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PROTOCOLO DE HIPERPROLACTINEMIA (NO ADULTO)

METODOLOGIA DE BUSCA DA LITERATURA: Base de dados Medline/Pubmed


utilizando-se a estratégia de busca com os termos “hyperprolactinemia guidelines” e
restringindo-se para estudos em humanos adultos, publicados nos últimos 10 anos. Os
artigos foram revisados e identificados como de interesse para a elaboração deste
protocolo. Também foram consultados livros-texto de Endocrinologia.

Introdução1,2:
Definição: é o excesso de produção de prolactina (PRL). Pode ser fisiológica (gestação,
amamentação, estresse) e farmacológica pelo uso de certas medicações (estrogênios,
drogas de ação central - como antipsicóticos, etc – tabela 1). Causas patológicas
geralmente relacionam-se a um tumor benigno na hipófise (micro ou
macroprolactinoma) que pode ser tratado com medicação; ou como consequência de
compressão da haste hipofisária e, também, deve-se afastar a possibilidade de
hiperprolactinemia em decorrência do hipotireoidismo.
Em autópsia, aproximadamente 12% das hipófises portam um adenoma clinicamente
inaparente. A prevalência de prolactinomas clinicamente aparentes varia de 6 a 10 por
100.000 a 50 por 100.000 habitantes.

Independentemente da etiologia, a hiperprolactinemia pode resultar em hipogonadismo


(amenorreia nas mulheres), infertilidade, galactorreia, ou pode permanecer
assintomática. Perda da densidade mineral óssea da coluna vertebral ocorre em 25%
das mulheres e não é necessariamente restaurada com a normalização dos níveis de
PRL. O pico de prevalência ocorre entre 25 a 34 anos nas mulheres. Nesta faixa etária,
a incidência anual de hiperprolactinemia é de 23,9 /100.000 indivíduos.

TABELA 1- ETIOLOGIA DA HIPERPROLACTINEMIA3-5


Fisiológica
Coito Exercício Estimulação mamária
Lactação Sono
Gravidez Estresse
Farmacológica
Anticonvulsivante Anestésico Antidepressivo Antihistamínico (H2)
Agonista colinérgico Antihipertensivo ( verapamil, metildopa, reserpina)
Antipsicótico (principalmente neuroléptico) Cocaína
Depletor de catecolaminas Estrogênios Inibidores de proteases
Medicamentos gastrointestinais (metoclopramida, domperidona)
Opioides/antagonistas opioides Outras drogas antidopaminérgicas
Patológica
Dano da haste hipofisária
Granulomas, infiltração, irradiação, cisto de Rathke, trauma, tumores
(craniofaringiomas, germinomas, metástases hipotalâmicas, meningiomas, extensão
suprasselar de tumor pituitário)
Pituitária
Acromegalia, idiopática, hipofisite linfocítica ou massa parasselar,
macroadenoma (compressivo), macroprolactinemia, adenoma plurihormonal,
prolactinoma, cirurgia, trauma
Doenças sistêmicas
Insuficiência hepática e renal; trauma neurogênico, herpes zoster, cirurgia
(tórax); radiação craniana; convulsões epilépticas; doença ovariana policística;
pseudociese.

Diagnóstico1-5:

1. Clínico:

Nas mulheres: galactorreia, oligo/amenorreia, infertilidade, diminuição da libido,


dispareunia, osteoporose, acne/hirsutismo.

Nos homens: diminuição da libido, disfunção erétil, infertilidade, ginecomastia,


galactorreia, osteoporose.

2. Investigação laboratorial: (pelo menos duas dosagens de PRL séricas basais


elevadas).

A. Investigação laboratorial de prolactinoma

Prolactina basal (repouso) geralmente > 100 ng/mL; FSH, LH (geralmente inibidos); E2
(em geral diminuído); testosterona no sexo masculino (em geral diminuída);
progesterona (mulheres ainda ciclando).

B. Investigação de hiperprolactinemia associada a outras patologias

Prolactina basal (repouso);

T4 livre e TSH (avaliar hipotireoidismo primário);

GH e IGF1 (avaliar somatotropinoma com produção mista: GH + PRL = acromegalia


deve ser investigada em todo paciente com macroprolactinoma, pois 30 a 40% dos
somatotropinomas também secretam PRL);

Cálcio iônico; fósforo (na suspeita de neoplasia endócrina múltipla - NEM1, quando o
hiperparatireoidismo está presente em 95% dos casos). No paciente com hipercalcemia
confirmada complementar com: PTH intacto, gastrina, insulina/peptídeo C, polipeptídeo
pancreático; TC de abdômen, US de pescoço e cintilografia com Tecnécio Sestamibi
para mapeamento das paratireoides (vide protocolo de hiperparatireoidismo).

