Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Gustavo Pereira
INTRODUÇÃO
Os jogos digitais vêm, cada vez com maior frequência e intensidade, sendo
estudados na área da história. No Brasil, o campo que mais possui trabalhos
relacionando games e história é o de ensino. Em uma rápida busca em portais
como o de periódicos e o banco de teses e dissertações da CAPES, bem como
no mecanismo de buscas do Google Acadêmico utilizando combinações de
termos como "jogos digitais", "ensino", "história", "games", etc., é possível
encontrar dezenas de artigos, teses e dissertações sobre o assunto. Um dos
mais antigos, publicado na revista Antíteses em 2010, com autoria de Cristiani
Bereta da Silva1, trata a respeito de um trabalho realizado com adolescentes da
Escola Básica Municipal Luiz Cândido da Luz, em Florianópolis, com o objetivo
de problematizar a formação histórica desses jovens através de jogos digitais.
As atividades foram realizadas com um grupo de 20 estudantes e se deram
através da identificação de imagens referentes à Idade Média, produção de
narrativas referentes a essas imagens, questionários e o contato com o jogo
Age of Empires II.
1
SILVA, Cristiani Bereta da. Jogos digitais e outras metanarrativas históricas na elaboração do
conhecimento histórico por adolescentes. Antíteses, vol.3, n.6, jul.-dez. de 2010, pp. 925-946
explorar o mapa ao seu redor com o objetivo de encontrar recursos que podem
ser utilizados para expandir seu império e derrotar seus inimigos. Os jogos
desse estilo têm entre seus títulos os mais indicados como potenciais
ferramentas de ensino de história em sala de aula, como Trópico, Age of
Empires, Civilization, entre outros.
2
GALLOWAY, Alexander. R.. Gaming. Essays on Algorithmic Culture. University of Minnesota
Press: Minnesota, 2006.
3
BOGOST, Ian. Persuasive Games: The expressive power of videogames. Massachusetts
Institute of Technology Press: Massachussets, 2007.
participativo, pois permite que um usuário possa manipular e induzir
comportamentos através do conhecimento dessas regras, espacial, pois
permite a locomoção através dos espaços gerados no ambiente virtual, como
janelas, menus, ícones, etc. e enciclopédico, característica que expressa a
assombrosa ampliação da capacidade de armazenamento de dados
proporcionada pelo surgimento dos computadores.4
4
MURRAY, Janet. Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Itaú
Cultural: Editora Unesp, 2003. p. 78-93
Dom Ford, utilizando os estudos de Michel-Rolph Trouillot sobre a
Revolução Haitiana e o desembarque de Colombo nas Bahamas em 1942 5 e a
obra "Pode o subalterno falar?"6 de Gayatri Chakravorty Spivak para analisar o
jogo Civilization, identifica uma homogeneização das narrativas de progressão
das sociedades que reforça uma nação eurocêntrica e ocidental da história.7
5
TROUILLOT, Michel-Rolph. (1995). Silencing the Past: Power and the Reproduction of
History. Boston: Beacon Press.
6
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. (1988). Can the Subaltern Speak? In C. Nelson, C. Grossberg,
& L. Grossberg (Eds.), Marxism and the Interpretation of Culture (pp. 271--313). Basingstoke:
Macmillan Education
7
FORD, Dom. “eXplore, eXpand, eXploit, eXterminate”: Affective Writing of Postcolonial History
and Education in Civilization V". Game Studies, vol.16, n.2. Disponível em
<http://gamestudies.org/1602/articles/ford>. Acesso em 29/06/2018.
