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a difusão do Plano
de Melhoramentos de Campinas de Prestes Maia na exposição de 1939
Resumo Abstract
O artigo apresenta o contexto de realização da
Exposição-Feira do Bicentenário de Campinas, This paper presents the setting of the organiza-
de 1939 e que durante 90 dias serviu como es- tion of the 1939 Exhibition-Fair for the Bicenten-
paço para a apresentação à população do Plano nial of Campinas, which, during 90 days, exposed
de Melhoramentos Urbanos, elaborado pelo en- the Urban Improvement Plan designed by engi-
genheiro-arquiteto Francisco Prestes Maia com neer-architect Francisco Prestes Maia to the pop-
o objetivo de legitimar a implantação do plano e ulation both to legitimate its implementation and
inserir Campinas na “modernidade”. Ela se con- to bring Campinas into the “modern age”. This
figurou como um evento regional, que procurou regional event sought to introduce the idea of
apresentar a ideia de progresso e apontar o ca- progress and highlight its own modern character,
ráter moderno do evento, intimamente ligado à closely linked to the formation of a national iden-
formação de uma identidade nacional durante o tity during the Estado Novo (New State). It thus
*Doutoranda do POSURB - forms part of the tradition of the city planning dis-
Estado Novo. A exposição insere-se na tradição
Programa de Pós-Graduação da disciplina do urbanismo que pelo seu caráter cipline, which, since its formation, because of its
em Urbanismo PUC-Campinas operativo utiliza desde a sua formação este espa- operative nature, has used such spaces to pro-
**Doutorando do POSURB - ço como o de troca de experiências entre profis- mote exchanges of experiences between profes-
Programa de Pós-Graduação sionais e de difusão junto à população das novas sionals and disseminate new proposals of urban
em Urbanismo PUC-Campinas propostas de intervenção nas cidades. interventions to the population.
***Docente do POSURB - Pro-
grama de Pós-Graduação em Palavras chave: Exposição-Feira do Bicentenário Keywords: Exhibition-Fair for the Bicentennial of
Urbanismo PUC-Campinas de Campinas, Estado Novo, identidade nacional. Campinas, Estado Novo, National Identity.
Introdução
Para os historiadores do urbanismo - city plan- das experiências” através de diversos canais de
ning, o período entre 1904 e 1914 é considerado difusão que se configuram como lugar de ama-
fundamental para a emergência da nova discipli- durecimento do debate. (CALABI, 2012, p. 5)
na; é neste período que se dá o debate em torno
da formação deste campo de saber. Neste de- Dentre os canais de difusão da nova disciplina,
bate, de caráter interdisciplinar e internacional, destacam-se os congressos, seminários e as
muitas publicações divulgavam as experiências primeiras revistas, que permitem o amadureci-
europeias na América, sobretudo as alemãs; mento do debate; as exposições, que se confi-
assim como as experiências americanas foram guram como oportunidades para a divulgação
difundidas na Europa. Esta troca de experiên- das ideias e dos projetos realizados; os estudos
cias foi emblemática na construção da discipli- teóricos, histórico-teórico, os manuais, que favo-
na urbanística e foi marcada pela promoção de recem a organização de um saber adquirido, de
exposições, conferências, encontros e contatos teorias já configuradas; os estatutos das associa-
pessoais entre os profissionais pioneiros neste ções profissionais dos engenheiros e arquitetos,
campo de conhecimento. (COLLINS, 2005, p. 21) que tem caráter de postulados e que refletem nos
regulamentos e nas leis. (CALABI, 2012, p. 5)
Para Donatella Calabi, a dimensão internacional
se torna determinante na construção da nova A rápida expansão das cidades na Europa e na
disciplina, pois viabiliza “a construção de um América, na passagem do século XIX para o XX,
sentido de comunidade profissional que vai além chamava a atenção de um grande número de
das fronteiras nacionais, permitindo a circulação profissionais com diversificadas experiências.
os primeiros Congrès D’Art Public; e atingiram a cidades de Budapeste, Estocolmo, Munique, Co-
maturidade e independência na exposição ocorri- lônia, Londres, Paris, Viena, Chicago e Boston.
da em Dresden, na Alemanha, em 1903.
