Você está na página 1de 9

Universidade de Brasília

Instituto de Ciências Sociais


Epistemologia das Ciências Sociais
Professor: Luís Augusto Sarmento Cavalcanti De Gusmão
Estudante: Heitor Claro da Silva matr: 150128967

Título do trabalho: O conhecimento Sociológico na Grande Literatura

Introdução: apresentar o que será realizado no decorrer do trabalho.

Corpo do trabalho: Identificar, nos textos literários lidos durante o período letivo, três
passagens nas quais um determinado fenômeno social é apresentado. São três fenômenos
sociais por romance.

Exemplos desses fenômenos: conflito social; racismo; sexismo; estratificação; crenças


socialmente condicionadas; instituições; vida religiosa.

Formato: nomear o fenômeno, transcrever as passagens literárias relativas a ele e comentá-


las, fazer observações em um parágrafo de até 15 linhas. Todo o trabalho deve ter, no
máximo, 15 páginas.
O conhecimento literário na Grande Literatura

Introdução
Aqui se pretente analisar a partir de quatro romances de grande valor histórico, literário e
cognitivo. De tipos psicológicos universais e contextos sociais oriundos das mais variadas
interações sociais históricas, tipos sociológicos clássicos com perfis humanos diversos
transcendendo os papéis de classe, de gênero ou de expectativa da religiosidade.
Entender e apreender os sentimentos psicológicos, desejos e afetos sociais dentro da esfera de
luta de classes, tipos universais psicológicos, na crença social, no sexismo, mas que, em todo
esse contexto empírico, pulula aos olhos as vicissitudes de cada personagem no seu périplo
de vida; de ver as crenças modularem comportamentos, aproximando ou distanciando as
pessoas, ou ainda controlando a vida social.
É nos tipos empíricos que vemos comportamentos completamente distoantes do esperado; e a
luta social de gênero apreendida nas facetas astuciosas para sair de situações conflituosas ou
sobressair-se diante de impasses machistas, enfrentando o sexismo que parece universal nas
obras, mesmo diante de dilemas de classe, de raça, ou de crença, ser mulher pode ser
complexo em qualquer ambiente, sendo o ardil uma das formas mais eficazes para se
adequar, procurar asseio ou sucesso social sendo mulher.
A grande literatura é o ambiente privilegiado para ter recursos para entender essas esferas da
quebra de paradigmas, de condutas esperadas e padronizadas. Ou a casa onde se pode viver
uma vastidão de vidas como as nossas, com amor e ódio, intensidade e dúvida, contextos
sociais e desejos emocionais, com o perfil psicológico covarde ou astucioso, etc. Este
trabalho tenta resgatar o ódio e o amor, a classe e o desejo, além da própria astúcia em
sobreviver em meio ao caos, como por os pés descalços durante seu julgamento, como fez a
Maslova, ato de coragem diante da forca social.

1)Luta de classes

a) O vermelho e o negro

O ódio social, a inveja, ou a ambição, no sentido da provação do ardil escrupuloso para


ascender na escala social, no contexto de luta de classes, perpessam toda a literatura abordada
na obra. Julien Sorel, aldeão, se torna padre sem vocação, se pretende ou se impinge a
demonstrá-la desde cedo, quando percebeu a necessidade de tentar ficar rico. O pretendente a
noviço teve oportunidade, para, por exemplo trabalhar com seu amigo Fouqué, mas a negou.
Era uma boa oportunidade pelo que se demonstra no livro, mesmo em termos financeiros,
mas a ambição, a cobiça pelo status social, pela posição de destaque na sociedade, e o gosto
pela ascenção social, tal como feito por seu herói: Bonaparte no Exército. Os tempos eram
outros, o Exército não podia ser mais naquele momento a escada social que o protagonista
pretendia, mas a Igreja estava ao alcance e tinha ali boas oportunidades de ganhar a vida de
forma fácil, ficar rico e ter posição social de relevo.
O romance passa pelo psicológico dramático de quem vive, no corpo de Julien Sorel, a
condição de classe sob amores com pessoas de outras camadas sociais, como em seu romance
com a Sra de Rênal. Ao dar aulas aos seus filhos vivia a ambiguidade de gosta-los ou se sentir
menor por ser ali um servo, um empregado, distração e decoração social para as crianças.
Com o romance tinha nele a dúvida entre a entrega e sua incredulidade pelo amor da Sra de
Rênal.
Sobre sua relação com as crianças:

