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14/03/2013 - 00:00

Governos nacionais, cidadãos globais


Por Dani Rodrik

Nada põe mais em perigo a globalização do que o crescente déficit de governança - a perigosa disparidade entre o âmbito
nacional de responsabilização política e a natureza mundial dos mercados de bens, capitais e de muitos serviços - que se
alargou nas últimas décadas. Quando os mercados transcendem regulamentações nacionais, como ocorre na globalização do
mundo financeiro, o resultado é mercados imperfeitos e crises. Mas delegar a elaboração de regulamentos a burocracias
supranacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) ou a Comissão Europeia (CE), pode resultar em déficit
democrático e perda de legitimidade.

Como seria possível eliminar esse déficit de governança? Uma opção é reestabelecer o controle democrático nacional sobre os
mercados globais. Isso é difícil e cheira a protecionismo, mas não é impossível nem, necessariamente, antagônico à
globalização saudável. Como defendo em meu livro "The Globalization Paradox" (o paradoxo da globalização), a ampliação do
campo de atuação dos governos nacionais no sentido de manter a diversidade regulamentar e reconstruir os desgastados
pactos sociais melhoraria o funcionamento da economia mundial.

Em vez disso, as elites políticas (e a maioria dos economistas) defende o fortalecimento do que é eufemisticamente chamado
de "governança mundial". De acordo com esse ponto de vista, reformas como as que melhoram a eficácia do G-20, aumentam
a representatividade do Conselho Executivo do Fundo Monetário Internacional e tornam mais exigentes os requisitos de
capital estabelecidos pelo Comitê de Supervisão Bancária de Basileia seriam suficientes para proporcionar uma base
institucional saudável para a economia mundial.

Cidadania mundial sempre será uma metáfora. Mas quanto mais cada um de nós pensarmos em nós
mesmos como cidadãos do mundo e expressarmos nossas preferências como tais perante nossos governos,
menos teremos de perseguir a quimera da governança mundial

Mas o problema não está apenas no fato de essas instituições mundiais permanecerem fracas. O problema é também que elas
são organismos intergovernamentais: uma coleção de Estados membros e não de representantes de cidadãos do mundo. Tendo
em vista que sua responsabilização perante eleitorados nacionais é indireta e incerta, essas instituições não produzem adesão
política - e, portanto, legitimidade - que as instituições verdadeiramente representativas exigem. Na verdade, as dificuldades
da União Europeia (UE) revelaram os limites à construção de uma comunidade política transnacional, mesmo envolvendo um
conjunto relativamente limitado e homogêneo de países.

Em última instância, a responsabilidade final é dos parlamentos e de executivos nacionais. Durante a crise financeira, foram os
governos nacionais que socorreram bancos e empresas, recapitalizaram o sistema financeiro, garantiram dívidas, aliviaram a
liquidez, injetaram liquidez na economia e arcaram com os custos do seguro-desemprego e da seguridade social - e levaram a
culpa por tudo o que deu errado. Nas palavras memoráveis de Mervyn King, o presidente do Banco da Inglaterra, os bancos de
atuação multinacional são "internacionais na vida, mas nacionais na morte".

Mas talvez haja outro caminho, uma trajetória que aceite a autoridade dos governos nacionais, mas vise reorientar os
interesses nacionais num sentido mais mundial. O progresso ao longo de tal caminho requer que os cidadãos "nacionais"
comecem a ver-se cada vez mais como cidadãos "mundiais", com interesses que extrapolam as fronteiras de seus Estados. Os
governos nacionais devem prestar contas a seus cidadãos, ao menos em princípio. Assim, quanto mais esses cidadãos
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perceberem seus interesses como mundiais, mais mundialmente responsáveis serão as políticas nacionais.

Isso pode parecer um sonho fantasioso, mas algo nesse sentido já vem acontecendo há um tempo. A campanha mundial pelo
perdão da dívida de países pobres foi liderada por organizações não governamentais que conseguem mobilizar jovens nos
países ricos para exercer pressões sobre seus governos.

Empresas multinacionais estão bem conscientes da eficácia das campanhas de


tais cidadãos, tendo sido obrigado a aumentar a transparência e mudar suas
práticas de trabalho em todo o mundo. Alguns governos têm perseguido líderes
políticos estrangeiros que cometeram crimes contra os direitos humanos, com
considerável apoio popular interno. Nancy Birdsall, presidente do Center for
Global Development, cita o exemplo de um cidadão ganês que depôs perante o
Congresso dos EUA aspirando convencer as autoridades americanas a pressionar
o Banco Mundial no sentido de mudar sua posição sobre as tarifas cobradas de
usuários na África.

Esse tipo de esforço de baixo para cima no sentido de "globalizar" os governos nacionais têm o maior potencial para afetar as
políticas ambientais com vistas a atenuar as mudanças climáticas - o mais intratável problema mundial.

Andrew Steer, presidente do World Resources Institute, nota que mais de 50 países em desenvolvimento estão agora
implementando políticas onerosas para reduzir as mudanças climáticas. Da perspectiva de interesses nacionais, isso não faz
nenhum sentido, tendo em vista a natureza "comunitária" mundial do problema.

A Califórnia, no início deste ano, lançou um sistema de limitação e comercialização de direitos de emissão de poluentes
visando reduzir, até o ano 2020, as emissões de carbono aos níveis de 1990. Grupos ambientalistas tiveram êxito na defesa do
plano e o governador republicano do Estado na época, Arnold Schwarzenegger, converteu o plano em lei em 2006. Se a
iniciativa revelar-se bem sucedida e permanecer popular, poderá tornar-se um modelo para todo o país.

Pesquisas mundiais, como a World Values Survey, indicam que há ainda muito terreno a ser coberto: conforme posição
expressa pelos entrevistados, sua noção de cidadania mundial tende a ficar 15 a 20 pontos percentuais aquém de sua cidadania
nacional. Mas a diferença é menor entre os jovens, os de maior escolaridade e os profissionais liberais. Aqueles que se
consideram no topo da estrutura de classes exibem uma orientação mais "mundializada" do que os que se consideram
pertencer às classes mais baixas.

Claro, "cidadania mundial" sempre será uma metáfora, porque nunca haverá um governo mundial administrando uma
comunidade política mundial. Mas quanto mais cada um de nós pensarmos em nós mesmos como cidadãos do mundo e
expressarmos nossas preferências como tais perante nossos governos, menos teremos de perseguir a quimera da governança
mundial. (Tradução de Sergio Blum).

Dani Rodrik professor de Economia Política Internacional na Universidade de Harvard, é autor de "The
Globalization Paradox: Democracy and the Future of the World Economy (O paradoxo da globalização: a
democracia e o futuro da economia mundial).. Copyright: Project Syndicate, 2013.

www.project-syndicate.org

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