O ano de 1913 foi marcado pela realização dos
O VII International Congress of Archiects, realiza- últimos encontros significativos desse período.
do em Londres, em 1906, também contou com a Coincidentemente, todos realizados na Bélgica
presença de importantes urbanistas como o ale- e Holanda, onde estiveram presentes Joseph
mão Joseph Stübben, o belga Charles Buls e o Stübben e Charles Buls.
inglês Raymond Unwin.
Nos Estados Unidos, a Primeira Conferência Na-
Em 1910, Londres também sediaria um dos mais cional sobre City Planning, ocorreu em Washing-
importantes eventos do período: a Town Planning ton, em 1909. Nela, Frederick Law Olmsted Jr.,
Conference, que conseguiria reunir a plêiade dos que havia retornado recentemente de viagens
urbanistas da época, representando países de na Europa, afirmou em seu discurso que muito
todos os continentes. Nesse mesmo ano, na Ale- poderia ser aprendido dos acertos e erros das
manha, em Berlim e em Dusseldorf, outros dois experiências europeias. Em suas explanações,
Figura 4. Perspectiva “olho de pássaro”, para o plano da encontros já tinham discutido os planos apresen- fez amplos relatos das experiências alemãs,
Grande Berlim, em 1910. Desenho de Bruno Schmitz. Fonte: tados no concurso para a “Grande Berlim” (Figura sobretudo a respeito das regulamentações das
Portal Europeana. Disponível em: http://www.europeana.eu/
portal/record/08535/local__default__8009.html Acesso em: 4). Neste evento houve uma exposição onde cons- construções e do zonning, assim como sobre as
03 nov. 2015. tavam trabalhos de urbanismo elaborados para as disposições para que os proprietários de imóveis
cedessem terra para abertura de vias e outros
usos públicos. Neste mesmo ano de 1909, um
grupo de profissionais e empresários de Boston,
liderados por Edward Albert Filene, um reforma-
dor social, concebeu um ambicioso plano para
conectar 37 pequenas cidades vizinhas numa
unidade metropolitana. Este plano, denominado
Boston 1915, detalhava melhoramentos urba-
nos – civic improvement – para os próximos seis
anos. Uma exposição foi realizada no mesmo ano
de 1909, em Boston, para divulgar este plano,
assim como outras experiências nacionais e in-
ternacionais neste campo. Seus promotores es-
tavam convencidos de que as melhorias urbanas da disciplina. Voltada para o planejamento da ci-
e o progresso econômico eram essenciais para dade e Berlim, se configurou como o locus de
o aperfeiçoamento da cidadania e proclamavam uma discussão internacional sobre o futuro das
que a experiência de Boston poderia ser aplicada metrópoles e sobre as novas ideias no campo do
em outras cidades que pretendessem estimular urbanismo. No mesmo ano, uma exposição simi-
a consciência cívica. Na sessão internacional da lar foi realizada em Düsseldorf. Em todas estas
exposição de Boston, chamou a atenção um pla- exposições, Boston, Berlim e Düsseldorf, o Pla-
no para a Grande Berlim, o que promoveu a futu- no de Chicago de Daniel H. Burnham e Edward
ra exposição de Berlim no ano seguinte de 1910, H. Bennett foi exposto como uma experiência de
assim como o interesse dos americanos por ela. grande envergadura. No mesmo ano de 1910, na
Todavia, para os profissionais envolvidos no de- sequência das exposições de Berlim, a primei-
bate sobre o planejamento das cidades ameri- ra, e de Düsseldorf, logo em seguida, foi reali-
canas, as experiências alemãs eram vistas com zada em Londres a Town Planning Conference
receio, sobretudo no que concerne à questão da do Royal Institute of Architects (RIBA) na qual o