“As crianças o adoravam, ele não gostava delas;”

Em relação ao seu ódio de classe:

“Para ele, tudo o que sentia era ódio e horror em relação à alta sociedade na qual era
admitido, em verdade apenas com reserva, o que explica talvez seu sentimento.”

Num determinado momento em que, de costumes e de vida simples, viu seus hábitos
“grosseiros” e suas poucas peças de roupas incomodarem a Sra de Rênal, retorquiu a ela:

“Sou pequeno, senhora, mas não sou vil, disse Julien estacando, com os olhos brilhantes de
cólera(a Sra de Rênal havia oferecido dinheiro para que ele pudesse comprar roupas) com os
olhos brilhantes de cólera e empertigando-se todo, e a senhora não pensou muito nisso. Eu
seria menos que um criado se decidisse ocultar ao Sr de Rênal qualquer coisa relacionada a
meu dinheiro.”

“Eis como age essa gente rica, ele pensava, humilham e crêem em seguida poder reparar
tudo com trejeitos!”

Aqui acima se verifica um choque de costumes em que para viver e ser “aceito” socialmente
no novo meio que habitava, a casa da família de Rênal, seus hábitos não eram suficientes.
Como amar nessas condições de pressão externa em que se é tido como inferior? Verificamos
que na relação com iguais o aldeão não se deu a emoções, vê-se que não se enamora com srta
Elisa; mas que o tato da Sra de Rênal o traz para ela mesmo nesses momentos de choque
social. Ele não fica com Elisa, que era como ele – empregada da casa, se apaixona e ama a
Sra de Rênal. É como uma escalada social, em que o afeto, os desejos, estão ancorados na
fome de ascenção social. Se ela gosta dele é, pois, que ele já é diferente dos seus.

No seu segundo romance, Julien Sorel vê nítida como a água as diferenças sociais entre ele a
srta de La Mole.

“Não vá pensar, srta de La Mole, que esqueço minha condição. Farei que compreenda e
sinta claramente que é pelo filho de um carpinteiro que trai um descendente do famoso Guy
de Croisenois(...)”

Em sua relação com a Srta de La Mole as relações de clase ficam explicitas de um modo
gritante, seja pelos vais e vens para se firmar a relação, seja, até aí, ela a dona Mathilde,
expressando sua repugnância em ter como sobrenome Sorel.
b) O mundo se despedaça

Na toada dos conflitos de classe, a ambição de subir na escada social e a necessidade de uma
postura social de tipo ideal masculino, provedor e laborioso, remete ao tipo ascético
weberiano, o que em termos estritos seria impossível, mas aqui, temos o Okonkwo que
sofrendo a pressão da coersão social, na região de Umófia, por conta da pobreza e a vida
difícil vivida por ele na infância com seu pai - pouco laborioso e pouco previdente nas
lavouras de nhame, que como músico não deixou heranças-, decidiu-se por portar-se de forma
rija e ascética, produtivo e laborioso na empreitada de enriquecer dentro do contexto social
dos ibos. Ali experimentou, com trabalho duro, o crescimento na escala social, galardonado
de diversas formas e reconhecido pela sua sociedade. Obstinou-se a ser reconhecido em
Umófia. O perfil psicológico dele foi pautado pela força de caráter e força física que, diante
das contigências, teve de criar defesas ao afeto ou criar afetos outros, que lhe parecia com a
indolência de seu pai, o pai imprevidente, ele haveria de ser o oposto, ter celeiro cheio por
exemplo. O afeto tinha ligação, ali, de não descuidar com a empreitada do sucesso social. E
era a vida como ascético e rijo que vingara para si e que tentara passar ao seu filho, com as
histórias, com a brutalidade e o caminho ao trabalho tipicamente masculino dali. Ter sucesso
era ter estoque de nhame. Mais peças na casa. Família grande. Fortes combates na juventude,
os quais Okonwo vencera.

