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ALUÍSIO AZEVEDO

(São Luís, MA, 1857 - Buenos Aires, Argentina, 1913 )

Vida

Da infância e adolescência no Maranhão, ficaram algumas influências permanentes na obra de


Aluísio Azevedo:

A aproximação com o falar português, os arcaísmos o lusitanismos, freqüentes em O Mulato, O


Cortiço etc., decorrem do fato de que o Maranhão era, na época, a mais portuguesa das
províncias brasileiras, com fortes resíduos da colonização e permanente intercâmbio com Lisboa;
além disso, os pais de Aluísio eram portugueses.

A crítica à hipocrisia da vida provinciana parece também decorrente do fato de que a sociedade
conservadora de São Luís hostilizou duramente os pais de Aluísio, que não eram casados e viviam
juntos. Em O Mulato, Aluísio parece vingar-se de São Luís.

A técnica do pintor e do caricaturista que Aluísio desenvolveu, posto que sua primeira inclinação
foi para as artes plásticas, reflete-se na capacidade de, através da escrita, "visualizar"
rapidamente as personagens e cenas, captando, de imediato, seus traços mais exteriores. Se, por
um lado, essa propensão para a caricatura faz as personagens de Aluísio bastante esquemáticas,
reduzidas a "tipos", sem profundidade psicológica, por outro, possibilitou ao autor movimentar em
seus romances centenas de tipos, habilitando-o para o romance de coletividade, de multidão.

Aos 19 anos, Aluísio transfere-se para o Rio de Janeiro, onde o irmão Artur de Azevedo já fazia
sucesso com suas peças teatrais. Torna-se caricaturista e suas charges políticas apareceram em
jornais como O Fígaro, O Mequetrefe, A Semana Ilustrada, Zig-Zag etc. (Consta que, mais tarde, ao
abandonar o desenho pela literatura, Aluísio Azevedo manteve o hábito de, antes de escrever seus
romances, desenhar e pintar, sobre papelão, as personagens principais mantendo-as em sua mesa
de trabalho, enquanto escrevia).

Por ocasião da morte de seu pai, volta a São Luís, onde troca a pintura pelo jornalismo anticlerical.
Publica no Maranhão Uma Lágrima de Mulher (ainda romântico) e O Mulato (l881), que
provoca verdadeiro escândalo em São Luís (algumas personagens eram conhecidas figuras da
sociedade local).

Regressa ao Rio em 1882, quando passa a viver profissionalmente como escritor de folhetins. Foi o
nosso primeiro escritor profissional. Mas literatura não era ganha-pão viável. Assim, em 1896,
abandona definitivamente a atividade literária, ingressando na carreira diplomática. Até a morte,
em 1913, não escreveu absolutamente nada, nem romances, nem folhetins, nem teatro; produziu
apenas correspondência diplomática e algumas observações (inéditas) sobre o Japão.

Obra
• OS FOLHETINS ROMANESCOS decorrem da atividade de Aluísio como escritor profissional;
têm escasso valor literário e representam meras concessões ao gosto do leitor da época. Escritos
sem muito cuidado, para publicação na imprensa diária, o próprio autor reconhecia a fragilidade
desses trabalhos:
Uma Lágrima de Mulher, Condessa Véspor, Girândola de Amores, Filomena Borges e A
Mortalha de Alzira.
• OS ROMANCES REALISTAS/NATURALISTAS constituem o segmento apreciável da obra de
Aluísio Azevedo, ainda que seja um conjunto bastante heterogêneo, com resíduos românticos,
documentação realista, experimentação naturalista etc.
O Mulato, Casa de Pensão, O Coruja, O Homem, O Cortiço e O Livro de uma Sogra.
• CONTOS: Demônios e Pegadas.
• TEATRO: A Flor de Lis e Casa de Orates.
• CRÔNICAS: O Touro Negro (póstuma).