gestão municipal ou governamental. Temiam que Plano de Chicago também era uma das princi-
a solução para os problemas urbanos implicasse pais peças em exposição. Segundo Christiane
no socialismo. Um equilíbrio entre o laissez-faire Collins, Werner Hegemann comentaria na época:
Americano e um comprehensive city planning era
1 Os esforços para chegar a almejado. (SALGADO, 2014, pp. 17-18) The efforts to arrive at a comprehensive master
um plano diretor abrangente
para toda a área da Grande
plan for the entire area of Greater Berlin have
Berlin levaram recentemente Observa-se assim, nesta época, que as exposi- recently found an instructive example in Chica-
a um exemplo instrutivo que ções sobre o tema do planejamento da cidade go. Chicago with its population of two million
é o caso de Chicago. Chica-
go, com sua população de
passam a ser concebidas como um veículo para is appropriate to a certain extent for a compa-
dois milhões de habitantes, estimular um público mais amplo a refletir sobre rison with growth of Greater Berlin in the past
é apropriada, em certa me- as questões e problemas urbanos e visavam in- half century, while older cities of millions, whi-
dida, para uma compara-
ção com o crescimento da
centivar uma participação cívica. Frederick Law ch culturally should preferably be compared
Grande Berlin no último meio Olmsted Jr., Raymond Unwin, Patrick Geddes e with Berlin, have grown much more slowly.1
século, enquanto as cidades Werner Hegemann, entre outros, comungavam (COLLINS, 2005, p. 39)
mais antigas com milhões de
habitantes, que culturalmen-
estas ideais e pensaram numa exposição inter-
te deveriam preferencial- nacional para divulgar e debater as novas ideias As condições históricas de formação da gran-
mente ser comparadas com sobre o city planning, o urbanismo. Nasce assim de metrópole de Chicago, no início do século
Berlin, têm crescido muito
mais lentamente. Tradução
a Exposição Universal sobre o City Planning de XX, assim como as propostas para o controle
livre nossa. Berlim, de 1910, fundamental para a emergência do seu crescimento urbano, sobretudo o Plano
de Burnham e Bennett, colocam esta experiên- ning – urbanismo, era maior que o europeu. O foco
cia no centro do debate sobre a emergência da dos europeus estava mais na arquitetura do que
nova disciplina. no urbanismo e na reforma social. Entretanto, os
berlinenses acreditaram que através da exposição
Um dos participantes da exposição de Berlim de de 1910, teriam uma oportunidade para debater
1910, Bertel Jung de Helsinki, destacou como o sobre as questões da planificação urbana. So-
mais interessante dos salões, aquele onde era mente com o final da Primeira Guerra Mundial é
possível conferir um conjunto de literatura no que as experiências europeias no campo do urba-
qual poderia abrigar o conceito de Städtebau – nismo ganham vulto. (COLLINS, 2005, p. 59)
urbanismo. Para ele, como para muitos outros,
a exposição representava um seminário ou uma As exposições sobre planos urbanísticos foram
universidade aberta, que permitia o contato com de grande relevância para a construção da disci-
os novos livros, oferecia palestras, sessões de plina na medida em que permitiam o debate e a
discussões, defendendo uma compreensão troca de experiências entre diversos países, tanto
abrangente desta nova e dasafiadora disciplina. no que se referia ao conhecimento das realidades
urbanas de diversas cidades como ao contato
Um dos organizadores das exposições de Berlim com os profissionais do campo e seus projetos
e de Düsseldorf, assim como da exposição de de intervenção para estas cidades.