“Aos dezoito anos, trouxera honra à sua aldeia ao vencer Amalinze, o Gato, um grande
lutador, campeão invicto durante sete anos em toda a região de Umófia a Mbaino.”

“Foi assim(pelo significado da palavra agbala – mulher ou homem que não recebia títulos)
que Okonkwo se viu dominado por uma paixão: odiar tudo aquilo que seu pai, Unoka,
amara. Uma desas coisas era a douçura e a outra, a indolência.”

A presença da gravidade pessoal, dada a rigidez de caráter, violento, e perseguição pelo


ascetismo traz a ideia weberiana, do tipo social pequeno-burguês.

c) Fogo morto

O seleiro Zé Amaro, que ficava numa posição intermediária na escala social, ocupava de
posse um pedaço para sua selaria das terras do coronel Lula na beira da estrada,enfrentava a
situação do ódio em relação ao coronel e a tudo que ele e sua categoria representavam. Havia
ali de ódio como figura psicológica, o descaso da Casa Grande nas suas viagens de cabriolé,
nas idas e vindas, a relação fria, desigual, denotava hierarquia social, de classe, e isso
proporcionava o ódio do mestre José Amaro. A inveja e o furor por deixar demarcado, por
vezes, o seu descontentamento. Os olhos, as passagens mentais, o perfil psicológico
orgulhoso deixava entrever uma fúria diferente de uma disputa de classe típica no campo
teórico. Se por um lado se via humilhado quando o coronel não o reconhecia, não o
cumprimentava, o ódio social pelo prestígio ou a falta de ascetismo da Casa Grande o
consumiam. O próprio seleiro tinha orgulho de seu pai, da profissão, mas antevia uma
situação difícil e o trabalho escasso.

“(...)Então, muito de longe, começavam a soar as campainhas de um cabriolé. O mestre José Amaro
se pôs de pé. Vinha passando passando pela sua porta a carruagem do senhor de suas terras, o dono
de sua casa. Era o coronel(...)”
pág 34
Aqui acima podemos acompanhar que a relação de subalternidade para com as figuras do
coronel Lula e do mestre José Amaro se dão na relação de propriedade e fica explicitado pela
deferência do mestre ao se levantar cumprimentar os passageiros do cabriolé ao passarem,
inclusive, e claro, o próprio coronel.

“PEDRO BOLEEIRO CHEGOU NA porta do mestre José Amaro com um recado do coronel Lula.
Era para o mestre aparecer no engenho para conserto nos arreios(...)”
pág 35

A falta de intimidade de compadrio ou a extravagância de afetos distantes, ou ainda a


cerimônia que pedia servidão ou subalternidade entre coronel e o seleiro se denota com o
encaminhar de um trabalho por meio de 'um negro', Pedro Boleeiro, ao mestre José Amaro. O
que o enfurece mais a mais a cada habitus regurgitado pela expressão crua da subalternidade
desses gestos.

d) Ressurreição

A situação de classe do princípe Nekludov em que o incômodo psicológico com a diferença