Características
• Obra heterogênea: alterna romances naturalistas de vigor crítico e estofa cientificista, com
melodramas românticos, publicados em folhetins pela imprensa, e que foram, durante algum
tempo, o ganha-pão do autor.
• Romance social: nos livros melhor realizados, revela extraordinário poder de dar vida aos
agrupamentos humanos, às habitações coletivas, onde os protagonistas vão, social e
moralmente, se degradando, por força da opressão social e econômica e dos impulsos
irreprimíveis da sexualidade, das taras e vícios.
• Visão rigorosamente determinista do homem e da sociedade, submetidas às leis
inexoráveis da raça (instinto, hereditariedade), do meio (geográfico, social) e do momento
(circunstâncias históricas).
• Influências de Eça de Queirós e Émile Zola.
• Utilizou a técnica do tipo, deformando, pelo exagero, os traços, criando verdadeiras
caricaturas. Não conseguiu criar personagens que pudessem transcender às condições sociais que
as geraram. As personagens são psicologicamente superficiais e subsistem apenas em função
de contextos ,predeterminados. Não há o drama moral, os protagonistas são vistos "de fora", e a
tragédia em que as tramas desembocam, decorre apenas do fatalismo das doutrinas
deterministas.
• Não há o refinamento estilístico de Machado de Assis, nem a potência verbal de Raul Pompéia;
mas os diálogos se salvam pela vivacidade, pela frase sempre incisiva. Há visível tendência
lusitanizante pelo emprego de arcaísmos e palavras "portuguesas", o que se explica pela origem
luso-maranhense do autor.

O Mulato (Aluísio Azevedo - 1881)


Resumo
Saindo criança de São Luís para Lisboa, Raimundo viajava órfão de pai, um ex-comerciante
português, e afastado da mãe, Domingas, uma ex-escrava do pai.
Depois de anos na Europa, Raimundo volta formado para o Brasil. Passa um ano no Rio e decide
regressar a São Luís para rever seu tutor e tio, Manuel Pescada.
Bem recebido pela família do tio, Raimundo desperta logo as atenções de sua prima Ana Rosa
que, em dado momento, lhe declara seu amor.
Essa paixão correspondida encontra, todavia, três obstáculos: o do pai, que queria a filha casada
com um dos caixeiros da loja; o da avó Maria Bárbara, mulher racista e de maus bofes; o do
Cônego Diogo, comensal da casa e adversário natural de Raimundo.
Todos três conheciam as origens negróides de Raimundo. E o Cônego Diogo era o mais
empenhado em impedir a ligação, uma vez que fora responsável pela morte do pai do jovem.
Foi assim: depois que Raimundo nasceu, seu pai, José Pedro da Silva, casou-se com Quitéria
Inocência de Freitas Santiago, mulher branca. Suspeitando da atenção particular que José
Pedro dedicava ao pequeno Raimundo e à escrava Domingas, Quitéria ordena que açoitem a
negra e lhe queimem as partes genitais. Desesperado, José Pedro carrega o filho e leva-o para a
casa do irmão, em São Luís. De volta à fazenda, imaginando Quitéria ainda refugiada na casa da
mãe, José Pedro ouve vozes em seu quarto. Invadindo-o, o fazendeiro surpreende Quitéria e o
então Padre Diogo em pleno adultério. Desonrado, o pai de Raimundo mata Quitéria, tendo Diogo
como testemunha. Graças à culpa do adultério e à culpa do homicídio, forma-se um pacto de
cumplicidade entre ambos. Diante de mais essa desgraça, José Pedro abandona a fazenda, retira-
se para a casa do irmão e adoece. Algum tempo depois, já restabelecido, José Pedro resolve voltar
à fazenda, mas, no meio do caminho, é tocaiado e morto. Por outro lado, devagarzinho, o Padre
Diogo começara a insinuar-se também na casa de Manuel Pescada.
Raimundo ignorava tudo isso.
Em São Luís, já adulto, sua preocupação básica é a de desvendar suas origens e, por isso, insiste
com o tio em visitar a fazenda onde nascera. Durante o percurso a São Brás, Raimundo começa a
descobrir os primeiros dados sobre suas origens e insiste com o tio para que lhe conceda a mão de
Ana Rosa. Depois de várias recusas, Raimundo fica sabendo que o motivo da proibição devia-se à
cor de sua pele.
De volta a São Luís, Raimundo muda-se da casa do tio, decide voltar para o Rio, confessa em carta
a Ana Rosa seu amor, mas acaba não viajando.
Apesar das proibições, Ana Rosa e ele concertam um plano de fuga. No entanto, a carta principal
fora interceptada por um cúmplice do Cônego Diogo, o caixeiro Dias, empregado de Manuel
Pescada e forte pretendente, sempre repelido, à mão de Ana Rosa.
Na hora da fuga, os namorados são surpreendidos. Arma-se o escândalo, do qual o cônego é o
grande regente. Raimundo retira-se desolado e, ao abrir a porta de casa, um tiro acerta-o pelas
costas. Com uma arma que lhe emprestara o Cônego Diogo, o caixeiro Dias assassina o rival.
Ana Rosa aborta.
Entretanto, seis anos depois, vemo-la saindo de uma recepção oficial, de braço com o Sr. Dias e
preocupada com os "três filhinhos que ficaram em casa, a dormir".

