controvérsia, abrangendo área que compreende os três estados
da região Sul do Brasil atual, juntamente com a República do Uruguai.
Inicialmente, a presença portuguesa na região sul se realizou mediante contrabando,
facilitado pela cumplicidade dos governantes espanhóis interessados nos lucros e pela própria
população. Com o fim do comércio ilegal pela repressão administrativa da coroa espanhola,
Portugal decidiu pela fundação de Colônia do Sacramento, na margem oposta a Buenos Aires,
com o objetivo de atrair, pelo contrabando, a prata do Peru.
Percebe-se, portanto, que, no lugar de avançar gradualmente até alcançar a região,
Portugal optou por fundar Colônia já na parte extrema do território, uma aposta arriscada, que
para dar certo demandaria a aptidão efetiva para mobilizar recursos capazes de anular as
vantagens da já consolidada instalação da Espanha na região.
A logística de apoio à fortaleza exigia, por sua vez, que se povoasse de modo contínuo a
longa extensão da costa entre Colônia e os postos avançados do litoral meridional brasileiro.
Sem excedentes de poder que lhe possibilitassem reforçar Colônia militarmente de maneira
decisiva, Portugal tampouco foi capaz de completar a obra de fundação, vinculando o entreposto
aos centros mais densos de seu povoamento no litoral Atlântico Sul (na época, estendendo-se de
forma muito rala de Paranaguá a São Francisco). A frouxa tentativa de se estabelecer em
Montevidéu fracassou e sem demora foi aproveitada pelos espanhóis para se implantarem e
fortalecerem no mesmo local (1724-1726) e em Maldonado, ao norte. Colonia acabou, portanto,
por ficar isolada em território hostil.
A região sul também teve forte presença das missões dos jesuítas, que foram se
deslocando pelo território, expulsos de várias localidades em virtude de confrontos com
bandeirantes, se instalando de forma mais definitiva na região dos Sete Povos das Missões.
Entre as décadas de 1720 a 1750 foi amadurecida a convicção da necessidade de superar
os conflitos fronteiriços através de uma solução definitiva referente à questão dos limites, criara-
se finalmente o clima propício para o Tratado de Madri.
As negociações do tratado partem do pressuposto de que a linha de Tordesilhas foi
violado pelos portugueses, na américa, e pelos espanhóis, na Ásia, não podendo mais servir de
base adequada para a delimitação dos territórios coloniais. Em substituição a ela, convencionou-
se adotar o princípio segundo o qual cada parte conservaria o que possuía (utis possidetis).
Inovou-se, também, em substituir as linhas geodésicas por limites naturais, como rios e
serras. Ademais, o tratado acabou por abranger a completa fronteira de norte a sul, vencendo a
resistência espanhola, que inicialmente preferia a realização de ajustes parciais.
Outro importante dispositivo do tratado, que fugia ao princípio do uti possidetis, foi a
permuta da Colonia do Sacramento com os Sete Povos da Missões, cujos habitantes guaranis
seriam obrigados a retirar-se para territórios castelhanos. Em troca de um estabelecimento
cercado nas duas margens por praças espanholas e cujo destino estava selado desde o fracasso
da ocupação de Montevidéu, recebia Portugal amplo espaço territorial que possibilitava
arredondar o Rio Grande do Sul, até então confinado a uma estreita franja costeira, e convertê-lo
em núcleo substancial de contrapeso ao Prata espanhol.
Outro importante artigo dispunha que a guerra entre as metrópoles na Europa não
deveria interromper a paz entre as possessões americanas. Alguns identificam nesse dispositivo
uma espécie de antecipação do pan-americanismo, mas o autor defende que a explicação para o
artigo provavelmente se encontra no temor da Espanha, de ataques no Rio da Prata por parte dos
ingleses, aliados de Portugal, em eventualidade de reinício de hostilidades na Europa.
De uma perspectiva geopolítica, o tratado estabelecia um equilíbrio territorial entre as
pretensões dos dois países, permanecendo Portugal com a maior parte da Amazônia e
evidenciando a supremacia da Espanha no Rio da Prata.
Na historiografia, portugueses e brasileiros consideram o tratado equilibrado e justo,
manifestando-se favoravelmente a seus termos. Em compensação, alguns historiadores
espanhóis e, em especial, sul-americanos condenam o instrumento por haver dilapidado o
patrimônio original da Espanha e legitimado o que descrevem como usurpação de um imenso
território.