1909 de Boston, Werner Hegemann publica, em
1911, sua obra intitulada Der Städtebau, na qual 3. A participação dos Brasil nas exposições uni-
afirma, como em outros artigos posteriores, que versais e nos fóruns internacionais de urbanismo
o primeiro e mais importante propósito do urba-
nismo é a satisfação digna das necessidades ha- Conforme dados extraídos de Schroeder-Gudehus
bitacionais no sentido mais amplo do termo e que & Rasmussen a participação do Brasil nas princi-
a maior causa da situação de pobreza urbana em pais exposições universais foi mais significativa
toda parte era a especulação imobiliária. A con- nos anos de 1862, em Londres; nos anos de 1867
fecção desta obra está diretamente relacionada e 1889, em Paris; no ano de 1876, na Filadélfia; no
com o contexto da difusão das experiências ame- ano de 1904, em Saint-Louis; e no ano de 1910,
ricanas e europeias nas exposições internacionais em Bruxelas (Figura 5). (SCHROEDER-GUDEHUS
nos dois continentes. (COLLINS, 2005, p. 48) & RASMUSSEN, 1992, pp. 58-179)
Para Christiane Collins, antes da Primeira Guerra Após quase 60 anos da primeira grande expo-
Mundial, o interesse dos americanos no city plan- sição de Londres, o Rio de Janeiro sediou uma
grande exposição nacional, em 1908, inauguran- o caso da Exposição de 1908 em São Paulo,
do, assim, o Brasil como sede de eventos signifi- preparatória para a Exposição Nacional no Rio.
cativos na área urbanística. (LIMA, 2012, p.11)
A comemoração do Centenário da Abertura dos O Brasil foi o único país em toda a América Latina
Portos, em 1808 sacramentou a entrada oficial a sediar uma Exposição Universal, em 1922, no
do Brasil no mercado internacional, além disso, Rio de Janeiro e talvez a justificativa maior não
marcaria um novo caminho do Brasil. Segundo fosse nada além do que comemorar o centenário
Silvia Ribeiro de Oliveira, “A Exposição de 1908, da independência. (SANTOS, 2013, p. 9)
oferecia aos visitantes várias atrações como: res-
Figura 5. As exposições universais entre 1851 e 1913. Fonte: taurantes e o Teatro João Caetano, onde eram
SCHROEDER-GUDEHUS, Brigitte, RASMUSSEN, Anne. Les
apresentadas as peças dramáticas, musicais,
fastes du progres: le guide des expositions universelles 1851-
1992. Paris: Flammarion, 1992. p. 58. consertos sinfônicos e óperas atraindo a intelec-
tualidade da época” (OLIVEIRA, 2010, p. 18)
Para Paula Coelho Magalhães de Lima: Nos primeiros fóruns internacionais de urbanis-
mo, destaca-se a presença de alguns brasileiros,
As exposições nacionais, preparatórias para as com participações esporádicas, como Saturnino
Universais, começam a acontecer no Brasil em de Brito, Afrânio Peixoto, Arthur Motta e Victor da
1861 no Rio de Janeiro com o intuito de inven- Silva Freire. Este último, foi um dos mais assídu-
tariar as riquezas do país e selecionar o que ha- os participantes desses fóruns e esteve presente
via de melhor para representá-lo internacional- nos encontros realizados entre 1910 e 1913. Freire
mente. Porém, antes das exposições nacionais, que, na ocasião era diretor de obras municipais
organizavam-se exposições regionais, como foi em São Paulo, no período de 1899 a 1926 e len-
te catedrático da Escola Politécnica, como indica cipais, e nomeia Victor da Silva Freire, primeiro
José Geraldo Simões Junior, “(...) foi o principal como chefe e depois como diretor da Secção
responsável pelo translado desse ideário interna- (depois, Diretoria) de Obras da Prefeitura, cargo
cional para o Brasil, no período anterior à Primeira que ocupou até 1926. (COSTA, 2011, p. 120)
Guerra Mundial”. (SIMÕES JUNIOR, 2014, n.p.)