Ureia, creatinina, TGO, TGP, fosfatase alcalina (avaliar função renal e hepática);
Investigar função hipofisária em caso de suspeita de hipopituitarismo relacionado a
efeito de massa por tumor hipofisário não-funcionante; testes de estímulo só são
necessários se os basais não forem conclusivos;

Testosterona, DHT, DHEA-S (em mulheres com doença policística ovariana),


geralmente com E2, FSH e LH elevados.

C. Detecção de macroprolactinemia: Forma polimérica com baixa atividade biológica,


mas com imunorreatividade semelhante à PRL monomérica. Corresponde a complexos
de prolactina com imunoglobulinas antiprolactina. Ocorre em cerca de 15% das
hiperprolactinemias. Não há manifestações clínicas. Não pesquisada quando a PRL
está em níveis normais.

D. Efeito gancho: Deve ser suspeitado em indivíduos com macroadenomas


hipofisários e valores normais ou não muito elevados de prolactina (até 200 ng/ml).
Essa presença de níveis falsamente baixos de prolactina ocorre quando são
empregados ensaios com dois anticorpos. Para excluí-lo, deve-se solicitar dosagem da
prolactina diluída.

3. Investigação Radiológica:

A. RM de hipófise (T1 e T2 sem contraste e T1 com contraste):

Vantagem: delineia melhor os limites do macroadenoma (invasão parasselar),


diferencia conteúdo cístico de hemorrágico, determina relação do adenoma com o
quiasma óptico.

B. TC de hipófise com cortes coronais (sem e com contraste):

Tríade → hipocaptação focal de contraste + desvio da haste + assimetria do assoalho


selar (melhor visualização de estrutura óssea).

4. Avaliação oftalmológica: Necessária em pacientes portadores de macroadenoma


hipofisário com expansão suprasselar para determinação do tratamento e
acompanhamento e mandatória na gestação: campimetria visual; fundo de olho.

DINÂMICA DE ATENDIMENTO:

Nome: _________________________________________________________

Registro: ____________________ DN: ____/____/____ Raça: _______

Abordagem clínica: Anamnese / exame físico geral: (Avaliar clínica de


hiperprolactinemia). Vide acima em diagnóstico clínico e figuras 1 e 2.

Abordagem laboratorial e exames complementares: Vide acima em investigação


laboratorial e radiológica e figuras 1 e 2.
Obs.: 1. Solicitar ecocardiodoppler no pré-tratamento e no seguimento (anual) dos
casos a serem tratados com cabergolina ou bromocriptina.

2. Nos casos de macroadenomas, encaminhar o paciente para exame


neuroftalmológico (campo visual): não disponível no HU/UFSC.

Dinâmica do tratamento da hiperprolactinemia:

• Induzida por drogas: suspensão da medicação.

• Hipotireoidismo: reposição com L-tiroxina (vide protocolo de hipotireoidismo).

• Idiopática: agonistas dopaminérgicos.

• Pseudoprolactinomas: cirurgia.

• Prolactinomas: agonistas dopaminérgicos, cirurgia e radioterapia.

Objetivos do tratamento dos prolactinomas: Restaurar o estado de eugonadismo;


cessar galactorreia, controle do crescimento tumoral, reversão das alterações
decorrentes do efeito de massa; preservação/restauração da função hipofisária,
melhorar a cefaleia e reverter deficiências visuais.

Tratamento medicamentoso (vide figura 3) 6,7:

A. Agonistas Dopaminérgicos (AD) (reduzem em torno de 80% o tamanho do


tumor)

• Mecanismo de ação: atuam sobre os receptores D2 da dopamina nos


lactotrofos, inibindo a síntese e a secreção de PRL e diminuindo a síntese de
DNA celular e crescimento do tumor.

• Principais AD:

o Cabergolina: Dostinex - utilizada pelo nosso Serviço;


o Bromocriptina (BRC): Parlodel, Bagren - utilizada pelo nosso Serviço
(quando é necessário um AD na gestação);
o Outras: Lisurida (Dopergin); Pergolida (Permax); Quinagolida (Norprolac).