social o perturbava, oscilou durante sua vida em contato com várias fases. Se na juventude
chegara a se desfazer de propriedades como a herança do pai. É na influência da sua classe e
dos costumes aí inseridos que o fizeram racionalizar o estupro de uma mulher, mulher a qual
dizia amar durante um período. Agiu como um animal social de classe, reproduziu
comportamentos que ele mesmo viera a repudiar depois. O amor interclassista ali se via
impossibilitado, mas a animalidade via as amarras se afrouxarem diante da ideia
dezumanizadoura que degradou uma pessoa ao grau de brinquedo ou mercadoria de uso
individual de classe.
Seus costumes, roupas, hábitos, e seus privilégios o assombravam por vezes. E, assim, ele
mesmo refletia sobre seu modo de vida suntuoso e a desgraça alheia. O sentimento cristão de
culpa e a ideia de um Jesus justo socialmente e que vivesse entre o povo, ou de vida comum,
tumultuava seu pensamento para refletir e repaginar sua própria vida.
É o choque de encontrar Maslova, a jovem que havia estuprado, em sorte diversa da dele,
num banco de réus, e ele como jurado, o põe novamente na posição social de relevo diante
dela e põe, também, sua consciência para recordar que a humanidade que havia dentro de si
se avivasse.
“Nekludov tinha resolvido, logo em seguida ao encontrar Katucha nos bancos dos réus,
mudar por completo seu modo de viver; projetara alugar a casa que habiva, despedir a
criadagem e passar a viver como um estudante.”

Aqui a crise de consciência e a relação de privilégio social se chocam com a necessidade de


dar vasão à suas concepções de certo e errado. Percebe-se viver em privilégio, como antes:

“Tinha agora, depois que a morte de sua mãe fizera dele um grande proprietário, a escolher
entre dois caminhos: ou renunciar a todos os domínios, como fizera dez anos antes, quando
herdara de seu pai, ou tomando posse deles, reconhecer como falsos e mentirosos os
princípios e as convicções que outrora sustentara.”

Mas, como mostrei, só o choque com a Maslova em posição de subalternidade extrema e em


oposição à dele, juntamente com o peso na consciência do que ele havia feito, que trouxe suas
reflexões à tona novamente. A luta interna na percepção da posição de classe dele ficam
latentes na obra, mas ficam mais vivas nas caracterizações psicológicas que vivificam o
romance entre o princípe Nekludov e a Maslova, os destinos sociais são diversos, os
comportamentos um com o outro, que da inocência passa para a realidade de classe, se
solidifica na imagem dos pés descalços, a invisibilidade do princípe para ela no momento do
seu julgamento, em que ela se vê cercada por seus algozes.

2) A mulher

a) Fogo morto

A relação subalterna das mulheres é algo ímpar em todas as obras. Com exemplos de altivez e
perspicacia na independência de gênero, como no caso da Adriana, em Fogo morto. Mulher
que trabalhava, ficava com o Capitão Vitorino por gosto, cuidou de seu filho(do futuro do
menino, mesmo a despeito da saudade no peito que ocasionou a ida do guri ao Rio de
Janeiro) e era uma mulher autonoma.

“A velha Adriana só pensava no filho. Ele, que gostava tanto de ouvir o pai nas gabolices,
nas histórias de valentia, lá de longe nada poderia fazer por ele, espancado, emurrado como
um cão sem dono. Não, ela imaginara em abandonar o marido, em deixa-lo sozinho para
que ele sofresse sem amparo, sem um coração amigo que velasse por ele. Quisera abandonar
o pobre Vitorino. Era ruim, era ingrata, sem préstimo. Se tivesse feito o que desejara seria a
pior das criaturas.”

Aqui acima a mulher que só ela sabia lidar com as galinhas, que andava pelas casas com
intimidade, permeava os ambientes, cuidava do marido quando pensava em se ir, podia estar
com o filho, mas aqui demonstra ternura, carinho, e um senso de moral forte.
A Marta, do seleiro Zé Amaro, aqui, adoece, batia nas paredes, enlouquece. Sua mãe sentia
nojo do marido. A relação das duas aqui é desamparo: a sela que ele batia com força e
colérico, era, como uma cela, que prendia cada alma dali de sorrir.
b) O vermelho e o negro