O engenheiro-arquiteto Luiz de Anhaia Mello, na
Em São Paulo, a difusão do urbanismo entre os década de 1920, segundo Maria Stella Martin
profissionais responsáveis pela administração Bresciani, também atuava na cidade de São Pau-
das cidades e do território terá como primeiro lo, à frente do Instituto de Engenharia, aonde era
protagonista Victor da Silva Freire, considerado diretor, e da Escola Politécnica de São Paulo, aon-
um representante do movimento internacional da de era vice-diretor e docente, expondo em suas
disciplina em formação. No começo do século aulas e conferências a convicção e que o urbanis-
XX, Victor da Silva Freire argumentava sobre a mo “exigia a cooperação, sendo indispensável o
necessidade de se ter nos estabelecimentos de apoio dos cidadãos para a necessária resolução
ensino, se referindo seguramente à Escola Poli- dos problemas postos pela expansão da cidade”,
técnica, cadeiras que se dedicassem a ensinar, ideia esta que defendeu, por exemplo, na primeira
debater e expor, de forma científica os temas reunião da recém-criada Divisão de Urbanismo do
referentes à cidade moderna; ou seja, defendia Instituto de Engenharia de São Paulo, em confe-
a institucionalização de um campo de saber es- rência denominada “A Verdadeira Finalidade do
pecífico sobre a produção do espaço construído Urbanismo”. (BRESCIANI, 2010, p. 149)
em bases científicas e modernas – o urbanismo.
(COSTA, 2014, p. 120) A literatura sobre o tema da institucionalização
do urbanismo em São Paulo revela que intenso
Segundo Luiz Augusto Maia Costa, desde a admi- debate foi realizado nas primeiras décadas do
nistração do prefeito e conselheiro Antônio Prado, século XX, no território paulista, entre Anhaia
Mello e Prestes Maia, sobre os princípios da
Victor da Silva Freire passou a exercer o papel nova disciplina e sobre a melhor maneira de fazer
mais relevante na produção do espaço constru- a gestão da cidade. O debate entre estes dois
ído da capital paulista. Em 1899, o conselheiro protagonistas do urbanismo paulistano também
Antônio Prado assume a prefeitura do muni- esteve presente na cidade de Campinas, aonde
cípio e transforma a Intendência de Obras em ambos foram contratados para a elaboração e
Seção de Obras, a qual, posteriormente, am- um plano de melhoramentos entre o final da dé-
pliada, deu origem à Diretoria de Obras Muni- cada de 1920 e o final da década de 1930. Con-
cluído o plano, em 1939, de autoria de Prestes posta por 35 membros, contou com a presença
Maia, uma exposição foi idealizada e realizada na na abertura do evento do interventor federal no
cidade com o intuito de divulgar o plano, repro- Estado de São Paulo, Adhemar de Barros, o en-
duzindo uma das estratégias de consolidação da tão prefeito da capital Francisco Prestes Maia, o
disciplina: a divulgação e o debate público para prefeito nomeado de Campinas, Euclydes Vieira
o convencimento da oportunidade da realização e demais autoridades municipais, empresários, a
das transformações propostas. imprensa etc. O início da exposição ocorreu em
23 de setembro de 1939 e teve a duração de 90
4. A Exposição-Feira do Bicentenário de Cam- dias, atraindo a população de Campinas, das ci-
pinas de 1939 e a difusão do Plano de Melho- dades do seu entorno e de todo o Estado.
ramentos Urbanos de Prestes Maia
O relatório de 1939 do prefeito Euclydes Vieira
Uma grande exposição em homenagem ao bi- destaca que:
centenário da cidade de Campinas foi realiza-
da, em 1939. O evento foi promovido pela pre- A duração dêsse certame foi de 90 dias, tendo
feitura da cidade e por uma “comissão oficial seu funcionamento constituído uma das mais
de festejos”, contando com stands de várias brilhantes de tôdas as festividades. Esta reali-
espécies: empresas, comércio, cidades vizi- zação foi de relevante relevância para a cida-
nhas, agricultores etc. de, – considerando o elevadíssimo número de
visitantes que aqui estiveram, vindo de todos
A Exposição-Feira do Bicentenário de Campinas os pontos do Estado e dos principais centros
serviu como espaço para apresentar à popula- do país. (VIEIRA, 1940, p.31)
ção da cidade o Plano de Melhoramentos Ur-
banos, elaborado por Francisco Prestes Maia. Além das comemorações cívicas, o evento bus-
Apesar das reinterpretações históricas sobre a cou inserir a cidade na “modernidade”, confor-
data da fundação de Campinas na época (1739 mada pelo Plano de Melhoramentos Urbanos
ou 1774), optou-se pela comemoração em 1939 e o progresso marcado pela crescente indus-
do aniversário da cidade com o objetivo de legi- trialização. Buscou-se também a formação de
timar a implantação do plano de remodelação da uma nova identidade para a cidade, durante o
cidade, recém-concluído. período de exceção da Era Vargas (1930-1945),
no qual observa-se a sua inserção num projeto
Patrocinada pela Prefeitura Municipal de Cam- de estado para a formação de uma nova iden-
pinas e organizada por uma Comissão com- tidade nacional.