Aspectos relevantes
É apontado como a obra inaugural do Naturalismo no Brasil (1881). Podem ser identificados
alguns elementos naturalistas:
• A CRÍTICA SOCIAL, através da sátira impiedosa dos tipos de São Luís: o comerciante rico e
grosseiro, a velha beata e raivosa, o padre relaxado e assassino, e uma série de personagens que
resvalam sempre para o imoral e para o grotesco. Já dissemos que esses tipos são, muitas vezes,
pessoas que realmente viveram em São Luís, conhecidas pelo autor.
• ANTICLERICALISMO, projetado na figura do padre e depois cônego Diogo, devasso, hipócrita
e assassino.
• OPOSIÇÃO AO PRECONCEITO RACIAL, que é o fulcro de toda a trama.
• O ASPECTO SEXUAL, referido expressamente em relação à natureza carnal da paixão de Ana
Rosa pelo mulato Raimundo.
• O TRIUNFO DO MAL, já que, no desfecho, os crimes ficam impunes e os criminosos são
gratificados: a heroína acaba se casando com o assassino de Raimundo (grande amor de sua
vida), e o Pe. Diogo, responsável por dois crimes, é promovido a cônego.
Contudo, há fortes resíduos românticos:
• Escrito em plena efervescência da Campanha Abolicionista, Aluísio Azevedo não manteve a
postura neutra, imparcial, que caracteriza os autores realistas/naturalistas. Ao contrário, ele toma
partido do mulato, do homem de cor, idealizando exageradamente Raimundo, que mais
parece o herói dos romances românticos (ingênuo, bondoso, ama platonicamente Ana Rosa e
ignora a sua condição de homem de cor). Observe que Raimundo é cientificamente inverossímel
(filho de pai branco e mãe negra retinta, o filho tem "grandes olhos azuis, cabelos pretos e
lustrosos, tez morena e amulatada, mas fina").
• A trama da narração é romântica e desenvolve o velho chavão romântico da história de amor
que as tradições e o preconceito impedem de se realizar. Além disso, a história é verdadeiramente
rocambolesca (= complicada, "enrolada").
TEXTO I
Observe, na descrição de Raimundo, a idealização própria dos romancistas românticos, a
superioridade absoluta: moral, intelectual e mesmo física:
"Raimundo tinha vinte e seis anos e seria um tipo acabado de brasileiro, se não foram os grandes olhos azuis,
que puxara do pai. Cabelos muito pretos, lustrosos e crespos,, tez morena e amulatada, mas fina,- dentes
claros que reluziam sob a negrura do bigode, estatura alta e elegante, pescoço largo, nariz direito e fronte
espaçosa. A parte mais característica de sua fisionomia era os olhos grandes, ramalhudos, cheios de sombras
azuís, pestanas eriçadas e negras, pálpebras de um roxo vaporoso e úmido,- as sobrancelhas, muito
desenhadas no rosto, como a nanquim, faziam sobressair a frescura da epiderme, que, no lugar da barba
raspada, lembrava os tons suaves e transparentes de uma aquarela sobre papel de arroz.
Tinha os gestos bem educados, sóbrios, despidos de pretensão, falava em voz baixa, distintamente, sem armar
ao efeito, vestia-se com seriedade e bom gosto; amava os artes, as ciências, a literatura e, um pouco menos, a
política."
Atividades
TEXTO II
Observe no texto abaixo a caracterização dos costumes da província, dos mexericos e do
preconceito, manifesto na "fofoca" de que participam D. Bibina, Lindoca, D. Maria do Carmo e
Amância Souselas:
"- Ele não é feio... a senhora não ache, D. Bibina ?... segredava Lindoca à outra sobrinha de D. Maria do
Carmo, olhando furtivamente para o lado de Raimundo.
- Quem? O primo d’Ana Rosa?
- Primo? Eu creio que ele não é primo, dona !
- É! sustentou Bibina, quase com arrelie. É primo sim, por parte de pai !...
Por outro lado, María do Carmo segredava a Amâncla Souselas:
- Pois é o que lhe digo, D. Amáncía: muito boa preta!... negra como este vestido! Cá está quem a conheceu!...
E batia no seu peito sem seios. - Muita vez a vi no relho. Iche !
- Ora quem houvera de dizer!... resmungou a outro, fingindo ignorar da existência de Domingas, para ouvir
mais. Uma coisa assim só no Maranhão! Credo!"
TEXTO III
Observe a nitidez com que o autor retrata o ambiente da cidade (descrição de São Luiz):
"Era um dia abafadiço e aborrecido. A pobre cidade de São Luís do Maranhão parecia entorpecida pelo calor.
Quase que se não podia sair à rua: as pedras escaldavam, os vidraças e os lampiões faiscavam ao sol como
enormes diamantes, as paredes tinham reverberações de prata polida; os folhas das árvores nem se mexiam;
os carroças d’água passavam ruidosamente a todo o instante, abalando os prédios, e os aguadeiros, em
mangas de camisa e pernas arregaçados, invadiam sem cerimônia as casas para encher as banheiras e os
potes. Em certos pontos não se encontra vã viva alma no rua; tudo estava concentrado, adormecido; só os
pretos faziam as compras para o jantar ou andavam no ganho."