A árvore tecnológica do jogo, onde o jogador pode ver e decidir quais
tecnologias sua civilização irá pesquisar é extremamente restritiva, iniciando
com as tecnologias Cerâmica, Pecuária, Arco e Flecha e Mineração, na Era
Antiga, e terminando com as tecnologias Física de Partículas, Fusão Nuclear e
Nanotecnologia na "Era Futura". Conforme menciona Ford em seu artigo, é
possível verificar através da árvore tecnológica que uma vitória científica
consiste na repetição da história de avanços tecnológicos do ocidente,
culminando na versão da corrida espacial do século XX. O objetivo do avanço
científico em Civilization V, portanto, é alcançar o patamar dos Estados Unidos
na Guerra Fria.
"O Projeto Utopia é o nome para uma visão de certa forma amorfa do
futuro do mundo. Dependendo de quem está visualizando, ela pode
incluir o desarmamento nuclear, a paz universal ou um governo
mundial único. Seus proponentes esperam que ela fará com que as
nações e pessoas parem de matar umas as outras, aumentará a
prosperidade de todos e permitirá que o mundo enfrente problemas
globais como as mudanças climáticas e o terrorismo internacional.
Seus oponentes vêem o Projeto Utopia como um nome educado para
a hegemonia americana (ou agora chinesa)."
Através dessa descrição, vemos que o jogo não procura esconder seu
enfoque imperialista, mas sim, reforçá-lo e incentivar o jogador a seguir a
narrativa imperialista ocidental. Em sua análise sobre a Revolução Haitiana,
Trouillot aborda formas de apagamento e ocultação que esvaziam de
significado os movimentos de resistência daqueles que não integram a lógica
imperialista. No entanto, a perspectiva de Spivak, creio eu, parece mais
pertinente para o caso de Civilization V. Uma análise das narrativas possíveis
mostra que o jogo reproduz em sua mecânica aquilo que Spivak considera
como as vozes não ouvidas pelas estruturas que não podem ouvi-las. Não é
possível reproduzir narrativas outras que não a da civilização ocidental, pois a
estrutura do jogo não permite que elas sejam reproduzidas. É possível notar,
portanto, que todas as formas de vitória no jogo implicam na construção de
uma narrativa que reforça as lógicas internas e externas das estruturas
imperiais.
8
DOOGHAN, Daniel. Digital Conquerors: Minecraft and the Apologetics of Neoliberalism.
Games and Culture, 29 de jun. de 2016, pp.1-20
9
Minecraft é um jogo do gênero sandbox (simulação sem objetivos definidos e que geralmente
permite ao jogador uma grande quantidade de atividades e possibilita considerável liberdade
de ação. O jogo foi lançado oficialmente em 18 de novembro de 2011 e enorme sucesso de
vendas, sendo considerado o segundo jogo mais vendido de todos os tempos com mais de 100
milhões de cópias vendidas. < https://mojang.com/2016/06/weve-sold-minecraft-many-many-
times-look/>
Quando chega a noite, monstros hostis aparecem e o jogador precisa se
proteger construindo abrigos e iluminando áreas para que os monstros, que
aparecem somente em locais escuros, não surjam. Nesse aspecto, Dooghan
compara o Minecraft a uma simulação do livre-mercado neoliberal e às práticas
imperialistas de dominação de territórios e cerceamento de espaços aos
indígenas das terras conquistadas.
VIDEOGAMES E NEOLIBERALISMO
10
BAERG, Andrew. Governamentality, Neoliberalism and the Digital Game. Sumploke, vol. 17,
nº1-2, 2009. pp. 115-127.
Resta, então, nos questionarmos se, dadas as condições apresentadas
por Baerg, existe a possibilidade de criação de um jogo 4X que não funcione
segundo a lógica neoliberal e não apresente narrativas de cunho imperialista.
11
BOGOST, Ian. Persuasive Games: The expressive power of videogames. Massachusetts
Institute of Technology Press: Massachussets, 2007. pp. 82-89
se torna mais hostil, aumentando o risco de ataques no território nacional,
tornando necessário que o jogador aumente o número de guardas nacionais,
diminuindo o número de cidadãos disponíveis para serem transformados em
soldados.
BIBLIOGRAFIA