Apenas seis meses após a assinatura do tratado, morreu D. João V e, em rápida
sucessão, desapareceram da cena Alexandre de Gusmão, D. José de Carvajal, a rainha Dona
Bárbara, o rei Fernando VI, todos os que poderiam ter razões pessoais para querer dar
cumprimento ao acordado. Na Espanha, subiu ao trono Carlos III, monarca que abandonou a
política de reconciliação com Lisboa. Em Portugal, o novo rei, D. José I, concentrou poderes em
mãos do marquês de Pombal, crítico e opositor do tratado.
A deteorização das relações entre os países somou-se às dificuldades de demarcação do
território, em especial no sul, com a sangrenta resistência guarani em Sete Povos. Ademais, o
governo português na região recusou-se a receber os Sete Povos, alegando a precariedade da
pacificação do local, atitude que suscitou fundadas dúvidas sobre a boa-fé portuguesa e a
sinceridade da intenção de devolver a Colônia do Sacramento.
Essa sucessão de fatores acabou por fazer fracassar o entendimento, sendo o Tratado de
Madri anulado pelo Tratado do Pardo (1761).
Colônia foi novamente atacada pela Espanha no contexto da Guerra dos Sete Anos em
que Portugal e Espanha apoiavam lados diversos, mas com a celebração a paz no Tratado de
Paris (1763), os espanhóis restituíram Colônia.
Coincidindo com o ataque castelhano à ilha de Santa Catarina (fevereiro de 1777),
falecia D. José I, sucedido pela rainha Dona Maria I. Desencadeava-se a Viradeira, reviravolta
política que derrubou Pombal e lhe subverteu a política. Envolvidas na Guerra da Independência
dos Estados Unidos, a Inglaterra e a França manobraram em favor de mediação que conduziu ao
Tratado de Santo Ildefonso (1º de outubro de 1777), fortemente marcado pela indiscutível
vitória das armas castelhanas sobre um Portugal enfraquecido militar e diplomaticamente.
Além de concessões que os portugueses se viram obrigados a fazer na costa da África, a
Espanha conservou não apenas Colônia, mas também os Sete Povos, limitando-se a devolver a
ilha de Santa Catarina, que nunca lhe havia pertencido. Anulou-se destarte tanto a permuta do
Tratado de Madri como o relativo equilíbrio que aquele ajuste tentara estabelecer na região sul.
A sucessão de tratados traduz um padrão que se repete: a cada configuração
momentânea que assume a correlação de forças vai corresponder uma determinada expressão
jurídica, consubstanciada num tratado. As mudanças na correlação de forças não demoram em
encontrar tradução em nova construção jurídica, a fim de legitimar a situação de fato alcançada
no terreno das armas. Assim como o Tratado de Madri havia assinalado um instante fugaz de
fortalecimento do poder português, que alguns ilusoriamente tomaram por permanente, o ajuste
de Santo Ildefonso representou o reflexo jurídico do nível mais indiscutível de superioridade
militar que os espanhóis jamais atingiriam, antes ou depois, nas plagas meridionais da América
do Sul.
Em nossos dias, os limites meridionais correspondem praticamente aos que haviam sido
outorgados pelo tratado de 1750, em realidade um pouco menos, em razão do deslocamento da
linha de Castillos Grande para a barra do Chuí e da perda definitiva dos fortes de Santa Teresa e
São Miguel. O território lusitano, legado ao Brasil, deixava de incluir Colônia; depois da
reconquista na Guerra das Laranjas, reincorporava as Missões, adquiridas no Tratado de Madri,
perdidas pelo de Santo Ildefonso e recuperadas em 1801.
Não se passou, todavia, nem uma década para que as oportunidades abertas pelas
guerras napoleônicas reacendessem conflitos, cobiças e velhas ilusões. Desta vez, a ambição dos
portugueses e de seus sucessores brasileiros não se limitaria ao objetivo anterior, de um
entreposto isolado como havia sido a Colônia do Sacramento, mas sim de anexar toda a
extensão das terras compreendidas entre a Lagoa dos Patos e a margem oriental do estuário, já
então ocupadas por populações de língua castelhana; isto é, o território do futuro Uruguai
independente.
Embora longe de ostentar as características que haveria de adquirir com a prosperidade
dos fins do século XIX, a sociedade oriental já apresentava os atributos claros de original
cultura rio-platense impossíveis de absorver na cultura luso-brasileira. Seriam necessárias mais
de duas décadas adicionais de lutas, frustrações e autoengano até que novamente se
comprovasse a inutilidade de tentar assimilar um povo de identidade nacional em vias de
afirmação como o uruguaio
De uma história rica em aventuras resultará maior sensibilidade para apreciar o papel do
conhecimento, da negociação, do poder brando (conforme acontecera na elaboração do Tratado
de Madri) numa evolução hoje concluída de maneira feliz em favor dos brasileiros que dela
herdaram os benefícios.

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