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O Mulato - Aluísio Azevedo
Saindo criança de São Luís para Lisboa, Raimundo viajava órfão de pai, um ex-
comerciante português, e afastado da mãe, Domingas, uma ex-escrava do pai. Depois de
anos na Europa, Raimundo volta formado para o Brasil. Passa um ano no Rio e decide
regressar a São Luís para rever seu tutor e tio, Manuel Pescada.Bem recebido pela família
do tio, Raimundo desperta logo as atenções de sua prima Ana Rosa que, em dado
momento, lhe declara seu amor.
Essa paixão correspondida encontra, todavia, três obstáculos: o do pai, que queria
a filha casada com um dos caixeiros da loja; o da avó Maria Bárbara, mulher racista e de
maus bofes; o do Cônego Diogo, comensal da casa e adversário natural de Raimundo.
Todos três conheciam as origens negróides de Raimundo. E o Cônego Diogo era o
mais empenhado em impedir a ligação, uma vez que fora responsável pela morte do pai
do jovem.
Foi assim: depois que Raimundo nasceu, seu pai, José Pedro da Silva, casou-se com
Quitéria Inocência de Freitas Santiago, mulher branca. Suspeitando da atenção particular
que José Pedro dedicava ao pequeno Raimundo e à escrava Domingas, Quitéria ordena
que açoitem a negra e lhe queimem as partes genitais. Desesperado, José Pedro carrega
o filho e leva-o para a casa do irmão, em São Luís. De volta à fazenda, imaginando
Quitéria ainda refugiada na casa da mãe, José Pedro ouve vozes em seu quarto.
Invadindo-o, o fazendeiro surpreende Quitéria e o então Padre Diogo em pleno adultério.
Desonrado, o pai de Raimundo mata Quitéria, tendo Diogo como testemunha. Graças à
culpa do adultério e à culpa do homicídio, forma-se um pacto de cumplicidade entre
ambos. Diante de mais essa desgraça, José Pedro abandona a fazenda, retira-se para a
casa do irmão e adoece. Algum tempo depois, já restabelecido, José Pedro resolve voltar
à fazenda, mas, no meio do caminho, é tocaiado e morto. Por outro lado, devagarzinho, o
Padre Diogo começara a insinuar-se também na casa de Manuel Pescada.
Raimundo ignorava tudo isso. Em São Luís, já adulto, sua preocupação básica é a
de desvendar suas origens e, por isso, insiste com o tio em visitar a fazenda onde
nascera. Durante o percurso a São Brás, Raimundo começa a descobrir os primeiros
dados sobre suas origens e insiste com o tio para que lhe conceda a mão de Ana Rosa.
Depois de várias recusas, Raimundo fica sabendo que o motivo da proibição devia-se à
cor de sua pele.
De volta a São Luís, Raimundo muda-se da casa do tio, decide voltar para o Rio,
confessa em carta a Ana Rosa seu amor, mas acaba não viajando. Apesar das proibições,
Ana Rosa e ele concertam um plano de fuga. No entanto, a carta principal fora
interceptada por um cúmplice do Cônego Diogo, o caixeiro Dias, empregado de Manuel
Pescada e forte pretendente, sempre repelido, à mão de Ana Rosa.
Na hora da fuga, os namorados são surpreendidos. Arma-se o escândalo, do qual o
cônego é o grande regente. Raimundo retira-se desolado e, ao abrir a porta de casa, um
tiro acerta-o pelas costas. Com uma arma que lhe emprestara o Cônego Diogo, o caixeiro
Dias assassina o rival.
Ana Rosa aborta. Entretanto, seis anos depois, vemo-la saindo de uma recepção
oficial, de braço com o Sr. Dias e preocupada com os "três filhinhos que ficaram em casa,
a dormir".