Bromocriptina (BRC)

• Eficácia e tolerabilidade: normalização da PRL (70 a 80%); retorno de


menstruações ovulatórias (80 a 90%); redução tumoral (75%); efeitos colaterais
(até 30%); intolerância (5-10%);resistência (5-18%).

• Efeitos colaterais: náuseas, vômitos, cefaléia, fadiga, congestão nasal,


hipotensão postural, constipação, dor abdominal. Raros: depressão, psicose,
rinoliquorreia.
• Posologia: 5 a 7,5 mg/dia. Iniciar com doses pequenas, 1/4 do comprimido
(0,625 mg) à noite. No prolactinoma gigante, são necessárias doses maiores, em
torno de 15 mg/dia, e a resposta de tais tumores é lenta.

• Bromocriptina LAR: 50 a 250 mg/IM/mensal.

Cabergolina

• Maior afinidade pelos receptores D2 nas células lactotróficas e meia-vida

prolongada, podendo ser administrada uma ou duas vezes por semana.

• Primeira opção em nosso Serviço.

• Efeitos colaterais: semelhantes aos da BRC, porém com frequência

significativamente menor (3 a 4% dos pacientes).

• Posologia: vide abaixo.

• Desvantagem: custo elevado.

Agonistas dopaminérgicos- sob solicitação especial – via farmácia escola: Cabergolina


(0,5 mg/comprimido) a dose pode variar de 0,25 a 2,0 mg/semana até 3,5
mg/semana; em geral, dividida em 2x/semana, ao deitar. Dose inicial de 0,25
mg/semana aumentando meio comprimido a cada 2 semanas. Dosar PRL sérica a
cada 30 a 90 dias e titular a dose de acordo com a sua tolerabilidade. Repetir RM a
cada 3 a 6 meses nos casos de macroadenomas ou a cada 1 a 2 anos em
microadenomas. Exceto para pacientes com desejo de engravidar, é o tratamento de
escolha. Efeitos colaterais mais comuns: náuseas, cefaleia, hipotensão postural,
dispepsia, fadiga e congestão nasal. Há também a possibilidade de valvulopatia,
pericardite constritiva, depressão e psicose, fenômeno de Raynaud e fibrose
retroperitoneal. Em casos de resistência: dose até 9 mg/semana.

Pacientes com desejo de engravidar: Bromocriptina (comprimido de 2,5 mg ou cápsula


de 5 mg), dose média: 2,5 a 15 mg/dia; inicia-se com 1,25 mg, à noite, aumentando-se
½ cp a cada 2 semanas até 2,5 mg – 2x/dia.

A retirada da droga deve ser considerada em pacientes que realizaram tratamento por
no mínimo 2 anos, que apresentaram normalização dos níveis de PRL e, nos casos de
macroprolactinomas, com redução de ao menos 50% do volume tumoral inicial, mas
sem apresentar invasão do seio cavernoso ou lesão próxima ao quiasma. A redução da
terapia deve ser gradual e aumentada (retornar à dose anterior) se houver aumento
dos níveis de prolactina acima do normal.

Seguimento pós-retirada da medicação: retornos 3/3m no primeiro ano (chance de


recidiva é maior) e, depois, espaçar.
B. Contraceptivo oral: Indicado em mulheres com microprolactinoma que desejam
contracepção e/ou são resistentes/intolerantes aos agonistas dopaminérgicos. Na
hiperprolactinemia farmacológica por drogas que não podem ser suspensas ou
substituídas, sugere-se o uso de contraceptivos ao invés de agonistas dopaminérgicos,
uma vez que estes podem piorar o quadro psiquiátrico.

C. Testosterona (reposição): Em homens que não desejam fertilidade e os níveis de


testosterona não normalizaram com o uso do agonista dopaminérgico. Em caso de
desejo de fertilidade prescrever citrato de clomifeno. Na hiperprolactinemia
farmacológica por drogas psiquiátricas que não podem ser suspensas ou substituídas,
sugere-se a reposição de testosterona no lugar do agonista dopaminérgico, uma vez
que este pode agravar a doença psiquiátrica. (Sugere-se acompanhar tais pacientes
com exames urológicos para avaliação prostática, hemograma, níveis de prolactina e
imagem tumoral).

D. Temozolamida8 – Agente alquilante que tem se mostrado eficaz no controle de


grande número de prolactinomas agressivos e também dos raros carcinomas
secretores de prolactina. Não disponível no nosso Serviço.

Indicação cirúrgica: Não realizamos procedimentos neurocirúrgicos no HU/UFSC.