cidade, a Prefeitura promoveu, com grande Zakia enfatizou sobre a importância da exposi-
sucesso, uma Exposição, nos terrenos do Jo- ção para o urbanismo regional, dizendo que a ex-
ckey Club. O arruamento do local, construção posição servia de forma simbólica:
de escadaria de acesso ao pórtico de entrada,
pavimentação, revestimento das ruas, ajardina- (...) para demarcar o nascimento da cidade in-
mento e diversas vedações, foram executados dustrial e moderna. Até a ideia de realizar uma
pela Diretoria de Obras e Viação, com a des- exposição-feira comemorativa estava em sinto-
pesa de 26:310$600. Por intermédio da mesma nia com o contexto de modernidade que se de-
Diretoria, a Prefeitura concorreu – ainda com sejava afirmar. Enquanto, no mesmo ano, a Fei-
51:722$600, para o Pagamento do Pavilhão ra Mundial de Nova York, intitulada O mundo de
do Município, que constituiu uma das maiores amanhã, exibia ao público todas as novidades
atrações da Exposição. (VIEIRA, 1940, p.14) do mundo moderno; em Campinas, a Exposi-
ção-Feira do Bicentenário apresentava a cida- tado Novo, que se inicia em 1937, fazendo clara
de moderna, industrial e progressista na qual alusão à imagem de Getúlio como o “líder supre-
Campinas havia se transformado. Estava, pois, mo” da nação, numa espécie de “culto à imagem
oficialmente consolidada a inserção da outrora do líder político”.
provinciana Campinas no mundo moderno. Os
festejos foram inaugurados com a presença do A Exposição-Feira contava com 14 pavilhões,
interventor estadual e dos representantes do sendo eles: Município de Campinas, Secretaria
poder público municipal. (ZAKIA, 2011, p. 98) da Agricultura, Indústria e Comércio, Município
de Americana, Município de Amparo, Cia. Mogia-
A exposição foi o marco de mais uma etapa desse na de Estradas de Ferro, Cia. Paulista de Estra-
projeto de modernização de Campinas. Era, por- das de Ferro, Eletro Radio Casa Telefonica, Bar-
tanto, o momento de iniciar efetivamente as obras. reto Leme, Campos Sales, Grill-Room e Cassino,
Bar Concerto “Bavaria”, Casa da Cegonha, Sor-
5. O contexto histórico de realização da expo- veteria Pol-o-nor e Cafés Cruz e Bourbon (RE-
sição de Campinas VISTA OFICIAL, 1940, p.155). Nesses pavilhões
foram organizados estandes que apresentavam
Para a exposição e Campinas de 1939, foi con- as atividades de cada setor ali representado.