Trechos:
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"Raimundo tinha vinte e seis anos e seria um tipo acabado de brasileiro, se não foram os
grandes olhos azuis, que puxara do pai. Cabelos muito pretos, lustrosos e crespos,, tez
morena e amulatada, mas fina,- dentes claros que reluziam sob a negrura do bigode,
estatura alta e elegante, pescoço largo, nariz direito e fronte espaçosa. A parte mais
característica de sua fisionomia era os olhos grandes, ramalhudos, cheios de sombras
azuis, pestanas eriçadas e negras, pálpebras de um roxo vaporoso e úmido,- as
sobrancelhas, muito desenhadas no rosto, como a nanquim, faziam sobressair a frescura
da epiderme, que, no lugar da barba raspada, lembrava os tons suaves e transparentes
de uma aquarela sobre papel de arroz.
Tinha os gestos bem educados, sóbrios, despidos de pretensão, falava em voz
baixa, distintamente, sem armar ao efeito, vestia-se com seriedade e bom gosto; amava
as artes, as ciências, a literatura e, um pouco menos, a política."
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"- Ele não é feio... a senhora não ache, D. Bibina ?... segredava Lindoca à outra
sobrinha de D. Maria do Carmo, olhando furtivamente para o lado de Raimundo.
- Quem? O primo d'Ana Rosa?
- Primo? Eu creio que ele não é primo, dona !
- É! sustentou Bibina, quase com arrelie. É primo sim, por parte de pai !...
Por outro lado, María do Carmo segredava a Amâncla Souselas:
- Pois é o que lhe digo, D. Amáncía: muito boa preta!... negra como este vestido!
Cá está quem a conheceu!...
E batia no seu peito sem seios. - Muita vez a vi no relho. Iche !
- Ora quem houvera de dizer!... resmungou a outro, fingindo ignorar da existência
de Domingas, para ouvir mais. Uma coisa assim só no Maranhão! Credo!"
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"Era um dia abafadiço e aborrecido. A pobre cidade de São Luís do Maranhão
parecia entorpecida pelo calor. Quase que se não podia sair à rua: as pedras escaldavam,
os vidraças e os lampiões faiscavam ao sol como enormes diamantes, as paredes tinham
reverberações de prata polida; os folhas das árvores nem se mexiam; os carroças d'água
passavam ruidosamente a todo o instante, abalando os prédios, e os aguadeiros, em
mangas de camisa e pernas arregaçados, invadiam sem cerimônia as casas para encher
as banheiras e os potes. Em certos pontos não se encontra vã viva alma no rua; tudo
estava concentrado, adormecido; só os pretos faziam as compras para o jantar ou
andavam no ganho."

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