As mulheres nessa obra tem retratos sociais de uma perspicácia singular: a manietagem do Sr
de Rênal e do Marquês de La Mole por sua esposa e sua filha, respectivamente, é de admirar.
A despeito das realidades de repressão de gênero, das lutas sociais agudas postas no cenários
de Restauração na França, fica patente que o perfil psicológico é transcendente em alguns
momentos. Sem essa flexibilização da vida social pelos perfis universais do caráter, a própria
noção de sociedade, que requer afeto, desejo conflito estaria ameaçada.
A parte que a Sra de Rênal controla e planeja a situação toda para se afastar da pestilência do
burburinho social sobre sua vida e seu relacionamento com Julien Sorel é magistral, dado que
é na base empírica da vida social que esses perfis universais revelam o mais óbvio: mesmo
diante de contextos sociais pérfidos para a categoria social específica, a meios de se dizer que
o de humano permanece. A mulher ali engana seu marido contra todas as convenções sociais
para manter-se de pé, com seus filhos, e sua vida intocadas, mesmo diante do vendaval de um
relacionamento completamente marginal naquela sociedade.
Para Mathilde a grande barreira social era como mostrar-se como uma heroína, nobre de
valores, aventureira, que resgata no amor valores nobres perdidos numa vida de convenções.
O amor proibido interclassista é para ela uma aventura e um desgosto, veja a reação dela ao
pensar que teria de carregar o sobrenome do marido aldeão. A força espiritual para romper
convenções e sair da zona de conforto é tamanha que a obra mostra o contentamento dela em
fazer o mausoléu de seu amor morto.

“A sra. De Rênal teve um sague-frio inalterável durante toda essa penosa conversa, da qual
dependia a possibilidade de viver ainda sob o mesmo teto com Julien. Ela buscava ideias que
julgava mais capazes de guiar a cólera cega do marido.”
pág 94

“Mathilde apareceu no meio deles(aldeões) em longas vestes de luto e, no final do serviço,


mandou distribuir-lhes vários milhares de moedas de cinco francos.”
pag 353

c) O mundo se despedaça

A divisão de gênero entre os ibos aqui é destoante de forma que o nhame era de produção
masculina, a criação de hortaliças e criação de pequenos animais para a mulher. Essa relação
desigual mas pertencente ao grupo e contexto social vai produzir violências ou esteriotipos
como as histórias da mãe e do pai de Nwoye. Se as histórias do pai refletiam virilidade e
força, as da mãe astúcia e perspicácia com afetuosidade. A poligamia era presente e as
relações eram em detrimento da mulher, o que não impede que as relações psicológicas
universais aparecessem: na juventude de Okonkwo ele e Ewefi se apaixonaram, mas ele era
pobre, mas mesmo assim ela fugiu do seu destino para ficar com ele.
Duas cenas são muito relevantes: a mesma mulher que fugiu para ficar com Okonkwo fora a
mesma que apanhou e quase levou um tiro de espingarda. Veja:
“(...) a segunda mulher de Okonkwo havia cortado algumas folhas para embrulhar certos
alimentos. E isso foi o que eladisse a Okonkwo. Ele, sem mais discussão, deu-lhe uma boa
surra(...)”
pág 58

“(...) a mulher que acabara de ser espancada murmurou qualquer coisa a respeito de
espingardas que nunca eram usadas. Infelizmente para ela, Okonkwo ouviu o comentário.
Correu furioso para o quarto, à procura da arma. E, de volta, apontou a espingarda na
direção da mulher, que tentava saltar por cimado murinho do celeiro. Apertou o gatilho e
ouviu-se um estouro muito forte,(...)” pág 59