feccionada e distribuída a “Revista Oficial da
Exposição-Feira do Bi-Centenário de Campinas As diversas escolas locais (Ginásio Estadual Culto
(1739-1939)”, que continha 166 páginas. à Ciência, Colégio Ateneu Paulista etc.) marcaram
presença no evento com desfiles. Rubem Costa,
Logo nas primeiras páginas da revista mencio- que em 1939 trabalhava com jornalista no jornal
nada, encontram-se as fotografias do então Pre- Diário do Povo, comenta a apropriação do ensino
sidente da República Getúlio Vargas, seguido feita pela ditadura para garantir sua legitimidade:
do Interventor Federal do Estado de São Paulo
Adhemar de Barros, o Comissário Geral da Expo- A agregação da juventude ao empreendimen-
sição João Artacho Jurado e o Prefeito de Cam- to político sempre foi substrato dos chamados
pinas Dr. Euclydes Vieira. governos fortes. E, obviamente, o lugar mais
adequado para inoculação de conceitos for-
Figura 9. Plano de Melhoramentos de Campinas: pers- A primeira foto da revista, que parece ser uma mais plasmadores da personalidade – é a es-
pectiva da Avenida Campos Sales. Fonte: Revista Ofi-
foto oficial de Getúlio Vargas, remete ao fato de cola regular – oficial ou particular – que na sua
cial da Exposição-Feira do Bi-Centenário de Campinas
(1739-1939. São Paulo: J. Gozo, 1940. que o momento histórico no qual foi realizada a definição mais singela é “núcleo de preparação
exposição era aquele do período ditatorial do Es- para os embates da vida.” Dela se apropriam
as ditaduras para garantia positiva da liderança. dernas, obedecendo aos preceitos do urbanismo
(COSTA, 2013, p.89) moderno. (BADARÓ, 1996, p.38, grifo nosso)
Os estabelecimentos de ensino, portanto, eram A Era Vargas, ou seja, o período no qual a Ex-
os locais adequados para a legitimação do go- posição do Bicentenário de Campinas foi reali-
verno totalitário do Estado Novo, pois a escola zada, iniciada após a Revolução de 1930, quan-
tinha o papel da formação de uma pretensa iden- do Getúlio Vargas assume o governo provisório,
tidade nacional homogênea, através da partici- rompeu com toda a estrutura política da Primeira
pação em eventos cívicos, de caráter político. República e procurou estabelecer um novo proje-
to de Estado-Nação. Isso se dá, entre outros as-
Na década de 1930, apesar dos momentos de cri- pectos, com a criação de novas instituições, com
se econômica e política, provocados pela Gran- a centralização do poder na esfera federal, com
de Depressão de 1929, a Revolução de 1930, a o fechamento das Câmaras Municipais e Estadu-
discussão sobre um plano de remodelação para ais, o Ministério da Educação e Saúde, em 1930
Campinas esteve em pauta desde 1929, visando e o Departamento de Imprensa e Propaganda.
à modernização da cidade industrial.
Com o Estado Novo, em 1937, instituído através
Em 1934, decide-se pela contratação do enge- de um golpe de estado dado pelo próprio Vargas
nheiro-arquiteto Francisco Prestes Maia para a que, outorgando uma nova Constituição, na qual
confecção do plano, o qual denominou-se Plano garantiu a si mesmo plenos poderes, inicia-se a
de Melhoramentos Urbanos. Para Ricardo Ba- ditadura que flertava com governos autoritários
daró, é evidente que a implantação do plano de europeus. De acordo com Thomas E. Skidmo-
Prestes Maia se deu num contexto de “moder- re, “As novas formas constitucionais eram uma
nização”, pois para ele o plano seria uma ex- imitação dos modelos corporativos e fascistas
periência pioneira de urbanismo em Campinas europeus, especialmente de Portugal e da Itália.”
(BADARÓ, 1996, p.14) (SKIDMORE, 2010, p.61)
Ricardo Badaró afirma ainda que, as ruas estrei- As atividades culturais nesse período estiveram
tas da área central apontavam para o “século em sintonia com a política de estado, objetivando
passado” e representavam a antítese do progres- o disciplinamento e padronização da vida coti-
so. A solução para a modernização de Campinas diana, seja através da educação escolar, seja pe-
seria a abertura de grandes avenidas, o que tor- las próprias manifestações da cultura nacional,
naria possível a construção de edificações mo- como parte de um projeto de nação, que visava
a construção de uma nova sociedade e de um bora não tivesse diploma de arquiteto, projetou
novo trabalhador. e construiu diversos edifícios em São Paulo.