Em caso de necessidade cirúrgica (resistência/intolerância ao tratamento clínico,
tumores císticos com efeito de massa, apoplexia sintomática, compressão/retração
quiasmática, fístula liquórica, tumores pequenos com alta chance de remissão e desejo
do paciente) o paciente será encaminhado aos Serviços que realizam Neurocirurgia e,
se necessário, embora raramente, aos Serviços de Radioterapia. Em termos de cirurgia
hipofisária, ela somente se mostrará eficaz em tumores menores e menos invasivos.
Embora a chamada abordagem endoscópica estendida venha tendo resultados
promissores, muitos tumores não serão curados cirurgicamente. No entanto, sua
remoção parcial (debulking) tem tornado possível o controle posterior com agonista
dopaminérgico8.
Figura 1- Algoritmo para investigação de hiperprolactinemia.
HIPERPROLACTINEMIA

Excluir gravidez,
Avaliar sintomas
hipotireoidismo, insuficiência
relacionados
renal e hepática, drogas

Se presente Se ausente

Realizar RM Pesquisar
macroprolactinemia

Normal
Se negativa
MicroPRLoma* MacroPRLoma*
HiperPRL PRL após
idiopática repouso

Figura 2- Algoritmo sumário para investigação de hiperprolactinemia (HiperPRL:


hiperprolactinemia; MicroPRLoma: microprolactinoma; MacroPRLoma:
macroprolactinoma; PRL: prolactina). *Incompatibilidade dos níveis de PRL vs massa
tumoral, aventar a possibilidade de desconexão de haste. Adaptado de: Glezer A.
Prolactinomas: Diagnóstico e Tratamento. In: Mendonça BB; Latronico AC. IX Curso de
Atualização em Endocrinologia na Prática Ambulatorial. FMUSP; 22 de março de 2014.

CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE DOENÇAS E PROBLEMAS


RELACIONADOS À SAÚDE:
CID 10: E22.1 (hiperprolactinemia).
CID 10: D35.2 (neoplasia benigna da glândula hipófise ou pituitária).
AGONISTA DOPAMINÉRGICO (AD)

Controlado Não controlado Intolerante

Repete PRL Outro AD


Campo visual
RM
Não controlado

Diminuir ou parar AD?


Cirurgia

Remissão Recidiva
Não controlado

Seguimento Recomeçar AD
Radioterapia

Figura 3- Algoritmo do tratamento de prolactinomas. Adaptado de Casanueva


FF, et al. Guidelines of the Pituitary Society for the diagnosis and management of
prolactinomas. Clin Endocrinol (Oxf). 2006; 65(2): 265-73.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1. Anne Klibanski. Prolactinomas. N Engl J Med. 2010; 362:1219-26.


2. Casanueva FF, Molitch ME, Schlechte JA, et al. Guidelines of the Pituitary
Society for the diagnosis and management of prolactinomas. Clin Endocrinol
(Oxf).2006;65(2):265-73.
3. Melmed S, Casanueva FF, Hoffman AR, et al. The Endocrine Society 2011:
Diagnosis and treatment of hyperprolactinemia: an Endocrine Society clinical
practice guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2011; 96:273-88.
4. Sickler TP, Glezer A, Bronstein MD. Diagnóstico Diferencial da
Hiperprolactinemia. In: Bronstein MD, Glezer A, Duarte FHG, Machado MC,
Jallad R. Manual de Neuroendocrinologia. São Paulo: Atheneu, 2015. cap.
19, p. 131-35.
5. Vilar L, Naves LA. Avaliação Diagnóstica da Hiperprolactinemia. In: Vilar L.
Endocrinologia Clínica. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. cap.
3, p. 39-49.
6. Auriemma RS, Perone Ylenia, Colao A. Tratamento dos Prolactinomas. In:
Vilar L. Endocrinologia Clínica. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2013. cap. 4, p. 50-66.
7. Glezer A, Bronstein MD. Tratamento dos Prolactinomas. In: Bronstein MD,
Glezer A, Duarte FHG, Machado MC, Jallad R. Manual de
Neuroendocrinologia. São Paulo: Atheneu, 2015. cap. 20, p. 137-42.
8. Bronstein MD. Conduta nos Prolactinomas Resistentes. In: Bronstein MD,
Glezer A, Duarte FHG, Machado MC, Jallad R. Manual de
Neuroendocrinologia. São Paulo: Atheneu, 2015. cap. 21, p. 143-45.

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