d) Ressurreição

Aqui no retrato de uma mulher que serve como criada na casa das tias do princípe Nekludov
vive a forma acabada de uma gente sem eira e beira, sem família e sem história. O nome fora
dado pelas tias do princípe. Ela mesma nascera de uma outra aldeã, criada também. Foi
adotada e como Katucha vivia de cuidar da casa das senhoras que a deram o teto. Foi nesse
vida que cruzou com a do jovem que vinha fazer sua monografia do final do curso de Direito.
Foi violada no seu quarto e abandonada com 100 rublos pelo uso de seu corpo. E, grávida,
novamente abandonada pela suposta família que a tinha acolhido. De casa em casa, como
empregada doméstica, era estuprada, assediada, violada, e de tanto ser usada, decidiu cobrar
por isso, e assim, ter certo controle sobre seu próprio corpo. Que tipo de universalização
psicológica ou sociológica se poderia fazer aqui que não a óbvia: a falta de estrutura social de
quem vive do trabalho, seja no sistema russo tzarista, ou noutra sociedade de classes, relega
às suas a condição de ingente de seu próprio corpo, reificada até aí. Mas na universalização
do seu espírito tem -se aí o aspecto da mulher que tenta sobreviver com um mínimo de
astúcia diante da violência social que lhe é impingida.

“A concepção fundamental do seu modo de ver, baseava-se em que a principal felicidade de


todos os homens sem exceção-velhos e novos, ricos e pobres, instruídos ou analfabetos-era a
posse corporal da mulher.”
pág 167

3) A religião

a) O mundo se despedaça

A sociedade parece ter um conjunto de normas sociais regidas pelos sacerdotes, sacerdotizas,
instituições sociais reguladoras das épocas, do ano, das colheitas, da vida social em geral e
dos costumes. A etnia ibo cultua várias divindades em que as oferendas, festivais e ligações
diretas entre as estações do ano, colheitas e costumes são uma conexão. Quem descumprir as
leis divinas interfere no bom funcionamento da sociedade e das instituições. Quem
descumprir é punido pelos sacerdotes e leva má sorte consigo. Cada pessoa possui um deus, o
chi.
As ações pessoais são influenciadas pelos oráculos, o Agbala. Mensageiro dos deuses. O
Festival do Inhame Novo e a Semana da Paz são exemplos que permeiam a obra e que trazem
a ideia de como a religiosidade foi importante para definir padrões de conduta.

“Apesar desse incidente(de Okonkwo ter atirado na própria esposa), o Festival do Novo
Inhame foi celebrado com grande alegria na família de Okonkwo. Naquela manhã bem cedo,
quando levara a oferenda sacrificial de inhame nome e de óleo de palma aos ancestrais, ele
lhes pedira que o protegessem, bem como a seus filhos e as mães deles.”
pág 59

b) Fogo morto

A fé vira refúgio da vida que presente, quer estar atrelada ao passado. José Lins do Rego pode
trazer a crendice com a historinha do lobisomen, mas o mais certo é que a o Santa Fé não
produzia mais vida e só a tentativa de manter o espírito de um morto que não voltaria, que
seria o fim da escravidão e o declínio dos engenhos, a fé trouxe para o coronel a necessidade
de se amarrar nas tradições, no controle sobre a filha e a família, as aparências, r sob
influência do negro Floripes a Casa Grande mais parecia uma igreja.

c) O vermelho e negro

A fé aqui ela é contingente, serve e dá serventia à Restauração, é caminho de Julien Sorel


para sua empreitada de ambição social. De mobilidade social. Ser padre e fazer parte do clero
significava para a maioria a única oportunidade de mesmo não sendo da elite se poderia
progredir na escala social. Juntar fortuna. Ter privilégios e status social. A hiprocrisia e os
privilégios são patentes ali e figuram de forma bastante clara nessa sociedade, em que os
rituais para avançar ou permancer em determinado posto social ainda depende de instituições
sociais mediadas pela ideia de fé.

d) Ressurreição

Aqui Tolstoi mostra diversas vezes as instituições religiosas e a desambiguação entre a fé e


ligação entre os possíveis fieis e o discurso oficial. A missa e os rituais sem significado
perdem sua aderência social, mesmo para pessoas presas. A língua falada nas missas, os
textos, as simbologias trazem, para o autor, forma e conteúdo diversos dos ensinamentos
bíblicos. A verdadeira fé seria entregar-se às orações solitárias,em misturar-se ao povo e seus
anseios, além de estar em vida ascética.

Você também pode gostar