(ZAKIA, 2011, p.92)
O desfile das escolas (públicas e particulares)
locais durante a abertura da exposição atesta a O contrato para a realização da Exposição-Feira,
forma pela qual o Estado Novo procurava garan- foi concedido ao Snr. João Artacho Jurado, cuja
tir positivamente sua legitimidade, assim como a idoneidade moral e reconhecido tirocínio téc-
exaltação do seu líder. Eric Hobsbawm esclarece nico, em emprêsas dêste gênero, ficaram mais
o uso da educação regular como instrumento de uma vez provados, – na organização do citado
formação de identidade: empreendimento, que atraiu, para Campinas, a
Figura 10. Fachada do Pavilhão do Município de Campinas. atenção das populações dos mais longínquos
Observa-se a arquitetura em linguagem estética art déco, Por mais reservas que façamos, é difícil negar Municípios paulistas. (VIEIRA, 1940, p.31)
própria da “modernidade”. Fonte: Revista Oficial da Expo-
que o ensino (ou seja, o ensino público nacional
sição-Feira do Bi-Centenário de Campinas 1739-1939. São
Paulo: J. Gozo, 1940. dos tempos modernos) funciona como motor de Os pavilhões foram construídos segundo a lin-
socialização nacional e formador de identidade. guagem estética art déco, bastante homogênea,
seguindo o ideário da modernidade na qual a ci-
Isso dá ao Estado considerável poder – e não dade se inseria (Figuras 10 e 11).
apenas ao Estado ditatorial. Obviamente, o tipo
de Estado que era chamado de totalitário, con- Já no pórtico de entrada da Exposição (Figura
centrando nas próprias mãos todo o poder e 12), os visitantes se deparavam com o projeto
todas as comunicações e tentando impor aos ci- monumental de Artacho Jurado. Uma imensa co-
dadãos um conjunto hegemônico de crenças, é luna iluminada, como se tivesse saído do filme
indesejável (...)” (HOBSBAWM, 2013, p.179-80) Metropolis, de 1927, do cineasta Fritz Lang, com-
Figura 11. Fotografia de autor desconhecido: avenida de en- pletava o conjunto arquitetônico.
trada da exposição-feira do bicentenário de Campinas. Fonte: 6. Uma imagem moderna para Campinas
Revista Oficial da Exposição-Feira do Bi-Centenário de Cam- Não à toa, a imagem da coluna iluminada fora
pinas (1739-1939). São Paulo: J. Gozo, 1940.
A montagem dos pavilhões e estandes da ex- escolhida para figurar na capa da Revista Oficial
posição foi realizada por João Artacho Jurado, da Exposição-Feira do Bi-Centenário de Campi-
nomeado como Comissário Geral da Exposição. nas (Figura 13), publicada em 1940. Na revista,
João Artacho Jurado começou sua carreira pro- encontram-se diversas imagens do evento, uma
fissional como letrista e, mais tarde, junto com grande quantidade de anunciantes do comércio
seu irmão, abriria uma fábrica de luminosos de e indústria, tanto local, como de outras cidades
néon, muito em voga na década de 1930. Em- do estado, incluindo a capital, São Paulo.
Figura 13. Representação gráfica da torre iluminada do pórti- O mesmo Almanaque de Campinas de 1900,
co de entrada da exposição. Fonte: Revista Oficial da Expo- ainda apresentou imagens fotográficas das edi-
sição-Feira do Bi-Centenário de Campinas 1739-1939. São
Paulo: J. Gozo, 1940. Acervo do Centro de Ciências, Letras e
ficações exaltadas por Sarmento em seu artigo,
Artes de Campinas - CCLA. como locais de assistência aos pobres, repre-
sentados pela Santa Casa de Misericórdia, hos-
No final do século XIX, uma série de artigos, pital dos variolosos, etc. Escolas, como o Lyceo
fotografias, desenhos etc. que circularam em de Artes e Offícios, onde os filhos dos pobres e
Campinas, procuravam apresentar a trajetória de os órfãos recebiam instrução regular e técnica e
progresso que a cidade havia retomado após as o Gymnásio do Estado, antigo Culto à Ciência,
grandes epidemias de febre amarela que grassa- onde estudavam os filhos das famílias mais abas-
ram na cidade entre 1889 e 1897. tadas. (FARDIN, 2002, pp.62-4)
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